CAVERNA DA CARIDADE, CAICÓ, SERTÃO DO SERIDÓ, RIO GRANDE DO NORTE – ANTIGO ESCONDERIJO DE CANGACEIROS

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CONHEÇA AQUI A HISTÓRIA DESTA INTERESSANTE CAVERNA SERIDOENSE E ASSISTA UM VÍDEO SOBRE O LOCAL

Autor – Rostand Medeiros – Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN

Já tínhamos ouvido vários comentários sobre a Gruta ou Caverna da Caridade, em Caicó, mas nunca tinha tido oportunidade de visitar este local. Ela esta localizada nas proximidades da Fazenda Caridade, na Serra da Cruz, já próximo a área territorial do município de Jucurutu. É uma caverna com água constante, em pleno sertão, muito interessante e difícil no seu deslocamento interno.

Salão principal da Caverna da Caridade, onde provavelmente se esconderam os cangaceiros de Antônio Silvino em 1901

Antigo local onde viveram os primeiros habitantes do sertão, possui muitas histórias e pode ter sido esconderijo de membros do grupo do cangaceiro Antônio Silvino, que esteve na região em 1901, após o famoso “Fogo da Pedreira”.

Os índios e a ocupação dos europeus

Os antigos que deixaram registros na Caverna da Caridade, formaram os grupos indígenas que durante séculos viveram da caça e da coleta no sertão potiguar.

Dentre tais, os membros da nação Tarairiús habitaram a região, fazendo parte as tribos dos Paiacus, os Jenipapos, Canindés, Pegas, Sucurus e outros. É provável que membros desses grupos tenham se utilizado da cavidade, em algum momento, principalmente pela fonte de água.

Registros rupestres na área externa da Caverna da Caridade

Entretanto, sem uma exploração arqueológica no sítio, é impossível firmar certezas.

Quase duzentos anos após o descobrimento, os primeiros habitantes brancos chegaram à região das ribeiras dos rios Seridó e Piranhas. Durante a ocupação, os colonizadores encontraram as aguerridas tribos indígenas da nação Tarairiús. O Seridó vivenciou, então, a terrível e pouco conhecida Guerra dos Bárbaros, o conflito provocado pela ocupação europeia e a resistência indígena no Nordeste do Brasil.

Casa da Fazenda Caridade. Típica da região

Mas essa oposição, ainda que heroica, mostrou-se infrutífera diante da enorme superioridade militar do colonizador, como também as dificuldade dos indígenas de se unirem contra o inimigo comum. Nos raros momentos de união contra os brancos, os silvícolas criaram as chamadas “Confederações”, dispensando aos conquistadores muito trabalho para dominá-los.

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Interior da gruta – Crédito – Solon Almeida Netto.

Com o fim da guerra, o Seridó passou a ser sistematicamente ocupado pelos portugueses, que rapidamente se misturaram com as índias da região e trouxeram seus gados.

A Serra da Cruz, onde está a caverna, passou a receber colonizadores entre a segunda metade do séc. XVII e o início do séc. XVIII, sendo construídas fazendas para criação bovina. As casas principais eram sempre edificadas próximas a água, em terrenos elevados, sobre plataformas, com paredes apresentando pé-direito alto, utilizando-se pedra e adobe na sua construção, bem como a técnica da “taipa de sopapo”. As cumeeiras mostravam-se altas para amenizar o calor, sendo, normalmente, em “duas águas”.

Serra da Cruz, onde se localiza a caverna

Isoladas e com dificuldades de abastecimento e comunicação, as casas possuíam grossas paredes para defesa. Imprescindível, ainda, era o alpendre, para receber os raros visitantes.

As residências rurais remanescentes do período, mesmo estando muitas em deplorável estado de preservação, pressupõem imponência e força. As propriedades mais antigas construídas no entorno da cavidade natural foram a própria Fazenda Caridade, a Inês dos Ferreiras (ou Inês Velha) e, mais ao sul, a imponente Fazenda Dominga.

A “Caverna Esconderijo” de Nobres e Cangaceiros

Na região da Caridade o passado e o presente parecem confundir-se, sendo comum encontrar pessoas que narram a  principal marca das antigas gerações; as suas histórias.

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Segundo o senhor Nelson Soares de Medeiros, o “Nelson Carneirinho”, os mais antigos comentavam que a fazenda foi construída nesse local por estar próxima a um sítio fértil, além de existir água na Caverna da Caridade, explicando-se o nome da propriedade e da cavidade natural. Para ele “É uma caridade que um lugar como aquele nunca deixou de ter água”. Os relatos dos habitantes corroboram que, mesmo nas piores secas, a fonte da Caridade jamais deixou de verter.

Há uma notícia sobre a Caverna da Caridade no livro “Acari – Fundação, História, Desenvolvimento” de Jayme da Nóbrega Santa Rosa, de 1974. O autor comenta, mesmo sem citar fontes, nem fornecer maiores detalhes, que, durante a passagem pela região dos revoltosos pernambucanos da Confederação do Equador, no ano de 1824, tendo como um dos seus comandantes o Frei Caneca do Amor Divino, o lugar teria servido de esconderijo para o padre caicoense Francisco de Brito Guerra e o poderoso fazendeiro acariense Tomás de Araújo Pereira.

Caridade 1 - Alex Gomes
As marcas da água na Caridade – Crédito — Alex Gomes

O Padre Brito Guerra foi o primeiro senador do Rio Grande do Norte e Tomás de Araújo, após a proclamação da independência em 1822, foi o primeiro governador da província potiguar.

O autor do livro informa que conheceu a caverna na década de 1920, junto com seu pai e um guia da região, fornecendo interessantes detalhes do interior e fazendo uma razoável descrição do local.

Notícia original do “Fogo da Pedreira”, fevereiro de 1901

Já em relação a utilização desta cavidade natural como esconderijo de cangaceiros, Seu Nelson comenta que o caso se deu após o famoso combate ocorrido entre o grupo de cangaceiros de Antônio Silvino e polícia paraibana, na Fazenda Pedreira, do coronel Janúncio Salustiano, no dia 15 de fevereiro de 1901 (Sobre este combate ver – http://antonioadrianomedeiros.blogspot.com/p/curiosidades.html).

Em meio a uma festa, a polícia paraibana cercou o local e abriu fogo. Morreu no primeiro momento o cangaceiro Pilão Deitado, mas logo depois os policiais Nestor e Estolão morriam varados de balas quando foram saquear os bornais do cangaceiro anteriormente morto.

Logo os cangaceiros se dispersaram pela região rural de Caicó e paulatinamente vários deles foram sendo mortos a mando da elite agrária da região. Foi um corretivo pela afronta de Antônio Silvino em vir a região e um aviso para que estes guerreiros das caatingas não voltassem mais ao Seridó.

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Um dos mortos foi Felix José da Costa, mais conhecido como Azulão, um negro alto, forte e valente, nascido na Fazenda Dominga, localizada nas proximidades da Caverna da Caridade.

Segundo Seu Nelson, o cangaceiro Azulão conhecia a localização da Caverna da Caridade e sabia que no local havia água. A ideia do foragido era “dar um tempo” e procurar os amigos que tinha naquele setor e assim escapar daquela situação.

Na caverna, junto com Azulão,  estava o cangaceiro conhecido como Moreninho.

Notícia da morte de Azulão na Fazenda Dominga

Consta que após o tiroteio na Pedreira, os dois cangaceiros vararam o sertão em direção Norte/Nordeste, passando pela região onde hoje se encontra o Açude Itans, mantendo a cidade de Caicó a esquerda deles. Seguiram então pelas proximidades das Serra da Bernarda e da Formiga, até a região da Serra da Cruz, em um estirão comprido, mas que o desespero ajudava a amenizar a distância.

Segundo Seu Nelson, antes dos fugitivos chegarem a caverna, passaram na casa de conhecidos, se abasteceram e seguiram para Serra da Cruz, onde passaram cerca de dez dias e noites na cavidade, logo no salão frontal do local.

No dia 25 de fevereiro eles saíram do abrigo rochoso e foram em busca da Fazenda Dominga, do tenente-coronel Gorgônio Ambrósio da Nóbrega, algum apoio.

Caridade 4 - Alex Gomes
Passagens da Caridade – Crédito – Alex Gomes

Mas o que encontraram foi bala. A polícia, avisada pelo pessoal da propriedade, deram cabo dos dois homens.

Segundo Seu Nelson, ele sabe bastante desta história pois um dos um dos homens que participaram da ação foi seu pai. Ele comenta que sabe até mesmo onde os homens estão enterrados a sombra da Serra da Cruz.

A Caridade

Quem chega à Caverna da Caridade depara-se na entrada com vastos painéis de gravuras rupestres. As fantásticas sequências se iniciam nas margens rochosas do pequeno córrego que escorre da entrada da caverna e desce pela Serra da Cruz, passando, inclusive, pela entrada de outra cavidade, a chamada Falsa Caridade, uma pequena gruta a poucas dezenas de metros da entrada principal da Caridade.

Um astro celeste?

Os registros rupestres são um forte indicativo da evolução das manifestações artísticas dos povos primitivos. Para melhor entendimento, os arqueólogos definiram que as pinturas e gravuras fossem agrupadas em “Tradições”. No Nordeste brasileiro existem três grandes Tradições: Nordeste, Agreste e as Itaquatiaras, as quais são subdividas em outras classes.

Itaquatiaras, ou “pedras pintadas” em língua tupi, conhecidas pelos sertanejos como “pedra de letreiro” ou “pedra lavrada”, são gravuras feitas em rocha, ou petróglifos, possuindo como principal característica o fato de serem encontradas nos afloramentos rochosos próximos a locais que concentram água.

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Registros rupestres gravados na pedra, em meio a pichações.

A Caridade é, basicamente, uma caverna formada por um pequeno rio. O vão interno é bastante sinuoso, repleto de curvas que a água incessantemente, ao longo de milhares e milhares de anos, esculpiu na pedra. Há poucas passagens laterais, podendo ser descrita como um longo corredor. Essas características facilitam qualquer topografia, mas, por outro lado, existem lá algumas sérias dificuldades. A primeira dela é que, praticamente, o tempo inteiro o avanço ocorre por dentro d’água, molhando-se todo o equipamento. Há passagens extremamente apertadas, as quais um sujeito magro transpõe com dificuldades.

Analisando o local, no caso de Azulão e Moreninho terem utilizado a cavidade como abrigo, sem dúvida que o local ideal deve ter sido o primeiro salão, apresentado na foto inicial deste artigo.

Infelizmente concluímos nossa visita a noite, sem tempo de visitar a Fazenda Dominga.

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Caridade – Créditos – Solon Almeida Netto

Filmagem

A filmagem realizada no local teve como objetivo fazer um registro visual simplificado da cavidade e desta visita, cuja realização e edição ficaram a cargo de Ricardo Sávio Trigueiro de Morais.

Os participantes deste grupo fazem parte da SEPARN – Sociedade para Pesquisa e Desenvolvimento Ambiental do Rio Grande do Norte e da SEP – Sociedade Espeleológica Potiguar, duas ONGs que batalham pelo conhecimento e preservação das cavernas potiguares. Participaram desta visitação, além de Ricardo, Sólon Rodrigues Almeida Netto, André Mota e Rostand Medeiros.

Para acessar o vídeo da visita a Caverna da Caridade, clique no link abaixo;

https://www.youtube.com/watch?v=f5d3DfJSaKs

9 comentários sobre “CAVERNA DA CARIDADE, CAICÓ, SERTÃO DO SERIDÓ, RIO GRANDE DO NORTE – ANTIGO ESCONDERIJO DE CANGACEIROS

  1. Francisco Garcia de Medeiros 15/01/2012 / 22:11

    sobre o fogo da Pedreira, especificamente em relação a Capitão Aristedes, minha mãe, de 88 anos, sempre contou essa história e esses detalhes ouvidos de seus pais e avós e sabido por todos os seus parentes em São João do Sabugi, no Riacho Cipó. Boas informações.
    Francisco Garcia de Medeiros
    Caicó/Rn

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  2. J.Júnior 08/02/2012 / 11:25

    ola sou J.Júnior de Florânia… Trabalho com cinema e sou um aventureiro explorando a ajudando a manter e preservar a cultura dos antepassados… agora eu e a minha equipe da “JOTA FILMES” estamos produzindo um documentário sobre aparições de disco voador (óvni) na região Florânia/Caicó/Tenente Laurentino/S.Vicente. e já havia visitado a caverna da caridade fiquei encantado com a parte que me toca, gravuras talhadas nas pedras e dentro da minha pesquisa vi semelhança em algumas das inscrições no caso a do sol por ex: que cabe bem no tocante do ter alguma influencia de extra terrestre …. vamos a fundo.

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  3. Ontem Antônio Silvino… Com muito orgulho cangaçeiro, justiçeiro e amante de Seridó. Hoje, Elizio Gustavo… Carcará… Com mais orgulho ainda de ser policial civil, justo e ainda amante do Seridó. Existem coisas que seríam defíceis demais de explicar… Aí, a gente entende a sabedoria divina. Leitura que confirma lembanças…

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  4. Assis Filho 22/06/2013 / 20:57

    Eu, Assis, neto de Chico Cristôvam ouvi muitas vezes meu avô falar histórias sobre a gruta da Caridade. Fico feliz por saber um pouco mais dessa história, que eu, como um Seridoense me emociono sempre que vejo alguém falar nessas histórias.

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    • Rostand Medeiros 22/06/2013 / 21:19

      Ôpa Assis,
      Coisa boa sua mensagem.
      me deixou muito feliz por saber que estamos no caminho certo.
      Muito obrigado pelo comentário.
      Abraços.
      Rostand

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    • Enoque Araújo de Medeiros 14/06/2017 / 18:28

      Assis Filho, fui criado no sítio Inês dos Batistas e conheci seu avô, nos anos 70. No ano passado fui com alguns irmãos na gruta da Caridade.

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  5. Assis Filho 28/06/2013 / 22:28

    ROSTAD NASCI E ME CRIEI ALI NA CARIDADE ,RIACHÃO ,INES VELHA .OLHANDO AGORA AS FOTOS DA SERRA ME EMOCIONEI MUITO,QUERIA AQUI TE PARABENIZAR PELO SEU TRABALHO ACHO MUITO IMPORTANTE CONTINUE ASSIM VC ESTAR NO CAMINHO CERTO PARABENS

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  6. Janice 02/07/2017 / 18:59

    Gostaria saber se quem administra esse blog conhece alguém da família Pereira, do Sítio Riacho do Feijão? Alguém da família de Adeco Maia? Minha vó morava nesse sítio até casar com meu avô e vir pra Paraíba. Não conhecemos nenhum dos seus familiares.
    Entre em contato pelo meu email barbosa.janice29@gmail.com

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