JUDEUS SEM SABER

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Fonte – http://culturahebraica.blogspot.com.br/2013_06_23_archive.html

Perseguidos na Europa pela Inquisição, centenas de judeus se exilaram na América no fim da Idade Média. Cinco séculos depois, descendentes tentam descobrir suas raízes

Eduardo Manet não esquece aquela noite de junho de 1943. O tempo estava bom em Havana. Ele e a mãe tinham ido ao cinema. Na volta para casa, o futuro escritor cubano ouviu a mãe explicar que ela havia nascido em uma família “Marrana”. O menino não entendeu imediatamente o que aquilo queria dizer. “Creio que não ouvi direito… o ruído do mar, meus ouvidos zumbiam…”

A frase não fazia sentido para Manet. “Marrano” significa “porco” em espanhol. Confuso, ele perguntou: “Como assim? Você nasceu com os porcos?”. O adolescente, prestes a completar 13 anos, compreendeu na hora que acabara de ferir profundamente a mãe. Com uma expressão séria no rosto, ela explicou ao filho o sentido religioso do termo: “Chamamos de Marranos os judeus sefarditas que foram obrigados a se converter à religião católica no fim do século XV. Eles não tinham escolha: era o exílio ou a conversão. Os que não quiseram abandonar a terra de seus ancestrais nem se converter ao catolicismo acabaram na fogueira”.

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Obra mostra cena de explusão de judeus da Espanha em 1492. Muitos deixaram o país, mas outros optaram por ficar e se onverter ao catolicismo. (Xilogravura, Michaly von Zichy, 1880, posteriormente colorizada)

Sessenta anos depois, o escritor manteve gravado na memória esse dia em que descobriu o segredo de sua família. Ele era judeu sem o saber. Ou melhor, era um criptojudeu. Inspirado por essa revelação, decidiu pesquisar mais a fundo a história de seus antepassados. Em 2007, reuniu o resultado de seus estudos para escrever o livro Marrane! (Marrano!), publicado pela editora francesa Hugo et Compagnie. A obra não é apenas uma emocionante viagem à Cuba da juventude do autor, mas também um interessante relato sobre a trajetória de uma família marrana que se refugiou no Novo Mundo para fugir da Inquisição. Em busca das origens, o autor se debruçou sobre sua árvore genealógica e retrocedeu no tempo até chegar a doña Asunción, judia sefardita que foi obrigada a dissimular sua religião na Espanha do século XV.

Naquela época, os judeus eram alvo de uma feroz perseguição religiosa na Península Ibérica. O antissemitismo não era novo. As primeiras manifestações desse tipo de preconceito remontam à Antiguidade, mas só no fim do século XIV a intolerância assumiu a forma de grandes massacres de judeus, os chamados pogroms. A situação dos filhos de Israel só piorou quando, cem anos depois, a rainha Isabel de Castela, conhecida como “a Católica”, assinou vários decretos reais condenando severamente todos os hebreus que não abraçassem a fé cristã.

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Há quem garanta que Colombo foi judeu, assim como grande parte da tripulação de suas três caravelas. (Chegada de Colombo na América em 1492, óleo sobre tela John Vanderlyn, séc. XIX)

Milhares de judeus passaram então a esconder sua religião. A Inquisição se mostrou especialmente implacável com eles. Em 1481, muitos Talmudes (livros que registram as leis e costumes dos hebreus) foram queimados em autos de fé organizados em toda a Espanha. Em 1492, os reis católicos tomaram Granada, expulsando definitivamente os muçulmanos da Península Ibérica. Senhores absolutos da Espanha e contando com o apoio do papa Sisto IV, que reconheceu oficialmente a Inquisição espanhola em uma bula de 1478, os soberanos de Castela e Aragão assinaram o Decreto de Alhambra em 31 de março de 1492, que expulsou os judeus do reino espanhol. De acordo com esse texto, todos os súditos hebreus deveriam se converter ao catolicismo ou partir. Apesar da enérgica ação de Isaac Abravanel, funcionário da corte de Isabel de Castela que tentou obter a anulação do decreto, as perseguições se intensificaram.

Centenas de milhares de israelitas (entre 200 mil e 400 mil pessoas, dependendo da fonte) escolheram deixar o país. Alguns foram para Portugal, de onde foram expulsos em 1497. Outros atravessaram o estreito de Gibraltar para viver livremente sua fé do outro lado do Mediterrâneo, no Marrocos. Muitos fugiram para o Oriente – para a Itália, para o leste da Europa, para o Egito ou para a Palestina. Houve os que encontraram refúgio no Império Otomano, onde o sultão Bayazid II lhes ofereceu sua hospitalidade. Os que ficaram (cerca de 150 mil) se converteram, mas um grande número continuou a viver secretamente de acordo com a tradição judaica.

Não era fácil professar a fé na clandestinidade, principalmente na ausência de rabinos e de ensino religioso. Praticados de forma secreta, os ritos e as festas perdiam às vezes o sentido, mas os gestos sobreviveram e foram transmitidos de pai para filho. A comunidade dos marranos na Europa, também chamados de “conversos”, contava com algumas celebridades, como o filósofo Baruch Spinoza (que acabou rompendo com o judaísmo), ou Antoine de Luppes, avô materno do filósofo Michel de Montaigne.

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Página original do decreto, assinado pelos soberanos de Castela e Aragão, que determinou a expulsão dos judeus no século XV

Há quem diga que o próprio Cristóvão Colombo era um criptojudeu, mas não há provas que corroborem tal afirmação. A única certeza é que grande parte dos financiadores de sua expedição de 1492 era judia. Entre eles estavam Abraão e Isaac Abravanel, Juan Cabrero, Luis de Santángel, Gabriel Sánchez e Alfonso de la Caballeria. Segundo Lee Friedman, autor de um estudo sobre os pioneiros judeus do Novo Mundo intitulado Jewish pioneers and patriots (Pioneiros e patriotas judeus), vários membros da tripulação das três caravelas da expedição de Colombo seriam judeus. Alguns teriam, inclusive, criado raízes na América desde a primeira missão, em agosto-setembro de 1492. Cada nova onda de conquistadores trouxe novos criptojudeus.

Desde a década de 60, diversas comunidades marranas vêm sendo identificadas no continente americano. Não só em Cuba, mas também em Porto Rico, no Brasil (a partir dos anos 80), no México e nos Estados Unidos. Um dos casos mais interessantes é o de um grupo de moradores da região do Novo México, nos EUA, que, apesar de oficialmente cristãos, seguem há várias décadas as tradições judaicas sem sequer ter consciência disso.

A revelação sobre as raízes israelitas dessa comunidade do sudoeste dos Estados Unidos foi feita pelo historiador Stanley Hordes em 2005 e gerou polêmica entre a população local. Segundo Hordes, o Novo México abrigaria uma das mais antigas comunidades criptojudaicas da América. O historiador de Santa Fé revelou que centenas de viejitos – como são conhecidos lá os velhos habitantes hispanófonos – ignoram que mantêm vivos diversos elementos da tradição israelita há centenas de anos, mesmo se considerando oficialmente católicos.

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Eduardo Manet, escritor cubano, que se descobriu marrano: pesquisa resultou num livro que vai da inquisição à Cuba do século XX

Eles evitam, por exemplo, comer carne de porco e acendem duas velas nas sextas-feiras à noite. A oração que recitam em enterros seria muito próxima de uma prece judaica chamada kaddish, mas não existe sinagoga alguma em um raio de mil quilômetros e eles não conhecem a Torá.

Hordes divulgou sua pesquisa no livro To the end of the Earth – A history of the crypto-jews of New Mexico (Até o fim do mundo – Uma história dos criptojudeus do Novo México), publicado em 2005. Nessa obra, o historiador defende a ideia de que os ancestrais dessa “tribo perdida” seriam marranos vindos no rastro de Hernán Cortez, explorador espanhol que conquistou o México em 1519. Segundo Hordes, esses descendentes de judeus teriam se instalado na fronteira norte do império colonial espanhol, no território correspondente ao atual Novo México, onde era mais fácil escapar da autoridade da Igreja e do Estado e praticar sua fé livremente.

Para sustentar sua tese, Hordes cita várias biografias de conquistadores investigados por tribunais espanhóis por causa de suas crenças religiosas. O principal caso seria o de um certo Luis de Carvajal, sobrinho do governador da província de Nuevo León, no México. Ele, sua mãe e sua irmã foram condenados à morte em 1596 por serem judeus. Seu tio e outros 170 marranos teriam então deixado a cidade de Cerralvo, no atual México, marchando em direção ao norte, sem dar nunca mais nenhum sinal de vida. Stanley Hordes acredita que os criptojudeus do Novo México sejam descendentes desses homens e mulheres.

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A Expulsão dos Judeus, de Roque Gameiro.

O isolamento dessa comunidade se revelou uma faca de dois gumes. Desenraizados e tendo adotado o calendário romano, eles teriam perdido o sentido das tradições que, no entanto, continuaram observando. Nos últimos anos, alguns desses marranos têm realizado o movimento que os judeus chamam de techuva, o “retorno às origens”.

Stanley Hordes conta o caso de uma moradora da cidade católica de Ruidoso, no Novo México, que empreendeu esse resgate de suas origens ancestrais. Sonya Loya diz sempre ter se sentido judia, mas só recomeçou a observar o Shabbat depois de descobrir a história de suas origens ao ler o livro de Hordes. Na verdade, essa revelação não a surpreendeu. Um de seus tios, ao retornar da Segunda Guerra Mundial, disse ter visto o nome da família em uma lista de prisioneiros dos campos de concentração. Criptojudia, ela decidiu se converter ao judaísmo para se tornar “plenamente” judia.

O caso de Bill Sanchez é ainda mais impressionante, pois esse marrano chegou a ser ordenado padre católico. As revelações de Hordes o abalaram de tal modo que ele decidiu mandar analisar seu DNA. O exame revelou que ele possuía uma série de marcadores genéticos em seu cromossomo Y presentes em 30% dos homens judeus (os cientistas reiteram, no entanto, que não existe um cromossomo “judeu”). Bill Sanchez não renegou a fé católica, mas hoje ele usa uma correntinha no pescoço com a estrela de Davi ao lado de um crucifixo.

AUTOR – Baudouin Eschapasse – Jornalista e colaborador da revista Historia

FONTE – http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/judeus_sem_saber.html


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23 comentários sobre “JUDEUS SEM SABER

  1. jose angelini 11/06/2016 / 21:26

    Oi Shalom! fico triste que toda a materia que vejo na internet sobre criptojudeus enfatiza somente o descendente de português. e nada sobre os italianos judeus. por ex.. meu avô era de uma cidade chamada Ancona, nome hebraico e veio para o Brasil nos anos 50 mas ninguem fala sobre isso por que???

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  2. Luzinete Fernandes 26/06/2016 / 07:38

    Adorei conhecer essa parte da história.

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    • Leonardo Couto 16/02/2022 / 00:59

      Bem pelo menos em minha origem é assim mesmo tenho ancestralidade judaica e moura tanto pelo lado dos meus avós maternos e da minha avó materna descobri do modo mais inusitado no testamento da minha tataravó ela cita o nome da mãe uma tal maria de São José Sárzedas um nome que desconhecia existir em minha genealogia por instância descobri que não tina informação a respeito dela na genealogia Mg e olha que consegui descobrir que teve dois filhos Albano Pinto Coelho que casou com Ana Catarina Camargo como na frente seus descendentes se entrelaçaram com a família Bicudo,e outros membros dos quatrocentões e Joaquina Antunes Faria casada com o capitão Amaro Costa Guimarães um aparente cristão velho porém nascido mais ou menos na época da obrigatoriedade de antigas dinastias serem obrigados a casar com descendentes de judeus,Enfim voltando a sua ancestralidade no referente a mãe eles são Fernandes Sárzedas ligado aos Carrillos,,Vaz, Bijos ,Senna e Antunes além de Carvalho nascido os pais em Porto Alegre fronteira da Espanha com Portugal com importante comunidade judaica da chamada região do Castelo de Vide com importante comunidade marrano principalmente vindos da expulsão de 1492 e de perseguições promovida pelo país vizinho enfim todos estes nomes tem uma forte ligação com a comunidade principalmente a mãe do pai de Maria S.José Belchior que pelo menos tem o nome inscrito entre os judeus de castelo de vide Catarina Martins,determinando pelo menos em parte a ancestralidade hebraica desta família além dos sobrenomes encontrados na lista de nomes de judeus mais conhecidos na fronteira até mesmo os filhos do casal recebem cada um um sobrenome diferente Vaz,,Carrillo,,São José e Senna ambos nomes ou melhor apelidos de forte conotação judaica ou religiosa e patronímica de certo modo sugerindo uma afirmação de continuidade sugerindo uma marca cristã nova que não é muita novidade em meu tronco familiar miscigenado com outras etnias.

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  3. Per Je Wson 04/07/2016 / 00:00

    Tudo indica que a maioria do ocidente tenha ascendencia judia,ou melhor semita judeus e árabes.

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  4. Cristiane 12/07/2016 / 00:52

    O sobre nome da minha avó ´paterna esta na lista ela se chamava Maria Francisca da Costa, gostaria de saber mais sobre o meu primeiro descendente ,poderias me ajudar?

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  5. marcos.cra1@gmail.com 12/11/2016 / 18:09

    Como posso me aprofundar sobre meus ancestrais (Corrêa) , por onde devo começar ?

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  6. jussara Rodrigues 23/05/2017 / 16:28

    Meu tataravó fugiu do Regime de Franco para o Brasil, veio com toda família para Paranaguá – Pr, família Rodriguez

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  7. renata 09/10/2017 / 22:30

    sempre pensei q rinha origem cigana, mas conversando com um conhecido judeu, ele me disse que eu era de origem judaica e nao cigana. minha familia veio p o brasil fugida na segunda guerra meu sobrenome e SENDIN

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  8. Iraci BRITO BARBOSA 08/02/2018 / 01:10

    O meu sobrenome é BRITO BARBOSA e descendo de muitas gerações de NORDESTINOS.

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  9. Luciano pereira de noronha 24/08/2018 / 18:41

    Sou judeu descendente de nordestinos de garanhuns PP pernambucano

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  10. jose M. de Oliveira 12/09/2018 / 03:31

    Gostaria de saber se existe alguém que podería me ajudar a confirmar minha raíz judaica, Meus bisavós vieram de aportugal no ano de 1700 para Cidade de Rio Novo, Minas Gerais- , Felisberto Meirelles de Oliveira e Maria José de Jesus,,RJ.(jose-meirelles@hotmail.com)

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  11. jorge pimentel 14/12/2018 / 20:09

    Pimentel e considerado um dos sobrenomes mais honrosos e distinguidos, que foi adotado pelo muitos Judeus Portugueses. Hoje em dia no Israel ha encontra-se judeus com este sobrenome.

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  12. Solange Queiroz da Silva 20/02/2019 / 17:34

    Oi , estou a procura dos descendentes do meu avô , que veio da Paraíba o nome dele era Luiz camelo de Lima , quando ele faleceu ele tinha 63 , isso foi em 1941 ,meu pai tinha 12 , não sabemos nada de sua origem,nem família, gostaria de saber muito da minha genealogia. Se alguém tiver alguma resposta ficarei muito grata.

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  13. Geosua Soares da Silva Júnior 19/07/2019 / 23:52

    Amo Israel

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  14. Marcos Bezerra 25/05/2023 / 14:30

    Marcos Félix Bezerra
    Judeu Sefardita

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