A DESCONHECIDA DE “PARNAMIRIM FIELD”

Quadrimotor C-87 abastecendo.

Autor – Rostand Medeiros – Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Atualmente os recursos existentes nas nossas máquinas ligadas a informática são maravilhosos. Quando utilizamos estes produtos para escanearmos fotos antigas, sejam a partir de originais, ou inseridas em livros, muitas vezes descobrimos situações interessantes. Na foto principal deste artigo vemos um destes casos que chamam atenção.

Publicada no Brasil originalmente na página 129 do livro “Trampolim para a Vitória” (Ed. Universitária, 1993), de autoria do professor Clyde Smith Junior, a imagem mostra o abastecimento de um quadrimotor norte americano Consolidated C-87, “Liberator Express”, no campo de Parnamirim, em maio de 1943, durante a Segunda Guerra Mundial.

Vemos um trabalhador (provavelmente brasileiro e sem nenhum material de proteção) com um compressor, retirando o combustível de um dos mais de trinta tambores de gasolina de alta octanagem mostrados. No alto da asa da aeronave temos quatro indivíduos (pelas roupas utilizadas devem provavelmente ser dois americanos e dois brasileiros) trabalhando no enchimento dos enormes tanques do C-87. Mas o que realmente chama à atenção na imagem é a existência de dois personagens no canto direito da foto.

A desconhecida e o “gringo”.

Nela vemos um homem alto, branco, de botas, bermudas, chapéu estilo “tropical” e sem camisas. Esta pessoa observa tranquilamente o serviço na aeronave e provavelmente deveria ser um dos inúmeros “yankes” que viveram, ou passaram, pela base de apoio de Parnamirim. Ao seu lado se encontra uma mulher de baixa estatura, negra, descalça, aparentando ser jovem, com um pano enrolado na cabeça, que calmamente observa o serviço, posicionada ao lado do provável estadunidense. O detalhe é que todos dois estão sobre os tambores e, pelo menos na foto, ninguém mais está em cima destes objetos.

A pergunta é bem simples; o que esta mulher fazia neste lugar?

Parnamirim Field
A grande base de Parnamirim Field durante a Segunda Guerra Mundial.

Pois afinal de contas havia uma guerra acontecendo e poderíamos imaginar que a segurança em “Parnamirim Field”, como os americanos chamavam o antigo “Campo dos Franceses”, seria extrema e jamais poderia ocorrer este tipo de situação. Seria esta mulher então uma “amiga” dos americanos, que realizava serviços para os “gringos” e assim havia sido “convidada” para ver aquela faina?

Não sabemos, mas temos o conhecimento que a relação das tropas americanas na região de Natal, fossem os que trabalhavam de forma fixa, ou os que apenas estavam em trânsito, era muito próxima da população local, principalmente a de baixa renda. Sabe-se que muitas pessoas realizavam inúmeros tipos de serviços para os estrangeiros. Lavagens e concertos de roupas, câmbio, limpeza de barracas, reparos em alojamentos e compra de objetos eram alguns dos serviços realizados.

Consolidated C-87 “Liberator Express”. Fonte-Wikipédia.

O número de americanos e de trabalhadores brasileiros que construíram o aeroporto, segundo Antonio Barroso Pontes (in Cangaceirismo do Nordeste, Ed. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 2ª Edição. 1973, pág. 75), seria superior a mais de “quarenta mil”. Sendo este número correto, não é de admirar que muitas pessoas passassem a viver nas proximidades do complexo militar. Normalmente viviam em casas de taipas, construídas sem nenhum planejamento e com sérios problemas de higiene. Muitas destas pessoas chegaram a região de Parnamirim vindas da zona do semiárido potiguar, fugindo da grande seca ocorrida em 1942.

Mesmo sabendo destas relações, criadas em grande parte pela necessidade dos americanos por serviços e dos brasileiros por dinheiro, chama atenção a “proximidade” entre os dois personagens existentes na foto.

Já a aeronave mostrada era um transporte criado a partir do consagrado bombardeiro B-24. O “Liberator Express” foi produzido com a intenção de ser um avião de transporte de passageiros VIP, ou um cargueiro aéreo pesado. Possuía maior alcance e melhor desempenho em altitudes do que o tradicional bimotor C-47, este derivado do clássico Douglas DC-3. Não possuía armamentos, podia transportar até 25 pessoas, ou uma carga superior a 10.000 libras. Muitos destes passaram por Natal a caminho da África, Oriente Médio, índia, China e outros locais onde tropas americanas operavam.

Decolagem de um C-87. Fonte-Wikipédia.

16 comentários sobre “A DESCONHECIDA DE “PARNAMIRIM FIELD”

  1. Honorio de Medeiros 13/02/2011 / 14:45

    São curiosidades desse tipo que nos movem, a nós, pesquisadores…

    Honório de Medeiros

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  2. Romulo Figueiredo 13/02/2011 / 18:04

    Prezado Rostand,
    Parabéns pelo artigo e pelo espírito do artigo.
    Há tempos que esta foto também me intriga, não exatamente pelas pessoas em pé nos tambores de combustível, mas pelo que usam na cabeça…
    Os ‘nativos’ estão usando algo parecido com turbantes – não que no Rio Grande do Norte fossem proibidos -, mas certamente seria de esperar um chapéu de palha, resguardando o abastecedor da inclemância do sol nordestino.
    Veja também que outro homem permanece ao lado dos tambores, observando a operação. Nesse caso, ele aparenta usar um daqueles chapéus cônicos, típicos do Norte da Africa, e conhecidos no Marrocos como ‘fez’.
    Algumas vezes, tenho encontrado desacertos nas referências fotográficas das imagens oficiais americanas da II Guerra… daí, peço que aceite minha incerteza geográfica quanto à foto em questão, pelo menos por enquanto.
    Outra curiosidade é que os C-87, durante a conversão, sofriam alterações no projeto, como a abertura de uma larga porta lateral para acesso da carga, a retirada do ‘bomb-bay’, e a colocação de janelas para visibilidade dos tripulantes… nada disso é visto no exemplar da fotografia. Talvez fosse um dos primeiros a serem adaptados para a missão de transporte!?
    Vale citar por fim, a ponta do emblema do ‘Air Transport Command’ (ATC), por trás da figura do abastecedor, o que confirma a natureza da missão, no vai-e-vem contínuo de apoio logístico ao esforço aliado.
    Bons ventos e parabéns mais uma vez.
    Romulo
    Rio de Janeiro

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    • Alexandre Mendes 11/12/2018 / 15:12

      Muitos dos B 24 em Parnamirim vinha de Dakar na africa. dai a origem do “fez”

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  3. Rostand Medeiros 15/02/2011 / 12:54

    Ao amigo Honório,
    Obrigado pelo comentário e espero sempre trazer novas curiosidades.
    Amigo Romulo,
    Bons ventos sempre lhe tragam a este espaço de debates.
    Agradeço o seu comentário e realmente e suas colocações são extremamente pertinentes.
    No momento em que escaneava esta foto do livro, percebi no final do avião e próximo aos dois personagens comentados sobre os tambores, uma espécie de sombra no fundo da foto.
    Fiquei me perguntando se o C-87 não estaria em Marrakesh, no Marrocos, aos pés das montanhas Atlas?
    Estaria então o C-87, se não me engano, em uma base aérea que atualmente se chama Menara, serve de aeroporto para Marrakesh e foi ponto de apoio dos americanos no Norte da África na Segunda Guerra Mundial?
    Mas aí vem outra questão; no Norte da África, uma mulher daquele tempo andaria vestida desta forma e ficaria assim tão perto de um “infiel”?
    São os questionamentos e mistérios de uma época especial.
    Um abraço.
    Rostand

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  4. MACEDO 28/05/2011 / 20:12

    onde consigo um exemplar de TRAMPOLIM PARA A VITORIA.

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    • Rostand Medeiros 29/05/2011 / 12:07

      Amigo Macedo,
      Infelizmente eu não sei e pessoalmente eu não tenho.
      Estou tentando conseguir, caso consiga,me comprometo a lhe informar.
      Um abraço.
      Rostand

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  5. Tião Ferreira 08/09/2012 / 15:55

    Caros amigos,
    Apesar da qualidade da imagem não ajudar muito, creio que os chapéus estranhos utilizados pelos homens não são chapéus muçulmanos e sim BIBICOS militares. No Brasil era comum os militares darem bibibos de presente aos trabalhadores civis. O que me leva a acreditar que a cena passou-se no Brasil são os fatos de que uma mulher realmente não poderia ficar tão à vontade perto de um “infiel” estrangeiro, mesmo sendo aliado. Outro fator a favor de minha teoria é que os muçulmanos jamais trabalhariam só de bermudas, por mais quente que o ambiente fosse. Para completar, a mulher parece utilizar na cabeça, a tradicional RODILHA, utilizada pelas mulheres nordestinas para carregar grandes volumes, de pesadas malas a galões dágua ou potes de barro. Isso justificaria os dois latões quadrados de querosene, à esquerda da foto. Ela pode tê-los trazido com água, para encher os cantis da tripulação ou para colocar nos radiadores da aeronave, se bem que desconheço a mecânica do avião representado.

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    • Rostand Medeiros 08/09/2012 / 17:31

      Amigo Tião Ferreira,
      Concordo com tudo que você colocou sobre esta foto.
      Mesmo assim acho muito estranho a proximidade da jovem junto aos americanos, ao avião, ao combustível.
      Um abraço.
      Rostand

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      • Admin 08/09/2012 / 17:53

        Prezados,
        Tenho esta foto em meus arquivos com a identificação original datilografada em inglês. Foi tirada em Parnamirim Field. Abs,

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      • Rostand Medeiros 08/09/2012 / 23:03

        Valeu amigo Durval.
        O descritivo que você comenta acredito que deve ser –
        “Fueling a play from gasoline drums. Parnamirim Field, Natal, Brazil, May 1943”
        Um abraço,
        Rostand

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  6. Tião Ferreira 09/09/2012 / 00:22

    Bom, acertei quase na mosca. Meu palpite foi baseado no fato de que havia algumas famílias humildes e nativas que moravam nos limites da base, na área hoje tomada pelos condomínios Green-sei-lá-o-quê. No próprio livro de Clyde Smith há fotografias dessas famílias, e era costume as mulheres realizarem a tarefa que eu falei de levar água em latões de querosene, usando uma rodilha na cabeça. E os chapéus são mesmo bibicos. As elevações que com imaginação conseguimos ver ao fundo provavelmente são as dunas do hoje CLBI, a famosa BARREIRA DO INFERNO, que não dista muito dali. À época da base, sua área era muito maior do que hoje, e nem toda ela era asfaltada. Havia um espaço enorme para acomodar os grandes bombardeiros como B-17 e B-29. Há relatos, inclusive, entre os idosos que um B-29 explodiu sobre um lago em Parnamirim, quando aproximava-se para pouso.

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    • Rostand Medeiros 09/09/2012 / 09:59

      Amigo Tião Ferreira,

      Acredito que a sua avaliação da posição da foto em relação a geografia da região está correta.
      Realmente houve vários acidentes com aviões americanos no Brasil. E tem desastre para todo gosto e local; tem B-24 que caiu no meio da selva amazônica, uma outra B-24 que caiu na região do atual bairro do Montese, em Fortaleza, mas a maioria se perdeu no mar.
      Houve um acidente que ficou famoso em Natal, com a destruição de um grande quadrimotor que explodiu a noite, cujo clarão foi visto pela população de nossa cidade. Mas foi uma B-17 que se estatelou em 1942, em Cajupiranga, acredito que na região próxima onde está sendo construído o estádio de Futebol do América F.C.
      Teve um bimotor Beechecraft que caiu em Pirangi e morreram três aviadores. Houve uma B-26 que seguia para a Europa e por razão de um defeito realizou uma aterrissagem forçada em uma das nossas belas praias a norte de Natal. Na mesma época ela foi demolida pelos americanos com explosivos.
      Natal era um grande entreposto de transporte, com um fluxo realmente impressionante de aviões, pessoas e mercadorias. Haviam igualmente as unidades da marinha americana que realizavam a caça a submarinos.
      É uma história maravilhosa e repleta de situações paralelas.
      Um abraço amigo.
      Rostand

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      • Tião Ferreira 16/12/2018 / 12:13

        Esse quadrimotor que explodiu à noite, segundo relato dos habitantes da época, era mesmo um B-29 Superfortress. O que acho estranho é que nunca vi registros da passagem de -29 por aqui. Porém, no documentário “IMAGEM SOBRE IMAGEM – A SEGUNDA GUERRA EM NATAL”, uma anciã fala em claras palavras: “Uma superfortaleza explodiu no ar…”

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