1945 – ALGUNS ASPECTOS DA GRANDE PONTE AÉREA CRIADA PARA TRAZER OS SOLDADOS AMERICANOS DA EUROPA ATRAVÉS DE NATAL

Uma Ideia Desse Retorno e Os Momentos Desses Militares em Parnamirim Field

Autor – ELTON C. FAY – Redator da equipe da Associated Press.

Publicado Originalmente no THE BINGHAMTON PRESS, de Binghamton, New York, EUA, edição de sábado, 25 de agosto de 1945

CADERNO DE CORRESPONDENTES: SOLDADOS RETORNANDO AOS ESTADOS UNIDOS POR VIA AÉREA A UMA TAXA DE 700 HOMENS POR DIA.

Natal, Brasil – Mais de 32.000 soldados vindos da Europa para casa, passam por esta Base Aérea dos Estados Unidos na região oriental da América do Sul. Eles passam em um fluxo constante. Mais de 700 homens por dia vem em aviões de Casablanca, Norte da África, em voos de até 17 horas. Apenas alguns dias a mais e eles estarão em casa.

Esses jovens tiveram sorte. Eles são prioridade máxima. Em geral, eles são homens destinados a baixa do serviço ativo. Separados de suas antigas organizações militares e movendo-se como indivíduos eles não teriam prioridade de viagem, que foi definida originalmente quando era urgente a redistribuição de soldados para os campos de batalha do Pacífico. Sob circunstâncias normais eles seriam os últimos a sair Europa por navios oceânicos, demorando alguns meses para isso.

Parnamirim Field – FOTO GETTY – IVAN DIMITROV

Mas a maior companhia aérea do mundo – A Força Aérea do Exército dos Estados Unidos e o seu Comando de Transporte, no entanto, tinha aviões – centenas deles a mão.

Este é um exemplo aonde o caminho mais curto para casa pode ser através do trecho mais longo. De navio eles teriam de percorrer cerca de 3.000 milhas, e de avião mais do que o dobro dessa distância. Seguindo uma rota descendo para Casablanca, Marrocos, cruzando a linha do equador e atravessando o Oceano Atlântico até Natal. Depois voando através do Caribe até os Estados Unidos. Em navios de transporte de tropas os soldados levariam em média 10 ou 12 dias através do Atlântico Norte. Já fazendo a viagem aérea pelo Sul, eles alcançam os Estados Unidos em cerca de três dias.

O acampamento militar de Parnamirim Field – FOTO GETTY – IVAN DIMITROV

O Campo de Parnamirim e seu imenso acampamento militar é o ponto de transferência do soldado-viajante. Ele pousa aqui no meio do caminho para casa, geralmente em um avião de transporte quadrimotor Douglas C-54. Muitos talvez estejam cansados de ficar ouvindo o barulho dos motores por 17 horas e até um pouco mais. Fartos das rações K – mas com os Estados Unidos a apenas dois dias de viagem.

Desembarque de um militar americano de uma aeronave C-87, enquanto um técnico brasileiro prepara-se para colocdação de inseticida na aeronave contra a malária – FOTO GETTY – IVAN DIMITROV

O grande avião taxia até a linha principal, representantes do Exército Americano sobem a bordo, incluindo médicos que fazem a colocação de pesadas doses de spray inseticida que enche o avião. A ideia é evitar que os insetos que transmitem a malária desembarquem impunimente por aqui, ou sigam mais adiante.

Alguns Estão Assustados.

Douglas C-54 – Foto – US Army.

Um ou dois deles dormiram no caminho em seus assentos, ou enrolados em um cobertor no chão. Muitos dos homens, muitas vezes a maioria, nunca voaram antes.

Eles estão cansados. De vez em quando eles ficam com medo das sacolejadas no voo. A terra parece boa para eles. Eles contam e repetem o pior de seus medos que passaram na viagem – o salto sobre a água, sobre o Atlântico (sem perceberem que logo mais adiante estariam voando centenas de quilômetros sobre a selva amazônica).

So9ldados americanos em trânsito por Parnamirim Field Fonte – FOTO GETTY – IVAN DIMITROV

Houve alguns casos tremendos em que os soldados recusaram a seguir de avião pelo medo. Nesse caso estes eram despachados para Recife afim de embarcarem para casa no próximo navio a vapor. O Exército não pode obrigar seus homens a voar.

Seria possível em menos de duas horas transferir esses soldados dos grandes aviões transoceânicos para os transportes bimotores menores com destino ao Estados Unidos, mas os homens são mantidos aqui (Parnamirim Field) para dormir em beliches e ter refeições regulares.

A média de permanência deles é de 24 horas. O mau tempo daqui até Miami, Flórida, às vezes reduz o número de operações de voo diárias e exige uma estadia um pouco mais longa.

Não Consigo Sair Do PX

O objetivo é tornar a vida tão mais agradável possível. (Nenhum lugar é melhor que casa para um soldado indo nessa direção.) Natal, por uma aberração do clima, é um local fresco, varrido pela brisa constante, mesmo localizado em uma região seca.

Trabalho normal e diário em Parnamirim Field – FOTO GETTY IVAN DIMITROV

Para seguir os regulamentos de saúde do governo brasileiro o soldado em trânsito não pode sair desse posto, até mesmo para a cidade próxima de Natal. Mas ele encontra aqui um entretenimento melhor que a configuração média e uma chance de se exercitar, comer e dormir.

Esses soldados vão encontrar, no entanto, alguns aborrecimentos antes que ele tenha aquele pedaço de papel que vai libertá-los das regras, regulamentos e do exército. O oficial de instrução que conheci a bordo do avião me disse, com um sorriso irônico: “– Você vai descobrir que quanto mais perto chegar de casa, mais difícil será a guerra. Mantenha a camisa abotoada e as calças arregaçadas”.

Para um soldado que deseje realizar uma viagem de compras, este é o lugar. Possui um dos maiores posto de trocas (PX) do exército. Mensalmente, as vendas aumentam como US$ 500.000 (quinhentos mil dólares). O produto que está no topo da lista dos soldados para compras é a “bota mosqueteira”, uma meia bota de couro fabricada em toda a América do Sul. Bolsas de couro de jacaré vem em segundo lugar.

1945 – ALGUNS ASPECTOS DA GRANDE PONTE AÉREA CRIADA PARA TRAZER OS SOLDADOS AMERICANOS DA EUROPA ATRAVÉS DE NATAL - Um Pequeno Vislumbre Desse Retorno e Os Momentos Desses Militares em Parnamirim Field
Outro aspecto do C-54 – Foto – US Army

Alguns homens, cerca de meia dúzia por dia, descobrem que pequenas doenças interrompem a viagem para casa. Se eles mostram temperaturas alteradas, ou outras evidências de doenças, elas permanecem em Parnamirim até o problema desaparecer e assim evitar que alguma doença contagiosa se instale.

ELTON C. FAY foi um repórter da Associated Press que atuou nos conflitos que envolveram os Estados Unidos, desde a Segunda Guerra Mundial até a Guerra do Vietnã. Ele foi um dos poucos repórteres informados antes dos bombardeios do general Jimmy Doolittle contra no Japão em abril de 1942 e durante o resto do conflito escreveu sobre os principais eventos da guerra. Esteve em duas ocasiões em Natal e Parnamirim Field. Fay ingressou no serviço de notícias em Albany, New York, e mudou-se para Washington em 1932, cobrindo o antigo Departamento da Marinha e depois junto ao Pentágono. Faleceu aos 81 anos, em 1º de setembro de 1982.

DIA D – O MAIS LONGO DOS DIAS

Agosto de 1942. Um homem governa a Europa. De Berlim, ele controla um império que além da Alemanha inclui a Áustria, Tchecoslováquia, Polónia, Dinamarca, Noruega, Luxemburgo, Holanda, Bélgica, França, Lituânia, Letônia, Estônia, Hungria, Roménia, Bulgária, Iugoslávia, Albânia, Grécia, várias ilhas mediterrâneas, quase toda a costa setentrional da África e 2.000.000 de km² da antiga União Soviética.

A Itália de Mussolini é sua aliada. A Espanha de Francisco Franco e Portugal de Antônio de Oliveira Salazar, são seus simpatizantes. Na Europa só restam neutras a Suécia, a Suíça e a Turquia. A Europa está nas mãos de Adolf Hitler.

No entanto, a expansão do nazismo havia atingido seu ponto crítico. Do outro lado do Mediterrâneo, na África, os contra-ataques dos exércitos britânicos haviam detido o avanço dos alemães. A leste, o Terceiro Reich encontrara um obstáculo intransponível: a cidade russa de Stalingrado.

Lentamente, mudavam os ventos da fortuna.

Mulheres atuando na artilharia anti aerea na Inglaterra – Fonte – Office official photographer

Em fevereiro de 1943, as tropas alemãs que assediavam Stalingrado (atual Volgogrado) rendiam-se ao marechal russo Zhukov. Em maio, o famoso general alemão Rommel era definitivamente derrotado na África, e em julho o general americano Mark Clark conduzia as forças americanas e aliadas, invadindo a Itália. Não obstante, o avanço soviético a leste e anglo-americano ao sul era penoso. Embora os aliados mantivessem a hegemonia no Atlântico e aumentassem sistematicamente sua vantagem aérea, em terra o poderio alemão parecia invencível, apesar de algumas derrotas.

Praias na França semanas antes do Dia D – Fonte – Bundesarchiv_Bild_101I-719-0240-05,_Pas_de_Calais,_Atlantikwall,_Panzersperren

Através do canal da Mancha, o exército alemão de ocupação na França e as tropas aliadas acantonadas na Inglaterra entreolhavam-se ferozmente. Mas a guerra poderia arrastar-se sem fim, a menos que fosse aberta uma terceira frente que levasse diretamente ao coração da Alemanha. O caminho para lá atravessava a França. Era preciso invadi-la partindo da Inglaterra.

O Afiar das Garras

Em maio de 1944, é a invasão. Concentram-se na Inglaterra dezessete divisões britânicas e vinte divisões americanas. Havia ainda tropas remanescentes que escaparam dos territórios ocupados: uma divisão polonesa, sob o comando do General Sikorski, e outra francesa, sob a liderança de um homem muito alto, cujo nome estava popularizando-se rapidamente: Charles de Gaulle, que nos anos anteriores organizara um governo livre na Argélia.

Bombardeio quadrimotor norte americano B-24, do 376th Bombardment Group.

Os aliados contavam com 16 mil aviões, dos quais 3.467 bombardeiros pesados e 5.407 caças. Mais de 6 mil navios de todo tipo esperavam ao largo da costa o dia do desembarque. Ao todo, quase três milhões de homens prontos para o combate. (ATENÇÃO – Um dos pilotos da Real Força Aérea Inglesa, que inclusive morreu em combate no Dia D, nasceu em Recife, Pernambuco e pilotava um caça Mustang P-51 – VEJA EM – https://tokdehistoria.com.br/2022/11/04/exclusivo-quem-foi-o-brasileiro-que-morreu-no-dia-d-pilotando-um-caca-mustang/ )

Sir Leigh Mallory, comandante-chefe da força aérea, ordenava incursões diárias sobre o território ocupado, despejando milhares de toneladas de bombas. Os clandestinos maquis da Resistência Francesa intensificavam seus ataques contra as linhas de comunicação e suprimento inimigas.

Os alemães também estavam prontos. Conheciam os preparativos maciços que se faziam na Inglaterra e ignoravam somente o ponto exato da invasão. Hitler jactava-se da “Muralha Atlântica”, descrevendo-a como “um cinturão de fortalezas e gigantescas fortificações, desde a Noruega aos Pireneus”.

Típico oficial alemão durante a Segunda Guerra Mundial.

No entanto, havia pontos fracos na defesa germânica. A “Muralha Atlântica” era menos poderosa do que o próprio Hitler acreditava. As comunicações alemãs, sob contínua pressão de bombardeiros e ações de sabotagem, começavam a se tornar deficientes. A Luftwaffe (força aérea alemã) tornava-se impotente para, ao mesmo tempo, bombardear os territórios aliados e defender as áreas ocupadas.

Na verdade, os alemães contavam com duas armas: nas praias os canhões camuflados com as cercas de arame farpado da “Muralha Atlântica” e 60 divisões de exército distribuídas pela Europa ocidental. O problema que se apresentava aos estrategistas do Eixo era a tática a adotada. Hitler e Rommel confiavam nas fortificações costeiras e pretendiam destruir os invasores nas praias atacadas. O Marechal von Rundstedt, comandante do exército, preferia confiar em seus soldados. Seu plano era permitir o desembarque e depois proceder a um contra-ataque organizado.

O grosso das tropas, equipamentosa e armamentos seguiu a bordo de centenas de navios de transporte.

A controvérsia era importante. O projeto de Hitler pressupunha uma superioridade de fogo alemã em qualquer ponto que os aliados atacassem. Nas praias seria jogado o sucesso ou fracasso da invasão. Se as forças anglo-americanas conquistassem as praias, a Alemanha se veria obrigada a recair na defensiva. O plano de Rundstedt era mais cauteloso e se baseava na superior mobilidade das tropas alemãs. Sua ideia era proceder a uma ação de retardamento, permitindo o desembarque enquanto concentrava forças para contra golpear. Esse plano tinha duas vantagens: afastaria o combate principal das praias, eliminando o fator surpresa e impediria que as linhas fossem rompidas ao primeiro impacto do ataque. Mas prevaleceu, naturalmente, o plano de Hitler. Entretanto nenhum dos planos tomou em consideração um problema sério e básico: o apoio da população local aos aliados.

Hora, Dia e Lugar

Os soldados de infantaria dos Estados Unidos atravessam as ondas ao desembarcarem na Normandia, no Dia D. (Foto AP)

O lugar aparentemente mais lógico para a realização da invasão era o passo de Calais, onde o mar se estreita e poucos quilômetros separam Calais, na França, de Dover, na Inglaterra. De fato, na região acotovelavam-se milhares de soldados e grandes quantidades de armas e equipamentos. Os observadores alemães davam conta de grande movimentação de tropas. Parecia certo que a qualquer momento os aliados atacariam Calais.

No entanto, tudo era falso. Os aviões e tanques que os espias alemães viam concentrar-se eram de madeira, borracha e papelão. A atividade das tropas era feita de maneira a fazer supor que seu efetivo era muitas vezes superior à realidade. O local do ataque não era Calais, mas as costas da Normandia, mais ao sul.

Rotas de desembarque no Dia D na Normandia – Fonte – Wikipedia

O objetivo eram cinco praias na baía do Rio Sena, que receberam nome em código: Utah e Omaha a oeste, cuja captura estaria a cargo do I Exército americano, chefiado pelo general Omar Bradley. Gold, June e Sword, a leste, seriam alvos das tropas anglo-canadenses do II Exército britânico. Na França o comando geral pertenceria ao general inglês Bernard Law Montgomery. O comandante em chefe de toda a operação era o então general Dwight D. Eisenhower.

O dia marcado precisava ser suficientemente claro para permitir o lançamento de para quedistas durante a noite e facilitar as missões de apoio aéreo. Também era necessário que a maré fosse baixa, para evitar os obstáculos colocados à beira-mar, e que o oceano estivesse tranquilo, para os navios de assalto efetuarem a travessia sem contratempos. Escolheu-se 5 de junho. E a notícia foi transmitida em código à Resistência Francesa, para preparar o auxílio em terra.

Navios de desembarque descarregando tanques e suprimentos na Praia de Omaha na Normandia- Fonte – Wikipedia

Operação Overlord

O dia 5 de junho chegou e passou. Nada aconteceu. O mau tempo fizera com que que a data fosse transferida. A Eisenhower cabia uma importante decisão: o tempo não melhoraria antes de 7 de junho, quando terminaria a fase das marés favoráveis. Condições ideais só existiriam meses depois. Competia-lhe adiar a invasão por tempo indeterminado ou arriscar-se a atacar sob condições atmosféricas desfavoráveis. A decisão era: atacar.

À zero hora de 6 de junho, a Real Força Aérea britânica começou a despejar 6.000 toneladas de bombas sobre objetivos militares entre Cherburgo e Le Havre. Começara a Operação Overlord. Chegara o Dia D.

Tanques M4 Sherman do Exército dos Estados Unidos em uma embarcação de desembarque (LCT), pronto para a invasão da França, final de maio ou início de junho de 1944 – Fonte – Wikipedia

À 01h30, os paraquedistas ingleses da 6.ª Divisão eram lançados sobre Breville. Sua missão era capturar o local e proteger os movimentos da ala esquerda britânica em Sword. Ao mesmo tempo, os homens da 82ª e 101ª divisões aerotransportadas dos Estados Unidos saltavam à retaguarda da praia de Utah, no rumo da localidade de Sainte-Mère-Eglise. Deveriam estabelecer uma cabeça de ponte e aguardar a chegada do 7º Corpo do Exército, que desembarcaria em Utah e desviaria para oeste, a fim de isolar a península de Cotentin. Os aliados precisavam de um porto, e o escolhido foi o de Cherburgo. Essa ação destinava-se a tomá-lo.

Ao alvorecer, os bombardeiros americanos atiraram mais de 3.000 toneladas de bombas sobre as defesas da costa. Às 06h30, com a cobertura cerrada da artilharia naval, começava a invasão.

Poderio aéreo aliado era enorme durante o Dia D – Fonte – NARA.

Na Normandia, o VII Exército alemão, com quinze divisões, foi colhido de surpresa. Confiando no mau tempo, o Comandante Dollman se ausentara, assim, como seu superior, Rommel. Rundstedt, ante a gravidade da situação, pediu imediatamente permissão ao Quarte General para colocar em combate as reservas mecanizadas.

A 352ª Divisão alemã conseguiu criar muitos problemas para os americanos em Omaha, infligindo pesadas perdas. A direita inglesa também foi paralisada. Mas, em Utah, as tropas dos Estados Unidos penetraram nove quilômetros, conectando com as forças da 101ª Divisão Aerotransportada. Do outro lado, em Juno, os canadenses avançavam onze quilômetros. E, na esquerda, Breville e Ouistreham eram capturadas pelos ingleses.

Praia Gold – Fonte – Wikipedia

O único contra-ataque violento sobre os ingleses foi desferido pela 21ª Divisão Panzer durante a tarde, pois só às 15h30 o Quartel General alemão resolvera permitir a Rundstedt que lançasse mão das reservas blindadas. No entanto, era muito tarde para impedir o desembarque. Correndo o risco de se verem isolados, os defensores da costa foram forçados a retroceder.

Ao cair da noite, os aliados haviam rompido a “Muralha Atlântica” entre os rios Vire e Orne, estabelecendo uma frente de 48 quilômetros. Terminara o Dia D.

O Terceiro Reich: Princípio do Fim

Prisioneiros de guerra alemães em 19 de agosto de 1944 às 14h00. Eles renderam-se ao grupo de batalha da 4ª Divisão Blindada Canadense – Fonte -http://archives.cbc.ca/war_conflict/second_world_war/clips/1303/ Aujourd’hui: http://www.flickr.com/photos/mlq/4431414623/

Os dias posteriores foram dramáticos. Rundstedt lançava contragolpes desesperados em toda a frente. Enquanto isso, o XVº Exército alemão, com dezessete divisões, permanecia inútil em Calais, aguardando uma invasão que jamais viria. Em 13 de junho, os aliados já haviam desembarcado 326 mil homens, 54 mil veículos e 104 mil toneladas de provisões.

Com incontestável supremacia aeronaval, os aliados firmavam suas cabeças de praia e iniciavam o avanço para o interior. A 19 de junho, uma tempestade causou-lhes sério revés, destruindo o porto artificial americano em Saint-Laurent-sur-Mer e avariando seriamente o dos ingleses em Arromanches. Mas, a 27 de junho, Cherburgo rendia-se e os aliados conquistavam um porto definitivo.

Soldados canadenses com uma bandeira nazista capturada – Wikipedia

Depois disso, a ofensiva foi lenta, mas inexorável. Os soviéticos avançavam a leste. E Hitler conhecia o terrível significado da guerra em todas as frentes. O rumo dos aliados era Paris, mas não puderam tomá-la. Essa glória coube à infatigável Resistência Francesa, que organizou um levante popular a 25 de agosto. No mesmo mês há um novo desembarque aliado, desta vez ao sul da França. A Alemanha recua em todas as frentes. Em novembro, o persistente von Rundstedt engendra um contra-ataque nas Ardenas, para chegar à Bélgica e cortar as linhas de comunicação aliadas. Mas o ataque fracassa e o Terceiro Reich agoniza. As forças aliadas atravessavam as fronteiras do mundo concentracionário nazista, para varrê-lo do mapa e da história.

Cemitério militar canadense de Beny-sur-Mer – Fonte – Wikipedia.

Fonte – Enciclopédia Conhecer, Abril S.A, Cultural e Industrial, São Paulo-SP, 1974 – Volume VII – páginas 1558 e 1559.

MULHER DE CORAGEM – A HISTÓRIA DA ÚNICA ENFERMEIRA MILITAR AMERICANA CAPTURADA PELOS ALEMÃES

As Mulheres na Segunda Guerra – O Duro e Perigoso Ofício das Enfermeiras de voo – Ferida em um Avião Derrubado na Alemanha Nazista – A Surpresa dos Soldados de Hitler em Capturar uma Mulher Vestida Com o Uniforme de Oficial do Exército Inimigo – Repatriada Através da Suíça Pela Cruz Vermelha – Volta aos Estados Unidos e Casamento – As Injustiças e a Sua Dura Batalha Contra a Burocracia Militar Para Conseguir Seus Direitos

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Durante a Segunda Guerra Mundial normalmente os exércitos aliados não permitiam que mulheres que usavam uniformes atuassem na linha de fogo. A maior exceção foi no Exército Soviético, onde as mulheres atuaram com galhardia em várias ações de combate direto aos inimigos. Já nas forças armadas da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos e de outras nações Aliadas, a maioria das mulheres atuou principalmente nos setores da administração militar, para assim liberar mais homens para o combate nas linhas de frente. No geral, poucas foram as mulheres que serviram nesses exércitos que chegaram perto de áreas de combate e a maioria nunca levou ou recebeu tiros dos inimigos.

Mas ocorreram exceções.

Uma das aviadoras americanas do Women Airforce Service Pilots (WASP)- Fonte – NARA.

Entre elas estava a importante tarefa de pilotar aviões saídos de fábrica para serem entregues aos esquadrões da linha de frente. Um trabalho que poderia se tornar perigoso muito mais por problemas mecânicos, ou alterações do tempo, do que serem abatidas por alguma aeronave hostil, fato que nunca ocorreu. Essas mulheres faziam parte do Women Airforce Service Pilots (WASP) e será que alguma delas passou por Natal e pousou em Parnamirim Field?

Outra exceção aconteceu na Grã-Bretanha, onde os bombardeios da Luftwaffe, a força aérea nazista, cobraram um alto preço as cidades e as suas populações. Nessas ocasiões várias britânicas atuaram de forma mais direta em combates, ao operarem poderosas baterias de canhões antiaéreos que buscavam derrubar as aeronaves inimigas. Mas elas disparavam em alvos a centenas de metros de altura e não chegavam a ver “a cor dos olhos dos oponentes”, como acontecia nas pelejas corpo a corpo dos soldados da infantaria.

Mulheres artilheiras antiaéreas da Grã-Bretanha – Fonte – TR 453 Part of MINISTRY OF INFORMATION SECOND WORLD WAR COLOUR TRANSPARENCY COLLECTION Malindine E G (Lt) Tanner (Lt) War Office official photographer.

Algumas poucas mulheres atuaram no escritório de serviços estratégicos dos americanos e no serviço de operações especiais dos britânicos, chegaram a saltar de paraquedas atrás das linhas inimigas para ajudar a resistência francesa e houveram alguns raros casos de combates.

Mas foi a enfermagem a atividade que mais levou mulheres militares dos exércitos Aliados na frente oeste da Europa a ficarem próximas de áreas de combate.

Fosse no atendimento de militares feridos, ou, como aconteceu em algumas ocasiões, estando em locais de atendimento clínico que foram atacados por disparos de artilharia e por atiradores de infantaria inimigos, muitas dessas mulheres testemunharam as terríveis crueldades da guerra. Inclusive o Brasil, um dos países Aliados, enviou para a Itália entre 1944 e 45 um grupo de 73 enfermeiras que se juntaram às tropas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e da Força Aérea Brasileira (FAB), para realizar seu trabalho de forma digna e honrada.

Enfermeiras brasileiras desfilando no Rio de Janeiro no período da Segunda Guerra.

Enfermeira de voo

Mas durante a guerra, o comando militar dos Aliados achou por bem desenvolver as enfermeiras um trabalho específico, onde elas realizavam sua nobre atividade em meio a perigos reais. Foi criada então a função de “Enfermeira de voo”.

As mulheres que desejassem seguir por esse caminho teriam de se voluntariar e a rotina de treinamento desenvolvida era dura e pesada. De saída elas deveriam fazer um forte treinamento militar durante seis a nove semanas, que incluíam a utilização de mapas em áreas de combate, camuflagem de sobrevivência, habilidades no transporte de feridos em aeronaves, preparação para pousos forçados, uso de paraquedas, muita ênfase para o condicionamento físico, uso de diversas armas militares e até a participação em treinamentos que simulavam ataques inimigos em aeródromos.

Treinamento de Enfermeira de voo– Fonte – NARA.

Essas enfermeiras voaram com muito mais frequência do que outras mulheres da sua profissão e precisavam aprender a cuidar delas mesmas. O treinamento foi projetado para tornar as enfermeiras amplamente autossuficientes durante o voo. Elas foram treinadas para tratar dor, sangramento e choque, atendendo os pacientes na ausência de um médico.

A Força Aérea do Exército dos Estados Unidos criou o primeiro programa de treinamento no outono de 1942. As primeiras 39 Enfermeiras de voo foram formadas em fevereiro de 1943 e muitas mais passaram pela nova escola de evacuação aérea em Randall Field, no estado do Texas. Na Grã-Bretanha, um programa semelhante foi estabelecido com voluntárias da Força Aérea Auxiliar Feminina e a Marinha dos Estados Unidos também criou uma escola semelhante na Estação Aeronaval de Alameda, no estado da Califórnia.

Esquadrões de evacuação aero médica dos Estados Unidos foram criados e divididos em equipes compostas de um cirurgião de voo, que comandavam outras seis equipes compostas de Enfermeiras de voo e vários técnicos cirúrgicos.

As Enfermeiras de voo americanas foram autorizadas a usar em seus uniformes as asas de voo, com um “N” na cor marrom, para “Nurse”, enfermeira em inglês. Mas ao contrário das forças armadas britânicas, todas essas enfermeiras do exército americano foram comissionadas como oficiais, para, no caso de serem capturadas, serem melhor tratadas pelos inimigos.

Curtiss C-46 Commando.

Como o trabalho dessas mulheres era prioritariamente ligado à evacuação de pacientes, elas utilizavam basicamente aeronaves bimotores de transporte Douglas C-47 Dakota e Curtiss C-46 Commando, modificadas internamente para acomodar várias macas. Esses aviões eram pilotados por aviadores especialmente treinados, enquanto as Enfermeiras de voo eram as principais operadoras das atividades de saúde a bordo. Elas comandavam um ou dois técnicos cirúrgicos, onde a equipe tinha de lidar com o uso de oxigênio e qualquer emergência médica que ocorresse durante o voo, incluindo pacientes em situação de choque, hemorragias, sedação e o que houvesse mais necessidade.

Enfermeiras de voo em Guam aparecem diante de um avião quadrimotor R5D (Douglas Skymaster) em abril de 1945. (Arquivos BUMED)

Voar era em si perigoso e muitas enfermeiras de voo salvaram suas vidas e de muitos pacientes durante terríveis emergências, enquanto suas aeronaves desciam no mar ou em terra. Existem casos em que elas retiraram com sucesso pacientes para botes salva-vidas em alto mar, ou de aeronaves em chamas após um pouso forçado no norte da África. Teve o caso de um avião que recebeu disparos de artilharia antiaérea japonesa na Birmânia e uma enfermeira de voo saltou de paraquedas com sucesso.

A tenente Pauline Curry e o técnico médico sargento Lewis Marker cuidam do conforto de um paciente durante um voo de evacuação nos céus da Índia. Aproximadamente 500 enfermeiros serviram em 31 esquadrões de evacuação aérea médica durante a Segunda Guerra Mundial – Fonte – NARA.

Houve o caso de um avião que se perdeu durante um voo e acabou fazendo um pouso forçado na Albânia, atrás das linhas alemãs, sendo os tripulantes contactados e protegidos por guerrilheiros desse país. Na sequência, unidades especiais aliadas saltaram de paraquedas para ajudar esse grupo. Mesmo com as patrulhas alemãs caçando-os por dois meses em áreas montanhosas durante o inverno, todos foram salvos.

A enfermeira do Exército, segundo tenente Katherine Friedrich, atende a um paciente ferido a bordo de um avião de transporte Douglas C-47 com destino à Grã-Bretanha. O avião de evacuação decolou de Toul, na França, onde os soldados aliados feridos em combate ou doentes foram preparados para o voo– Fonte – NARA.

Apesar das histórias de heroísmo e dedicação, dezesseis Enfermeiras de voo americanas foram mortas durante a Segunda Guerra Mundial.

Atribui-se que grande parte dessas ocorrências aconteceu porque a maioria das aeronaves britânicas e americanas envolvidas em voos de evacuação médica não eram marcadas com cruzes vermelhas, sinalização internacionalmente conhecida para o trabalho e transporte de feridos. Isso aconteceu para que essas aeronaves também pudessem ser utilizadas para transportar armas, suprimentos, munições, etc. Mas é claro que isso significava que a aeronave era legalmente um alvo para os hábeis aviadores de caça, ou os precisos membros das armas de artilharia antiaérea inimigas.

Em julho de 1943, a tenente Katye Swope, enfermeira do 802º Esquadrão de Transporte de Evacuação Aéreo Médica, prepara pacientes para um voo de Agrigento, Sicília, Itália, para a Grã-Bretanha onde foram submetidos a tratamento médico adicional. As operações de evacuação aérea dos Aliados começaram durante a campanha no norte da África em fevereiro de 1943 e continuaram durante a Segunda Guerra Mundial em todos os teatros– Fonte – NARA.

Um incidente pouco conhecido foi a história da única mulher do serviço militar aliado que foi feita prisioneira pelos alemães na frente oeste.

Queda do C-47 na Alemanha Nazista

A Enfermeira de voo Reba Zitella Whittle, fotografada logo após sua libertação de um campo de prisioneiros alemão.- Fonte – NARA.

Reba Zitella Whittle nasceu em Rock Springs, Condado de Edwards, estado de Texas, e estudou no North Texas State College, antes de frequentar a escola de enfermagem do Medical and Surgical Memorial Hospital, da cidade de San Antonio. Depois de se formar, Whittle se alistou no Forte Sam Houston, no Corpo de Enfermeiras do Exército em 10 de junho de 1941. Com o posto de segundo-tenente, foi designada para o hospital da Base Aérea do Exército de Albuquerque, estado do Novo México, onde atuou como enfermeira de serviço geral, sendo posteriormente transferida para Mather Field, Sacramento, estado da Califórnia.

Em 6 de agosto de 1943, Whittle foi aceita pela Escola de Evacuação Aérea da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos, para se tornar Enfermeira de voo. Em setembro chegou à escola em Bowman Field, no estado de Kentucky.

Whittle se formou com notas excelentes e em janeiro de 1944 partiu para a Inglaterra a bordo do navio RMS Queen Mary, com outras 25 enfermeiras de voo do 813º Esquadrão de Transporte de Evacuação Aero Médica, cuja sigla em inglês era 813º MAETS. Essa unidade ficou baseada na Royal Air Force Station Grove, ou RAF Grove, uma antiga estação da Força Aérea Britânica perto da vila de Grove, Oxfordshire, Inglaterra.

Douglas C-47 Dakota.

Entre janeiro e setembro de 1944 a enfermeira Reba Whittle realizou mais de 40 missões em aviões C-47, com 500 horas no ar, incluindo 80 em momentos de combate.

Na quarta-feira, 27 de setembro de 1944, ela embarcou em um voo ligando a Inglaterra até um campo de pouso na cidade belga de Saint-Trond. Mais uma missão de rotina. Três meses antes os Aliados haviam desembarcado na Normandia e desde então ocorriam intensos combates, com um elevado número de mortos e feridos.

Além da tripulação de voo, da enfermeira Reba e de um técnico cirúrgico, o avião carregava toneladas de suprimentos e retornaria com feridos em suas macas.

A enfermeira Reba Whittle está na porta de um avião de transporte C-47 antes da partida.

Em algum momento durante o voo foi cometido um erro de navegação que colocou o C-47 cerca de 70 quilômetros fora de sua rota, quando foi atingido pela precisa artilharia antiaérea alemã.

Reba Whittle estava dormindo na parte de trás do avião, mas repentinamente foi acordada por uma detonação incrivelmente alta dos projéteis alemães explodindo ao redor do C-47. Lá fora um dos motores estava pegando fogo, enquanto o avião descia rapidamente para um difícil pouso forçado em um campo nevado. O C-47 pousou a cerca de quatro quilômetros da cidade de Aachen, a maior área urbana mais ocidental da Alemanha, junto à fronteira com a Bélgica e a Holanda, e era um lugar fortemente defendido.

O seu técnico cirúrgico, o sargento Hill, tinha ferimentos por estilhaços em um dos braços e uma das pernas. Um dos pilotos morreu, o outro ficou gravemente ferido com lesões múltiplas e a própria enfermeira Whittle sofreu uma concussão e lacerações no rosto e nas costas.

Ainda no período de treinamento vemos a Enfermeira de voo Reba Whittler na extrema esquerda da foto, com uma submetralhadora Thompson, calibre 45, em treinamento de tiro.

O C-47 estava queimando e os sobreviventes rastejam para fora dos destroços, quando viram que vários soldados se aproximavam. Inicialmente eles pensaram que eram britânicos, mas logo descobriram que eram alemães e estes ficaram vividamente surpresos ao encontrarem uma mulher com uniforme militar e a patente de oficial.

Prisioneira de Guerra

Passada a surpresa, um deles enrolou um curativo em volta da cabeça da enfermeira Whittle, que sangrava profundamente. Na sequência os feridos foram colocados em um caminhão alemão e conduzidos para a aldeia mais próxima para um tratamento médico mais adequado.

Notícia nos Estados Unidos da captura de Reba Whittle.

Depois houve então uma longa viagem a bordo de um outro frio e sujo caminhão do exército alemão, com passagens frequentes em aldeias e cidades para refeições, ou discussões sobre o que fazer com aquela prisioneira. Os alemães não tinham certeza de como tratar uma prisioneira aliada, que além de tudo era enfermeira e oficial do exército. Todo o sistema alemão de prisioneiros de guerra havia sido projetado para cativos do sexo masculino e as únicas mulheres aliadas prisioneiras eram cidadãs civis de nações inimigas, detidas em campos de internamento especiais, sendo a maioria localizados em castelos antigos.

Reba e o resto da tripulação foram enviados para Auswertestelle West (Escritório de Avaliação Oeste), o principal centro de interrogatório da Luftwaffe em Oberursel, ao norte de Frankfurt, onde todas as tripulações inimigas capturadas eram interrogadas antes de seguirem para um campo de prisioneiros.

Aviadores aliados e soldados nazistas no centro de interrogatório da Luftwaffe em Oberursel, ao norte de Frankfurt.

Após um interrogatório educado, os alemães separam Reba Whittle do resto de sua tripulação e ela ficou alojada no Hohemark Hospital, que era parte de Auswertestelle West e projetado para fornecer ajuda imediata a prisioneiros feridos.

Consta que após algum debate os alemães decidiram que a enfermeira americana poderia ser usada para ajudar os soldados aliados. Então Reba foi transferida para um hospital militar para prisioneiros de guerra, administrado por uma equipe médica britânica, sendo parte do campo de prisioneiros Stalag IX-C, perto de Bad Sulza, um lugar entre as cidades de Erfurt e Leipzig, na região da Turíngia, centro da Alemanha. Em 19 de outubro, ela foi transferida para outro hospital de prisioneiros de guerra, nas proximidades da cidade de Meiningen, onde trabalhou com pacientes queimados e no centro de reabilitação para amputados.

Trabalho de enfermeira americana na Segunda Guerra – Fonte – Wikimeda Commons.

A captura de uma mulher oficial do Exército dos Estados Unidos chamou a atenção dos representantes suíços do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, que regularmente inspecionavam os campos de prisioneiros alemães. Reba deu detalhes de sua situação e de sua patente a esse pessoal.

Os membros da Cruz Vermelha por sua vez notificaram o Departamento de Estado, como é conhecido o Ministério das Relações Exteriores dos Estados Unidos, que começou a negociar sua libertação através da troca de prisioneiros.

Para alguns pode parecer esquisito, mas durante a Segunda Guerra ocorreu regularmente entre os Aliados e os alemães a repatriação de vários prisioneiros considerados muito doentes, ou psicologicamente incapazes de serem ainda úteis para o esforço de guerra. Evidentemente que a enfermeira americana não se enquadra nesta situação, pois estava totalmente sã e lúcida, podendo retomar ao seu trabalho para o esforço de guerra dos inimigos dos alemães.

Foto de jornal mostrando a enfermeira Reba Whittle no seu retorno aos Estados Unidos.

Mas todos que se debruçaram sobre o tema são unânimes em afirmar que os alemães se sentiram muito incomodados com a presença daquela oficial e, para surpresa de muitos, preferiram mandá-la de volta.

O retorno ocorreu em 25 de janeiro de 1945, quando Reba Whittle foi transportada em um trem com um grupo de repatriados para a Suíça e de lá ela foi capaz de embarcar em um avião para a Inglaterra e depois para os Estados Unidos.

Injustiça

A Enfermeira de voo Reba Zitella Whittle recebeu várias condecorações por sua provação como prisioneira, pelas feridas recebidas no acidente, por suas 41 missões em aviões C-47 evacuando os feridos e também foi promovida ao posto de primeiro-tenente. A enfermeira recebeu um telegrama do presidente Franklin Delano Roosevelt, agradecendo a ela por seu serviço e reconhecendo sua provação como uma prisioneira de guerra dos alemães por quatro meses.

Mas a concussão que ela sofreu no acidente a deixou com problemas duradouros, principalmente fortes dores de cabeça. Mesmo assim ela retornou ao serviço ativo na Estação Número 2 de Redistribuição da Força Aérea do Exército, em Miami Beach, Flórida. Depois foi transferida para trabalhar como enfermeira em um hospital do exército na Califórnia até o final da guerra.

Em 3 de agosto de 1945 ela se casou com o tenente-coronel Stanley W. Tobiason e em seguida solicitou dispensa do serviço ativo. Ela foi dispensada com todas as honras em 13 de janeiro de 1946.

Sua vida pós-exército foi marcada por vários problemas físicos e psiquiátricos. Ela buscou uma indenização da Administração dos Veteranos e iniciou uma série de apelos para a aposentadoria médica militar. Apesar dos diagnósticos de encefalopatia pós-traumática, reação crônica de ansiedade grave e artrite lombossacral precoce, seus apelos foram negados.

Finalmente, em janeiro de 1954, o Conselho de Apelação de Deficiência Física do Exército concordou que ela foi dispensada do serviço ativo por motivo de deficiência física e, portanto, elegível para benefícios de aposentadoria. Mesmo com sua deficiência sendo classificada como “ocorrida em combate”, ela foi retroativa apenas ao momento de sua inscrição, abril de 1952, e não ao período da guerra, o que lhe gerou um grande prejuízo financeiro e emocional. Reba realizou vários apelos, mas seu processo não foi reconhecido e acabou indeferido. Alguns dos seus biógrafos acreditam que sua condição de mulher pesou nessa equivocada e injusta decisão.

Ela e o Coronel Tobiason tiveram dois filhos, um dos quais se tornou Aviador Naval e serviu na Guerra do Vietnã.

Reba Whittle Tobiason morreu de câncer em 26 de janeiro de 1981, aos 62 anos.

Em abril de 1983, o Coronel Tobiason escreveu ao Exército, afirmando que o Departamento de Defesa e a Administração dos Veteranos não conheciam nenhuma outra militar americana que tenha sido feita prisioneira pelos alemães durante a Segunda Guerra na Europa.

Em 2 de setembro de 1983, Reba Zitella Whittle finalmente recebeu o status oficial de prisioneira dos alemães, mas somente em 1997 ela foi agraciada postumamente com a Medalha dos Prisioneiros de Guerra.

FONTES

https://www.tshaonline.org/handbook/entries/tobiason-reba-zitella-whittle

https://blog.theveteranssite.greatergood.com/reba-whittle/

https://www.memorialflightclub.com/blog/c-47-dakota-za947-75th-birthday

O TERRÍVEL JUIZ A SERVIÇO DA DITADURA

Careca, Olhar Igual Ao De Um Louco Assassino, Voz Alta e Esganiçada, Além de Uma Implacável Devoção ao Seu Ditador e a Sua Temida Ditadura, Foram Algumas das Marcas Deixadas Pelo Juiz Roland Freisler, o Mais Implacável Magistrado da Alemanha Nazista.

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

20 de julho de 1944, apenas algumas horas após oficiais militares alemães tentarem assassinar Adolf Hitler em Wolfsschanze, a “Toca do Lobo”, seu quartel-general em Rastenburg, na Prússia Oriental, o Führer manteve seus compromissos, incluindo uma reunião com Benito Mussolini, o líder fascista italiano.

A trama, comandada por Claus von Stauffenberg, foi o culminar dos esforços de vários grupos da resistência alemã, que esperavam que a morte violenta de Hitler sinalizasse uma revolta antinazista e derrubasse o governo alemão. O Führer, no entanto, sobreviveu à explosão e a tentativa de golpe falhou.

Hitler após o atentado de 20 de julho de 1944 – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Nos dias que se seguiram, Adolf Hitler ordenou uma caça massiva aos conspiradores, que continuou por meses.

Muitos dos oposicionistas compareceram perante aos notórios Tribunais Populares para julgamentos que condenaram milhares de alemães à morte, muitas vezes com base em evidências mínimas. Seu presidente era um fanático juiz nazista chamado Roland Freisler.

Um Comunista?

Freisler nasceu em 30 de outubro de 1893 em Celle, na Baixa Saxônia, então parte do Império Alemão, filho do engenheiro e professor Julius Freisler e de sua esposa Charlotte. Consta que o futuro juiz e seus dois irmãos foram batizados como protestantes.

Quando a Primeira Guerra Mundial começou em 28 de julho de 1914, Freisler estudava Direito na Universidade de Jena, na região alemã da Turíngia, e interrompeu os estudos para seguir a frente de combate. Ele alistou-se como oficial cadete do exército imperial alemão, sendo em 1915 condecorado com a Cruz de Ferro de 2ª Classe por bravura em ação, quando estava no posto de tenente.

Em outubro do mesmo ano, na Frente Oriental, Freisler foi feito prisioneiro de guerra pelos russos e internado em um campo de oficiais perto de Moscou. Embora os prisioneiros alemães tenham sido libertados em 1918, Freisler permaneceu na Rússia soviética até 1919, onde aprendeu a falar fluentemente o idioma local. Na época acreditou-se que ele se tornou um firme defensor do bolchevismo.

Em 1919, Freisler retornou à Alemanha para completar seus estudos de direito na Universidade de Jena, o que realizou em 1922. Dois anos depois ingressou no Partido Nazista e imediatamente ganhou autoridade dentro da organização ao utilizar seus conhecimentos jurídicos para defender os membros que enfrentavam processos por atos de violência política.

Tropas alemãs durante a Primeira Guerra Mundial – Fonte – https://blogdoenem.com.br/primeira-guerra-mundial-historia-enem-2/

De 1924 a 1935, Freisler viajou frequentemente para a cidade de Leipzig, onde trabalhou como um advogado perante o Tribunal de Honra. Consta que em quase todos os julgamentos que atuou ele insultou e ameaçou colegas, bem como vítimas e até mesmo juízes. Mesmo assim a sua licença para exercer a advocacia nunca foi revogada.

Karl Weinrich, um nazista membro do parlamento prussiano, se tornou amigo de Freisler em 1927 e comentou sobre sua reputação no movimento nazista nesse período: “Retoricamente, Freisler é igual aos nossos melhores oradores, se não superior. Ele tem influência sobre as massas, mas a maioria das pessoas pensantes o rejeita. O camarada de partido Freisler só pode ser usado como orador e é inadequado para qualquer posição de autoridade por causa de sua falta de confiabilidade e mau humor”.

Em 24 de março de 1928, Freisler casou-se com Marion Russegger, onde tiveram dois filhos.

Ascenção no Nazismo  

Em janeiro de 1933, depois que Adolf Hitler e o partido nazista chegaram ao poder, Freisler tornou-se membro do Reichstag – o Parlamento alemão. Ele também foi nomeado para altos cargos no Ministério da Justiça da Prússia e do Reich. Com a fundação da Academia de Direito Alemã por Hans Frank, que mais tarde se tornou chefe do Governo Geral na Polônia ocupada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, Freisler tornou-se membro e presidente do Comitê de Direito Penal.

Roland Freisler como membro do Partido Nazista – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Essa Academia foi encarregada de promover a reforma da vida jurídica alemã, trabalhando em ligação com órgãos legislativos para implementar o programa nacional-socialista nas áreas de direito e economia. Tempos depois o partido indicou Freisler como juiz.

O seu domínio sobre textos legais, agilidade mental, força verbal, além de intensa atuação dramática no tribunal, em combinação com sua conversão zelosa à ideologia nazista, fizeram dele o juiz mais temido da Alemanha e a personificação do nazismo na lei doméstica.

No entanto, apesar de seus talentos e lealdade, Adolf Hitler nunca o indicou para nenhum cargo além do sistema legal. Uma das razões foi a atuação política do seu irmão Oswald Freisler.

Várias vezes Oswald atuou como advogado de defesa de opositores do regime em julgamentos politicamente significativos, que os nazistas procuravam usar para fins de propaganda. O irmão do juiz Freisler tinha o hábito de usar seu distintivo de membro do Partido Nazista no tribunal, ao mesmo tempo que defendia intensamente opositores, o que gerou confusão.

O ministro da Propaganda Joseph Goebbels censurou Oswald Freisler e relatou suas ações a Adolf Hitler que, em resposta, ordenou a sua expulsão do Partido. Misteriosamente Oswald cometeu suicídio em Berlim em 1939, depois de ter sido acusado de irregularidades na condução de uma defesa.

O juiz Freisler era um ideólogo nazista comprometido e usou suas habilidades legais para adaptar suas teorias à legislação e ao judiciário práticos. Ele publicou um artigo intitulado A tarefa racial-biológica envolvida na reforma da lei criminal juvenil, no qual argumentava que “juvenis racialmente estrangeiros, racialmente degenerados, racialmente incuráveis ou com deficiências graves” deveriam ser enviados para centros juvenis, ou centros de educação correcional e segregados daqueles que são “alemães e racialmente valiosos”. Ele também defendeu fortemente a criação de leis para punir a chamada “contaminação racial” que era o termo nazista para relações sexuais entre “arianos” e aqueles considerados como de “raças inferiores”. Em 1933 ele até publicou um panfleto pedindo a proibição legal de relações sexuais de “sangue misto”.

Nazistas realizando um boicote às lojas judaicas – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Em 15 de setembro de 1935, o regime nazista anunciou duas novas leis: A Lei de Cidadania do Reich, que definia um cidadão pleno como uma pessoa “de sangue alemão”, o que significava que os judeus, definidos como uma raça separada, não podiam ser cidadãos da Alemanha e não tinham direitos políticos.

A outra foi a Lei para a Proteção do Sangue Alemão e da Honra Alemã, que proibia futuros casamentos mistos e relações sexuais entre judeus e pessoas de “Sangue alemão”. Os nazistas acreditavam que tais relações eram perigosas porque geravam filhos “mestiços”. Segundo os nazistas, essas crianças e seus descendentes minavam a “pureza da raça alemã”.

Ajuda de Freisler ao Holocausto

A Segunda Guerra Mundial começou em 1º de setembro de 1939, quando a Alemanha invadiu a Polônia. No mês seguinte Freisler introduziu o conceito de “criminoso juvenil precoce” no Decreto de criminosos juvenis. Este decreto forneceu a base legal para impor a pena de morte e penas penitenciárias a menores pela primeira vez na história jurídica alemã. Pelo menos 72 menores de 18 anos foram condenados à morte pelos tribunais nazistas.

Dois anos depois o ministro Goebbels sugeriu nomear Roland Freisler para substituir Franz Gürtner, o ministro da Justiça do Reich, que havia falecido. Mas a resposta de Hitler, referindo-se ao suposto passado “vermelho” de Freisler, foi: “Aquele velho bolchevique? Não!”.

Edifício n.º 56–58 Am Großen Wannsee, onde a Conferência de Wannsee teve lugar; atualmente um memorial e um museu – Fonte – https://pt.wikipedia.org/wiki/Confer%C3%AAncia_de_Wannsee

Em 20 de janeiro de 1942, quinze altos funcionários do Partido Nazista e do governo alemão se reuniram em uma vila no subúrbio de Wannsee, em Berlim, para discutir e coordenar a implementação do que chamaram de “Solução Final da Questão Judaica”. A “Solução Final” era o codinome para a aniquilação sistemática, deliberada e física dos judeus europeus. Os participantes da conferência incluíram representantes de vários ministérios do governo, incluindo secretários de Estado do Ministério das Relações Exteriores, da Justiça, do Interior e dos ministérios de Estado.

Os homens sentados à mesa faziam parte da elite do Reich. Mais da metade deles possuía doutorado em universidades alemãs. Eles estavam bem informados sobre a política em relação aos judeus. Cada um entendeu que a cooperação de sua agência era vital para que uma política tão ambiciosa e sem precedentes fosse bem-sucedida. Aqueles homens não deliberaram se tal plano deveria ser realizado, mas sim discutiram a implementação de uma decisão política que já havia sido tomada no mais alto escalão do regime nazista.

Reinhard Heydrich – Fonte – https://br.pinterest.com/pin/780319072907723525/

Na época da Conferência de Wannsee, a maioria dos participantes já sabia que o regime nazista havia se envolvido em assassinatos em massa de judeus e outros civis nas áreas ocupadas pelos alemães na União Soviética e na Sérvia.

Nenhum dos funcionários presentes na reunião, incluindo Roland Freisler, que fornecia consultoria jurídica especializada para o plano, se opôs à política de “Solução Final”.

Entre os que participaram desse encontro estava o temido Reinhard Tristan Eugen Heydrich, um oficial superior das terríveis tropas SS e um dos principais arquitetos da matança do que hoje conhecemos simplesmente como Holocausto. Heydrich indicou que aproximadamente onze milhões de judeus na Europa cairiam sob as garras da terrível “Solução Final”.

A Conferência de Wannsee durou apenas uns noventa minutos. A enorme importância que foi atribuída à conferência pelos escritores do pós-guerra não era evidente para a maioria de seus participantes na época. 

Um Hitler sorridente passa em revista suas tropas ao final da guerra, formada basicamente de adolescentes – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Em algum momento ainda indeterminado em 1941, Adolf Hitler autorizou esse esquema de assassinato em massa em toda a Europa. Mas é verdadeiro que não há nenhum documento que indique especificamente por quem, a que horas e de que maneira foi decidido embarcar no extermínio total dos judeus. Muitos estudiosos acreditam que tal ordem nunca foi emitida por escrito: em vez disso, foi dada oralmente, por Hitler, ou com seu conhecimento.

Também como resultado da reunião, foi estabelecida uma rede de campos de extermínio, na qual 1,7 milhão de judeus foram assassinados em 1942-1943.

Juiz Sanguinário

Em 20 de agosto de 1942, Hitler nomeou Freisler presidente do Tribunal Popular. Ele presidiu essa corte vestindo um vistoso manto judicial, em uma sala de audiência enfeitada com estandartes cobertos com suásticas escarlates e um grande busto da cabeça de Adolf Hitler esculpida em negro, montada em um alto pedestal atrás de sua cadeira. Ele abria cada sessão de audiência com a saudação nazista e atuou como promotor, juiz e júri juntos.

nomeou Freisler presidente do Tribunal Popular Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Sob a batuta de Freisler a frequência de sentenças de morte aumentou acentuadamente. Aproximadamente 90% de todos os casos que vieram parar em suas mãos terminaram com veredictos de culpado e mais de 5.500 sentenças de morte foram por ele decretadas, o que lhe valeu a reputação de “juiz sanguinário”.

A situação foi tão radical, que entre os anos de 1942 e 1945 Freisler foi responsável por mais sentenças de mortes do que todos os outros juízes desta mesma corte entre os anos de 1934 e 1945.  

Em todos os processos do Tribunal Popular, Freisler mostrou um viés pronunciado em favor do estado nazista e sua ideologia. Sua condução dos casos foi muito além das regras de procedimento e do código de conduta dos juízes e, portanto, representou uma forma grave de perverter a lei. Como nacional-socialista fanático, ele disse que queria julgar “como o próprio Führer julgaria o caso”.

Freisler ouve os acusados – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Para Freisler, o Tribunal Popular era expressamente um “tribunal político”. Nos julgamentos ele humilhava os acusados, mal os ouvia e os interrompia constantemente. Ele também gritava estridentemente com eles e conduzia o processo de maneira particularmente pouco objetiva. Os gritos altos de Freisler tornaram difícil para os acusados suportarem psicologicamente as seções.

Essas humilhações deliberadas e direcionadas aos acusados aconteceram tanto verbalmente, quanto de maneira não verbal. Por exemplo; os nazistas deram aos réus roupas velhas, grandes demais e sem cintos, forçando-os a ficarem na frente do tribunal segurando constantemente suas calças.

Terrível Contra os Opositores do Regime

Em 18 de fevereiro de 1943, os irmãos Hans e Sophie Scholl, além do estudante Cristopher Probst, distribuíram panfletos contra o regime de Hitler na Universidade Ludwig Maximilian, de Munique, e foram rapidamente denunciados a Gestapo – à polícia secreta oficial da Alemanha nazista – e todos foram presos.

Por meio de questionamentos, ficou claro que os dois irmãos e o amigo faziam parte de um grupo de resistência chamado Rosa Branca que escrevia os panfletos, cada um sendo mais crítico em relação a Hitler e ao povo alemão do que o anterior. Eles encorajavam os cidadãos a resistirem ao regime nazista, denunciavam o assassinato de centenas de milhares de poloneses e exigiram o fim da guerra.

Os irmãos Hans e Sophie Scholl Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Sob interrogatório, foi oferecida a Sophie uma sentença reduzida se ela admitisse que seu irmão a havia desencaminhado. Mas ela recusou, dizendo: “Não vou trair meu irmão ou meus princípios e não farei barganha com os nazistas”. Em 22 de fevereiro de 1943, Freisler voou para Munique com o único propósito de presidir esse julgamento.

Aparecendo no tribunal, Sophie Scholl chocou a todos quando comentou com Freisler “Alguém, afinal, tinha que começar. O que escrevemos e dissemos também é acreditado por muitos outros. Mas eles simplesmente não ousam se expressar como nós”. Ela também interrompeu Freisler com uma declaração: “Você sabe que a guerra está perdida. Por que você não tem coragem de enfrentar?”. Depois de meio dia de julgamento, o veredicto foi o esperado: culpado.

Freisler os condenou à morte por enforcamento, mas com medo de serem elevados ao status de martírio se fossem mortos publicamente, decidiu-se matá-los na guilhotina. Em menos de vinte e quatro horas depois de condenados, a sentença contra os dois irmãos e o amigo Probst foi executada.

Em 19 de abril de 1943, Freisler foi trazido a Munique para ser o juiz do segundo julgamento dos membros da Rosa Branca. Logo no início Freisler gritou com um dos acusados: “O nacional-socialismo não precisa de um código penal contra tais “traidores” como vocês. Vou encurtar esse processo”. Quando um assessor lhe entregou um volumoso exemplar do código penal, sem dizer uma palavra, Freisler imediatamente o jogou na direção do acusado, que teve que se abaixar para evitar ser atingido na cabeça. Dos treze réus desse caso três foram condenados à morte, nove foram condenados à prisão e um foi absolvido inesperadamente.

Outra vítima de Freisler foi Elfriede Scholz, irmã do romancista alemão Erich Maria Remarque.

Em 10 de maio de 1933, por iniciativa do ministro Joseph Goebbels, a escrita de Remarque foi declarada publicamente como “antipatriótica” e proibida na Alemanha. Como resultado, as cópias foram removidas de todas as bibliotecas e proibidas de serem vendidas ou publicadas em qualquer lugar do país.

Enquanto Erich deixou a Alemanha, sua irmã Elfriede não. Ela, uma simples costureira, ficou na Alemanha com o marido e dois filhos e foi presa pela Gestapo depois que afirmou a uma conhecida cliente e ao seu senhorio que “Não acreditava na propaganda de uma vitória final alemã e os soldados na frente de batalha não passavam de ovelhas para o abate”. Ela também comentou que “mataria Adolf Hitler se pudesse” e que “a guerra conduzida pelos nazistas estava perdida”.

As acusações contra Elfriede Scholz a levaram a ser classificada como uma perigosa ativista, que “estava minando o esforço de guerra da Alemanha”. Durante o julgamento, Freisler disse a Elfriede “Seu irmão está fora de nosso alcance, mas você não escapará de nós!”. Elfriede Scholz foi decapitada na guilhotina em 16 de dezembro de 1943.

Contra os Participantes da Operação Valquíria

Conforme comentamos anteriormente, em 20 de julho de 1944, Claus von Stauffenberg e outros conspiradores tentaram assassinar Adolf Hitler dentro de seu quartel-general.

Stauffenberg (à esquerda) em Rastenburg em 15 de julho de 1944. No centro Adolf Hitler. Stauffenberg já levava as bombas consigo. Mas decidiu não detoná-las naquele momento. Fonte – Wikipédia

Os conspiradores se concentraram em um plano de contingência existente com o codinome Operação Valquíria. Esta ação foi originalmente projetada para combater militarmente uma potencial agitação civil na Alemanha. Já os conspiradores modificaram o plano para seus próprios objetivos, com a intenção de assumir o controle das cidades alemãs, desarmar as tropas SS e prender os principais líderes nazistas após a conspiração.

As motivações variaram amplamente e não devem ser vistas apenas no contexto do Holocausto, já que vários dos próprios conspiradores estavam implicados em crimes de guerra e no Holocausto. Para muitos dos participantes a tentativa de assassinato tinha um objetivo mais pragmático: resgatar a Alemanha da derrota catastrófica provocada pela administração cada vez mais irracional de Hitler.

Tribunal do Povo julgando os envolvidos na conspiração para matar Hitler em 1944 – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Nos dias que se seguiram ao atentado fracassado, Hitler ordenou uma caça massiva aos conspiradores, que continuou por meses. Em agosto de 1944, alguns dos perpetradores presos da tentativa de assassinato foram levados a Freisler para punição.

Hitler ordenou que os culpados fossem “enforcados como gado” e que os procedimentos fossem filmados para serem exibidos ao público alemão em cinejornais e retratar como Freisler dirigia implacavelmente o seu tribunal.

O terrível juiz costumava alternar entre questionar os réus de maneira analítica e, de repente, lançar-se sobre a vítima com um furioso discurso verbal, chegando a gritar insultos ao acusado no tribunal. A mudança do interrogatório frio e clínico para acessos de raiva gritante, foi projetada para desarmar psicologicamente os acusados, ao mesmo tempo que desencorajava qualquer tentativa de defender ou justificar suas ações.

A certa altura, Freisler gritou com o marechal de campo Erwin von Witzleben, que tentava segurar as calças depois de receber de propósito roupas velhas, grandes demais e sem cinto: “Seu velho sujo, por que fica mexendo nas calças?” No entanto, os réus nunca perderam sua dignidade.

As palavras finais que Erwin von Witzleben dirigiu a Freisler teriam sido: “Você pode nos entregar ao carrasco. Em três meses, as pessoas indignadas e atormentadas irão responsabilizá-lo e arrastá-lo vivo pela lama das ruas.”

César von Hofacker, figura principal da resistência na França, interrompeu Freisler depois de tê-lo interrompido várias vezes dizendo: “Você está calado agora, Herr Freisler! Porque hoje é sobre a minha cabeça. Em um ano, é tudo sobre a sua!”

Tribunal lotado para assistir a condenação dos conspiradores – – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Quando Freisler imaginou sarcasticamente a morte iminente do general Erich Fellgiebel, Fellgiebel disse a Freisler: “Então, apresse-se, senhor juiz, senão você é que cairá antes de nós.”

Quando o conde Ulrich-Wilhelm Schwerin von Schwanenfeld, devastado pelas condições de sua detenção, foi levado ao tribunal sem cinto e gravata, ele também tentou preservar sua dignidade e afirmou que sua oposição a Hitler se devia aos “muitos assassinatos na Alemanha e no exterior”. Ele era constantemente interrompido por um Freisler furioso, que finalmente gritou com ele de raiva e disse-lhe: “Você realmente é um lixo nojento!”.

No final, mais de 7.000 pessoas foram presas. 4.980 deles, incluindo von Witzleben, von Hofacker, o conde Schwerin von Schwanenfeld e o general Fellgiebel, foram executados nas prisões nazistas, muitas vezes com base em evidências mínimas. Algumas das execuções foram realizadas duas horas após a entrega do veredicto.

Freisler e sua verborragia – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Justiça Divina

Se você acredita na Justiça Divina, podemos dizer que ela finalmente alcançou Freisler em 3 de fevereiro de 1945. E existem dois relatos contraditórios sobre as circunstâncias de sua morte.

Na manhã daquele dia, Freisler conduzia uma sessão de sábado do Tribunal Popular, quando bombardeiros da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos atacaram Berlim. Prédios do governo foram atingidos, incluindo a Chancelaria do Reich, o quartel-general da Gestapo, a Chancelaria do Partido Nazista e o Tribunal Popular.

Ao ouvir as sirenes antiaéreas, Freisler encerrou apressadamente o tribunal e ordenou que os prisioneiros diante dele fossem levados para um abrigo subterrâneo, mas ele próprio ficou para trás para reunir os arquivos antes de partir. Uma bomba então atingiu o prédio do tribunal, causando um colapso interno e uma coluna de alvenaria se soltou enquanto Freisler se distraía com seus documentos.

Freisler presidindo uma seção – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

A coluna desabou sobre o terrível juiz, fazendo com que ele fosse esmagado e morto instantaneamente. Devido ao colapso da coluna, uma grande parte do tribunal também pousou sobre o cadáver de Freisler. Os seus restos esmagados e achatados foram encontrados sob os escombros, ainda segurando os arquivos que ele havia deixado para reunir.

Mas um relato diferente afirmou que Freisler, então com 51 anos, foi morto por um estilhaço de bomba enquanto tentava escapar de seu tribunal para o abrigo antiaéreo. Ele então sangrou até a morte na calçada em frente ao Tribunal do Povo em Berlim. Luise von Benda, esposa do general Alfred Jodl, contou 25 anos depois que trabalhava no Hospital Lützow quando o corpo de Freisler chegou para atendimento, mas não havia nada mais a fazer.

Ao ver o corpo de Freisler, um funcionário do hospital comentou: “É o veredicto de Deus”. Nenhuma pessoa disse uma palavra em resposta. O corpo de Freisler foi enterrado no túmulo da família de sua esposa em Berlim. Seu nome não ficou registrado na lápide e não houve lágrimas derramadas por Roland Freisler.

A terrível atuação desse homem foi tão forte na história jurídica alemã, que, mesmo sem confirmação, eu soube que na moderna Alemanha quando um juiz começa a extrapolar das suas funções, ou sua atuação jurídica começa a ultrapassar os limites do bom senso, ou este começa a “ter certeza que é Deus”, dizem que ele está “agindo tal qual Freisler”.

E no Brasil, existe algo parecido?

PARA SABER MAIS SOBRE O ATENTADO CONTRA HITLER EM 1944, CLIQUE NO LINK ABAIXO.

O MARCO TOPOGRÁFICO DE RIACHUELO – UMA RELÍQUIA DA SEGUNDA GUERRA NO AGRESTE POTIGUAR

Próximo à Cidade de Riachuelo, no Alto da Serra Azul, Existe um Antigo Marco Topográfico, Aparentemente o Último do Seu Tipo Ainda Existente no seu Ponto Original, Que Foi Colocado Pelo Exército Brasileiro Durante a Segunda Guerra Mundial e Foi Utilizado Como Instrumento Para a Defesa do Nosso Litoral.

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Nos últimos meses de 2018, através das indicações existentes em um livro sobre a vida e a obra do escritor e pesquisador potiguar Oswaldo Lamartine, junto com os dados encontrados em um documento originalmente produzido em 1944 pela US Navy (Marinha dos Estados Unidos), me desloquei ao município de Riachuelo, no Agreste Potiguar, para pesquisar sobre um acidente com uma aeronave de combate.

Rostand Medeiros, José Lourenço e Aírton Freitas, Secretário de Administração de Riachuelo e grande batalhador pela história de sua comunidade. Foto realizada em 2018 quando realizamos a pesquisa do desastre do Catalina em 1944 – Foto: José Correia Torres Neto.

Nesta cidade, distante 80 quilômetros de Natal, encontrei uma interessante história sobre a queda de um hidroavião bimotor Consolidated PBY-5A Catalina no dia 10 de maio de 1944. Encontrei também testemunhas extremamente interessadas em ajudar, tendo conseguido acumular muitas informações e elementos ligados a esse episódio.

Livro Sobrevoo: Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte.

Os resultados da nossa pesquisa foram extremamente promissores, gerando inclusive um dos capítulos do meu livro Sobrevoo: Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte (2019), além de um interessante contato com a Embaixada dos Estados Unidos, conforme os leitores podem saber mais acessando os links abaixo… 

https://br.usembassy.gov/pt/relembrando-riachuelo/

Durante esses trabalhos conheci o professor Airton Freitas de Macedo, que na época era Secretário de Administração da Prefeitura Municipal de Riachuelo e muito ajudou em nossas pesquisas e nos desdobramentos que ocorreram junto ao pessoal da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil e do consulado desse país sediado em Recife.

Registro quando ocorreu a visita dos membros do Consulado dos Estados Unidos de Recife a cidade de Riachuelo em maio de 2019. Da esquerda para a direita vemos os Srs. Stuart Alan Beechler e Daniel A. Stewart , do Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife, seguido de Rostand Medeiros , escrito e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e o Capitão de Mar e Guerra Fuzileiro Naval (R.R.) Edison Nonato de Faria. Foto: Charles Franklin de Freitas Gois. 

Em nossas visitas e entrevistas, Ailton me falou sobre a existência de uma espécie de “marco” que havia sido colocado próximo a Riachuelo, no alto de uma elevação chamada Serra Azul, às margens da BR-304, a mesma estrada que liga Natal a Mossoró. Ailton me informou que a colocação desse marco ocorreu na época da Segunda Guerra e foram militares do Exército Brasileiro os responsáveis pela colocação. Apesar de ter sido convidado por Airton para visitar esse marco, essa visita não pôde ser concretizada naquela época. 

Na hora que eu soube dessa informação, acreditei que essa verdadeira relíquia tinha ligação com um marco topográfico colocado pelo Exército no alto do Morro do Navio, ou Morro Vermelho, perto da localidade de Pium, município de Nísia Floresta, próximo ao litoral potiguar e a cerca de 25 quilômetros de distância do centro de Natal.

O autor desse texto e o falecido jornalista Luiz Gonzaga Cortez, realizando medições no marco do Morro do Navio em 2013.

Eu estive neste local em 2013 e vi esse marco de concreto junto com o falecido jornalista Luiz Gonzaga Cortez. Na sequência escrevi em nosso blog TOK DE HISTÓRIA um texto sobre essa visita e sobre o vandalismo que esse objeto sofria na época [1].

Esse marco no Morro do Navio possuía um orifício na ponta, tinha em torno de 1,50 m, sendo 40 centímetros só na base. Em uma de suas laterais encontramos as inscrições “1942”, “S.G.H.E.” e “45”. Na época eu acreditei que esse marco estava relacionado a alguma missão militar realizada na década de 1940, provavelmente destinado a utilização na área de levantamento cartográfico do Serviço Geográfico do Exército (SGEx).

O marco do Morro do Navio totalmente desenterrado.

Em 2013 eu busquei ajuda com um amigo historiador sobre a possível origem desse marco do Morro do Navio e, segundo ele, a hipótese mais correta era que este material estava ligado a missão de um grupo de cartógrafos/topógrafos militares, que realizaram o levantamento do litoral nordestino, mediante a necessidade de operações de guerra que iriam se desenvolver em nossa região. Para cumprir tal missão foi organizado o Destacamento Especial do Nordeste (DEN), chefiado pelo então Tenente-coronel Djalma Poly Coelho, contando com um número superior a trinta oficiais engenheiros e sargentos topógrafos.

Apesar do desejo em ajudar, essas eram as informações básicas que esse amigo historiador me passou sobre esse marco. 

PARA DETALHES SOBRE A HISTÓRIA DO MARCO DO MORRO DO NAVIO, EM PIUM, MUNICÍPIO DE NÍSIA FLORESTA, CLIQUE NO LINK ABAIXO. 

Surpresa 

Em setembro de 2022 eu recebi um e-mail do Capitão Othon Amorim Barbosa, então Chefe da Seção de Comunicação Social do 3º Centro de Geoinformação (3º CGEO), também conhecido como “Centro de Geoinformação General Poly Coelho”, sediado em Olinda, Pernambuco.   

Serra Azul, no município de Riachuelo.

Logo mantivemos um proveitoso contato telefônico, onde o Capitão Othon me relatou ter encontrado na internet o nosso texto sobre o marco do Morro do Navio. Ele então me transmitiu alguns detalhes interessantes sobre a história do 3° CGEO e do trabalho do Tenente-coronel Djalma Poly Coelho no início da década de 1940 no Nordeste brasileiro. Em meio ao nosso interessante diálogo, lhe relatei sobre a existência de um marco no município de Riachuelo, que poderia ter relação com a história do trabalho do Serviço Geográfico do Exército em nossa região.

Detalhe da Serra Azul.

A nossa conversa então tomou outro rumo, onde o Capitão Othon se mostrou interessado em enviar um militar do 3° CGEO até a região para visitar a Serra Azul e fotografar o marco ali existente.

Logo entrei em contato com o amigo Ailton Freitas em Riachuelo, que se colocou à inteira disposição para a realização dessa visita e prometeu ajudar no que fosse possível.

Passando na sede da propriedade a caminho do alto da serra.

Em um sábado, 8 de outubro de 2022, eu segui para Riachuelo com o Subtenente Severino Alves Neto, um profissional de alto gabarito, pessoa de primeiríssima qualidade, que me transmitiu muitas e interessantes informações sobre o trabalho da atual Diretoria de Serviço Geográfico do Exército (DSG), sucessora do Serviço Geográfico do Exército. De forma muito tranquila o Subtenente Alves Neto delineou a atuação das unidades militares vinculadas a essa diretoria e a atuação desse ramo do Exército Brasileiro em todo território nacional.

Trilha para o alto da serra no meio da mata.

Confesso que nada sabia da atuação da DSG, da importância prática do seu atual trabalho para os diversos níveis da máquina estatal, do nível de desenvolvimento das atividades cartográficas do Exército Brasileiro e outros temas. A troca de informações proporcionada pelo Subtenente Alves Neto foi tão interessante, que o tempo para percorrer os 80 quilômetros de trajeto entre Natal e Riachuelo me pareceu ter passado muito rápido.

O Professor Airton fotografando um abrigo soba rocha existente na Serra Azul.

Nessa cidade que sempre me traz boas energias, estivemos na casa do amigo Ailton, que nos apresentou os irmãos Ariel e Urias Teixeira da Silva, que nos ajudaram na empreitada e nos conduziram através das trilhas da Serra Azul. Após um cafezinho, seguimos todos para esse local, distante cerca de dois quilômetros de Riachuelo. 

Trecho após o abrigo natural.

Uma Relíquia da Segunda Guerra no Agreste Potiguar 

O acesso a Serra Azul é feito por uma propriedade às margens da BR-304, onde fomos muito bem recebidos pelas pessoas que moram por lá. Depois iniciamos a trilha, que logo chegou ao setor mais próximo da elevação propriamente dita. Então iniciamos o caminho por uma área com boa preservação natural e a trilha seguia para o alto, onde teríamos que chegar ao topo desta serra com cerca de 300 metros de altitude.

Da esquerda para direita Urias, Rostand, Ariel e Alves Neto.

Apesar de em alguns trechos a mata ser relativamente densa, ela pode ser realizada de maneira tranquila, sem maiores percalços. No caminho os guias Ariel e Urias não deixavam escapar nenhum detalhe sobre a trilha e a natureza ao redor. Realmente eles são dois guias natos, muito bem preparados e extremamente dispostos a ajudar.

No meio do caminho tivemos de contornar um grande bloco esférico de granito, que de tão grande forma na sua base um interessante abrigo natural, que percebemos serem utilizados por pequenos animais.

Visual na subida da serra.
Belezas da Serra Azul.

Em alguns momentos a trilha é feita basicamente sobre o granito, onde a vegetação é naturalmente ausente, mas o visual da região se torna então muito interessante. Na verdade, essa trilha bem poderia ser utilizada como um atrativo turístico da cidade de Riachuelo e da Região do Agreste Potiguar.

No final da trilha chegamos ao alto da serra e encontramos o marco.

Grupo reunido junto ao marco topográfico.

Ele se encontra rachado e, segundo fomos informados, por pessoas que acreditavam que no seu interior haveria algum tipo de “tesouro”, o que nunca existiu.

Nesse marco encontramos uma marca triangular, que apontava em direção leste, a mesma de Natal e do litoral do Rio Grande do Norte. Essa marca é um ponto trigonométrico.

Marca triangular onde provavelmente havia uma placa de bronze com marcações topográficas.

Segundo o Subtenente Alves Neto esse triângulo no marco da Serra Azul poderia conter uma placa de bronze, com várias marcações para serem utilizadas naquela época pelos topógrafos do Serviço Geográfico do Exército.

O interessante, conforme é possível ver na imagem abaixo, esse triângulo é reproduzido dentro de uma marcação semicircular que significa uma elevação, com o número “254” ao lado, indicativo de sua referência de nível. Esse sinal é reproduzido no mapa em escala de 1:100.000, Folha SB25–V–C–IVMI–977, confeccionado pela DSG em 1983. Infelizmente essa possível placa de bronze foi perdida.

No detalhe a localização da Serra Azul no mapa em escala de 1:100.000 que mostra uma parte do município de Riachuelo.

Na lateral, tal como no marco do Morro do Navio de Pium, encontramos a sigla “S.G.H.E.” e o número “40.

Segundo o amigo Ariel Teixeira da Silva, na época da colocação desse objeto no alto da Serra Azul, ficou na memória dos moradores da pequena Riachuelo, então um arruado com poucas casas, que os homens que implantaram esse marco seriam “alemães”, por muitos deles serem brancos, altos e loiros. Mas a maioria dos membros do Exército que realizaram essa atividade no Nordeste eram oriundos do Rio Grande do Sul e muitos eram descendentes de italianos e alemães.

As letras “S.G.H.E.” e o número “40”.

Concluímos então a visita realizando inúmeras fotos desse marco histórico. 

ATENÇÃO – Para quem desejar percorrer a trilha que leva ao marco histórico do Exército Brasileiro no alto da Serra Azul, em Riachuelo, liguem para o amigo Urias Teixeira da Silva, no telefone celular e WhatsApp número – 84 99612 3048. 

Reconhecimento 

Nos dias posteriores a nossa visita, fiquei sabendo que os resultados obtidos em campo foram positivamente apreciados pelo Tenente-coronel Rodrigo Wanderley de Cerqueira, comandante do 3° CGEO, bem como pelo General de Brigada Marcis Gualberto Mendonça Junior, Diretor do Serviço Geográfico do Exército (DSG), cuja sede fica em Brasília.

Entrada do 3° CGHEO, em Olinda, Pernambuco.

Então todos os civis que participaram dessa atividade na zona rural de Riachuelo foram convidados para se fazerem presentes na sede do 3° CGEO em Olinda, no dia 17 de outubro de 2022, para comemorar o Dia do Topógrafo e recebemos diplomas e uma lembrança dessa atividade junto a essa unidade militar.

Nesse dia, uma segunda-feira, me fiz presente e representei meus amigos de Riachuelo. Na ocasião visitei o Centro de Memória do 3° CGEO e participei da cerimônia militar alusiva ao Dia do Topógrafo.

O autor deste texto ao lado do Tenente-coronel Rodrigo Cerqueira, comandante do 3° CGEO.

O Tenente-coronel Rodrigo Cerqueira, o Major Daniel da Costa e Silva, subcomandante da unidade, além dos oficiais e subalternos foram extremamente atenciosos e me receberam de maneira muito digna nessa unidade militar.

Formatura pela cerimônia do Dia do Topógrafo.

Durante a cerimônia recebi das mãos do comandante do 3° CGEO meu diploma e uma lembrança contendo o brasão da unidade e a esfinge do General de Brigada Djalma Poly Coelho. Na ocasião me foram entregues os diplomas dos amigos Airton Freitas de Macedo, Ariel e Urias Teixeira da Silva.

Materiais que foram entregues pelos militares do 3° CGEO aos civis que participaram da visita ao marco topográfico da Serra Azul.

Foi um momento muito positivo, onde conheci muitos topógrafos dessa unidade que atualmente se encontram na reserva e com eles soube das difíceis missões topográficas realizadas em tempos passados pelo interior do Nordeste.

Me vi entre militares que têm uma formação técnica extremamente apurada, um senso de satisfação na realização de suas missões que muito me impressionou, um enorme respeito pelos membros veteranos da unidade e acima de tudo percebi que esses homens e mulheres do 3° CGEO possuem a certeza que todo o trabalho que realizam tem uma enorme utilidade para a sociedade brasileira. Embora essa mesma sociedade desconheça os resultados dos seus relevantes trabalhos.

Entrega dos diplomas.

Essas pessoas trazem no desenvolvimento de suas atividades uma tradição que começou no final do século XIX, onde a missão principal dos militares que iniciaram os trabalhos cartográficos no Exército Brasileiro era criar mapas para uma imensa nação que quase não tinha mapas.

O Exército e a Cartografia

Em 2 de junho de 1890 saiu na primeira página do Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, a notícia que três dias antes havia sido criado pelo Exército Brasileiro um “serviço geographico”. Essa atividade seria exercida por militares com especialização em engenharia, oriundos da tradicional Escola Polythecnica do Rio [2]. Já os membros que fariam parte desse serviço e não tinham essa formação, realizaram cursos junto aos cientistas do Observatório Nacional, também no Rio, com foco em atividades de levantamento geográfico [3].

Texto de criação do “serviço geographico” no Exército em 1890.

As razões para a criação desse tipo de atividade no Exército Brasileiro, seis meses após a Proclamação da República, passava por uma ideia de modernização da força terrestre brasileira e encerrar uma situação onde o conhecimento geográfico do território nacional era muito limitado. Havia muitos erros nos mapas disponíveis, que geravam incertezas sobre as localizações de limites de fronteiras com outros países e nos próprios estados brasileiros, além do traçado dos rios e até a localização de capitais e cidades [4]. 

Naquele período entre a década de 1890 e a virada do novo século, ocorreram no Brasil várias crises internas, onde algumas delas se tornaram lutas sangrentas, que atrasaram o desenvolvimento do país. Na arma terrestre não foi diferente, tendo o seu “serviço geographico” só começado a desenvolver projetos de maior vulto nos primeiros anos do século XX [5].

Mapa da Baía da Guanabara, Rio de Janeiro.

Em 1903 foi elaborado pelo Estado-Maior do Exército o “Projeto Carta Geral do Brasil”, através de uma comissão específica, que tinha então o objetivo de elaborar o maior mapeamento possível do país. Contudo, lendo um amplo texto existente em um relatório com as atividades do Ministério da Guerra de 1908, esse trabalho basicamente se concentrou na implantação da rede geodésica e no mapeamento do estado do Rio Grande do Sul, principalmente a região de fronteira com o Uruguai e a Argentina [6].

As razões para esse incremento na elaboração de mapas nesse setor do país, era tanto a demarcação definitiva da fronteira com essas duas nações, como elaborar estratégias militares visando a nossa defesa para o caso de algum ataque vindo principalmente da Argentina, que dentro dos processos estratégicos brasileiros da época era considerado o nosso potencial e principal inimigo.

Autoridades civis e militares na Fortaleza do Morro da Conceição.

A partir da metade do ano de 1917 essa área especializada do Exército Brasileiro passou a ser denominado Serviço Geográfico Militar, tendo sua sede na antiga fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, um bastião defensivo construído pelos portugueses em 1718 no Morro da Conceição, Rio de Janeiro [7]. Segundo notícia de um periódico carioca, em 3 de agosto de 1917 o General Bento Manuel Ribeiro Carneiro Monteiro, então Chefe do Estado Maior do Exército, reuniu um grupo de deputados e jornalistas para visitar as dependências daquela instituição na fortaleza [8].

General Bento Ribeiro apresenta o serviço Geográfico a políticos e a imprensa carioca.

Em 14 de outubro de 1920 desembarcou no Rio de Janeiro a hoje quase desconhecida Missão Cartográfica Imperial Militar Austríaca, tendo à frente o General e Barão Arthur Herr Von Hübl, do Imperial Instituto Geográfico Militar de Viena. Os austríacos introduziram no país o levantamento topográfico à prancheta, os métodos estereofotogramétricos de emprego de fotografias terrestres e aéreas e a impressão offset, além de ajudarem na criação da Escola de Engenheiros Geográficos Militares [9].

Em 1923, percebendo que as dependências da Fortaleza do Morro da Conceição não comportavam a apliação do Serviço Geográfico Militar, o Exército adquiriu o Palácio da Conceição (foto abaixo), que fica nos fundos da antiga fortaleza. Esse local serviu de sede do bispado até 1915, quando este foi transferido para o Palácio Arquiepiscopal São Joaquim, no bairro da Glória [10].

Antigo Palácio da Conceição.

O Serviço Geográfico Militar e a Comissão da Carta Geral continuaram ao longo dos anos atuando de forma independente, com o primeiro executando mapeamentos em áreas no Rio de Janeiro e o segundo continuando a realização de levantamentos no Rio Grande do Sul. A partir de 1932 o Serviço passa a denominar-se Serviço Geográfico do Exército (SGE), e a então Comissão da Carta Geral dá origem à Primeira Divisão de Levantamento, tendo sua sede em Porto Alegre e sua criação se deu através do decreto nº 21.883, de 29 de setembro de 1932 [11].

Símbolo do serviço Geográfico.

O Serviço Evolui

No ano seguinte foram designados para a Divisão de Levantamento dois aviões Bellanca CH-300 Special Pacemaker (Foto abaixo).

A antiga Aviação Militar do Exército Brasileiro havia adquirido treze exemplares dessa aeronave, que eram construídos nos Estados Unidos, sendo monoplanos utilitários típicos da década de 1930. Possuíam asa alta, trem de pouso fixo, capacidade para seis pessoas, sendo movidos por um motor Wright J-6s de 300 H.P. e foi uma aeronave que se tornou conhecida por sua resistência e grande autonomia de voo, que superava as cinco horas [12].

Avião utilizado pelo Serviço Geográfico.

Em 27 de setembro de 1933 os Bellanca decolaram do Rio para Porto Alegre pilotados pelo Capitão Clóvis Travassos e o Tenente Burgmann [13]. Com a ideia de apoiar as atividades dessas aeronaves em terras gaúchas, o então governador Flores da Cunha mandou construir um hangar na cidade de Cruz Alta, liberando para os militares 400 caixas de gasolina, 48 de óleo e até dinheiro para diárias de manutenção das equipes, sendo o fato noticiado em todo país [14].

Devido a importância e especialidade de suas missões, o Serviço Geográfico do Exército conseguia até mesmo superar certas diferenças internas no Exército, criadas em decorrência das lutas políticas ocorridas no Brasil na década de 1930. Um exemplo disso ocorreu com o Tenente-coronel Jaguaribe Gomes de Mattos, que se encontrava exilado na Europa por ter participado da Revolução Constitucionalista de 1932 ao lado dos paulistas. Mesmo assim esse oficial recebeu permissão do Ministério da Guerra para a atuar pelo Exército, com os seus devidos vencimentos, acompanhando a impressão dos mapas da região do Mato Grosso junto ao Exército Francês a [15].

Informativo sobre o serviço Geográfico.

Em 1937 o Serviço Geográfico do Exército se viu diante da missão de encerrar as várias pendências em relação à demarcação das fronteiras estaduais. A situação chegou a tal ponto que a Constituição Brasileira outorgada pelo presidente Getúlio Vargas em 10 de novembro daquele ano tinha um artigo específico para tratar do assunto, com a designação do Serviço Geográfico do Exército nessa função, conforme podemos ler abaixo [16]. 

Art. 184 – Os Estados continuarão na posse dos territórios em que atualmente exercem a sua jurisdição, vedadas entre eles quaisquer reivindicações territoriais.

§ 1º – Ficam extintas, ainda que em andamento ou pendentes de sentença no Supremo Tribunal Federal ou em Juízo Arbitral, as questões de limites entre Estados.

§ 2º – O Serviço Geográfico do Exército procederá às diligências de reconhecimento e descrição dos limites até aqui sujeitos a dúvida ou litígios, e fará as necessárias demarcações [17]

Para se ter uma ideia da quantidade de pendências dos limites estaduais no Brasil até o final da década de 1930, veja abaixo esse resumo publicado na Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (páginas 33 e 34, edição de 1937).

Pela relação é possível compreender como a questão dos limites estaduais no Brasil foi complicada no passado.

Pelo final da década de 1930, ou início da de 1940, o Exército mudou a denominação do Serviço Geográfico do Exército, pra “Serviço Geográfico e Histórico do Exército”, daí surge a sigla “S.G.H.E.” que vi nos marcos do Morro do Navio e da Serra Azul. Agora a razão dessa alteração, a portaria informando a mudança e quando deixou de existir eu realmente não descobri.

Logo surgiram no horizonte nuvens negras vindas da Europa, onde começaram a se acumular notícias que mostravam que uma nova conflagração mundial era somente uma questão de tempo.

Topografando no Nordeste

Cerimônia na sede do Serviço Geográfico do Exército.

O Exército Brasileiro então começou a se preocupar com a defesa do chamado “Saliente Nordestino”, a parte da América do Sul mais próxima da África, com uma distância de 2.900 quilômetros entre os dois continentes, cujos pontos estratégicos em cada lado eram Natal, no Rio Grande do Norte, e Dakar, na antiga África Ocidental Francesa e atualmente capital do Senegal [18].

Um problema para a defesa do litoral dessa região era a quase total inexistência de mapas que ajudassem os comandantes a realizar suas ações militares no caso de uma invasão estrangeira. Foi então criado o Destacamento Especial do Nordeste do Serviço Geográfico do Exército e a chefia ficou a cargo do então Tenente-coronel Djalma Poly Coelho, que assumiu o posto em maio de 1941 [19].

Poly Coelho assumindo o comando do destacamento Especial do Nordeste.

Nascido em Curitiba, Paraná, em 17 de outubro de 1892, era filho do primeiro sargento José Manuel da Silva Coelho, lotado no 17º Batalhão de Infantaria, e da dona de casa Amália Poly Coelho. O jovem estudou no Colégio Militar do Rio de Janeiro na primeira década do século XX, ingressando depois na antiga Escola de Guerra do Realengo [20]. Em 1914 alcançou a patente de Aspirante, formou-se engenheiro geógrafo militar e encerrou sua carreira em 1952, no posto de General de Divisão [21].

Pelos jornais antigos existentes na Hemeroteca da Biblioteca Nacional, descobri que em agosto de 1941 houve uma grande quantidade de publicações relativas a transferências de militares para Recife. Eram homens de diversas patentes, de várias partes do Brasil, alguns deles com ordens para servir no Destacamento Especial do Nordeste.

Pessoal do Destacamento Especial do Nordeste, tendo à esquerda o Tenente-coronel Poly Coelho – Fonte – 3° CGEO.

A missão era o levantamento aerofotogramétrico das regiões próximas à costa dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco e ao longo de três anos e meio esse Destacamento Especial trabalhou bastante.

Sabemos também que foram realizados levantamentos topográficos no Arquipélago de Fernando de Noronha e nas regiões salineiras do Rio Grande do Norte e do Ceará. Já em 1942 oficiais do Exército Brasileiro começaram a utilizar os primeiros mapas que o Destacamento Especial do Nordeste havia concluído.

Descobri que em janeiro de 1942 a área onde se aquartelou o pessoal do Serviço Geográfico do Exército em Recife, sofreu uma aparente ação de sabotagem.

Notícia da possível sabotagem em jornal do Rio de Janeiro.

A área onde os militares ficaram era no chamado Campo do Jiquiá, onde o Serviço Geográfico tinha uma grande instalação com pessoal, veículos e material de trabalho. O Jiquiá se tornou famoso por receber 65 vezes o pouso do grande dirigível Graf Zeppelin, da empresa alemã Luftschiffbau Zeppelinm G.M.B.H. Ocorre que na manhã de 12 de janeiro o capinzal existente na área pegou fogo repentinamente e houve preocupação com o avanço das chamas, mas os bombeiros recifenses apareceram no local e controlaram o fogo. O problema era que vizinho as instalações do Serviço Geográfico estava o depósito da companhia de navegação alemã Hermann Stoltz & Cia, uma empresa envolvida até o pescoço com espionagem nazista em vários locais do Nordeste e no sul do país. Seus gestores tinham acesso a informações privilegiadas sobre a navegação na costa brasileira e foram acusados de repassar essas informações para Berlin, além de financiar uma grande rede de espionagem mantida por alemães e que utilizava brasileiros aliciados. Se o incêndio foi realmente uma sabotagem isso não ficou provado, mas as suspeitas das autoridades brasileiras em relação a Hermann Stoltz eram muito fortes, sendo episódio noticiado em todo país [22].

Mara que mostra as áreas topografadas pelo Destacamento Especial do Nordeste.

Naqueles anos o trabalho do Destacamento Especial do Nordeste contou com o apoio da recém criada Força Aérea Brasileira (FAB), que forneceu aeronaves que realizarem milhares de fotografias aéreas. Estas eram produzidas com as aeronaves percorrendo faixas específicas do terreno, na altitude de 3.500 metros, com um recobrimento longitudinal respectivamente de 66 e 30 por cento e cobrindo uma área de 40.000 quilômetros quadrados [23].

Poly Coelho e o Presidente Getúlio Vargas.

Em relação a presença de membros do Destacamento Especial do Nordeste o Rio Grande do Norte, apenas descobri que no final de março de 1942 chegou no município de Goianinha o Capitão João de Mello Moraes e sua equipe, sendo esse militar apontado como o responsável pelo levantamento geográfico no Rio Grande do Norte [24].

Mesmo sabendo a importância do trabalho do Destacamento Especial, para mim não foi nenhuma surpresa o fato de encontrar poucas referências sobre as atividades desse grupo de militares pelo Nordeste do Brasil. Enfim, o país estava em guerra e nesses momentos de extrema tensão o foco principal dos órgãos de imprensa se voltaram para as unidades de combate e seus feitos, sobrando muito pouco espaço para comentar algo sobre a realização das unidades técnicas e de apoio. Talvez por isso não encontrei referências sobre a colocação do marco da Serra Azul e da atuação do Destacamento Especial do Nordeste na região de Riachuelo.

Depois da Guerra

O General Poly Coelho apresentando trabalhos do Serviço Geográfico do Exército ao Presidente Gaspar Dutra.

Com o fim da guerra o agora General Poly Coelho passou a dirigir o Serviço Geográfico do Exército, onde ficou no cargo de 1946 até 1951.

Durante sua gestão, mais precisamente em 1947, foi criada uma comissão de estudos para determinar a melhor localização de uma nova capital brasileira a ser implantada no interior do país. A ideia do Rio de Janeiro deixar de ser a Capital Federal visou promover de maneira clara a ocupação de uma vasta região despovoada e praticamente sem desenvolvimento no Brasil e evitar possíveis ações futuras de nações estrangeiras pelo nosso rico território.

Apresentação dos trabalhos em 1953.

Essa comissão foi presidida por Poly Coelho e ao final do seu trabalho esse grupo ratificou as análises e o relatório final da pesquisa liderada pelo belga Louis Ferdinand Cruls, que em 1892 comandou duas expedições exploradoras no Planalto Central do Brasil, cujo objetivo foi descobrir um local adequado para abrigar uma nova capital do país, sendo esse trabalho o marco gerador da definitiva questão da mudança da capital.

Resultados apresentados as autoridades.

A frente do Serviço Geográfico do Exército o General Poly Coelho criou o Quadro de Topógrafos do Serviço Geográfico do Exército e o Curso de Topografia para Oficiais das Armas na Escola Técnica do Exército, hoje Instituto Militar de Engenharia – IME. 

O General Djalma Poly Coelho faleceu no Rio de Janeiro em 18 de outubro de 1954.

O General Poly Coelho hasteando o pavilhão nacional na Fortaleza da Conceição.

NOTAS…………………………………………………………………………………………….


[1] O escritor e jornalista potiguar Luiz Gonzaga Cortez Gomes de Melo, morreu aos 70 anos, na madrugada de segunda-feira, 19/08/2019, em Natal. Trabalhou no Diário de Natal e na Tribuna do Norte, onde foi editor de Polícia na década de 1980. Atuou também como diretor de redação do semanário “Dois Pontos” e venceu dois prêmios em 1988, ao escrever sobre o Integralismo no Rio Grande do Norte e o Movimento Estudantil no Estado.

[2] A antiga Escola Polythecnica é a atual Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fundada em 1792, é a sétima escola de engenharia mais antiga do mundo e a mais antiga das Américas, assim sendo, a primeira instituição de ensino superior do Brasil.

[3] O Observatório Nacional é uma instituição científica localizada na cidade do Rio de Janeiro, no estado do Rio de Janeiro, no Brasil. O Observatório foi criado em 1827, sendo uma das instituições científicas mais antigas do país. A sua finalidade inicial foi a de orientar os estudos geográficos do território brasileiro e o ensino da navegação, por isso sua relação estreita com o exército na criação do “serviço geographico”.

[4] Ver Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, segunda-feira, 2 de junho de 1890, p. 1.

[5] Ver Diário da Tarde, Curitiba, sábado, 31 de maio de 1980, p. 4.

[6] Ver Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, pelo Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca, Ministro de Estado da Guerra, em junho de 1908, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, págs. 34 a 45, 1908.

[7] A fortaleza de Nossa Senhora da Conceição foi erguida sobre os alicerces da antiga Bateria do Morro da Conceição, construída em 1711 pelo corsário francês René Duguay-Troin. Sobre a história dessa fortaleza, ver https://www.ipatrimonio.org/rio-de-janeiro-fortaleza-da-conceicao/#!/map=38329&loc=-22.899628000000018,-43.182856,17

[8] Ver Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, sexta-feira, 2 de agosto de 1917, p. 3.

[9] Sobre essa missão militar austríaca no Brasil ver SILVA, Eliane Alves da. 90 Anos da Missão Cartográfica Imperial Militar Austríaca no Exército Brasileiro – Relato Histórico da Fotogrametria (1920-2010). 1º Simpósio Brasileiro de Cartografia Histórica. Parati, 10 a 13 de maio de 2011. Ver também O Jornal, Rio de Janeiro, sexta-feira, 25 de fevereiro de 1944, pág. 4.

[10] Ver Última Hora, Rio de Janeiro, terça-feira, 9 de dezembro de 1958, pág. 14. Sobre o Palácio da Conceição vale comentar que o primeiro prelado que nele residiu foi o terceiro bispo do Rio de Janeiro, D. Francisco de São Jerônimo, que chegou ao Rio de Janeiro no ano de 1702. Quando de sua morte, em 1721, com fama de Santo, teve o seu corpo sepultado no interior da Capela do Palácio. Mais sobre o local ver https://www.ipatrimonio.org/rio-de-janeiro-palacio-episcopal/#!/map=38329&loc=-22.89964011290089,-43.18269073963165,17 

[11] Ver A Noite, Rio de Janeiro, quarta-feira, 6 de setembro de 1933, pág. 3.

[12] Sobre essa aeronave ver C. Pereira Netto, Francisco. Aviação Militar Brasileira 1916-1984. Editora Revista de Aeronáutica, 1984, pág. 126.

[13] Ver A Nação, Rio de Janeiro, quarta-feira, 27 de setembro de 1933, pág. 3.

[14] Ver Diário de Pernambuco, Recife, quinta-feira, 9 de novembro de 1933, pág. 1.

[15] Ver O Paiz, Rio de Janeiro, quinta-feira, 26 de julho de 1934, p. 4.

[16] A Constituição de 1937 é a quarta do Brasil e a terceira da república, de conteúdo pretensamente democrático, foi implantada no mesmo dia em que foi decretado o período ditatorial no Brasil, que ficou conhecido como Estado Novo. Era uma carta política eminentemente outorgada, mantenedora das condições de poder do presidente Getúlio Vargas. A Constituição de 1937, que recebeu o apelido de “Polaca” por ter sido inspirada no modelo semifascista polonês, era extremamente centralizadora e concedia ao governo poderes praticamente ilimitados.

[17] Para conhecer o texto desta Constituição ver https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm

[18] Sobre o “Saliente Nordestino” ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Saliente_nordestino

[19] Ver O Jornal, Rio de Janeiro, sexta-feira, 23 de março de 1945, págs. 1 e 2.

[20] Ver Diário da Tarde, Curitiba, sábado, 12 de fevereiro de 1944, p. 1.

[21] Sobre uma biografia mais elaborada do General Poly Coelho ver https://memoria.ibge.gov.br/historia-do-ibge/galeria-de-presidentes/20959-djalma-polli-coelho.html Ver também o jornal Diário da Tarde, Curitiba, sábado, 12 de fevereiro de 1944, págs. 1 e 2.

[22] Ver os jornais O Radical, Rio de Janeiro, quarta-feira, 14 de janeiro de 19425, pág. 6 e O Estado, Florianópolis, quinta-feira, 22 de janeiro de 1942, pág. 3.

[23] Ver O Jornal, Rio de Janeiro, sexta-feira, 23 de março de 1945, págs. 1 e 2.

[24] Ver A Noite, Rio de Janeiro, terça-feira, 31 de março de 1942, pág. 5.

UM HERÓI POTIGUAR DA FEB – A HISTÓRIA DO SARGENTO RODOVAL CABRAL DA TRINDADE E O COMBATE DE SAN QUIRICO

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Agradecimento especial ao escritor e pesquisador Durval Lourenço Pereira pela ajuda com informações adicionais para esse texto.

Sabemos que seis potiguares morreram na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, integrando a Força Expedicionária Brasileira, a famosa FEB. Eles eram os soldados Belarmino Ferreira da Silva, José Varela, Manoel Lino de Paiva, Cosme Fontes Lira e os sargentos Wilson Viana Barbosa e Rodoval Cabral da Trindade.

Mas quando buscamos maiores informações sobre cada um desses participantes do conflito, os resultados são bem limitados, com lacunas bastante amplas para compreender suas histórias. Um exemplo é o caso do sargento Rodoval Cabral da Trindade.

Rodoval Cabral da Trindade.

Basicamente temos as informações que ele era um sargento do Exército Brasileiro, que havia nascido na cidade de Ceará-Mirim e que morreu de um acidente de jipe no dia 6 de junho de 1945, após o final da Guerra na Europa.

Mesmo com dificuldades, conseguimos mais detalhes sobre a vida desse homem e a sua participação nesse conflito. Elas mostram interessantes informações do envolvimento de um potiguar na Segunda Guerra e aprofunda o entendimento sobre aqueles que partiram para lutar na Europa.

Tiro de Guerra 18

Rodoval era filho do funcionário público João Cândido da Trindade, casado com Emília Cabral da Trindade. Tudo indica que o casal era natural da cidade de Ceará-Mirim, onde seu filho Rodoval nasceu em 1909. Ele era um dos nove filhos do casal, sendo seis homens e três mulheres. Não sabemos a data, mas, provavelmente, em algum ano da década de 1920 a família Cabral da Trindade se mudou de Ceará-Mirim para Natal, onde moravam na Rua Laranjeira, número 26, na Cidade Alta, perto da Igreja do Galo.[1]  

A antiga e simples residência da família Cabral da Trindade em Natal.

Tudo aponta que essa família era muito católica, pois todos os anos, sempre no mês de abril, Seu João Cândido participava da tradicional e secular Procissão do Encontro. Essa tendência foi seguida pelo seu filho Rodoval, que participou da Congregação Mariana de Moços, tradicional organização católica da cidade. E Seu João tinha de ter mesmo muita fé, pois para sustentar a esposa e nove filhos só possuía os minguados salários do cargo de porteiro do Serviço de Estatística do Estado do Rio Grande do Norte.[2]

Mesmo com as limitações, sabemos também que o jovem Rodoval foi membro do tradicional Centro Náutico e remava com seus amigos no tranquilo e, na época, limpo rio Potengi, certamente competindo com os adversários do Sport Club de Remo.

Outra atividade desse jovem em Natal, que certamente marcou sua vida, foi participar do Tiro de Guerra 18, ou T. G. 18.

Rodoval Cabral da Trindade – Foto gentilmente cedida pelo escritor e pesquisador Durval Lourenço Pereira.

Essa era uma pequena unidade do Exército Brasileiro mantida em parceria com o município de Natal e responsável pela formação de reservistas de segunda categoria do serviço militar. Fundado em 1908, tinha sede no bairro do Alecrim, sendo normalmente comandada por um sargento, ou um tenente, com turmas que variavam anualmente de 35 a 45 rapazes. Esse pessoal fazia muita ordem unida, longas marchas, treinos de tiro ao alvo e desfilava garbosamente na Avenida Deodoro durante as comemorações do 7 de setembro. Entre os participantes ilustres do Tiro de Guerra 18 consta o maestro Waldemar de Almeida [3], que lá esteve na segunda metade da década de 1920. Outro que recebeu a sua carteira de reservista de segunda categoria foi o advogado, professor e político mossoroense Otto de Brito Guerra. Esse último foi contemporâneo do jovem Rodoval Cabral da Trindade quando esteve nessa instituição em 1928. Consta que Otto Guerra participou da marcha de 24 quilômetros, com fuzil no ombro e tudo mais.  

O Tiro de Guerra 18 era um lugar onde o esporte era intensamente praticado e incentivado.[4] Um dos feitos esportivos mais marcantes foi ter participado e vencido a primeira competição pública de basquete realizada no Rio Grande do Norte.

Arquibancada coberta do “Stadium” Juvenal Lamartine, onde aconteceu a primeira disputa pública de basquete no Rio Grande do Norte em 1931 e o Tito de Guerra 18, onde Rodoval Cabral serviu ganhou a disputa com o 29º Batalhão de Caçadores.

O fato ocorreu em 1931, em pleno estádio de futebol Juvenal Lamartine, onde improvisaram uma quadra de basquete não sei de que jeito e o Tiro de Guerra 18 venceu a poderosa equipe do 29º Batalhão de Caçadores do Exército Brasileiro. Digo poderosa porque o pessoal do 29º treinava muito e tinha até mesmo à disposição uma quadra de basquete. Mesmo sendo de barro batido essa quadra possuía dimensões oficiais e ficava onde atualmente se encontra o SESC da Cidade Alta. A equipe do 18 era formada, entre titulares e reservas, por Humberto Nesi, Luiz Tavares de Souza, Alberto Gentile, Zacarias Cunha, José Maia Mousinho e Miguel Ferreira da Silva. Esse pessoal era treinado pelo tenente Francisco Antônio do Nascimento, o conhecido “Chicó”, por anos comandante do Tiro de Guerra, e pelo soldado Severino Estevam dos Santos, o “Jaú”. Todo esse pessoal foi contemporâneo de Rodoval.[5]

Caminho da Guerra

Após deixar o Tiro de Guerra 18 temos a informação que Rodoval Cabral da Trindade passou a ser aluno da Escola Técnica de Comércio do professor Ulisses de Góis, que na década de 1930 ficava na Rua João Pessoa, no Centro de Natal [6]. Rodoval se preparava para exercer a função de guarda-livros, ou seja, escriturar e manter em boa ordem os livros mercantis das empresas comerciais. O que hoje chamamos de contadores.

Bairro da Ribeira, na bucólica Natal das primeiras décadas do século XX. : Fonte – https://www.brechando.com/2017/09/esta-praca-parece-do-interior-do-estado-mas-fica-em-natal/

Naquela época esse era o típico trabalho desejado pelas famílias de classe média baixa de Natal. A maior parte delas formada por funcionários públicos de baixo escalão, que recebiam minguados rendimentos e que através de favores políticos entravam aos montes no serviço público estadual.

Certamente pelo tempo e pelas experiências vividas no Tiro de Guerra 18, o jovem Rodoval largou a Escola de Comércio no último ano e se alistou voluntariamente no Exército Brasileiro como soldado. Provavelmente essa sua deliberação não deve ter sido tomada sem rupturas na sua família, pois Rodoval acabava de tomar a decisão de descer voluntariamente os poucos degraus que a sua condição social lhe proporcionava naquela provinciana Natal de pouco menos de 40.000 habitantes e uma elite extremamente preconceituosa e abertamente racista.

Foto de um soldado da Forças Pública, nesse caso de Pernambuco. Nas décadas de 1920 e 1930 os uniformes militares dessas instituições militares estaduais pouco diferiam, sendo sempre na predominante cor cáqui. na imagem vemos o Soldado Heleno Tavares de Freitas – Fonte – Valdir José Nogueira de Moura.

Naqueles dias para ter prestígio como membro das Forças Armadas só sendo oficial, algo para poucos. Já ser um soldado no Exército Brasileiro não era uma situação considerada “desrespeitosa” pela sociedade, mas era o tipo de profissão que, no entendimento geral, só entrava quem não tinha maiores perspectivas, ou por pura vocação. Mas estava um patamar acima da pessoa que era soldado na Força Pública, atual Polícia Militar.

No caso de Rodoval eu acho que foi vocação mesmo, pois ser um guarda-livros em Natal, mesmo com perspectivas salariais baixas, poderia ser um caminho para conseguir através de apadrinhamento político uma sinecura em alguma repartição pública e ter a tão sonhada estabilidade.

1939 – 6º Regimento de Infantaria de Caçapava. Foto: Iris, Créditos: Nelson de Luccas – Fonte – Caçapava/SP História, Fotos e Caçapavenses

A próxima notícia que temos sobre esse potiguar é que ele foi servir bem longe do Rio Grande do Norte. Seguiu para São Paulo, onde esteve aquartelado em unidades militares existentes nas cidades de Jundiaí, Taubaté e Caçapava. Nessa parte do Brasil ele se casou com a jovem Araci Marques da Trindade, mas não tiveram filhos.[7]

Em 1941 encontramos Rodoval servindo no 6º Regimento de Infantaria de Caçapava, com a extinta patente de “primeiro cabo”, sendo promovido em 25 de julho daquele ano ao posto de terceiro sargento, conforme está descrito na notificação existente no Boletim Interno número 171 do Exército Brasileiro.[8]

Nesse meio tempo nuvens negras surgiram no horizonte do Brasil, com o intenso rufar dos tambores de guerra ecoando na Europa e na Ásia. Em 22 de agosto de 1942, após a declaração de guerra do Brasil à Alemanha Nazista e à Itália Fascista, o país entra em mobilização total.

Militares norte-americanos em Parnamirim Field – Fonte – Getty Images

Não sei se através de jornais, ou por contatos com a sua família, Rodoval soube que na cidade onde seus parentes viviam e onde passou grande parte de sua juventude, estava ocorrendo uma intensa mudança. Milhares de militares dos Estados Unidos e do sul do Brasil ocupavam a capital potiguar. Nos céus aeronaves de vários tipos partiam e chegavam diariamente, aproveitando a privilegiada posição estratégica do Rio Grande do Norte em relação ao Atlântico Sul e a costa ocidental africana.

Através de outras pesquisas realizadas pelo autor, descobri que não era raro a transferência para Natal de militares nascidos no Rio Grande do Norte e que se encontravam servindo em outras regiões do país. Isso certamente se destinava a facilitar o entrosamento dos muitos militares brasileiros que desembarcavam em Natal para reforçar as defesas na região. Mas essa situação não aconteceu com o sargento Rodoval.

No começo de 1943 ele recebeu ordens de se apresentar no Quartel General do Exército no Rio de Janeiro, para participar do C. R A. S, sigla do Curso Regional de Aperfeiçoamento de Sargentos.[9] Dois meses depois, Rodoval foi promovido a segundo sargento, junto com outros 21 colegas do 6º Regimento de Infantaria.[10] Em agosto ele concluiu o C. R. A. S. e aguardou novas ordens.[11]

Símbolo da FEB.

Certamente o sargento Rodoval e seus companheiros sentiam que se aproximava a hora de pegar em armas e partir para o front de combate, onde comandariam grupos de soldados destinados a matar o maior número de inimigos, pois era para nisso que treinavam arduamente. Logo o governo brasileiro publicou a Portaria Ministerial nº 4.744, que criava a Força Expedicionária Brasileira, que se tornaria a primeira e única força militar formada na América Latina a lutar na Europa. Rodoval recebeu o número 2-G-87320 para sua identidade militar.

No General Mann

Quase um ano depois, em uma quinta-feira, 29 de junho de 1944, o sargento Rodoval e centenas de companheiros partiram da Vila Militar, na zona oeste do Rio, em um trem da Estrada de Ferro Central do Brasil até o cais da Praça Mauá. Ali começou o embarque dos soldados da FEB no grande navio USS General William Abram Mann (AP-112), ou simplesmente General Mann, como ficou mais conhecido entre nossos soldados.

Força Expedicionária Brasileira embarcando no Rio de Janeiro. Destino – A frente italiana.

Aquela grande nave da Marinha dos Estados Unidos (US Navy) estava atracada no Píer 10 e era enorme. Pesava mais de 17.000 toneladas, tinha quase 200 metros de comprimento, navegava com a velocidade máxima de 19 nós (35 km/h) e podia transportar 5.000 homens destinados ao combate em qualquer parte do Globo. A grande nave era comandada pelo capitão Paul Sylvester Maguire.

Ao redor do porto havia muita segurança e isolamento. Gente de toda parte do país, com seus sotaques, cores, trejeitos e maneiras próprias entraram na grande nave carregando sacos de lona. O general Mascarenhas de Moraes, o comandante da FEB, embarcou para o exterior junto com 5.074 homens que formavam o 1º Escalão de combatentes.

Navio transporte de tropas USS General W. A. Mann. Em 1944 ele levou os primeiros combatentes da FEB para a Itália.

Mascarenhas de Morais listou as primeiras unidades da FEB transportadas no General Mann – Escalão Avançado do Quartel General da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (1ª DIE), Estado Maior da Infantaria Divisionária da 1ª DIE, 6º Regimento de Infantaria, 4ª Companhia e 1º Pelotão de Metralhadoras do 11º Regimento de Infantaria, II Grupo do 1º Regimento de Obuses Auto Rebocados, 1ª Companhia do 9º Batalhão de Engenharia, uma parte da Seção de Suprimento e Manutenção do 9º Batalhão de Engenharia, 1º Pelotão do Esquadrão de Reconhecimento, Seção de Exploração e elementos da Seção de Comando da 1ª Companhia de Transmissões, 1ª Companhia de Evacuação, o Pelotão de Tratamento e elementos da Seção de Comando, todos do 1º Batalhão de Saúde, Companhia de Manutenção, Pelotão de Polícia Militar, um pelotão de viaturas, uma Seção do Pelotão de Serviços e elementos da Seção de Comando da 1ª Companhia de Intendência, o Correio Regulador, o Depósito de Intendência, a Pagadoria Fixa, os jornalistas que iriam trabalhar como correspondentes de guerra, elementos do Hospital Primário, Serviço de Justiça e o pessoal do Banco do Brasil.[12]

Militar brasileiro de patente elevada passando em ordem a guarda de Fuzileiros navais (Marines) a bordo do General Mann. Eram estes fuzileiros que mantinha a ordem a bordo.

Não sabemos quantos, mas temos a certeza que o sargento Rodoval Cabral da Trindade não era o único potiguar a bordo do General Mann. Outro Norte-rio-grandense era o soldado João Alves Coelho, nascido em 1923 e que em 1940 havia seguido para o Rio de Janeiro com o intuito de aprender uma profissão para melhorar a sua vida e a de sua família. Ele estudou mecânica na então Capital Federal, quando foi convocado para a guerra como integrante da FEB. Foi incorporado na Companhia de Manutenção, onde praticou extensamente a profissão que aprendeu no Rio. Não sabemos se o sargento Rodoval e o soldado Coelho se conheceram.[13]

No domingo, 2 de julho, às cinco e quarenta e três da manhã, o General Mann desatracou e partiu. Nos próximos quatorze dias a nave seguiria pelo Oceano Atlântico e pelo Mar Mediterrâneo a velocidade média de 17 nós e sempre ziguezagueando para evitar ataques de submarinos. Inicialmente essa nave americana foi escoltada pelos destroieres brasileiros Marcílio Dias, Greenhalgh e Mariz e Barros.[14]

A chegada no Porto de Nápoles, sul da Itália, ocorreu no dia 16 de julho, às 12:20 horas, também num domingo. No cais havia um destacamento norte-americano de quarenta e cinco homens e uma banda para as honras militares.

A guerra para a FEB estava começando!

Um Líder Controverso

Desembarque da FEB em Nápoles em 1944.

Após o desembarque em Nápoles, a FEB ficou acampada no subúrbio da cidade, na região de Agnaro/Bagnoli, perto do mar. O interessante foi que eles acamparam dentro da cratera do extinto vulcão Astroni, cujas bordas possuem 70 metros de altura e atualmente é uma área de preservação. Nessa cratera a temperatura variou bastante, com picos de elevação durante o dia de 30 graus à sombra e a noite descendo para terríveis 10 graus. O contingente brasileiro logo se mudou desse local complicado e ficou aguardando receber seus equipamentos de combate e suas viaturas. 

Veículos da FEB prontos para serem entregues em 1944.

Um dia, em 19 de agosto, enquanto recebeiam seus apetrechos e mais de 220 veículos de todos os tipos, quem deu uma passadinha para dar um alô a brasileirada foi ninguém menos que Sir Winston Churchill, primeiro ministro do Reino Unido e um dos principais líderes Aliados. A ilustre figura estava inspecionando as tropas do 5º Exército dos Estados Unidos (US Army), sob o comando do tenente-general Mark Clark. O contingente da FEB fazia parte do 5º Exército e o general Mascarenhas de Morais respondia a Clark, um militar tido como controverso, planejador débil, líder fraco, além de ser considerado um “caçador de publicidade” e com extrema aversão aos seus aliados ingleses.

Mas o fato que pesou mais negativamente na biografia de Mark Clark durante a Segunda Guerra ocorreu em junho de 1944, durante a chamada Operação Diadem (Diadema).

O mais alto na foto é Mark Clark e o mais baixo Mascarenhas de Moraes.

Comandada pelo general inglês Sir Harold Alexander, líder do 8º Exército Britânico, essa operação consistia em um cerco aos alemães, com o objetivo de fazer com que as forças inimigas ficassem amarradas na Itália e não pudessem ser redistribuídas para a França. O problema foi que para muitos Clark não comandou corretamente o seu 5º Exército, o que permitiu que o 10º Exército Alemão escapasse do cerco. Para piorar a situação pesa sobre Mark Clark a acusação de que ele priorizou tomar Roma (o que realizou com relativa facilidade) em uma tentativa de ganhar a glória marcial imortal. Consta que ele desejava ser o primeiro general a “tomar Roma pelo sul em 1.500 anos”. Se assim foi, Clark recebeu apenas um dia de publicidade por dominar a “Cidade Eterna”, pois após a sua conquista ocorreu o grande desembarque Aliado na França, o famoso “Dia D”, e sua glória foi totalmente ofuscada.[15]

Para os soldados da FEB essas tricas e futricas de altos comandantes pouco importava. Importava mesmo era quando entrariam em combate e, principalmente, fazer tudo para voltarem vivos para o Brasil.

Encarando a Linha Gótica

Na noite de 15 para 16 de setembro o contingente do 6º Regimento de Infantaria, comandado pelo coronel João de Segadas Viana substituiu na frente de combate o 434th Antiaircraft Artillery Automatic Weapons Battalion (434th AAA-AW Bn), ou 434º Batalhão de Armas Automáticas de Artilharia Antiaérea, que foi convertido em batalhão de infantaria. Ficou sob a responsabilidade dos brasileiros uma frente de combate de uns 4.500 a 4.800 metros.

Símbolo da 232a Infantariedivision der Wehrmacht, ou 232º Divisão de Infantaria do exército nazista.

Os pessoal da FEB naquele setor eram inferiores a 900 homens e seus comandantes sabiam que a sua frente estavam elementos da 232a Infantariedivision der Wehrmacht, ou a 232º Divisão de Infantaria do exército nazista. Unidade comandada pelo generalleutnant (tenente-general) Eccard Freiherr von Gablenz, um veterano das campanhas da Polônia, França e da invasão da União Soviética, onde combateu nesta última área de 1941 a 43 e ele escapou por pouco do cerco realizado pelos soviéticos na Batalha de Stalingrado. Von Gablenz estava comandando a 232 na Itália desde o primeiro semestre de 1944 e junto a essa divisão estavam unidades militares formada por italianos favoráveis aos alemães.

O círculo negro mostra a área de atuação da FEB nos primeiros meses de combate na Itália.

A partir desse ponto o avanço brasileiro colidiu com um setor da chamada Linha Gótica, a última linha de defesa inimiga na Itália.[16]

Em agosto de 1944 as forças alemãs estavam há mais de dois anos travando uma guerra defensiva e se retirando para o norte da Itália. Foi quando decidiram criar a linha defensiva chamada Gótica, que atravessava o país de um lado ao outro, desde o mar da Ligúria até o mar Adriático, aproveitando o terreno montanhoso e assim deter seus inimigos. Os alemães esperavam que a defesa da cordilheira dos Apeninos negasse aos Aliados a vantagem tática que significaria a conquista do Vale do Pó, pois ali ficavam as cidades de Bolonha, Modena e Milão, além das ricas terras agrícolas que forneciam grande parte dos alimentos. Para reforçar a Linha Gótica os alemães construíram muitos baluartes de defesa.

Foto ilustrativa que mostra o terreno de luta da FEB, nesse caso na região de Montese.

Os brasileiros do 6º Regimento de Infantaria atuavam intensamente a linha de frente, onde seus homens foram gradativamente ganhando experiência. Sofriam e infligiam baixas, mas a FEB ganhava terreno. Em 16 de setembro os brasileiros conquistaram as localidades de Massarosa e no dia seguinte Camaiori.

No início de outubro, com o frio aumentando pela iminente chegada do inverno, o 6º de Infantaria foi deslocado para o vale do rio Serchio, ao norte da cidade de Lucca. Nessa área as operações começaram no dia 6 e aos soldados da FEB foi ordenado lutar e ocupar pequenas comunidades e elevações, que eram chamadas “Cotas” e recebiam um número. O 6º Regimento de Infantaria atacou um setor defendido pelos italianos da 4ª Divisione Alpina Monterosa, formada pelos batalhões Bergamo, Aosta e Bréscia e comandadas pelo general Mario Caloni, que seis meses depois se renderia aos brasileiros da FEB.[17]

Símbolo da Divisão Monterosa.

Os combatentes sul-americanos avançaram para o norte por treze quilômetros, onde atravessaram o riacho Lima em Bagni di Lucca, cerca de vinte quilômetros ao norte da cidade de Lucca. Já os italianos, mostrando pouca ânsia de se levantar e lutar, recuaram lentamente para a solidez das altas montanhas que conheciam tão bem. No dia 11 de outubro a FEB capturou as cidades de Barga e Gallicano.

Ao completar um mês da entrada do 6º Regimento na área de combate, a imprensa nacional divulgou que os soldados brasileiros haviam avançado 28 quilômetros para o norte, conquistando do inimigo uma área de 273 Km², onde viviam mais de 100.000 pessoas, em sete cidades e vinte e três vilas. Não sabemos o grau de envolvimento do sargento Rodoval nessa fase da luta, mas o seu regimento participou ativamente desses combates, como ponta de lança da FEB.[18]

A aldeia medieval de San Quirico, município de Pescia, província de Pistoia, região da Toscana. Itália.

Daí então, entre os dias 12 e 30 de outubro, os brasileiros conquistaram várias outras vilas e pequenas aglomerações urbanas italianas, entre elas um lugar chamado San Quirico, que caiu no dia 30 de outubro de 1944, no começo da tarde. O lugarejo era defendido pelos italianos do batalhão Aosta, da divisão Monterosa, mas não ofereceram muita resistência.[19]  

O Massacre na Aldeia Medieval

O sargento Rodoval Cabral da Trindade estava entre os brasileiros que ocuparam San Quirico. O correspondente de guerra Sílvio Fonseca, enviado da Agência Nacional junto a FEB, comentou que em 31 de outubro de 1944 os militares do 6º Regimento de Infantaria conquistaram “La Rochette, Lama di Soto e Pradoscello”, entre outras localidades que se localizavam nas proximidades do rio Serchio. Informou também que outros soldados “mais a oeste, apoderaram-se de San Quirico”. Era a tropa que o potiguar Rodoval fazia parte.[20]

Soldados brasileiros encarando o frio italiano com a ajuda de um aquecedor à lenha.

Ao chegar em San Quirico estava frio e chovia, com a temperatura caindo para uns 10 ou 12 graus com a chegada da noite. A tropa brasileira estava cansada após vários dias de lutas e avanços pelas elevações daquela região da Toscana. É provável que a antiga igreja e o fato da maioria das casas estarem queimadas, tenha chamado a atenção de Rodoval e seus colegas. Mas o que importava naquele momento era consolidar a conquista do lugar, comer algo, descansar e seguir adiante.

Acredito que eles então se dirigiram para uma das poucas casas que não estavam queimadas e se acomodaram. Também é provável que sobre aquela pequena comunidade e seu montanhoso entorno, o potiguar só soubesse informações militares. Enfim, a vila e a região eram muito parecidas com outras tantas vilas e montanhas que ele vinha combatendo e ocupando no último mês junto com seus companheiros. Mas talvez Rodoval se espantasse ao saber o quanto aquele lugarejo era antigo.

A igreja de San Quirico, com seus mais de 10 séculos de construida.

Quando a primeira notícia oficial e conhecida sobre San Quirico foi publicada, um pequeno texto sobre os bens da “Ecclesia S.Quirici de Arriano“, somente 520 anos depois o navegador luso Pedro Álvares Cabral colocaria seus pés nas belas praias de Porto Seguro.[21]

Atualmente San Quirico pertence ao município de Pescia, na província de Pistoia, região da Toscana. Está fincada no alto de um monte com quase 550 metros de altitude e foi um lugar que presenciou guerras, passagem de exércitos em luta, pestes, terremotos, secas, enchentes e muito mais. É um lugar conhecido por ali ter vivido famílias que se especializaram na fabricação de sinos, sendo respeitados em toda a península italiana. Sua arte remonta à Idade Média, onde em algumas casas do lugarejo ainda é possível ver lagartos esculpidos em pedra, símbolo desta arte na Itália. É um testemunho da presença de tais mestres, sendo os mais conhecidos pertencentes às famílias Angeli, Fontana e Magni.[22]

Rua em San Quirico.

Durante a Segunda Guerra Mundial, dois meses antes da FEB chegar a essa vila medieval e do potiguar Rodoval ter combatido nas suas ruas, San Quirico viveu uma tragédia, quando foi palco de um dos muitos massacres perpetrados pelos alemães contra os civis italianos.

A coisa toda começou assim – Na noite de 7 de agosto de 1944, dois oficiais alemães foram convidados para jantar em uma casa da aldeia e tudo parecia estar indo bem. Por volta das 11 da noite, quando retornavam ao seu acampamento, eles foram mortos. Para alguns foi obra de guerrilheiros italianos que lutavam contra a ocupação alemã, os chamados “Partigiani”, mas outras fontes apontam que os atiradores seriam seis soldados alemães desertores e um deles, chamado Franz, foi quem matou os oficiais. Independentemente disso, a resposta alemã não se fez esperar! 

Outra vista da vila.

Naquela época os nazistas deixaram claro que para cada alemão morto, dez italianos pagariam com a vida. Na manhã do dia 19, muitos soldados da 65º Divisão de Infantaria da Wehrmacht chegaram a San Quirico e cercaram a aldeia[23]. Aos gritos, empurrões e muita violência mandaram todos sair das casas somente com a roupa do corpo e começaram a saquear e queimar praticamente todo o pequeno burgo, deixando de incinerar umas poucas casas e a igreja milenar. Roubaram gado, objetos de valor, os melhores móveis, roupas de cama e provisões. As antigas casas da vila de ruas apertadas arderam fortemente. Às quatro da tarde os nazistas separaram da população detida um grupo de velhos, doentes e mulheres, que imaginaram o pior para eles, pois todos foram obrigados a abrir uma grande cova coletiva no cemitério local.

San Quirico e as montanhas do seu entorno.

Mas o comandante alemão informou ao pároco Dom Vicenzo del Chiaro que seriam fuzilados vinte homens detidos pela manhã, na estrada que ligava a localidade de Pietrabuona até a cidade de Pescia. Eram pessoas de várias vilas da Toscana que, depois de serem obrigadas a trabalhar para os alemães no reforço de fortificações da Linha Gótica, foram libertadas e voltavam para suas casas, quando foram novamente detidas. Esse grupo foi conduzido para perto do cemitério de San Quirico em um caminhão. No local da execução um dos presos tentou escapar, mas foi perseguido e morto. Os dezenove restantes foram divididos em três grupos e sumariamente fuzilados. Hoje um desses infelizes ainda repousa neste campo santo e, para se ter uma ideia do nível de destruição em San Quirico, provocado pelos nazistas naquele 19 de agosto de 1944, ainda na década de 1970 cerca de 50% das casas do lugar estavam destruídas e enegrecidas.[24]

Monumento existente em San Quirico para homenagear os vinte fuzilados de 19 de agosto de 1944.

Enquanto os cansados oficiais e praças brasileiros do 16º Regimento de Infantaria encontraram abrigo do frio da noite nas casas de San Quirico, na madrugada os alemães e italianos contra-atacaram os brasileiros sem dó e nem piedade!

O Duro Combate de San Quirico

Em 2012, quando se comemorou os 70 anos da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, o jornalista Marcelo Godoy participou de uma série de reportagens do jornal paulista Estadão sobre a participação brasileira nesse conflito. Ele escreveu um interessante material sobre o combate de San Quirico – “Os brasileiros dormiam, quando começaram a ouvir vozes na madrugada fria. Eram do inimigo. De repente, um tiro de carabina. A bala tombou um alemão que descia a colina em direção à ravina atrás da casa dos brasileiros. Atratino Côrtes Coutinho, comandante da 1.ª Companhia de Petrechos Pesados (CPPI), foi o autor do disparo que instalou o inferno na paisagem. A resposta veio das metralhadoras alemãs. Tiros encurralaram o capitão e sua tropa. Havia uma única saída: fugir pela janela dos fundos. Todos passaram. Chegou a vez do tenente José Maria Pinto Duarte. Ao pular, balas lhe alcançaram o corpo. Uma rajada apanhou o tenente no ar. Os tiros do inimigo não permitiram que o corpo do oficial fosse resgatado e enterrado. “O Atratino tentava arrastar, mas ele (Duarte) era muito alto, pesado, era difícil… Lembro quando (Duarte) falou: “Cuidem bem da minha filha’, como uma súplica”, diz João Gonzales, de 92 anos (em 2012), na época da guerra um terceiro sargento. Atratino não se conformava. Montou duas patrulhas para encontrar o corpo. Sem sucesso. Cansado, escreveu: “O moral da tropa foi abalado pelos insucessos causados pelo contra-ataque inimigo”. A ideia de que era preciso enterrar Duarte atormentaria o capitão até o fim da guerra”.[25]

Soldados da FEB em posição de combate.

Outro oficial da FEB presente ao confronto de San Quirico foi o então capitão Moziul Moreira Lima, que deixou o seguinte registro – “O Destacamento da FEB conquistou Barga e tentou conquistar as alturas dos Montes Quíricos (SIC) e infelizmente essa tentativa terminou em revés sério e serviu-nos como um grande ensinamento. Casualmente eu estava lá, junto do comandante do 1º Batalhão do 6º RI (Regimento de Infantaria), Major João Carlos Gross, meu grande amigo. A ordem fora conquistar aquelas alturas. Era uma conquista difícil, um terreno escarpado e o Comandante do Batalhão foi comigo ao Quartel-General pedir que ficasse à disposição da Unidade, uma Companhia de muares, porque ele achava difícil levar munição e alimento quando estivéssemos lá na crista do monte.

Poder de fogo de um militar da FEB com uma submetralahdora M3  “Grease Gun” e fitas de munição. Foi apontado para o autor desse texto que o militar da foto seria o sargento Rodoval Cabral da Trindade, mas sem confirmação.

Foi prometida essa Companhia de muares, mas a mesma não nos foi fornecida e com muito sacrifício o Batalhão conquistou aquela posição. Pela experiência que tínhamos das nossas guerras, quando escurecia as operações paravam e, conquistada a posição, o pessoal se preparava apenas para passar a noite. Pois nessa noite o alemão desencadeou um contra-ataque com uma Unidade de Choque, especializada em ataques noturnos. Essa Unidade veio em cima do flanco esquerdo do nosso dispositivo e fomos tomados de surpresa, inesperadamente e sem a munição necessária. Foi uma surpresa total, o Batalhão começou a recuar pelo flanco esquerdo e foi nessa ocasião que morreu o tenente Pinto Duarte. Dois oficiais se atiraram por uma janela para não caírem prisioneiros, ele e o capitão Atratino, que era o Comandante da Companhia. O tenente foi ferido numa perna e na barriga e não conseguia se locomover, o Atratino procurou carregá-lo, mas não conseguiu e o corpo teve que ficar insepulto naquele local. Com esse revés ficou evidente que deveríamos nos reajustar muito rapidamente ao modo de combater de elementos que já tinham no mínimo cinco anos de experiência de guerra, enquanto estávamos começando a adquirir a nossa naqueles combates” [26].

Tropa do 2º Pelotão, da 8º Companhia, do 6º Regimento de Infantaria da FEB. É provável que alguns dos fotografados estiveram no combate de San Quirico – Foto devidamente cedida pelo Museu da Imagem e do Som da Associação Nacional da FEB.

O então capitão Hélio Portocarrero de Castro foi outro oficial da FEB que lutou em San Quirico naquela madrugada e deixou o seguinte registro – “Cheguei no 2º Escalão e, logo em seguida, fui designado para assumir o Comando da 7ª Companhia, 3º Batalhão do referido 6º Regimento de Infantaria. Não tive nenhuma adaptação. Segui direto, assumi o comando num ataque ao Morro de San Quirico. Foi um batismo de fogo sui-generis. Ataquei e fui contra-atacado violentamente pelos alemães. Eles avançavam gritando Heil Hitler! Portavam suas “lurdinhas” (apelido), excelentes metralhadoras de mão, com uma violenta cadência de tiro. Suas rajadas se assemelhavam a uma gargalhada. Algum soldado brasileiro colocou esse apelido nessa arma e pegou. Toda a FEB a designava pelo nome de “lurdinha”. [27]

Soldados da FEB.

O soldado José Otaviano Soares, que morava na rua Dr. Betim, 315, Vila Marieta, em Campinas, São Paulo, tempos depois comentou ao correspondente de guerra americano Henry Bagley, da Associated Press, que naquela madrugada estava com outros dezesseis companheiros da 8º Companhia, do 16º Regimento de Infantaria, quando “capturaram uma casa na aldeia de San Quirico, ao norte de Barga, no vale do rio Serchio, mas os alemães contra-atacaram pela madrugada de 31 de outubro. O inimigo concentrou um fogo de morteiro e metralhadoras contra a casa, matando um e ferindo oito, inclusive José Soares, que foi ferido por estilhaço de morteiro desde o pé ao ombro esquerdo, bem como dois fragmentos maiores na perna direita”. José Soares foi capturado bastante ferido, mas se recuperou em um campo de prisioneiros na Itália, de onde foi libertado ao final do conflito. Ao retornar ao encontro da sua tropa, concedeu essa entrevista a Henry Bagley[28].

Foto ilustrativa de soldados da FEB em uma cidade italiana e sobre um veículo de combate.

O que sabemos da participação do sargento Rodoval são informações muito limitadas, mas é certo que durante o tiroteio o seu pelotão recuou de sua posição original, talvez a mesma casa onde estava o capitão Atratino, ou alguma outra que foi “requisitada” para descanso. É provável que Rodoval tenha continuado na casa para cobrir a retirada dos seus companheiros. A vivenda foi então cercada pelos alemães. Tudo indica que o potiguar, mesmo com sua munição escasseando, ficou na casa até o último disparo. Os registros existentes não explicam como, mas Rodoval manteve a calma e de alguma forma conseguiu romper o cerco para retornar as linhas brasileiras. Sabemos que na madrugada de 31 de outubro de 1944 predominava a lua cheia no norte da Itália, o que possibilitou aos participantes daquele combate vantagens e desvantagens. Talvez o sargento potiguar tenha utilizado o luar para sair vivo daquela complicada situação. Ao sobreviver a esse combate Rodoval foi agraciado com a medalha da Cruz de Combate de 2ª Classe, destinada a participantes de feitos excepcionais praticados em conjunto por vários militares.[29]

Para Sílvio Fonseca a localidade de San Quirico era “uma importante posição dominante que os alemães tentaram inutilmente conservar em seu poder”. Tanto era importante que os nazistas e fascistas executaram o contra-ataque. O jornalista informou que os brasileiros resistiram a três investidas dos inimigos, mas na quarta recuaram.[30]

O complicado terreno de luta da FEB na Itália.

Segundo a falecida historiadora paranaense Carmen Lúcia Rigoni, na página 122 de sua interessante tese de mestrado intitulada La forza di spedizione brasiliana” (FEB) – Memória e história: Marcos na monumentalistica italiana, defendida 2003 na Universidade Federal do Paraná, informou que no momento da ocupação de San Quirico pelos membros da FEB o ambiente entre eles era de “otimismo”. Contudo a autora aponta, através de relatos de participantes, que “ninguém no comando se apercebia de que os combatentes estavam no limite e o cansaço era extremo”. A autora também conseguiu a informação que o “otimismo exacerbado e a subestimação do inimigo” estavam na ordem do dia dos brasileiros. E continua Carmen Lúcia Rigoni – “Segundo as narrativas de diversos veteranos, a frente de combate era muito extensa e o terreno criava todo o tipo de dificuldades, em razão da topografia ser acidentada, e era de difícil acesso. O transporte de víveres e munição para a tropa, debaixo de chuva, comprometia as reservas, entre outras questões afeitas ao comando” (Pág. 122).

Soldados da FEB.

Em outra parte do seu trabalho Carmen Lúcia Rigoni comentou o final da luta – “Diante das intempéries climáticas daquela jornada e da falta de munição e mais a desorganização do comando, a FEB se retira, deixando sobre o terreno mortos, feridos e muitos prisioneiros. As brigadas italianas sofreram também pesadas baixas. Os mortos e prisioneiros do efetivo de 200 homens da Companhia Aosta somaram-se mais de 80 homens” (pág. 126).  

Como um jornal dos Estados Unidos comentou as vitórias da FEB em outubro de 1944.

A Morte em Voghera

A partir desse momento da história da FEB na Itália não consegui encontrar mais nenhuma referência sobre o sargento Rodoval Cabral da Trindade.

Soldados da FEB em uma aparente comemoração, com instrumentos musicais em um caminhão de transporte. Talvez algo alusivo ao final da guerra.

Finalmente a Guerra na Europa se encerra em 8 de maio de 1945 e a Força Expedicionária Brasileira se preparava para retornar ao Brasil. É quando o sargento Rodoval morre em um acidente de jeep em Voghera, uma cidade ao norte de Gênova, no dia 6 de junho de 1945. Das causas e razões do acidente automobilístico não consegui nenhuma informação. 

Apenas descobri que Rodoval não foi o primeiro membro da FEB a morrer nessa estrada. No dia 8 de maio de 1945, no Dia da Vitória, e praticamente um mês antes da morte de Rodoval, o segundo sargento Fábio Pavani, de Capivari, São Paulo, faleceu ao cair da viatura em que estava se deslocando na mesma estrada de Voghera. Segundo a listagem de mortos da FEB, encontrada no texto intitulado Lista detalhada e ilustrada dos mortos da Força Expedicionária Brasileira na Campanha da Itália, constam os nomes de 34 militares que morreram em acidentes de veículos [31].

Para o pesquisador Durval Lourenço Pereira, essa situação ocorreu por várias razões. Desde a imperícia pura e simples dos motoristas da FEB, a complicada situação das estradas italianas, nevoeiro, fadiga, lama, neve, stress por dirigir em zona de guerra e outras mais.

Notícia da morte do sargento Rodoval em jornal de Natal.

Em Natal a notícia foi divulgada com bom espaço nos três principais jornais da cidade – A República, A Ordem e O Diário.  A única rádio da cidade, a REN – Rádio Educadora de Natal, noticiou extensivamente o falecimento do sargento Rodoval. Vários membros da comunidade foram pessoalmente até a casa da família externar os pêsames pelo ocorrido. Já o tenente coronel Edgar Alves Maia e o Dr. Jacob Wolfson, oftalmologista de renome e um dos líderes da comunidade judaica natalense, foram até a casa da família Cabral da Trindade levar o apoio da Comissão de Homenagem, Assistência e Recepção à FEB.[32]

Cemitério de Pistoia e o enterro de um combatente da FEB.

O corpo do sargento Rodoval Cabral da Trindade foi primeiramente sepultado no Cemitério Militar Brasileiro de Pistoia, na quadra D, fileira nº 1, sepultura nº 5. Depois seus restos foram transladado para o Rio de Janeiro, onde repousam no Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Aterro do Flamengo. No Rio Grande do Norte ele é lembrado com seu nome em uma rua em Ceará-Mirim e outra em Natal. Na capital essa artéria fica na Cidade Alta, vizinho a Igreja do Galo e perto de onde ele viveu.

Pessoalmente a história do sargento Rodoval me traz maravilhosas lembranças do meu tio-avô Luís de França Moraes, o nosso poeta e um devotado funcionário dos Correios e Telégrafos. 

Ainda garoto, foi dele que ouvi pela primeira vez os fatos ligados ao sargento Rodoval, até porque tio Luís moravam na Rua Laranjeira, número 18, a poucos metros da casa de Seu João Cândido da Trindade. Ele conheceu Rodoval, foi um dos que foram à casa de seu pai dar os pêsames pelo seu falecimento na Itália, esteve no enterro de Seu João em 1957 e chegou a trabalhar nos Correios e Telégrafos com José Augusto, Clotilde e Margarida, todos irmãos de Rodoval. Eu era muito jovem quando ouvi seu relato, mas jamais esqueci quando ele me narrou do orgulho que ele e todo o pessoal da Rua Laranjeira ficou ao saber que Rodoval tinha ido para a Guerra e da enorme tristeza que se abateu com a notícia da sua morte.

NOTAS

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[1] Ver O Poti, Natal-RN, ed. 06/07/1957, sábado, pág. 3.

[2] Ver A Ordem, Natal-RN, ed. 14/03/1940, quinta-feira, pág. 2. Não encontramos nenhuma outra indicação de fonte de renda desse funcionário público para sustentar sua família.

[3] Ver Galvão, Claudio. O nosso maestro: biografia de Waldemar de Almeida – Natal, EDUFRN, 2019, pág. 97.

[4] O antigo Tiro de Guerra 18 não existe mais, contudo esse tipo de organização é bastante presente em outros estados brasileiros e no Rio Grande do Norte ainda existe um em Mossoró, com mais de 120 anos de atuação.

[5] Ver O Poti, Natal-RN, ed. 09/08/1981, domingo, pág. 14.

[6] A Escola Técnica de Comércio foi fundada em 1919 pelo professor Ulysses de Góis. Em dezembro de 1950 essa escola se mudou da Rua João Pessoa para a Avenida Junqueira Aires, 390, na Ribeira e serviu de embrião para a criação da Faculdade de Ciências Contábeis e Atuariais de Natal em 1957.

[7] Ver A Ordem, Natal-RN, ed. 17/07/1945, quarta-feira, pág. 4.

[8] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 26/07/1941, sábado, pág. 10.

[9] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 17/01/1943, domingo, pág. 14. A ordem veio através do Boletim Interno nº 13, de 16/01/1943.

[10] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 16/03/1943, terça-feira, pág. 6. A ordem veio através do Boletim Interno nº 62, de 15/03/1943.

[11] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 14/08/1943, sábado, pág. 8.

[12] Enciclopédia da II Guerra Mundial, Editora Globo, Livro VI, páginas 285 e 286, 2ª edição, 1956.

[13] Informações transmitidas oralmente por José Renato Coelho ao autor. Renato é filho do soldado Coelho, já falecido.

[14] Diário de bordo do USS General A. W. Mann, 2 de julho de 1944, pág. 2.

[15] Sobre essa questão ver https://www.vqronline.org/essay/question-leadership-5th-army-italy (em inglês).

[16] Mais detalhes sobre a 232º Divisão, ver https://www.axishistory.com/

 [17] A divisão Monterosa nasceu em 1 de janeiro de 1944 em Pavia, mas foi mobilizada apenas em 15 de fevereiro do mesmo ano. Em 16 de julho Benito Mussolini entregou a bandeira aos regimentos em Münsingen, Alemanha, no final do período de treinamento realizado com padrões germânicos. Era composta por cerca de 20.000 homens, dos quais 20% provenientes do Exército Real Italiano, que se rendeu aos Aliados em 1943. Foi criado pelos líderes fascistas da chamada República Social para combater nas montanhas ao lado do exército alemão e suas armas vieram dos armazéns da Wehrmacht. A divisão voltou à Itália em julho de 1944 e ficou na área da Ligúria, para neutralizar um possível desembarque das forças aliadas. Posteriormente foi transferido para a Garfagnana entre o rio Serchio e os Alpes Apuanos, combatendo as unidades brasileiras da FEB e outras forças do 5º Exército.

[18] Ver A Noite, Rio de Janeiro, ed. 27/04/1946, sábado, pág. 8.

[19] Segundo o ótimo material produzido pelo escritor e pesquisador Durval Lourenço Pereira, que apresenta um interessante e didático roteiro do avanço da FEB, os locais e as datas das conquistas da foram as seguintes – 11/10/1944 – Ocupação de Barga e Gallicano; 24.10.1944 – Ocupação de Sommocolonia; 25.10.1944 – Ocupação de Trassilico e Verni; 28.10.1944 – Captura de Monte Facto; 29.10.1944 – Ocupação de Colomini; 30.10.1944 – Conquista de San Quirico, Lama di Sotto, Lama di Sopra, Pradoscello e Pian de Los Rios. Ver https://memorialdafeb.com/2012/05/15/roteiro-da-feb-na-italia-o-destacamento-feb2/

[20] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 02/11/1944, quinta-feira, pág. 1

[21] No entorno de San Quirico já foram encontrados marcos do Império Romano e até ferramentas do neolítico, que apontam uma antiguidade muito mais ampla.

[22] Sobre San Quirico e sua história ver https://digilander.libero.it/sanquiricovalleriana/lastoria.htm  https://www.ilturista.info/guide.php?cat1=4&cat2=8&cat3=5&cat4=142&lan=ita

[23] Na área de operações da 65ª Divisão foram identificados 26 atos separados de violência onde civis italianos foram sumariamente mortos. Em junho de 1944 aconteceram cinco massacres (18 vítimas), três em julho (22 vítimas), nove em agosto (42 vítimas, entre estas as de San Quirico), oito em setembro (125 vítimas, o pior mês) e um em outubro de 1944 (2 vítimas). Entre 28 e 30 de setembro, em Ronchidoso, na região da Emilia-Romagna, foram executados 66 civis pelos homens da 65º Divisão, que nesse caso atuaram juntos com membros da 42ª Divisão Jäger. Várias dessas execuções foram represálias precipitadas pela morte de soldados alemães por guerrilheiros do movimento de resistência italiano, que surgiu no norte da Itália para se opor ao estado fantoche fascista. Mas os revisores dessas histórias, muitos deles neonazistas disfarçados de pesquisadores, comentam que muitos dos relatórios carecem de evidências dos perpetradores específicos. Minimizam que esses relatórios apenas apontam que os assassinatos ocorreram na área de operações da 65ª Divisão. Pode até ser que esses argumentos sejam verdadeiros, mas fica difícil justificar que ao longo de cinco meses, na área de atuação dessa divisão, ocorreram 26 massacres de gente detida e desarmada, com um total de 205 vítimas. Ver – https://en.wikipedia.org/wiki/65th_Infantry_Division_(Wehrmacht)#Partisan_warfare_and_alleged_war_crimes

[24] A memória da tragédia continua presente naquela gente até hoje, onde todos os dias 19 de agosto existe uma comemoração em Pescia rememorando o que ocorreu em San Quirino e em outras comunidades da região. Ainda sobre o massacre de San Quirico ver o documento existe neste sítio da internet – http://www.straginazifasciste.it/wp-content/uploads/schede/SAN%20QUIRICO%20IN%20VALLERIANA%20PESCIA%2019.08.1944.pdf

[25] Ver https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,na-linha-de-frente-a-historia-da-primeira-tropa-a-lutar-na-italia,921569

[26] História oral do Exército na Segunda Guerra Mundial / Coordenação geral de Aricildes de Moraes Motta. – Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2001. T. 3. Págs. 56 e 57. O capitão Moziul Moreira Lima era gaúcho de Cruz Alta e alcançaria o posto de general de brigada do Exército Brasileiro.

[27] História oral do Exército na Segunda Guerra Mundial / Coordenação geral de Aricildes de Moraes Motta. – Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2001. T. 4. Págs. 70 e 71. O capitão Hélio Portocarrero de Castro era natural da cidade do Rio de Janeiro e alcançaria o posto de divisão do Exército Brasileiro.

[28] Ver O Jornal, Rio de Janeiro, ed. 30/05/1945, quarta-feira, pág. 8.

[29] Sobre a atribuição dessa medalha e sobre os 68 sargentos do Exército Brasileiro mortos na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, ver o interessante trabalho Os 68 sargentos mortos em operações de guerra, do coronel Cláudio Moreira Bento, em http://www.ahimtb.org.br

[30] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 02/11/1944, quinta-feira, pág. 1

[31] Ver https://xdocs.com.br/doc/lista-detalhada-e-ilustrada-dos-mortos-da-fora-expedicionaria-brasileira-na-campanha-da-italia-4ol2mkp55ynm Infelizmente não descobri o autor desse trabalho.

[32] Ver A Ordem, Natal-RN, ed. 04/08/1945, sábado, pág. 2.

NATAL NA REVISTA TIME E NO CAMINHO DA SEGUNDA GUERRA 

Rostand Medeiros 

Em 24 de novembro de 1941, poucos dias antes do ataque japonês à base de Pearl Harbor, no Havaí, razão da entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, a revista norte-americana Time publicou uma interessante matéria que apresentava os negócios da empresa de aviação Pan American Airways, conhecida como Pan Am, no Brasil. Nessa época a empresa construía doze bases aéreas em nosso país, sendo a principal Parnamirim Field. 

Mesmo com os Estados Unidos ainda não estando oficialmente em guerra contra os países do Eixo, nesse texto é possível perceber que para esses jornalistas a participação dos na Guerra já era o assunto do dia. Vemos também a visão dos americanos em relação às relações do Brasil com os Estados Unidos e detalhes ligados à construção da grande base de Parnamirim, inclusive os problemas. Narra também os acontecimentos em Parnamirim Field, inclusive pretensos casos de sabotagem, situação que também foi comentada pelo escritor potiguar Lenine Pinto em seu livro Natal, USA (1995). 

Revista Time, Estados Unidos, págs. 89 a 92, Segunda-feira, 24 de novembro de 1941, Volume XXXVIII, Número 21.

No final do texto fica evidente um recado transmitido pela revista Time para pressionar as autoridades brasileiras a realizarem a paralisação das atividades das empresas aéreas LATI (italiana) e Condor (brasileira, mas de controle alemão). 

Esse texto da revista Time é um retrato de um momento delicado em nossa história. Um momento que se situa poucos dias antes da entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra. E apenas quatro dias após o ataque japonês a Pearl Harbor, chegaram em Natal seis hidroaviões PBY-5 Catalina da Marinha dos Estados Unidos (US Navy), do esquadrão VP-52, mostrando o início do total engajamento dos militares norte-americanos em Natal. 

NEGÓCIO: PAN AM NO BRASIL 

Revista Time, Estados Unidos, págs. 89 a 92, Segunda-feira, 24 de novembro de 1941, Volume XXXVIII, Número 21.

A vulnerável ponta oriental do Brasil, que se destaca como um polegar dolorido em todos os mapas da grande estratégia dos Estados Unidos, é para uma corporação americana já uma frente de combate ativa. A corporação: Pan American Airways. 

Nessa região as linhas da Pan Am seguem paralelas às companhias aéreas do Eixo; e lá, por ordem do governo dos Estados Unidos, a Pan Am estava ocupada na semana passada melhorando ou construindo doze bases aéreas.

As dificuldades no caminho da Pan Am são tão reais quanto a guerra e não muito diferentes dela. Os homens da Pan Am confrontam agentes, espiões e empresários do Eixo todos os dias. Um relatório de progresso sobre a nova rede de aeroportos, que chegou a Manhattan na semana passada, foi lido como um comunicado de guerra.

Técnicos norte-americanos papeando com trabalhadores natalenses, fazendo cena para a câmera.

As doze bases estão no Amapá, Belém, São Luiz, Camocim (Ceará), Fortaleza, Natal, Recife, Maceió e na Bahia. Sete são aeroportos para aviões e cinco locais para serem utilizados por hidroaviões (A Pan Am ainda está negociando outro aeroporto na Bahia.) Em cada projeto trabalham de 500 a 800 homens.

Para um programa de construção deste porte, que requer 6.000.000 barris de emulsão asfáltica apenas para as pistas, a Pan Am (uma empresa de transporte) não estava inicialmente equipada. Formou uma subsidiária chamada Airport Development Program (ADP), contratou a Haller Engineering Associates como consultora em estabilização de solos e conseguiu que a Bitumuls of Brazil, Inc. construísse plantas para fazer e misturar o material de revestimento. 

Por deferência aos sentimentos brasileiros, não estão envolvidos engenheiros do Exército dos Estados Unidos, mas todo o projeto foi adiado no início por dúvidas brasileiras. Depois foi adiada pela própria inexperiência da Pan Am, pela chegada tardia das máquinas, pelo excesso de executivos (em Natal, por um tempo, eles superaram em número os homens de macacão). Nenhum campo ainda está completo. Mas de agora em diante mais atrasos serão causados ​​pelo Eixo – como alguns já foram.

Um Lockheed L-18 Lodestar da Royal Air Force (RAF). Fabricados nos Estados Unidos, aviões similares so da foto passaram por Natal a caminho da Inglaterra.

O ponto de partida para África, a Lisboa sul-americana, é Natal. Há Lodestars [1] para os britânicos, que decolam para Bathurst [2] a 1.850 milhas de distância (2.978 km). Lá, o Capetown Clipper da Pan Am [3] fez uma pausa na semana passada em um voo de teste de 18.290 milhas (29.434 km) de Manhattan a Leopoldville, no Congo Belga [4] – um voo que em breve levará a um serviço comercial quinzenal regular. Em Natal a Pan Am está construindo duas bases, uma para aviões (Parnamirim), outra para hidroaviões (Rampa) [5].

Normalmente Natal é uma tranquila cidade de 56.165 habitantes, que agora está lotada e em alta. Seu hospital [6] é um dormitório para os construtores de aeroportos; seu hotel transborda de engenheiros [7], pilotos que cruzam o Atlântico, motoristas de trator e espiões do Eixo. Dois operadores de escavadeiras dos Estados Unidos alugaram quartos em um bordel de alta classe, embora não gostem da comida. Eventualmente, a Pan Am espera construir um hotel perto de seu campo, a onze esburacadas milhas da cidade (17 km).

Avião italiano da LATI que utilizaram Natal e Recife como pontos de apoio no seu caminho para Roma.

Para a base de aviões de Natal a Pan Am está construindo duas pistas, cada uma com um quilômetro e meio de comprimento; uma estação de rádio; tanques de gás subterrâneos; um armazém, galpões de carga, etc. Junto a este campo, e provavelmente mais tarde incluído nele, está outro construído pela Air France para a sua linha aérea entre Paris e Buenos Aires. Nesse local aviões Savoia-Marchettis da linha italiana LATI ainda decolaram esta semana para Roma [8].

Um francês corpulento chamado Reynaud, responsável por este campo, gosta de lembrar como os grandes hidroaviões da Air France costumavam passar todos os dias com presentes para ele, legumes frescos da Argentina, vinho e frutas de Dakar [9]. Desde que a França caiu, ele nem recebeu seu salário. (O chefe da Pan Am em Natal ocasionalmente lhe dá um conto de réis ou dois). Mas ele ainda mantém uma lona bem espalhada sobre o único avião da França em Natal, um velho Fokker; ele corta a grama na pista; e todas as noites, pelo rádio, ele relata “condições climáticas” para Dakar.

Aeronave italiana da LATI aterrissando em Ibura (Recife), ou Parnamirim (Natal), enquanto trabalhadores brasileiros trabalham para uma empresa dos Estados Unidos.

A uma hora de Natal sobre o Atlântico, um piloto norte-americano do primeiro grupo que transportava aviões para os britânicos em Bathurst notou que um cilindro estava “ausente”. Ele conseguiu retornar a Natal e pousar, embora o farol e as luzes da pista estivessem apagados, o campo deserto. Os mecânicos descobriram uma vela de ignição muito solta, vários fios de ignição ondulados. Desde então, as luzes do aeroporto brilham a noite toda e os pilotos ficam duas horas vigiando seus aviões.

Uma noite, um estranho misterioso apareceu em um armazém que guardava gasolina da Pan Am. Enviando o vigia simplório para telefonar para o gerente, o estranho colocou perto de algumas latas de querosene uma bomba incendiária, do tipo caneta-tinteiro da Primeira Guerra Mundial, e depois desapareceu. O vigia descobriu o fogo, que gerou um pequeno dano. A gasolina era necessária para as Lodestars, que em breve partiriam para a África [10].

Avião Douglas DC-3 da Pan American Airways na pista do antigo Campo dos Franceses, que durante a Segunda Guerra ficaria conhecido como Parnamirim Field.

Em Recife, no extremo leste do Brasil, a ADP assumiu outro campo da Air France, ladeado por uma estação de rádio da LATI extremamente poderosa. Os aviões da LATI também usam este campo, quase roçando as cabeças dos trabalhadores da ADP quando decolam e aterrissam.

Para ampliar a pista de 800 para 1.550 metros, a ADP está movendo com mão-de-obra 120.000 metros cúbicos de solo, cortando e enchendo pontos muitas vezes seis metros acima do nível normal.

O superintendente Fred Wohn teve problemas para obter caminhões basculantes necessários, devido ao pequeno número existente. Um empreiteiro alemão tinha alguns; quando Wohn tentou alugá-los para o projeto ADP, ele recusou categoricamente. Wohn finalmente conseguiu seus caminhões enviando um intermediário para alugá-los para um projeto anônimo [11].

O engenheiro civil norte-americano Frederick Louis Wohn, que chegou ao Brasil no final de julho de 1941 para trabalhar em Natal.

O solo do Recife é quase areia pura, deve ser aguado para evitar que seja levado pelo vento. De uma pedreira próxima, a argila é transportada, espalhada sobre a base de areia em uma camada de seis polegadas. Sobre isso vão duas camadas de três polegadas de mistura de estabilização do solo. O resultado equivale a um bom cimento, mas é barato, rápido e resistente ao sol equatorial.

Recentemente quatro funcionários de primeira linha da Pan Am foram forçados a retornar em um voo de pesquisa desde o Caribe até Natal. Eles estavam pilotando um anfíbio Grumman que exigia permissões especiais, e o Ministério da Aeronáutica do Brasil, que é um órgão pesado e onde alguns funcionários são simpatizantes do nazismo, se recusou a conceder a licença de voo.

Apesar de tais obstáculos, o trabalho da Pan Am avança. Há dois anos a Pan Am operava 35% das companhias aéreas da América do Sul; agora opera 63%. A espionagem e a sabotagem do Eixo vão diminuir quando LATI e a Condor fizeram as malas e partirem, como outras linhas do Eixo na América do Sul já fizeram [12].

Esta semana a LATI. pelo menos, parecia estar em suas últimas pernas no Brasil. Quando a Pan Am iniciar o serviço South Atlantic Clipper, não haverá mais motivos para o Brasil tolerar o LATI.


NOTAS

[1] O Lockheed L-18 Lodestar foi um avião bimotor de transporte, desenvolvido e construído pela empresa Lockheed Corporation.

[2] Bathurst, atualmente chamada Banjul, é a principal área urbana da Gâmbia, uma antiga colônia britânica na África Ocidental. A Gâmbia se tornou independente em 1965 e Banjul é o centro econômico e administrativo desse país.

[3] O Capetown Clipper era a designação de um dos doze hidroaviões quadrimotores Boeing 314 Clipper operados pela Pan Am, que utilizavam Natal com frequência como ponto de parada e apoio. Eles desciam no Rio Potengi e utilizavam a base da Pan Am em nossa cidade, local que atualmente conhecemos como RAMPA.

[4] A cidade de Leopoldville é a atual Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, antigo Congo Belga.

[5] Segundo Lenine Pinto em seu livro Natal,USA, (págs. 58 e 59), o engenheiro Décio Brandão iniciou o levantamento topográfico na área de Parnamirim em março de 1941. Também neste livro, segundo relato do Sr. Rui Garcia Câmara, nesse mesmo mês também começou a ampliação do que hoje é a Rampa, às margens do Rio Potengi. Anteriormente no local havia uma pequena estação de passageiros da Pan Am.

[6] Atual Hospital Universitário Onofre Lopes, no bairro de Petrópolis.

[7] Nesse caso era o Grande Hotel, comandado por Teodorico Bezerra, no bairro da Ribeira.

[8] Os aviões Savoia-Marchetti utilizados pela empresa italiana LATI – Linea Aerea Transcontinentali Italiana eram trimotores S-79, que ligavam o Rio de Janeiro a Roma. Semanalmente em Natal esses aviões, suas tripulações e passageiros pernoitavam em um local de descanso próximo a pista de pouso de Parnamirim e realizavam a travessia do Atlântico Sul pela manhã cedo. A empresa italiana operou até o momento que o engajamento brasileiro foi se tornando mais forte com os americanos e teve sua licença cassada. 

[9] Dakar, ou Dacar, é a capital do Senegal e antiga capital da área colonial da África Ocidental Francesa, possui como Natal uma posição geográfica privilegiada e estratégica, sendo por muitos anos o principal ponto de contato das antigas aeronaves que partiam da capital potiguar em direção a África.

[10] Lenine Pinto em Natal,USA (pág. 155) ele comenta sobre esse caso, mas que ele teria ocorrido em agosto de 1941, no depósito da empresa Esso, próximo da Base Naval de Natal e esse autor tinha extremas restrições sobre as informações referentes a esse atentado.

[11] Segundo sua ficha de imigração, Fred Wohn era na verdade o engenheiro civil Frederick Louis Wohn, de 38 anos, que chegou ao Brasil no final de julho de 1941.

[12] A Condor era o Sindicato Condor, ou Syndicato Condor, uma subsidiária da empresa aérea alemã Lufthansa no Brasil. Foi uma das mais antigas companhias de aviação do mundo, criada em dezembro de 1927.

MARYSE BASTIÉ – A PIONEIRA DA AVIAÇÃO QUE PASSOU POR NATAL

MARYSE BASTIÉ – A PIONEIRA DA AVIAÇÃO QUE PASSOU POR NATAL Como uma Antiga Operária de uma Fábrica de Sapatos se Tornou a Mais Importante Aviadora da História da França – Voos Entre Glórias e Tristezas – Como Ela Conquistou o Atlântico Sul em Um Pequeno Avião – Quando Esteve em Natal? – Em Paris Junto ao Deputado Dioclécio Duarte e as Memórias de Natal – Nome de Rua na Capital Potiguar

Como uma Antiga Operária de uma Fábrica de Sapatos se Tornou a Mais Importante Aviadora da História da França – Voos Entre Glórias e Tristezas – Como Ela Conquistou o Atlântico Sul em Um Pequeno Avião – Quando Esteve em Natal? – Em Paris Junto ao Deputado Dioclécio Duarte e as Memórias de Natal – Nome de Rua na Capital Potiguar

Rostand Medeiros – Escritor e Pesquisador.

Na noite de segunda-feira, 23 de dezembro de 1935, rugiu sobre Natal e amerissou no Rio Potengi um grande hidroavião de desenho incomum. Tinha quatro motores colocados em uma asa que era sustentada por uma grossa estrutura onde ficava a cabine de comando, com três motores voltados para a dianteira da aeronave e um para a parte traseira. Aquele estranho pássaro metálico tinha sido construído pela empresa francesa Bleriot para transportar correio aéreo até a América do Sul e era batizado como Santos Dumont. A tripulação conseguiu atravessar o Atlântico Sul sem problemas, depois de partirem pela manhã da cidade de Dakar, a antiga capital da África Ocidental Francesa e hoje capital do Senegal.

A primeira vez que Maryse Bastié veio a Natal foi no Hidroavião Bleriot 5190 Santos Dumont.

Naquela semana de comemorações natalinas, a passagem dessas aeronaves já não era nenhuma novidade no Rio Grande do Norte, que desde 1927 recebia com crescente frequência variados tipos de aviões e hidroaviões. No começo a maioria delas se destinava a bater recordes, superar limites aéreos e transformar seus pilotos em figuras de destaque na mídia internacional, mas nos últimos anos Natal vinha assistindo um intenso tráfego de aeronaves que transportavam passageiros e, principalmente, o rentável transporte de cartas e encomendas. Na época esse era o principal negócio do avião comercial, pois vivia-se em um mundo que nem sequer imaginava algo como a internet e os e-mails.

Quem pilotava o Santos Dumont era o francês Jean Mermoz, um homem de 34 anos, alto, forte, com pinta de ator de cinema e que em 1935 era muito famoso pelos seus feitos no meio aéreo. Seguramente sua maior realização foi a primeira travessia comercial do Atlântico Sul, fato ocorrido entre os dias 12 e 13 de maio de 1930, quando Mermoz, acompanhado do copiloto Jean Dabry e do navegador Léopold Gimié, voaram os 3.200 km de distância entre Saint-Louis-du-Senegal e Natal, com 130 quilos de correspondência, em 21 horas e 30 minutos. Realizaram a proeza em um hidroavião monomotor Latécoère 28-3, pintado de vermelho, com a matrícula F-AJNQ.

Mesmo com todo esse movimento aéreo sobre os céus de Natal, que naquela época repercutia em todo o meio aeronáutico mundial, a verdade é que a chegada do hidroavião Santos Dumont, mesmo com seu piloto famoso, pouco chamou a atenção dos natalenses. A razão foi uma convulsão política que se iniciou na capital potiguar e mexeu com todo o Brasil.

Quartel da Força Policial, conhecido como “Quartel de Salgadeira”, em Natal, após ser metralhado durante a Intentona Comunista – Foto – toxina1.blogspot.com

Deflagrada exatamente um mês do Santos Dumont chegar a Natal, a chamada Intentona Comunista foi iniciada por militares do 21º Batalhão de Caçadores e deixou a comunidade local extremamente chocada com os saques, ataques, tiroteios e mortes. Depois de iniciada em Natal, os comunistas deflagraram outras ações no Recife e no Rio de Janeiro, mas todas foram controladas por forças federais legalistas em pouco tempo. Apesar da derrota dos comunistas, um mês depois as movimentações em decorrência dessa crise ainda ocorriam na cidade. No sábado e no domingo antes da chegada do hidroavião Santos Dumont, respectivamente deixaram Natal os militares do 20º Batalhão de Caçadores do Exército Brasileiro e os membros do Regimento Policial da Paraíba (A República, Natal, 22/12/1935).

Apesar de toda essa situação, uma das pessoas transportadas pelo Santos Dumont chamou atenção da imprensa natalense e nacional quando desembarcou. Era uma mulher de baixa estatura, com 37 anos de idade, esbelta, de olhos vívidos e claros, com um sorriso franco e aberto. Era a aviadora francesa Maryse Bastié, que tal como Mermoz já era famosa no final de 1935 pelos seus inúmeros feitos aeronáuticos.

Notícia da primeira chegada de Maryse Bastié a Natal.

Mas o que Mademoiselle Bastié veio ver na pequena Natal, então com cerca de 40.000 habitantes, viajando com um dos pilotos mais famosos do mundo, através de uma rota longa e perigosa?

E o mais importante, quem era Maryse Bastié?

Outra nota da primeira chegada de Maryse Bastié a Natal.

A Operária Que se Tornou Aviadora

Atualmente Maryse Bastié é seguramente a mulher mais importante e famosa na história aeronáutica francesa, sendo muito lembrada como uma das mulheres mais arrojadas e destemidas pioneiras na área da aviação. Mas o início de sua vida não foi nada fácil e sua chegada ao comando de um avião foi uma luta constante e dura, principalmente quando compreendemos a situação das mulheres nas primeiras décadas do século XX.

Nascida Marie-Louise Bombec, no dia 27 de fevereiro de 1898, na cidade de Limoges, no centro-oeste da França, a jovem era oriunda de uma família muito humilde, mas que conseguiam sobreviver com algum conforto, pois seu pai, Joseph Bombec, era um operário especializado com a função de ferreiro (outros apontam que ele seria um moleiro). Já sua mãe, Céline Filholaud, era uma mulher amorosa, dona de casa e mãe de oito filhos.

Limoges cidade natal de Maryse Bastié no início do Século XX.

Infelizmente Marie-Louise ficou órfã de seu pai em 1908, que faleceu de tuberculose, sendo sua família obrigada a deixar casa paterna para viver em um pequeno ambiente na periferia de Limoges. A menina deixou a escola e começou a trabalhar aos 13 anos como uma modesta costureira de couro, em uma fábrica de calçados.

Ela detestava o trabalho repetitivo e realizado em condições complicadas. Buscou então refúgio nos livros, lendo tudo que aparecia na sua frente, principalmente clássicos e romances. Existe a informação que em 1914 Marie-Louise passou a trabalhar como costureira em uma fábrica de roupas militares. Ainda durante a Primeira Guerra houve outra perda para a jovem operária – em 1916 seu irmão Pierre Bombec é morto nas trincheiras.

Operárias francesas no início do Século XX.

Talvez em meio a todos esses momentos extremos foi que Marie-Louise, com apenas 16 ou 17 anos, mesmo contra os conselhos de sua mãe, casou-se com o pintor de porcelanas Jean Baptiste Gourinchas, de 18 anos. Dessa união nasce um filho chamado Germain. Em meio a muitas crises, em pouco tempo ela pediu o divórcio de Gourinchas.

A partir de 1919 Marie-Louise Gourinchas trabalhou como datilografa na Companhia de Eletricidade de Limoges. É provável que nesse ponto de sua vida, aquela jovem mãe divorciada poderia ter continuado sua existência marcada unicamente pela dura luta pela sobrevivência, em meio a fortes preconceitos pela sua situação, em uma França que se recuperava dos flagelos da Primeira Guerra Mundial. Mas a mudança em sua vida ocorreu quando Marie-Louise se uniu ao ex-piloto militar Louis Bastié, um amigo que ela conseguiu através de troca de correspondências no final da Primeira Guerra Mundial.

Foi ao lado desse veterano que ela descobriu a paixão pela aviação. Mas antes de alçar voo, Marie-Louise administrou uma loja de sapatos na cidade de Cognac, certamente utilizando a experiência adquirida na fábrica de sapatos. Mais tarde, seu marido retornou ao exército francês na função de instrutor de voo em Bordeaux-Mérignac, um dos mais antigos aeroportos em atividade na França. A convivência com Louis e o meio aéreo proporcionaram à jovem Marie-Louise Bastié vários voos como passageira em pequenos biplanos de instrução.

O ambiente de hangar, com aeronaves, mecânicos e pilotos, se tornou normal para Maryse Bastié na década de 1920.

O movimento aéreo de Bordeaux-Mérignac encantou Marie-Louise e a área se torna o seu “playground”, onde passeia entre os hangares, aviões em manutenção e motores sendo consertados pelos mecânicos. Não demorou e aprendeu a voar com o instrutor Guy Bart, amigo do seu marido, obtendo sua licença de voo em 29 de setembro de 1925.

Apenas uma semana depois de conseguir esse documento, ela elabora um plano para realizar sua primeira proeza aérea e assim mostrar suas habilidades, atrair a atenção de um possível empregador nessa área e também da mídia. Nos comandos de um frágil biplano Caudron G3, Marie-Louise conseguiu passar com essa aeronave abaixo dos cabos que ligavam as duas enormes pilastras de ferro de uma ponte inacabada em Bordeaux e chamada Pont Transbordeur de Bordeaux. A jovem aviadora realizou esse voo diante de uma multidão de curiosos, sobre o Rio Garonne.

O frágil biplano Caudron G3, Marie-Louise abaixo dos cabos que ligavam as duas enormes pilastras de ferro sobre o Rio Garonne.

Bem, quem olhar a foto acima pode até pensar que esse voo não foi lá essas proezas todas em termos de dificuldades. Mas não podemos esquecer que no comando da pequena aeronave estava uma mulher, que então vivia na moderna e tão decantada França, um país onde em 1925 as mulheres nem sequer votavam e só podiam abrir um negócio com o consentimento do marido. Logo, no dia 13 de novembro, essa mesma mulher voou de Bordeaux a Paris em seis etapas. Essa foi sua primeira viagem aérea.

No ano seguinte uma nova e trágica reviravolta ocorre na vida de Marie-Louise, pois seu companheiro Louis morreu diante de seus olhos no dia 15 de outubro de 1926, durante um voo de teste.

Longe de desanimar e para ganhar dinheiro ela realizou vários voos de publicidade, participou de um rally aéreo e realizou ousadas acrobacias diante de multidões em variados eventos. É nessa época, talvez motivada por questões comerciais, que ela deixou de lado seu nome de batismo e passou a assinar Maryse Bastié.

Voos Entre Glórias e Tristezas

Com o dinheiro arrecadado em seus trabalhos aéreos, mesmo em meio a muitos sacrifícios, Maryse conseguiu adquirir em 1929, por empréstimo, um Caudron C.109 de dois lugares. Era um avião utilitário leve, com pequeno motor Salmson de 40 hp, que ela batizou de “Trotinette” (Patinete).

O Caudron C.109 que Maryse Basté batizou de “Trotinette” (Patinete).

Apesar desse avião não ser mais que um simples “teco-teco”, Maryse conseguiu realizar um recorde de voo de larga duração para mulheres em 27 de julho de 1929. Em parceria e com o apoio financeiro fornecido pelo piloto Maurice Drouhin, ela decolou de Paris e chegou até a cidade alemã de Treptow-sur-Rega, na região da Pomerânia Ocidental, cobrindo a distância de 1.058 km em 26 horas e 47 minutos. Por esta conquista, Maryse e Drouhin receberam um total de 25.000 francos. Drouhin e um mecânico morreram pouco depois, em agosto de 1928, durante um voo de teste com um avião Couzinet 27, em Paris-Le Bourget.

Ainda em 1929, Maryse Bastié realizou um voo onde circulou o Aeroporto Le Bourget de Paris por longas 26 horas e 48 minutos, quebrando o recorde de duração de voo solo para mulheres.

Pouco tempo depois Lena Bernstein, uma descendente de russos nascida em Leipzig, Alemanha, e morando na França, ficou mais tempo voando em circuito fechado que Maryse. Em 30 de setembro de 1930 a francesa deu o troco, quando voou o seu avião leve Klemm L 25, de fabricação alemã, por 37 horas e 55 minutos, estabelecendo um novo recorde de duração de voo solo feminino. Ela lutou contra o frio, a falta de sono, fumaça do escapamento do motor e quase caiu exausta. Consta que nesse voo, para ficar desperta após mais de 24 horas no ar, ela borrifou água de colônia nos olhos, que arderam enormemente, mas o sono passou na hora. Uma multidão de parisienses lhe acolheu após o pouso.

Logo Maryse retorna as primeiras páginas dos jornais em todo mundo com um voo sensacional de longa distância, estabelecendo um novo recorde internacional de voo em linha reta para aviões monopostos, pilotado de forma solitária e por uma mulher. Entre os dias 28 e 29 de junho de 1931 Maryse decolou de Paris e seguiu até o centro da antiga União Soviética, mais precisamente na localidade de Yurino, perto da cidade de Nizhny Novgorod, onde percorreu 2.976 km, em mais de 30 horas de voo, a uma velocidade média de 97 km/h.

Por esse feito Maryse Bastié recebeu do governo francês a Cruz de Cavaleiro da Legião de Honra, foi agraciada pela International League of Airmen com o International Harmon Trophy como “a melhor aviadora do mundo” (atribuído pela primeira vez a uma francesa) e foi condecorada pelo governo soviético com a Ordem da Estrela Vermelha. 

Nada mal para uma mulher nascida em um lar humilde, que foi uma operária em uma fábrica de calçados, com várias perdas pessoais ao longo de sua vida, sem títulos acadêmicos, mas com muita coragem e determinação para seguir adiante.

A partir de então, ela conseguiu viver da renda que ganhava pilotando seu próprio avião e da publicidade.

Em 1934, seu compromisso tomou um rumo mais político e militante: Maryse uniu forças com as aviadoras Hélène Boucher e Adrienne Bolland e apoiaram a associação “La femme nouvelle” (A nova mulher). Fundada em 1934 pela política, feminista, escritora e jornalista Louise Weiss, essa entidade visava o sufrágio feminino e o fortalecimento do papel da mulher na vida pública francesa. Vale lembrar que a França foi um dos primeiros países no mundo a instaurar o sufrágio universal masculino, mas um dos últimos da Europa onde as mulheres puderam escolher livremente seus representantes políticos, fato que só aconteceu em outubro de 1945, após o fim da ocupação alemã.

O ano de 1935 para Maryse Bastié se iniciou promissor e com muitos planos. Ela e o amigo piloto Guy Bart fundaram uma escola de voo na área do Aeroporto de Orly, ao sul de Paris. É quando um duro golpe do destino lhe atingiu novamente – Em 6 de junho de 1935 faleceu no hospital de Bizerte, Tunísia, seu filho Germain, que estava a serviço da marinha francesa. Tinha apenas 20 anos de idade e morreu de febre tifóide. 

Provavelmente devido a toda essa situação, o desenvolvimento da escola durou pouco. Mas foi nessa ocasião, talvez buscando dar uma nova guinada em sua vida e fugir das tristezas, que Maryse Bastié começou a planejar seu voo que a traria a Natal e ao Brasil, superando para isso o temido Atlântico Sul.

Atravessando o Vasto Oceano

Outra imagem do hidroavião Santos Dumont.

Com a ajuda do amigo Jean Mermoz, a aviadora conseguiu em 23 de dezembro de 1935 uma vaga a bordo do hidroavião Bleriot 5190 Santos Dumont, onde realizou o voo completo e aprendeu todos os detalhes existentes sobre a rota do Atlântico Sul. Mermoz já havia realizado dezenas de vezes esse mesmo trajeto e disse a Maryse que naquela viagem ela era “o terceiro piloto” da aeronave. A aviadora permaneceu em Natal até os primeiros dias de 1936 e retornou a Paris pela Air France.

O interessante sobre esse voo preliminar de Maryse Bastié a Natal é que entre os vários aviadores famosos que utilizaram a capital potiguar durante o período clássico da aviação mundial, homens e mulheres de quase duas dezenas de nações, Bastié é um dos poucos aviadores que realizou um voo preliminar atravessando o Atlântico Sul, para só então realizar seu trajeto com maior segurança.

Avião Caudron Simoun, nesse caso um modelo C630, preservado na França.

Durante o ano de 1936 Maryse Bastié vai preparando detalhadamente o seu voo que a traria novamente a Natal. O avião escolhido foi o Caudron Simoun C635, uma aeronave monomotor para quatro passageiros, trem de pouso fixo, sendo o primeiro avião de sua categoria a voar a mais de 300 km/h. Foi um sucesso instantâneo de vendas e só a Força Aérea Francesa encomendou 490 aeronaves.

Foi o Governo da França, através do Ministério do Ar, cujo titular era Pierre Cot, quem lhe cedeu a aeronave, em meio a muita papelada e burocracia. No entanto, o ministro Cot nem sempre apreciou os serviços de Maryse Bastié. Quando essa aviadora, no auge de sua fama, pediu um emprego na aviação civil, Cot lhe disse que era muito cedo para “ver em larga escala conquistas iguais na aviação para homens e mulheres!”.

O avião Caudron Simoun C635 tinha basicamente 8,70 metros de comprimento, 10,40 m. de envergadura e 2,25 m. de altura. Em termos de extensão, era mais ou menos do tamanho de um micro-ônibus comum. Possuía um motor Renault Bengali 6Q de seis cilindros em linha, refrigerado a ar, com cerca de 160 kW (220 hp) de potência contínua. Maryse ainda realizou alguns voos de testes e tudo funcionou normalmente.

A aeronave não recebeu maiores alterações para o voo sobre o Atlântico Sul. A mais significativa foi buscar internamente mais espaço para acomodar um tanque de gasolina de 890 litros e ampliar a autonomia de voo. Aí foram retirados dois assentos cobertos de couro vermelho, dos quatro normalmente existentes. 

Quando os preparativos para o seu voo estavam na reta final, Maryse Bastié e a França foram atingidos por uma nova tragédia – Jean Mermoz desapareceu no Atlântico Sul.

Hidroavião quadrimotor Latécoère 300 que desapareceu com Jean Mermoz e toda tripulação em dezembro de 1936.

Em 7 de dezembro de 1936 Mermoz partiu de Dakar para Natal com outros quatro tripulantes em um hidroavião quadrimotor Latécoère 300, que possuía o registro F-AKGF, era batizado como Croix-du-Sud (Cruzeiro do Sul) e realizava seu 25º voo cruzando o Atlântico. Sabe-se que menos de uma hora depois de sair de Dakar, a tripulação confirmou por rádio que estavam enfrentando um problema técnico com o motor traseiro direito e que retornavam, onde amerissaram sem alterações. Vários controles foram feitos nesse motor, sendo detectado um vazamento de óleo e se concluiu que aquela máquina deveria ser trocada. Como não havia um motor sobressalente disponível, a tripulação fez uma limpeza completa e decolou novamente de Dakar.

Outra imagem do Latécoère 300 que desapareceu com Jean Mermoz.

Quatro horas depois a estação de rádio recebeu uma mensagem curta em código Morse, onde foi informado que Mermoz teve de cortar a energia do motor traseiro esquerdo da aeronave. A mensagem foi interrompida abruptamente e nada mais foi recebido. Apesar das buscas realizadas, o hidroavião e os tripulantes desapareceram e nenhum vestígio foi encontrado!

O desaparecimento de Jean Mermoz é vivido na França como um desastre nacional. Certamente chocada com toda situação, Maryse decidiu batizar de Jean Mermoz seu pequeno Caudron Simoun, como uma homenagem ao seu amigo e grande aviador. Um jornal carioca informou que ela só batizou a aeronave após pedir permissão à mãe de Mermoz e a pintura com o nome do finado aviador teria ocorrido em Natal (Correio da Manhã, Rio, 13/01/1937, P. 3).

Pintura do nome de Jean Mermoz no avião de Maryse Bastié, que teria sido feito em Natal.

Apesar de toda expectativa, Maryse avança no seu intento. Em 19 de dezembro de 1936 ela chegou a Dakar e começou a preparar sua travessia.

Existe uma informação, proveniente de um documentário francês sobre Maryse Bastié, afirmando que quando estava tudo pronto para o voo, a aviadora ficou aguardando em Dakar a chegada de um hidroavião da Air France proveniente de Natal, cuja tripulação lhe transmitiu informações de última hora sobre as condições do tempo ao longo do grande trajeto. Qual foi esse hidroavião e quem eram seus tripulantes?

Bem, olhando os jornais da época, sabemos que naquela última semana de 1936 estiveram entre Natal e Dakar duas aeronaves. Uma foi o avião Farman F 2200, matrícula francesa F-AOXE, batizado como Ville de Montevideo e pilotado por Henri Guillaumet, sendo ele o único tripulante informado pelos jornais. Guillaumet foi um grande amigo de Jean Mermoz e com esse mesmo avião realizou várias buscas quando o famoso piloto sumiu no Atlântico Sul (Jornal Pequeno, Recife, 22/12/1936, P. 2). A segunda aeronave foi outro Farman F 2200, com a matrícula francesa F-AOXF, batizado como Ville de Mendoza, sendo pilotado por Fernand Rouchon, tendo como copiloto Henri Delaunay, navegador Léopold Gimié, radiotelegrafista Paul Comet e o mecânico Pichard (A Ordem, Natal, 23/12/1936, P. 3).

Não sabemos qual desses aviões chegou a Dakar, mas certamente os tripulantes transmitiram à aviadora francesa que o Atlântico Sul estava tranquilo, calmo e que ela iria ter uma travessia exitosa. Pois foi exatamente isso que aconteceu!

O Caudron Simoun C635, a simples e prática aeronave utilizada pela aviadora Maryse Bastié no seu trajeto entre Dakar a Natal.

Voo Tranquilo, Onde Comeu Alguns Damascos

Na manhã de 31 de dezembro de 1936 ela decolou o Caudron Simoun C635 prateado e com detalhes em vermelho. Afora a partida de Dakar, quando voou através de neblina e nuvens de tempestade, e na chegada ao Brasil, quando ventos fortes provocaram uma pequena alteração de rumo, o voo foi uma tranquilidade só.

Mesmo com esse desvio no final, Maryse completou o trajeto através do Atlântico Sul em doze horas e cinco minutos, tendo percorrido 3.173 quilômetros, a uma velocidade média de 264 quilômetros por hora. Para navegar no seu minúsculo avião Maryse Bastié contava apenas com uma bússola e ela foi uma hora mais rápida que o voo da bela aviadora Jean Batten, da Nova Zelândia, recordista anterior nessa travessia.

O avião original de Maryse Bastié.

Eram depois das quatro da tarde quando o Caudron Simoun C635 chegou em Natal, vindo do litoral norte e não da direção leste, do meio do Atlântico.

Ao sobrevoar a capital dos potiguares Maryse realizou algumas evoluções durante vários minutos (Correio da Manhã. Rio, 31/12/1936, P1). Mas ela não estava interessada em proporcionar aos natalenses um pequeno espetáculo das capacidades de sua aeronave. Provavelmente Maryse se apresentava para seus amigos da Air France, que tinham escritório no Bairro da Ribeira, na Avenida Tavares de Lira, número 32, mostrando que a travessia havia sido um sucesso.

Propaganda com o endereço da Air France em Natal.

Outra possibilidade para essas evoluções seria a busca visual da linha ferroviária da Great Western, que seguia em direção sul. Aquela referência era crucial para a localização do Campo dos Franceses, também conhecido como Campo de Parnamirim, e local do pouso. Vale lembrar que na primeira ocasião que Maryse veio a Natal ela desembarcou em um hidroavião no Rio Potengi e não em Parnamirim.

Situação similar já havia acontecido em 5 de julho de 1928, quando os italianos Arturo Ferrarin e Carlo Del Prete pretendiam realizar um voo direto de Roma até o Rio de Janeiro, mas só deu para chegar ao Rio Grande do Norte. Ao sobrevoarem Natal, os dois italianos viram as pessoas acenando nas ruas, mas devido ao tempo nublado eles não conseguiram localizar a linha do trem para o sul. Com o combustível acabando e o céu fechado, a dupla decidiu procurar um local para aterrissar seu belo avião Savoia-Marchetti S-64. Só encontraram um ponto adequado perto da então vila de pescadores de Touros, a 70 km ao norte de Natal, bem onde o litoral do Brasil faz uma curva de quase 90º.

Mas provavelmente para Maryse Bastié os círculos realizados com sua aeronave sobre Natal deram certo, pois ela viu o que precisava ver e desapareceu rumo ao sul.

Segundo um jornal recifense (Jornal Pequeno, 05/01/1937, P. 1), que tinha na pista do Campo de Parnamirim um correspondente chamado Dória Correia, a primeira coisa que Marysé Bastié fez após pousar foi perguntar se teria “batido o recorde de Jean Batten? “. Ao ser informada que sim, as pessoas presentes gritaram “vivas” a ela e a França. Ela estava eufórica e comentaram o extremo carinho que Maryse demonstrava pela sua aeronave. Pouco tempo depois, ainda no campo de pouso, foi aberta uma champagne para comemorar seu voo, o novo recorde e antecipar a festa de comemoração da passagem de ano. Lhe perguntaram se durante o grande trajeto ela se alimentou e a sua resposta foi “Seulement Quelques abricots” (Apenas alguns damascos).

Ao correspondente Dória ela afirmou que durante a finalização do voo, devido aos fortes ventos, ela desviou a rota entre 96 a 100 milhas para o norte, visualizando o primeiro ponto do litoral potiguar na altura do Cabo de São Roque, atualmente parte do município de Maxaranguape, 40 km ao norte de Natal. Essa situação causada pelo vento deve ter relação com as chuvas que caiam nos estados nordestinos naquele fim de 1936, pronunciando que o novo ano seria de boas chuvas. Por essa razão ela chegou à cidade vindo do litoral norte.

Maryse Bastié então passou onze dias na capital potiguar, aguardando novas ordens do Ministério do Ar da França e saber os desdobramentos sobre a sua viagem. Nessa espera, sabemos, mesmo sem maiores detalhes, que Maryse Bastié foi extremamente bem recebida e chegou a ir até as praias da cidade, onde se encantou com os coqueirais que existiam.  

Outra notícia que foi divulgada enquanto a aviadora se encontrava em terras potiguares foi que ela teria recebido ordens de “retornar a França” e que um “alto commerciante” de Natal compraria o avião.

Mas quem seria esse abonado natalense?

Bem, Manoel Machado e Fernando Pedroza (um grande amante da aviação), já tinham falecido anos antes e foram os homens daquele tempo que tinham muito dinheiro no Rio Grande do Norte. Não foi esclarecido pelos jornais quem poderia ser o nababo que pretensamente iria adquirir o Caudron Simoun C635. Pessoalmente acredito que no final das contas essa notícia era falsa. Nota especulativa para vender jornal. Um “fake”, como se diz hoje em dia.

Uma outra notícia, veiculada em um jornal carioca, mostra algo curioso e um tanto inusitado durante o período que Maryse Bastié ficou em Natal.

Quando alguns dias depois que ela desembarcou no Rio, os jornalistas notaram que seu capacete branco, no tradicional estilo colonial francês e muito utilizado naquela época pelos gauleses na África e na Ásia, se encontrava faltando um botão de metal grosso e estava cheio de buracos de balas de pequeno calibre, acompanhados de assinaturas e setas desenhadas marcando esses buracos. Evidentemente que essa situação chamou a atenção dos jornalistas cariocas, que lhe cobriram de perguntas. A resposta da aviadora foi que um dia os seus amigos da Air France em Natal resolveram utilizar seu capacete como alvo para “tiros de carabina”. Quem abria um buraco no chapéu fazia uma seta e assinava o nome, mostrando quem realizou o disparo. Como o chefe da Air France não acertou o alvo, arrancou o grosso botão que ficava no alto do capacete.

Apesar da ida às praias, da falsa notícia da venda do avião e do “tiro ao alvo no capacete”, olhando os jornais natalenses não encontramos maiores informações sobre a presença de Maryse Bastié na cidade. Isso pode caracterizar um extremo isolamento quando ela aqui esteve, talvez preocupada em se expor enquanto o governo de sua nação decidia o que fazer com ela e com o avião, em meio a um Brasil cheio de problemas políticos.

Não podemos esquecer que em 21 de março de 1936 o Presidente Getúlio Vargas havia assinado o Decreto nº 702, que colocou todo o país em “Estado de Guerra”, que conferia ao chefe de Estado poderes extraordinários, só concedidos em tempo de guerra, e que normalmente seriam prerrogativas do Legislativo. Inicialmente essa situação tinha vigência inicial de 90 dias, mas se estendeu até meados de junho de 1937.   

Autorização para o voo de Maryse Bastié, mas sem máquina fotográfica.

Certamente após acertos entre os diplomatas do seu país e o governo brasileiro, Maryse Bastié foi autorizada a seguir viagem. O governo tupiniquim liberou para que a aviadora francesa pudesse voar sobre nosso litoral, entre Natal e o Rio de Janeiro, realizando uma parada para reabastecimento e descanso em Caravelas, na Bahia, mas exigiu que ela não levasse nenhum “apparelho photographico”. E essa ordem veio diretamente do poderoso Ministério da Guerra, cujo ministro era o general Eurico Gaspar Dutra, futuro Presidente do Brasil.

Maryse Bastié no Rio.

Maryse Bastié deixou Natal em direção ao Rio no dia 11 de janeiro de 1937, decolando por volta das cinco e meia da manhã. As oito e quinze estava sobrevoando Recife e as onze e meia se encontrava sobre a cidade baiana de Caravelas, onde aterrissou e pernoitou. No dia 12, pelas seis da manhã ela decolou e seguiu direto para o Rio de Janeiro, pousando no mítico Campo dos Afonsos às nove e meia, onde foi festivamente recebida e passou vários dias na então Capital Federal.

O voo de Maryse Bastié no pequeno Caudron Simoun C635 foi um sucesso!

Maryse no Rio.

Memórias de Natal Junto Com o Deputado Dioclécio Duarte

Maryse Bastié retornou à França a bordo de uma aeronave da Air France, sendo triunfantemente recebida em casa. Ainda em 1937 ela recebeu do governo do seu país o grau de “Oficial da Legião de Honra”. Pelo governo brasileiro a aviadora recebeu a Ordem do Cruzeiro do Sul, a maior honraria concedida pelo nosso país. Maryse recebeu a medalha brasileira na antiga sede da Embaixada do Brasil na França, na Avenue Montaigne, 45, das mãos do embaixador Luiz Martins de Souza Dantas. O mesmo Souza Dantas que se notabilizaria tempos depois, durante a Segunda Guerra, por ter concedido centenas de vistos diplomáticos que salvaram a vida de inúmeros fugitivos dos nazistas, principalmente judeus, mesmo contrariando ordens do Governo Brasileiro.   

O colar que Maryse Bastie utiliza, com uma grande estrela, é a Ordem do Cruzeiro do Sul, que essa aviadora fazia questão de utilizar.

Mas voltando a Maryse Bastié, a simpática piloto não se acomodou no seu retorno à França. Logo conseguiu do governo do seu país o apoio para realizar, entre novembro de 1937 até março de 1938, uma turnê de palestras em vários países da América do Sul, utilizando um avião como meio de transporte.

Existe a informação que ela quis realizar esses voos com o mesmo avião com que conseguiu atravessar o Atlântico Sul, mas apuramos que esse valente aviãozinho deixou Natal em uma data indeterminada e seguiu provavelmente para o Rio de Janeiro, onde ficava a sede da Air France no Brasil e a Embaixada da França. De lá, por razões desconhecidas, seguiu para Montevidéu, capital do Uruguai. Consta que Maryse Bastié foi atrás da aeronave em um aeroporto uruguaio, mas o encontrou bastante deteriorado, sem condições de utilização e daí fez uso de outro avião. 

Após o seu retorno à França, as nuvens negras da Segunda Guerra Mundial surgiram no horizonte e em 1 de setembro de 1939 o conflito teve início.

Nazistas em Paris.

Maryse e outras três mulheres pilotos foram voluntárias da Força Aérea Francesa, realizando voos para levar aviões para a frente de combate, mas sem reconhecimento oficial. Somente oito meses depois, em 27 de maio de 1940, foi quando surgiu um decreto que autorizou a criação de um corpo feminino de pilotos auxiliares e Maryse recebeu a patente de segundo tenente. Mas a sua designação hierárquica na força aérea do seu país teve vida muito efêmera, pois menos de um mês depois, em 22 de junho, a França se rendeu oficialmente a Alemanha Nazista.

Na sequência Maryse ofereceu seus serviços à Cruz Vermelha, em particular aos prisioneiros franceses agrupados no Campo de Deportação de Drancy, um infame campo de concentração temporário a poucos quilômetros ao norte de Paris. Junto com suas atividades na Cruz Vermelha, ela coletava informações das atividades dos inimigos para a Resistência Francesa que lutava contra a ocupação nazista. Ainda em Drancy, em uma ocasião que um trem partiu para a Alemanha, ela é brutalmente empurrada por uma sentinela inimiga e fratura o cotovelo direito, que lhe deixou com uma deficiência permanente e Maryse não conseguiu mais pilotar.

Libertação de Paris pelas forças Aliadas.

Após a libertação de Paris em 1944, ela se juntou ao Corpo Auxiliar Feminino da Força Aérea e voltou a ocupar o posto de tenente. Em 1947 tornou-se a primeira mulher a receber o posto de Comandante da Legião de Honra e a partir de 1951, ela trabalhou para o departamento de relações públicas de um centro de voo de testes.

No sábado, 28 de junho de 1952, Maryse Bastié se reencontrou com o Brasil e, através da presença de um natalense ilustre, certamente com as memórias da sua visita a Natal e ao Rio Grande do Norte.

Nessa data, segundo uma reportagem publicada na revista O Cruzeiro (edição 09/08/1954, P. 61 a 63) ocorreram em Paris vários eventos que celebravam a figura do brasileiro Alberto Santos Dumont. Entre os eventos houve um jantar no restaurante La Coupole, no bairro de Montparnasse, um local fundado em 1927, muito popular na capital francesa e até hoje em funcionamento. O jantar foi organizado pelo governo francês e contou com a ilustre presença de Vicent Auriol, então Presidente da França, além de vários ministros, muitas autoridades e celebridades, entre elas a aviadora Maryse Bastié.

Da parte do Brasil muitas autoridades estavam presentes, entre eles o brigadeiro Nero Moura, então Ministro da Aeronáutica. Outro que estava lá era o deputado federal pelo Rio Grande do Norte Dioclécio Dantas Duarte, do Partido Social Democrático (PSD), que inclusive foi condecorado pelo Presidente Vicent Auriol com a Ordem Nacional da Legião de Honra da França.

Então, entre as fotos publicadas pela revista O Cruzeiro, vemos Maryse Bastié em um animado papo com o deputado Dioclécio Duarte, que era fluente em francês (além de inglês, alemão e italiano). A aviadora trazia ao pescoço a sua Medalha da Ordem do Cruzeiro do Sul.

Sobre o que falaram? Não sei! Mas provavelmente lembraram a passagem de Maryse por Natal entre o final de 1936 e o início de 1937, quando aqui ficou onze dias. Talvez o deputado tenha comentado como Natal havia mudado depois da presença das tropas americanas durante a Segunda Guerra, ou outros temas quaisquer. Talvez tenha sido uma noite com ótimos e interessantes momentos de memórias e recordações!

Apenas oito dias depois desse encontro, Maryse Bastié morreu carbonizada em um trágico acidente aéreo.

Ela que já havia voado milhares de quilômetros sem acidentes graves, perdeu a vida em 6 de julho de 1952, aos 54 anos, em voo no aeroporto de Lyon-Bron. Ela morreu após a queda de uma aeronave de transporte de dois motores Nord 2501 Noratlas, da Força Aérea Francesa. O avião caiu de uma altura de cerca de 200 metros e toda a tripulação de cinco pessoas também pereceu.

A famosa aviadora foi enterrada em Paris, no Cemitério de Montparnasse, onde seu túmulo permanece até hoje. Na França, muitas escolas – por exemplo, em sua cidade natal Limoges, levam o nome de Maryse Bastié. Em 1955 ela foi homenageada com seu retrato em um selo postal francês.

Natal não esqueceu de Maryse Bastié. Em janeiro de 1972 o engenheiro Ubiratan Pereira Galvão, então Prefeito de Natal, acatando um pedido do vereador Antônio Félix, que na época era o Presidente da Câmara de Vereadores de Natal, solicitou que uma rua ainda pouco habitada do bairro de Lagoa Nova se chamasse Maryse Bastié. E assim foi feito. Atualmente essa é uma das principais artérias desse bairro, um dos mais valorizados da capital potiguar.

CLAUS VON STAUFFENBERG – O HOMEM QUE TENTOU MATAR HITLER

Enfurecido com o atentado contra sua vida, Hitler insistiu que o próprio nome ‘Stauffenberg’ fosse apagado da história.

Autor – Nigel Jones – https://www.historynet.com/claus-von-stauffenberg-the-man-who-tried-to-kill-hitler/

Em 20 de julho de 1944, a família Stauffenberg estava reunida, como havia feito tantos verões antes, em sua casa de campo, conhecido como Schloss Stauffenberg (Castelo Stauffenberg), na aldeia de Lautlingen, nos ondulantes Alpes Suábios do sul da Alemanha, a nordeste da cidade de Bamberg. 

Com a Segunda Guerra Mundial em seu quinto ano e tomando um rumo cada vez mais ameaçador para a Alemanha Nazista, a maioria dos membros adultos do sexo masculino do clã católico aristocrático dos Stauffenbergs — os gêmeos Alexander e Berthold, e seu brilhante irmão mais novo Claus — estavam ausentes. 

Presidindo a casa de seis crianças turbulentas estavam a esposa de Claus, Nina; a avó das crianças, Caroline, e sua tia-avó Alexandrine; e seu tio-avô Nikolaus Üxküll, conhecido por todos como “Tio Nux”. Só ele sabia que suas vidas estavam prestes a ser destruídas.

“A essa altura, a guerra estava se aproximando desconfortavelmente”, lembrou o filho mais velho de Claus, Berthold, em uma entrevista recente – o que tornou a fuga de sua casa, a cerca de 130 milhas (210 quilômetros) de Bamberg, especialmente bem-vinda. 

“Mesmo naquele remanso provincial havia constantes ataques aéreos e alarmes de ataque, e eu tive que fazer meus exames escolares em um abrigo subterrâneo. Os contínuos serviços memoriais para aqueles que haviam caído no front – no qual muitas vezes servi como coroinha católico – foram outra lembrança sombria da guerra. No entanto, o controle nazista ainda era absoluto. Fomos alimentados com uma dieta constante de propaganda prometendo-nos Endsieg, ou ‘vitória final’, na imprensa e rádio controladas pelo Estado, que eu naturalmente acreditei.”

Trompetistas da fanfarra da Deutsches Jungvolk em um comício nazista na cidade de Worms em 1933 – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Deutsches_Jungvolk#/media/File:Bundesarchiv_Bild_133-151,_Worms,_Fanfarenkorps_des_Jungvolkes.jpg.

Nessa época Berthold era um entusiasmado jovem nazista de 10 anos de idade, que ficou amargamente desapontado por ser apenas três dias mais jovem para se juntar naquele ano aos Deutsches Jungvolk, o ramo júnior da patética Juventude Hitlerista, ou Hitlerjugend. “Meu maior desejo era marchar por Bamberg carregando uma bandeira nazista à frente de um desfile de jovens”, disse. “Felizmente, minha mãe, que, sem que eu soubesse, compartilhava as opiniões antinazistas de meu pai, impediu isso.”

O pai de Berthold, Claus Philipp Maria Schenk Graf von Stauffenberg, Conde von Stauffenberg — um homem religioso com inclinação filosófica, um cavaleiro talentoso e um amante da poesia — estava prestes a se tornar mundialmente famoso por essas visões antinazistas. 

Foto do Coronel Claus von Stauffenberg, conspirador do atentado a Hitler, em 20 julho 1944 – Fonte – https://www.defesanet.com.br/ghbr/noticia/26076/EDITORIAL—Sindrome-von-Stauffenberg/

Mais ou menos ao mesmo tempo em que sua família estava sentada para almoçar em Lautlingen naquele sufocante dia de julho, Stauffenberg estava colocando uma bomba, escondida dentro de sua maleta, sob uma mesa de conferência em Wolfschanze (“Covil do Lobo”), o quartel-general de Hitler na Prússia Oriental, em uma tentativa de assassinar o Führer (líder) e derrubar seu regime. 

Stauffenberg estava a um passo de atingir seu objetivo quando a bomba explodiu aproximadamente às 12h40, demolindo a sala e matando três oficiais e um secretário. Mas Hitler foi apenas ferido – e foi a família Stauffenberg que foi dilacerada após a tentativa de golpe.

CRIANÇA DO NAZISMO

Foto de von Stauffenberg antes dos seus ferimentos – Fonte – dw.com

O jovem Berthold não via muito seu pai desde o início da guerra. O coronel von Stauffenberg, de 36 anos, era um soldado de carreira popular e capaz, escolhido por seus superiores para um futuro brilhante. Ele havia servido como oficial de estado-maior na conquista da Polônia em 1939, na invasão da França em 1940 e na campanha contra a Rússia em 1941.

Inicialmente Stauffenberg deu ao regime de Hitler do pré-guerra o benefício da dúvida. Mas de 1942 em diante, isso mudou drasticamente. Enjoado pelo assassinato em massa de judeus e o tratamento de populações civis na frente oriental, e pelo apetite insaciável de Hitler pela guerra e sua incompetência militar imprudente, Stauffenberg juntou-se a outros oficiais na conspiração ativa contra o domínio nazista.

No início de 1943, Stauffenberg foi enviado para a Tunísia como oficial sênior da 10ª Divisão Panzer para os últimos dias da campanha norte-africana. O outrora alardeado Afrika Korps do general Erwin Rommel estava agora encurralado contra o mar pelos americanos e britânicos. 

A luta foi intensa e em abril Stauffenberg foi gravemente ferido quando um avião americano metralhou seu carro-chefe do tipo Horch 108. Um oficial no banco de trás foi morto e Stauffenberg, cujo corpo foi atingido por estilhaços, perdeu o olho esquerdo, a mão direita e dois dedos da mão esquerda. 

Evacuado para Munique, surpreendeu os médicos com a rapidez de sua recuperação. Em semanas ele aprendeu a se vestir usando os dentes e os três dedos restantes.

No verão de 1943, Stauffenberg se juntou à família em Lautlingen para uma convalescença prolongada. Assim que ele voltou às suas funções naquele outono, a conspiração ganhou impulso quando seus colegas de complô o colocaram em um cargo de estado-maior no Ersatzheer, ou Exército de Substituição, com sede em Berlim. Lá, ele dirigiu revisões às ordens de mobilização do Exército de Substituição, codinome “Valquíria”, como cobertura para um golpe militar que usaria suas tropas para derrubar o regime na confusão após o assassinato bem-sucedido de Hitler.

DECIDI MATAR HITLER

A decisão de derrubar Hitler pesou muito sobre Stauffenberg. Ele comentou a um parente em meados de 1943 se “era certo sacrificar a salvação da própria alma se assim pudesse salvar milhares de vidas?”

Hitler no juramento da SS no Congresso do Partido do Reich – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Ele concluiu que não era apenas certo, mas imperativo. Na mesma época, ele disse a várias pessoas, incluindo Margarethe von Oven, uma secretária do Exército de Substituição que digitou as ordens que redigiu, que estava conscientemente “cometendo alta traição”. Ele acrescentou que, diante de um regime tão perverso, ele teve que escolher entre ação e inação, e como um cristão ativo só poderia haver uma decisão.

Em junho de 1944, Stauffenberg foi nomeado chefe do Estado-Maior do Exército de Substituição. Este era um posto-chave, dando-lhe acesso regular a Hitler nas conferências militares. 

Um exemplo da derrota dos alemães na Segunda Guerra – Militar alemão detido por brasileiros da FEB na Itália – Fonte Arquivo Nacional.

À medida que a situação militar da Alemanha piorava constantemente, Stauffenberg trabalhou para aperfeiçoar a trama e derrubar o regime a tempo de impedir uma invasão soviética da Alemanha. Capaz, enérgico e carismático, ele se tornou a cabeça, o coração e a mão orientadora da conspiração.

Berthold viu seu pai apenas três vezes depois que ele se juntou ao Exército de Substituição: por dois dias no Natal de 1943; em janeiro, no funeral do avô materno de Berthold; e por uma semana de licença em junho de 1944, que coincidiu com a invasão aliada da Normandia.

Apesar da posição cada vez mais precária da Alemanha, Berthold manteve sua crença infantil na vitória final – depositando sua fé nas bombas voadoras V-1 e nos foguetes V-2 projetados por Wernher von Braun e chovendo sobre a Grã-Bretanha mesmo quando os exércitos aliados se aproximavam da Alemanha.

Nina e Claus, a Condessa e o Conde von Stauffenberg – Fonte – https://www3.livrariacultura.com.br/claus-und-nina-von-stauffenberg-2012374110/p

“Naturalmente”, Berthold lembrou recentemente, “eu não tinha a menor ideia do que meu pai estava planejando e preparando, nem sabia o quanto minha mãe sabia de seus pontos de vista”. Por razões de segurança, nem ela nem ninguém da família, exceto o tio Nux e um irmão de Stauffenberg que participava da trama — estavam cientes dos planos precisos de Stauffenberg para matar Hitler. 

Mas a Condessa Nina von Stauffenberg sabia e compartilhava o desgosto de seu marido com o regime nazista cada vez mais criminoso, e teve que esconder cuidadosamente suas opiniões. “Os jornais estavam cheios do terrível destino daqueles que ouviam estações de rádio estrangeiras, negociavam no mercado negro ou espalhavam rumores derrotistas”, disse Berthold. “Esses casos geralmente terminavam em sentença de morte.”

LOTE DE BOMBA

Em meados de 1944, a situação parecia cada vez mais sombria e, em meados de julho, Stauffenberg estava a caminho de Wolfschanze. Em sua maleta ele carregava uma bomba composta de alto explosivo de plástico, que ele havia decidido – apesar de seus ferimentos incapacitantes – preparar e detonar na primeira oportunidade. 

Stauffenberg (à esquerda) em Rastenburg em 15 de julho de 1944. No centro Adolf Hitler. Stauffenberg já levava as bombas consigo. Mas decidiu não detoná-las naquele momento. Fonte – https://pt.wikipedia.org/wiki/Claus_Schenk_Graf_von_Stauffenberg#/media/Ficheiro:Bundesarchiv_Bild_146-1984-079-02,_F%C3%BChrerhauptquartier,_Stauffenberg,_Hitler,_Keitel.jpg.

Apenas seus confederados mais próximos na conspiração sabiam disso. Ele havia pedido a Nina que atrasasse sua partida para Lautlingen para que ele pudesse falar com ela primeiro, provavelmente pela última vez. Mas ele não pôde revelar o motivo, e ela já havia providenciado a viagem, então, em 18 de julho, ela e as crianças partiram de Bamberg para Lautlingen.

Houve uma grande reunião naquele verão na antiga sede da família, onde Claus e seus irmãos passaram férias idílicas na infância antes da Primeira Guerra Mundial. Em 1944 foi a vez dos quatro filhos de Claus — Berthold e seus três irmãos mais novos: os irmãos Heimaren e Franz-Ludwig, de oito e seis anos, e a irmã Valerie, de três anos — aproveitavam o espaço do Schloss Stauffenberg, junto com seus primos e tios.

O filho mais velho de Claus recordou, com clareza precisa, como soube do evento que destruiu a vida de sua família. “Em 21 de julho, ouvi uma reportagem de rádio sobre um ataque criminoso ao Führer”, disse Berthold. “Mas minhas perguntas sobre isso foram evitadas, e os adultos tentaram manter eu e meu próximo irmão mais novo, Heimaren, longe do rádio.

“Em vez disso, nós, crianças, fomos levados para uma longa caminhada pelo campo por nosso tio-avô Nux – um ex-oficial do Estado-Maior do Exército Imperial Austríaco – que nos manteve entretidos com histórias de suas aventuras juvenis como caçador de grandes animais na África”, disse Berthold. 

“Naturalmente, nenhum de nós sabia que ele também era membro da conspiração contra Hitler. Hoje, ainda me pergunto quais pensamentos passaram pela cabeça dele durante aquela caminhada”. Tio Nux seria julgado e enforcado algumas semanas depois por sua participação na trama.

Local do atentado contra Hitler em 20 de julho de 1944, onde estiveram no local Martin Bormann e Hermann Göring, grandes líderes nazistas – Fonte – Bundesarchiv Bild

No dia seguinte Nina chamou seus dois filhos mais velhos de lado e gentilmente disse a eles que era o pai deles que havia tentado assassinar Hitler. Ela também revelou que Claus havia sido executado por um pelotão de fuzilamento no final do mesmo dia, após o fracasso de suas tentativas desesperadas de lançar o golpe Valkyrie na sequência do atentado. 

Por fim, como se tudo isso não bastasse, ela disse aos meninos que estava esperando seu quinto filho.

“Nosso mundo se separou de uma vez”, disse Berthold. “Quando perguntei perplexo por que meu pai queria matar o Führer, minha mãe respondeu que ele acreditava que tinha que fazer isso pelo bem da Alemanha.

“A notícia do ataque a bomba veio como um raio. Não apenas amávamos nosso pai sempre alegre acima de todas as coisas; ele também era a autoridade absoluta sobre nossas vidas — mesmo que muitas vezes estivesse ausente como soldado. O choque foi tão profundo que acredito ter sido incapaz de pensar com clareza em qualquer coisa desde aquele momento até o fim da guerra. Na verdade, não havia tempo para pensar, porque a partir de então os golpes começaram a cair sobre nós com força e rapidez.”

PUNINDO A FAMÍLIA STAUFFENBERG

Naquela noite a Gestapo, abreviatura de Geheime Staatspolizei (Polícia Secreta do Estado), prendeu Nina e tio Nux e os levou para Berlim. Na noite seguinte, a mãe idosa de Claus e a tia Alexandrine, uma funcionária da Cruz Vermelha Alemã, foram presas. 

Os nazistas estavam executando o brutal decreto Sippenhaft (“detenção de parentes”), segundo o qual não apenas os conspiradores, mas toda a sua família, crianças e idosos incluídos, deveriam ser presos e punidos. No momento, as crianças, confusas e com medo, permaneceram em Lautlingen sob os cuidados de uma babá e da governanta de sua avó – e sob o olhar atento de dois funcionários da Gestapo alojados na casa.

Outra visão do local do atentado – Fonte – https://www.dw.com/en/remembering-the-german-resistance/a-49630374

“Isolados como estávamos – até mesmo de nossos companheiros na aldeia – nos sentíamos como párias da sociedade”, lembrou Berthold. “Nunca vou esquecer esse sentimento. A única pessoa que pudemos ver foi o padre da aldeia, que nos deu sua bênção e nos avisou que tempos difíceis poderiam vir para nós. No entanto, ele nos disse acima de tudo para nunca esquecermos a razão da morte do nosso pai. Só hoje percebo como foi corajoso da parte dele dizer isso.”

Em 17 de agosto de 1944, os quatro filhos de Claus von Stauffenberg e dois sobrinhos foram retirados de sua casa e colocados em um trem. O destino deles era Bad Sachsa, um orfanato nazista perto de Nordhausen, situado entre as montanhas Harz, na parte central da Alemanha. Aqui eles foram separados de acordo com sua idade e sexo e alojados em chalés. Nas semanas seguintes, os filhos de outros conspiradores se juntaram a eles. 

Uma das casas do orfanato de Bad Sachsa na época da Segunda Guerra – Fonte – https://de.wikipedia.org/wiki/Kinderheim_im_Borntal#/media/Datei:Kinderheim_Borntal_Bad_Sachsa-1003047_cropped.jpg

Berthold foi mantido em um chalé com cerca de nove outros meninos mais ou menos de sua idade. Seu confinamento não foi rigoroso. Apesar da diretora da casa, Fraulein Kohler, fosse uma nazista rígida e autoritária que ostentava orgulhosamente seu distintivo do partido, sua vice, Fraulein Verch, e os outros funcionários tratavam os filhos dos “traidores” com gentileza. Ao contrário de muitos outros alemães nos dias finais da guerra, eles foram bem alimentados, embora esparsamente,

“Nossa maior privação foi não ter notícias do mundo exterior”, disse Berthold. “Não havia rádio nem jornais e até o Natal de 1944 não tínhamos ideia se nossa mãe estava viva ou morta”. Durante o Natal, no entanto, um presente surpresa surgiu de forma inesperada e que eles não ousaram esperar: uma visita inesperada de sua tia Melitta, a esposa do irmão de Claus, Alexandre, que – em parte porque ele foi enviado para a Grécia ocupada e em parte por causa de sua natureza sonhadora e não mundana — não tinha sido informado da trama por seus dois irmãos.

QUEBRANDO AS REGRAS

Melitta Schenk Gräfin von Stauffenberg forjou uma carreira de sucesso como projetista de aeronaves e piloto de testes na Luftwaffe, alcançando o posto de Flugkapitän (capitão de voo) e recebendo a Cruz de Ferro. Seus talentos eram tão extraordinários – ela se especializou em bombardeiros de mergulho e fez mais de 2.000 voos de teste – que os nazistas ignoraram voluntariamente tanto seu gênero quanto sua herança judaica. 

Embora tivesse sido presa junto com Alexander sob o decreto de Sippenhaft, Melitta, com incrível ousadia, não apenas persuadiu os nazistas a libertá-la, mas também insistiu, como o preço de seu trabalho contínuo como piloto de testes, que ela fosse autorizada a visitar o marido, a cunhada Nina e os filhos. Surpreendentemente, os nazistas concordam com esses termos.

Melitta von Stauffenberg na cabine de um bombardeio de mergulho Junkers Ju 87 Stuka – Fonte – https://www.passionmilitaria.com/t40416-melitta-comptesse-von-stauffenberg-arien-d-honneur-et-ekii

Como resultado, ela chegou em Bad Sachsa no Natal com muitos presentes e a notícia de que Nina, embora detida, ainda estava viva. “Esse foi o melhor presente de Natal que poderíamos ter desejado”, lembrou Berthold. 

Um mês depois, a simpática Fräulein Verch disse às crianças que sua mãe havia dado à luz uma filha. Ela nasceu no mesmo dia, 27 de janeiro de 1945, em que o Exército Vermelho ocupou tanto Auschwitz quanto o quartel-general de Hitler em Wolfschanze — a cena do bombardeio abortado de Stauffenberg.

VINDO PARA BUCHENWALD

Mesmo quando a guerra se aproximava do fim, no entanto, as perspectivas para as crianças eram sombrias. 

Enfurecido com o atentado contra sua vida, Hitler insistiu que o próprio nome “Stauffenberg” fosse apagado da história. A decisão foi tomada para renomear as crianças “Meister” e adotá-las por uma família nazista leal – possivelmente até mesmo pertencentes as temidas SS – abreviatura de Schutzstaffel (tropas de assalto) – para serem criadas de acordo com o regime nazista. 

O primeiro passo foi removê-los de seus alojamentos relativamente confortáveis ​​em Bad Sachsa e enviá-los para o notório campo de concentração de Buchenwald, no leste da Alemanha. Apenas uma reviravolta milagrosa do destino impediu isso.

As crianças Stauffenberg partiram para Buchenwald na Páscoa de 1945, viajando em um caminhão do exército para a estação ferroviária da cidade de Nordhausen para embarcar em um trem para o campo. Eles estavam nos subúrbios da cidade quando um ataque aéreo aliado atingiu a cidade. “Destruiu todo o bairro ao redor da estação, incluindo a própria estação”, lembrou Berthold. “Os nazistas não tiveram outra opção a não ser nos levar de volta a Bad Sachsa, para nosso alívio.”

Poucos dias depois, em 11 de abril, a 104ª Divisão de Infantaria americana, conhecida como “Divisão Timberwolf”, chegou a Nordhausen. Mas a resistência alemã nas colinas e bosques ao redor da cidade era teimosa, e o Exército dos Estados Unidos teve que ameaçar destruir as partes da cidade que ainda estavam de pé antes que seus moradores se rendessem. “Tínhamos uma visão de arquibancada dos combates, com aviões P-51 Mustangs e P-38 Lightnings dos americanos rugindo no céu”, lembrou Berthold. 

Um tanque americano M-4 Sherman passa ao lado de um Panzer  tanque Tiger I na cidade alemã de Nordhausen em 1945 – Fonte – https://warfarehistorynetwork.com/article/the-liberation-of-nordhausen-concentration-camp/

“A vez que a guerra chegou perto demais para o nosso conforto foi quando o canteiro de morangos do jardim do chalé foi atingido por balas”. Soldados americanos revistaram o chalé e depois o prefeito de Nordhausen chegou para dizer a seus ocupantes que eles estavam livres. Embora duas enfermeiras tenham ficado para trás para cuidar das crianças, elas foram deixadas em grande parte sozinhas, por conta própria, e passaram o tempo vagando pela floresta local em busca de munição gasta e outros despojos de guerra.

REUNIDOS

Então, como num passe de mágica, outra tia veio em socorro dos pequenos Stauffenbergs. 

Em 11 de junho, a tia-avó das crianças, Alexandrine, chegou em um ônibus da Cruz Vermelha. Ela tinha vindo para levá-los para casa em Lautlingen, onde seu mundo havia desmoronado quase um ano antes. 

De volta a Lautlingen, Berthold e seus irmãos lamentaram a morte de seu pai, seu tio Berthold e seu tio-avô Nux – todos executados pelos nazistas – e de sua avó materna, que sucumbiu ao tifo em um campo de prisioneiros da SS. 

Avião Bücker Bü 181 Bestmann – Fonte – https://es.wikipedia.org/

Sua corajosa tia Melitta também havia morrido. Nos últimos dias da guerra, quando pilotava um avião Bücker Bü 181 Bestmann, uma aeronave de treinamento desarmada, foi metralhado por um caça americano. Embora ela tenha conseguido pousar, sua perna foi cortada e ela sangrou até a morte. Pior ainda para as crianças, sua mãe estava desaparecida.

Dentro de alguns dias, no entanto, a Condessa Nina também chegou milagrosamente a Lautlingen – embalando sua nova filha Konstanze. Ela preencheu a história dos meses perdidos: após sua prisão, ela foi levada para a sede da Gestapo em Berlim e intensamente interrogada sobre seu marido. De lá, ela foi transferida para o campo de concentração feminino em Ravensbrück e, mais tarde, para uma maternidade para dar à luz; então mãe e bebê foram evacuados às pressas de trem à frente do avanço do Exército Vermelho. Eles pegaram uma infecção no trem superlotado e foram tratados em um hospital em Potsdam antes de serem confiados a um único policial. “Ele deveria levá-los para Schonberg, onde outros prisioneiros de Sippenhaft foram mantidos, mas a guerra estava quase acabando e seu único desejo era voltar para casa”, disse Berthold. “Antes de abandoná-los ao seu destino, ele pediu para minha mãe escrever um certificado dizendo que ele havia cumprido seu dever na medida do possível – tão alemão!” 

Deixados perto da cidade de Hof, Nina e o bebê Konstanze se tornaram os primeiros prisioneiros de Sippenhaft a serem libertados pelo Exército dos Estados Unidos.

Nina Schenk, Condessa von Staufenberg e seus filhos – Fonte – http://prosimetron.blogspot.com/2008/08/nina-schenk-condessa-de-stauffenberg.html

“Não que alguém se sentisse muito livre no estado devastado que era a Alemanha”, disse Berthold. A casa em Lautlingen tornou-se um santuário para os aldeões assustados depois que as tropas marroquinas francesas que ocupavam a aldeia enlouqueceram, saquearam e estupraram. Os refugiados na casa também incluíam brevemente as famílias dos funcionários da Gestapo que haviam sido alojados lá. 

Na estação ferroviária, Berthold assistiu aos infelizes remanescentes do Exército Vlasov – uma força de renegados russos que havia lutado ao lado dos alemães contra seus compatriotas comunistas e que, ironicamente, seu pai havia ajudado a criar e equipar – sendo arrebanhados em trens para repatriação forçada “às ternas misericórdias de Stalin”.

JUNTANDO AS PEÇAS

Finalmente, porém, os Stauffenbergs sobreviventes começaram a juntar os cacos de suas vidas. 

O processo de recuperação foi longo. Sua casa em Bamberg, por exemplo – que havia sido usada pelo Corpo de Inteligência dos Estados Unidos e estava muito danificada – não foi devolvida a eles até 1953, e eles tiveram que travar uma longa batalha legal para recuperar grande parte da propriedade da família.

Cerimônia em memória ao coronel Claus von Stauffenberg no local do seu fuzilamento em Berlin em 2019, com a presença da então chanceler alemã Angela Merkel. Stauffenberg é o único militar alemão que atuou na Segunda Guerra a receber homenagens oficiais do governo da República Federal da Alemanha – Fonte – https://www.dw.com/en/germany-merkel-commemorates-hitler-assassination-plot-75-years-after-operation-valkyrie/a-49660510

Berthold eventualmente escolheu seguir os passos de seu pai, tornando-se um soldado na Bundeswehr, o novo exército da Alemanha Ocidental. Mas as circunstâncias ditaram uma carreira militar muito diferente da de seu pai. O major-general Berthold Schenk, atual Conde von Stauffenberg, agora com 74 anos, passou a maior parte de seus anos de serviço na Guerra Fria, preparando-se para outra guerra contra a União Soviética que nunca aconteceu, e nunca ouviu um tiro disparado de raiva. Berthold foi para a reserva em 1994.

Inevitavelmente, porém, ele viveu sua vida sob a longa sombra de seu pai. “Nos meus primeiros dias no exército, quando havia muitos oficiais superiores que conheciam meu pai, sempre me perguntavam: “Você é filho do Conde von Stauffenberg?”

“O que, afinal, se pode responder a essa pergunta? Estou orgulhoso dele, é claro, pois o que ele fez foi um dever moral. Gosto de pensar que eu, e toda a minha família também, teríamos feito o mesmo”.

A ESPIONAGEM EM NATAL E PARNAMIRIM FIELD NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL – O CASO DO ENGENHEIRO PERNAMBUCANO QUE TRABALHOU PARA OS NAZISTAS

Rostand Medeiros – Escritor e membro do IHGRN

Muitos hoje desconhecem a importância estratégica do Brasil durante o maior conflito bélico da humanidade. Além de grande fornecedor de matérias primas e materiais de alto valor estratégico o Brasil possuía alguns locais de extrema importância geográfica para uso da aviação e das forças navais, caso principalmente de Natal e Recife. 

Não é surpresa que antes mesmo da entrada do Brasil na conflagração, os nazistas já tinham olhos postos e muito atentos sobre o território nacional. Foi o Abwehr, uma organização de inteligência militar alemã que existiu entre 1920 a 1945, que cumpriu esta missão. O objetivo inicial da Abwehr era a defesa contra a espionagem estrangeira – um papel organizacional que mais tarde evoluiu consideravelmente, principalmente após a ascensão dos nazistas ao poder em 1933. Esta organização sempre esteve muito próxima ao Comando Supremo das Forças Armadas (Oberkommando der Wehrmacht – OKW) e do próprio Adolf Hitler, com seu quartel general em Berlim, adjacente aos escritórios do OKW.

Vice-almirante Wilhem Canaris, chefe do Abwehr.

Quem comandou por nove anos a Abwehr foi o vice-almirante Wilhem Franz Canaris. Considerado até os dias atuais como uma verdadeira lenda e um dos indivíduos mais interessantes e misteriosos da história da Segunda Guerra Mundial. Canaris nasceu em 1 de janeiro de 1887 em Aplerbek, Alemanha.

Jovem ainda começou a carreira naval e tornou-se oficial da Marinha. Era considerado como um homem inteligente, dinâmico, que havia viajado muito e conhecia seis línguas, inclusive o português. Foi comandante de submarinos na Primeira Guerra Mundial e, apesar da rivalidade entre as duas nações, tinha grande respeito pela Marinha Real da Grã-Bretanha, a Royal Navy.

Sob a direção de Canaris a Abwehr se tornou uma vasta organização de informações que incluía uma grande rede de espionagem em numerosos países estrangeiros, utilizando extensamente as missões diplomáticas alemãs. Essa rede foi primeiramente organizada em países que eram considerados os prováveis adversários da Alemanha do novo conflito que surgia no horizonte, principalmente a Grã-Bretanha. Depois a rede foi implantada em locais de forte significação estratégica no Hemisfério Ocidental.

A grande base de Parnamirim Field durante a Segunda Guerra Mundial.

Apesar do maior país da América do Sul ser considerado pela Alemanha nazista um país amigo do ponto de vista político, logo que a Guerra iniciou em 1939 o Abwehr  agiu para organizar um amplo serviço de informações em nosso país[1].

Suástica Sobre o Brasil

A espionagem alemã no Brasil esteve principalmente sob o comando de Albrecht Gustav Engels, um engenheiro que vivia no Brasil desde 1923, fugindo da crise que se abateu no seu país após a Primeira Guerra Mundial. Aqui Engels trabalhou na empresa Siemens, na Companhia Siderúrgica Brasileira e depois foi gerente da Companhia Sul-americana de Eletricidade em Belo Horizonte, sucursal da empresa alemã Allgemeine-Elektrizitäts Gesellschaft (AEG), onde alcançaria cargo de direção na América do Sul. Casou com a alemã Klara Pickardt em 1927, onde nasceu seu único filho e três anos depois se mudou para o Rio de Janeiro, a então Capital Federal.

Antes do início da guerra Engels foi com a família para três meses de férias a Alemanha e outros países europeus. Nesta viagem reencontrou em Gênova, cidade portuária italiana, um velho amigo chamado Jobst Raven, então capitão da Wehrmacht, o exército alemão, e que trabalhava na seção econômica do Abwehr. Deste contato Engels se tornou espião e passou a enviar inúmeros relatórios sobre a situação econômica, industrial e militar dos países sul-americanos e Estados Unidos. Com o início da Guerra este trabalho se ampliou bastante.

Engels (cujo codinome era “Alfredo”), com a colaboração de importantes membros da colônia alemã, que tinham cargos chaves em fortes empresas comerciais no país, começou a recrutar alemães natos, ou nascidos no Brasil, e estabeleceu se grupo de espionagem.

A organização de Engels não foi a única que operava no país, mas foi a maior e mais bem organizada. Esta rede de espionagem buscava informações variadas sobre o país, incluindo aspectos da política interna, sobre pontos estratégicos, a geografia litorânea e sobre a movimentação dos transportes. Para enviar suas informações a Abwehr sem serem descobertos os espiões germânicos em terras tupiniquins empregavam diversos recursos, tais como tinta invisível, pseudônimos, símbolos nos passaportes, códigos telegráficos, correspondência para endereços disfarçados, microfotografias e mensagens enviadas de estações de rádios clandestinas[2].

A movimentação nos portos brasileiros, como o de Santos (foto), eram alvos prioritários dos espiões nazistas no Brasil – Fonte – http://www.navioseportos.com.br/site/index.php/historia/historia-da-mm/195-a-expansao-1941-a-1989

Os melhores relatórios dos espiões de Engels tinham foco em inteligência naval e questões relativas ao tráfego marítimo. As informações vinham de tripulantes e funcionários que trabalhavam em navios e escritórios de terra das companhias marítimas nos principais portos brasileiros e incluíam vitais informações estratégicas. Graças a estes relatórios, a Kriegsmarine, a Marinha alemã, pode planejar interceptações de uma enorme quantidade de navios mercantes aliados que partiam da América do Sul.

É verdade que uma parte do serviço de espionagem de Engels era formada por espiões que estavam ligados a uma organização com algum nível de estrutura e financiadas pelo Abwehr, mas também havia muitas pessoas comuns, que atuavam de forma amadora e independente, querendo de alguma maneira ajudar a pátria distante.

Foto de várias pessoas acusadas de espionagem nazista no Brasil e publicadas no jornal Diário Carioca, de 2 de março de 1943. Entre eles temos brasileiros natos e naturalizados e cidadãos alemães. Tipos comuns, distante da ideia dos espiões criada pelo cinema.

Apesar de problemas que existiram devido ao amadorismo de vários espiões e informantes, é fato que graças às comunicações das redes de Engels, os relatórios obtidos pelos agentes nazistas na Argentina, Estados Unidos, México, Equador e Chile foram enviados para a Alemanha através de estações de rádios clandestinas brasileiras. Esta extensa rede conseguiu durante algum tempo enganar muito bem os serviços de contraespionagem britânica e norte-americana. 

O Nordeste Como Alvo 

Entre os homens que Engels conhecia com perfil para trabalharem como espiões estava Herbert Friedrich Julius von Heyer, ou Herbert von Heyer. Este era um filho de alemães nascido no Brasil em 1901, na cidade paulista de Santos, que aos quatro anos von Heyer seguiu com a família para Alemanha e chegou a lutar na Frente Russa durante a Primeira Guerra Mundial. Deu baixa do serviço militar como sargento em 1919, retornando ao Brasil quatro anos depois e desde 1938 trabalhava na sede carioca da empresa de navegação Theodor Wille & Cia.

Herbert Friedrich Julius von Heyer, ou Herbert von Heyer. Fonte – Livro Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem alemã no Brasil, 1939-1944, de S. E. Hilton. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, pág. 37.

Quando von Heyer esteve na Alemanha no outono de 1941, Engels avisou ao capitão Jobst Raven para encontrar, contatar e cooptar o antigo sargento para a causa. O que aconteceu sem maiores problemas e von Heyer passou a utilizar o codinome “Humberto Heyer”.

Engels e o novo colaborador começaram a trabalhar juntos no Rio, em dois escritórios conjugados de um edifício localizado na Rua Buenos Aires, 140, no Centro. Em julho daquele ano Engels informou a Berlim que von Heyer se deslocaria a Recife para recrutar possíveis colaboradores na capital pernambucana e saber das atividades dos norte-americanos na região.

Ele chegou à cidade faltando dez minutos para as cinco da tarde do dia 4 de julho de 1941, uma sexta-feira. Desembarcou do hidroavião “Caiçara”, da empresa Syndicato Condor no chamado “Aeroporto de Santa Rita”, onde então amerissavam os hidroaviões de passageiro na Bacia do Pina-Santa Rita[3].

Hidroavião em Recife – Fonte – http://www.fotolog.comtc211078575

Apesar de não possuir dados comprobatórios sobre isso, provavelmente quando o “Caiçara” sobrevoou a região do Porto de Recife, o espião Humberto deve ter visto atracados quatro belonaves de guerra da marinha dos Estados Unidos, a US Navy. Eram os cruzadores Memphis (CL 13), Cincinnati (CL 6) e os destroieres Davis (DD 395) e Warrington (DD 383) e certamente Von Heyer se questionou o que aquelas naves de guerra faziam ali. Mas aquela não seria sua única e desagradável surpresa no Nordeste do Brasil[4].

Logo o espião hospedou-se no tradicional Grande Hotel e manteve um primeiro contato com Hans Heinrich Sievert.

O Grande Hotel de Recife – Fonte – http://www.fernandomachado.blog.br/novo/?p=88384

Von Heyer passou oito dias em Recife e através do apoio de Sievert realizou várias reuniões na tentativa de angariar novos adeptos para a causa. Algumas foram produtivas e outras nem tanto. Entre estes manteve contato com o engenheiro elétrico alemão Walter Grapentin para a instalação de uma estação de rádio de ondas curtas, mas este recusou o trabalho[5].

Certamente o melhor elemento contatado por von Heyer foi Hans Sievert. Este era um alemão naturalizado brasileiro, tinha 37 anos, havia chegado ao Brasil em 1924, era casado com a alemã Wilma Korr, sendo membro destacado da tradicional comunidade germânica na capital pernambucana, além de gerente e sócio da antiga e conceituada firma Herm Stoltz & Cia. Sievert onde teve uma ascensão muito positiva na Herm Stoltz, saindo do posto de simples empregado, passando a ser gerente e finalmente sócio. Estava tão bem financeiramente que em 1932 retornou da Alemanha para o Recife no dirigível Graf Zeppelin[6].

A Herm Stoltz & Cia. era muito conceituada em todo país e muito conhecida particularmente em Pernambuco, onde eram os agentes da empresa aérea teuto-brasileira Syndicato Condor.

O Serviço em Natal

Segundo o brasilianista Stanley E. Hilton, em seu livro ““Suástica sobre o Brasil : a história da espionagem alemã no Brasil, 1939-1944”, nesta viagem a Recife o espião von Heyer já estava sendo vigiado pelo pessoal do Federal Bureau of Investigation – FBI, a mítica unidade de polícia do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Consta que o homem a serviço do Abwehr teria deixado Recife para uma rápida viagem a Natal, provavelmente em algum avião de carreira do Syndicato Condor[7].

Natal, metade da década de 1930.

Na capital potiguar ele teria se encontrado com os alemães Ernest Walter Luck, seu cunhado Hans Werbling e Richard Burgers. É provável que este encontro tenha ocorrido na casa de Luck, que servia de cônsul alemão na cidade, na Rua Trairi, 368, no bairro de Petrópolis. Todos esses alemães já eram radicados há vários anos na capital potiguar, partidários e propagandistas de primeira linha da causa nazista. Mas certamente o que deve ter impressionado o espião von Heyer em Natal foi o acentuado movimento de aviões norte-americanos, a presença de tropas brasileiras nas ruas e o imenso volume das obras desenvolvidas na construção da base aérea em Parnamirim e das bases de hidroaviões e de navios de guerra nas margens do Rio Potengi.

Aquilo era muito grave e von Heyer nem esperou seu retorno para o Rio. Antes de seguir para Fortaleza e Belém, destino final de sua viagem, ele enviou uma carta, certamente feita à base de tinta invisível, contando as preocupantes novidades ao seu chefe Engels.

Abastecimento de um C-87 em Parnamirim Field – Livro-Trampolim para a vitória, pág 129, de Clyde Smith Junior, 1993.

O que estava acontecendo em Recife e Natal, em uma das áreas mais estratégicas de todo Oceano Atlântico, certamente tinha de ser mais bem avaliado para ser informado ao Abwehr. Mas como isso poderia ser feito sem chamar atenção dos americanos?

A solução veio através de Hans Sievert, que conhecia um pernambucano com sólida formação como engenheiro, oriundo de família tradicional, com muitos contatos proveitosos e que poderia ampliar as informações do que acontecia na capital potiguar.

O escolhido foi Luiz Eugênio Lacerda de Almeida. Era filho do desembargador Luiz Cavalcanti Lacerda de Almeida e de Dona Maria Elisa. Tinha 46 anos, havia estudado no tradicional Ginásio Porto Carreiro, casou em 1922 com Maria Cândida Pereira Carneiro, tinha três filhos e residia na Avenida Beira Mar, número 3.000, em Recife. Na época ele trabalhava na Destilaria Central Presidente Vargas, pertencente ao Instituto do Açúcar e do Álcool e localizada no município do Cabo, atual Cabo de Santo Agostinho.

O engenheiro e sua esposa eram muito bem situados na sociedade pernambucana, possuindo parentesco com as tradicionais famílias Brennand e Burle, além do conde Ernesto Pereira Carneiro, empresário, político, jornalista e proprietário do respeitado Jornal do Brasil, com sede no Rio de Janeiro.

Jornais de várias partes do país também enalteceram a ligação do engenheiro pernambucano com o Integralismo, como o Diário da Tarde, de Curitiba-PR, na sua edição de terça feira, 30 de junho de 1942, pág. 1.

Segundo o jornal O Radical, do Rio, Eugênio Lacerda de Almeida havia sido Integralista e ideologicamente tinha um posicionamento favorável em relação ao Terceiro Reich de Adolf Hitler. Provavelmente isso explica a sua amizade com Hans Sievert[8].

Não existe uma comprovação da data que Eugênio Lacerda de Almeida chegou a Natal, mas se sabe que desembarcou em um voo da Panair do Brasil, pago pela Herm Stoltz & Cia. O fato deste engenheiro pernambucano haver chegado a Natal através de um voo desta empresa aérea pode explicar muito sobre sua infiltração nas obras de Parnamirim.

Ceremônia em Parnamirim Field – https://catracalivre.com.br

Em 1941 o Brasil ainda era um país neutro na Segunda Guerra e não queria de modo algum comprometer sua neutralidade. Oscilando ora para o lado do Eixo, ora com acenos aos Aliados, o regime ditatorial de Getúlio Vargas tolerou tanto as atividades dos nazistas no Brasil, quanto à construção de vários aeroportos pelos americanos. Estes aeroportos, cujos principais eram os de Belém e Natal, jamais poderiam ser construídos por militares estadunidenses. A solução encontrada pelo governo americano foi colocar em campo a Panair do Brasil, que nada mais era do que uma subsidiária da empresa aérea americana Pan American Airways, com recursos para tocar as obras vindas do ADP (Airport Development Program – Programa de Desenvolvimento de Aeroportos). Então teve início a construção das instalações destinadas a servirem como principais bases de transporte e transbordo ao longo da rota do Atlântico Sul.

Na foto vemos um Douglas C-47 Dakota em Parnamirim Field.

Evidentemente que muito dinheiro forte estava circulando em Natal, fato este que tanto atraía prostitutas, malandros e ladrões, quanto pedreiros, mestres de obras e engenheiros. Pernambuco já possuía há décadas uma escola de engenharia e alguns engenheiros ali formados convergiram para a capital potiguar atrás de dólares. Certamente a chegada de Eugênio Lacerda de Almeida a Parnamirim, vindo em um avião da Panair do Brasil, possivelmente bem trajado e distribuindo simpatia, não deve ter alertado as autoridades.

Trabalhos de construção em Parnamirim Field – Hart Preston-Time & Imagens de Vida / Getty Images.

Aliado a isso temos que pensar que ele talvez conhecesse alguém na área das obras para apresentar o trabalho que ali era realizado. Esse pretenso contato, de forma inadvertida, ou em estreita cooperação, lhe apresentou o engenheiro encarregado das obras, que lhe trouxe então as plantas da construção das pistas de aterrissagem e dos muitos locais administrativos que seriam utilizados por americanos e brasileiros. Ardilosamente Eugênio Lacerda de Almeida guardou na memória o que viu nas plantas da grande base e depois, reservadamente, desenhou um croqui com detalhes do projeto.

Foto atual da Base Naval de Natal, que teria sido espionada pelo engenheiro Eugênio – Fonte – http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/portoes-abertos-base-naval-de-natal-realiza-exposicao/205460

Existe a informação que além de “visitar” as obras da base de Parnamirim, o engenheiro teria igualmente visto as obras da futura Base Naval de Natal[9]. À noite, hospedado em um hotel, ao entabular conversas com pessoas que trabalhavam nas obras em Natal, soube de detalhes dos projetos de ampliação do porto da cidade. No outro dia ele voltou a Recife a bordo do navio Cantuária[10].

Na capital pernambucana, ao se encontrar com Hans Sievert, o engenheiro Eugênio Lacerda de Almeida quis lhe reportar o que viu, mas o alemão exigiu um relatório por escrito, mas afirmou que depois o destruiria. 

Capturando Os Vermes!

Em muito pouco tempo a situação virou completamente.

Os afundamentos e os chocantes relatos dos sobreviventes levaram a um clima de intensa animosidade com a Alemanha, com manifestações em todo o país, algumas violentas, com a depredação de bens ligados a alemães, e onde se exigia que o Brasil declarasse guerra ao Eixo (Alemanha, Itália e Japão), o que foi feito pelo presidente Vargas em agosto de 1942.

O afundamento de navios brasileiros por submarinos alemães alterou a participação do Brasil no conflito. Foto meramente ilustrativa – Fonte – http://www.navioseportos.com.br/site/index.php/historia/historia-da-mm/195-a-expansao-1941-a-1989

Mesmo tendo vários navios afundados por submarinos alemães e com muitos de seus cidadãos mortos, O Brasil era um país que teimava em ficar em cima do muro, sem se comprometer demasiadamente na Guerra e tentava tirar vantagens dos dois lados da contenda. Mas conforme cresciam os ataques dos submarinos alemães aos navios de carga brasileiros, a revolta da população aflorou intensamente e a boa vida dos espiões alemães acabou completamente em terras tupiniquins[11].

O desmantelamento das redes de espionagem deu um enorme trabalho para o governo Vargas, que levou algum tempo para conseguir este objetivo. Mas em 25 de fevereiro de 1942 os alemães Hans Sievert e Walter Grapentin prestaram depoimentos ao então Secretário de Segurança de Pernambuco, o Dr. Etelvino Lins de Albuquerque, e ao delegado Fabio Correia de Oliveira Andrade, nas dependências da Delegacia de Ordem Política e Social, o DOPS, em Recife e eles entregaram tudo mundo[12].

Logo, para surpresa geral na capital pernambucana, um dos chamados a depor foi Luiz Eugênio Lacerda de Almeida.

Sievert confirmou que o engenheiro foi a Natal por conta da empresa Herm Stoltz & Cia, que o enviou para conhecer a obra para a empresa alemã melhor se preparar para “candidatar-se as concorrências que existiam em Parnamirim”. Uma situação completamente ilógica e ridícula diante do estado de extrema desconfiança e quase beligerância entre alemães e americanos na época.

Já Eugênio Lacerda de Almeida informou que passou apenas um dia em Natal e negou a autoria do croqui produzido sobre a base de Parnamirim. Entretanto, talvez por receio de uma acareação, se retraiu ao ser confrontado com o material e confirmou que foi ele que produziu os desenhos. Afirmou que primeiramente negou o fato por medo de se prejudicar, pois havia recebido de Hans Sievert a garantia que o material havia sido destruído. Eugênio Lacerda de Almeida comentou também que na época da feitura dos desenhos, quando o Brasil ainda se encontrava neutro, ele havia se tornado “admirador das vitórias alemãs” e na sua concepção ele não estava prejudicando o Brasil.

As estratégicas bases aéreas em Natal e Belém foram importantes na engrenagem de guerra doa Aliados no Brasil. Na foto vemos um Douglas C-47 e um Consolidated B-24 Liberator.

A situação do engenheiro foi cada vez mais se complicando, principalmente quando ele teve de explicar a origem de 50 contos de réis (50.000$000) que recebeu de Hans Sievert. Até então a ida de Eugênio Lacerda de Almeida a Natal teria sido, por assim dizer, voluntária. Mas surgiu um depósito em sua conta corrente do Banco do Povo neste valor, creditado no dia 23 de dezembro de 1941. Aparentemente um gordo presente de natal!

Espiões Nazistas que agiam em Santos, São Paulo – Fonte – http://atdigital.com.br/historiasdesantos/?p=94

Mas o dinheiro ficou depositado por seis meses, em uma espécie de conta de renda fixa que existia na época. Sievert afirmou em depoimento que entregou aquele dinheiro ao engenheiro pernambucano em confiança, sem documento comprobatório, para atender as necessidades de sua família no caso de surgirem “imprevistos contra a sua pessoa”[13].

O engenheiro Eugênio Lacerda de Almeida foi identificado, sujou os dedos quando fez sua ficha datiloscópica, fez retratos de frente e de perfil e depois saiu andando tranquilamente pela porta da rua!

Lei Frouxa! 

Ficou a cargo do Dr. José Maria Mac Dowell da Costa, Procurador do Tribunal de Segurança Nacional (TSN), analisar as provas contidas nos autos contra as pessoas acusadas de espionagem, ou de facilitação desta atividade, os chamados “Agentes do Eixo”[14].

Dr. José Maria Mac Dowell da Costa, Procurador do Tribunal de Segurança Nacional (TSN)

O Dr. Mac Dowell da Costa prometia através da imprensa que “seria inflexível no cumprimento do dever” e se algum daqueles 128 homens e mulheres pronunciados estivesse seriamente implicado nos artigos no Decreto Lei Nº 4.766, de 1º de outubro de 1942, que definia os crimes militares e contra a segurança do Estado, ele não hesitaria em aplicar a pena máxima existente – A pena de morte![15]

O nobre engenheiro Luiz Eugênio Lacerda de Almeida sofreu por parte da imprensa carioca, especialmente dos jornais Diário Carioca e O Radical, uma intensa pressão para que fosse condenado e recebesse uma punição exemplar[16]. Eugênio Lacerda de Almeida compareceu ao TSN no Rio e foi indiciado com base no Decreto Lei 431, de 18 de maio de 1938, Artigo 3º, no seu 16º inciso.

Houve forte indignação com a liberdade do engenheiro pernambucano. Manchete do jornal O Radical, Rio de Janeiro, edição de domingo, 13 de junho de 1943, pág. 1.

Notem os leitores que de saída o engenheiro pernambucano não foi indiciado na chamada “Lei de Guerra”, que era o Decreto Nº 4.766, de 1º de outubro de 1942, uma lei bem mais dura, mas no Decreto Lei 431, de 1938. Este na sua parte inicial era definido como “Crimes contra a personalidade internacional, a Estrutura e a segurança do Estado e contra a ordem social”. E trazia no texto do seu inciso 16º o seguinte teor “Incitar ou preparar atentado contra pessoa, ou bens, por motivos doutrinários, políticos ou religiosos; Pena – 2 a 5 anos de prisão; se o atentado se verificar, a pena do crime incitado, ou preparado”[17]. Além disso, trazendo como verdadeiro “abre alas” de sua defesa, havia dezenas de cartas de autoridades e pessoas gradas, atestando a sua conduta e de como ele era uma pessoa ilibada[18].

Quase no fim do ano de 1943, sob a presidência do ministro Frederico de Barros Barreto, natural de Recife, o TSN promulgou várias sentenças contra os acusados de espionagem e vários deles foram condenados a pena de morte, entre eles Albrecht Gustav Engels.

Aparelho achado no Rio servia para mandar informações a nazistas.

Mas para desgosto de muita gente, sedenta de sangue para vingar os mais de 1.081 mortos, em mais de 34 navios brasileiros afundados por submarinos do Eixo, nenhum dos acusados de espionagem foi parar diante de algum pelotão de fuzilamento. O Dr. Mac Dowell da Costa afirmou a um periódico mineiro que os casos que estavam chegando ao TSN eram anteriores ao reconhecimento da declaração de guerra, sendo impossível aplicar a pena de morte[19].

Esses condenados a morte tiveram a pena alteradas para 30 anos de prisão, mas muitos não cumpriram sequer dez anos pelos seus atos. O grande chefe Engels logo saiu da cadeia e foi ser funcionário, logicamente, de uma empresa alemã. No caso a Telefunken do Brasil, aonde chegou a presidência da mesma[20]. Hans Heirich Sievert e Herbert von Heyer foram condenados a 25 anos de prisão cada um. Sievert logo deixou a cadeia e aparentemente foi morar em Petrópolis, Rio de Janeiro, onde faleceu em 17 de novembro de 1979[21].

Já von Heyer penou um pouco mais. Em 1952 vamos encontrá-lo encarcerado no mítico e tenebroso presídio da Ilha Grande, no Rio de Janeiro, onde era considerado um preso de bom comportamento e dava aulas de inglês para o comandante da instituição prisional[22].

Não consegui apurar, mas acredito que o engenheiro Luiz Eugênio Lacerda de Almeida não passou um dia sequer na cadeia. Ele faleceu no Rio de Janeiro, em 2 de dezembro de 1975[23].

Final Infeliz

Não causa nenhuma surpresa que a maioria dos espiões nazistas que operaram no Brasil não quis retornar para sua tão amada nação de origem após o fim da guerra. Simplesmente após o fim do conflito ninguém no Brasil se importou muito com essa gente e represálias, até onde sei, nunca aconteceram. O tempo apagou quase tudo sobre esses casos!

Já nos Estados Unidos, por exemplo, a coisa foi bem diferente. Começa que o Presidente Franklin D. Roosevelt, temeroso que um tribunal civil fosse demasiado indulgente com espiões nazistas, criou um tribunal militar especial para esse tipo de caso. Isso levou a execução na cadeira elétrica de seis espiões nazistas[24].

Já na Inglaterra foi criada a “Lei da Traição”, que após passar pelo parlamento e receber o assentimento real, tinha apenas uma sentença prioritária: a morte. Lá, Entre 1940 e 1946, dezenove espiões e sabotadores foram processados sob a Lei da Traição e executados. Um vigésimo espião – um jovem diplomata português – foi condenado à morte, mas a sua pena foi comutada para prisão perpétua após a intervenção do governo português[25].

Texto publicado originalmente no blog Papo de Cultura, do jornalista Sérgio Vilar – http://papocultura.com.br/nazista-em-natal/


NOTAS

[1] Ver os livros Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem alemã no Brasil, 1939-1944, de S. E. Hilton. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, págs. 17 a 19 e O Brasil na mira de Hitler, Roberto SANDER. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, págs. 23 a 33.

[2] Ver os livros Hitler’s Spy Chief: The Wilhelm Canaris Mystery. New York, NY, EUA: Pegasus Books, 212, págs, 23 a 45. Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem alemã no Brasil, 1939-1944, de S. E. Hilton. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, págs. 20 a 24.

[3] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de sábado, 5 de julho de 1941, pág. 2. O interessante foi que von Heyer desembarcou utilizando seu nome verdadeiro e este antigo ponto de embarque e desembarque de hidroaviões em Recife ficava localizado onde atualmente existem duas grandes torres de apartamentos, construídas pela empresa Moura Dubeux, as margens do Rio Capibaribe. Estas torres são dois edifícios de luxo de 42 andares, construídos no Cais de Santa Rita, no bairro de São José e conhecidas popularmente como as “Torres Gêmeas”. A construção das torres começou em 2005 e foi concluída em 2009, após batalha judicial com o Ministério Público Federal, que apontava irregularidades na obra. Com sua excessiva proximidade com o mar e grande altura, os prédios diferem radicalmente do entorno do bairro histórico. Sobre esse assunto ver – https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/06/01/obra-em-bairro-historico-inflama-debate-sobre-verticalizacao-do-recife.htm

[4] Aquelas naves em Recife estavam sob o comando do vice-almirante Jonas H. Ingran, como parte da Task Force 3, que futuramente, com a ampliação das ações de combate da US Navy no Atlântico Sul, seria designada como Fourth Fleet (Quarta Frota).

[5] Sobre o encontro entre Grapentin e von Heyer ver as declarações do primeiro para a polícia pernambucana, reproduzidas no Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de domingo, 29 de março de 1942, pág. 4 e no livro Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem alemã no Brasil, 1939-1944, de S. E. Hilton. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, pág. 40.

[6] A Herm Stoltz & Cia. foi uma empresa fundada em 1863, muito conceituada em todo país no transporte marítimo, com matriz no Rio e filial até na Alemanha. Era muito conhecida particularmente em Pernambuco, onde eram os agentes da empresa aérea teuto-brasileira Syndicato Condor. Já sobre as declarações de Hans Sievert para a polícia pernambucana, reproduzidas no Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de domingo, 29 de março de 1942, pág. 4. Já sobre a viagem no dirigível Graf Zeppelin, ver o Jornal Pequeno, Recife-PE, edição de quinta feira, 13 de outubro de 1932, pág. 1.

[7] Segundo Stanley E. Hilton a informação da presença do espião von Heyer em Natal está inserida no relatório do FBI intitulado “Totalitarian activities – Brazil Today”, produzido em dezembro de 1942, mas sem referência de páginas. Afora isso não existe nenhum documento comprovatório da passagem deste espião por Natal. Entretanto é bastante crível sua presença na capital potiguar diante do que os americanos desenvolviam aqui em julho de 1941 . Ver o livro Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem alemã no Brasil, 1939-1944, S. E. Hilton. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, págs. 40 e 41.

[8] Sobre os vários detalhes da vida de Luiz Eugênio Lacerda de Almeida ver o Jornal Pequeno, Recife-PE, edição de segunda feira, 20 de fevereiro de 1922, pág. 1 e O Radical, Rio de Janeiro, edição de domingo, 13 de junho de 1943, págs. 1 e 4.

[9] Ver Diário Carioca, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 29 de maio de 1942, páginas 1 e 5.

[10] Eugênio Lacerda de Almeida não informou em qual hotel ficou em Natal e nem se manteve contato com os alemães residentes na cidade. Ver seu depoimento reproduzido no jornal O Radical, Rio de Janeiro, edição de domingo, 13 de junho de 1943, págs. 1 e 4 e no Diário Carioca, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 29 de maio de 1942, páginas 1 e 5.

[11] Sobre a derrocada dos espiões nazistas no Brasil, ver o livro Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem alemã no Brasil, 1939-1944, S. E. Hilton. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, págs. 235 a 296.

[12] Etelvino Lins de Albuquerque foi Governador de Pernambuco entre 1952 e 1955, senador constituinte, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) e deputado federal em duas legislaturas.

[13] Ver O Radical, Rio de Janeiro, edição de domingo, 13 de junho de 1943, págs. 1 e 4.

[14] O Tribunal de Segurança Nacional (TSN) foi uma corte de exceção, instituída em setembro de 1936, primeiramente subordinada à Justiça Militar e criada diante dos traumas provocados no poder pela Intentona Comunista de novembro de 1935. Era composto por juízes civis e militares escolhidos diretamente pelo presidente da República e deveria ser ativado sempre que o país estivesse sob o estado de guerra. Com a implantação da ditadura do Estado Novo, em novembro de 1937, o TSN passou a desfrutar de uma jurisdição especial autônoma e tornou-se um órgão permanente. Nesse período passou a julgar não só comunistas e militantes de esquerda, mas também integralistas e políticos liberais que se opunham ao governo. Entre setembro de 1936 e dezembro de 1937, 1.420 pessoas foram por ele sentenciadas. O TSN foi extinto após a queda do Estado Novo, em outubro de 1945.

[15] Dos 128 implicados 77 eram estrangeiros, 40 brasileiros natos e 11 brasileiros naturalizados. Já os processos eram originários do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e São Paulo. Ver O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edição de sábado, 2 de outubro de 1943, pág. 5. Sobre o Decreto Lei 4.766, de 1 de outubro de 1942, ver http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-4766-1-outubro-1942-414873-publicacaooriginal-1-pe.html

[16] Ver O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edições de domingo, 30 de junho e 17 de julho de 1942, respectivamente nas páginas 1 e 3.

[17] Sobre o Decreto Lei 431, de 18 de maio de 1938, ver http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-431-18-maio-1938-350768-publicacaooriginal-1-pe.html

[18] Sobre esta questão ver O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edições de domingo, 8 de junho de 1943, nas páginas 1 e 2.

[19] Sobre as declarações do Dr. Mac Dowell da Costa ver o Correio de Uberlândia, Minas Gerais-MG, edição de quinta feira, 25 de fevereiro de 1943, pág. 1.

[20] Ver o livro O Brasil na mira de Hitler, Roberto SANDER. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, págs. 106 e 119.

[21] Ver Jornal do Brasil, Rio de Janeiro-RJ, edição de domingo, 17 de novembro de 1979, pág. 38, 1º Caderno.

[22] Ver Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro-RJ, edição de segunda feira, 4 de fevereiro de 1952, pág. 7.

[23] Ver Jornal do Brasil, Rio de Janeiro-RJ, edição de quarta feita, 3 de dezembro de 1975, pág. 24, 1º Caderno.

[24] Ver https://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Pastorius

[25] Ver https://www.theguardian.com/world/2016/aug/28/britain-nazi-spies-mi5-second-world-war-german-executed

UM POUCO DA HISTÓRIA DO BRASIL NAS COPAS DO MUNDO

Ruas enfeitadas, festas por todos os lados, emoção à flor da pele, demonstrações de “patriotismo”: no Brasil e em muitos países, a cada quatro anos, vemos repetir-se a força de mobilização de uma Copa do Mundo de Futebol, cujas finais, que atualmente contam com 32 seleções nacionais, envolvem mais público, movimentam mais recursos e angariam mais prestígio do que os Jogos Olímpicos, outro grande evento esportivo que reúne mais de 20 modalidades.

As primeiras ideias de organizar uma competição mundial de futebol surgiram em 1905, em um cenário em que havia muitas iniciativas de criação de movimentos internacionais (escotismo, esperanto, Cruz Vermelha, jogos olímpicos, entre outros). As iniciativas, todavia, não chegaram a se concretizar por questões operacionais ou políticas, como a Primeira Guerra Mundial.

O 4º gol da seleção Uruguai x Argentina marcado por Héctor Castro – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/1930_fifa_world_cup_final#/media/file:uruguay_goal_v_argentina_1930.jpg

Somente a partir da década de 1920, quando a FIFA (Federação Internacional de Futebol Association, órgão máximo da modalidade, criada em 1904) era dirigida por Jules Rimet, houve esforços mais sistemáticos no sentido de operacionalizar a proposta, que culminaram com a organização da primeira Copa do Mundo, em 1930, no Uruguai, graças em grande parte ao desempenho da diplomacia do país-sede.

Ao contrário dos Jogos Olímpicos, organizados por cidades, as Copas do Mundo sempre foram promovidas por países. Do primeiro torneio, apenas 14 equipes nacionais participaram, sendo nove do continente americano e cinco do europeu.

Naquela ocasião, provavelmente não se imaginava que a competição iria crescer de tal forma que envolveria praticamente todos os países do mundo. Vale citar que a FIFA possui mais associados do que a Organização das Nações Unidas (ONU). Também no Brasil, essa primeira edição não teve grande impacto, inclusive pelo fato de a equipe representativa ser fruto de uma cisão entre paulistas e cariocas.

A seleção brasileira obteve um modesto sexto lugar. O Uruguai foi o campeão, o que não surpreendeu por sua condição de bicampeão olímpico (1924 e 1928) e país-sede. 

Jogadores da Alemanha Nazista realizando a sua saudação tradicional na Copa do Mundo de 1938 – Fonte – https://www.history.com/news/world-cup-nazi-germany-forced-austrian-players-lost

A segunda edição do evento foi realizada em 1934, na Itália. A competição começava a tornar-se mais popular, tendo sido inscritas 32 seleções para 16 vagas, tornando necessária a organização de eliminatórias. Tal Copa coincide com o avanço do fascismo na Itália, bem como de regimes autoritários na Alemanha, na Espanha e Portugal.  Foi concebida por Mussolini como uma forma de provar ossupostos avanços possibilitados pelo novo regime. Até mesmo facilitou-se a naturalização de estrangeiros, a fim de fortalecer a seleção italiana. Curiosamente, um brasileiro, Anfilogino Guarisi, foi campeão jogando pela equipe da casa.

Os torcedores brasileiros somente se empolgaram com a Copa do Mundo a partir de 1938, realizada na França. Com os problemas de organização no futebol nacional bastante amenizados, em função da intervenção governamental (já em pleno Estado Novo), enviou-se uma equipe forte, que contou com grande apoio popular. O Brasil conquistou o terceiro lugar, tendo uma participação bastante destacada: perdeu a semifinal para a Itália, um jogo bastante controverso por problemas de arbitragem. Leônidas da Silva foi o artilheiro da competição.

Selo comemorativo da Copa do Mundo de 1950 no BHr5asil – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/1950_FIFA_World_Cup

Deve-se ter em conta que, no cenário brasileiro, o futebol começava a ser mais comumente mobilizado como elemento discursivo na construção de uma identidade nacional, inclusive por uma reabilitação dos fenômenos culturais considerados mestiços, momento que tem como uma importante marca a difusão das ideias de Gilberto Freyre.

Algo que contribuiu e foi mesmo fundamental para o crescimento da popularidade do futebol e das Copas foi a atuação dos meios de comunicação. No Brasil, se em 1930 os torcedores tinham de esperar pelas notícias nas redações dos jornais, em 1938 já era possível acompanhar os jogos pelo rádio e também se podia assistir posteriormente às partidas nos cinemas.

Waldir Pereira, o Didi, bicampeão mundial de futebol em 1958 e 1962, apertando a mão do Presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira – Fonte – Arquivo Nacional.

Em 1958, os jogos já podiam ser acompanhados pela televisão, sempre alguns dias depois de sua realização. Ao vivo, isso somente se tornou possível a partir da Copa de 1970. Nessa ocasião, fora introduzido o recurso do replay e, no decorrer do tempo, cada vez mais inovações tecnológicas marcariam as coberturas esportivas. A transmissão dos jogos tornou-se um verdadeiro espetáculo, transmitido por muitas emissoras de todo o mundo, que pagam direitos caríssimos e buscam a todo custo conquistar o público.

A Copa do Mundo é o evento líder mundial de audiência televisiva. Na última edição do evento, realizada no Brasil, em 2014, estima-se que houve cerca de 4,5 milhões de espectadores por partida, média superior à obtida na África do Sul.

Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, conversando com Manoel Francisco dos Santos, o Garrincha – Fonte – Arquivo Nacional.

Vários recordes mundiais foram também quebrados nos outros meios de comunicação, inclusive na internet.

Aproximadamente 1 bilhão de torcedores acompanharam on-line os jogos pelo site da FIFA No Brasil, se em 1938 o interesse foi grande, a Copa do Mundo tornou-se mesmo uma febre quando o país organizou a edição de 1950, construindo para tal o que na época seria o maior estádio do mundo e que ainda hoje, já bastante modificado por reformas recentes é uma das grandes referências do futebol mundial: o Maracanã.

O Preseidente da República João Melchior Marques Goulart abraçando o goleiro bicampeão mundial Gilmar dos Santos Neves – Fonte – Arquivo Nacional.

Depois de duas goleadas na fase final, ninguém esperava que o Uruguai fosse sair vitorioso na partida decisiva contra a seleção brasileira. A derrota por 2 × 1 foi uma das maiores tristezas do esporte brasileiro, para alguns foi mesmo encarada como uma marca das debilidades da nação.

Na ocasião, a competição era retomada depois do fim da Segunda Grande Guerra, e o Brasil, com a organização do evento, vislumbrava demonstrar seu protagonismo no novo tabuleiro internacional. Essa postura tornou-se comum no decorrer do século, inclusive em função da Guerra Fria: os blocos socialista e capitalista transferiram parte de seus conflitos e enfrentamentos para as instalações e competições esportivas.

O general Castelo Branco apertando a mão de Garrincha. Ao lado do militar vemos o então presidente da Confederação Brasilira de Desportos, CBD, Jean-Marie Faustin Goedefroid Havelange – Fonte – Arquivo Nacional.

Depois do fracasso na Copa de 1950, repetido na edição de 1954, realizada na Suíça, o país finalmente sagrou-se campeão em 1958, na Suécia, em um torneio que ficou marcado pela aparição internacional de uma das maiores estrelas da história do futebol e do esporte do século: Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, na época com 17 anos.

A seleção brasileira voltaria a se sagrar campeã em 1962, na Copa do Chile, onde o grande destaque foi Garrincha, não se saindo bem em 1966, na Inglaterra, uma edição marcada pela violência e pela benevolência dos árbitros com a equipe da casa, que se sagrou vitoriosa em uma final extremamente polêmica com o time nacional da Alemanha.

Pelé – Fonte – Arquivo Nacional.

Em 1970, no México, a equipe nacional tornou-se a primeira tricampeã da competição, após uma fase da preparação marcada por conflitos internos, com o técnico João Saldanha sendo substituído por Zagalo, mas também por grandes investimentos no treinamento. Nunca antes uma seleção brasileira fora tão bem preparada, com tanta antecedência.

Muitos autores sugerem que esses investimentos estariam ligados à vontade dos militares, que comandavam o regime de exceção em vigor no país, de provarem o quanto eram adequadas suas propostas para o país. Além disso, estariam relacionados com uma estratégia de dispersão e distração da população brasileira. Tais hipóteses têm sido muito contestadas. Independentemente das polêmicas, não se pode negar a ampliação da atenção ao esporte a partir de então, bem como o forte clima de patriotismo que cercou a participação da seleção brasileira no México.

A Seleção Brasileira de Futebol que participou da Copa do Mundo de 1974, na Alemanha Ocidental. Ao centro da foto, de paletó preto, está o general Ernesto Geisel, tendo ao seu lado esquerdo o potiguar Francisco das Chagas Marinho, o Marinhgo Chagas – Fonte – Arquivo Nacional.

As Copas de 1974 (Alemanha), 1978 (Argentina, uma edição muito polêmica em função de o país-sede viver um período ditatorial, liderado por militares, que cometiam constantes desrespeitos aos direitos humanos), e 1982 (ao contrário da anterior, marcada pelo processo de redemocratização da Espanha) foram marcadas por muitas mudanças, uma tentativa de a FIFA se sintonizar com o novo cenário internacional, algo que imediatamente repercutiu no aumento do número de participantes nas finais do evento e numa maior atenção para as equipes asiáticas e africanas.

Além disso, melhor se estruturavam as estratégias de negócios ao redor do futebol. Em 1982, pela primeira vez foi introduzido o conceito de “patrocinador oficial”. Se as primeiras propagandas apareceram de forma muito embrionária já na Copa de 1934, a partir da Espanha essa relação comercial tornou-se cada vez mais intensa. Basta lembrar que, no Brasil, o personagem “Pacheco”, parte da propaganda de uma empresa de lâmina de barbear, tornou-se um dos mais populares até hoje.

Arthur Antunes Coimbra, o Zico- Fonte – Arquivo Nacional.

Por trás dessas mudanças, deve-se citar o nome de João Havelange, que desde 1974 assumira a FIFA e veio a tornando uma das mais poderosas instituições do mundo. O dirigente tornou o futebol em um grande negócio global. As Copas do Mundo passaram a ser um dos principais palcos de lançamento de novidades, de estratégias comerciais e de badalação, a faceta mais conhecida de um dos esportes mais influentes e populares.

Se essas mudanças definitivamente projetaram o futebol, também trouxeram muitos problemas. Muitas têm sido as denúncias de que o aspecto esportivo está sendo abandonado em função dos lucros e do benefício dos investidores, para além de problemas de falcatruas financeiras diversas.

Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, o Dr. Sócrates – Arquivo Nacional.

A Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, foi o momento auge desses problemas, uma expressão das ambiguidades que cercam o evento. Se de um lado alcançou popularidade e impacto jamais visto, foi marcada também por manifestações e insatisfação da população com os gastos públicos excessivos e com a interferência da FIFA na governança nacional. Se de um lado, observou-se um dos melhores resultados técnicos, foram também descobertas ilegalidades nos negócios que cercam a competição.

Somente no futuro será possível melhor precisar o impacto dessas ocorrências, mas provavelmente durante muitos anos ainda persistirá a articulação entre governos instituídos e mercado na promoção das Copas do Mundo. As próximas edições já têm sido marcadas por polêmicas em função das características autoritárias do governo de Putin, cuja Copa de 2018 ocorreu na Rússia e da compra de votos na escolha da sede de 2022 (Qatar), denúncia ainda não confirmada, que está sendo apreciada pela FIFA, que
também tem sido compelida a adotar posturas mais transparentes em função de escândalos financeiros que cercam o mundo futebolístico.

Neymar da Silva Santos Júnior, considerado por muitos o maior craque da atual Seleção Brasileira de Futebol- Fonte – https://esportes.r7.com/prisma/copa-2018/cosme-rimoli/o-mal-que-neymar-faz-para-a-selecao-brasileira-10072018 – REUTERS/DAVID GRAY – 02.JUL.2018

Fonte

Livro – Enciclopédia de guerras e revolução, Volume 1, 1901 a 1919, páginas 338 a 342. Organizadores – FRANCISCO CARLOS TEIXEIRA DA SILVA, SABRINA EVANGELISTA MEDEIROS e ALEXANDER MARTINS VIANNA.

Referências

HELAL, Ronaldo, CABO, Álvaro do. Copas do Mundo: comunicação e identidade cultural no país do futebol. Rio de Janeiro: EdUerj, 2014.

HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque de; MELO, Victor Andrade de (orgs.). O esporte na imprensa e a imprensa esportiva no Brasil. Rio de Janeiro: 7Letras, 2012.

MASCARENHAS, Gilmar, BIENENSTEIN, Glauco, SANCHEZ, Fernanda (orgs.). O jogo continua: megaeventos esportivos e cidades. Rio de Janeiro: EdUerj, 2011.

PRIORE, Mary Del; MELO, Victor Andrade de (orgs.). História do Esporte no Brasil: da colônia aos dias atuais. São Paulo: Editora Unesp, 2009.

O MECANISMO RUSSO DE GENOCÍDIO SE REPETE DESDE O MASSACRE DE KATYN

Na primeira semana de abril de 2022 o Mundo tomou conhecimento que tropas russas perpetraram assassinatos de civis na região da cidade de Bucha, na periferia de Kiev, capital da Ucrânia, como parte do ataque “Especial” executado por forças russas do Ditador Vladimir Putin contra aquele país. Infelizmente essa história não é inédita. Em 1940 os russos, que na época eram conhecidos como soviéticos, fizeram algo muito pior!

Baseado no texto de Katarzyna Utracka, disponível em – https://warsawinstitute.review/issue-2020/the-katyn-massacre-mechanisms-of-genocide/

Poucos dias antes do início da Segunda Guerra Mundial, em 23 de agosto de 1939, Joachim von Ribbentrop, Ministro das Relações Exteriores da Alemanha Nazista, veio a Moscou. Juntamente com Vyacheslav Molotov, Comissário do Povo para as Relações Exteriores da União Soviética, eles assinaram um pacto bilateral de não agressão. 

Vyacheslav Molotov, Comissário do Povo para as Relações Exteriores da União Soviética, assina o pacto bilateral de não agressão entre a Alemanha Nazista e a União Sovietica. Logo atrás dele vemos, de paletó escuro, Joachim von Ribbentrop, ministro de Relações Exteriores da Alemanha Nazista entre 1938 e 1945, que tem ao seu lado esquerdo Josef Stalin, o todo poderoso Secretário Geral do Partido Comunista de 1922 a 1952 – Fonte – Wikipédia.

Até aí tudo bem. Uma situação normal entre países que mantem boas relações diplomáticas. O problema foi que um protocolo secreto foi anexado a este documento, onde se incluía um plano para a divisão da Polônia pela Alemanha Nazista e pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS, atual Federação Russa. 

Com isso, para os poloneses os piores temores se tornaram realidade – os vizinhos orientais e ocidentais da Polônia decidiram tirar a liberdade daquela nação. Pelo preço de benefícios territoriais aparentemente menores, Hitler recebeu a garantia da neutralidade de Moscou no próximo conflito militar com o Ocidente.

Tropas nazistas na invasão da Polônia, em setembro de 1939 – Fonte – Wikipédia.

Em 17 de setembro de 1939, apenas cerca de duas semanas após o Terceiro Reich atacar a Polônia, o Exército Vermelho, a força armada dos soviéticos, o famoso Exército Vermelho, atacou a Polônia pelo leste, implementando o pacto Ribbentrop-Molotov.

Em setembro de 1939 os soviéticos encontraram pouca resistência das unidades do Corpo de Proteção de Fronteiras e poucas unidades militares, ocupou cada vez mais cidades em ritmo acelerado. 

Por causa da “punhalada pelas costas” com falta de apoio dos aliados, foi tomada a decisão de evacuar as mais altas autoridades da República da Polônia para o exterior. Ao mesmo tempo, o exército polaco participou de batalhas desiguais contra o agressor – mas dada a enorme desproporção, o desastre foi inevitável. O estado polonês independente havia sido eliminado.

O valente, mas limitado, exército polones não foi adversário para os nazistas – Fonte – Wikipédia.

No Cativeiro Soviético

Após a agressão à Polônia, os soviéticos capturaram ou prenderam de 240 a 250 mil poloneses, incluindo cerca de 10 mil oficiais do exército polonês. Ao contrário de todas as convenções internacionais, eles entregaram prisioneiros aos serviços de segurança da temida NKVD, sigla que em português significa Comissariado do Povo para Assuntos Internos.

Três campos especiais foram montados: em Starobielsk (na atual Ucrânia) e Kozielsk (no território da Federação Russa) e destinados a oficiais, altos funcionários do estado e militares. O último campo foi em Ostashkow (Federação Russa), para soldados do Corpo de Proteção de Fronteiras e oficiais da Polícia Estadual, inteligência e contrainteligência, Guarda Prisional e Guarda de fronteira. 

No final de novembro de 1939, um total de mais de 14,5 mil prisioneiros de guerra poloneses estavam nesses campos. 

Poloneses prisioneiros dos soviéticos em 1939 – Fonte – Wikipédia.

As condições eram difíceis – superlotação, falta de água e comida. Cada um dos prisioneiros foi questionado sobre suas opiniões políticas, posição profissional, ativos, até mesmo associações com países estrangeiros e habilidades em línguas estrangeiras. A rede de informantes forneceu informações sobre a vida no campo. Muitos meses de interrogatório e doutrinação dos prisioneiros trouxeram pouco efeito. Apenas alguns quebraram. A grande maioria não,

Nas últimas semanas de 1939, os oficiais do NKVD aceleraram a investigação. Seus arquivos foram encaminhados ao Conselho Especial, cuja tarefa era decidir sobre o destino daqueles prisioneiros de guerra.

Sentença de Morte

Lavrentiy Beria – Fonte – Wikipédia.

Josef Stalin decidiu pessoalmente assassinar prisioneiros de guerra poloneses, a pedido do Comissário Popular de Assuntos Internos da União Soviética e chefe da NKVD, Lavrentiy Beria. 

Em extensa nota de 5 de março de 1940, Beria pediu que o caso fosse considerado “em um procedimento especial e dando-lhes a pena máxima – execução” (Interessante notar que em 2022 a Federação Russa utiliza o termo “Operação Especial” para a sangrenta invasão da Ucrânia).

Documento que autorizou o massacre de mais de 20.000 poloneses em Katyn – Fonte – Wikipédia.

Segundo o livro de Andrzej Krzysztof Kunert, Katyn, Ocalona Pamięć (em português “Katyn, Memória Salva, Varsóvia 2010, p. 130), Beria também solicitou que “os casos sejam tratados sem chamar os presos e sem apresentar acusações, decisão de encerrar a investigação e acusação”. O veredicto foi assinado por membros do Politburo do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, Kliment Voroshilov, Vyacheslav Molotov e Anastas Mikoyan. A aceitação de Mikhail Kalinin e Lazar Kaganovich também foi confirmada ao adicionar seus nomes à margem do documento. No mesmo dia, o Politburo aceitou formalmente a proposta de Beria.

Reuniões discutindo o assunto foram realizadas em Moscou nos dias seguintes e, em 14 de março de 1940, os chefes das direções regionais das regiões de Smolensk (Rússia), Kalinin (atual Tver, na Rússia) e Kharkiv (Ucrânia) e os comandantes militares das direções regionais do NKVD foram ordenados a assassinar prisioneiros de guerra poloneses. 

 Assistindo a um desfile comum da Wehrmacht e do Exército Vermelho no final da invasão da Polônia. Vemos ao centro o major-general Heinz Guderian e a sua esquerda o brigadeiro Semyon Krivoshein – Fonte – Arquivo:Bundesarchiv

Uma semana depois, Beria emitiu uma ordem “Sobre o descarregamento das prisões do NKVD ”, que realmente se traduziu em assassinar poloneses detidos em prisões do NKVD na área das províncias orientais da Polônia antes da guerra. Entre eles estavam oficiais aposentados, pessoas envolvidas no serviço estatal, funcionários do governo, funcionários do governo local, promotores, juízes, ativistas políticos, proprietários de terras e outros de posição semelhante.

Estratégia Assassina

A implementação do plano para assassinar prisioneiros de guerra poloneses foi realizada de acordo com instruções detalhadas do NKVD. Os soviéticos queriam que toda a ação fosse realizada de forma rápida e eficiente – para que o menor número possível de pessoas soubesse disso. A máquina de matar começou com ímpeto. 

Em 16 de março de 1940, as unidades de investigação do NKVD começaram a preencher os documentos das futuras vítimas. Enquanto isso, com medo da rebelião dos prisioneiros, o aparato de segurança do campo se concentrava em enganá-los. Uma campanha de desinformação em massa e bem pensada teve o efeito esperado. Os prisioneiros não estavam cientes de seu destino até o último momento. Eles aprenderam a terrível verdade apenas na Floresta Katyn ou nas celas da prisão do NKVD. 

Desfile soviético em uma cidade polonesa em setembro de 1939, após a rendição – Fonte – Wikipédia.

Um dos sobreviventes do campo de Starobielsk, Józef Czapski, lembrou: “Não havia como descobrir quais eram os critérios de seleção para os grupos dos prisioneiros enviados para fora do campo. Sua idade, anos de nascimento, posições, profissões, origens sociais, crenças políticas eram todos misturados. Cada lote subsequente era outra contradição às nossas suposições. Todos nós combinamos apenas em uma coisa: cada um de nós esperou febrilmente pela hora em que eles anunciaram uma nova lista dos que partiriam. Talvez desta vez fosse finalmente a nossa vez de estar na lista […]. De pé na grande escadaria da igreja, o comandante despediu-se dos grupos dos que partiam com um sorriso cheio de promessas. Você vai lá fora, ele disse a um de nós, onde eu adoraria ir. Cada lote subsequente era outra contradição às nossas suposições. Todos nós combinamos apenas em uma coisa: cada um de nós esperou febrilmente pela hora em que eles anunciaram uma nova lista dos que partiriam. Talvez desta vez fosse finalmente a nossa vez de estar na lista […]. De pé na grande escadaria da igreja, o comandante despediu-se dos grupos dos que partiam com um sorriso cheio de promessas. Você vai lá fora, ele disse a um de nós, onde eu adoraria ir. Cada lote subsequente era outra contradição às nossas suposições. Todos nós combinamos apenas em uma coisa: cada um de nós esperou febrilmente pela hora em que eles anunciaram uma nova lista dos que partiriam. Talvez desta vez fosse finalmente a nossa vez de estar na lista […]. De pé na grande escadaria da igreja, o comandante despediu-se dos grupos dos que partiam com um sorriso cheio de promessas. Você vai lá fora, ele disse a um de nós, onde eu adoraria ir (Józef Czapski,Wspomnienia starobielskie “Memórias de Starobielsk”, Roma 1945, p. 45).

Os prisioneiros foram transportados dos campos para os locais de execução – os prisioneiros de Kozielsk foram transportados por comboios para Smolensk, de Starobielsk para Kharkiv, de Ostashkow para Kalinin (agora Tver). 

Soldado sovietico de guarda junto a um avião de treinamento polonês PWS-26, abatido na parte ocupada pelos soviética na Polônia, em 18 de setembro de 1939 – Fonte – Wikipédia.

Foi assim que Zdzisław Peszkowski, um sobrevivente de Starobielsk, que mais tarde se tornou capelão. Ele relembrou sua saída do campo: “Eles nos revistaram minuciosamente e tiraram de nós quaisquer ferramentas afiadas como facas, tesouras, lâminas de barbear que tínhamos. Nossas fotografias foram verificadas e fomos conduzidos para fora do portão do acampamento em grupos de dois. Fomos colocados nos vagões da prisão que já estavam esperando por nós. Eles empacotaram todos, oito homens em cada compartimento. Eles trancaram as portas trancadas do corredor com fechaduras especiais. Soldados do NKVD estavam guardando do corredor. Éramos como animais selvagens em jaulas…” (Sprawa Katynia “O Caso Katyn”, ed. Krzysztof Komorowski, Varsóvia 2010, p. 44).

Ao mesmo tempo, foi preparada a ação de “descarregar” as prisões da chamada Bielorrússia Ocidental e Ucrânia Ocidental. Os detidos foram transportados para prisões em Kiev, Kharkiv, Minsk e Kherson. O Conselho Especial do NKVD elaborou “listas de morte” – ordens de tiro, que foram então aprovadas pela chamada “tróica do NKVD”: Vsevolod Merkulov, Bogdan Kobulov e Leonid Bashtakov. Carrascos foram treinados para matar pessoas com um tiro na parte de trás da cabeça. Moscou também nomeou pessoas para supervisionar seu trabalho.

Tropas do Exército Vermelho, durante a invasão soviética da Polônia, 1939 – Fonte – Wikipédia.

O Massacre

As primeiras “cartas de morte” chegaram aos campos de Kozelsk, Starobielsk e Ostashkow no início de abril e às prisões de Minsk, Kiev, Kharkiv e Kherson por volta de 20 de abril de 1940. O mesmo procedimento ocorreu em casas de tortura em Kharkiv e Kalinin. 

Oficiais do NKVD que participaram das execuções mencionaram seus detalhes nos depoimentos. As execuções eram realizadas apenas à noite, em estrito sigilo. Os prisioneiros foram levados para os porões, onde, em uma sala solitária e silenciosa, foram assassinados com um tiro na nuca. Os que resistiram foram amarrados. O revólver Nagant foi inicialmente usado para realizar as execuções. Mais tarde, os executores passaram a utilizar a pistola alemã Walther P38, devido à sua confiabilidade e alto desempenho. Os disparos mortais terminava ao amanhecer. 

Pistola Walther P38, a preferida dos soviéticos para matar – Fonte – Wikipédia.

O chefe do Conselho Distrital do NKVD em Kalinin, O major Dmitry Stepanovich Tokarev, lembrou anos depois: “Já foi no primeiro dia. Então nós fomos. E então eu vi todo esse horror. Nós fomos lá. Depois de alguns minutos, Blokhin [um dos oficiais do NKVD que veio de Moscou] vestiu sua roupa especial: um gorro de couro marrom, um avental longo de couro marrom, luvas de couro marrom com punhos acima dos cotovelos. Isso me causou uma grande impressão – eu vi o carrasco! Depois de ser arrastada para a cela, a vítima foi imediatamente morta por um tiro na nuca” (Sprawa Katynia … , p. 50). 

Pela manhã, os cadáveres dos assassinados foram transportados em caminhões para lugares solitários com covas já cavadas. Os coveiros foram substituídos por escavadeiras que nivelaram o terreno. Os locais de sepultamento das vítimas foram durante anos inacessíveis até mesmo para os moradores locais.

Vítimas de Katyn.

Sabemos muito menos sobre a execução em Katyn – neste caso, nosso conhecimento vem principalmente das exumações. Os estojos dos projetis utilizados nas sangre-as tarefas e encontradas acima das covas, indicam que as execuções ocorreram diretamente ali. 

Sabe-se também que os prisioneiros que morreram em Katyn foram levados de suas prisões para o local da execução em veículos sem janelas. Os que resistiram estavam com as mãos amarradas. Alguns deles tinham casacos amarrados na cabeça com uma corda, cuja extremidade estava presa com um nó nas mãos. 

Uma vítima – Aqui vemos o capitão Józef Baran-Bilewski, oficial de artilharia do Exército Polonês. Antes da guerra ele participou dos Jogos Olímpicos de Amsterdã e Los Angeles, competindo no lançamento de disco.

Vários documentos soviéticos dão números diferentes de pessoas mortas, embora as diferenças sejam pequenas. De acordo com a nota de 3 de março de 1959, emitida pelo chefe da KGB Alexander Shelepin para Nikita Khrushchev, um total de 21.857 prisioneiros de guerra e prisioneiros poloneses foram fuzilados, incluindo 7.305 pessoas detidas em prisões. Alguns pesquisadores acreditam que os números são subestimados. Apenas 395 prisioneiros escaparam do assassinato em massa – de três campos especiais eles foram levados para o campo de Yukhnov (Rússia).

O resultado do terror em Katyn.

Motivos do crime

A razão para assassinar bestialmente oficiais poloneses pode ter sido o desejo de se vingar da derrota que os soviéticos sofreram na guerra polaco-soviética de 1920.

Entretanto na atual Polônia acredita-se que o motivo mais provável foi a ideia de privar a nação atacada de seus líderes e elite intelectual. Na opinião das autoridades soviéticas, os prisioneiros de guerra poloneses, que manifestavam seu patriotismo, eram “inimigos irredimíveis das autoridades soviéticas e não devem melhorar”. Por esta razão, eles deveriam ser assassinados. As autoridades soviéticas decidiram que este movimento facilitaria o futuro governo da República Polaco-Soviética. 

O carrasco – Duas fotos do major-general Piotr Soprunenko, Chefe do Departamento de Prisioneiros e Internos do NKVD. De acordo com as ordens de Beria e Merkulov, ele preparou um plano e controlou operacionalmente a execução de 15.000 prisioneiros poloneses.

Alguns pesquisadores acreditam que a decisão de “resolver finalmente” o caso dos prisioneiros de guerra poloneses foi tomado em nome da cooperação declarada dos serviços de segurança alemães e soviéticos na luta contra as aspirações de independência da Polônia. A coincidência temporal com a AB-Aktion (Operação Extraordinária de Pacificação) conduzida pelos nazistas e dirigida à intelectualidade polonesa não parece ser involuntária.

Não é à toa que no atual conflito da Ucrânia, uma das primeiras notícias vinculadas, vista com certo exagero por determinados meios, é que haveria uma “lista” de pessoas a serem executadas pelas forças russas de Putin na Ucrânia, para melhor dominação do país. Bem, se é verdade se haveria a tal lista, ou não, eu não sei. Mas a História de Katyn mostra bem o que os soviéticos fizeram em 1940.   

As vítimas de Katyn em 1943.

Vítimas e Executores

Em 1940, entre os prisioneiros de guerra poloneses mantidos em campos especiais estavam oficiais profissionais do Exército e da Polícia do Estado poloneses, bem como reservistas. Em “transportes da morte” para Smolensk e Kharkiv estavam: 12 generais, 1 contra-almirante, 77 coronéis, 197 tenentes-coronéis, 541 majores, 1.441 capitães, 6.061 tenentes, segundos-tenentes, comandantes de cavalaria e subtenentes e 18 capelães e outros clérigos. 

Segundo historiadores poloneses, metade do então corpo de oficiais do exército polonês foi morto. Nas prisões do NKVD da chamada Bielorrússia Ocidental e Ucrânia Ocidental, os soviéticos detiveram oficiais que não foram mobilizados em setembro de 1939, funcionários públicos e funcionários do governo local. Muitos dos assassinados eram especialistas de alto nível em vários campos, entre eles professores universitários, engenheiros, padres, médicos, advogados e outros.

Muitos funcionários do aparato central e diretorias regionais do NKVD, participaram do genocídio de Katyn. Os perpetradores eram os torturadores mais experientes da temida prisão moscovita de Lubyanka e das prisões locais do NKVD, treinados em matar com apenas um tiro. 

Restos humanos em Katyn.

Alguns deles são conhecidos pelo nome. Um dos documentos que não foram destruídos foi a ordem de Lavrentiy Beria, divulgada em 26 de outubro de 1940, premiando 125 pessoas “pelo bom desempenho de tarefas especiais”. Essas pessoas incluíam todas as patentes, desde generais até os oficiais mais baixos do NKVD. Os torturadores permaneceram em silêncio por muitos anos, escondendo cuidadosamente o segredo. Alguns conseguiram fazer carreira, mas muitos começaram a beber e morreram, um a um, poucos anos depois do crime. Alguns deles cometeram suicídio.

Consciência pesa!

Uma coisa é matar um outro ser humano que está armado, no meio de um combate, com tiros sendo disparados. Mas tirar a vida de centenas de pessoas com um tiro na nuca, sendo que essas pessoas se encontravam totalmente subjugadas, seguramente amarradas, transidas de medo, tremendo, além de alguns certamente se encontrarem urinados, ou tendo defecado pelo medo, aí só com muita vodca para aliviar as memórias.  

Restos humanos do Massacre de Katyn.

Descoberta de Sepulturas e Brincando com Katyn

No verão de 1941, Smolensk e seus arredores foram ocupados pelo exército alemão. A primeira informação sobre as valas comuns de oficiais poloneses na floresta de Katyn foi dada aos alemães logo depois, mas eles não fizeram nenhuma tentativa de verificá-la. 

Em 1943 os nazistas fizeram um verdadeiro “Circo de mídia” em Katyn para mostrar o que os soviéticos fizeram aos militares poloneses em 1940. Cinicamente, nessa mesma época os campos de extermínio dos nazistas funcionavam a todo vapor.

Na primavera de 1942, trabalhadores forçados poloneses descobriram a execução de poloneses da população local. Em abril eles começaram a procurar na floresta por conta própria. Em um dos lugares sugeridos, eles descobriram um cadáver em uniformes do Exército polonês. Eles construíram uma cruz de bétula e notificaram as autoridades alemãs da descoberta, mas estas não mostraram nenhum interesse no caso. 

Foi somente em fevereiro de 1943 que a polícia secreta alemã iniciou uma investigação eficiente. Em 18 de fevereiro, a área indicada pelos poloneses foi parcialmente desenterrada e várias valas comuns foram identificadas.

Cartaz nazista de propaganda contra os soviéticos, mostrando o Massacre de Katyn.

Os alemães revelaram o massacre de Katyn após a derrota em Stalingrado. Eles acreditavam que a descoberta desses túmulos seria uma excelente oportunidade para dividir os Aliados. 

O anúncio da agência de notícias alemã sobre a descoberta das sepulturas deu origem a uma propaganda massiva. Com a ordem de Hitler, este caso ganhou publicidade internacional. Por toda a Europa, as estações de rádio controladas pelos alemães noticiaram a descoberta das sepulturas. A exumação contou com a presença de jornalistas, uma delegação da Cruz Vermelha polonesa e um comitê internacional de patologistas. 

Como em 1943 os nazistas já haviam assassinado dezena de milhares de pessoas com tiros na nuca, ficou fácil reproduzir no papel o que os soviéticos fizeram com os militares polacos em Katyn.

Seis dias após o anúncio do Transocean News Service, Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do Reich da Alemanha nazista observou: “Todo o problema de Katyn se tornou um grande assunto político que ainda pode ter uma ressonância significativa. É por isso que fazemos uso dele de acordo com o estado da arte. Uma vez que esses 10.000 a 12.000 oficiais poloneses já perderam suas vidas – talvez não por culpa própria, já que uma vez instigaram a guerra, seu destino deve agora servir às nações da Europa para abrir os olhos para o perigo do bolchevismo” (Eugeniusz Cezary Król,Polska i Polacy w propagandzie narodowego socjalizmu w Niemczech 1919-1945 “Polônia e os poloneses na propaganda do nacional-socialismo na Alemanha 1919-1945”], Varsóvia 2006, p. 430).

Logo após a descoberta das sepulturas em Katyn, o governo polonês pediu uma investigação. O desaparecimento de oficiais poloneses foi motivo de preocupação para as autoridades polonesas – elas também perguntaram repetidamente ao Kremlin sobre seu destino. A descoberta fez o governo polonês exigir que os soviéticos explicassem o que aconteceu durante o genocídio. 

Em abril de 1943, os nazistas alemães iniciam a propaganda anti-soviética sobre o assassinato em massa na floresta de Katyn. Na foto membro do governo francês pró Alemanha Nazista visitam o local.

Tal como acontece em 2022, onde os russos juram de pés juntos que nada fizeram de errado e que os mortos da cidade de Bucha é uma “encenação dos ucranianos”, durante a Segunda Guerra os líderes em Moscou reagiram com uma falsa acusação de que os poloneses estavam encobrindo o crime alemão e cooperando com os nazistas. 

Sob pressão de Stalin, o ministro das Relações Exteriores britânico exigiu a retirada imediata do apelo e o anúncio público de que o massacre de Katyn foi uma “invenção” alemã. A censura britânica parou os despachos de rádio poloneses e confiscou textos destinados à impressão. Os Aliados temiam que a posição da Polônia complicasse os contatos soviético-britânicos. Embora os poloneses tenham retirado seu apelo, os soviéticos romperam relações diplomáticas com o governo polonês no exílio. 

Stalin triunfou – o caso Katyn prejudicou a posição da Polônia na arena internacional. 

Falsificação da História

Após a divulgação da agência de notícias alemã, o rádio e a imprensa de Moscou estavam divulgando a posição do Kremlin, culpando os alemães pelo massacre de Katyn. Além disso, o jornal “Pravda” de Moscou concluiu o apelo do governo polonês à Cruz Vermelha Internacional para explicar a situação com um artigo acusatório “Os colaboradores poloneses de Hitler”.

Poloneses capturados em 1939.

Os soviéticos, tendo rompido relações diplomáticas com o governo polonês menos de uma semana depois, e após a ocupação de Smolensk pelo Exército Vermelho, os oficiais da NKVD foram imediatamente a Katyn para falsificar provas de um crime. 

Em janeiro de 1944, uma comissão especial chefiada por Nikolay Burdenko que investigou o massacre de Katyn informou que os alemães eram responsáveis ​​pelos crimes. Após a guerra, o caso de Katyn foi levado ao Tribunal de Nuremberg. No entanto, não foi a julgamento, pois a culpa dos alemães não pôde ser provada. 

Nas décadas seguintes, os soviéticos tentaram apagar a memória do massacre de Katyn. Uma ferramenta usada na disseminação de desinformação foi a divulgação do crime alemão cometido contra os moradores da vila bielorrussa de Khatyn, localizada perto do local do massacre.

Exumações

As exumações em Katyn começaram no final de fevereiro de 1943 – então os alemães descobriram oito valas comuns. De sete deles, eles extraíram mais de 4.000 corpos, dos quais quase 2.800 foram identificados. Após a entrada do Exército Vermelho, a comissão soviética concluiu que os crimes foram cometidos pelos alemães no verão de 1941. O reconhecimento oficial da culpa da URSS por Mikhail Gorbachev em 1990 permitiu retomar a exploração. Como resultado, em 1991, foi possível localizar locais de sepultamento para prisioneiros: de Starobielsk em Piatichatki e de Ostashkow em Miednoje. As sepulturas restantes foram encontradas durante os estudos subsequentes em 1994 e 1995. Outras sepulturas polonesas foram descobertas em Bykivnia, nos subúrbios de Kiev. Durante os trabalhos de exumação realizados em 2011,

Monumento na região de Katyn – Fonte – Wikipédia.

As Investigações de Katyn

A investigação polonesa sob a supervisão do promotor Jerzy Sawicki começou na primavera de 1945 e foi interrompida em 1946. No mesmo ano, o procurador-geral soviético Rudenko apresentou uma acusação ao Tribunal de Nuremberg contra os alemães pelo assassinato de oficiais poloneses. 

Em 1950, como resultado dos esforços do Congresso americano polonês, o massacre de Katyn foi tratado por um Comitê do Congresso dos Estados Unidos. Em seu relatório, recomendou que o caso fosse encaminhado à ONU e que a URSS fosse processada perante a Corte Internacional de Justiça em Haia. 

Evidentemente, essa decisão desencadeou numerosos protestos das autoridades da URSS e da República Popular da Polónia. Em 1959, o caso Katyn foi retomado pelo então chefe da KGB. Em uma nota para Khrushchev, ele sugeriu destruir os arquivos pessoais das vítimas e preservar apenas os documentos principais. A partir de então, os arquivos-chave estavam disponíveis apenas para o Secretário-Geral do PCUS.

A revisão do caso Katyn só foi possível a partir de 1989. Em 1990, a Procuradoria-Geral da URSS abriu uma investigação conduzida até 2004, quando foi cancelada devido à morte dos culpados. A ordem de cancelamento e sua justificativa foram mantidas em segredo. Ao mesmo tempo, o Massacre de Katyn foi classificado como crime comum, sujeito a prescrição. No mesmo ano, o Instituto de Memória Nacional decidiu lançar uma investigação polonesa sobre o caso Katyn.

Cruz na floresta de Katyn – Fonte – Wikipédia.

Confissão

Na URSS, revelar a verdade sobre Katyn só foi possível pela Perestroika. 

Em 1987, um comitê conjunto de historiadores foi formado para explicar os “pontos em branco” na história das relações mútuas. O avanço foi quando pesquisadores russos – Natalia Lebedeva, Vladimir Volkov, Yuri Zoria e Valentina Parsadanova, encontraram os documentos do NKVD e os compararam com listas de exumações alemãs. Jornalistas e ativistas do “Memorial”, uma ONG russa que defende os direitos humanos e documenta os crimes stalinistas, também defenderam a verdade.

Em 13 de abril de 1990, a agência russa TASS publicou um anúncio oficial afirmando que o NKVD, e Beria e Merkulov pessoalmente, são responsáveis ​​pelo assassinato de poloneses. No mesmo dia, a Polônia recebeu várias centenas de cópias de documentos relativos aos prisioneiros de Kozelsk, Starobielsk e Ostashkow. Em 14 de outubro de 1992, um enviado especial do presidente Boris Yeltsin apresentou solenemente ao presidente Lech Wałęsa uma cópia do famoso Pacote nº 1, incluindo uma carta de Beria a Stalin e um extrato das atas do Politburo da URSS. Uma nova etapa na pesquisa sobre o Massacre de Katyn havia começado.

O Museu de Katyn, em Varsóvia.

Necrópoles de Katyn

No início da década de 1990, os poloneses fizeram esforços para construir um grande cemitério, túmulos em massa, ossuários ou necrópoles honorárias para as vítimas do Massacre de Katyn. 

O primeiro cemitério polonês onde estão enterrados os restos mortais das vítimas do genocídio soviético foi inaugurado em junho de 2000 em Kharkiv-Piatichatki. Os restos mortais de soldados e civis poloneses, mas também de moradores de Kharkiv, vítimas do terror stalinista, foram enterrados no cemitério. 

Nos meses seguintes, cerimônias semelhantes foram realizadas em Katyn e Miednoje. Esses cemitérios se tornaram o local de descanso final dos oficiais poloneses do campo de Kozelsk e Ostashkow. Em 2012, um cemitério de guerra polonês foi inaugurado em Kiev-Bykivnia, onde foram enterrados os restos mortais das vítimas da chamada lista Katyn ucraniana.

Em 29 de abril de 1991 Piotr Soprunenko deu um depoimento sobre Katyn. Ele nunca foi formalmente acusado de nenhum crime. De acordo com a posição oficial russa, os militares do Exército Vermelho nunca cometeram nenhum ato de genocídio, eles estavam apenas envolvidos em crimes regulares, que de acordo com as leis russas em 1991 não eram mais puníveis.

Muitas questões relacionadas ao Massacre de Katyn permanecem sem solução. 

O que torna ainda mais difícil é que parte dos volumes dos arquivos da investigação conduzida pelos russos entre 1990 e 2004 não estão disponíveis. A Rússia se recusa a divulgá-los, justificando sua decisão com a cláusula de sigilo. Além disso, a Rússia não tomou uma decisão final sobre a classificação legal do crime. A Procuradoria da Rússia considerou o crime comum sem revelar os fundamentos legais. Os nomes das vítimas na chamada lista Katyn bielorrussa, ainda não encontrada, ainda são desconhecidos. Também não se sabe onde essas pessoas foram enterradas. No caso da chamada lista Katyn ucraniana, foi encontrado o local onde um pequeno número de vítimas está enterrado. 

O objetivo da investigação polonesa conduzida pelo Instituto de Memória Nacional, que considera o assassinato de Katyn um crime de guerra e um crime contra a humanidade em sua forma mais grave – ou seja, genocídio – é explicar todas as circunstâncias desse crime atroz. O objetivo é descobrir os nomes de todas as vítimas do Massacre de Katyn, bem como os locais onde foram executadas e enterradas. Os investigadores do Instituto da Memória Nacional também procuram identificar os nomes de todos os autores do crime e determinar a responsabilidade de cada um deles.

Hipocrisia

Bucha, Ucrânia, abril de 2022.

A guerra é a bestialidade humana no mais alto grau. Ela não tem nada de bonita, de maravilhosa e de glamurosa. Não é ascética como em um jogo de videogame. É suja, cheira a podre e é doentia. O que está acontecendo na Ucrânia é prova disso!

Mas eu seria hipócrita se ficasse descrito nesse texto que só os soviéticos/russos tem “culpa no cartório”. Todos que participam desse tipo de situação, em maior ou menor grau, seja qual for a justificativa para os engajamentos, tem esqueletos guardados nos armários.

Um exemplo – Eximir os brasileiros dos muitos massacres praticados contra a população paraguaia na Guerra da Tríplice Aliança é ridículo. Mas “limpar a barra” para o que os paraguaios fizeram com a população do Mato Grosso em 1864 é no mínimo uma piada.

No resto do mundo não faltam exemplos e em muitos momentos da História!

My Lai, Vietnã, 16 de março de 1968. Esta foto tirada pelo soldado do Exército dos Estados Unidos e integrante da Companhia Charlie, Ronald Haeberle, após o massacre na aldeia de My Lai, mostrando principalmente mulheres e crianças mortas em uma estrada, foi divulgada na imprensa de todo mundo em 1969, causando comoção internacional. Entre 347 e 504 pessoas foram mortas pelo exército dos Estados Unidos – Fonte – Wikipédia.

Na Europa o holocausto perpetrado pela Alemanha Nazista na Segunda Guerra, com seus mais de 6 milhões de mortos, é bem conhecido. Na África do Norte são bem conhecidas as ações dos franceses na Guerra da Argélia (1954-1962), onde para os argelinos mais de um milhão e meio de seus compatriotas morreram, muitas delas torturadas. Os britânicos, durante seu colonialismo doentio, perpetraram toda sorte de crimes e massacres que marcam até hoje muitos dos povos por eles dominados. Já com os norte-americanos a história não perdoa casos como o Massacre de My Lai (16 de março de 1968), ocorrido durante a Guerra do Vietnã, até as mortes de prisioneiros em Dasht-e-Leili, na Guerra do Afeganistão (dezembro de 2001), ou os assassinatos de civis em Haditha, durante a Guerra do Iraque (19 de novembro de 2005).

Bucha, Ucrânia, abril de 2022.

Mas talvez a sutil diferença dessas situações e os casos de Katyn e Bucha, seja a forma como os discursos produzidos pelos soviéticos/russos para explicar os acontecimentos sejam carregados na desinformação, negacionismo e o uso sem limites da mais pura e deslavada mentira. Não que outras nações que perpetraram seus massacres não façam o mesmo, mas os que praticaram as mortes em Katyn e Bucha parecem exímios nesse mister.

Infelizmente a Guerra na Ucrânia continua e cada vez mais cruel. Mesmo desejando que isso não aconteça, acredito que os acontecimentos da cidade de Bucha poderão não ser únicos nesse conflito.

Mas a sombra de Katyn estará sempre pairando sobre os russos!

COMO UM AZARADO SUBMARINO NAZISTA FOI PARAR EM UM MUSEU?

Mais de 1.150 formidáveis submarinos foram construídos na Alemanha durante a Segunda Guerra, sendo conduzidos por valentes marinheiros, que fizeram essas naves singrarem os sete mares levando o terror da sua presença. Hoje restam apenas cinco dessas máquinas e é uma delas, que está exposta em um museu em Chicago, que vamos comentar no TOK DE HISTÓRIA – O U-505 não alcançou grandes êxitos bélicos, foi sabotado, experimentou situações extremas e o azar fez parte quase que permanente de sua carreira. Mas a história de sua captura em alto mar é uma das páginas mais intensas e interessantes de toda Segunda Guerra. Além do formidável esforço para sua preservação.

Rostand Medeiros – IHGRN

Houve um momento durante a Segunda Guerra Mundial que o povo dessa grande nação tropical chamada Brasil ficou possuído de muito medo e muita raiva de tudo que significasse Alemanha. Isso aconteceu principalmente na segunda metade do mês de agosto de 1942, quando o submarino alemão U-507 torpedeou vários navios brasileiros no litoral da Bahia e Sergipe e suas ações mataram mais de 500 pessoas.

O Primeiro Ministro Britânico Winston Churchill comentou que a arma inimiga que mais temeu durante aquele conflito foram os submarinos. Diante dos milhares de afundamentos de cargueiros britânicos, Churchill compreendeu que se algo não fosse feito de maneira eficiente, os recursos vitais que os britânicos necessitavam para continuar a luta deixariam de chegar aos seus portos e faria com que aquele povo caísse de joelhos pela fome.

Submarinos alemães durante a Segunda Guerra Mundial.

Mais de 1.150 formidáveis submarinos foram construídos na Alemanha durante a Segunda Guerra, sendo conduzidos por valentes marinheiros, singraram os sete mares levando o terror da sua presença em todas as partes. Hoje restam apenas cinco dessas máquinas e quatro delas são abertas ao público na Alemanha (2), Grã-Bretanha (1) e nos Estados Unidos (1). E é sobre o submarino que está na terra do Tio Sam que vamos comentar!

Ele é o antigo U-505, uma nave de guerra que comparativamente a outros submarinos na época, não alcançou grandes êxitos bélicos. Consta que foi sabotada, experimentou situações extremas e parece que o azar fez parte quase que permanente de sua carreira. Mas a história de sua captura em alto mar é uma das páginas mais intensas e interessantes de toda Segunda Guerra. Além do formidável esforço para sua preservação.

Visita Do Próprio BdU

O U-505 era um submarino alemão do Tipo IX-C, tendo sua construção se iniciado em 1940 na cidade de Hamburgo. O U-505 foi lançado ao mar em 25 de maio de 1941 e logo passou a fazer parte da marinha de Hitler. Oito meses depois sua tripulação concluiu seu treinamento de combate.

Kapitänleutnant Axel-Olaf Löwe – Fonte – https://uboat.net/

Foi designado como seu comandante o Kapitänleutnant Axel-Olaf Löwe (ou Loewe como querem alguns). Tinha 31 anos de idade, era natural da cidade portuária de Kiel, havia entrado na Marinha alemã em 1928, começou o treinamento em submarinos no final de 1940 e era considerado um líder nato, calmo e justo.

Aquele submarino começou sua primeira patrulha no final de janeiro de 1943, quando partiu do porto de Kiel e seguiu para sua base de operações no porto de Lorient, na França ocupada. Por 16 dias sua tripulação circundou ao norte das Ilhas Britânicas e depois tomaram rumo em direção sul. Atracaram no destino no dia 3 de fevereiro e se uniram à 2ª Flotilha de Submarinos.

O almirante alemão Karl Dönitz – Fonte – https://uboat.net/

Na sexta-feira, 6 de fevereiro de 1942, o almirante alemão Karl Dönitz se encontrava no porto de Lorient para inspecionar o submarino U-505 e todos os seus tripulantes, que ficaram em rígida formação no convés superior para saudar Dönitz, o Befehlshaber der Unterseeboote, ou BdU, o comandante supremo da arma de submarinos da Marinha alemã. 

Cinco dias após essa cerimônia, o comandante ordenou soltar os cabos de amarração, enquanto a ponte de comando se encontrava adornada com guirlandas de flores. Uma banda naval começou a tocar marchas militares e o público nas docas aplaudiu o U-505 e sua tripulação.

Bunkers de proteção de submarinos alemães, existentes até hoje na cidade francesa de Lorient – Fonte – https://pt.wikipedia.org/wiki/Base_de_submarinos_de_Lorient

A nave de guerra seguiu para alto mar percorrendo o calmo Rio Blavet, acompanhado do submarino U-64 e de um caça minas como escolta. Aquele pequeno grupo de embarcações navegaram juntos até a altura da cidadela de Port-Louis, onde os dois submarinos tomaram rumo sul, para realizarem patrulhas de busca e destruição de navios mercantes Aliados na região da costa ocidental africana.

Após deixarem para trás Lorient, o comandante Löwe ordenou a Herbert Nollau, primeiro oficial de vigia, que as guirlandas de flores fossem jogadas na água, pois na tradição marítima, pelo menos na tradição marítima alemã, dava azar carregar flores em um barco.

Mal sabia Löwe e seus tripulantes que ao longo de sua trajetória, a falta de sorte seria uma constante no U-505!

Vitórias Em Alto Mar

Quando o U-505 passou pelo arquipélago português dos Açores, Löwe autorizou uma “ponte livre”, o que significava que os homens poderiam subir até o convés para bater papo, tomar banho de mar, sol e fumar. Na sequência, depois de passarem pelas Ilhas Canárias, o comandante ordenou “desligaram um motor e correram a meia velocidade para economizar combustível” e não chamar atenção. Chegaram à área de operações em 1º de março de 1942. Löwe tinha um comando independente em um submarino novo em folha, com dezenove torpedos a bordo e logo começaria a utilizá-los.

O SS Benmohr – Fonte – https://uboat.net/

Na noite de 5 de março o SS Benmohr, um navio a vapor britânico de 6.000 toneladas, que seguia sem escolta a caminho da Escócia, foi torpedeado e afundou a cerca de 210 milhas náuticas a sul-sudoeste de Freetown, capital de Serra Leoa. Toda a tripulação de 56 pessoas sobreviveu e foram resgatados por um hidroavião quadrimotor britânico Sunderland do 95 Squadron da RAF (Royal Air Force).

No dia seguinte, quase ao meio-dia, o MV Sydhav, um navio-tanque norueguês de 7.600 toneladas que também se encontrava a sudoeste de Freetown, foi atingido a estibordo por dois torpedos. O navio afundou rapidamente pela popa e alguns membros da tripulação, entre eles o comandante Nils O. Helgesen, saltaram no mar e foram puxados para baixo pela sucção. Um outro foi atacado por tubarões e desapareceu. O resto dos sobreviventes se amontoaram em duas jangadas e avistaram o submarino a cerca de 250 metros de distância. Os náufragos viram que o mensageiro chinês do Sydhav, que se agarrava a destroços na água, foi interrogado. Então os alemães partiram sem terem se aproximado das jangadas. Mais tarde os sobreviventes conseguiram resgatar o mensageiro, mas ele morreu em decorrência dos ferimentos. Löwe e alguns de seus tripulantes afirmaram que pretendiam ajudar os náufragos, mas surgiu um avião inimigo e eles submergiram. Dos 35 tripulantes do Sydhav, 12 morreram.

MV Sydhav – Fonte – https://uboat.net/

Mais tarde, em 28 de março, Löwe teve que mergulhar duas vezes para escapar de uma aeronave e de uma corveta que estavam escoltando um navio a vapor. O U-505 foi atacado com cargas de profundidade por quatro longas horas, mas Löwe escapou com um mergulho profundo de 600 pés (183 metros). O comandante observou durante o batismo de fogo do U-505 “a tripulação se comportou de maneira excelente”.

Löwe manteve o moral elevado por meio do seu estilo de comando, mantendo a tripulação informada de suas intenções, exercendo uma liderança leve em lugar de utilizar de aspereza para remediar os lapsos dos marinheiros e respeitando as tradições e superstições marítimas. Incluindo a tradicional e elaborada cerimônia do cruzamento da Linha do Equador, que o U-505 realizou pela primeira vez na terça-feira, 31 de março de 1942.

A festa ao cruzar a Linha do Equador é uma tradição muito antiga no meio naval – Fonte – https://theleansubmariner.com/2019/02/07/get-in-line-you-useless-pollywog-prepare-to-meet-king-neptune/

Mesmo no meio de uma guerra total, a tradição marítima exigia que a deferência adequada fosse dada a Netuno, o deus romano do mar, que deveria embarcar em todos os navios que cruzam a linha imaginária, na busca de desafortunados marinheiros que ainda não haviam “lhe pedido permissão para estar no seu oceano”. Um dos marinheiros mais experientes se fantasiava de Netuno e realizava suas “obrigações”, normalmente brincadeiras de terrível mal gosto contra os recrutas mais jovens, mas que deleitavam os veteranos. Tal como ocorreu com outros submersíveis alemães, essa festa aconteceu no convés do U-505, a luz do dia, mas com os vigilantes bem atentos na torre.

Em 3 de abril, o U-505 afundou o SS West Irmo e na noite seguinte foi a vez do SS Alphacca, ambos próximo ao litoral da Costa do Marfim.

O West Irmo era um navio a vapor americano escoltado pela corveta britânica HMS Corpinsay, que viajava de Lagos, na Nigéria, com destino a cidade de Nova York, Estados Unidos. O U-505 seguiu esse navio por 29 extenuantes horas, antes de atacá-lo por volta das 21:30. Os dois primeiros torpedos que ele disparou o contornaram inofensivamente, sem chamar a atenção de sua tripulação ou dos militares da corveta que o escoltava. Horas depois fizeram uma nova tentativa e obtiveram sucesso. O West Irmo só afundou no dia seguinte e dos 109 tripulantes, dez morreram.

Já o Alphacca era um navio mercante holandês sem escolta, de 6.000 toneladas, que Löwe afundou à noite com um torpedo G7a, em um ataque de superfície. O fato se deu depois dos alemães perseguirem esse navio por mais de sete horas, a cerca de 154 milhas ao sul de Cabo Palmas, Costa do Marfim. A maioria dos tripulantes e todos os passageiros abandonaram o navio em quatro botes salva-vidas, sem enviar um sinal de socorro e 14 membros da tripulação foram perdidos. O submarino emergiu depois e se aproximou para questionar os sobreviventes e fizeram perguntas sobre o nome, nacionalidade, carga e rota da embarcação. Mas também questionaram se eles tinham abastecimento e água suficientes? Depois de ajudar os sobreviventes do Alphacca, estes foram informados o curso e a distância para o Cabo Palmas e mutuamente desejaram boa sorte e boa viagem. Os botes salva-vidas então navegaram em direção à costa, mas um bombeiro morreu no dia seguinte e seu corpo foi entregue ao mar. Em 9 de abril, todos os quatro pequenos barcos com os náufragos desembarcaram a leste do Cabo Palmas. Löwe observou no Diário de Guerra do U-505 “Barcos bem equipados e abastecidos. A tripulação falava alemão. Ironia da guerra, lutamos contra homens que falam a nossa própria língua”.

SS Alphacca – Fonte – https://uboat.net/

Depois das quatro vitórias, o U-505 passou a ser bastante perseguido pela aviação antissubmarino britânica e em 21 de abril de 1942 Löwe anunciou que eles estavam voltando para Lorient. Chegaram no dia 7 de maio, depois de várias perseguições infrutíferas dos ingleses. Nessa patrulha o submarino afundou um total de 26.000 toneladas de naves inimigas, ao custo de 14 torpedos, dos quais oito atingiram seus alvos.

Retorno festivo de um submarino ao porto de Lorient – Fonte – Bundesarchiv – https://pt.wikipedia.org/wiki/Base_de_submarinos_de_Lorient

No Mar do Caribe

O terceiro cruzeiro operacional do U-505 (e o segundo cruzeiro de combate) começou em um domingo, 7 de junho de 1942, e seu destino foi o cálido Mar do Caribe.

Uma bússola quebrada nesta viagem causou problemas de navegação, mesmo assim, antes de chegar em sua área operacional, o U-505 afundou dois navios mercantes ao norte das ilhas Leeward, ou Ilhas de Sotavento. Eles foram o SS Sea Thrush, em 28 de junho, e o SS Thomas McKean um dia depois.

O Sea Thrush – Fonte – https://uboat.net/

Sea Thrush era um cargueiro americano de 6.900 toneladas, que realizava sua viagem com carga geral e material de guerra, incluindo munições e aeronaves. Partiu da Filadélfia para a Cidade do Cabo, a capital da África do Sul, via a ilha de Trinidad. No começo da noite Löwe o atingiu com dois torpedos a cerca de 425 milhas a nordeste de San Juan, Porto Rico. Uma hora depois a tripulação evacuou e o comandante alemão acabou com o navio utilizando um terceiro torpedo. Todos os quarenta e um tripulantes, quatorze passageiros do Exército dos Estados Unidos e onze membros da Marinha americana sobreviveram em quatro botes salva-vidas.

Thomas McKean em chamas, fotografado pela tripulação do U-505 – Fonte – https://uboat.net/

Já o Thomas McKean era outro navio americano, de 7.400 toneladas e recém lançado ao mar. Partiu de Nova York para sua viagem inaugural até o Golfo Pérsico levando uma carga de aviões, tanques e outros suprimentos de guerra para a União Soviética. Foi atingido por dois torpedos e depois que a tripulação baixou os botes salva-vidas, Löwe terminou o serviço no Thomas McKean com 72 disparos do canhão de quatro polegadas do convés do U-505. A tripulação alemã tirou fotos do navio em chamas, de um barco salva-vidas e deu aos náufragos suprimentos médicos e instruções para navegarem para terra, a 360 milhas náuticas de distância. Quatro, dos 59 tripulantes, morreram quando o Thomas McKean afundou e, dos quatro botes salva-vidas que deixaram a área do sinistro, dois foram resgatados em quatro dias, um chegou à costa após sete dias e o último alcançou as praias após nove dias.

Náufragos do Thomas McKean, igualmente fotografados pelo pessoal do U-505 – Fonte – https://uboat.net/

Pelos próximos 23 dias o U-505 circulou por uma grande área do Mar do Caribe em busca de presas. Passou ao sul da Colômbia, Panamá, ao sul das belas ilhas de Bonnaire, Curaçao e Aruba. Depois se aproximou do litoral venezuelano, bem como do litoral da Colômbia, Panamá e Nicarágua. Em outros momentos adentrou mais o Mar do Caribe, sempre vasculhando atrás de vítimas. Então, as três da tarde de 22 de julho de 1942, algo surgiu no horizonte a 12 graus, 24 minutos de latitude norte e 81 graus, 28 minutos de longitude oeste.

Destruindo Um Veleiro

Era uma escuna de três mastros chamada Urios, mas que recentemente havia sido rebatizada de Roamar (o que causa confusão entre os pesquisadores) e deslocava 400 toneladas. Era registrada na cidade de Barranquilla, Colômbia e foi visualizada a doze milhas náuticas a noroeste de Cayo Bolivar, na ilha colombiana de San Andréas.

Löwe ordenou que o segundo oficial de vigia Gottfried Stolzenburg desse um tiro de advertência sobre a proa, porque o veleiro não tinha bandeira e se movia em ziguezague, tal como um navio que estava tentando evitar torpedos. O problema foi que o primeiro tiro do U-505 destruiu o mastro principal da escuna, que estava desarmada. O pânico se instalou, com seu mastro e velas caindo sobre seus decks elegantes como uma tenda gigante.

Interior da sala de torpedos do U-505.

Mas a escuna não parava, então Löwe ordenou outro par de tiros de advertência, momento em que a tripulação içou uma bandeira identificada como sendo da Colômbia. Mesmo assim a escuna não parava. Löwe manobrou o U-505 para interceptar o veleiro, mas em vez de chegar próximo, ele mudou de curso e de ideia e ordenou que afundassem aquele barco.

Segundo narrativas da tripulação do U-505, o primeiro tiro direto no casco do veleiro foi todo o convencimento de que a tripulação de língua espanhola precisava para abandonar seu barco. Os alemães afirmaram que esperaram até que a tripulação, “quase histérica” na opinião dos submarinistas, estivesse bem longe da escuna e voltaram a abrir fogo. Deram mais de vinte disparos e não demorou para que o canhão de convés transformasse aquele barco de 400 toneladas em palitos de fósforo. 

Consta que a tripulação alemã se “divertiu muito com o ataque”, mas prontamente Löwe percebeu que aquilo foi um grande erro. O comandante ordenou imediatamente saírem daquela área, presumindo que o veleiro tivesse tido tempo de sobra para comunicar a presença do submarino pelo rádio.

Enfermaria do U-505.

E os problemas realmente iriam começar para o U-505. E de várias maneiras!

Primeiramente a Colômbia não era uma nação que havia declarado guerra à Alemanha e, para piorar a situação, o veleiro era propriedade de um diplomata colombiano. Seu afundamento, embora pudesse ser considerado em tempo de guerra perfeitamente legal, forneceu a base política para a Colômbia declarar guerra contra a Alemanha! 

Some a isso o fato dos tripulantes jamais serem vistos novamente. Sobre essas vítimas consta que haveria quatro mulheres entre os desaparecidos e, dependendo das fontes pesquisadas, o número final de pessoas que estavam a bordo e sumiram para sempre após o ataque, varia de uma dúzia a 24.

O certo é que, coincidência ou não, a partir desse momento a situação do U-505 nas mãos dos alemães jamais foi positiva.

Material de detectação do submarino U-505.

Parece até que Netuno, o Rei dos Oceanos, se irritou profundamente com o fato daquele moderno submarino atacar um veleiro indefeso, com a alegria dos submarinistas com aquela ação e com o desaparecimento dos tripulantes. Supersticiosos como só os marinheiros podem ser, para muitos tripulantes do U-505 os infortúnios posteriores do submarino foram atribuídos ao afundamento daquela escuna.

Começo Do Azar

Logo após o ataque ao barco colombiano o comandante Axel-Olaf Löwe ficou gravemente doente. Sua condição física piorou dramaticamente nos dias seguintes e começou a afetar seu desempenho. E para piorar o quadro o comandante Löwe não conseguia afastar a sensação de que havia cometido um erro tremendo.

Na sexta-feira, 31 de julho de 1942, Löwe solicitou permissão para interromper seu cruzeiro de guerra e retornar ao porto devido à sua doença. Um dia depois o comando alemão ordenou a volta do U-505 a Lorient, mas antes ele entregou parte do combustível e suprimentos a outro submarino. Demoraram quase um mês para completar o trajeto e quase não chegaram, pois ataques de aviões britânicos ao U-505 aumentaram quando ele se aproximou do Golfo da Biscaia.

Interior do U-505 nos dias atuais.

Dois dias depois que voltou à base, Löwe foi submetido a uma apendicectomia. O atendimento médico aliviou a ameaça à sua vida, mas a dor física que ele suportou não era nada comparado à angústia emocional que ele viveu com o naufrágio daquela maldita escuna de três mastros. Por alguma razão alguém nas altas esferas do Reich alemão, que não descobri quem era, não gostou nem um pouco da atitude de Löwe em relação ao naufrágio do veleiro colombiano. Ele foi sumariamente dispensado do comando do U-505 e designado para o serviço em terra.

A situação de Löwe só não se transformou em uma catástrofe total, porque o próprio almirante Dönitz reconheceu os talentos do capitão e providenciou para que ele fosse incluído em sua equipe. Depois, entre julho de 1944 a abril de 1945, Löwe foi designado como um elemento de ligação naval no Ministério de Armamentos e Produção em Berlim, sob o comando de Albert Speer. Ele terminou a guerra na região de Schleswig-Holstein, servindo em um regimento naval antitanque próximo a Kiel, sua cidade natal. Sobreviveu e foi detido após a rendição, sendo libertado em 30 de dezembro de 1945. Faleceu no final do ano de 1984.

Já o que aconteceu depois com o U-505, foi bem mais estranho!

Oberleutnant zur See Peter Zschec – Fonte – https://uboat.net/

Após a exoneração de Löwe, assumiu o comando no dia 6 de setembro de 1942 o Oberleutnant zur See Peter Zschec. Ele tinha 25 anos de idade, começou o treinamento de submarinos em outubro de 1940 e foi designado para o U-124, comandado por Johann Mohr. Durante sua permanência na nave de Mohr, o jovem Zschec presenciou o afundamento de 22 navios inimigos e três outros foram danificados. Com toda essa bagagem e experiência, o jovem oficial foi enviado para a escola de comandantes de submarinos e o alto comando acreditava que grandes coisas seriam realizadas por Peter Zschech. 

Mas ele não correspondeu a essas altas expectativas e, de acordo com muitos relatos, não era querido por sua tripulação. Consta que Zschech foi descrito como um comandante duro, ambicioso em seu primeiro comando, indiferente ao moral dos seus homens e muito mal-humorado.

A sua primeira patrulha, de 69 dias, transcorreu em parte sem incidentes e Zschech conseguiu afundar seu único navio, o mercante britânico Ocean Justice, de 7.173 toneladas. Esse navio transportava 600 toneladas de minério de manganês como lastro e fazia a rota Karachi (Paquistão), Durban (África do Sul), ilha de Trinidad e Nova York, sendo destruído ao largo da l. Toda tripulação de 56 pessoas foi salva por barcos Aliados. 

Um Lockheed Hudson da RAF. O Brasil também utilizou modelos dessa aeronave.

Na sequência, em 11 de novembro de 1942, o submarino foi fortemente danificado por um ataque aéreo no Mar do Caribe. O impacto direto no convés de proa de uma bomba de 250 libras, lançada por um avião bombardeiro bimotor Lockheed Hudson vindo de Trinidad, arrancou o canhão do barco e rompeu gravemente o casco. O impacto foi tão estupidamente forte que o avião atacante, pilotado pelo sargento de voo australiano Ronald Rashleigh Sillcock, do 53 Squadron do Comando Costeiro da RAF, simplesmente caiu no mar. Sillcock e outros quatro tripulantes morreram diante dos atônitos marinheiros do U-505.

O sargento de voo australiano Ronald Rashleigh Sillcock, que quase afundou o U-505, mas morreu no ataque – Fonte – https://www.awm.gov.au/collection/C1277868

Zschech ordenou que seus homens abandonassem o navio, mas seus oficiais recusaram a ordem e conseguiram manter a nave à tona. A após uma verdadeira maratona, o U-505 voltou mancando para Lorient, onde chegou em 12 de dezembro, dando a nave a honra mista de ser o submarino mais danificado em combate a retornar com sucesso ao seu porto durante a guerra. A paulada levada pelo submarino foi tão grande, que os reparos demoraram seis meses. 

Sabotagens e Suicídio a Bordo

Quando Zschech novamente tentou levar o U-505 para o mar, repetidas falhas mecânicas o forçaram a voltar para reparos depois de apenas alguns dias de navegação. Isso aconteceu seis vezes consecutivas, geralmente devido à sabotagem dos trabalhadores do estaleiro francês.

Como o U-505 ficou após o ataque do sargento Sillcook.

Mesmo assim essa situação fez com que o U-505 se tornasse alvo de inúmeras piadas por sua ineficácia no combate. Diziam que enquanto alguns submarinos estavam acumulando totais de tonelagem impressionantes e outros estavam sendo afundados com toda sua tripulação, o U-505 nem tinha conseguido deixar o Golfo de Biscaia em quase um ano. Durante quase 14 meses no comando, Zschech passou apenas 96 dias no mar durante seis patrulhas. A principal piada sobre o comandante do U-505 era que, enquanto muitos outros submarinos estavam sendo afundados… “há um capitão que sempre voltará para casa … Zschech”. O U-505 também ficou conhecido como um Werftbock (cabra de doca seca). Naturalmente, isso teve um impacto deletério no moral de Zschech e de sua tripulação.

Para piorar o clima geral, mesmo sabendo que os fracassos do U-505 foram obras de sabotagem, para muitos marinheiros alemães em Lorient, o azar havia impregnado o casco daquele submarino e nada mais poria aquela nave nos eixos. O certo é que os membros da tripulação do U-505 começaram a comentar com colegas de outros submarinos seus infortúnios e mostravam o temor do que poderia acontecer.

Com cada mau funcionamento, o comportamento do comandante Zschech tornou-se mais errático, alternando entre introversão taciturna e explosões sádicas de agressão.

O comandante Zschech na torre do U-505 em Lorient

Mas o pior estava por vir!

Em 10 de outubro de 1943, o U-505 finalmente conseguiu deixar Lorient com sucesso. Depois de apenas 14 dias, o submarino chamou a atenção de um par de contratorpedeiros Aliados enquanto emergia a leste dos Açores. O U-505 sofreu um forte ataque de cargas de profundidade concentrada, um procedimento muito comum para tripulações de submarinos alemães neste ponto da guerra. Mesmo assim Peter Zschech desabou de vez, sofreu um colapso nervoso e tirou a própria vida na sala de controle do barco com um tiro na cabeça de uma pistola Luger (alguns afirmam que a pistola era uma Walter PPK). 

O certo é que Zschech ganhou notoriedade como primeiro (e até agora único) comandante de submarino a cometer suicídio enquanto estava no comando ativo de uma embarcação debaixo d’água. O oficial Paul Mayer, com 26 anos de idade, assumiu o comando, evitou os perseguidores e devolveu o barco a Lorient em 7 de novembro de 1943.

O suicídio do seu comandante devastou o moral dos tripulantes do U-505. Mas o almirante Dönitz não dispersou a tripulação por outros submarinos, temendo que a boataria sobre esse episódio logo se espalhasse e gerasse um forte efeito negativo no moral da frota.

Dönitz chamou então um velho lobo do mar para colocar ordem naquela verdadeira zona que havia se tornado o U-505.

“Irmão Mais Velho”

O Oberleutnant zur See Harald Lange tinha 40 anos de idade quando assumiu esse comando, sendo na época um dos oficiais mais velhos na Unterseebootswaffe (Frota de Submarinos). 

Oberleutnant zur See Harald Lange .

Lange era um homem fisicamente imponente, que tinha quase dois metros de altura e possuía uma voz de barítono. O novo comandante do U-505 nasceu em Hamburgo no dia 23 de dezembro de 1903 e antes da Segunda Guerra era capitão de um navio da Linha Hamburgo-Americana. Continuou a trabalhar na marinha mercante até ser chamado para o serviço ativo em 1939. Seu primeiro comando foi um barco caça minas, depois assumiu um barco patrulha no Mar Báltico, onde danificou um submarino inglês em um combate noturno. No final de 1941 se juntou a frota de submarinos.

Lange era um homem mais maduro do que a maioria dos comandantes de submarinos alemães, que na sua atividade em navios mercantes aprendeu a lidar com marinheiros, ganhando confiança e exercendo liderança. Não sendo um oficial naval profissional, talvez fosse mais tolerante com as fragilidades humanas do que um rígido oficial da Marinha alemã, embora não mimasse seus homens e insistisse que coisas importantes fossem feitas exatamente da maneira certa. Mas ele entendia o que a tripulação do U-505 havia passado, era informal em seus tratos com eles e fazia concessões nas pequenas coisas. Lange se tornou um tipo de “irmão mais velho”, que era exatamente o que essa equipe precisava se quisesse se manter unida.

O comandante Lange, de quepe branco, junto a tripulação do U-505 – Fonte – https://www.msichicago.org/

A primeira experiência de Lange a bordo de um submarino foi como oficial de guarda do U-180, que tinha como comandante o Korvettenkapitän Werner Musenberg. Neste submarino Lange participou de uma missão bastante diferente para a maioria dos submarinos alemães na Segunda Guerra.

O U-180 era um modelo quase único, um submarino de longo alcance, com parte de sua estrutura interna removida para criar um compartimento para carga extra. Nesta missão, essa nave partiu da Alemanha com correio diplomático para a embaixada alemã em Tóquio, projetos de motores a jato, materiais técnicos para os militares japoneses, duas toneladas de ouro e dois passageiros indianos. Um deles era Subhas Chandra Bose, um ativista que lutava pela liberdade da Índia do julgo britânico e contava com o apoio dos nazistas. Bose deu meia volta no mundo a bordo do U-180 para retornar secretamente a sua terra e buscar insuflar a revolta do povo hindu contra os britânicos e conseguir a independência. Em 27 de abril de 1943 o U-180 realizou um encontro no Oceano Índico com o submarino japonês I-29, que recebeu os ativistas para levá-los a Sumatra e os preciosos materiais para o Japão. Aquela missão foi altamente secreta, tendo sido cumprida de forma excepcional e o U-180 ainda afundou dois navios de carga aliados no seu trajeto para a França.

Última Patrulha

Logo o U-505 foi para o mar!

Exemplo de um submarino partindo para o Oceano Atlântico – Fonte – Bundesarchiv – https://pt.wikipedia.org/wiki/U-108#/media/Ficheiro:Bundesarchiv_Bild_101II-MW-3956-05A,_Frankreich,_Lorient,_U-107.jpg

Entre o dia 20 e 21 de dezembro de 1943, aquele complicado submarino partiu em um novo cruzeiro de guerra, mas tal como nas outras vezes, retornou a Lorient por causa de um vazamento em seu primeiro mergulho prático. Parecia que nada dava certo naquela nave!

Finalmente no sábado, 25 de dezembro de 1943, em pleno dia de Natal, o U-505 deixou novamente Lorient, apenas para no dia 28 seguir para resgatar sobreviventes do barco torpedeiro alemão T-25, que tinha sido afundado na Baía de Biscaia durante uma batalha entre torpedeiros alemães e destroieres britânicos. Depois de emergir para conduzir uma busca de cinco horas de duração, o U-505 recolheu 34 sobreviventes, de nove botes salva-vidas. O submarino então se dirigiu para o porto francês de Brest, quando na manhã do dia 30 de dezembro foi atacado por um avião inglês que lançou duas bombas. O ataque alarmou e sacudiu os homens da frota de superfície, mas a tripulação do U-505 levou a coisa toda na maior indiferença. Mas o ataque atingiu o eixo de uma das hélices, o que dificultou a navegação.

Quando chegaram a Brest uma barcaça cheia de correspondentes de guerra veio até o submarino para cobrir a história do resgate. Aí do nada, enquanto os jornalistas estavam a bordo do U-505, ocorreu um incêndio elétrico!

Fogo em um submarino alemão – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/German_submarine_U-515

Os jornalistas estavam obtendo algumas imagens internas do submarino, quando inesperadamente um clarão cegante, semelhante a um relâmpago, irrompeu da sala do motor elétrico. Um enorme raio branco-azulado de eletricidade estava saindo e uma grande nuvem de fumaça branca, que se transformou em uma fumaça negra e malcheirosa, exalava do motor. Essa dramática exibição elétrica causou pânico imediato entre os jornalistas, que correram como um rebanho de gado assustado em direção à sala de controle. Os sobreviventes do barco de patrulha T-25 juntaram-se a eles quando a nuvem de fumaça sufocante começou a invadir o barco. O fogo foi logo controlado e o submarino foi para o estaleiro.

Somente em 16 de março de 1944, depois de dez semanas em Brest, o U-505 partiu para a sua décima segunda e última patrulha! 

Para essa saída ao mar a tripulação do U-505 era composta de 59 homens, sendo cinco oficiais, 17 suboficiais e 37 recrutas não qualificados. Sua área operacional deveria ser ao largo da costa oeste da África, na região da cidade portuária de Freetown. Mas devido a ação dos aviões britânicos de caça de submarinos, o U-505 levou doze dias para atravessar o Golfo da Biscaia.

Visão a partir de um periscópio de um submarino – Fonte – http://www.spiegel.de/

Na sua área de patrulha o submarino não encontrou alvos durante um mês inteiro e o único barco que visualizou foi um navio de passageiros de 9.000 toneladas do neutro Portugal. Nesse meio tempo, como era normal com aquela nave, vários sistemas mecânicos quebraram e Lange poderia ter retornado à base, mas preferiu mandar consertá-los no mar. Os tripulantes do U-505 não tinham mais certeza se aqueles fatos eram exemplos de sabotagem, sinais de queda na qualidade do material de guerra, ou definitivamente aquele barco estava amaldiçoado.

Em 30 de maio de 1944 Lange definiu o curso para leste, em direção à África Ocidental Francesa. Percorreu 84 milhas em 42 horas, antes de mudar o curso de volta para o norte. Na manhã do dia 4 de junho, o U-505, continuava cruzando os mares da África Ocidental em busca de oportunidades para enviar navios aliados para o fundo do oceano. Em dado momento, de forma inesperada, cargas de profundidade vindas do navio da Marinha dos Estados Unidos USS Chatelain explodiram.

O Submarino Está Subindo!

Embora acertar o submarino com cargas de profundidade tenha sido um golpe de sorte, nessa época os serviços de inteligência dos Aliados já haviam conseguido decifrar mensagens e informações que permitiram à Marinha dos Estados Unidos aprimorar-se na caça dos submarinos inimigos.

O Uss Pillsbury, um dos navios que atacou o U-505 – Fonte – US Navy

Foi descoberto que um grupo de submarinos alemães estavam conduzindo uma operação de caça e destruição de navios mercantes Aliados próximo as ilhas de Cabo Verde. A Marinha americana então enviou um grupo de navios para capturar e destruir esses submarinos. O grupo era comandado pelo comandante Daniel V. Gallery, a bordo do porta-aviões USS Guadalcanal. Ele estava acompanhado por cinco destroieres, que operavam sob o comando do capitão Frederick S. Hall. Esses navios eram o USS Pope, USS Jenks, USS Pillsbury, USS Flaherty e o já comentado destroier Chatelain. Esse grupo de navios foi denominado United States Navy Task Group 22.3 (TG 22.3). 

Os membros dessa flotilha embarcaram do porto de Norfolk, na Virgínia, em 15 de maio de 1944 e no final do mês suas tripulações começaram a missão de localizar e destruir os submarinos inimigos na costa ocidental africana. Eles estavam equipados com tecnologia de sonar de localização de alta frequência chamado “Huff Duff” e foram auxiliados pelo reconhecimento aéreo proporcionado por duas esquadrilhas do Guadalcanal, sendo uma formada por aeronaves Grumman F4F Wildcat e outra de Grumman TBF Avenger.

O USS Guadalcanal sendo sobrevboado por um Grumman TBF Avenger – Fonte – https://www.navsource.org/archives/03/0306014.jpg

Pouco antes de meio-dia de 4 de junho, através do contato de sonar o grupo de destroieres encontrou um alvo. Estavam à aproximadamente 150 milhas (280 km) de distância da costa da antiga colônia espanhola de Rio de Oro, que atualmente corresponde ao Saara Ocidental.

Logo a nave nazista ficou a apenas 800 jardas (700 metros) a estibordo da proa do destroier Chatelain. Toda a força naval americana respondeu rapidamente ao chamado de ação e se moveram em direção ao submarino. O Guadalcanal lançou um F4F Wildcat para se juntar a outro F4F e um TBF Avenger que já estavam patrulhando. Surpreendentemente quando o Chatelain partiu para atacar o submarino, ele estava tão perto que suas cargas de profundidade não puderam cair com rapidez suficiente para atingir o submersível. Felizmente aqueles caçadores de submarinos sabiam exatamente o que fazer.

Ao passar sobre o U-505 a tripulação disparou morteiros antissubmarino “Hedgehog” e retornaram para realizar um ataque de acompanhamento. Enquanto o Chatelain se posicionava, uma aeronave avistou a nave alemã e marcou sua posição. O Chatelain novamente lançou suas cargas de profundidade, atingindo o submarino e fazendo com que ele vazasse óleo combustível abundantemente. Um dos pilotos na área transmitiu pelo rádio a seguinte informação para a tripulação do destroier – “Você descobriu petróleo! O submarino está subindo!”. 

Corrida Para Salvar o Submarino

O ataque foi rápido e produtivo. O tempo total necessário para forçar o submarino subir à superfície foi de pouco menos de sete minutos. O U-505 emergiu a cerca de 700 jardas (640 metros) do Chatelain, fortemente danificado e sem opções de defesa. Nesse momento tudo que pertencia a Marinha dos Estados Unidos e estava na água e no ar abriu fogo com todas as suas armas contra o submarino.

U-505 estava com pouca eletricidade e sendo destruído. O comandante Lange acreditava que não havia como o submarino sobreviver ao ataque e então ordenou que sua tripulação abandonasse a nave. Mas quando sua ordem foi dada, seus homens não seguiram o protocolo adequado de destruírem a embarcação ao abandoná-la. Algumas das válvulas foram deixadas abertas para entrar água do mar, mas não foi o suficiente para o submarino afundar e, para cúmulo do azar e piorar a situação, os alemães deixaram os motores funcionando em marcha lenta. 

O U-505 navegando em círculos e abandonado – Fonte – https://uboat.net/

O resultado foi que o U-505, que teve o leme danificado pelas cargas de profundidade, começou a circular lentamente no sentido horário a velocidade de aproximadamente 7 nós (13 km/h). Nesse meio tempo o comandante do Chatelain viu o submarino virando para seu navio e pensou que ela estava prestes a atacar, então ordenou que um único torpedo fosse disparado. Por sorte a tripulação do Chatelain errou o U-505 vazio. Depois desse erro, os caçadores perceberam que o submarino havia sido abandonado e o Chatelain e o Jenks começaram a resgatar os sobreviventes.

O comandante Daniel V. Gallery ordenou que um grupo de embarque de oito homens do destroier Pillsbury, comandados pelo tenente Albert Leroy David, buscassem evitar que o submarino afundasse, garantindo sua captura para os serviços de inteligência dos Estados Unidos, que assim poderia descobrir os segredos dos temidos submarinos alemães.

O grupo de tenente Albert invadindo o submarino

Leroy David e seu grupo conseguiram abordar o submarino em uma corrida no meio do oceano e subiram na torre de comando. No convés eles encontraram o corpo do sinaleiro de primeira classe Gottfried Fischer, a única fatalidade do combate, e o U-505 completamente vazio de gente. 

A tripulação americana que se infiltrou no U-505, interrompeu os vazamentos fechando as válvulas de escape e mantiveram o submarino flutuando, mesmo com uma boa quantidade de água no seu interior. Eles também desligaram os motores e começaram a trabalhar para proteger o que havia dentro e fosse útil para o pessoal da inteligência. O grupo descobriu gráficos, livros de códigos difíceis de encontrar e desarmou as cargas de demolição que haviam sido plantadas pelos submarinistas em fuga, mas que, outro azar dos germânicos, não funcionaram!

A esquerda vemos o comandante Daniel V. Gallery, junto ao tenente Albert L. David, fotografados a bordo do USS Guadalcanal em junho de 1944. O tenente Albert foi condecorado postumamente com a Medalha de Honra do Congresso, a mais alta condecoração militar dos Estados Unidos, por ter liderado o grupo de abordagem que invadiu o U-505. Ao final da Guerra, pouco antes de ocorrer a cerimônia de entrega da medalha na Casa Branca, em Washington, o tenente Albert morreu de um ataque cardíaco. Sua esposa recebeu a comenda das mãos do presidente Harry S. Truman – Fonte – US Navy.

O próximo passo do comandante do Pillsbury foi tentar rebocar o submarino de volta para as proximidades do porta aviões Guadalcanal, o maior navio daquela pequena frota. Infelizmente o U-505 colidiu com o destroier repetidamente e o Pillsbury teve que se afastar com três compartimentos inundados. 

O U-505 ao lado do USS Pillsbury – Fonte – https://uboat.net/

Depois que o reboque inicial falhou, um segundo grupo de embarque foi enviado do Guadalcanal pelo comandante Gallery e conseguiram colocar um cabo de reboque do porta-aviões para o submarino e começaram a arrastar a nave alemã até um local seguro. 

O engenheiro chefe do Guadalcanal, comandante Earl Trosino, encontrou uma forma para que as hélices do U-505 girassem através do deslocamento da água proporcionado pelo reboque e isso regenerou as baterias do submarino. Consequentemente foi possível bombear para fora a água do mar e os compressores de ar começaram a encher os tanques de lastro. O resultado final foi o submarino totalmente emerso na superfície.

O U-505 sendo atado ao porta aviões Guadalcanal – Fonte – https://uboat.net/

Depois de ser rebocado por três dias, o comandante Gallery ordenou que o submarino fosse transferido para o rebocador da frota USS Abnaki, onde conseguiu chegar no dia 19 de junho a Port Royal Bay, nas Bermudas, após ter percorrido 1.700 milhas náuticas (3.150 km). O U-505 era a primeira captura da Marinha dos Estados Unidos em mais de um século, tendo a última ocorrido durante a guerra de 1812. Além disso esse submarino inimigo foi um dos seis que foram capturados pelas forças Aliadas durante toda Segunda Guerra Mundial.

Benefícios e Uma Quase Punição

Junto com o submarino, quase 60 prisioneiros foram entregues nas Bermudas. Depois esses homens foram internados em Camp Ruston, na Louisiana. 

Quando ainda estavam detidos, alguns dos prisioneiros alemães aprenderam a jogar beisebol com os guardas americanos, que eram membros de um time de beisebol da Marinha. Enquanto os prisioneiros nazistas estavam aprendendo um esporte americano, a Marinha dos Estados Unidos estava aprendendo os segredos internos do U-505

Material capturado do U-505, no hangar do USS Guadalcanal – Fonte – https://uboat.net/

Além dos mapas, livros atualizados de códigos de coordenadas, um livro de códigos curtos e, o maior dos prêmios, os americanos conseguiram capturar intacta uma máquina decifradora conhecida como “Enigma”. Todas as informações conseguidas nessa abordagem foram divididas com os britânicos e uma equipe de criptografia começou a trabalhar no material recém capturado.

Aquele material forneceu uma vantagem perfeita para os Aliados. Usando documentos recuperados do submarino, a Marinha dos Estados Unidos despachou navios para as localizações dos submersíveis e navios de guerra da Marinha alemã e assim destruí-los. Além disso as rotas de transporte de suprimentos foram cuidadosamente planejadas para minimizar os danos que os alemães poderiam causar aos barcos Aliados.

Prisioneiros do U-505, no USS Guadalcanal – Fonte – https://uboat.net/

Embora os benefícios de curto prazo fossem cruciais, a captura do submarino em si trouxe capacidades de longo prazo para defender adequadamente os navios de guerra contra os submarinos nazistas. Os torpedos do U-505 eram do tipo acústicos e foram dissecados e testados. Isso permitiu a criação de um sistema de contra-ataque capaz de combater mais eficazmente as naves submersíveis alemãs.

Surpreendentemente, mesmo com a captura do submarino, chegou-se a cogitar uma punição ao comandante Gallery! 

O controverso almirante Ernest J. King, Chefe de Operações Navais dos Estados Unidos, considerou uma corte marcial ao comandante Gallery, porque ele rebocou o U-505,em vez de afundá-lo após capturar os livros de código e a máquina “Enigma”. King acreditava que o reboque tenha levado a possíveis vazamentos de informações e isso poderia ocasionar sabotagens dos nazistas.

Ernest J. King

Ernest King serviu 55 anos na ativa na Marinha dos Estados Unidos, uma das carreiras mais longas já registradas para esse serviço. Foi o único homem que já ocupou simultaneamente os cargos de Chefe de Operações Navais e Comandante-em-chefe da Frota daquele país, tornando-o um dos oficiais mais poderosos na história daquela força naval. King era altamente inteligente e extremamente capaz, mas controverso e difícil. A sua propalada franca honestidade e seu temperamento explosivo, fizeram com que ele angariasse vários inimigos, deixando um legado misto. Por exemplo, o general Dwight D. Eisenhower, Comandante em Chefe das Forças Aliadas na Europa, reclamou em seu diário particular que o almirante King era “um tipo arbitrário e teimoso, com pouco cérebro e uma tendência a intimidar os mais novos”. Era amplamente respeitado por sua habilidade, mas não era apreciado por muitos dos oficiais que comandava. Existem insinuações que King chegou mesmo a utilizar do seu poder para tentar conquistar mulheres de seus oficiais inferiores. Ainda sobre essa figura, Franklin D. Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos durante maior parte da Segunda Guerra, certa vez descreveu King como “um homem que faz a barba todas as manhãs com um maçarico”.

Jornal americano da época noticiando a captura.

A ideia maluca de punição do almirante King não prosperou e a iniciativa de salvar o submarino foi muito elogiada, abrindo o caminho para o competente comandante Daniel V. Gallery receber uma promoção de almirante.

Salvo Em Um Museu

Para garantir ainda mais o segredo, a tripulação do U-505 foi completamente isolada. Eles não viram nenhum outro prisioneiro durante seu tempo de cativeiro e até mesmo a Cruz Vermelha teve o acesso negado a eles. Mas a aposta valeu a pena, pois a Alemanha declarou a morte da tripulação do submarino e informou as famílias. Os prisioneiros só seriam libertados e voltariam para casa em 1947.

O U-505 junto a um navio da Marinha americana.

O U-505 ficou na Base Operacional Naval dos Estados Unidos nas Bermudas e os oficiais e engenheiros da inteligência da Marinha o estudaram intensamente. Para manter a ilusão de que a nave alemã havia sido afundada, em vez de capturada, ela foi pintada para se parecer com um submarino americano e rebatizado como USS Nemo. A marinha removeu o periscópio da nave alemã e o colocou em um tanque de água usado para pesquisas em um laboratório em San Diego, na Califórnia.

Após as análises, o U-505 foi utilizado como máquina de propaganda e promoveu entre a população americana a venda de bônus de guerra. Em junho de 1945 o submarino visitou as cidades de Nova York, Filadélfia, Baltimore e foi até a capital Washington. Qualquer cidadão que comprasse um bônus de guerra, tinha direito a embarcar e conhecer o submarino. 

Após o fim do conflito a marinha fez pouco uso do submarino e ele ficou esquecido no Estaleiro Naval de Portsmouth, New Hampshire. Então ficou decido utilizá-lo como alvo de seus navios de guerra, até que afundasse. Mas o agora contra almirante Daniel V. Gallery se opôs aos planos sobre o destino do U-505. Ele comentou o caso com um irmão, um religioso influente, que conhecia Lenox Riley Lohr, o diretor do prestigioso MSI – Museum of Science and Industry (Museu de Ciência e Indústria) de Chicago. Lohr foi contatado para saber se a instituição que dirigia, gostaria de receber o famoso U-505. A resposta foi um eloquente “sim”!

Em setembro de 1946 decidiu-se que o governo dos Estados Unidos doaria o submarino ao museu e logo começou uma campanha junto aos habitantes de Chicago para arrecadar dinheiro para transportar o submarino e preparar o museu para recebê-lo. Conseguiram 250.000 dólares.

O U-505 nos Estados Unidos na década de 1950 – Fonte – https://uboat.net/

Em Chicago o pessoal do MSI descobriu que quase todas as partes removíveis haviam sido arrancadas do interior do U-505 e ele não estava em condições de servir para uma exposição. O diretor Lohr então contactou as empresas alemães que originalmente forneceram peças para a fabricação da nave e solicitou aos fabricantes que fornecessem os mesmos componentes e peças originais do submarino. Consta que todas as empresas não negaram apoio e forneceram as peças solicitadas gratuitamente. Desejavam assim que aquelas peças e o submarino servissem para mostrar a capacidade da tecnologia alemã.

O U-505 nos dias atuais. Reparem no buraco de um disparo de canhão na torre, ocasionado no dia de sua captura – Fonte – https://www.msichicago.org/

Em 25 de setembro de 1954, o submersível capturado tornou-se uma exposição permanente no MSI e foi criado um memorial para todos os marinheiros que perderam suas vidas na Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Vinte anos após a captura do U-505, em meio a uma reunião realizada no museu que uniu antigos inimigos, o almirante Daniel Gallery devolveu ao comandante Harald Lange um par de binóculos que lhe pertencera. Lange faleceu em 1967 e Gallery dez anos depois.

Recordam do periscópio que foi removido do U-505 e levado para San Diego? Pois bem, ele ficou esquecido por lá durante décadas, mas em 2003 foi reencontrado e a Marinha o doou ao museu para ser exibido junto com o submarino.

Torre do U-505 nos dias atuais – Fonte – https://www.msichicago.org/

Em 2004, o exterior do U-505 havia sofrido danos perceptíveis pelo tempo. O museu então o mudou para um novo local climatizado em abril de 2004. Eles o restauraram e reabriram ao público em 5 de junho de 2005.

Em 2019, o Museu da Ciência e Indústria reformou a antiga nave, restaurando-o para ficar mais próximo de sua condição original e uma exposição especial com muitos artefatos adicionais foi aberta.

E o submarino U-505 está lá no MSI, tendo voltado a receber visitantes em 2021, após grande parte do público americano já ter sido vacinados contra o Covid-19.

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FONTES

https://www.thevintagenews.com/2016/01/31/50264/?fbclid=IwAR20jMvads0WpMU0ctv0dG4hgPmcRnWnSGxYsPllx2kbq-kFdvaBwds8H-

https://deanoinamerica.wordpress.com/2014/03/22/u-505-das-booot

https://deanoinamerica.wordpress.com/2014/03/22/u-505-das-boot/https://en.wikipedia.org/wiki/German_submarine_U-505

https://inthegardencity.com/2018/08/29/the-u-505s-service-history-before-capture-the-war-patrols-of-axel-olaf-lowe-by-s-m-oconnor

https://uboat.net/allies/merchants/ship/1953.html

https://uboat.net/boats/u505.htm

ALIADOS? – A ESPIONAGEM BRITÂNICA NO BRASIL DURANTE A SEGUNDA GUERRA

Rostand Medeiros – IHGRN

Sabemos que durante a Segunda Guerra Mundial inúmeros navios brasileiros foram afundados por submarinos e essas ações bélicas levaram o Brasil a declarar formalmente o Estado de Guerra contra a Alemanha Nazista e a Itália Fascista no dia 22 de agosto de 1942.

Com isso o Brasil tornou-se um dos países que lutaram ao lado dos Aliados e em nosso território forças militares norte-americanas construíram estratégicas bases aéreas e navais que ajudaram na defesa do nosso território, na ação contra os submarinos nazifascistas, bem como no transporte aéreo para as áreas de combate na África, Ásia e Europa.

Igualmente sabemos que antes mesmo dessa declaração de guerra o Brasil foi alvo de espiões dos países do Eixo, que atuaram com o apoio de colaboradores brasileiros, a maioria deles antigos participantes da Ação Integralista Brasileira (AIB). Esse foi um movimento político de extrema-direita surgido em nosso país em 1932, cujos integrantes eram jocosamente chamados de “Galinhas Verdes”, por utilizarem uniformes nesse padrão de cor.

Ao longo do conflito mundial as autoridades brasileiras, apoiados por americanos, prenderam vários espiões estrangeiros e seus colaboradores tupiniquins. Muitos deles foram julgados e condenados, alguns até mesmo a pena de morte, mas nunca foram executados.

Instrumentos de trabalho de um espião na Segunda Guerra.

A história sobre a espionagem nazifascista no Brasil durante a Segunda Guerra é bem conhecida e propalada. Mas são poucas as informações sobre a atuação de espiões dos países Aliados agindo em território brasileiro.

Mas ela existiu!

Um dos casos mais conhecidos é uma ação orquestrada pelos britânicos, que criaram uma carta idêntica à de uma empresa aérea italiana, em cujo conteúdo o presidente Getúlio Vargas era chamado de “Gordinho” e os brasileiros de “macacos”. A carta foi tão séria que acabou com uma importante brecha no esquema de segurança dos Aliados na América do Sul. Isso tudo logo após uma séria crise diplomática entre brasileiros e britânicos.

Comecemos por essa crise!

O Caso do Navio Siqueira Campos

Logo após o início das hostilidades, a Grã-Bretanha e sua marinha, a maior e mais poderosa do mundo naquela época, iniciou um bloqueio naval à Alemanha e a Itália, buscando cortar os suprimentos militares e civis vitais a essas nações.

Ocorre que em 1938 o Governo do Brasil assinou um acordo de oito milhões de libras esterlinas com a fábrica de armamentos alemã Friedrich Krupp AG, cuja finalização dos artefatos só ocorreu no segundo semestre de 1940, após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1 de setembro de 1939.

O navio Siqueira Campos – Fonte – 1.bp.blogspot.com

Quando o material bélico ficou pronto, os alemães despacharam tudo até Lisboa em trens, onde os caixotes seriam embarcados no navio de cargas e passageiros Siqueira Campos, da empresa de navegação Lloyd Brasileiro. Em 19 de novembro daquele ano esse navio estava pronto para partir rumo ao Rio de Janeiro, com o lote de armas acondicionadas no seu porão.

Após o Siqueira Campos içar âncora, deixar Lisboa para trás e alcançar águas internacionais, navios de guerra da Marinha Britânica surgiram no horizonte e ordenaram a parada do navio brasileiro. Este foi abordado por oficiais e marinheiros impecavelmente uniformizados com bermudas e meiões brancos.

Destroier britânico na época da Segunda Guerra.

Na sequência a tripulação do Siqueira Campos foi obrigada a seguir com seu navio para a colônia britânica de Gibraltar, aonde chegou em 22 de novembro de 1940, ancorando próximo ao porto e tendo a bordo 145 tripulantes e 250 passageiros. Esse pessoal não pode desembarcar e só partiram quando a crise se encerrou, quando a situação a bordo era alarmante.

No Brasil, o gaúcho Oswaldo Euclides de Souza Aranha, então Ministro das Relações Exteriores, recebeu a notícia e comunicou o fato ao presidente Vargas. Na sequência Aranha manteve contato com Geoffrey George Knox, Embaixador Britânico no Brasil, que estava de mãos atadas esperando instruções do seu governo. Depois Oswaldo Aranha correu em busca do auxílio da diplomacia dos Estados Unidos para ajudar a resolver o imbróglio. Os americanos logo se deram conta que a atitude britânica em relação ao Siqueira Campos poderia comprometer toda sua “Política de Boa Vizinhança” com o Brasil e os países latino-americanos.

Enquanto a diplomacia buscava uma solução, a notícia da apreensão do Siqueira Campos em Gibraltar deixou os brasileiros furiosos com o Governo Britânico. Em relação a esse caso muitos brasileiros tinham a percepção que a Grã-Bretanha agia com uma clara atitude imperialista. Nas ruas do Rio comentavam que os britânicos tomariam as armas do navio, compradas e pagas aos alemães ainda em 1938, para utilizá-las contra seus fabricantes e não receberíamos nada em troca.

O Embaixador Britânico no Brasil Geoffrey George Knox cumprimenta com um aperto de mão “diplomático” o Presidente Getúlio Vargas, diante do olhar atento do Ministro Oswaldo Aranha – Fonte Agência Nacional.

Em meio a todo esse rolo do Siqueira Campos, quem ria abertamente da truculenta bobagem britânica eram os alemães e seus colaboradores. Enquanto a influência da Alemanha crescia positivamente em nosso belo país tropical, os alemães mostravam aos brasileiros o tipo de “Aliado” complicado que os britânicos podiam ser.

Finalmente os dois países chegaram a um acordo para liberar o Siqueira Campos, que partiu para o Rio de Janeiro em 21 de dezembro de 1940. Mas essa crise diplomática, uma das mais sérias entre brasileiros e britânicos no Século XX, marcou negativamente a visão do governo Vargas e do povo brasileiro em relação aquele país.

Perigo Real

Avião da LATI com suas cores e marcações características – Fonte http://www.spmodelismo.com.br

Em 1941 os britânicos mantinham em Nova Iorque uma agência de informações, cuja finalidade era proporcionar estreita ligação com os serviços de informações norte-americanos em seu próprio país, facilitando as manobras dos dois grandes aliados na guerra contra o Eixo. O Chefe dessa Agência era o cidadão inglês William Samuel Stephenson, cujo codinome era “Intrépido”.

Nessa época aeronaves da companhia aérea italiana LATI (Linee Aeree Transcontinentali Italiane) realizavam voos regulares entre o Brasil e a Europa, onde transportavam importantes figuras nacionais e estrangeiras, além de correios especiais dos diplomatas alemães e italianos, que não podiam ser violados. Vale ressaltar que muitos desses diplomatas eram na verdade espiões nazifascistas disfarçados. Nesses voos seguiram para a Europa diamantes, platina, mica, substâncias químicas, livros e filmes de propaganda dos Aliados. Um verdadeiro “buraco” no bloqueio militar e econômico efetuado pelos ingleses contra a Alemanha e a Itália.

Um submarino nazista em mar agitado. Esse foi o verdadeiro flagelo do Brasil na Segunda Guerra.

Stanley E. Hilton, em seu livro Hitler’s Secret War In South America, 1939-1945: German Military Espionage and Allied Counterespionage in Brazil informou que membros da embaixada americana no Brasil transmitiram aos britânicos que durante as travessias no Oceano Atlântico, os pilotos da LATI estavam visualizando navios britânicos, marcando suas posições em mapas e informando os alemães para enviar seus submarinos e afundá-los (pág. 205).

Hilton também comentou sobre uma carta de Jefferson Caffery, Embaixador dos Estados Unidos no Brasil, de 29 de novembro de 1941, endereçada ao Ministro Oswaldo Aranha e atualmente guardada no Arquivo Histórico do Itamaraty. Nela Caffery informou que provavelmente foram os tripulantes da companhia aérea italiana, os responsáveis ​​por transmitirem informações que levaram ao afundamento de navios britânicos perto das Ilhas de Cabo Verde, nessa época uma colônia portuguesa. (pág. 207).

Cruzando essa informação com dados sobre a movimentação e ação de submarinos alemães e de aviões da LATI nesse período, descobri na página 5, da edição de 10/10/1941 do Diário de Pernambuco, que no dia 9 de outubro havia partido de Roma o aparelho da LATI modelo Savoia-Marchetti SM.82, número de fabricação MM.60326 e matrícula I-BENI. Essa aeronave trimotor fez escalas em Sevilha (Espanha), Villa Cisneiros (atual Dakhla, na região do Saara Ocidental) e Ilha do Sal (Cabo Verde), onde pernoitou. No outro dia, 10 de outubro, decolou para atravessar o Atlântico Sul, tendo pousado por volta das 15h20min da tarde em Recife, no Campo do Ibura. Estranhamente essa aeronave trouxe um único passageiro que vinha de Berlim – o jornalista chileno Ernesto Samhaber.   

O cargueiro britânico SS Nailsea Manor – Fonte – http://www.sixtant.net

Ocorre que nesse mesmo dia pela manhã, na posição 18° 45’ N e 21° 18” W, a cerca de 180 milhas náuticas a nordeste das Ilhas de Cabo Verde, o cargueiro britânico SS Nailsea Manor foi torpedeado pelo submarino alemão U-126, comandado pelo capitão-tenente (Kapitänleutnant) Ernest Bauer. Esse navio transportava uma preciosa carga de 6.000 toneladas de armas, munições e no seu convés estava até um LCT, ou Landing Craft Tank, um barco de desembarque de veículos blindados. Devido uma tempestade o Nailsea Manor estava desgarrado de um comboio e seguia acompanhado de dois outros navios de carga. Esse pequeno grupo estava sendo escoltado pela corveta HMS Violet (K-35), comandada pelo Tenente Frank Clarin Reynolds, que não pode fazer nada em relação ao torpedeamento. O capitão John Herbert Hewitt, comandante do Nailsea Manor, conseguiu retirar do barco toda a sua tripulação de 41 pessoas, que foram recolhidos pelo pessoal do Violet (Ver http://www.sixtant.net/2011/index.php).

O kapitänleutnant Ernest Bauer na torre do submarino U-126 – Foto de Ariane Krause, através de http://www.uboat.net

Apesar da carta do Embaixador Caffery comentar com o Ministro Oswaldo Aranha sobre o torpedeamento de “navios britânicos” perto das Ilhas de Cabo Verde, não encontrei outra informação sobre ataques de submarinos nazistas nessa área entre outubro e novembro de 1941. Acredito que o torpedeamento do cargueiro britânico SS Nailsea Manor, é o caso comentado por Caffery a Aranha.

O Savoia-Marchetti SM.82, I-BENI, realizou durante sua operação no Brasil um total de 25 travessias transatlânticas e foi o avião da LATI que mais percorreu o trajeto entre a Itália e o Brasil.

Espiões Britânicos em Ação no Brasil, Antes de 007

Mas é que os britânicos, depois do verdadeiro banzé que foi o caso do Siqueira Campos, poderiam convencer o governo brasileiro a barrar essa brecha no seu bloqueio aos países do Eixo?

Avião da LATI aterrissando no Campo de Parnamirim, Natal, Rio Grande do Norte, em 1940. No solo estão trabalhadores potiguares realizado os serviços bancados pelo governo americano para a construção da base de Parnamirim Field – Foto Hart Preston – LIFE.

Para piorar o meio de campo, consta que o governo brasileiro não desejava obstruir esse fluxo aéreo. Um dos genros do presidente Getúlio Vargas era um dos diretores técnicos dessa linha aérea e havia muitos brasileiros influentes interessados em preservar os direitos da LATI em nosso território. Além disso, era a Standard Oil, companhia de petróleo norte-americana, que abastecia os aviões da LATI com o combustível necessário para os voos intercontinentais. Detalhe – Uma das bases da LATI no Brasil era em Natal, no antigo Campo dos Franceses, que nessa época já começava a se transformar em uma grande base aérea construída pelos norte-americanos e seria conhecida como Parnamirim Field.

O Chefe das Operações Especiais em Londres estava ansioso para que algo drástico fosse realizado no sentido de eliminar esse grave inconveniente para os interesses britânicos, mas sem criar problemas com o Brasil e, por tabela, com os norte-americanos. Instruções foram remetidas a William Stephenson em Nova Iorque, informando sobre o fato, das consequências para o bloqueio inglês e ordenando que algo deveria ser feito para tapar a brecha inconveniente.

Stephenson e seus assessores conceberam então um plano que consistia em fazer chegar ao governo brasileiro uma carta comprometedora, cujo teor teria sido supostamente escrito por alguém importante, da alta administração da LATI na Itália, e endereçada a um diretor da companhia no Brasil. O texto da missiva deveria conter elementos tão graves, que pudessem resultar no cancelamento da concessão da companhia italiana para operar a rota transatlântica.

William Stephenson, o “Intrépido”

Os agentes de Stephenson no Brasil imediatamente puseram mãos à obra e, depois de algumas semanas, conseguiram obter uma carta genuína escrita pelo presidente da LATI, o General Aurélio Liotta, e remetida da sede central da companhia em Roma. Encaminharam-na para Nova Iorque sugerindo que a carta falsa deveria ser endereçada ao diretor geral da LATI no Brasil, o Comandante Vicenzo Coppola, que morava no Rio de Janeiro.

Os técnicos em Nova Iorque teriam que simular exatamente o tipo de papel empregado, o timbre existente e aforma dos caracteres da máquina de escrever usada pelo General Liotta.

Por sorte, foi conseguida uma pequena quantidade papel de polpa da palha do tipo necessário e que constituía um detalhe essencial na operação proposta. O relevo do timbre foi copiado com detalhes microscópicos, uma máquina de escrever foi especialmente reconstruída a fim de reproduzir as imperfeições mecânicas daquela usada pela secretária do General para datilografar a carta original e um falsificador copiou a assinatura de Liotta.

Uma verdadeira obra-prima da falsificação.

A Carta do “Gordinho”

A carta falsa foi então preparada em italiano, microfotografada e o microfilme remetido para o principal agente de Stephenson no Rio de Janeiro.

Traduzida, continha o seguinte teor:

Linne Aeree Transcontinentale Italiano S.A.

Roma, 30 de outubro de 1941.

Prezado Camarada:

Recebi seu relatório que chegou cinco dias depois de ter sido despachado.

Este relatório foi levado ao conhecimento dos interessados que o consideraram de suma importância. O comparamos com um outro recebido de Praça Del Prete. Os dois relatórios apresentaram o mesmo quadro da situação que ali existe, mas o seu é mais detalhado. Quero lhe dar os meus parabéns, O fato de que, obtivemos desta vez informações mais completas com o Sr. e seus homens, me proporciona grande satisfação.

Não resta dúvida que o “gordinho” está cedendo ante os lisonjeios dos Americanos, e que somente uma intervenção violenta por parte de nossos amigos verdes poderá salvar o país. Os nossos colaboradores de Berlim, depois de entendimentos que tiveram com o representante em Lisboa, decidiram que tal intervenção deverá se realizar o mais breve possível. Porém você está a par da situação. No dia em que se der a mudança, os nossos colaboradores não se interessarão de maneira alguma pelos nossos interesses e a Lufthansa colherá todas as vantagens.

Para evitar que isto aconteça, precisamos procurar amigos de influência dentre os “verdes” o mais cedo possível. Faça-o sem demora.

Avião da Lati no Rio de Janeiro – Fonte – LIFE.

Deixarei a seu critério a escolha das pessoas mais apropriadas: talvez Padilha ou E. P. de Andrade seriam de mais utilidade do que o Q.B. o qual, apesar de ativo, não vale muito.

A importância que você necessitar será posta a sua disposição, não importa o fato dos camisas verdes precisarem de somas consideráveis. Eles as terão. O ponto importante é que nosso serviço deverá tirar proveito de uma mudança de regime. Procure saber quem é que deseja nomear para Ministro da Aeronáutica e tente captar a sua simpatia. O Senhor precisará ficar a par do que suceder, porém já concordamos em que as negociações ficarão em mãos da LATI, que atuará na sua capacidade de empresa brasileira procurando a extensão a melhoramento de seus próprios serviços.

Espero a máxima discrição de sua parte. Como disse no seu relatório a respeito da Standard Oil, os ingleses e americanos se interessam em tudo e em todos. E se for também verdade – como você afirma com justiça que o Brasil é um país de macacos, não nos devemos esquecer que são macacos dispostos a servir a quem tem as rédeas na mão.

Saudações Fascistas

(a) General P. Liotta

Comandante

Vicenzo COPPOLA

Linee Aeree Transcontinentale Italiana S.A.

RIO DE JANEIRO (BRASIL)

Coppola Preso e a LATI Impedida de Voar

O tal “gordinho”, ou “il grassoccio” em italiano, foi imediatamente identificado como sendo o Presidente Getúlio Vargas, e os “amigos verdes”, ou simplesmente “verdes”, eram os integralistas. Como vimos, a carta continha um insulto pessoal ao Presidente da República, abuso de hospitalidade, críticas à sua política externa e sugeria o encorajamento de seus inimigos políticos. Os agentes secretos ingleses esperavam que essa combinação de apreciações negativas fizesse com que o Presidente Vargas reagisse vigorosamente. Imediatamente após ter recebido o microfilme da carta, o agente de Stephenson no Rio de Janeiro providenciou para que fosse executado um “roubo” à casa do Comandante Coppola, situada na Avenida Vieira Souto, 442, Ipanema, no qual um relógio de cabeceira e outros artigos foram roubados. Atualmente nesse endereço se encontra o Condomínio Ker Franer.

Coppola então chamou a polícia e o “caso” teve alguma publicidade – exatamente o que esperava o agente britânico no Rio – pois tornava patente para as autoridades brasileiras e o público em geral, que se tratava de um roubo real.

Ficha de imigração de Vicenzo Coppola – Fonte – Arquivo Nacional.

Em seguida um brasileiro ligado ao agente secreto inglês procurou um repórter da agência noticiosa americana “Associated Press”. Após obter do mesmo a promessa de que guardaria segredo absoluto, confessou ter tomado parte no assalto à casa de Coppola e entre os seus pertences encontrara um documento microfotografado, que parecia ser muito interessante. Quando o repórter leu seu conteúdo percebeu que era uma carta do presidente da LATI e chegou à conclusão que o original havia sido considerado muito perigoso para ser remetido pelo correio aéreo normal. Concluiu também que aquela missiva tinha sido enviada de forma clandestina para evitar uma possível interceptação. Com aquele tesouro nas mãos, o repórter dirigiu-se à Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, e mostrou-a ao Embaixador Jefferson Caffery. Este diplomata determinou que fossem feitas investigações para ampliação e constatação de sua possível veracidade.

Ao receber o resultado dessas investigações, Caffery concluiu que a carta microfotografada era verdadeira e imediatamente enviou para o Presidente Vargas o microfilme e os resultados obtidos com as investigações em meados de novembro. Para Caffery o Presidente do Brasil pareceu “muito impressionado” com a missiva em italiano e reagiu exatamente como Stephenson esperava. Cancelou imediatamente todos os direitos da LATI no território nacional e ordenou a prisão do seu diretor geral.

Notícia sobre Coppola na época de sua fuga para a Argentina.

Vicenzo Coppola tentou fugir do país, tendo previamente retirado um milhão de dólares de um banco, mas foi preso quando procurou cruzar a fronteira com a Argentina. Mais tarde foi sentenciado a sete anos de prisão e teve seus bens confiscados. Foi posto em liberdade no dia 14 de agosto de 1944, em consequência de um habeas-corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal. Faleceu no Rio de Janeiro, em 27 de maio de 1963.

Por infração às leis brasileiras a empresa aérea LATI foi multada em CrS 85.000,00 (oitenta e cinco mil cruzeiros), além de ter seus aviões, campos de pouso e equipamentos de manutenção confiscados pelas autoridades, enquanto suas tripulações e o pessoal de origem italiana foram internados.

Para os integrantes da representação diplomática dos Estados Unidos no Brasil, a opinião dominante na época foi que a carta do General Liotta havia sido o principal fator que levara o Presidente Vargas a se voltar contra o inimigo.

Espião preso por militares americanos.

Consta que os norte-americanos generosamente decidiram repartir o segredo com o representante do serviço de inteligência na Embaixada Britânica no Rio. Um membro do corpo diplomático americano reproduziu a carta e o agente de Stephenson fingiu mostrar grande interesse e admiração pelo fato e até cumprimentou efusivamente seu colega por esse trabalho.

Conclusão

Nesse tipo de negócio, o bem mais valioso que existe e que todos buscam avidamente são as informações estratégicas vindas de fontes privilegiadas, com conteúdos valiosos, principalmente ligados a assuntos de defesa de uma nação.

Esse tipo de informação é tão importante quanto o poderio bélico, sendo algo que pode definir conflitos entre países e esse tipo de atividade sempre esteve presente em praticamente todos os períodos da historia.

Henry John Temple, o 3º Visconde de Palmerston, mentor da política externa britânica durante grande parte do século XIX, declarou no Parlamento Britânico “Não temos aliados eternos e não temos inimigos perpétuos. Nossos interesses são eternos e perpétuos, e é nosso dever seguir esses interesses”.

Não é novidade que nações amigas realizam espionagem entre si, o chamado “conhecimento comum”. Muitas vezes essas ações se realizam focados na ideia, bem real, que “um amigo de hoje, pode não ser um amigo amanhã”. Além disso, como bem apontou Palmerston, nações não possuem amigos, apenas interesses.

1943 – O CAMINHO DO PRESIDENTE FRANKLIN ROOSEVELT PARA A CONFERÊNCIA DO POTENGI EM NATAL

Rostand Medeiros – IHGRN

Nas primeiras horas de uma manhã de quinta-feira, dia 28 de janeiro de 1943, o tempo na pequena e bucólica capital potiguar estava frio e nublado. Já fazia alguns dias que a chuva caia com certa frequência em todo o Rio Grande do Norte. Uma situação que animava a todos os potiguares depois de uma seca terrível.

Em meio ao tempo frio, a cidade ia acordando tranquila. Se havia alguma movimentação eram daqueles que iam até as padarias comprar pão novo e quentinho, ou seguiam até no Mercado Público da Avenida Rio Branco, ou pegavam os bondes pintados de amarelo que circulavam por uma cidade com poucos automóveis, ou ainda a movimentação dos ônibus que partindo do bairro da Ribeira para o interior.

Quadro assinado pelo presidente Franklin Delano Roosevelt e entregue a tripulação do cruzador USS Omaha, que participou ativamente no apoio ao presidente na Gâmbia, quando da sua passagem para a Conferência de Casablanca.

Nessa quinta-feira, nas margens do rio Potengi, mais precisamente na área da praia da Limpa, começou uma movimentação. Vários militares americanos isolavam a região e mantinha uma vigilância mais intensa na área da base de hidroaviões da empresa aérea Pan American Airways e da nova base da marinha americana, ainda em construção, onde até recentemente havia funcionado uma base de hidroaviões da empresa alemã Deutsche Lufthansa.

Apesar da movimentação, creio que isso foi percebido sem maiores anormalidades para a população que morava nas poucas casas que havia nas proximidades, pois forças militares dos Estados Unidos utilizavam o território potiguar como parte do esforço de guerra Aliado desde dezembro de 1941, através de acordos com o governo brasileiro. Esses militares aproveitavam o privilegiado ponto estratégico do Rio Grande do Norte para facilitar o transporte aéreo e a caça e destruição de submarinos nazifascistas no Atlântico Sul.

Boeing 314 Clipper, tendo a bordo o presidente Franklin Roosevelt toca o rio Potengi as 07:50 de 28 de janeiro de 1943 – Fonte – NARA.

E porque naquela manhã de 28 de janeiro de 1943 houve essa movimentação dos militares estrangeiros nessa região de Natal?

As 07:50, vindo do Atlântico, um grande hidroavião Boeing B-314, conhecido como Clipper, tranquilamente amerissou no calmo rio Potengi. Na sequência aquela máquina prateada movimentou-se com seus quatro motores até depois da área conhecida como Passo da Pátria. Talvez nesse momento, devido a sua elevada localização em relação à beira do rio, esse hidroavião pode ter chamado a atenção de alguns moradores da Rua da Misericórdia e da região da Praça João Tibúrcio, onde se localiza a colonial igreja de Nossa Senhora do Rosário e seu antigo cruzeiro.

Natal recebia esse modelo de hidroavião na base da Pan American desde os primeiros anos da década de 1940 e a visão daquele tipo de aeronave no rio Potengi nada tinha de inédito. Mas não tão cedo da manhã!

Na sequência o hidroavião deslocou-se pelo rio até a estação da Pan American e foi amarrado no flutuante que servia de atracadouro. Nesse momento, se houvesse algum natalense nas proximidades, provavelmente veria sair daquela máquina vários civis e militares que tratavam com muita deferência um dos passageiros, que claramente possuía deficiências de locomoção. Ali estava Franklin Delano Roosevelt, o presidente dos Estados Unidos, que desembarcava em Natal para um encontro histórico com o presidente brasileiro Getúlio Dorneles Vargas.   

E qual foi o caminho de Roosevelt até Natal? Onde ele esteve e o que ele fez antes de chegar à capital potiguar?

A Viagem Secreta

Roosevelt não foi o primeiro presidente dos Estados Unidos a voar em uma aeronave, honraria que coube ao seu primo Theodore, ainda em 1910. Mas o voo de 1943 foi o primeiro trajeto internacional realizado por um presidente daquele país no exercício do cargo e desde a gestão de Abraham Lincoln que um presidente dos Estados Unidos não seguia ao encontro de suas tropas em uma área tão próximo de um front de guerra.

O staff da Casa Branca organizou secretamente a viagem do presidente Roosevelt e planos para o transporte por via terrestre e aérea foram traçados. Naquele voo, além da questão ligada a limitada mobilidade do presidente Roosevelt devido as consequências da poliomielite que ele contraiu em 1921, havia a tônica em relação foi a segurança. Grupos compostos por agentes do serviço secreto, bem como assessores militares, partiram no final de 1942 para reconhecer o caminho e garantir sua segurança. Dessa maneira, os arranjos foram aperfeiçoados ao longo da rota que o presidente seguiria pela América do Norte, Caribe, América do Sul, até o continente africano.

Base de Parnamirim Field, em Natal, Rio Grande do Norte, no ano de 1943. Foi uma das maiores e mais importantes bases aéreas do esforço estratégico aliado para derrotar as forças do Eixo – Foto – Ivan Dmitri/Michael Ochs Archives/Getty Images.

Certamente esse pessoal esteve em Natal, mas passaram totalmente despercebidos. Além da secretíssima natureza da sua missão, em janeiro de 1943 a cidade de Natal abrigava muitos homens de várias unidades militares norte americanas. Para que o leitor tenha uma ideia do volume desse pessoal na capital potiguar, estavam na cidade três esquadrões de busca e destruição de submarinos, com mais de 30 aeronaves e centenas de homens (eram o VP-83, VP-74 e o recém-chegado VP-94), além de todo um aparato de apoio ao transporte aéreo. Havia também muitas unidades de apoio e sempre dois ou três navios americanos estavam ancorados no rio Potengi.

Em 9 de janeiro, perto das 22h, o presidente e sua comitiva deixaram a Casa Branca de forma discreta e seguiram de carro por três quilômetros até a Union Station, a principal estação ferroviária de Washington. A composição era composta por um luxuoso vagão dormitório modelo Pullman, denominado “Ferdinand Magellan”, além de um vagão de bagagem e um vagão especial para o pessoal do Exército.

O vagão presidencial “Ferdinand Magellan”, preservado no Gold Coast Railroad Museum, em Miami, Flórida.

A tripulação do trem foi especialmente selecionada, onde incluíram cinco mensageiros do USS Potomac para ajudar no que fosse necessário. Como forma de distrair algum improvável espião, o trem partiu em direção norte, como se estivesse indo para Hyde Park, mas parou em um desvio ao sul de Fort Meade, no estado de Maryland. Ali ficou aguardando por uma hora enquanto os oficiais da Linha da Costa Atlântica liberavam os trilhos para o sul e então o trem seguiu para Miami.

A composição chegou à capital da Flórida cerca de uma e meia da manhã do dia 11 de janeiro, na área da Military Junction, um antigo depósito ferroviário que serviu como estação exclusiva para militares durante a Segunda Guerra Mundial. Desse lugar o grupo seguiu discretamente para a base da Pan American Airways em Dinner Key, na região de Coconut Grove, sudeste de Miami, um local mundialmente famoso na época por ser a principal base de hidroaviões civis dos Estados Unidos. Com o declínio do uso desse tipo de aeronaves na aviação comercial, a base de Dinner Key foi desativada, mas ainda é possível ver o terminal que recebia os hidroaviões, além da área ser um local muito bonito.

Antes do amanhecer John C. Leslie, gerente de operações da Pan American nas áreas do Atlântico e Pacífico, estava com tudo pronto para receber o grupo de Washington.

O Dixie Clipper (NC 18605) que transporto o presidente Roosevelt e assessores próximos.

Foram utilizados nessa missão dois hidroaviões Boeing 314 Clipper, sendo o Atlantic Clipper (NC 18604) destinado ao pessoal de apoio e o Dixie Clipper (NC 18605) pelo presidente Roosevelt e assessores próximos. Os pilotos foram Howard M. Cone Jr. (Dixie Clipper) e Richard W. Vinal (Atlantic Clipper), ambos do quadro de oficiais da reserva da Marinha, experientes pilotos com títulos de Masters of Ocean Flying (maior classificação de piloto comercial do mundo na época) e engenheiros aeronáuticos formados na Universidade de Seattle. Os dois pilotos e suas tripulações receberam o presidente e sua equipe e logo todos embarcaram.

O jornalista Tony Reichhardt, da revista Air & Space (edição de 18 de janeiro de  2013), comentou que em uma ocasião o piloto Howard Cone, falecido em 1969,  relembrou que a tripulação do Clipper ficou “muito surpresa ao saber a identidade do nosso convidado”, e que o presidente foi um “excelente passageiro”. Na aeronave que voou o presidente só houve um pedido especial – que uma das camas fosse equipada com um colchão de casal.

Os pilotos dos hidroaviões foram Howard M. Cone Jr. (Da esquerda e pilotou o Dixie Clipper) e Richard W. Vinal (a direita e pilotou o Atlantic Clipper).

Em suas memórias John C. Leslie lembrou que até esse dia ele não tinha ideia do quanto Franklin Roosevelt era severamente deficiente devido à poliomielite. Foi necessária a colocação de uma rampa especial da doca para a aeronave e o presidente teve de ser carregado para a cabine de passageiros. Às seis da manhã, o Dixie Clipper taxiou nas águas calmas da Flórida e decolou e meia hora depois foi à vez do Atlantic Clipper. Vale ressaltar que o Atlantic Clipper foi utilizado como centro de comunicações, com equipamentos e pessoal capacitados para manter o presidente em contato constante com Washington e as estações de guerra no exterior.

Roosevelt iniciou então sua longa viagem com destino à cidade de Casablanca, no Marrocos, acompanhado por Harry Lloyd Hopkins, conselheiro de política externa e diplomata, de William Daniel Leahy, almirante e chefe de gabinete pessoal do presidente, Ross T. McIntire, contra almirante e atuando como médico, John McCrea, capitão e assessor naval e Arthur Shelton Prettyman, o ajudante afrodescendente do presidente, além de agentes do Serviço Secreto. 

Roosevelt em Belém do Pará

Sobre a montanha Bonnet à l’Evêque, a Citadelle Laferrière, ou Citadelle Christophe, sobrevoada pelo hidroavião que levava o presidente Roosevelt em janeiro de 1943.

Segundo informa a própria Casa Branca, a pedido de Roosevelt o Clipper sobrevoou o Haiti e nessa passagem circularam sobre a montanha Bonnet à l’Evêque, onde no topo foi possível visualizar a bela Citadelle Laferrière, ou Citadelle Christophe, uma grande fortaleza construída por Henri Christophe, o líder negro da independência da antiga colônia francesa do Haiti no início do século XIX. Roosevelt havia visitado o local em 1917, quando ainda era secretário adjunto da Marinha.

As quatro da tarde o Clipper presidencial chegou à antiga colônia inglesa da ilha de Trinidad, atual Trinidad e Tobago. O grupo desembarcou na Base Operacional Naval, onde seguiram por 15 minutos até um isolado hotel operado pela Marinha. Era o Macgueripe Beach Hotel, localizado na pequena baía Macqueripe, a noroeste da ilha de Trinidad e até hoje um lugar preservado e deslumbrante.

Baía Macqueripe, a noroeste da ilha de Trinidad.

No outro dia, terça-feira 12 de janeiro de 1943, os hidroaviões decolaram com destino a Belém, capital do Pará, único ponto no Brasil onde Roosevelt esteve em sua ida a Casablanca.

No caminho o presidente leu, almoçou, cochilou, jogou paciência e olhou para as grandes florestas do Brasil, 2.700 metros abaixo. Quando eram quase duas e meia da tarde a aeronave cruzou a linha do Equador, provavelmente sobre o Amapá ou sobre a ilha do Marajó. Como a bordo se encontravam oficiais navais com larga experiência no mar, Roosevelt havia sido Secretário da Marinha e aquele hidroavião quando amerissava na água se deslocava tal como um barco, foi organizada uma festa que seguiu as mais antigas tradições marítimas e era conhecida como “Festa de Netuno”, ou “Cerimônia de Travessia de Linha”, ou ainda “Festa do Equador”. Alguém se fantasiou de Netuno, o deus dos mares, para dar “permissão para cruzar” a linha equatorial. Outra pessoa enfrentou um interrogatório de Netuno para obter sua bênção e até foi lavrado um documento em nome da “Antiga Ordem das Profundezas”. Hoje em dia, em um tempo onde muitas tradições se perdem rapidamente, não sei se esse tipo de comemoração ainda acontece nos navios pelo mundo afora, mas durante a Segunda Guerra era ainda bem popular. Existem até fotos de tripulações de submarinos alemães realizando esse tipo de evento em plena luz do dia e com muita gente fantasiada.

As 15:30 o Boeing 314 com Roosevelt e seu grupo amerissou na baía do Guajará, após terem voado quase 2.000 quilômetros. O presidente desembarcou e foi recebido pelo vice-almirante Jonas Howard Ingram, Comandante da Força Naval do Atlântico Sul, cuja base ficava em Recife. Junto a ele estava o brigadeiro general Robert LeGrow Walsh, Comandante Geral das Forças Armadas dos Estados Unidos na área do Atlântico Sul. A base do general Walsh era em Natal e sua casa de repouso ficava na Avenida Getúlio Vargas, próximo a conhecida Ladeira do Sol, onde hoje se situa o prédio do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte.

Roosevelt não circulou por Belém, provavelmente nem foi visto por alguém da cidade, pois ficou fortemente protegido por militares na área de Val-de-Cans, palestrando com seus oficiais. Talvez preparando o seu encontro com Getúlio Vargas em Natal, após o retorno do Norte da África. Enquanto isso os Clippers recebiam carga máxima de gasolina para o voo transatlântico.

Pouco antes das sete horas da noite os hidroaviões decolaram para a cidade de Bathurst (atual Banjul), capital da Gâmbia, em um percurso sem escalas de quase 3.900 quilômetros e completados em 19 horas.

Testemunhando a Miséria Provocada Pelo Colonialismo Britânico

Naquele dia 13 de janeiro, por volta das quatro e meia da tarde, as aeronaves sobrevoaram a foz do rio Gâmbia. O segredo deles foi guardado com tanta perfeição que a chegada foi aceita como um voo de rotina. Quando o presidente desembarcou, ele cumprimentou o capitão Cone e sua tripulação pela excelente viagem. Essa foi a última vez que os tripulantes viram ou ouviram falar do presidente e do seu grupo por duas semanas. Mas as ordens dos aviadores da Pan American eram para esperar e os dois Clippers ficaram em Bathurst.

O cruzador de escolta USS Memphis (CL-4).

No rio cercado de manguezais havia dois navios de guerra. Um maior, com quatro chaminés e aspecto meio antiquado, e um menor, com uma chaminé e com jeito de ser uma construção mais recente. Ali estavam respectivamente o cruzador de escolta USS Memphis (CL-4), lançado ao mar em 1920, e o destroier USS Somers (DD-381), com apenas seis anos no mar.

O destroier USS Somers (DD-381).

Oito dias antes em Recife, Pernambuco, através da ordem número 041643, emitida pelo almirante O. M. Read, Comandante da 2ª Divisão de Cruzadores (Commander Cruiser Division Two – ComCruDiv 2) da marinha americana, os dois navios partiram para a Gâmbia. Foi o prático Nelson Campos que com calma e tranquilidade tirou o Memphis do porto. A frente dessa nave o ágil USS Somers seguia abrindo caminho e caçando submarinos inimigos.

Esses navios chegaram à foz do rio Gâmbia em 10 de janeiro, mas a travessia Atlântica não ocorreu sem incidentes. O USS Omaha levava hidroaviões Vought OS2N-1 Kingfisher e no dia 8, no meio do caminho, os oficiais decidiram catapultá-lo para realizar uma patrulha em busca de submarinos inimigos. A patrulha não deu em nada, mas ao amerissar houve um problema e o hidroavião foi considerado perdido. Os aviadores Thomas A. Wood e M. Loeffler foram salvos e na sequência o USS Somers abriu fogo com um dos seus canhões e afundou o que restava do Kingfisher.

Hidroavião Vought OS2N-1 Kingfisher.

Ainda havia claridade quando Roosevelt desembarcou do Clipper na Gâmbia, onde a Grã-Bretanha mantinha uma de suas mais antigas colônias africanas. Ele foi então recebido pelo capitão H. Y. McCown comandante do cruzador Memphis e sugeriu que se o presidente desejasse conhecer um pouco a região havia automóveis e barco para fazer um passeio pelo rio, onde o oficial da marinha britânica E. F. Lawder poderia mostrar o que havia. Roosevelt determinou o passeio de barco.

O diário oficial de sua viagem na época e recentemente publicado na Internet pela Casa Branca (o link está no final do texto) aponta que o passeio demorou meia hora e que “muitos pontos de interesse foram observados ao longo da orla. Várias embarcações, incluindo um tender, petroleiros e barcaças” e que a população local “prestavam pouca ou nenhuma atenção às baleeiras que passavam”. Em outubro de 1995, o historiador americano Donald Wright, professor de história na State University of New York, escreveu na revista American Heritage (Volume 46) que para o capitão George E. Durno, cronista oficial da viagem, o passeio de baleeira pelo porto deu ao presidente “sua primeira boa olhada na cidade incrivelmente sórdida e infestada de doenças”. George Durno continuou: “Entre as docas encardidas havia inúmeras barcaças e barcos abandonados e enferrujados, literalmente repletos de crianças negras e seus pais – os barcos encalhados e ancorados aparentemente servindo de lar para uma parte da população da orla. Na brisa fresca da noite, o rio ao longo do centro de Bathurst cheirava a peixe podre e esgoto”.

Britânicos agindo como britânicos na África no século XIX – Fonte – https://medium.com/sunnya97/british-colonialism-and-social-change-in-the-metropole-4bd87996aeec

E no outro dia a coisa foi ainda pior!

Após uma noite tranquila no cruzador Memphis, o presidente americano e seus conselheiros acordaram antes do amanhecer, pegaram a baleeira até Bathurst e seguiram pela cidade por quinze quilômetros em direção a base aérea de Yundum, pertencente à RAF (Royal Air Force – Real Força Aérea). Informes apontam que enquanto ele passava de barco pelo rio e depois foi conduzido pelas ruas de Bathurst, o presidente Roosevelt – o líder que se preocupou em libertar sua gente da miséria provocada pela “Grande Depressão” de 1929, ajudando a prover seu bem-estar básico através do plano conhecido como “New Deal” – ao lançar seus olhos sobre a pior situação que o colonialismo britânico poderia apresentar, ficou extremamente consternado.

Donald Wright aponta em seu artigo que em 1943 Bathurst era uma das cidades mais insalubres e miseráveis do planeta. A maioria dos gambianos tinha malária, mas, de acordo com relatórios médicos britânicos, as doenças respiratórias foram “as que mais causaram danos”. A bouba era “moderadamente abundante”. Um em cada quatro residentes da maioria das aldeias mostrando “indicações óbvias (feridas abertas) de bouba tardia”. Vermes e infecções intestinais eram “quase universais”; vinte por cento dos gambianos tinham tracoma; a cegueira era “comum”. E havia mais: cada aldeia de qualquer tamanho tinha dois ou três leprosos, e a sífilis e a gonorreia eram quase epidêmicas em partes de Bathurst. As crianças pequenas enfrentavam o pior. Muitas tinham baços aumentados, a conjuntivite era crônica, doenças de pele parasitárias eram comuns, assim como as secreções nasais e a esquistossomose. Devido à prevalência de doenças e às condições higiênicas em geral, a taxa de mortalidade era muito alta e a expectativa de vida era de apenas 26 anos.

Roosevelt ficou horrorizado com a miséria que viu e essa experiência contribuiu para aumentar a crescente antipatia que o presidente dos Estados Unidos tinha pelo colonialismo praticado pelo Império Britânico e pela República da França. 

Douglas C-54 Skymaster

Por recomendação do subcomandante do Comando de Transporte Aéreo, brigadeiro general Cyrus R. Smith, o presidente Roosevelt e sua equipe embarcaram em dois aviões de transporte Douglas C-54 do Exército, movidos cada um por quatro motores Wright de 1.200 cavalos de potência e transportando até 26 passageiros. O avião presidencial foi pilotado por capitão Otis F. Bryan, de 35 anos.

Aqueles aviões voariam pelos mais de três mil quilômetros finais até Casablanca, sobre uma área do mundo onde ainda havia zonas de guerra ativa. Chegaram ao aeroporto Medouina às seis e vinte da noite de 14 de janeiro. No total, para participar da reunião, a viagem exigiu quarenta e seis horas entre três continentes e um oceano, além de vinte e seis horas de trem nos Estados Unidos.

A Conferência de Casablanca

O presidente Franklin Roosevelt e o primeiro-ministro britânico Winston Churchill em Casablanca. Uma situação interessante em relação a maneira como a imprensa fotografava Roosevelt, era a de sempre evitar uma exposição visual do seu problema de locomoção. Segundo o amigo José Henrique de Almeida Braga, pesquisador dos bons sobre o tema da Segunda Guerra e autor do ótimo livro “Salto sobre o lago – e a guerra chegou ao Ceará” (https://tokdehistoria.com.br/2017/09/26/uma-otima-noticia-foi-lancado-um-livro-sobre-a-historia-da-segunda-guerra-mundial-em-fortaleza/), havia uma espécie de acordo para evitar esse tipo de exposição.

Nos dias atuais, segundo a versão divulgada pelo Governo dos Estados Unidos, a conhecida Conferência de Casablanca foi uma reunião ocorrida em janeiro de 1943, cujos atores principais foram o presidente Franklin Roosevelt e o primeiro-ministro britânico Winston Churchill e nessa ocasião tomaram importantes decisões que atingiram todo o mundo. E a escolha da mítica cidade marroquina de Casablanca não foi à toa, pois a conferência ocorreu dois meses após os desembarques anglo-americanos no norte da África francesa.

Os debates se concentraram na coordenação da estratégia militar aliada contra as potências do Eixo ao longo do ano seguinte. Resolveram concentrar seus esforços contra a Alemanha na esperança de retirar suas forças da Frente Oriental e aumentar as remessas de suprimentos para a União Soviética. Inclusive o primeiro-ministro soviético Joseph Stalin havia recebido um convite, mas ele não conseguiu comparecer porque na época o Exército Vermelho estava engajado em uma grande ofensiva contra o Exército Alemão.

Embora as forças anglo-americanas começassem a concentrar pessoal e material na Inglaterra em preparação para um eventual desembarque no norte da França, ficou decidido que primeiro aconteceriam combates na área do Mediterrâneo. Seriam realizados desembarques na Sicília e depois na Itália continental, com o objetivo de tirar esse país da guerra. Os líderes também concordaram em fortalecer a campanha de bombardeio estratégico contra a Alemanha, entre outras decisões. 

Em meio à finalização dos planos estratégicos dos Aliados contra as potências do Eixo em 1943, um dos resultados mais notáveis ​​na Conferência de Casablanca foi a promulgação da política de “rendição incondicional”.

No último dia da Conferência, o presidente Roosevelt anunciou que ele e Churchill tinham decidido que a única maneira de garantir a paz no pós-guerra era adotar uma política de rendição incondicional. Roosevelt afirmou claramente que a política de rendição incondicional não implicava na destruição das populações das potências do Eixo, mas sim “a destruição nesses países das filosofias que se baseavam na conquista e na subjugação de outros povos”. Roosevelt queria evitar a situação que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, quando grandes segmentos da sociedade alemã apoiaram a posição, tão habilmente explorada pelo partido nazista, de que a Alemanha não havia sido derrotada militarmente, mas sim “apunhalada pelas costas por liberais, pacifistas, socialistas, comunistas e judeus”.

Texto escrito pelo piloto Richard W. Vinal e o 1º engenheiro Fowler sobre a viagem dos Clippers com o presidente Roosevelt.

Segundo Donald Wright, em meio às reuniões, sobrou críticas de Roosevelt para o Colonialismo. Em um jantar em 22 de janeiro, em homenagem ao sultão do Marrocos Muḥammad ibn Yūsuf, futuro monarca Muhammad V, o presidente americano falou ousadamente sobre as esperanças de independência das possessões britânicas e francesas, encorajou o sultão a declarar a independência marroquina da França e que desejava um esforço internacional no pós-guerra para acabar com o Imperialismo. Winston Churchill e Auguste Noguès, o general francês que tutelava o Marrocos, não puderam deixar de ouvir. O político inglês Harold Macmillan considerou a conversa “igualmente embaraçosa para os britânicos e franceses”, enquanto o diplomata americano Robert Murphy achou o desempenho de Roosevelt “deliberadamente provocativo”. Em seu texto Donald Wright aponta que alguns presentes se perguntaram se o mau humor de Churchill naquela noite se devia mais à conversa do presidente com o sultão, ou a ausência de álcool no jantar em razão das leis da religião muçulmana.

Na Libéria

Na segunda-feira, dia 25 de janeiro, depois de onze dias no Marrocos, os aviões C-54 decolaram em direção a Bathurst às oito horas da manhã, cruzando a cadeia de montanhas Atlas durante o voo. Chegaram à capital da Gâmbia as 15:30 e Roosevelt seguiu para o USS Memphis.

No outro dia, para o viajante VIP só houve movimentação à tarde, quando o Ministro Residente da África Ocidental Britânica, Lord Swinton, subiu a bordo às 16h00 e conversou com o presidente. Em seguida, o presidente o convidou a acompanhá-lo para uma curta viagem pelo rio Gâmbia no rebocador de alto mar HMS Aimwell, de 560 toneladas, aguardando para receber o presidente.

Depois de uma noite tranquila, às seis horas da manhã de 27 de janeiro anunciaram a decolagem dos dois C-54 em Yundum Field, para uma viagem de inspeção até a Libéria, quase 1.300 quilômetros a sudeste de Bathurst.

A Libéria, uma república colonizada por escravos libertos dos Estados Unidos antes da Guerra Civil, foi importante para o esforço de guerra Aliado. Ao chegar no começo da tarde, Roosevelt foi saudado pelo presidente Edwin Barclay e uma excelente banda do Exército dos Estados Unidos tocou os hinos nacionais. A qualidade desses músicos militares se devia ao fato de muitos deles terem tocado na orquestra do cantor de jazz Cab Calloway. 

Depois os presidentes passaram em revista um destacamento do Exército dos Estados Unidos formado por quinhentos soldados afrodescendentes que protegiam o porto de Monróvia, capital do país, e por onde passavam milhões de libras de látex bruto. Roosevelt também visitou na Libéria uma grande plantação de borracha da empresa Firestone, que tinha cerca de vinte mil trabalhadores liberianos. Por volta das três e meia da tarde o grupo embarcou nos C-54 e retornaram a Bathurst.

Roosevelt ocupou seu assento no Dixie Clipper por volta das dez e meia daquela noite, para um longo voo através do Atlântico em direção ao Brasil. Minutos depois o Atlantic Clipper fazia o mesmo trajeto.

Em Natal e o Retorno Para os Estados Unidos

Durante a maior parte do voo sob o Atlântico Sul, o Clipper presidencial voou alto, em meio a muitas nuvens, que tornou a viagem um tanto desconfortável. Para reverter o problema os pilotos Howard M. Cone Jr. e Richard W. Vinal desceram seus hidroaviões para uma altitude de apenas 300 metros, o que tornou o trajeto mais confortável para o restante da rota, que atingiu quase 3.000 quilômetros entre a capital da Gâmbia e a capital potiguar.

Pouco antes de amerissarem no rio Potengi, alguém a bordo do Atlantic Clipper descobriu com entusiasmo que uma hélice estava parada. Ela havia sido interrompida por recomendação do engenheiro de voo ao capitão Vinal e que os reparos poderiam esperar até que pousassem. Quando já estavam em Natal, para evitar atrasos, o Atlantic Clipper foi substituído por outro hidroavião do mesmo modelo, batizado American Clipper.

Após o desembarque Roosevelt seguiu para o USS Humboldt (AVP-21), um navio que já foi confundido com “cruzador” e até “destroier”, mas que era apenas uma unidade de apoio naval leve de hidroaviões da Classe Barnegat. Ao menos aquele era um navio novo, colocado em serviço em outubro de 1941.

Para Roosevelt pouco importava o tipo de navio em que ele estava em Natal, o que importava realmente naquela nave de guerra de pequenas dimensões era o seu encontro com Getúlio Dorneles Vargas, o presidente brasileiro. Um encontro histórico, que, entre outras decisões, levou a efetiva participação de tropas brasileiras no teatro de operações na Itália e fez Natal entrar na mira da imprensa mundial.

Mas isso é outra história!

Enquanto Roosevelt permaneceu em Natal, na manhã seguinte os dois Clippers aceleraram para o norte, cobrindo mais de 3.900 quilômetros até Trinidad, aonde o presidente e seu grupo chegaram no dia seguinte, 29 de janeiro, após um voo sobre o continente sul americano em dois aviões C-54.

Finalmente, em 30 de janeiro, data do 61º aniversário do presidente Roosevelt, os Clippers presidenciais decolaram para os Estados Unidos. O capitão Cone o presenteou com duas cartas, uma de cada tripulação dos Clippers que participaram da viagem, cada uma contendo uma contribuição financeira individual para o Fundo do Baile de Aniversário do Presidente.

Comemoração do 61º aniversário do presidente Roosevelt no Clipper.

Pouco antes do meio-dia o presidente sentou-se para um jantar especial de aniversário, onde foi servido caviar, aipo, azeitonas, peru, ervilhas e café, além de um grande bolo de aniversário, que o presidente cortou com óbvio deleite. Então todos – exceto o capitão Cone, que obedecia aos regulamentos da Pan American – fizeram um brinde com champanhe ao presidente. Depois disso, o Chefe do Executivo foi surpreendido com presentes. Entre eles um portfólio de gravuras raras de Trinidad, uma caixa de cigarro entalhada e outros. Tão exultante estava o capitão Cone com todos esses eventos, que todas as anotações do dia no diário do Dixie Clipper foram escritas a lápis vermelho sob o título “Aniversário do presidente”.

No meio da tarde, os dois Clippers começaram a longa descida em direção à costa da Flórida, onde amerissaram na Base de Dinner Key. Lá o presidente elogiou os membros de ambas as tripulações por seu desempenho e de Miami seguiu de trem para Washington. Embora os tripulantes nunca soubessem qual seria seu próximo destino até pouco antes da decolagem, eles cumpriram a indicação mais responsável que qualquer companhia aérea poderia receber, exatamente de acordo com as ordens.

Rotas da Pan American Airways.

E não havia dúvidas sobre o desempenho: os enormes hidroaviões percorreram mais de 20.000 quilômetros sem incidentes, durante 70 horas e 21 minutos em que estiveram no ar. Eles tocaram três continentes, cruzaram o Atlântico duas vezes e a linha do Equador quatro. A utilização dos Boeing 314 Clipper como aeronave principal nessa viagem presidencial se deveu por ser uma máquina que possuía uma estrutura excepcional, beleza, requinte, conforto, robustez, luxo e capacidade de voo. Apesar de terem sido construídos poucos exemplares e nenhum chegar inteiro até os nossos dias, marcou época e se tornou um clássico da aviação mundial.

Referências  –

https://www.whitehousehistory.org/the-wings-of-franklin-roosevelt-1

https://www.panam.org/explorations/681-1st-transatlantic-passenger-flight

http://www.fdrlibrary.marist.edu/daybyday/daylog/january-12th-1943/

https://www.americanheritage.com/hell-hole-yours#1

https://history.state.gov/milestones/1937-1945/casablanca

https://www.panam.org/war-years/579-the-commodore-the-president-2

https://www.aviationarchaeology.com/src/USN/OS2U.htm

O ESTADO POLICIAL – O QUE SIGNIFICA VIVER EM UM?

O que significa viver em um estado policial?

Mais especificamente, o que significava viver num estado administrado pelos agentes e colaboradores do regime nazista?

Para os que ainda possivelmente estejam vivendo em condições de alguma forma semelhante, os sintomas são muito familiares. O ocupante da chefia do governo determina a política a seguir, com pouca ou nenhuma consideração pelos desejos da maioria dos governados. Os seus auxiliares diretos, incumbidos de administrar a política nacional – e providenciar para que seja fielmente observada a arbitrária sucessão de lei e decretos emitidos pela “cúpula”, dos quais a comunidade nem sempre toma conhecimento – são nomeados pelos seus méritos, mas por serem considerados dignos de confiança do governante.

Hitler no juramento da SS no Congresso do Partido do Reich – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Atrás das fileiras da polícia civil oficialmente reconhecida talvez exista um contingente muito maior de polícia política secreta, que atua como o braço forte da nova lei, funcionando como cães de guarda e espiões da equipe dominante. As prisões e certos estabelecimentos penais (como os campos de concentração destinado a reabilitação dos “relapsos”) começam a encher-se daqueles cuja lealdade cuja lealdade ao regime deixe a desejar. Ali, talvez tenham de esperar, sob tensão e sem julgamento, sujeitos a interrogatório constante, levado a efeito com o objetivo de lhe arrancar o que quer que possam saber sobre os que, aos olhos das autoridades, representam a resistência.

A história não termina aí. Num estado policial, nada na comunidade pode ser considerado estável, exceto a manutenção daqueles que, pela força bruta ou através da habilidade maquiavélica, dominam a “nova ordem”.

Num estado policial, independente de status, são potencialmente suspeitas; todas têm, num arquivo secreto, dados que indicam se podem ser consideradas leais ou desleais ao regime. O interrogador de hoje pode ser o prisioneiro de manhã, após uma “revolução palaciana” repentina e inesperada ou alguma mudança na direção de qualquer departamento. Mesmo entre os próprios líderes, alguém pode desaparecer de repente, assumindo-lhe o lugar um desconhecido qualquer do público, mas não dos que “farejam”.

Hitler durante discurso na sessão do Reichstag, em Kroll Opera House, Berlim, 1939 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Para o cidadão comum, a vida num estado policial significa a eliminação das garantias individuais e dos direitos civis. Não há proteção contra as batidas peremptórias à porta, ou contra o terror da prisão súbita e do desaparecimento de qualquer indivíduo, muitas vezes sem deixar a mais leve pista, passando a se considerar inteiramente perdido para parentes e amigos.

O cidadão comum, pressionado pela ansiedade gerada pela insegurança, sua e de sua família, logo aprende a adular o regime e a manter-se distante de complicações; cumpre seus deveres cotidianos, presta o serviço militar, usa orgulhosamente os distintivos prescritos, paga regiamente as taxas exigidas, faz corretamente as saudações certas, e cala sobre o que quer que tenha visto, sobre o que que desconfie tenha acontecido.

À medida que a economia do país se agrava, por causa da guerra ou dos preparativos para realizá-la, ele aprende a passar sem os bens de consumo que os privilegiados – este tipo de governo sempre os possuí – ainda possam desfrutar. Ele liga seu rádio, sintonizado apenas no serviço nacional, sabendo embora que todo veículo de comunicação é estritamente controlado, censurado e ideologicamente doutrinado. Por momentos, é possível que ele medite sobre a proibição de se ouvir transmissões estrangeiras. E se, em sua frustração, resmunga um pouco, ele se refere aos líderes usando apenas iniciais dos seus nomes, mas bem baixinho.    

Hitler e Joseph Goebbels no Teatro Charlottenberg, Berlim, 1939 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

O cidadão comum aprendeu a desconfiar dos estranhos, dos amigos, até mesmo dos membros da família, especialmente os da geração mais jovem, posto que, estes, já foram advertidos de que devem observar os pais. Acima de tudo ele toma o cuidado de não deixar escapar nada que possa ser considerado politicamente suspeito, e evita adquirir qualquer conhecimento que possa ser considerado perigoso.

O cidadão comum não sabe de nada. Não sabe quem foi preso ou o que possam estar sofrendo nos campos de concentração. Esse tipo de coisa desagradável só interessa às autoridades. Não obstante, ele se torna o recipiente constante, ainda que relutante, de boatos; quando se sabe que todas as formas de notícias e informações são controladas e adulteradas, é inevitável que os ventos da curiosidade sejam movimentados pelo sussurrar de mexericos, insinuações e advertências apenas murmuradas.  

O regime nazista criou uma forma excepcionalmente feros de estado policial, diretamente originária de um governante excepcional e feroz que, como todos sabem, subiu ao poder na Alemanha em janeiro de 1933, depois de nomeado Chanceler. Pouco mais de doze anos antes, Hitler não era mais que um barato agitador de rua, e apenas nove anos antes passara um período na prisão, por ter realizado um fracassado levante armado em Munique. Uma vez feito Chanceler, ele se entrincheirou com tal rapidez, que alguns meses depois estava governando a Alemanha virtualmente por decreto pessoal.

A Liga das Meninas Alemãs dança no Congresso do Partido do Reich em Nuremberg, 1938 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Durante seu reinado de terror, que durou apenas doze anos, Hitler ampliou grandemente as fronteiras do Reich alemão, “unindo” aqueles a quem considerava pertencentes à raça alemã comum, rearmando a nação e levando-a à guerra no espaço de seis anos.

Durante algum tempo, pela ocupação, ele se fez senhor de um território que se estendia do Círculo Ártico às praias do Mediterrâneo e dos arredores de Moscou à costa ocidental da França e dos Países Baixos. Por volta de 1942, Noruega, Dinamarca, Holanda, Bélgica, França, Luxemburgo, Iugoslávia, Grécia, Tchecoslováquia, Polonia e considerável área da Rússia e da Ucrânia estrebuchavam debaixo do tacão nazista. Três anos mais tarde, ele estaria se escondendo sob as ruínas de Berlim, senhor de apenas alguns metros de terreno.

Pessoas saúdam e encorajam plano de Hitler para unir Alemanha e Áustria, 1938 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Em maio de 1945 o mundo livre sacudiu fora o pesadelo terrível. O tirano fugiu pela porta do suicídio à prestação de contas em Nuremberg. A intervenção de Hitler na história mundial custou a vida a mais de 50 milhões de pessoas: homens, mulheres e crianças que morreram em batalhas, em bombardeios, assassinatos em massa, fome, extermínio e maus tratos nos campos de concentração e nas prisões.  

Não existe paralelo, na história da humanidade, com o que Hitler deixou registrado. E tudo isso foi feito mediante a criação de um estado policial altamente organizado e implacável. Atras do poderio evidente do exército alemão e da polícia civil estavam as forças, muito menos evidentes e em grande parte “secretas”, das SS e dos seus colegas das Gestapo, a polícia política. Embora elementos do exército que serviram ao regime de Hitler fossem culpados de atos criminosos que ultrapassaram em muito os horrores “aceitos” da guerra total e “legal”, os crimes cometidos contra a humanidade, em virtude dos quais o nome de Hitler deve ser sempre execrado, foram perpetrados por inspiração sua, por essas extraordinárias forças secretas.

Ministro da Propaganda do Reich, Goebbels discursa em Lustgarten, Berlim, 1938 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Começando apenas com um punhado de homens, treinados para, através da violência, proteger os oradores nas reuniões nazistas, as SS conquistaram um poder incomensurável sob a liderança tutelar de Heinrich Himmler, um nacionalista obsessivo que ascendeu gradativamente a hierarquia nazista por meio da intriga de bastidores. Enquanto outros, notadamente Herman Göring e Joseph Goebbels, empregavam seus talentos na ribalta. Himmler se afirmou por intermédio das SS, que acabaram por transformá-lo no mais formidável dos sub-líderes, no mais íntimo colaborador do Führer.

Ao contrário dos outros, Himmler não revelava qualquer traço de cinismo em suas atitudes. Ele sabia precisamente no que acreditava – na superioridade racial dos nórdicos, dos povos “arianos” e no estabelecimento de um sistema imperial mundial sob o domínio do governo de raça superior.

Hitler saúda as tropas da Legião Condor – que apoiou os nacionalistas espanhóis durante a Guerra Civil Espanhola – após voltarem para a Alemanha em 1939 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Assim é que foi a Himmler, e a certos membros dignos de confiança  dentro das SS, que Hitler finalmente confiou a operação altamente secreta da “solução final”, o extermínio em massa dos judeus europeus, o crime supremo do genocídio que atingiu seu ponto culminante em meados da guerra e nos últimos anos desta. Foram as SS e, em particular, o assessor de Himmler, Reinhard Tristan Eugen Heydrich, que orientaram o plano de genocídio que levou a destruição, num período de três anos, de mais de cinco milhões de judeus e praticamente de igual número de outros povos “indesejados” da Europa – eslavos, ciganos e aqueles que, por uma razão ou outra, traziam acessas dentro de si as chamas da resistência.   

Portanto, as SS passaram a ocupar um lugar muito especial na conspiração nazista para a conquista do poder. Aos molhos do público, pouco antes da guerra, as tropas das SS ostentavam certo quê de elite em seus imaculados uniformes pretos com acessórios prateados. Segundo se dizia, elas demonstravam a glória da pureza “racial”, tendo a seu crédito dois séculos inteiros de linhagem racial pura. Advogados e intelectuais, inclusive alguns aristocratas e até mesmo bispos, fizeram o que puderam para serem admitidos nas fileiras das SS, orgulhosos do seu status de oficial e do uniforme que o confirmava. Eles aceitavam de bom grado, ou com humor cínico, o falso ritual “ariano” e o cerimonial folclórico que Himmler inventara – como se fossem os Cavaleiros da Távola Redonda que se estivesse reunindo, e não uma organização cuja função básica seria, no fim, assassinar.

Certos detalhes dessa história extraordinariamente sombria lembram uma espécie de comédia de humor negro – por exemplo, Himmler competindo zelosamente por um distintivo de atletismo das SS, com seus ajudantes elevando sub-repticiamente seu desempenho medíocre; a preocupação exagerada com a “pureza” racial quando um dos homens da SS, queria casar-se, ou os cerimoniais pagãos inventados para festejar aniversários nazistas ou para substituir as cerimônias cristãs do matrimônio, nascimento e morte.

Os mais cínicos apenas riam de Himmler às suas costas, até que chegou o dia que tiveram de ouvir um dos seus discursos sombrios pronunciados em reuniões privadas dos oficiais das SS. Neste discurso, Himmler delineou claramente a necessidade de exterminar os judeus e de fazer que seus prisioneiros trabalhassem até morrer para apoiar a vitória alemã. A maioria deles ouvia essas coisas com fria indiferença, porque não era provável que eles próprios se envolvessem pessoalmente no derramamento de sangue das vítimas. Afinal de contas, isso cabia à soldadesca das SS, aos assassinos treinados, aos homens recrutados para deveres na linha de frente, nos chamados “Grupos de Ação” (Einsatzgruppen), ou aos pelotões de trabalho reunidos para levar a cabo tarefas corriqueiras de extermínio criadas pelos técnicos de genocídio.

Congresso do Partido do Reich, Nuremberg, 1938. – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

O absurdo, o trivial, o macabro, o terrível – tudo isso reunido forma a história das SS, que impuseram o máximo de sofrimento a milhões de pessoas inocentes. A sorridente personalidade importante que, numa recepção do partido, se refina em seu vistoso uniforme preto, enquanto saboreia bebidas compradas no mercado negro, é o mesmo sinistro agente das SS que arranca tranquilamente, com uma bofetada ou um chute, um grito de dor de uma indefesa mulher. Ouvem-se aplausos polidos a Himmler enquanto este ajeita seu “pince-nez” antes de iniciar uma conferência; no mesmo instante, dentro de uma sala escondida, Adolf Eichmann planeja a logística do transporte dos próximos 50 mil judeus a serem exterminados. O notório Joseph Mengele trajava o mesmo uniforme negro na rampa de chegada de Auschwitz, ditando, com um estalar do seu chicote de montaria, quem devia ser morto imediatamente e quem deveria sofrer mais algumas semanas de existência como escravo das SS.

Tudo isso, e ainda mais, fazia parte das atribuições da SS tão logo os nazistas assumiram o poder. E atrás deles, trabalhando em colaboração estreita com as SS estavam os homens e as mulheres da Gestapo, policiais em uniforme ou em trajes civis, encarregados da função especial de manter a segurança política na Alemanha e, mais tarde, nos países por ela ocupados. Estes eram os homens que vinham procurar a vítima na calada da noite, com os pneus de seus carros cantando no calçamento e fazendo-os parar bruscamente à porta da vítima, arrancando-a, meio desperta e aterrorizada, do seio da família. Eram os mestres do interrogatório brutal, com ou sem máquinas medievais de tortura; eram eles que conheciam, pela longa experiência que tinham do problema, os limites mais sutis da resistência humana e os meios pelos quais se podia obter com mais eficiência qualquer informação desejada, verdadeira ou falsa.

Berlim é acendida à meia-noite para celebrar o 50° aniversário de Adolf Hitler em 1939 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Melhor ainda que as SS, a Gestapo dominava a técnica da intimidação que, inevitavelmente, faz parte da direção de um estado policial. A tese da intimidação pesa psicologicamente no condicionamento dos que tem de ser perseguidos, atormentados e punidos. Outro fator é a simples incerteza: quando uma pessoa não sabe o que lhe pode acontecer da noite para o dia, isto durante meses ou mesmo anos, desgasta-se gradativamente, e até mesmo os mais resistentes acabam por quebrar-se interiormente.

A rede administrativa de apoio a essa forma arbitrária de poder cresceu em grande parte às ocultas do povo alemão. Este só via as manifestações externas – a imensa quantidade de decretos, leis e regulamentos publicados, que finalmente o cercearam por completo. Nos bastidores, às mesas dos ministérios e dos escritórios do partido, também ocorrera a conspiração dos burocratas, criada por homens com vocação para o trabalho de fechar as brechas da liberdade civil e dos direitos de protesto do cidadão. De um modo geral, o povo alemão aceitou tudo isso humildemente, como um dar de ombros fatalista; ele viu tudo isso como um fato consumado, que se desenvolveu gradativamente e ao qual era perigoso demais resistir.

Multidão aguarda início da cerimônia da pedra angular em Fallersleben, 1938 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Eram essas as condições existentes na Alemanha e, eventualmente, nos territórios ocupados da Europa, condições impostas em 1933 e que duraram até que a derrota final de Hitler trouxe a libertação para os que conseguiram sobreviver. Cerca de dois terços da Europa ficaram sujeitos a essa forma organizada de tirania.

E isso ocorreu em pleno Século XX e, o pior, tudo indica que pode voltar a acontecer em alguns países do mundo, onde suas classes dirigentes e seu povo pouco dão valor a História.   

Texto – Manvell, A. S. – SS e Gestapo – A Caveira Sinistra, 1ª Edição, Rio de Janeiro-RJ, Editora Rennes, 1974, páginas 8 a 11.

O ATAQUE DO ENCOURAÇADO GRAF SPEE PRÓXIMO A COSTA NORDESTINA

A Primeira Nave de Guerra Nazista no Atlântico Sul – Atacou um Cargueiro Inglês na Costa de Pernambuco – Três Tripulantes Eram Brasileiros e Testemunharam Esse Ataque Perto do Litoral Nordestino – Um Hidroavião Alemão Metralhou O Navio Inglês – O Graf Spee Foi Visto Próximo a Natal? – A Estranha Visita do Adido Naval Britânico a Capital Potiguar – A Guerra que Chegou

Rostand Medeiros – Escritor e Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Em 1939, enquanto o mundo assistia a escalada de uma nova guerra mundial, na Alemanha Nazista havia a certeza que a sua Marinha de Guerra, a Kriegsmarine, não poderia enfrentar a Marinha Real Britânica, a Royal Navy. Mesmo com essa desvantagem foram os alemães que executaram os primeiros movimentos daquilo que entrou para a História como a Batalha do Atlântico, um conjunto de ações navais beligerantes que duraria toda a Segunda Guerra Mundial e atingiria toda extensão desse vasto oceano.

O poderoso encouraçado de bolso Admiral Graf Spee.

O comando da Kriegsmarine decidiu posicionar secretamente no Atlântico Norte naves de superfície, submarinos e navios de apoio para manter os britânicos ocupados quando a guerra estourasse. Entretanto, nesses movimentos navais pré-guerra uma das mais importantes naves da Alemanha seguiu em direção do Atlântico Sul.

Esse navio era o poderoso encouraçado de bolso Admiral Graf Spee, que zarpou do porto de Wilhelmshaven, na costa do Mar do Norte, na noite de 21 de agosto de 1939, recebendo o apoio do petroleiro da frota Altmark e sendo comandado pelo capitão de mar e guerra (kapitän zur See) Hans Langsdorff.

Ninguém a bordo do Graf Spee, a não ser seu capitão, sabia o rumo a nave deveria tomar e a natureza da missão a cumprir.

Para muitos naquele poderoso barco, mesmo com toda tensão na Europa, aquela navegação seria apenas mais um cruzeiro de instrução que seguia em direção sul. Mas o que Langsdorff queria era que seu navio desaparecesse na imensidão do Atlântico. E isso ele conseguiu![1]

Uma Grande Nave de Guerra

O Graf Spee era um navio excepcional, verdadeiro prodígio da engenharia naval alemã da época. Possuía 186 metros de comprimento, um calado máximo de 7,34 metros e era ocupado por cerca de 1.000 tripulantes. Seu casco era pura inovação para uma nave desse tamanho no final da década de 1930, pois era totalmente soldado e não utilizava rebites.

Seus dois motores principais foram fabricado pela MAN (Maschinenfabrik Augsburg-Nürnberg), sendo modelos M9 Zu 42/53, a diesel, de nove cilindros, dois tempos e média velocidade. A potência projetada para o Admiral Graf Spee era de 54.530 HP, o que permitia a velocidade máxima de 26 nós. Mas durante os testes a nave atingiu 28,5 nós (52,5 km/h), com os eixos da hélice girando a 250 rpm. Também haviam motores auxiliares instalados ao longo de cada um dos conjuntos dos motores principais. Tratavam-se de motores MAN M-5 Z 42/48, a diesel, com cinco cilindros, dois tempos, cada um com a potência de 3.500 HP a 425 rpm. Eles abasteciam bombas, compressores, equipamentos de combate a incêndio, etc. A eletricidade era fornecida por oito geradores fabricados pela AEG (Allgemeine Elektricitäts-Gesellschaft), de Berlin, com potência combinada de 3.360 kW, alimentados por 375-400 HP.

Tinha uma autonomia de 20.000 quilômetros e um deslocamento total de 16.020 toneladas, bem mais que as 10 mil toneladas estipuladas pelo Tratado de Versalhes, que limitavam os navios de guerra alemães a naves de pequeno porte e era uma das punições dos países Aliados após a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial.

Para fugir dessas proibições os engenheiros navais alemães desenvolveram os chamados Panzerschiff (navio blindado) da classe Deutschland, que os britânicos logo apelidaram de encouraçados de bolso, pois possuíam artilharia pesada, em um navio com um tamanho e peso relativamente reduzidos. Mas essa relação superava em muito os cruzadores pesados da época ​​e estava no mesmo nível de muitos navios de guerra mais antigos[2]

Aquela impressionante nave possuía seis canhões de 280 milímetros, com três destes montados em duas torres fortemente blindadas – uma dianteira e outra traseira – com capacidade de lançar projeteis a cerca de 30 quilômetros de distância. Havia oito canhões de 150 milímetros e outros vinte e quatro canhões e metralhadoras antiaéreas. Foram montados no tombadilho dois lançadores de torpedo quádruplos de 533 mm e o Graf Spee podia transportar até dois hidroaviões Arado Ar 196 A-1 para buscar seus alvos à distância e lançados de uma catapulta na superestrutura da ponte[3]. A função dessas aeronaves era complementada pela a existência de um rudimentar radar de busca[4].

Seu Bravo Capitão

O Graf Spee era comandado por um competente oficial que desde os dezoito anos de idade estava na carreira naval. Hans Johann Wilhelm Rudolf Langsdorff  nasceu em 20 de março de 1894 na cidade de Berguen, a maior aglomeração urbana da Ilha de Rugen, próximo a costa norte do Mar Báltico. Vinha de uma tradicional família de pastores luteranos, sendo filho de Ludwig Langsdorff e Elisabeth Steinmetz. Em 1898 sua família mudou-se para a cidade de Düsseldorf, onde seu pai assumiu as funções de juiz e os Langsdorff se tornaram vizinhos da aristocrática família do Conde e Almirante Maximilian von Spee. Ali o jovem Hans Langsdorff conheceu os filhos desse almirante, os futuros cadetes navais Otto e Heinrich Spee[5].

O Capitão Langsdorff.

Certamente influenciado pelos seus honrados vizinhos, mas contra a vontade dos seus pais, que desejavam que ele seguisse a função de pastor, em 1912 Langsdorff entrou na Academia Naval de Kiel. Durante a Primeira Guerra Mundial o então tenente Langsdorff recebeu a Cruz de Ferro de 1ª Classe e em maio de 1916 participou da Batalha da Jutlândia, considerada por muitos a maior batalha naval da história. Após o fim do conflito ele continuou na marinha e em março de 1924 se casou com Ruth Hager, onde da união nasceram seu filho Johann e sua filha Ingeborg Langsdorff[6].

Principalmente por suas habilidades administrativas, a sua carreira naval chamou a atenção do comando da Kriegsmarine. Em 1933, após a ascensão dos nazistas ao poder, Langsdorff buscou se afastar do novo regime e solicitou retornar para o mar, mas foi nomeado para o Ministério do Interior. Finalmente, entre 1936 e 1937, conseguiu uma comissão que o colocou a bordo do novo encouraçado de bolso Admiral Graf Spee, onde participou do apoio alemão ao lado nacionalista de Francisco Franco na Guerra Civil Espanhola. 

Logo depois Langsdorff foi promovido a capitão e em outubro de 1938 recebeu o comando do Graf Spee. Nessa nave ele pode mostrar suas habilidades de comandante naval, ficando marcado pela audácia, coragem, companheirismo, capacidade de decisão e um atuante pensamento humanitário.

Essa última faceta do caráter de Hans Langsdorff certamente era fruto de sua criação luterana e foi algo que anos depois lhe custou a vida, mas o fez entrar para a História.

No Atlântico Sul

Foi em uma sexta-feira, 1º de setembro de 1939, o dia que os alemães invadiram a Polônia e a Segunda Guerra Mundial teve início. Nessa mesma data vamos encontrar o Graf Spee já tendo ultrapassado as Ilhas Canárias, estando a cerca de 800 milhas a oeste das Ilhas de Cabo Verde e se aproximando da Linha do Equador, onde, no dia 8 de setembro, teve o privilégio de ser a primeira nave de combate alemã durante a Segunda Guerra Mundial a cruzar essa linha geográfica. Poucos dias depois esse encouraçado de bolso estará em uma posição que o deixou bem próximo do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, seguindo em patrulha para uma área mais próxima do centro do Atlântico Sul. 

O Capitão Langsdorff obedecia à risca às ordens recebidas, onde estava pautado que deveria manter o Graf Spee fora das vistas de outros navios e era proibido de atacar naves cargueiras inglesas e francesas. Seguia acompanhando as notícias na Europa, em velocidade lenta, demorando muito no deslocamento e aguardando as ordens para atacar.

Hitler imaginava que após a conquista da Polônia, a França e a Grã-Bretanha, os principais inimigos da Alemanha, buscariam um acordo para evitar a guerra total. Mas isso não aconteceu e conforme os dias foram passando as restrições de combate de Langsdorff vão caindo, até não mais existirem em 26 de setembro. Nessa data o Graf Spee se encontra praticamente no centro do Atlântico Sul e toma rumo noroeste em busca da sua primeira vítima. Nessa rota se aproxima da costa do Nordeste do Brasil, mais precisamente ao largo de Pernambuco.

Quem observa a linha traçada pelo avanço do Graf Spee naqueles dias, talvez se pergunte o porquê desse navio de guerra ter seguindo em uma rota quase sem alteração e de forma tão célere para a costa pernambucana.

Ao nos debruçarmos sobre as velhas páginas dos periódicos recifenses Diário de Pernambuco e Jornal Pequeno, publicados na segunda quinzena de setembro de 1939, buscando informações sobre a movimentação portuária em Recife, descobrimos que o entra e sai de navios de cargas e passageiros era intenso. Em parte isso se explica porque nessa época a capital pernambucana era terceira maior cidade brasileira, com uma população de 348.424 habitantes[7]. Evidentemente que o maior número de barcos que ali circulavam era de brasileiros, mas nas primeiras semanas da Segunda Guerra Mundial nada menos que nove navios alemães e seis ingleses estiveram escalando no porto de Recife[8]. Também se encontrava atracado o grande transatlântico polonês MV Chrolbry, que segundo os jornais estava sendo totalmente “pintado de cinza para melhor se camuflar no mar” e poder seguir a “qualquer momento para Europa”.

Hidroavião Arado Ar 196 A-1 sendo lançado.

Talvez por estar recebendo mensagens enviadas por espiões germânicos baseados em Recife, o Capitão Langsdorff se aproximou da capital pernambucana para interceptar algum navio inimigo que dali partia[10]. Para melhorar a caçada Langsdorff ordenou o lançamento do hidroavião Arado para uma busca além do horizonte[11].

O Ataque e os Brasileiros a Bordo do Clement

Dias antes desse momento, quando o encouraçado alemão ainda seguia de forma lenta em direção sul, se encontrava no porto de Natal um cargueiro inglês chamado Clement, que deslocava 5.051 toneladas, era comandado pelo Capitão Frederick C. P. Harris, de 58 anos de idade, e possuía um total de 48 tripulantes. Essa nave pertencia a empresa inglesa de navegação Booth Steam Ship Company, sendo uma frequentadora habitual dos portos da costa leste dos Estados Unidos e do norte e nordeste do Brasil. Havia partido de Nova York em 24 de agosto com um carregamento de gasolina e querosene em latas, bacalhau e ferramentas, tendo escalado em Belém do Pará, São Luís e Tutóia (Maranhão), Fortaleza e Natal. Da capital potiguar o Clement partiu para Recife com uma pequena carga de algodão, vindo provavelmente da região do Seridó[12].

Uma particularidade interessante é que entre os tripulantes do Clement havia três brasileiros.

Estes eram Martinho Silva, de 32 anos de idade, Thomaz Brandão, de 30 anos, além de Waldemar Francisco Penedo, com 26 anos. Todos eram paraenses de Belém e haviam embarcado nessa cidade para trabalhar no Clement realizando manutenção e lubrificação dos motores, sendo conhecidos como “graxeiros”, uma das funções mais humildes e sujas a bordo.

Após alguns dias na capital pernambucana, a uma da manhã de 30 de setembro, vamos encontrar o Clement deixando aquele porto para seguir em direção a Salvador para pegar mais cargas. Após essa parada seu destino era o porto de Cabedelo, na Paraíba, onde carregaria mais algodão e depois o próximo porto seria o de Nova York, Estados Unidos[13].

Desde que começou o conflito o capitão Frederick C. P. Harris, veterano da Royal Navy na Primeira Guerra Mundial, vinha navegando mais afastado do litoral, para evitar possíveis ataques[14]

Dias depois Thomaz Brandão declarou para um jornal carioca que por volta das onze e meia da manhã de 30 de setembro, quando o Clement se encontrava a cerca de 70 milhas náuticas (130 quilômetros) da costa pernambucana e a tripulação se preparava para almoçar, o barco foi sobrevoado por uma aeronave. Brandão primeiramente imaginou que fosse “o avião do correio”, mas logo percebeu a cruz negra alemã e soube que aquilo significava problemas[15].

No hidroavião Arado do Graf Spee o piloto Heinrich Bongardts, que possuía a patente de sargento (Unteroffizier) da Força Aérea Alemã (Luftwaffe), emitiu uma chamada de rádio ordenando que o Clement não transmitisse sinais de socorro enquanto dava voltas sobre o cargueiro. Mas a ordem foi ignorada e o oficial do rádio da embarcação começou a transmitir “RRRR” em código Morse, que indicava que um cargueiro inglês estava sob ataque. E esse não demorou a vir por parte do hidroavião, quando o Cabo (Obergefreiter) Hans-Eduard Sümmerer despejou várias rajadas de metralhadora MG no Clement, ferindo um tripulante inglês[16].

Logo a sinistra silhueta do Graf Spee surgiu no horizonte a toda velocidade e abriu fogo de advertência com um dos seus canhões. Diante da nova ameaça o capitão Harris ordenou que as transmissões cessassem e os papéis oficiais do navio e códigos de transmissão fossem colocados em uma sacola e jogados ao mar[17]

Perdidos Perto da Costa Nordestina

O Clement passou a ser abandonado pelos tripulantes, incluindo o comandante e o engenheiro chefe W. Bryant, de 70 anos de idade, que se acomodaram em quatro botes salva-vidas. Mas eles mal começavam a deixar o navio cargueiro, os alemães também desceram um escaler motorizado do Graf Spee e logo buscaram abordar os botes ingleses.

O Clement.

Chegaram armados com pistolas e submetralhadoras e, após identificarem o Capitão Harris e o engenheiro Bryant, ordenaram que os mesmos entrassem em sua lancha para serem levados a bordo do Graf Spee como prisioneiros de guerra e interrogados. Os dois oficiais se resignaram diante da situação, mas antes de partir se despediram de toda tripulação. O homem ferido pelos disparos da aeronave também foi levado para receber tratamento médico pela equipe do navio atacante. Nesse momento os ingleses comentaram aos brasileiros que aqueles homens armados eram alemães.

Os que estavam nos botes salva-vidas receberam instruções para seguirem em direção à costa brasileira[18]. Thomaz Brandão achou interessante o fato dos alemães filmarem os homens do Clement.

O Clement sendo destruído pelos canhões do Graf Spee.

Logo, ao meio-dia, esses sobreviventes assistiram o Graf Spee abrir fogo com seus poderosos canhões, rompendo de maneira ensurdecedora o silêncio oceânico. O Clement foi afundado com cinco granadas de 280 mm e 25 de 150 mm. Dois torpedos também foram disparados, mas ambos erraram o alvo. O cargueiro inglês levou 45 minutos para afundar totalmente e enquanto agonizava o navio atacante partiu rapidamente. Seu pequeno hidroavião evoluiu algum tempo sobre a nave sinistrada e depois também se foi.

Devido ao mar agitado os barcos salva-vidas se dispersaram e assim passaram a noite. Pelas sete horas da manhã do outro dia um desses barcos, com dezesseis homens a bordo, foi avistado e recolhido pela tripulação do vapor nacional Itatinga a quinze milhas do litoral, na altura da praia de Porto de Pedras, Alagoas[19]. Comandado pelo Capitão de longo curso Antenor Dias Sanches, este realizou com seu navio buscas aos outros sobreviventes durante algum tempo, apitando estridentemente e fazendo longas curvas, mas sem sucesso.

Depois o Itatinga seguiu para Maceió, Salvador e Rio de Janeiro, onde nesse último porto Herbert John Gill, o 2º piloto do Clement, deu declarações para imprensa carioca sobre o ataque[20]. Já os outros barcos salva-vidas e os sobreviventes, fazendo o uso de velas, chegaram à costa alagoana.

Os náufragos foram vistos com muita curiosidade pela população das cidades onde estiveram e receberam algum ajuda, pois a maioria só tinha mesmo a roupa do corpo.

Mesmo sem se aperceberem, aqueles tripulantes do Clement foram testemunhas oculares de fatos realmente significativos naquela época. A ação do Graf Spee foi o ataque de um navio de guerra alemão realizado mais próximo do Continente Americano em toda a Segunda Guerra Mundial. Igual situação se enquadra a ação do hidroavião Arado Ar 196 A-1, colocando-o como a aeronave da Luftwaffe a ter realizado um ataque aéreo mais próximo do chamado Novo Mundo.

Os Primeiros Brasileiros Envolvidos na Segunda Guerra Mundial e o Graf Spee Próximo a Natal

No Rio de Janeiro o Ministério das Relações Exteriores do Brasil se pronunciou nos jornais afirmando que o ataque ao Clement se deu fora das águas territoriais brasileiras, não caracterizando uma “violação da neutralidade do país”. Vale ressaltar que nessa época o que o Brasil considerava que suas águas territoriais seriam parcas três milhas náuticas a partir das nossas praias[21].

Quando dias depois um dos três tripulantes brasileiros chegou ao Recife, cujo nome o Diário de Pernambuco omitiu, informou ao jornalista que o ataque do encouraçado ao Clement para ele “foi um grande azar”. Independente de se encontrar vivo e sem um arranhão, comentou que depois de ter sido tripulante de outros navios mercantes britânicos e de ter visitado a Inglaterra em várias ocasiões, estava há meses desempregado no Pará e aquele engajamento no Clement era uma verdadeira dádiva, mas que acabou[22].

Os marinheiros brasileiros ainda comentaram junto à imprensa que informaram ao cônsul inglês que desejavam continuar trabalhando como embarcados em naves comerciais britânicas, desde que “recebessem salários de guerra e seguros de vida”[23].

Sabemos que em setembro de 1939 a Segunda Guerra Mundial se desenrolava com maior força na Polônia, mas eu desconheço se nesse período algum cidadão brasileiro tenha se envolvido em alguma ação bélica nesse país, ou em algum outro local onde os alemães e seus inimigos se batiam. Nesse tocante, creio que é possível afirmar que os paraenses Martinho Silva, Thomaz Brandão e Waldemar Francisco Penedo tenham sido os primeiros brasileiros a se envolverem e testemunharem uma ação bélica nesse conflito. E o interessante é que esse fato ocorreu próximo ao belo e caliente litoral nordestino.

O Almirantado Britânico recebeu então um primeiro relatório dando conta que um poderoso navio de guerra alemão estava operando no Atlântico Sul, nesse momento eles acreditavam que a nave era o Admiral Scheer, pois foi esse o nome que os náufragos do Clement viram pintado na proa do encouraçado. Na verdade era mais um ardil de Langsdorff para enganar seus adversários. Muitos jornais brasileiros caíram no logro e durante algum tempo estamparam notícias que o Admiral Scheer era quem aterrorizava o Atlântico Sul. Fosse lá qual fosse o nome daquele navio de guerra, o certo é que nos dias após o ataque ao Clement os ingleses não faziam a menor ideia onde ele se encontrava. Muitos acreditavam que o navio atacante teria navegado em direção leste, para o meio do oceano.

Mas em 7 de outubro, uma semana depois do afundamento do cargueiro inglês, o próprio Almirantado Britânico publicou um documento reservado onde encontramos a informação que um navio americano comunicava ter visto uma nave de guerra classificada como o Admiral Scheer, navegando a somente 60 milhas náuticas (110 quilômetros) de Natal, Rio Grande do Norte. Esses documentos só foram desclassificados em 2012.

Esse fato é interessante, pois certamente esse documento trás uma das primeiras menções sobre a cidade de Natal em um documento militar de um dos países beligerantes envolvidos na Segunda Guerra Mundial.

A Batalha do Rio da Prata

Um mês após o episódio do Clement, sem revelar sua posição aos adversários e sem matar um só marinheiro inglês, o Capitão Langsdorff e a sua equipe a bordo do encouraçado de bolso Graf Spee haviam mandado para o fundo do mar mais de 50.000 toneladas de navios inimigos e criado problemas nas rotas comerciais marítimas dos ingleses.

Entre outubro e novembro sete grupos de navios de guerra da Marinha Real Britânica e Francesa caçavam o Graf Spee no Atlântico Sul, enquanto outro grupo esquadrinhava o Oceano Índico. No total, ingleses e franceses empregaram quatro porta-aviões, três encouraçados, dezesseis cruzadores e outros tantos navios menores. Em novembro o Graf Spee ainda afundou um pequeno petroleiro a sudoeste de Madagascar e depois voltou para o Atlântico Sul, onde reivindicou mais três vítimas, incluindo o Doric Star no dia 2 de dezembro e o Tairoa no dia 3.

Depois de mais de dois meses em alto mar, tornou-se necessário que o navio voltasse para a Alemanha para reparos, mas antes disso Langsdorff decidiu interceptar um comboio que ele sabia se encontrar ao largo do rio da Prata e transportava para a Grã-Bretanha grãos e carnes.

O HMS Exeter.

Quem também estava na mesma região era o Comodoro inglês Henry Harwood, comandando um grupo de combate (Group G) composto pelo cruzador pesado britânico HMS Exeter (comandado pelo Capitão Frederick Secker Bell), o cruzador leve britânico HMS Ajax (Capitão Charles Henry Lawrence Woodhouse) e do cruzador leve neozelandês HMNZS Achilles (Capitão William Edward Parry). 

Também fazia parte do Group G o veterano cruzador britânico HMS Cumberland (Capitão Walter Herman Gordon Fallowfield), que naquele momento estava nas Ilhas Falklands (Malvinas) reparando seus motores, o que deixava o Comodoro Harwood desfalcado diante do poder de fogo da nave alemã. Mesmo assim ele e seus companheiros ficaram patrulhando a área, esperando encontrar o inimigo.

O Graf Spee.

De maneira inesperada o encontro entre o Graf Spee  e os três cruzadores se deu às 06:10h do dia 13 de dezembro, a 390 km a leste de Montevidéu, quando a nave germânica foi primeiramente vista de uma posição a noroeste. Langsdorff decidiu acelerar ao máximo seu encouraçado para encurtar a distância das três naves adversárias, que para ele pareciam ser simples destroieres e que achava estarem protegendo o cobiçado comboio mercante. Foi quando percebeu tarde demais que estava enfrentando três cruzadores e não havia nenhum navio mercante por perto. 

Confrontado com o armamento mais pesado do Graf Spee, Harwood decidiu colocar sua força em duas alas e tentar assim dividir o fogo das principais armas inimigas. O cruzador pesado Exeter seguiu ao sul, enquanto os outros dois cruzadores ligeiros seguiram para norte. As 06:18h os disparos dos grandes canhões do Graf Spee irromperam o silêncio do Atlântico Sul.

Disparos no calor da Batalha do Rio da Prata.

Todos os quatro navios envolvidos na luta navegavam disparando incessantemente enquanto manobravam. Logo no começo da batalha naval um petardo inglês destruiu o hidroavião Arado e matou os aviadores Bongard e Sümmerer. O Graf Spee então concentrou os canhonaços de suas duas torres de 280 mm no Exeter, que foi duramente atingido. As dez para as sete da manhã todos os navios estavam indo para o oeste. Nessa altura da contenda o Exeter disparava apenas uma de suas quatro torres de tiro. Chamas eram vistas em várias partes do navio e havia danos generalizados. A ponte de comando foi duramente atingida, com estilhaços matando ou ferindo todo o pessoal, exceto o Capitão Bell e outros dois tripulantes. 

Quando uma das torres de tiro do Exeter foi atingida por um impacto direto de um projetil de 280 mm, o fuzileiro real Wilfred A. Russell teve seu antebraço esquerdo explodido e seu braço direito quebrado, mas recusou os primeiros socorros enquanto outros companheiros não fossem atendidos, além de permanecer no convés incentivando seus amigos durante a luta. Ele não cedeu até que o calor da batalha terminasse, mas faleceu de suas feridas poucos dias depois.

Troca de disparos na manhã de 13 de dezembro de 1939.

As comunicações gerais do Exeter ficaram inoperantes e pelo resto da batalha as ordens internas nesse navio tiveram de ser enviadas por uma cadeia de mensageiros. Até para informar ao timoneiro para girar o leme para esquerda ou direita, a ordem tinha de ser repassada por vários tripulantes. O marinheiro de primeira classe Patrick O’Leary, quando recebeu ordens da sede do controle de danos para fazer contato com o comando principal, em um momento de extrema confusão pela falta de comunicações internas, encontrou seu caminho através do apartamento dos oficiais destruído por um disparo de 280 mm. Mesmo assim, através do fogo e da fumaça densa e mortal, ele fez contato com o comando e depois com a sala das máquinas, o que muito ajudou a equilibrar as decisões dos oficiais naquele momento. De lá retornou com várias queimaduras, além dos pulmões cheios de fumaça. Em decorrência desses ferimentos O’Leary faleceu[24]. Enquanto isso o Ajax e o Aquiles chegaram a 12.000 metros do Graf Spee, sempre disparando seus canhões de 150 mm (armamento principal dessas duas naves). Eles começaram a martelar pesadamente a nave de guerra germânica, fazendo com este que dividisse os disparos do seu principal armamento. Essa ação aliviou o sofrimento do Exeter, que recebeu ordens de deixar a ação e ir para o sul, para as Falklands.

Hidroavião Arado do Graf Spee destruido.

Até às oito da manhã o Graf Spee continuou a trocar disparos contra o Ajax e o Aquiles. Depois de quase duas horas de combate, para alguma surpresa dos ingleses e neozelandeses, a nave alemã levantou uma cortina de fumaça e partiu em direção ao continente sul-americano. Aos binóculos dos seus inimigos, o navio alemão tinha apenas um dano superficial visível.

Na verdade um disparo de 203 mm do Exeter desferiu aquele que foi o golpe decisivo contra o Graf Spee. Quando destruiu seu sistema de processamento de combustível cru e deixou a poderosa nave alemã com apenas 16 horas de combustível, insuficientes para permitir que retornasse para a Alemanha. Sua tripulação não podia realizar consertos dessa complexidade em alto mar. Além disso, dois terços de sua artilharia antiaérea foram destruídos, assim como uma de suas torres secundárias. 

O Graf Spee em Montevideo.

Não havia bases navais amigas ao alcance e muito menos reforços disponíveis. Naquelas condições o Graf Spee só poderia seguir para algum o porto neutro, como o da cidade brasileira de Porto Alegre, ou o porto uruguaio de Montevideo, ou para Buenos Aires.

Escolheram Montevideo!

O Fim do Graf Spee

A batalha agora se transformou em uma perseguição marítima. Os cruzadores mantiveram cerca de treze milhas náuticas (24 km) de distância do Graf Spee. Estava claro que a nave alemã seguia para o estuário do rio da Prata, onde entrou em Montevideo a meia noite e dez minutos de 14 de dezembro[25]

Essa decisão foi um erro político, pois o Uruguai, embora neutro, havia se beneficiado do comércio e da significativa influência britânica durante seu desenvolvimento e os uruguaios claramente favoreceriam os Aliados.

Mortos alemães da Batalha do Rio da Prata.

O Capitão Langsdorff libertou 61 marinheiros mercantes cativos que estavam a bordo do Graf Spee, que declararam terem sido humanamente tratados. Os tripulantes alemães feridos foram levados para hospitais locais e os mortos foram enterrados com honras militares completas.

Langsdorff então pediu ao governo uruguaio duas semanas no porto para fazer reparos, mas os diplomatas britânicos começaram a pressionar as autoridades uruguaias para a partida rápida do navio alemão. Langsdorff então recebeu a informação que o governo da República Oriental do Uruguai havia-lhe concedido apenas 72 horas de permanência no porto de Montevideo. 

No enterro dos seus comandados o Capitão Langsdorff faz a tradicional saudação militar, enquanto civis, entre eles religiosos, fazem a saudação nazista.

Ao mesmo tempo, esforços foram feitos pelos britânicos para disseminar falsas informações aos alemães que uma esmagadora força britânica estava chegando, incluindo o porta-aviões HMS Ark Royal e o cruzador HMS Renown. Na verdade, além dos dois cruzadores leves que anteriormente se bateram contra a nave alemã, a eles se juntou apenas o veterano Cumberland, que chegou às 22:00 de 14 de dezembro e sem ter resolvidos todos os seus problemas anteriores.

Os alemães foram totalmente enganados e acreditaram que iriam enfrentar uma força muito superior ao deixar o Rio da Prata. Além disso, o Graf Spee utilizou dois terços de sua munição de 280 mm, o que lhe deixava com o suficiente para aproximadamente 20 minutos de disparos, quantidade de munição limitada para o combate que aconteceria ao sair de Montevideo.

O Graf Spee deixando Montevideo para sua última navegação.

Langsdorff sabia das relações amigáveis entre o Uruguai e a Grã-Bretanha e se aceitasse que seu navio fosse internado e mantido sob a guarda da Marinha do Uruguai, esses certamente permitiriam que os oficiais da inteligência britânica tivessem acesso ao seu interior. Algo impensável. Como Langsdorff tinha ordens de afundar seu navio se não houvesse condições de lutar pela liberdade de seu barco e de sua tripulação e o limite de tempo imposto pelo governo do Uruguai estava próximo de se encerrar, ele decidiu afundar sua nave.

O fim.

Com o capitão e apenas outros 40 homens a bordo, o Graf Spee  seguiu três milhas fora do porto de Montevideo, em águas internacionais, onde então Langsdorff ordenou a destruição de todos os equipamentos importantes a bordo e o suprimento de munição restante foi colocado por todo o navio em preparação para o afundamento. 

Pouco antes de nove da noite, diante de uma grande multidão de uruguaios calculada em 250.000 pessoas, primeiramente a sirene anticolisão do navio alemão soou estridentemente, depois múltiplas explosões lançaram jatos de fogo no ar e criaram uma grande nuvem de fumaça que obscureceu o navio. Imediatamente após o seu afundamento o Graf Spee descansou em águas rasas, a uma profundidade de apenas onze metros, com grande parte da sua superestrutura permanecendo acima do nível da água[26].

O Sacrifício do Comandante

O Capitão Langsdorff evitou sob todas as circunstâncias que sua tripulação fosse internada no Uruguai, preferindo uma transferência para a Argentina, do outro lado do Rio da Prata.

O cargueiro alemão Tacoma, presente nessa ocasião no porto de Montevidéu, recebeu ordens para estar pronto para partir e seguir o navio de guerra. Mas devido ao seu calado, não poderia percorrer a rota direta de Montevidéu a Buenos Aires. Foi quando na noite de 17 de dezembro o Capitão Rudolf Hepe, inspetor em Buenos Aires da empresa de navegação marítima alemã Hamburg-Süd, contratou dois rebocadores argentinos para transportar os marujos do Graf Spee até Montevidéu. Este apoio logístico, que funcionou corretamente até o último minuto, foi essencial para evacuar toda a tripulação para uma Argentina amigável à Alemanha, onde os marinheiros poderiam ter um regime de internamento mais benevolente.

Dois dias depois na capital argentina, depois de completar as formalidades com as autoridades locais, Langsdorff fez um breve discurso para seus oficiais e depois se retirou para um quarto de hotel. Pouco tempo depois, com a bandeira de batalha da Marinha Imperial Alemã ao redor de seus ombros, cometeu suicídio com uma pistola. Langsdorff deixou uma carta para sua família e outra para o Barão von Therman, o embaixador alemão em Buenos Aires, onde assumiu a responsabilidade pelo incidente Graf Spee. Tinha 45 anos de idade.

Hans Langsdorff foi enterrado na Seção Alemã do Cemitério La Chacarita, em Buenos Aires, onde chegou até mesmo a ser homenageado pelos seus inimigos por sua conduta honrosa.

No final ficou patente que Langsdorff escolheu sacrificar seu navio para preservar a vida de seus homens. Ao cometer suicídio o comandante do Graf Spee provou que não havia evitado o combate naval para salvar a sua vida e que seu destino era igual ao do seu navio. 

Para outros, nazistas principalmente, Hans Langsdorff não passou de um mero covarde, que teve uma atitude derrotista causada por maus julgamentos, que preferiu enfrentar o suicídio aos seus inimigos imediatos, ou a desgraça nas mãos de seu governo. Afirmaram ainda que, dadas as probabilidades reais de um combate após partir de Montevideo, um comandante com mais coragem teria condições de afundar de dois a três navios inimigos e tentar voltar para a Alemanha.

Essa possibilidade seria viável?

É possível! Mas tudo se mostraria um sacrifício inútil.

Mesmo que vencesse inicialmente os três cruzadores que estavam no estuário do Rio da Prata, Langsdorff, com pouca munição nos seus paióis e importantes problemas para resolver nas máquinas do seu navio, dificilmente conseguiria fugir dos mais de 30 navios de guerra inimigos que o caçariam implacavelmente por todo Oceano Atlântico.

E não podemos esquecer que sob o comando de Langsdorff a missão operacional do Graf Spee  foi cumprida com sucesso. Apesar de tudo que aconteceu ele conseguiu comprometer as linhas de fornecimento marítimo comercial para a Grã-Bretanha por algum tempo, afundando nove navios mercantes e causando pânico nas tripulações e armadores. Mais importante foi o efeito estratégico de desviar muitos navios de guerra da Marinha Real Britânica e Francesa para caçarem um esquivo atacante alemão que surgiu inesperadamente na imensidão do Atlântico Sul e do vizinho Oceano Índico.

De todas as maneiras o que Hans Langsdorff fez desafia o senso comum. Em foco permaneceu a situação limítrofe de um oficial de marinha que rompeu com a tradição, seguiu sua consciência e salvou a vida de centenas de seus comandados[27].

O Destino das Testemunhas Brasileiras e Um Interessante Estrangeiro Visita Natal

Não demorou e os paraenses Martinho Silva, Thomaz Brandão e Waldemar Francisco Penedo, os simples “graxeiros” do Clement, foram totalmente esquecidos pela imprensa nacional.

Sei que após passarem por Maceió os três paraenses chegaram a Salvador, onde conseguiram roupas e dinheiro com o cônsul britânico ali lotado. Depois tomaram o rumo para Recife e sumiram. Mesmo com muitas buscas nos arquivos dos jornais antigos, nada mais encontrei sobre esses brasileiros.

Já em Natal o episódio do afundamento do Clement foi muito pouco comentado pelos jornais A República e A Ordem, os principais que circulavam na capital potiguar nessa época. Mas uma pequena e discreta nota publicada na terceira página do jornal A República, edição de 13 de outubro de 1939, dá conta da inesperada chegada de um interessante visitante estrangeiro, que parece ter relação com os acontecimentos relativos a destruição desse cargueiro inglês na costa pernambucana.

Capitão Donal Scott McGrath, Adido Naval britânico no Brasil.

Na manhã do dia 12 de outubro de 1939 um hidroavião da Panair amerissou no Rio Potengi e entre os passageiros que desembarcaram estava o Capitão Donal Scott McGrath, Adido Naval britânico no Brasil e a maior autoridade da Marinha de Sua Majestade o rei Jorge VI em nosso país. Esse veterano da Primeira Guerra, ex-comandante de barco torpedeiro e de destroieres em Malta e no Extremo Oriente, havia sido designado para a Divisão de Inteligência Naval do Almirantado antes da Segunda Guerra Mundial e enviado ao Brasil como Adido Naval no Rio de Janeiro[28].

Em Natal o Capitão McGrath foi recebido pelo chefe de gabinete do governador Rafael Fernandes, o advogado Paulo Pinheiro de Viveiros. Apesar dessa informação não sabemos praticamente nada da visita de McGrath a capital norte-rio-grandense, mas temos conhecimento que as duas da tarde do mesmo dia ele embarcou em um trem da Great Western para Recife e sabemos o quanto até aquela data era raro uma visita de um adido naval britânico a Natal.

O oficial Capitão Donal Scott McGrath está sentado, ao centro da foto.

Evidentemente não podemos deixar de perceber que o Capitão Donald Scott McGrath veio primeiro a Natal, para só depois seguir para Recife para, talvez, se encontrar com os náufragos do Clement. Outra situação interessante está no fato desse homem aqui chegar cinco dias após o Almirantado Britânico informar que um cargueiro americano havia visto um navio de guerra alemão a 60 milhas náuticas de Natal[29].

Logo estrangeiros bem mais importantes que o Capitão Donal Scott McGrath chegaria com maior frequência a capital potiguar e a própria Segunda Guerra Mundial seria assunto de atenção primária[30].

Com a Guerra Cada Vez Mais Perto

Manoel de Medeiros Britto, ex-deputado estadual e ex-ministro do Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte, nascido em 1924, era um jovem seminarista na primeira metade de 1940, no tradicional Seminário São Pedro em Natal. Ele comentou em uma entrevista ao autor deste artigo que nessa época as notícias sobre a Segunda Guerra Mundial preenchiam cada vez mais os debates do dia a dia no Seminário e como toda essa movimentação alterava a sua rotina e a de seus colegas.

O autor desse artigo e o amigo Manoel de Medeiros Britto.

Nos céus de Natal o ronco de aviões estrangeiros se tornou cada vez mais frequente. Era comum o sobrevoo das aeronaves italianas, alemãs e americanas, partindo ou chegando à capital potiguar. Certo dia, durante o recreio no Seminário, Manoel de Britto viu um grande hidroavião quadrimotor prateado passar roncando fortemente e assustando a todos. Era um modelo Boeing 314 Clipper, de fabricação americana e esse colosso dos céus lhe impressionou bastante. Aquela aeronave era um verdadeiro marco da aviação comercial e percorria a linha aérea de Miami ao Rio de Janeiro, com escala em Natal, sempre amerissando no Rio Potengi.

Em maio de 1940 chamou atenção do jovem Manoel de Britto a forte repercussão que a queda da França teve entre os natalenses. A foto de Adolf Hitler ultrajando a Torre Eiffel foi algo que impressionou os moradores da capital potiguar, tanto pela França ser o país estrangeiro mais admirado pelos brasileiros na época, como pela derrota avassaladora que estes sofreram frente aos nazistas. Ele também comentou que após a rendição da França ouviu várias reclamações sobre o aumento dos preços dos produtos alimentícios que eram importados, como a farinha de trigo, conhecida na época como farinha do reino, a pimenta, queijos, manteigas, entre outros.

Boeing 314 Clipper.

Diante desses acontecimentos Manoel de Britto e certamente grande parte dos quase 50.000 habitantes de Natal na época, perceberam que aquela guerra afetaria o dia a dia de todos de uma forma ou de outra.

Eles só não sabiam o quanto e nem como o perigo algumas vezes esteve bem próximo!

NOTAS


[1] Certamente o comando da Kriegsmarine desejava que as ações de combate do Graf Spee obrigasse a Marinha Britânica a deslocar seus vasos de guerra para o Atlântico Sul a fim de caçarem o poderoso navio alemão, deixando o Atlântico Norte desprotegido.

[2]Foram construídos três navios dessa classe; o Deutschland (lançado ao mar em 1931), o Admiral Scheer (1933) e o Admiral Graf Spee (1934). Nenhum deles sobreviveu a Segunda Guerra.

[3] Por ocasião da viagem do Graf Spee ao Atlântico Sul só u m hidroavião foi levado.

[4] Em janeiro de 1938 o Almirante Graf Spee foi o primeiro navio de guerra alemão a ser equipado com um radar de busca. Era o protótipo “Seetakt” FuMG 39G, sendo instalado a bordo do navio com uma antena de 0,8 x 1,8 metros, montada na carcaça giratória do telêmetro.

[5] Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial os três homens da família Spee seguiram para a Marinha Imperial Alemã, onde todos morreram no dia 8 de dezembro de 1914, junto com toda a tripulação do cruzador SMS Scharnhorst, na devastadora derrota alemã na Batalha Naval das Ilhas Falklands (Malvinas). A história começa em 1 de novembro de 1914, onde uma frota de cruzadores imperiais alemães comandadas por Spee destruiu dois cruzadores pesados britânicos próximos a costa do Chile, naquela que ficou conhecida como a Batalha Naval de Coronel. Essa foi a primeira derrota da marinha britânica desde 1812 e o combate ocasionou a morte de 1.700 oficiais e marujos. Mas o troco não se fez esperar e em 8 de dezembro do mesmo ano uma força naval britânica afundou a leste das Ilhas Falklands (Malvinas) oito navios alemães, sendo dois cruzadores de batalha, três cruzadores leves e três navios auxiliares, ocasionando mais de 2.200 mortos.

[6] O filho de Hans Langsdorff, Joachim Langsdorff, também se juntou à marinha alemã. Ele foi morto enquanto pilotava um submarino anão modelo Biber 90 em dezembro de 1944. Sua nave foi posteriormente recuperada pela Marinha Real e está atualmente em exibição no Imperial War Museum, em Londres.

[7] Em primeiro estava o Rio de Janeiro, Capital Federal, com 1.764.141 habitantes e em segundo São Paulo, com 1.326.261. Sobre as populações das capitais estaduais brasileiras em 1940 e outros períodos ver https://censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?dados=6&uf=00

[8] Os navios em Recife nessa época foram o Tijuca, Uruguay, Bertha Fisser, Curityba, Mecklemburg, São Paulo, Cap Norte e Wolfsburg. Já os ingleses foram o Benedict, Ruperra, Soconía, Western Princes, Baltic e o malfadado Clement. Uma particularidade interessante a todos esses navios é que suas saídas sempre ocorriam à noite e suas luzes eram totalmente apagadas após ultrapassarem a linha dos arrecifes existentes na área desse porto. Apesar do conflito existente na Europa, não consegui encontrar nas páginas dos jornais nenhum conflito que ocorreu com essas tripulações em Recife.

[10] Sobre a existência de espiões do Eixo em Recife e Natal ver https://tokdehistoria.com.br/2017/03/08/o-curioso-caso-do-espiao-nazista-em-natal-durante-a-segunda-guerra-mundial/

[11] Ver o texto “O fim do encouraçado de bolso Admiral Graf Spee”, de Carlo di Risio, in Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v. 111, números 7/9 e 10/12, p. 390, jul./set. e out./dez. 1991.

[12] Sobre a passagem desse navio por Natal ver Jornal Pequeno, Recife, edição de segunda-feira, 2 de outubro de 1939, na página 3.

[13] Ver jornal Correio da manhã, Rio de Janeiro, edição de quarta-feira, 4 de outubro de 1939, na página 3.

[14] Sobre essa questão os jornalistas do jornal carioca Correio da Manhã tiveram certa dúvida se esse ataque realmente se realizou entre 60 e 70 milhas da costa, pois um barco como o Clement, fazendo uma viagem tão curta, como era o caso entre Recife e Salvador, normalmente “não se afastaria tanto da costa”. Ver jornal Correio da manhã, Rio de Janeiro, edição de quarta-feira, 4 de outubro de 1939, na página 3.

[15] Nessa época era normal que aviões e hidroaviões, principalmente da empresa Air France, transportassem malas postais de norte a sul do Brasil voando próximo ao litoral brasileiro. Ver jornal A Noite, Rio de Janeiro, edição de quinta-feira, 5 de outubro de 1939, na 2ª página.

[16] Quando partiu para o Atlântico Sul o Graf Spee transportava apenas uma aeronave e seu respectivo pessoal de apoio. Este foi o Arado 196A-1 do esquadrão aéreo embarcado Bordfliegerstaffel 1./196 – BFGr. 196.

[17] Não existe nenhum indício que aponte que esse hidroavião Arado 196A-1 sequer tenha visualizado a costa brasileira.

[18] O Capitão Harris e o Chefe Bryant foram embarcados a bordo do navio grego Papalemos, que foi parado e revistado pelos alemães no mesmo dia do afundamento do Clement. Os oficiais ingleses foram desembarcados nas Ilhas de Cabo Verde no dia 9 de outubro. O capitão concordou em não transmitir um sinal de socorro até chegar ao seu destino em troca da libertação da tripulação do seu navio. Ele honrou este acordo.

[19] Ver Diário de Pernambuco, Recife, edição de terça-feira, 3 de outubro de 1939, páginas 1 e 4.

[20] Ver jornal A Noite, Rio de Janeiro, edição de sábado, 7 de outubro de 1939, na 1ª página.

[21] Ver Diário de Pernambuco, Recife, edição de terça-feira, 4 de outubro de 1939, páginas 1 e 3. Essas três milhas seriam ampliadas para seis em 1966, sendo ampliadas depois de três anos para doze milhas e em 1970 chegou as atuais 200 milhas náuticas. Ver texto de Dalmo de Abreu Dallari “O Mar Territorial do Estado Brasileiro”, obtido no link file:///C:/Users/rosta/Downloads/66716-Texto%20do%20artigo-88104-1-10-20131125.pdf

[22] Ver Diário de Pernambuco, Recife, edição de terça-feira, 4 de outubro de 1939, páginas 1 e 3.

[23] Ver jornal Correio da manhã, Rio de Janeiro, edição de quarta-feira, 5 de outubro de 1939, na página 2.

[24] Além do fuzileiro Russel e do marinheiro O’Leary, outros 63 homens morreram no Exeter como consequência desse combate.

[25] No decorrer da batalha o Graf Spee havia sido atingido aproximadamente 70 vezes, com 36 homens mortos e outros 60 ficaram feridos, incluindo Langsdorff, que havia sido ferido duas vezes por estilhaços enquanto estava na ponte de comando.

[26]Apesar das fortes pressões dos Aliados e dos países do Eixo para que os governantes uruguaios da época colocassem essa pequena nação sul-americana participando mais ativamente do conflito, O Uruguai manteve uma neutralidade extrema durante a Segunda Guerra Mundial, sendo o drama do Admiral Graf Spee o mais importante acontecimento desse conflito envolvendo aquela nação.

[27] Ver Führungsentscheidung in einer Grenzsituation: Kapitän zur Ver Hans Langsdorff vor und in Montevideo 1939. Vortrag für Klaus-Jürgen Müller zum 80 Geburtstag in der Helmut-Schmidt-Universität de 11. Março 2010. 

[28] Sobre Donal Scott McGrath ver – http://www.holywellhousepublishing.co.uk/commandingofficers.html

[29] Nos jornais de Natal, Recife e Rio de Janeiro não encontramos nenhuma referência sobre a razão da visita deste Adido Naval nessas cidades, nem sabemos se ele chegou mesmo a se encontrar com os náufragos do Clement  em Recife. Sabemos apenas que no dia 17 de outubro ele retornou ao Rio. Ver Correio da Manhã, Rio de Janeiro, edição de terça-feira, 17 de outubro de 1939, página 6.

[30] Durante a Segunda Guerra Mundial, após deixar seu cargo na Embaixada Britânica no Brasil, o Capitão Donal Scott McGrath teve participação ativa no conflito. Comandou o navio antiaéreo HMS Ulster Queen, depois foi o comandante do navio desembarque de tropas HMS Glengyle, no malfadado desembarque de Dieppe, França, em 19 de agosto de 1942, na sequência comandou o porta-aviões HMS Tracker e o navio varredor de minas HMS Adventures.

É VERDADE QUE UM AVIÃO NAZISTA ESTEVE EM NATAL DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL?

Fabricado na Alemanha de Hitler e Utilizado Pelos Aliados Romenos – Um Ex-Piloto Comercial Descrente da Vitória – Fuga da Ucrânia para a Ilha de Chipre – Seguindo do Egito Para o Interior da África – Atravessando o Atlântico Sul até Natal e Depois Para os Estados Unidos – Elogios A Base de Parnamirim Field – É Preservado Até Hoje.

Rostand Medeiros – IHGRN

Realmente em 1943 um bimotor Junkers JU-88 D-1 pousou na base de Parnamirim Field, nos arredores de Natal. Mas essa incrível máquina de guerra não pertencia a temida Luftwaffe, a força aérea de Hitler. Fazia parte da arma aérea romena, um aliado dos alemães contra os russos. E porque essa aeronave fabricada na Alemanha Nazista e utilizada pelos romenos contra a antiga União Soviética, veio parar em Natal, no Rio Grande do Norte?

Na Estepe Russa

Estamos em na cidade de Mariupol, no sudeste da Ucrânia, em 22 de julho de 1943, uma quinta-feira. Esta é uma comunidade industrial de tamanho médio, localizada as margens do Mar de Azov, onde existe um bom porto e um aeroporto construído pelos soviéticos em 1931. É neste último local que vamos encontrar um jovem romeno chamado Nicolae Teodoru.

Um majestoso JU-88 em voo.

Ele é um piloto civil de 28 anos de idade, convocado para o serviço militar, que alcançou o posto de Sergentul T.R. aviator, do 2º Esquadrão de Reconhecimento de Longo Alcance (2 Escadrila de Recunoaștere pe Distanțe Lungi) da Força Aérea Romena (Forțele Aeriene Române). Nicolae Teodoru se tornou então piloto de um dos recém-chegados bimotores Junkers JU-88 D-1 de reconhecimento aéreo de longo alcance[1].

Se nessa época o país do sargento Teodoru era um aliado da Alemanha Nazista, no início da Segunda Guerra o então Reino da Romênia, sob a regência de Carol II, adotou oficialmente uma posição de neutralidade. No entanto, as conquistas alemãs na Europa durante 1940, bem como a turbulência política interna, minou essa postura. Fascistas romenos aumentaram em popularidade e poder, incentivando uma aliança com a Alemanha Nazista e seus aliados. 

Hitler no juramento da SS no Congresso do Partido do Reich – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Após a queda da França, em 25 de junho de 1940, o governo da Romênia voltou-se para a Alemanha na esperança de evitar problemas. O que os romenos não sabiam era que o líder alemão Adolf Hitler havia aceitado reivindicações territoriais russas, em um protocolo secreto do Pacto Molotov – Ribbentrop, que igualmente dividiu a Polônia entre nazistas e russos. 

No verão de 1940, uma série de disputas territoriais foi resolvida de forma diplomática, mas totalmente desfavorável para a Romênia, resultando na perda da maior parte do território conquistado aos russos na sequência da Primeira Guerra Mundial. Isso fez com que a popularidade do governo da Romênia despencasse, reforçando ainda mais as facções fascistas e os militares, que eventualmente realizaram um golpe de Estado que transformou o país em uma ditadura sob o comando do marechal Ion Antonescu. Logo, em 23 de novembro de 1940, o novo regime se colocou firmemente ao lado de Hitler[2].

Joachim von Ribbentrop (à direita) e líder romeno Ion Antonescu em junho de 1941.

Nessa aliança, verdadeira dança em boca de vulcão, os romenos participaram junto com os alemães da invasão da antiga União Soviética, que se iniciou em 22 de junho de 1941. Além de tropas e aviões, os romenos forneceram muito petróleo para os nazistas. Vale ressaltar que muitos romenos não aceitaram muito bem essas mudanças.

O tempo passou e em julho de 1943 a coisa se apresentava bem feia para os alemães e seus aliados nas estepes russas.

Em 2 de fevereiro de 1943 aconteceu a incrível derrota do 6º Exército Alemão na batalha pelo domínio da cidade de Stalingrado e, desde 5 de julho, os alemães estavam tendo que se virar em meio a uma sangrenta e imensa batalha de blindados em uma região chamada Krusk, a uns 650 quilômetros aos norte de Mariupol[3]. Nessa área as outrora gloriosas divisões Panzer estavam sendo trucidadas por unidades blindadas formadas por grosseiros, mas eficientes, tanques soviéticos T-34.

Enquanto isso, no aeroporto próximo ao Mar de Azol, certamente o sargento Nicolae Teodoru pensava no que ocorria em seu mundo e nas suas opções para sobreviver.

A Fuga

Seu trabalho e de seus outros três companheiros que faziam parte da tripulação dos novos Junkers JU-88 D-1, era observar e fotografar a movimentação das tropas inimigas com suas câmeras de alta altitude RB 50/30 e RB 75/30. Se dessem sorte poderiam voltar vivos para Mariupol utilizando a capacidade daquele avião de subir até 8.500 metros de altitude e voar a uma velocidade máxima de 480 km/h. Mesmo essas capacidades poderiam não ser totalmente úteis para uma equipe dos JU-88 D-1 romenos sobreviverem. Poucos dias antes, em 23 de junho, o avião de número 4 de sua esquadrilha, pilotado pelo Sublocotenent aviator  Constantin Constantinescu, foi derrubado por caças russos. Mas isso era passado, pois nesse final de julho de 1943 uma nova e grave situação se avizinhava.

Enquanto a grande Batalha de Krusk continuava, dois exércitos alemães do chamado Grupo de Exércitos do Sul, comandados pelo marechal de campo Erich von Manstein, enfrentavam ao norte e nordeste de Mariupol dois grupos de exércitos soviéticos na Bacia do Rio Donets, em uma frente com cerca de 660 quilômetros de extensão. Essa ofensiva soviética ficou conhecida como Ofensiva Estratégica do Donbass, onde mais de 470.000 soldados russos, apoiados por quase 1.900 tanques comandadas pelos generais Fyodor Tolbukhin e Rodion Malinovski, partiram para cima das tropas alemãs.

Não sei se toda essa pressão, ou algum fato isolado, ou talvez a percepção que seu país seria logo ocupado, fez o sargento Nicolae Teodoru tomar a grave decisão de desertar da Força Aérea Romena e levar consigo um dos novos JU-88 D-1[4].

Segundo informações existentes, o avião apresentado nessa fotografia é o “Branco 1” que passou por Natal em outubro de 1943 e se encontra preservado nos Estados Unidos.

Segundo o escritor Dénes Bernád, autor de Rumanian Air Force, The primer decade, 1938-1947, no final da tarde de quinta-feira, 22 de julho de 1943, o sargento Teodoru entrou sozinho na cabina do Junkers designado “Branco 1”, com o número de construção 430650, e decolou com a ideia de nunca mais voltar. Até porque se voltasse seria fuzilado[5].

Sob todos os aspectos estudados, acredito que deve ter sido uma fuga espetacular!

Ju-88 romenos em Mariupol.

Sabemos que o antigo aeroporto soviético de Mariupol foi transformado pelos alemães e romenos em um local extremamente bem equipado, crescendo ao ponto de se tornar uma das principais bases aéreas dessas forças no sul da Rússia. No interessante estudo Luftwaffe Airfields 1935-45 Russia (incl. Ukraine, Belarus & Bessarabia), produzido pelo escritor norte-americano Henry L. deZeng IV, o autor trás inúmeros detalhes sobre a incrível quantidade de 1.917 aeródromos, estações de hidroaviões, pistas operacionais, campo de pouso, pistas auxiliares, bases de hidroaviões, pistas civis, áreas de pouso de emergência e outros locais que foram usados pela Luftwaffe e seus aliados na Rússia. Soubemos através da leitura desse volumoso material, com mais de 800 páginas, que a base de Mariupol não tinha pista pavimentada, mas melhorias foram feitas desde 7 de outubro de 1941, quando os alemães ocuparam a cidade. Foram construídos mais dois campos de pouso e uma estação de hidroaviões as margens do Mar de Azov. No campo principal, chamado Mariupol I, foram erguidos dois hangares e alguns outros edifícios. Havia várias esquadrilhas alemãs e romenas com muitos aviões de caça e transporte, além de artilharia antiaérea, unidades de apoio e muito mais[6].

Mesmo com toda essa estrutura, o sargento Teodoru arranjou uma maneira de decolar seu JU-88 na tarde de 22 de julho de 1943. Segundo Dénes Bernád ele voou em direção sul/sudoeste sem levar mapas para evitar suspeitas. Guardou toda a rota na cabeça e não foi interceptado.

Um Presente de Hitler

Na década de 1930, em um tempo anterior ao radar e outros instrumentos de apoio ao voo, os pilotos civis voavam se orientando através de pontos geográficos ao longo da rota, como rios, montanhas, cidades e o que houvesse. Pode ser que o sargento Teodoru tenha utilizado sua experiência em rotas aéreas comerciais para realizar essa fuga.

Essa é apenas uma ideia da rota seguida pelo sargento Teodoru no comando do JU-88.

O certo é que ele atravessou o Mar de Azol, até a cidade de Novorossiysk, na costa russa do Mar Negro, seguindo em direção a Turquia, cujo território atravessou sem problemas. O piloto deve ter utilizado alta altitude e máxima velocidade, as melhores características daquele Junkers Ju-88 D-1, para cumprir sua rota. A ideia era chegar a cidade de Aleppo na Síria. Lá ele reabasteceria antes de partir para a etapa final de sua missão, em Beirute, no Líbano, que era então uma importante base Aliada para operações navais no Mediterrâneo[7].

Existem informações que o sargento Nicolae Teodoru percorreu o trajeto em cerca de duas horas, quando o tempo piorou e os ventos fizeram com que ele se aproximasse inadvertidamente da ilha de Chipre. Esse lugar abrigava importantes bases aéreas Aliadas e logo uma patrulha de quatro caças Hawker Hurricane IIB, da Força Aérea Real Britânica, composta pelos pilotos Thomas Barker Orford, Arnold Kenneth Asboe[8], Joseph Alfred Charles Pauley e H. M. Woodward, todos do Esquadrão Nº 127, com base em Nicósia, capital da ilha de Chipre, decolaram para interceptar o intruso. Por volta das 19:00 o avião romeno foi visto pelos britânicos[9].

Imagem ilustrativa de um caça Hurricane. Quatro aviões avião muito parecidos com esse escoltaram o JU-88 romeno até a ilha de Chipre – Fonte – https://military.wikia.org/wiki/Desert_Air_Force

O estranho piloto sinalizou para os caças Hurricane. Provavelmente Teodoru baixou os trens de aterrisagem, um sinal característico na aviação que aquele avião desejava pousar[10]. Como não houve resistência do Ju-88 e nem seu piloto fez algum esforço para escapar da patrulha, um Hurricane se posicionou a frente da estranha aeronave para mostrar o caminho e três ficaram atrás para evitar uma possível fuga, que enfim não aconteceu. O JU-88 com o emblema nacional romeno pousou tranquilamente na base britânica de Limassol, ao sul de Chipre[11]

Fabricação do JU-88 – Fonte – Bundesarchiv.

O piloto inimigo taxiou o avião, desligou seus motores, desceu calmamente da cabine e se apresentou como “um prisioneiro de guerra”, mas trazia aquele “prêmio” de maior importância e que ele era um “Presente do Fuhrer”[12]. De saída os britânicos ficaram extremamente satisfeitos ao descobrir que aquele era um dos aviões mais recentemente fabricados na Alemanha de Hitler. Tinha apenas 50 horas de voo e em sua placa estava gravado “Junho de 1943” como o mês de sua montagem na Junkers Flugzeug-und Motorenwerke AG, em Bernburg, no centro do país[13].

Ju-88 D-1 “Branco 1” caiu ileso nas mãos dos britânicos, depois do sargento Teodoru ter voado sem maiores problemas entre 1.300 e 1.400 quilômetros[14]. Relatos apontam que o piloto romeno Nicolae Teodoru, de 28 anos, foi considerado muito jovem pelos seus novos amigos e houve uma verdadeira festa na ilha de Chipre com a chegada daquele maravilhoso presente dos céus![15]

Foto do oficial Charles Sandford Wynne-Eyton – Fonte – https://www.bmmhs.org/the-letcombe-lion/

O piloto romeno passou informações sobre a Luftwaffe no sul da União Soviética, além do estado moral dos nazistas e ensinou o que podia sobre o JU-88 a um dos mais experientes pilotos britânicos do Esquadrão Nº 127, o comandante Charles Sandford Wynne-Eyton. Em pouco tempo a nave decolou de Limassol, voando em direção a um campo de pouso em Heliópolis, perto do Cairo, Egito[16].

Entrega aos Americanos

Houve um arranjo entre autoridades dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, para que o Junkers Ju-88 D-1 “Branco 1” ficasse com técnicos americanos para ser verdadeiramente dissecado e as informações conseguidas serem utilizadas a favor dos Aliados[17]. Não demorou e chegaram para ver o avião dois norte americanos, o major Warner H. Newby e o tenente G. W. Cook.

O major Newby era um experiente piloto, tendo sido lotado no 82º Esquadrão de Bombardeiros, onde realizou diversas missões de combate na África do Norte pilotando bimotores North American B-25 Mitchell. Desde fevereiro de 1943 Newby havia sido designado Diretor de Engenharia no 26º Grupo de Depósitos Aéreos em Deversoir, Egito[18]. Em relação ao tenente Cook, eu não consegui nenhuma informação sobre ele, mas creio que deveria trabalhar próximo ao major Newby. Inclusive os dois estavam prontos para embarcar em um avião de transporte para os Estados Unidos, onde gozariam de uma merecida licença. Mas agora o retorno exclusivamente para descanso teria de ser adiado e a razão seria levar para os Estados Unidos aquele bimotor tão diferente do B-25.

Texto do major Newby, que aparece na foto, publicado em janeiro de 1944, que conta essa aventura e a passagem por Natal.

Em um interessante relato para a revista Air Force – The Oficial Service Journal Of The U.S. Army Air Forces, edição de janeiro de 1944, o major Newby comentou que a primeira vez que ele e o tenente Cook viram o JU-88, os britânicos tinham feito uma nova pintura com manchas de azul, cinza e laranja. Além disso, apelidaram a aeronave de “Baksheesh”. Segundo Newby era uma palavra egípcia que significaria “Gorjeta”.

Newby e Cook souberam que seus aliados britânicos estavam apostando sobre aquele voo e a cotação estava em dois para um que o JU-88 não chegaria aos Estados Unidos. Mas os americanos eram experientes e já tinham percorrido a mesma rota que utilizariam para levar aquela máquina para casa[19].

Bombardeiros vários B-25 do 82º Esquadrão de Bombardeiros no Norte da África em 1942.

Entre 14 de julho e 2 de agosto de 1942, vários B-25 do 82º Esquadrão de Bombardeiros, do 12º Grupo de Bombardeiros, partiram da base de Morrison Field, em West Palm Beach, Flórida, atravessaram o Mar do Caribe e o norte da América do Sul, até chegarem a Natal. As aeronaves e as tripulações foram então preparadas para cruzar o Atlântico Sul. Devido à autonomia reduzida do B-25, todo o grupo realizou uma parada na ilha de Ascenção, uma pequena possessão inglesa no meio do oceano. Na outra parte do trajeto chegaram até a África, mais precisamente na cidade de Acra, capital da antiga colônia inglesa da Costa do Ouro, atual República de Gana. Depois voaram até o Sudão e, em seguida, tomaram rumo norte até o Egito. Em meados de agosto, todas as tripulações concluíram o trajeto sem uma única perda[20].

O piloto britânico Charles Sandford Wynne-Eyton transmitiu as informações e os ensinamentos que recebeu de Nicolae Teodoru aos oficiais americanos. Logo no primeiro voo aquela máquina revelou uma interessante característica. As hélices hidráulicas de três lâminas tinham o passo controlável, velocidade constante e girando sempre para a esquerda. Por conta do torque excessivo, o avião tinha tendência a virar na direção que as hélices giravam. Na opinião de Newby isso era um defeito de construção alemã, uma vez que nos aviões americanos B-25 as hélices giravam uma para cada lado, produzindo um melhor desempenho. Apesar disso o torque não o incomodou e o JU-88 decolou e voou com muita facilidade.

Preparação

Naturalmente, tudo no avião Junkers Ju-88 D-1 era em alemão: as leituras dos instrumentos, instruções sobre os aceleradores, controles gerais, mecanismos de trem de pouso, flaps, freios e ignição. Os dois americanos tinham de se familiarizar antes de decolarem sozinhos.

Desenho da cabine do JU-88, nesse caso com a visão do piloto.

O Ju-88 D-1 era uma aeronave movida por um par de motores V12 Junkers Jumo 211J, fornecendo 2.400 cavalos de potência. A aeronave tinha um alcance de 2.500 quilômetros e armamento defensivo de três metralhadoras MG 15 de calibre 7,92 milímetros. Entrou em serviço na Luftwaffe no verão de 1940 e, além da Romênia, também foi entregue para outros aliados nazistas, como a Croácia, Finlândia, Hungria e Itália[21]

Finalmente Newby e Cook levaram o pássaro para o campo para prepará-lo para o longo voo sobre a água. Seis mecânicos do 26º Grupo de Depósitos Aéreos foram selecionados por causa de suas aptidões mecânicas e habilidade em manter a boca fechada. Logo a tarefa se mostrou bem difícil. Havia muito pouca informação disponível na própria aeronave, mas dados úteis foram conseguidos em um manual entregue pelo romeno Teodoru e traduzido pelo pessoal da inteligência militar. Estes também forneceram dicas sobre o consumo de combustível, consumo de óleo e outras informações.

Tempos depois da deserção do sargento romeno, os americanos conseguiram colocar as mãos em outro JU-88, dessa vez na Itália.

Eles iniciaram uma completa revisão da máquina. Logo perceberam que a capacidade dos tanques de combustível do JU-88 não dava autonomia suficiente para uma travessia do Atlântico Sul utilizando a rota Acra – Ilha de Ascenção – Natal. Aí o jeito foi adaptar externamente dois tanques de combustíveis descartáveis, originários de caças bimotores Lockheed P-38 Lightning, que eram conectados ao sistema de combustível por meio de bombas “emprestadas” de um bombardeiro B-24 Liberator. 

Enquanto isso a equipe descobriu que era possível usar combustível, óleo e material de refrigeração dos motores produzidos nos Estados Unidos, cujas especificações eram equivalentes as da Alemanha. Todas as armas e as câmeras fotográficas foram removidas e enviadas em voos de carga. Também foram verificados equipamentos de emergência e colocados materiais de sobrevivência que proporcionavam condições deles sobreviverem até duas semanas no mar.

O Ju-88 D-1 preparado para cruzar o Atlântico.

Newby e Cook passaram horas estudando os instrumentos e dispositivos alemães. Para maior segurança um localizador de direção americano modelo ARN-7 foi instalado para ajudar na navegação de longo alcance ao longo da rota. Por razões de segurança pintaram a estrela da USAAF na parte inferior e superior das asas e nos lados da fuselagem. Além disso, grandes bandeiras americanas foram pintadas. Tentavam assim evitar que algum jovem e impetuoso piloto abatesse o JU-88 e seus aviadores em busca de uma vitória. Na sequência, uma semana antes da viagem, mensagens foram disparadas para as bases e unidades ao longo do percurso, informando para ficarem alertas quanto o estranho avião e não abrissem fogo com armas antiaéreas.

Chamando Atenção em Terra e no Ar

Finalmente em 8 de outubro de 1943 o Junkers Ju-88 D-1 estava pronto para seguir viagem desde o Egito até os Estados Unidos, com a distância de 10.400 milhas náuticas, ou 19.260 quilômetros, a serem percorridos em sete dias. As paradas para reabastecimento e descanso da tripulação foram feitas no Sudão, Nigéria, Costa do Ouro (Gana), Ilha da Ascensão no Oceano Atlântico, Brasil (Natal e Belém do Pará), Guiana Britânica (atual Guiana), Porto Rico e West Palm Beach na Flórida.

Base Aérea de Acra durante a Guerra. localizada na atual Gana, África, foi um dos destinos dos aviadores Aliados depois de partirem de Parnamirim

Carregavam uma carga completa de combustível, aproximadamente 50.000 litros, ou 1.300 galões. Newby percebeu no trajeto que os motores do avião de fabricação alemã estavam soltando consideravelmente mais fumaça do que ele estava acostumado em aviões americanos. Mas isso ele e Cook consideraram normal e não os preocupou, porque em combate tinham visto muitas aeronaves inimigas soltando essa mesma quantidade de fumaça de seus motores.

Eles seguiram em direção ao Sudão e realizaram duas paradas ainda no coração da África, todas rápidas, e uma parada para descanso noturno, em um local que o major Newby não informou no texto escrito em 1944, mas que provavelmente foi na Nigéria. Comentou que onde quer que eles pousassem todos se aglomeravam ao redor do JU-88 e até um major perguntou se o avião era um dos “nossos novos bombardeiros”. O certo é que em 9 de outubro, depois de um voo de uma hora, estavam em Acra, prontos para saltar sobre o Atlântico Sul.

Decolagem de um C-87. Fonte-Wikipédia.

Eles decidiram seguir um quadrimotor Consolidated C-87 Liberator Express, versão de carga e passageiros do bombardeiro B-24, que seguia para Natal. Era mais uma precaução para alcançar a Ilha da Ascensão, uma pedra vulcânica no meio do Atlântico, que tinha um tamanho de 9,5 por 12,8 quilômetros e que ficava a 2.500 quilômetros (1.350 milhas náuticas) da costa africana.

Não houve problemas na decolagem, mas logo um nevoeiro os fez perder o C-87 de vista. Nessa ocasião quase houve uma tragédia a bordo do JU-88. O major Newby contou que de repente sentiu um farfalhar alto de vento e o ar frio o atingiu no ombro. Olhou em volta e viu o tenente Cook assustado, parado, rígido de medo, olhando através da escotilha que tinha aberto acidentalmente e sem nenhum paraquedas. Ocorre que Cook, ao se deslocar dentro da cabine, inadvertidamente roçou contra a trava de segurança e a escotilha inferior da fuselagem abriu, com o oceano 3.000 metros lá embaixo. A única coisa que o salvou foi a posição dos seus pés no momento da abertura. Depois de lutar por alguns minutos com a escotilha, finalmente Cook a conseguiu fechar. Foi muita sorte!

Douglas A-20 Havoc.

Na sequência viram uma esquadrilha de Douglas A-20 Havoc que se dirigiam para África. Um deles saiu da formação e se aproximou do Ju-88, com acenos mútuos das tripulações. Meia hora depois um grupo de caças Bell P-39 Airacobra, vindos de Wideawake Field, a base aérea da Ilha da Ascensão, chegaram junto ao antigo avião romeno, em um deslize rápido, deixando trilhas de vapor e acompanhando o voo de Newby e Cook até a pequena ilha.

Grupo de caças Bell P-39 Airacobra, em Wideawake Field, Ilha da Ascensão.

No solo houve notícias infelizes. A gasolina existente na ilha tinha uma octanagem bem mais alta que as utilizadas no JU-88, mas não havia escolha. Os tanques foram abastecidos e parecia não haver problemas para os motores. Logo eles estavam no ar novamente, com destino à costa do Rio Grande do Norte.

Elogios a Natal e o Avião Preservado Até Hoje

O major Newby narrou que nessa última parte do voo o JU-88 se comportou perfeitamente e os motores “ronronavam”. Quando estavam a 740 quilômetros (400 milhas náuticas) da costa potiguar, dois cilindros do motor esquerdo explodiram e houve o mais barulho, com o motor cuspindo e falhando como “um desnutrido trator”. Mas o avião continuou firme e alguns minutos depois, para surpresa dos aviadores, o motor continuou funcionando sem muita perda de potência. Naquele momento eles não tinham ideia do que tinha acontecido, mas ficaram alertas e continuaram no curso.

Para o major Newby foi uma sensação “gloriosa” quando o nosso litoral apareceu. Já o Junkers Ju-88 D-1, apesar dos problemas pontuais e das apostas infames dos britânicos na África, estava provando sua capacidade. Ele havia cruzado o Atlântico e mostrou o seu valor, sendo o primeiro avião de combate alemão a fazer essa travessia. Mas com uma tripulação americana!

Quando Newby e Cook se aproximavam de Parnamirim Field ele aponta que “o campo era grande e as comunicações eram boas”, mas, devido ao tráfego de outras aeronaves que chegavam e partiam, eles tiveram que circular por uma hora até receber autorização para pousar. Nisso surgiu outro problema – O trem de pouso não desceu totalmente. As rodas chegaram a baixar até a metade. Newby afirma que eles realizaram várias tentativas de resolver o problema, mas ainda assim a engrenagem ficou presa. Foi quando experimentaram o seletor de emergência hidráulico para baixar as rodas. Ele afirma que a operação foi difícil, mas conseguiram. Enfim pousaram.

Os Aviadores passam dois dias em Parnamirim Field para concertar o problema no trem de pouso e o problema com as velas de ignição do motor, que havia ocasionado a falha quando se aproximavam de Natal. Sem muito esforço o Junkers Ju-88 D-1 se torna centro de atenções do pessoal americano estacionado na base.

Um comentário interessante do major Newby sobre Parnamirim Field e publicado em janeiro de 1944, é quando ele afirma que em Natal existia “um dos melhores clubes de oficiais em qualquer lugar”, além de “boa comida e boa bebida desde que deixaram Estados Unidos há quase um ano”. Essas afirmações ajudam a explicar uma quase total ausência de críticas de militares estrangeiros que passaram por Natal na Segunda Guerra. Logo o major Newby e o tenente Cook continuaram sua viagem sem maiores alterações.

Finalmente, em 14 de outubro, o batizado “Baksheesh” pousou na base de Wright Field, na cidade de Dayton, Ohio. Ali começou sua carreira na Divisão de Engenharia de Teste de Voo. Foi feito uma análise completa entre novembro de 1943 e março de 1944, antes de ir para o Arizona para mais testes. O enorme esforço necessário para trazer o Ju 88 para Dayton mostra até onde os Estados Unidos estavam dispostos a ir para colocar as mãos em aeronaves estrangeiras para análise e avaliação. 

O JU-88 D-1 que passou por Natal e Parnamirim Field está até hoje preservado no Museu Nacional da Força Aérea dos Estados Unidos, em um local próximo a Base Aérea de Wright-Patterson, em Dayton. Apesar de mais de 15.000 aeronaves do tipo JU-88 terem sido construídas, apenas dois desses interessantes aviões sobreviveram à guerra em condições completas. Um deles é o antigo avião levado por  Teodoru.

NOTAS————————————————————————————————————————————————————–


[1] Na época da deserção do sargento Teodoru, julho de 1943, a Romênia operava o JU-88 há apenas alguns meses. O país recebeu seu primeiro lote de 50 aeronaves, incluindo uma dezena de JU-88 D-1 de reconhecimento, na primeira metade de 1943, e suas tripulações foram treinadas na Ucrânia, por instrutores da Luftwaffe. Essas aeronaves eram parte de um esforço maior dos nazistas para aumentar a força aérea de seu parceiro de lutas contra a União Soviética na Frente Oriental. Ver https://www.thedrive.com/the-war-zone/37574/how-this-nazi-recon-plane-ended-up-being-tested-in-the-united-states-during-world-war-ii

[2] Depois que a maré da guerra se voltou contra a Alemanha e seus aliados, a Romênia foi bombardeada pelos norte-americanos partir de 1943, principalmente a área de Ploesti, onde havia uma grande produção petrolífera. Em 1944 a Romênia foi invadida pelos soviéticos. Com o apoio popular contra a participação da Romênia na guerra vacilante e as frentes romeno-alemãs entrando em colapso sob o ataque soviético, o rei Miguel da Romênia liderou um golpe de Estado que depôs o regime de Ion Antonescu e colocou a Romênia ao lado dos Aliados pelo resto da guerra. Antonescu  foi fuzilado em 1947. Apesar dessa associação tardia com o time vencedor a antiga Romênia, que eles denominam historicamente como “A Grande Romênia”, foi amplamente desmantelada, perdendo território para a Bulgária e a União Soviética, mas recuperando da Hungria as áreas da Transilvânia do Norte. Ver https://en.wikipedia.org/wiki/Romania_in_World_War_II

[3] A estratégica região de Mariupol viu muita desgraça e sangue durante a Segunda Guerra Mundial. Primeiramente foi bombardeada pelos alemães e em 7 de outubro de 1941 a cidade foi ocupada por unidades do 3º Corpo Panzer, do 1º Grupo Wehrmacht Panzer (Grupo de Exércitos Sul). Com isso se iniciou a sua ocupação que durou 23 meses, até 10 de setembro de 1943. Durante esse tempo os nazistas mataram em Mariupol cerca de 10.000 civis e um número calculado em cerca de 50.000 pessoas foram levados de maneira forçada para a Alemanha. Cerca de 36.000 prisioneiros de guerra soviéticos morreram de fome e doenças em campos na região da cidade e entre os dias  20 e 21 de outubro de 1941, os ocupantes de Mariupol massacraram a população judaica. Durante a ocupação alemã a cidade de Mariupol foi várias vezes bombardeada pelos soviéticos, principalmente a noite. Mais recentemente, a partir de 2014, a cidade de Mariupol se viu novamente envolvida em um conflito armado. Dessa vez na chamada Guerra Civil no Leste da Ucrânia, igualmente referida como Guerra na Ucrânia, ou Rebelião pró-russa na Ucrânia, ou ainda a Guerra em Donbass. Trata-se de um conflito armado entre as forças separatistas das autodeclaradas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk e o governo ucraniano. Ainda em 2014 Mariupol foi tomada pelos separatistas, apoiados por russos. O governo ucraniano, contudo, começou uma grande ofensiva terrestre e em meados de junho desse mesmo ano Mariupol já estava sob controle das tropas da Ucrânia. Desde então, os rebeldes separatistas tentaram várias vezes retomar a cidade, a submetendo a bombardeios esporádicos de artilharia, mas Mariupol continua controlada pelas autoridades ucranianas. Esse um conflito armado ainda se encontra em andamento. Sobre essas questões ver –

https://uk.wikipedia.org/wiki/%D0%86%D1%81%D1%82%D0%BE%D1%80%D1%96%D1%8F_%D0%9C%D0%B0%D1%80%D1%96%D1%83%D0%BF%D0%BE%D0%BB%D1%8F e

https://www.terra.com.br/noticias/mundo/europa/mariupol-um-porto-estrategico-do-leste-da-ucrania,0ea428b61fcbb410VgnCLD200000b1bf46d0RCRD.html

[4] Existe a informação do historiador da aviação romeno Danut Vlad, que Teodoru era “incapaz de aceitar a disciplina militar”. Ver https://www.thedrive.com/the-war-zone/37574/how-this-nazi-recon-plane-ended-up-being-tested-in-the-united-states-during-world-war-ii

[5] O canadense Dénes Bérnad se especializou no estudo da aviação militar romena e do Leste Europeu durante a 2ª Guerra Mundial nos últimos 25 anos. Engenheiro mecânico de profissão é também membro fundador da Associação para a Promoção da História da Aviação Romena (Bucareste, Romênia) e da Associação Húngara de História da Aviação (Budapeste, Hungria). https://www.amazon.com/Rumanian-Aces-World-War-2/dp/184176535X

[6] Sobre a base aérea e campos de pouso dos alemães em Mariupol, Ucrânia, ver https://www.ww2.dk/Airfields%20-%20Russia%20and%20Ukraine.pdf

[7] Ver https://www.thedrive.com/the-war-zone/37574/how-this-nazi-recon-plane-ended-up-being-tested-in-the-united-states-during-world-war-ii

[8] Vejam a biografia do piloto Arnold Kenneth Asboe, que era australiano –https://www.spitfireassociation.com/single_crew.php?bio_id=ASBOE-Arnold-Kenneth

[9] Ver Air Force – The Oficial Service Journal Of The U.S. Army Air Forces, Vol. 27, January 1944, New York, USA. Pág. 12.

[10] Ver http://www.modellversium.de/galerie/9-flugzeuge-ww2/11596-junkers-ju-88-d-1-trop-hasegawa.html

[11] Ver http://forum.12oclockhigh.net/archive/index.php?t-13755.html

[12] https://www.thedrive.com/the-war-zone/37574/how-this-nazi-recon-plane-ended-up-being-tested-in-the-united-states-during-world-war-ii

[13] Ver Air Force – The Oficial Service Journal Of The U.S. Army Air Forces, Vol. 27, January 1944, New York, USA. Pág. 12.

[14] Ver http://www.livingwarbirds.com/junkers-ju-88.php

[15] Ver –  http://ww2talk.com/index.php?threads/ju-88-defects-on-9th-may-1943.38830/

[16] O que aconteceu com Nicolae Teodoru não está claro, mas existe a informação que um indivíduo com esse nome aparece novamente em um relatório da CIA datado de abril de 1953, sobre a Força Aérea Romena do pós-guerra. Este documento identifica, a partir de 1949, esse indivíduo em questão como comandante do 6º Regimento de Bombardeiros no Aeródromo de Brasov e que a unidade foi estabelecida com pilotos com “experiência em múltiplos motores”. Isso pode sugerir que Teodoru voltou para a Romênia e continuou sua carreira na Força Aérea da era comunista. Nada mais encontrei sobre o piloto romeno Nicolae Teodoru. Ver – https://www.thedrive.com/the-war-zone/37574/how-this-nazi-recon-plane-ended-up-being-tested-in-the-united-states-during-world-war-ii

[17] Isso aconteceu por que no início daquele verão, os britânicos receberam um JU-88 configurado como caça noturno,  uma variante mais avançada, que pousou na Escócia como resultado de uma deserção dentro da Luftwaffe. Ver – http://www.livingwarbirds.com/junkers-ju-88.php

[18] Ver – https://www.proxibid.com/Firearms-Military-Artifacts/Military-Artifacts/MAJOR-GENERAL-W-E-NEWBY-WWII-A2-FLIGHT-JACKET/lotInformation/48990326

[19] Ver https://www.proxibid.com/Firearms-Military-Artifacts/Military-Artifacts/MAJOR-GENERAL-W-E-NEWBY-WWII-A2-FLIGHT-JACKET/lotInformation/48990326

[20] Ver https://en.wikipedia.org/wiki/12th_Operations_Group#cite_ref-TB286_23-3

[21] Ver https://www.thedrive.com/the-war-zone/37574/how-this-nazi-recon-plane-ended-up-being-tested-in-the-united-states-during-world-war-ii

QUANDO OS PODEROSOS BOMBARDEIROS B-29 PASSARAM POR NATAL

Grupo de nove bombardeiros B-29 em Parnamirim Field em 1944. Provavelmente Natal foi o único local da América do sul a receber esse tipo de aeronave.

Sem dúvida, a aeronave mais revolucionária e cara produzida durante a Segunda Guerra Mundial foi o Boeing B-29. Vários foram os motivos pelos quais os B-29 passaram por Natal, no Nordeste do Brasil, para atacar o distante Japão.

Autor: Rostand Medeiros = https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

– Agradecimentos especiais ao meu amigo João Baptista Rosa Filho pela ajuda no fornecimento de informações adicionais para este artigo.

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Em 1942, nunca houve qualquer dúvida entre as mais altas autoridades políticas e militares dos Estados Unidos de que o Império Japonês, a nação inimiga que realizou o ataque a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941, tinha de ser bombardeado implacavelmente. Esta situação sempre foi vista como natural; no entanto, os métodos utilizados para alcançá-lo têm sido questionados [1].

Não faltaram modelos de bombardeiros pesados produzidos nos EUA. O problema era que, naquele momento, a Alemanha nazista e os territórios ocupados por aquela nação também precisavam ser derrotados. No caso do Japão, o seu centro político e económico estava localizado muito mais longe do alcance dos bombardeiros Boeing B-17 Flying Fortress e Consolidated B-24 Liberator.

Mas em 21 de setembro de 1942, os Estados Unidos, grande potência industrial, apresentaram uma solução para o caso. Naquele dia, o protótipo XB-29 decolou da cidade de Seattle, no noroeste dos Estados Unidos.

Fábrica da Boeing, em Wichita, Kansas e a planta de fabricação dos B-29.

Logo, a grande aeronave quadrimotora foi chamada de B-29 Superfortress. Era o maior bombardeiro que o mundo já tinha visto naquela época. O seu tamanho e sofisticação, na verdade a arrogância da sua própria criação, permaneceram como monumentos à riqueza e engenhosidade americana. Cada avião custa mais de meio milhão de dólares, o que é cinco vezes o preço de um bombardeiro quadrimotor britânico Avro Lancaster. O projeto B-29 foi considerado o mais caro de toda a Segunda Guerra Mundial, custando aproximadamente três bilhões de dólares

A construção de cada aeronave quadrimotor exigiu aproximadamente 12.250 kg de chapa de alumínio (27.000 libras), mais de 454 kg de cobre (1.000 libras), 600.000 rebites, 15.290 metros de fiação (9,5 milhas) e 3.218 metros de tubulação. (2 milhas). A aeronave foi o primeiro bombardeiro pressurizado do mundo, equipado com uma tripulação de doze homens e tinha um raio operacional impressionante de 5.500 km (3.250 milhas). Muito mais do que os aproximadamente 3.300 km (2.050 milhas) que o B-17 e o B-24 poderiam percorrer [2]. Possuía uma forte bateria de armamento defensivo, composta por doze metralhadoras calibre 12,7 mm em torres remotas, além de um canhão de 20 mm na cauda e controle central de fogo. Um B-29 totalmente carregado pesava mais de sessenta toneladas [3].

A Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (USAAF) exigia que a nova aeronave tivesse velocidade superior a 550 km/h, por isso o B-29 foi fabricado com uma asa altamente alongada e montada centralmente na seção circular da fuselagem [4]. A aeronave era equipada com quatro motores Wright R-3350 Duplex Cyclone, avaliados em 2.200 a 3.700 hp (1.640 a 2.760 kW), dependendo do modelo [5]. Era movido a gasolina de 100 octanas e possuía dois turbocompressores para cada motor, com o objetivo de melhorar o desempenho do bombardeiro em grandes altitudes [6].

À medida que o projeto B-29 avançava, qualquer pessoa que visitasse o Dugway Proving Ground, localizado a cerca de 145 quilômetros a sudoeste de Salt Lake City, no estado de Utah, no oeste dos EUA, ficaria surpresa ao descobrir uma autêntica vila japonesa.

O local contava com duas dezenas de casas de madeira fielmente reproduzidas, cada uma decorada com os tradicionais tatames (tapetes de palha espalhados pelo chão). Em 1943, esta comunidade abandonada foi destruída pela primeira vez por bombardeiros, demonstrando a facilidade e o impacto devastador da destruição que mais tarde seria experimentado pelas cidades do Japão. As casas desta comunidade foram construídas com materiais frágeis, o que as tornou particularmente vulneráveis.[7]

Na mesma época, o pessoal aéreo identificou oito alvos industriais prioritários no Japão, na Manchúria (China) e na Coreia. Um estudo de outubro de 1943 observou que apenas vinte cidades japonesas abrigavam 22% de toda a população do país. Posteriormente foi identificado que se apenas 30% desses locais fossem destruídos, 20% da produção japonesa seria perdida, e o número de vítimas poderia chegar a 560 mil pessoas em um curto período de tempo [8].

Os americanos tinham os seus objetivos, mas o extenso desenvolvimento necessário para o B-29 atrasou a sua entrada em serviço até meados de 1943. Concluído o projeto, quatro fábricas de montagem principais foram construídas por três empresas distintas, amplamente dispersas por todo o país. [9].

Para conseguir esse feito, existia o maior projeto de subcontratação do mundo naquela época. Uma vasta rede foi estabelecida para fornecer materiais, equipamentos e programas de treinamento civil e militar [10].

O Boeing B-29 Superfortress poderia realmente ser considerado uma aeronave excepcional. Nenhum outro grande modelo de caça da Segunda Guerra Mundial, independentemente do tamanho, teve um intervalo tão curto entre o seu primeiro voo e a sua primeira aparição em território inimigo: apenas 20 meses [11].

Mas antes disso alguém teria de deixar aqueles aviões o mais perto possível do Japão. Mas por onde?

Uma Mentira no Caminho da Guerra

Em 1º de junho de 1943, a 58ª Ala de Bombardeio (58º BW) foi criada e ativada na cidade de Marietta, Geórgia. Uma grande unidade que abrigava cinco grupos de bombardeio era o Grupo de Bombardeio ou BG. Essas cinco unidades eram o 40º Grupo de Bombardeio, 444º Grupo de Bombardeio, 462º Grupo de Bombardeio, 468º Grupo de Bombardeio e 472º Grupo de Bombardeio, que tinham bases de treinamento principalmente na região do Kansas. Por sua vez, cada um desses grupos de bombardeio contava com três esquadrões, com uma alocação média de 20 a 30 aeronaves B-29 por esquadrão.

Mais tarde, foram estabelecidas Alas de Bombardeio (BW) adicionais, cada uma com seu Grupo de Bombardeio (BG) correspondente. A ideia inicial era colocar todas essas máquinas e seus operadores na área do teatro de guerra conhecida como CBI, ou China-Birmânia-Índia, a que os americanos se referiam. Para organizar esta força crescente, o XX Comando de Bombardeiros foi criado em 28 de março de 1944. Estabeleceu-se na cidade de Kharagpur, na Índia, e foi liderado pelo Major General Kenneth B. Wolfe. Os B-29 utilizaram campos de aviação pré-existentes em Chakulia, Piardoba, Dudkhundi e na própria Kharagpur. Todas essas bases estavam localizadas em Bengala do Sul e próximas às instalações portuárias de Calcutá. As bases B-29 na China estavam localizadas em quatro locais na área de Chengdu, especificamente em Kwanghan, Kuinglai, Hsinching e Pengshan[14].

Mapa que mostra a área de atuação das B-29 para atacar o Japão a partir de bases chineses

A ofensiva do B-29 contra o Japão foi chamada de Operação Matterhorn. Esta operação envolveu o planeamento das rotas de envio dos B-29 para a Índia e a China, bem como a determinação da utilização de bases de apoio nestes dois países e a seleção dos alvos a serem atacados no Japão [15].

Enquanto o B-29 e a sua estrutura de apoio e comando eram criados, os Chefes de Estado-Maior decidiram não enviar esta aeronave para combate na Europa. Para o alto comando, a utilização do B-29 contra a Alemanha privaria os Estados Unidos do elemento surpresa contra o Japão [16].

Americanos e ingleses apreciando uma B-29 na Inglaterra.

Para corroborar esse plano, no início de março de 1944, um B-29 com número de série 41-36963, um dos primeiros a ser construído, partiu de Salina, no Kansas, e voou para a Flórida. Decolou à noite sob ordens secretas. Inicialmente, voou durante uma hora sobre o Oceano Atlântico em direção ao sul. Em seguida, o piloto mudou de rumo e voou para o norte até Gander Lake, localizado na ilha de Newfoundland, onde pousou na Base Aérea de Gander, Royal Canadian Air Force (RCAF Station Gander) [17]. De lá, o “963” voou sem escalas para uma base no Reino Unido. A ideia era que pessoal técnico e tático das Forças Aéreas do Exército dos Estados Unidos na Europa avaliasse a máquina. Nas duas semanas seguintes, mil cidadãos, indivíduos com papéis cruciais na guerra, inspecionaram o B-29 “963” em duas bases aéreas. Na realidade, tudo isto foi uma farsa – uma tentativa de enganar a inteligência alemã fazendo-a acreditar que o B-29 estaria estacionado no Reino Unido e teria como alvo o império de Hitler [18].

O primeiro B-29 a chegar à Índia foi pilotado pelo Coronel Leonard “Jake” Harmon, comandante do 58º Bomb Wing, que decolou da Base Smoky Hill, no Kansas, em 26 de março de 1944. Este B-29, com o número de série 42-6331, chegou a Chakulia, leste da Índia, sete dias depois e foi entregue ao 40º Grupo de Bombardeio.

O primeiro B-29 a chegar a Índia.

O autor deste texto imaginou então que o primeiro B-29 utilizaria a rota que passava por Natal, atravessava o Atlântico Sul e rumava para leste. Mas parece que a rota por Natal não foi utilizada nas etapas iniciais desta operação.

De acordo com o escritor americano Robert A. Mann, autor do livro “B-29 Superfortress-Chronology-1934-1960”, onze B-29 deixaram a Base Aérea de Pratt, no Kansas, desde 1º de abril de 1944. Eles então pousaram em Presque. Base insular, no estado do Maine, na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá, de onde seguiram para Newfoundland e desembarcaram na base de Gander.[19] Depois de reabastecer e preparar suas tripulações, os B-29 voaram através do Oceano Atlântico até a Estação 10 da USAAF no Aeroporto de Menara, na ensolarada Marrakech, Marrocos. A viagem continuou com um desembarque no Cairo, no Egito, para finalmente fazer a última etapa até Chakulia, na Índia.

Outras aeronaves continuaram a utilizar esta rota, mas não demorou muito para que um B-29, número 42-6350, pertencente ao 462º Grupo de Bombardeio, sofresse um acidente em Marraquexe. Não houve vítimas, mas houve perda total do avião [20].

O B-29 que iluminou a véspera de Natal e seu sobrevivente

Talvez pelo desgaste das tripulações devido à longa travessia do Atlântico, ou das máquinas, ou do tempo de voo, ou das condições meteorológicas, em algum momento os B-29 começaram a sair do Kansas com destino a Natal.

Não encontrei nenhuma informação adicional que indicasse o início exato desta passagem, a rota correta utilizada ou a quantidade de aviões presentes. Mas através do relatório do médico militar George A. Johannessen, entregue em 23 de agosto de 2007 a pesquisadores da Rutgers School of Arts and Sciences, da Rutgers University, em New Brunswick, New Jersey, Estados Unidos, temos a informação de que “o primeiro Os B-29 vieram para o Natal.” Dr. Johannessen se perguntou: “Por que eles viriam no Natal?” [21]

Ficha do 1º Tenente Austin J. Peek, piloto da B-29 que caiu em Natal em 10 de agosto de 1944.

Essa pergunta do Dr. Johannessen é ainda mais surpreendente, considerando que no mesmo relatório ele afirma que Natal era a principal rota dos aviões que partiam dos Estados Unidos. Além disso, durante o inverno, serviu de rota aérea para os aviões da Oitava Força Aérea, sediada na Inglaterra. Ele também comentou que no início do conflito passaram por Natal aviões com destino à África Ocidental, Sicília, Itália, China, Birmânia (atual Mianmar) e Índia.

Foto creditada como sendo do 1º Tenente Austin J. Peek,.

O médico informou que os B-29 não pousaram em Belém e seguiam diretamente para Natal. Ele simplesmente não comentou de onde eles vieram. E se esses aviões pousassem em Miami ou fizessem escala na Base Aérea de Waller, na ilha de Trinidad (atual Trinidad e Tobago)? Devo-lhe!

Mas continuaram chegando em Natal, única cidade da América do Sul que recebeu os B-29 a caminho do Japão, o código que Natal recebeu como destino foi UJAW – UNIFORM, JULIET, ALFA, WHISKIE. Sem dúvida um código criado para aparecer na documentação e ser utilizado via rádio [22].

O copiloto 2º Tenente Willard R. Heintzelman, no seu casamento.

Em 10 de agosto de 1944, um B-29 caiu após decolar do Campo de Parnamirim. Novamente, através da história do Dr. Johannessen, temos alguns detalhes deste terrível acidente em que houve apenas um sobrevivente.

O que sabemos sobre esta aeronave é que se tratava de um modelo Boeing B-29-30-BW Superfortress, número 42-24482. Foi entregue à USAAF em 24 de maio de 1944, na fábrica da Boeing em Wichita, Kansas [23]. A tripulação era composta por dez pessoas. Eles eram o 1º Ten Austin J. Peek, piloto, 2º Ten Willard R. Heintzelman; co-piloto, 2º Ten John F. O’Neill; navegador, 2º Ten Leroy Judson; bombardeiro, 2º Ten Dale E. Shillinger; engenheiro. Of Flight, o terceiro sargento. Harold R. Brown era o operador de rádio, o sargento Kurt F. Seeler serviu como operador de radar, o cabo Anthony A. Cobbino foi o artilheiro do lado esquerdo, o cabo Walter Roy Newcomb foi o artilheiro do lado direito e o cabo David C. Prendiz serviu como o artilheiro de cauda.

O 2º Tenente Willard R. Heintzelman em traje de voo contra o frio.

Segundo o Dr. Johannessen, o acidente ocorreu por volta das dez horas da noite de quinta-feira, 10 de agosto. O B-29 decolou para cruzar o Atlântico, mas infelizmente o avião caiu a aproximadamente 5,5 quilômetros da pista do campo de Parnamirim, a poucos quilômetros da praia de Ponta Negra. Quando este B-29 se preparava para atravessar o oceano, a sua queda causou uma enorme explosão, alimentada pelos quase 31.000 litros de combustível de 100 octanas que transportava. Dr. Johannessen testemunhou este evento e afirmou que “todo o céu se iluminou” [24].

Segundo o médico, o navegador John F. O’Neill de alguma forma conseguiu sair do avião e pousou em alguns arbustos, resultando em um pequeno ferimento no dedo mínimo. Em seu relatório, o Dr. Johannessen não comentou o uso de pára-quedas pelo navegador.

Cabo David C. Prendiz, artilheiro de cauda da B-29 sinistrada.

Mesmo sem ter todos os dados disponíveis, ao discutir o caso por telefone com nosso amigo João Baptista Rosa Filho, conhecido como J. B. Rosa Filho acredita que o acidente da aeronave ocorreu devido a um incêndio em um dos motores do B-29. Isso pode explicar por que o B-29 perdeu potência e caiu.

Esse nosso amigo é da linda cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Atua no setor de aviação civil há 33 anos e é piloto privado. Foi piloto de testes da empresa gaúcha Aeromot Aeronaves e Motores, trabalhou como mecânico na extinta companhia aérea Varig e também escreve livros sobre a Segunda Guerra Mundial. Para este profissional experiente e experiente, o que aconteceu no B-29 deve ter sido extremamente grave e repentino, pois apenas deu ao navegador O’Neill tempo suficiente para se salvar.

Esquema mostrando as posições dos tripulantes de uma B-29.

J. B. Rosa Filho acredita que o piloto Austin J. Peek e o copiloto Willard R. Heintzelman tentaram recuperar o controle da aeronave para fazer um pouso de emergência ou estabelecer uma altitude adequada para que todos saltassem de paraquedas com segurança. Mas o avião provavelmente afundou rapidamente, já que apenas o navegador, O’Neill, conseguiu se salvar. O amigo não tem dúvidas de que este sobrevivente usou pára-quedas porque as velocidades mais baixas de um B-29, sem perda de sustentação, eram em torno de 150 km/h. O impacto de uma pessoa contra alguns arbustos naquela velocidade certamente não seria significativo o suficiente. Isso não afeta apenas o dedo mínimo.

A saída bem-sucedida do navegador do avião pode ser atribuída à sua posição sentada na cabine dianteira. Sua estação de trabalho estava localizada logo atrás do piloto, proporcionando-lhe uma visão para a parte traseira do avião e para a esquerda, além de acesso a uma escotilha de evacuação.

Configurações de escape de uma B-29.

Seguindo as instruções de nosso amigo J. B. Rosa Filho, possivelmente John F. O’Neill, notou que um dos motores estava pegando fogo e percebeu que o B-29 estava em perigo. Depois, independentemente de ter recebido ordem para fazê-lo, ele desamarrou o cinto de segurança, abriu a porta e entrou rapidamente no corredor para salvar sua vida. O Grande Arquiteto do Universo completou o quadro para facilitar seu salto, disponibilizando algumas mangabeiras no local de seu pouso [25].

Mesmo com a ajuda inestimável de um experiente profissional da aviação, como J. B. Rosa Filho, é claro, tudo que escrevo sobre esse acidente é especulativo. Mas o certo é que naquela noite, em meio aos céus de Natal, John F. O’Neill foi um homem de muita sorte!

B-29 em Chamas.

Sabemos que houve relatos de muitas pessoas em Natal que observaram um forte clarão no céu durante a noite. Mas vale destacar que houve outros casos de acidentes e destruição de aeronaves na região do campo de Parnamirim.

Paulo Pinheiro de Viveiros comentou em seu livro “História da Aviação no Rio Grande do Norte” que “Toda a cidade ficou surpresa quando, às 21h do dia 6 de fevereiro de 1942, um grande clarão vermelho iluminou repentinamente o céu, partindo da zona sul , perto do Atlântico” [26].

Acidente da B-17 em Parnamirim Field em 1942.

A aeronave em questão era um B-17, que, assim como o B-29 em agosto de 1944, caiu logo após a decolagem. Era um B-17E, numerado 41-2482. O avião estava totalmente carregado com gasolina e foi completamente destruído. Nove tripulantes morreram e todos foram sepultados no cemitério do Alecrim.

Desaparecimento no Atlântico

Exatamente um mês e oito dias após o acidente, outro B-29 foi perdido. Ele saiu de Natal e simplesmente desapareceu no Oceano Atlântico.

A aeronave era um Martin-Omaha B-29-1-MO Superfortress, numerado 42-65203, construído sob licença pela Glenn L. Martin Company de Omaha, Nebraska, e entregue à USAAF em 2 de junho de 1944. Partiu de chegou aos Estados Unidos em 24 de agosto de 1944 e desapareceu em 18 de setembro. O avião seguia para o aeroporto de Accra, capital da então colônia britânica da Costa do Ouro (atual República de Gana), na África Ocidental, após decolar de Natal.

Documento oficial da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (MACR 8525), sobre o desaparecimento da B-29 que decolou de Natal em setembro de 1944.

Segundo o relatório oficial, este B-29 caiu no mar a 2.250 quilômetros (1.400 milhas) de Natal, e toda a tripulação de dez homens desapareceu. Eles eram o primeiro tenente Hugh T. Roberts, piloto; 2º Ten John T. Kirby, co-piloto; 2º Ten LaVerne Bebermeyer, navegador; 2º Ten Paul Clyde Oberg, engenheiro de voo; 2º Ten Roxy D. Menta, bombardeiro; Segundo Tenente David Maas, Operador Central de Controle de Incêndios – CFC; Sargento Conrad I. Bruflat, artilheiro; Cabo James Husser, artilheiro esquerdo; Cabo James Woodie Day Jr., operador de rádio; e cabo John G. Giannios, artilheiro direito.

Ao examinar o documento que faz referência a este desastre (MACR 8525), descobri as seguintes informações sobre as condições meteorológicas naquele dia e naquela área específica. “As nuvens cumulus são normalmente dispersas ou quebradas, com seus picos a 8.000 pés. Os ventos em nível de vôo variam entre 50° e 100°, com velocidades variando de 14 a 25 nós, e uma média de 16 nós.”

B-29 na água e seus tripulantes em botes salva-vidas.

Recorrerei mais uma vez à experiência do meu amigo J. B. Rosa Filho que me informou que as condições climáticas apresentadas não seriam problemáticas para um avião como o B-29 tentar um pouso na água. O avião media 30,18 metros de comprimento, 43,05 metros de envergadura, 8,46 metros de altura e tinha área de asa de 161,3 metros quadrados.

O amigo João Baptista Rosa Filho, que muito ajudou na elaboração desse artigo, com os seus conhecimentos sobre aviação, fruto de 33 anos de bons trabalhos nessa área.

Existem vários relatos e fotografias que mostram aeronaves B-29 que caíram no mar, mas permaneceram parcialmente flutuando, permitindo às suas tripulações um tempo valioso para escapar em botes salva-vidas. Mas para que isso acontecesse, os pilotos teriam que pousar com sucesso o grande avião na água, sem tombar, e garantir que a integridade da aeronave fosse mantida. Porém, J. B. Rosa Filho lembra que pousar na água exige certo nível de experiência e treinamento por parte da tripulação. No caso do B-29 com número de série 42-65203, não está claro se o conhecimento do piloto e do copiloto poderia ter ajudado nesta situação.

2º Tenente LaVerne Bebermeyer, navegador da B-29 que desapareceu no mar.

No caso desta aeronave, é altamente provável que tenha sofrido uma falha mecânica grave enquanto estava no ar, resultando em danos tão extensos que não houve oportunidade de tomar qualquer ação. Outra ideia é que a tripulação cometeu um erro ao submergir a máquina na água.

Além disso, as autoridades americanas dispunham de informações tão limitadas sobre este acidente que aparentemente não estavam reunidas as condições para uma operação de busca e salvamento. Se essas buscas ocorreram por acaso, não há um único comentário, muito menos uma vírgula, indicando seu início e fim, ou seus resultados.

2º Tenente Paul Clyde Oberg, engenheiro de voo.

Embora outros relatórios do tipo MACR apresentem uma enorme quantidade de informações sobre aeronaves danificadas ou desaparecidas, o caso do B-29 42-65203 é uma exceção. Não se sabe se houve algum contato de rádio, pedido de socorro ou se algum barco ou avião na área relatou ter visto coletes salva-vidas, peças de aeronaves ou corpos. Absolutamente nada!

Cabo James Husser, artilheiro esquerdo da B-29.

Este B-29 pertencia ao 462º Grupo de Bombardeio (BG), e seus dez tripulantes foram declarados mortos em 27 de outubro de 1948.

Problemas

Pode parecer que estes dois acidentes relatados indiquem que a rota através do Oceano Atlântico para a Índia e a China representava problemas para as aeronaves B-29. Mas enquanto pesquisava este tópico, descobri que a utilização das rotas de transporte já estabelecidas para o Leste por estes aviões foi altamente bem sucedida.

Em seu livro “B-29 Superfortress-Chronology-1934-1960”, Robert A. Mann destaca que ocorreram apenas sete acidentes na rota dos Estados Unidos para a Índia entre 2 de abril (a chegada do primeiro B-29 na Índia) e 18 de setembro de 1944 (quando o B-29 29 que saía de Natal desapareceu no Atlântico). Nada menos que 163 destes bombardeiros pesados conseguiram pousar com segurança em solo indiano.[28]

Trabalho de abastecimento de uma B-29.

Nesta lista informativa, o autor indica o número de aeronaves envolvidas, os esquadrões a que pertenciam e ainda o nome que as tripulações deram a essas aeronaves [29]. Infelizmente, o autor não comentou as rotas seguidas por esses B-29. No entanto, eles relataram que durante este período, houve vários problemas quando essas aeronaves estavam estacionadas na Índia ou utilizando bases na China para atacar o Japão. O autor observa que nesse período, 52 aeronaves B-29 foram perdidas ou gravemente danificadas, resultando em diversas mortes.

Ao contrário dos bombardeiros pesados americanos que operavam na Europa, cujas bases estavam localizadas na Grã-Bretanha e na Itália e, portanto, próximas do território inimigo, os B-29 baseados na Índia e na China estavam mais distantes do Japão. Além disso, os bombardeiros na Europa tinham uma infra-estrutura de apoio mais organizada e unida. No Oriente, a situação era muito mais complicada. Um exemplo: vários B-29 foram convertidos em aviões de transporte porque, para lançar ataques ao Japão a partir de bases chinesas, os americanos tinham de transportar combustível, bombas e outros fornecimentos necessários da Índia. As despesas foram astronômicas.

Chineses nivelando uma das pistas de pouso e decolagem dos B-29.

Na China, os B-29 voaram a partir de quatro bases recém-criadas, construídas por milhares de trabalhadores chineses que montaram tudo manualmente. As pistas de decolagem foram construídas com brita e transportadas com o mínimo de maquinário. O nivelamento dos trilhos foi feito com enormes rolos de pedra, puxados por vários homens e mulheres. Infelizmente, centenas de trabalhadores chineses perderam a vida em acidentes durante este processo. Eram locais onde as estruturas dificultavam a manutenção, decolagens e pousos das aeronaves. A acrescentar a este desafio está o facto de as rotas aéreas que ligam a Índia e a China passarem sobre as montanhas do Himalaia, que são as mais altas do mundo e frequentemente enfrentam condições climáticas severas.[30]

Max Hastings observa em “Retribution: The Battle for Japan, 1944-45” que o transporte aéreo para Kunming, a capital e maior cidade da província de Yunnan, no norte da China, foi considerada uma das missões mais perigosas e impopulares da Segunda Guerra Mundial. Esta missão resultou em uma perda cumulativa de 450 aeronaves. A eficiência e o moral da tripulação eram notoriamente baixos. Os aviadores que sobreviveram a acidentes de avião tiveram de enfrentar algumas das regiões mais remotas e indomadas do mundo, habitadas por povos indígenas que ocasionalmente poupavam as suas vidas, mas sempre confiscavam os seus pertences.

Hastings acredita que os ataques iniciais do B-29 no Leste foram uma “farsa”. Segundo ele, a maior ameaça à sobrevivência das tripulações não eram os caças e canhões antiaéreos inimigos, mas os próprios aviões. Como disse um comandante, seu B-29 tinha “tantos insetos quanto o departamento de entomologia do Smithsonian Institution em Washington”. A hidráulica, a eletricidade, as torres de metralhadoras e canhões, e especialmente as usinas de energia, foram consideradas altamente não confiáveis.

Motor Curtis Wright R-3350 preservado em um museu nos Estados Unidos.

Os quatro motores Curtis Wright R-3350 eram “o pesadelo de um mecânico”. Devido a uma tendência alarmante de superaquecimento dos cilindros traseiros, em parte causada pela folga mínima entre os defletores dos cilindros e a carenagem, os motores estavam sempre propensos a pegar fogo durante o vôo. Descobriu-se também que esses motores têm uma tendência adicional de ingerir suas próprias válvulas. Além disso, as partes de magnésio foram queimadas e derretidas.

Um dos motores da famosa Cabine da B-29 “Enola Gay”, que em 6 de agosto de 1945 lançou uma bomba atômica sobre a cidade japonesa de Hiroshima. Foto realizada nos Estados Unidos pelo amigo Ricardo Argm, de Recife.

Devido ao alto teor de magnésio na liga do cárter, podem ocorrer incêndios no motor, às vezes queimando a uma temperatura de aproximadamente 3.100°C (5.600°F). Os motores permaneceram temperamentais, e os problemas de superaquecimento, que não foram totalmente resolvidos, eram muitas vezes tão graves que a longarina principal poderia queimar em questão de segundos, levando a uma falha catastrófica da asa.

O piloto Jack Caldwell registrou que “o avião sempre parecia estar tensionando cada rebite a mais de 25.000 pés”. Somando-se a todos os problemas dos B-29 estavam a inexperiência e as deficiências de suas tripulações. A USAAF reconheceu que os desafios no treinamento de tripulações para pilotar este “navio de guerra dos céus” eram monumentais.

Foto do ataque a Yawata.

E as missões tornaram-se difíceis. Em 19 de agosto de 1944, 71 aeronaves B-29 foram preparadas para bombardear a usina siderúrgica de Yawata, na ilha de Kyushu, no Japão. 61 aviões voaram durante o dia e 10 voaram durante a noite. Cinco B-29 foram destruídos pela ação inimiga, dois caíram antes ou durante a decolagem e mais oito foram perdidos devido a falhas técnicas. Apenas 112 toneladas de bombas foram entregues, resultando na perda de 7,5 milhões de dólares em aeronaves e suas valiosas tripulações.[32]

A B-29 Enola Gay, fotografada nos Estados Unidos pelo amigo Ricardo Argm, de Recife.

Este esforço monumental permitiu aos B-29 lançar ataques ao Japão a partir de fora da China, embora com riscos significativos e resultados mínimos. A USAAF ficou incomodada com a enorme quantidade de publicidade positiva dada aos novos bombardeiros gigantes nos Estados Unidos, pois cativou a imaginação do público. Os comandantes sabiam quão pouco os aviões estavam realmente realizando.[33]

Mais Próximo Para o Final

Embora as rotas através do Oceano Atlântico, fosse através de Natal ou da Terra Nova, fossem seguras, as distâncias do Kansas à Índia eram enormes: entre 16.000 e 17.000 quilómetros. A isto somaram-se as perigosas rotas aéreas entre a Índia e a China, com as montanhas do Himalaia no meio, além dos perigos de enfrentar extremistas japoneses no seu país. O custo foi extremamente elevado em termos de combustível, aeronaves e, mais importante, vidas humanas. Logo, o comando americano ordenou que os famosos “fuzileiros navais” desembarcassem nas ilhas de Saipan, Guam e Tinian entre junho e julho de 1944. Essas ilhas faziam parte do grupo conhecido como Marianas.

Várias B-29 em uma base aérea nas Ilhas Marianas.

A um custo de mais de 5.400 fuzileiros navais mortos e 18.000 feridos, os americanos capturaram com sucesso estas ilhas estrategicamente importantes e rapidamente começaram a construção de pistas de pouso para B-29.

A distância do Kansas às Ilhas Marianas é de 11.300 quilômetros, enquanto a distância de Tinian, por exemplo, ao Japão é de aproximadamente 2.400 quilômetros. Grandes fundações foram lançadas e uma estrutura completa foi estabelecida.

Cabine da B-29 Enola Gay, fotografada nos Estados Unidos pelo amigo Ricardo Argm, de Recife.

Com isso, os americanos não precisaram mais enviar seus poderosos bombardeiros para lutar através do Oceano Atlântico. Eles deixaram a Califórnia, sobrevoaram o vasto Oceano Pacífico e alcançaram as novas bases através das ilhas havaianas.[34]

Outras bases foram logo construídas em ilhas recém-conquistadas, como Iwo Jima. Os ataques ao Japão tornaram-se uma ocorrência diária, com centenas de B-29 envolvidos. Essas aeronaves foram constantemente aprimoradas, seus defeitos foram corrigidos e utilizadas de forma mais eficaz.

Em agosto de 1945, os B-29 devastaram as forças armadas, as instalações navais e a indústria do Japão. Embora o país carecesse de recursos militares significativos, os americanos realizaram os polêmicos ataques com bombas atômicas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki. O B-29 que lançou a bomba de Hiroshima, denominado “Enola Gay”, partiu de Tinian [35].

NOTAS————————————————————————————————————————————————————–


[1] Ver Hastings, Max. Retribution: The Battle for Japan, 1944-45, Alfred A. Knopf, New York, 2008, Pág. 333.

[2] Ver Hastings, Max. Retribution: The Battle for Japan, 1944-45 Alfred A. Knopf. New York, 2008, Pág. 333 e 334.

[3] Haulman, Daniel L. Hitting Home – The Air Offensive Against Japan, Air Force History and Museums Program, 1999, pág. 6.

[4] http://delprado.com.br/blog/2012/05/22/b-29-superfortress/

[5] Bowers, Peter M.  Warbird Tech Series – B-29 Superfortress. Speciality Press Publishers and Wholesalers, Minnesota, 1999. Pág. 14.

[6] Haulman, Daniel L. Hitting Home – The Air Offensive Against Japan, Air Force History and Museums Program, 1999, pág. 7.

[7] Além da vila japonesa, os militares americanos reproduziram fielmente uma vila alemã. Durante a Segunda Guerra Mundial os dois locais foram bombardeados pelo menos 27 vezes e reconstruídas a fim de testar o uso de artefatos bélicos incendiários contra cidades populosas. Ver The Asia-Pacific Journal-Japan Focus, de 15 de abril de 2018, Volume 16, Edição 8, Número 3, Artigo ID 5136. Disponível em  https://apjjf.org/2018/08/Plung.html

[8] Hastings, Max. Retribution: The Battle for Japan, 1944-45 Alfred A. Knopf. New York, 2008, Pág. 333.

[9] Duas fábricas eram operadas pela Boeing, sendo uma na cidade de Renton, estado de Washington, e outra em Wichita, estado do Kansas. Havia uma fábrica controlada pela empresa Bell, na cidade de Marietta, estado da Geórgia e uma planta da empresa de Martin na cidade de Omaha, capital do estado de Nebraska. Ver Bowers, Peter M. Boeing B-29 Superfortress . Stillwater, Minnesota: Voyageur Press, 1999. Págs. 319 e 322.

[10] Bowers, Peter M.  Warbird Tech Series – B-29 Superfortress. Speciality Press Publishers and Wholesalers, Minnesota, 1999. Pág. 100.

[11] Bowers, Peter M.  Warbird Tech Series – B-29 Superfortress. Speciality Press Publishers and Wholesalers, Minnesota, 1999. Pág. 4.

[12] Haulman, Daniel L. Hitting Home – The Air Offensive Against Japan, Air Force History and Museums Program, 1999, pág. 9.

[13] Ver https://www.456fis.org/HISTORY_OF_THE_B-29.htm

[14] Ver https://www.456fis.org/HISTORY_OF_THE_B-29.htm

[15] Graham, Simmons M.  B-29 Superfortress – Giant bomber of Wolrd War Two and Korea, Pen & Sword Aviation, Barnsley, South Yorkshire, England. Pags 97 e 98.

[16] Haulman, Daniel L. Hitting Home – The Air Offensive Against Japan, Air Force History and Museums Program, 1999, pág. 7. E Pace, Steve. Boeing B-29 Superfortress The Crowood Prees, Berkshire, England, 2003. Pág. 94.

[17] Para os canadenses a base de Gander tem o mesmo aspecto histórico que Natal possui para os brasileiros, como um local situado em um proveitoso ponto estratégico, que na Segunda Guerra Mundial serviu a aviação Aliada, onde foram construídas imensas instalações para receber milhares de profissionais e suas aeronaves de transporte e patrulha contra submarinos. Os canadenses de Newfoundland afirmam que Gander foi “O maior aeroporto do mundo na Segunda Guerra”. Sobre a RCAF Station Gander ver  https://www.heritage.nf.ca/articles/politics/gander-base.php

[18] Graham, Simmons M.  B-29 Superfortress – Giant bomber of Wolrd War Two and Korea, Pen & Sword Aviation, Barnsley, South Yorkshire, England. Pags 84 a 86.

[19] Mann, Robert A, B-29 Superfortress-Cronology-1934-1960, McFarland & Company, Inc., Publishers, Jefferson, North Carolina, and London.  Pág. 31.

[20] Sobre esse acidente ver https://aviation-safety.net/wikibase/98390

[21] O Dr. Johannessen era natural de Seattle, Washington, e nasceu em 10 de Janeiro de 1919. Durante a Segunda Guerra Mundial ele serviu como oficial do Corpo de Administração Médica do Exército dos Estados Unidos (US Army) em vários hospitais nos Estados Unidos e na região do Atlântico Sul, incluindo hospitais de Belém e em Natal. Em seu rico relato comentou que tratou até de prisioneiros alemães que foram trazidos ao seu hospital, capturados pelo afundamento de algum submarino. Ver https://oralhistory.rutgers.edu/interviewees/1011-johannessen-george-a

[22] Mann, Robert A, B-29 Superfortress-Cronology-1934-1960, McFarland & Company, Inc., Publishers, Jefferson, North Carolina, and London. Pág. 15.

[23] Mais detalhe sobre o acidente ver https://aviation-safety.net/wikibase/98432

[24] Não sabemos se esse avião acidentado em Natal estava com toda sua capacidade de combustível, mas sabemos que o combustível nos B-29 eram transportados em quatorze tanques de asa externa, oito de asa interna e quatro tanques na área de bombardeio, dando uma capacidade máxima de quase 31.000 litros, ou 8.168 galões americanos. Uma modificação adicionou quatro tanques na seção central da asa, elevando a capacidade total de combustível para quase 36.000 litros, ou 9.438 galões americanos. Ver https://www.456fis.org/HISTORY_OF_THE_B-29.htm

[25] O relato do médico militar Dr. George A. Johannessen não garante que o sobrevivente da queda do B-29 em 10 de agosto de 1944 era o navegador John F. O’Neill. Mas no site https://pt.findagrave.com/memorial/52036385/walter-roy-newcomb existe a confirmação dessa informação.

[26] Viveiros, Paulo P. História da Aviação no Rio Grande do Norte, Editora Universitária, Natal-RN, Brasil, 1974. Págs. 158 e 159.

[27] Mias sobre esse acidente ver – https://aviation-safety.net/wikibase/98447 e https://www.newspapers.com/clip/6331827/2nd-lt-laverne-bebermeyer-still/

[28] Mann, Robert A, B-29 Superfortress-Cronology-1934-1960, McFarland & Company, Inc., Publishers, Jefferson, North Carolina, and London.  Págs. 32 a 34. O primeiro desses acidentes foi em Marrakesh (anteriormente comentado no texto), o segundo foi com o avião B-29 número 42-6249, aconteceu em 18 de abril, em Payne Field, Cairo, Egito, devido a uma tempestade de areia e não houve mortos. Os três outros acidentes ocorreram todos em 21 de abril, na região de Karachi, Paquistão, por problemas de motor e consequências de uma tempestade de areia. Os envolvidos foram os aviões B-29 números 42-6345, 42-6369 e 42-63357. Nesse último acidente houve cinco mortos. Mais detalhes sobre alguns desses acidentes ver https://aviation-safety.net/wikibase/98393 e https://pt.findagrave.com/memorial/90940187/christopher-d-montagno

[29]  Mann, Robert A, B-29 Superfortress-Cronology-1934-1960, McFarland & Company, Inc., Publishers, Jefferson, North Carolina, and London.  Págs. 31 a 37.

[30] Ver https://warfarehistorynetwork.com/2016/09/07/operation-matterhorn/

[31] Ver https://www.fighter-planes.com/info/b29.htm

[32] Hastings, Max. Retribution: The Battle for Japan, 1944-45 Alfred A. Knopf. New York, 2008, Pág. 334.

[33] Hastings, Max. Retribution: The Battle for Japan, 1944-45 Alfred A. Knopf. New York, 2008, Pág. 335.

[34] Pace, Steve. Boeing B-29 Superfortress The Crowood Prees, Berkshire, England, 2003. Pág 88.

[35] Pace, Steve. Boeing B-29 Superfortress The Crowood Prees, Berkshire, England, 2003. Págs 97 a 102.

SEGUNDA GUERRA EM NATAL – O DEPÓSITO DA ADP DA RUA CHILE

Rostand Medeiros – IHGRN

Parte Integrante do livro Lugares de Memória – Edificações e Estruturas Históricas em Natal Durante a Segunda Guerra Mundial, páginas 73 a 75.

Sobre esse depósito, Lenine Pinto assegura que o local original era ao lado do Centro Náutico Potengy, tradicional clube de remo localizado na Rua Chile. Para esse autor, o prédio seria como um “ship Chandler”, um local da Airport Development Program (ADP), especializado em fornecimento de suprimentos para os navios da Marinha dos Estados Unidos.

Ali, segundo Lenine, eram estocados grandes carregamentos de suprimentos, acondicionados em caixas, fardos e outras embalagens. Quando esse material estragava, pelo menos para o padrão dos norte-americanos, era jogado no Rio Potengi. Aí um funcionário brasileiro do local só colocava esses produtos no rio com a maré vazante, onde o material flutuava até a comunidade do Canto do Mangue. Pessoalmente, já ouvi alguns depoimentos de pessoas que recolheram no Rio Potengi várias latas de manteiga de ótima qualidade.

Lenine comentou, por meio do relato de Rui Garcia, que ao final do conflito o que sobrou nesse depósito e em outros “três grandes depósitos de comestíveis” que os americanos possuíam em Parnamirim, foi vendido para o Exército Brasileiro[1].

Durante a realização desta pesquisa, em contato com outros pesquisadores do tema, surgiram dúvidas se o depósito nesse endereço teria sido realmente utilizado para esse fim. Ou teria sido em outro local?

A dúvida surgiu por esse ser um depósito que possui pequenas dimensões na atualidade e que, aparentemente, não teria condições de ser um local de armazenamento da ADP. Vale lembrar que essa era a empresa que desenvolvia a gigantesca obra da Base de Parnamirim.

Foto antiga do Porto de Natal.

Seria, então, esse local de maiores dimensões, ou ele sofreu alterações?

Segundo relatos de trabalhadores e administradores de empresas na região, quando estivemos visitando o prédio em 2014, aparentemente a resposta é não!

Pudemos perceber na época dessa visita que a edificação apresentava poucas alterações mais radicais.

Outra dúvida estava nas proximidades.

Não muito distante do endereço da Rua Chile, número 44, existe um local conhecido naquele setor com “Frigorífico” e pertencente à Companhia Docas do Rio Grande do Norte (CODERN). Pela sua grande dimensão, antes de ter sido utilizado para conservação de gêneros alimentícios, ali poderia ser esse o antigo depósito da ADP?

Atendendo a um pedido nosso, o Ministério Público Federal do Rio Grande do Norte solicitou informações sobre o caso ao Almirante Elis Treidler Öberg, atual Diretor-Presidente da CODERN. Esse, por sua vez, encaminhou um texto do jornalista Aproniano César Fagundes Trindade, pesquisador da história do Porto de Natal desde 1972 e fundador de um museu que guarda a história do nosso porto. Nesse texto Trindade informou ter sido o local idealizado como frigorífico durante a Segunda Guerra e destinado ao abastecimento das tropas aqui sediadas. Mas sua construção só se iniciou em 1948 e foram concluídas em 1951. Isso descartou a utilização do “Frigorífico” como o antigo depósito da ADP, pois os norte-americanos deixaram definitivamente Natal em 1947.

Nesse sentido, sem maiores opções e mesmo com as dimensões reduzidas, deixamos valendo a informação de Lenine Pinto, que aponta ter sido o prédio da Rua Chile, 44, o antigo depósito da ADP.

Sobre a utilização do Porto de Natal durante a Segunda Guerra Mundial, soubemos, por intermédio do trabalho do jornalista Aproniano César Fagundes Trindade, que nosso porto podia receber navios de até 27 pés de calado. Petroleiros, destroieres e cruzadores penetravam nesse porto sem nenhuma dificuldade. Após a Guerra, o porto começou a entrar em crise, sendo uma das causas o fato do canal de acesso não ter sido mais dragado por anos e, por isso, muita areia acumulou-se no seu leito.

Essa situação agravou o problema dos transportes marítimos em Natal. No início de dezembro de 1950, devido à impossibilidade de acesso à barra de navios de calado superior a 20 pés, Rui Moreira Paiva, então agente da Companhia Nacional de Navegação Costeira, comunicou à imprensa local que os navios de passageiros daquela empresa não aportariam mais em Natal.

Quem da capital potiguar quisesse viajar para as capitais do norte e sul do país teria que embarcar em Recife ou Fortaleza.

Obviamente essa situação acarretou sérios prejuízos para a economia potiguar, pois reduziu as exportações dos nossos produtos e encareceu a importação das mercadorias[2].

NOTAS


[1] PINTO, Lenine. Natal, USA. 2. Ed – Natal-RN: Edição do autor, 1995. Páginas 81 e 82.

[2] SMITH JUNIOR, Clyde – Trampolim Para a Vitória. 1. Ed. – Natal-RN: Ed. Universitária, 1993, Páginas 15 a 27.

1939 – A INTERESSANTE PALESTRA DE JUVENAL LAMARTINE SOBRE O ENVOLVIMENTO DE NATAL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Juvenal Lamartine

Rostand Medeiros – IHGRN

Na noite de 4 de fevereiro de 1939, sete meses antes do início da Segunda Guerra Mundial, o ex-governador potiguar Juvenal Lamartine de Faria proferiu uma interessante palestra no Rotary Club de Natal. Ali Juvenal comentou com os presentes sobre sua antiga ligação com a aviação, anteviu o início da Guerra, apontou como em sua opinião seria o envolvimento da capital potiguar no grave conflito, clamava a atenção das autoridades para o que poderia acontecer e apontou as ações que os militares dos Estados Unidos executariam para a sua defesa.

Essa palestra foi integralmente apresentada na edição do jornal A República, de 11 de fevereiro de 1939, página 10, mas não causou nenhuma repercussão e nem foi posteriormente comentada naqueles dias incertos.

NATAL: A MAIS IMPORTANTE BASE DE DEFESA AÉREA DO BRASIL

Palestra do Dr. Juvenal Lamartine, na reunião de 4 do corrente no Rotary Clube de Natal.

Em 1927, quando tive a honra de ocupar uma cadeira no Senado Federal, como representante do Rio Grande do Norte, apresentei à consideração aquela casa do Parlamento, tão rica de brilhantes tradições, um projeto de lei autorizando o governo da República a construir um aeroporto em Natal com base para os aviões em Fernando de Noronha e, nos rochedos de São Pedro e São Paulo, um farol aéreo, cuja coluna fosse uma alegoria, que lembrasse e perpetuasse a memória de Santos Dumont.

Fernando de Noronha na década de 1920.

Decorridos hoje mais de dois lustros, e tendo o mundo passado por profundas e graves transformações políticas, penso que cada dia mais se impõe e se faz urgente a realização da ideia que tive em 1927, diante não só do desenvolvimento da aviação comercial, como principalmente dos perigos que ameaçam as nações militarmente fracas, mas ricas em matérias primas, como é o caso do Brasil.

Embora afastado da atividade pública, continuo, entretanto, a me interessar vivamente por tudo que se relaciona com o desenvolvimento do nosso potencial econômico, segurança e integridade do Brasil.

Juvenal Lamartine, o0 primeiro a esquerda, ao lado de um biplano francês.

Desde que vi o primeiro avião, fiquei empolgado pela aviação aérea, na qual antevi um futuro formidável e o meio de transporte ideal para o Brasil, cujo vasto território não é possível cortar de estradas de ferro, se não em um futuro muito remoto e às custas de somas fora de nossas possibilidades econômicas.

Quando os pilotos franceses foram contratados como instrutores do nosso Exército e vieram fundar nossa primeira escola de aviação, fui dos primeiros civis a subir em avião. Nesse tempo era uma temeridade andar pelos ares. A sensação que experimentei nesse voo inicial foi formidável: mas tive desde logo a visão nítida que os céus seriam, em pouco tempo, cortados em todas as direções pelas hélices por aparelhos de todas as nações do mundo, numa competição cada vez maior, e que era preciso estender as linhas aéreas, não só às capitais dos Estados, como ao nosso hinterland[1].

Djalma Petit e Juvenal Lamartine no Aeroclube. Foto da Revista Cigarra. Fonte-http://peryserranegra.blogspot.com

Eleito Presidente do Rio Grande do Norte, dediquei-me com entusiasmo no desenvolvimento do novo meio de transporte, fundando, com parcos recursos do Tesouro do Estado, o Aeroclube de Natal, criando uma escola de pilotos civis, construindo e pessoalmente inaugurando trinta campos de pouso nos municípios no interior, facilitando a instalação nesta Capital de companhias estrangeiras que aqui fundaram bases para seus aviões comerciais, animando, finalmente, por todos os modos esse admirável meio de transporte e já hoje a mais terrível arma de guerra e destruição[2].

A posição geográfica do Rio Grande do Norte e as condições privilegiadas de Natal devem merecer a atenção dos responsáveis pela defesa do Brasil, cujo ponto mais vulnerável a quaisquer ataque aéreo é a costa do Nordeste. Os Estados Unidos da América do Norte, possuindo uma das forças aéreas das mais fortes do mundo e aviões de bombardeiro que não encontram paridade, já pelo se poder ofensivo, já pelo seu raio de alcance, vão gastar somas formidáveis na construção de bases em toda a costa do Atlântico e nas ilhas da América Central, a fim de garantir-se contra um possível ataque de uma potência europeia.

Mapa da empresa Compagnie Générale Aéropostale (CGA) mostrando sua rota aérea que passava por Natal e a nossa privilegiada posição estratégica.

Muito, muito maior é o perigo que corre o Brasil, econômica e militarmente fraco e detentor de imensas riquezas ainda inexploradas e cobiçadas pelos povos imperialistas. O seu ponto mais vulnerável, como já disse, é o Nordeste e a base de defesa mais importante é Natal, donde os aviões poderão exercer um patrulhamento eficiente contra quaisquer tentativas de ataque não só ao Brasil, como mesmo a toda a América do Sul.

Na ausência de autoridade para só por mim agitar o problema, venho lembrar que o Rotary tem a iniciativa de sugerir as altas autoridades da República, a começar pelo comandante da Região Militar, a necessidade de ser incluída no plano quinquenal a construção do porto aéreo de Natal.

Festividade em Natal para os aviadores italianos Ferrarin e Del Prete. Da esquerda para direita vemos o Cônsul italiano em Recife, Arturo Ferrarin, Juvenal Lamartine, Carlo del Prete e a cientista Berta Lutz

Embora não seja técnico, penso, entretanto, que o melhor local para esse porto é o que se encontra entre o Radiofarol e o forte dos Reis Magos, feita a terraplanagem das dunas e a elevação do recife desde o mesmo forte até a praia do Meio.

As condições são as melhores possíveis, pois, além de oferecer espaço bastante para a construção de pistas para os aviões de terra, fica à margem do Potengi, onde podem amerissar os mais possantes hidroaviões do mundo[3].

Juvenal Lamartine de Faria em 1935

Com um apoio ou base em Fernando de Noronha e outro, se possível, nos rochedos de São Pedro e São Paulo, como propus em meu projeto de 1927, estará o Brasil de posse do mais importante porto militar aéreo da América do Sul e a chave da defesa deste Continente.

Para reforçar ainda mais o poder defensivo do porto aéreo de Natal e lhe dar maior eficiência, deve ser utilizada a Lagoa do Bonfim, a cerca de 30 quilômetros desta capital, para nela permanecer uma esquadrilha de hidroaviões de bombardeiro. São excepcionais as condições que oferece a Lagoa do Bonfim. Mermoz, o grande piloto francês há pouco desaparecido, considerava essa Lagoa uma das melhores bases do mundo para hidroaviões[4].

Alunos do Aeroclube do Rio Grande do Norte e, ao centro, de branco, o instrutor Djalma Petit.

Certamente ninguém pensa em concentrar todos os elementos de defesa aérea do Brasil no sul do país, de vez que, ocupado o norte, dificilmente seria desalojar daí o inimigo.

Qualquer ataque que sofrer o Brasil, por uma das nações fortes e imperialistas da Europa, só pode ser feito por via aérea e marítima visando precisamente o norte desprotegido de qualquer elemento de defesa e muito acessível a toda investida estrangeira.

Estou, aliás, convencido de que os poderes públicos conhecedores da importância estratégica de Natal mandarão construir aqui a base de defesa da nossa costa setentrional.

Pouco tempo depois da divulgação do discurso de Juvenal Lamartine no Rotary de Natal, a Segunda Guerra começou e logo, como Juvenal Lamartine previu, Natal se tornou um dos principais pontos estratégicos da aviação dos Aliados. Não demorou e logo hidroaviões do tipo Consolidated PBY Catalina, que na foto estão participando de uma cerimônia no Rio, se tornaram frequentes na capital potiguar.

Daqui é possível não só repelir qualquer tentativa de ataque por aviões que projetem atravessar o Atlântico, como estabelecer linhas de defesa para os Estados do sul e do norte do Brasil.

O ideal de todos os povos do mundo é a paz; mas, como a humanidade ainda não atingiu esse ideal, o dever de todos os povos é organizar sua defesa para a proteção de seus habitantes e de suas fontes de produção e de riqueza[5].

NOTAS

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[1] Palavra de origem alemã que significa “terra de trás”. Em alemão, a palavra também se refere à parte menos desenvolvida de um país, aquela menos dotada de infraestrutura e menos densamente povoada. Era muito utilizada por parte de autores e intelectuais brasileiros do início do século XX como sinônimo de sertão e interior.

[2] O que Juvenal Lamartine denomina como “Presidente eleito do Rio Grande do Norte” nesse texto significa que ele tinha sido eleito Governador do Estado. Durante o regime imperial, os atuais governadores eram denominados “Presidentes de Província”, denominação que foi alterada para “Presidente dos Estados” com a implantação do período republicano em 1889. Essa denominação seguiu até a Revolução de 1930, quando aparece o termo “Governador”, sendo essa maneira como se designam os Governantes dos estados brasileiros até hoje.

[3] O Radiofarol ao qual Juvenal Lamartine se refere era uma instalação pertencente à Marinha do Brasil, inaugurado em 27 de janeiro de 1937, situada nas dunas que atualmente estão na área do quartel do 17° GAC. Servia para a orientação de aeronaves que cruzavam o Oceano Atlântico em direção a Natal através de ondas de rádio e possuía duas torres de transmissão com cerca de 60 metros de altura. Tratamos neste livro sobre esse local. Já a ideia dessa pista de pouso aparentemente seria uma estrutura que teria sua cabeceira na região do Iate Clube de Natal, percorreria a área onde atualmente se encontram os tanques de combustível da Petrobras e parte do bairro das Rocas, finalizando próximo à beira mar. Na época, essa era uma área com poucas habitações e essa pista de pouso poderia ter uma extensão alcançaria entre 800 a 1.200 metros.

[4] Juvenal Lamartine se referiu ao piloto Jean Mermoz (1901 – 1936), verdadeiro mito da aviação francesa, que com seu forte espírito desbravador realizou, em 12 de maio de 1930, a primeira viagem transatlântica de correio aéreo sem escalas. Partiu de Saint-Louis (atual Senegal) a bordo de um hidroavião Laté 28 com mais dois companheiros e chegou a Natal depois de 21 horas de voo, percorrendo uma distância superior a 3.000 km. Seis anos após esse feito, após partirem de Natal, Jean Mermoz e sua tripulação desapareceram no Atlântico, durante a sua 25.ª travessia do Atlântico Sul, a bordo de um hidroavião Laté 300.

[5] Ver o jornal A República, Natal/RN, edições de sábado, 4 de fevereiro de 1939, pág. 4 e 11 de fevereiro de 1939, pág. 3.

A ESQUECIDA CANTINA DO COMBATENTE EM NATAL

Durante a Segunda Guerra Mundial Existiu na Capital Potiguar um Local que Muito Ajudou os Militares Brasileiros que aqui estavam. Completamente esquecido nos dias atuais, era conhecido como Cantina do Combatente e Foi um dos Poucos Locais Criados para Atender e Apoiar as Necessidades Dessas Pessoas. Um Futuro Governador Potiguar se Destacou no Seu Desenvolvimento.

Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN

O jovem Getúlio Vargas e sua esposa Darcy em 1911.

A partir de janeiro de 1928, quando Getúlio Dorneles Vargas se tornou governador do Rio Grande do Sul, sua mulher Darcy Sarmanho Vargas acompanhava sua carreira política de forma mais reservada. Mas a partir desse ano essa gaúcha da cidade de São Borja assumiu funções que estavam muito além das de ser a esposa e a genitora de cinco filhos. Ela começou a participar ativamente de atividades assistencialistas do governo do seu marido.

Dois anos depois, ainda em terras gaúchas, a primeira-dama criou a Legião da Caridade, entidade fundada para apoiar com mantimentos e remédios às famílias dos riograndenses do sul que participaram da Revolução de 1930, episódio político que levou seu marido a permanecer no cargo máximo do poder executivo brasileiro até o ano de 1945[1].

Dona Darcy Vargas – Fonte – http://2.bp.blogspot.com/

Após se mudar para o Rio de Janeiro, Darcy Vargas realizou visitas a hospitais e asilos e montou com a estrutura do governo uma casa de costura para ajudar doentes da Santa Casa de Misericórdia[2]. Em 1936 a primeira-dama brasileira fundou oficialmente o Abrigo Cristo Redentor, onde realizou trabalhos de apoio aos mendigos e menores abandonados. Em 1940 ela fundou a Casa do Pequeno Jornaleiro, onde buscou oferecer aos menores de rua abrigo e alimentação, dando-lhes ocupação com aulas e cursos profissionalizantes, além de emprego[3]. Foi na Casa do Pequeno Jornaleiro que Darcy Vargas organizou pela primeira vez o chamado Natal das Crianças, também conhecido como Natal do Pobres, onde era realizado uma grande festividade natalina marcada pela distribuição de brindes e oferta de diversão ao público. Consta que esse evento foi tomando grandes proporções, tendo em 1944 beneficiado 25 mil menores[4].

Sabemos que Darcy Vargas foi uma das incentivadoras para a criação oficial da Legião Brasileira de Assistência – LBA, como um órgão assistencial público e de abrangência nacional. Depois de todos os trâmites burocráticos e contando com o apoio de federações e associações comerciais e industriais brasileiras, a instalação da LBA se deu em 2 de outubro de 1942.

Como nessa época o Brasil se encontrava em guerra contra a Alemanha e a Itália, um dos principais focos da LBA foi ajudar os militares brasileiros que atuavam na defesa do país, bem como de suas famílias.

Ao longo dos anos Darcy Vargas e a direção da LBA realizaram várias campanhas beneficentes como a Campanha da Madrinha dos Combatentes, ou as Hortas da Vitória, para incentivar a produção de alimentos pela população. Organizou também as Legionárias da Costura, que fabricavam materiais médico-hospitalares e roupas para serem doadas aos soldados. Na sequência instituiu a Cantina do Combatente, lugar de apoio e lazer para os soldados, cuja primeira unidade foi inaugurada no Rio de Janeiro em 20 de novembro.

E Natal foi uma das cidades contempladas com a criação de uma Cantina do Combatente.

O Início

Nos primeiros dias do mês de dezembro de 1942 desembarcou na Base de Parnamirim a Sra. Rosa de Mendonça Lima, uma das diretoras da LBA e esposa do general João de Mendonça Lima, então Ministro da Viação e Obras Públicas. Ela estava viajando pelo Nordeste para inaugurar as sedes da Cantina do Combatente em Salvador, Recife e Natal[5].

Getúlio Vargas, ao centro o general João de Mendonça Lima, então Ministro da Viação e Obras Públicas, e sua esposa Rosa de Mendonça Lima – Foto Arquivo Nacional.

Segundo o jornal natalense A Ordem, assim foi apresentada a Cantina do Combatente – “Instituição que visa o prolongamento do lar. Aí, os soldados brasileiros terão um ponto de diversão e assistência. Na cantina os militares terão cigarros, bebidas (não alcoólicas), leite, sanduiches e divertimentos, como livros, cinema, teatro, etc., tudo isso gratuitamente”. Uma ação muito apreciada pelos militares brasileiros era a existência de materiais para escrever e enviar cartas e o selo também era gratuito[6]. Percebe-se nitidamente o caráter assistencialista que a LBA colocava nessa ideia.

Depois de ser entrevistada na Rádio Educadora de Natal no programa “Fé e Civismo” e ser recebida pelo Interventor Federal Interino Aldo Fernandes Raposo de Melo, a Sra. Rosa de Mendonça Lima participou da inauguração[7].

Essa foi a única imagem que consegui da Cantina do Combatente em Natal.

A festa aconteceu no final da tarde de sábado, 5 de dezembro de 1942, e a sede da Cantina ficava localizada na Rua Jundiaí, no bairro de Petrópolis. Busquei com pessoas que viveram naquela época detalhes dessa localização, mas não consegui uma informação concreta. Para alguns, esse local era na esquina da Rua Jundiaí com a Avenida Hermes da Fonseca. Para outros seria em uma grande casa, atualmente derrubada, onde se localiza a Fundação José Augusto.

Aluízio Alves no início de carreira públiva.

Quem comandou o evento foi o jovem bacharel em direito Aluízio Alves, então Secretário Geral da Comissão Estadual da Legião Brasileira de Assistência, que discursou e participou de descerramento de placa e da “inauguração” do retrato de Getúlio Vargas. Após a cerimônia oficial os muitos soldados, marinheiros e fuzileiros navais presentes aproveitaram para jogar sinuca, ping-pong, consumir o que havia no bar, jantar no restaurante e, para os que sabiam ler, aproveitar os livros e revistas da biblioteca, que em breve receberia mais de 90 volumes da conceituada Livraria Ismael Pereira[8].

Para animar a soldadesca e os convidados civis, apresentou-se um conjunto musical do 2º Grupo Móvel de Artilharia de Costa (2º GCMA) e as bandas da Polícia Militar e da Associação de Escoteiros.

Um dado interessante e que bem mostra o espírito existente na época devido a guerra em Natal foi que 25 senhoritas “das mais proeminentes famílias da sociedade natalense”, ficaram servindo bebidas e comidas para os jovens militares. Não fosse as circunstâncias do momento, acredito que dificilmente essas meninas de pele clara dariam a mínima atenção a esses rapazes, a maioria deles morenos e vindos do interior.

O primeiro grande evento da Cantina do Combatente foi realizado dias depois, em 13 de dezembro, na comemoração do Dia do Marinheiro. Houve uma palestra proferida por Elói de Souza e a animação foi realizada pelo “grupo de Jazz” da banda da Polícia Militar[9].

Festa de Natal da cantina do Combatente de Recife, Pernambuco. Esse clube ficava no Parque 13 de maio.

Americano Não Entra?

Não consta em nenhuma das fontes pesquisadas que nas solenidades realizadas em dezembro de 1942 estivessem presentes os militares estrangeiros que serviam em Natal.

Observando os jornais da época disponíveis, percebemos que foram poucas as ocasiões que os gringos se fizeram presentes na Cantina do Combatente. Vale recordar que o primeiro de dois clubes recreativos que os militares norte-americanos montaram em Natal só seria inaugurado três meses depois da Cantina dos militares brasileiros.

Ceremônia em Parnamirim Field – https://catracalivre.com.br

Durante a Segunda Guerra Mundial, quando um soldado norte-americano, recebia de seus superiores uma pausa necessária durante a luta, muitas vezes o seu destino eram as unidades recreativas do United Service Organization, popularmente conhecida em todo mundo como U.S.O. Essa organização foi criada em 4 de fevereiro de 1941, sendo financiada e apoiada pelo governo americano e sua missão básica era proporcionar lazer aos membros das forças armadas norte-americanas em qualquer lugar onde estivessem. Tal como a Cantina do Combatente em Natal, os clubes recreativos U.S.O. forneciam um ambiente para dançar, exibição de filmes e entretenimento ao vivo. Mas também serviam como um lugar tranquilo para conversar, escrever cartas e encontros, além de conselhos religiosos com os capelães lotados nas suas unidades militares[10].

Casa onde funcionou o U.S.O. do bairro Petrópolis, em Natal.

Os clubes U.S.O. receberam estrelas dos mais diversos níveis de importância da indústria do entretenimento dos Estados Unidos. Desde simples mágicos que antes da Guerra se apresentavam em pequenas casas de espetáculos, a estrelas hollywoodianas. Figuras como Katharine Hepburn, Groucho Marx, Bette Davis, Marlene Dietrich, Bob Hope e muitos outros fizeram parte das trupes dessa organização.

Um dos clubes U.S.O. em Natal ficava no bairro de Petrópolis, na Avenida Getúlio Vargas, 796, sendo chamado pelos estrangeiros como “U.S.O. Beach” e foi inaugurado em 1º de março de 1943[11]. O segundo ficava localizado no bairro da Ribeira, na Praça Augusto Severo, 252, sendo conhecido como “U.S.O. Town Club” e foi inaugurado em 14 de setembro de 1943[12]. Em Natal a entidade responsável por esses locais era denominada U.S.O. Overseas Department in Natal.

Salão principal e palco do Clube U.S.O. da Ribeira.

Existem, em jornais natalenses, informações de festas realizadas nesses ambientes, que contaram com a presença de autoridades brasileiras e norte-americanas. No jornal A Ordem, edição de 15 de abril de 1944, na 1ª página, temos informações de como foram as festividades em comemoração ao dia “Pan-Americano” no U.S.O. da Ribeira. Uma data bem oportuna e característica daquela época, em que se buscava a união entre os povos do Brasil e dos Estados Unidos. Nesse evento esteve presente o General Fernandes Dantas, natural de Caicó, que nessa época era o interventor no Rio Grande do Norte nomeado por Getúlio Vargas.

Segundo o norte-americano William L. Highsmith, que serviu em Natal entre abril de 1943 e agosto de 1945, era normal na sede do U.S.O. de Petrópolis existir redes de dormir armadas em um alpendre e ele algumas vezes descansava nesse local após o turno da noite anterior na Base de Parnamirim[13].

Nesse local, na Ribeira, funcionou durante a Segunda Guerra Mundial o Clube U.S.O. dos americanos na área mais central de Natal.

Uma Verdadeira Dádiva!

Enquanto Natal e o Brasil repercutiam o encontro dos presidentes Franklin Delano Roosevelt e Getúlio Vargas a bordo do USS Humboldt, um navio tênder de hidroaviões da Marinha dos Estados Unidos que estava ancorado no Rio Potengi, a Cantina do Combatente de Natal seguia normalmente com as suas atividades. O local recebia diariamente uma média de 400 militares brasileiros e todos os dias eram enviadas cerca de 200 cartas para a sede dos Correios e Telégrafos na Ribeira. Estas seriam remetidas ao custo mensal de 5.000 cruzeiros[14].

Mas seria possível que esse local recebesse essa quantidade de frequentadores e fosse gerado esse volume de correspondências?

Muito se comenta sobre o número de norte-americanos ligados a aviação e a marinha que estiveram atuando em Natal. Muitas vezes os números apresentados sobre a quantidade desses estrangeiros na capital potiguar muitas vezes são bem inflados. Mas no meu entendimento, mesmo sem ter maiores dados, o maior contingente de militares em Natal era de brasileiros. Essa dedução surge de forma simples, quando listamos as unidades militares dos três ramos das nossas Forças Armadas que aqui estiveram.

Soldados do Exército Brasileiro em Natal – Foto Hart Preston, LIFE.

Vejam o exemplo do nosso Exército – Natal foi sede do Comando da 14º Divisão de Infantaria (14º DI)[15], do 16º Regimento de Infantaria (16º RI), da 1ª Companhia do 1º Batalhão de Engenharia (1ª/1º BE)[16], do 4º Grupo de Artilharia de Dorso (4º GADô), do I Grupo do 3º Regimento de Artilharia Antiaérea (I/3ºRAAAé), do 2º Batalhão de Carros de Combate (2º BCC)[17], do 2º Grupo Móvel de Artilharia de Costa (2º GMAC), da 14ª Companhia Independente de Transmissões, do Hospital Militar de Natal (HMN), do 24º Circunscrição de Recrutamento (24ª CR), além de outras organizações menores, ou que passaram pouco tempo na capital potiguar.

A Marinha tinha a moderna e imensa Base Naval de Natal, com seus diversos departamentos, onde circulavam centenas de marinheiros. Havia ainda a Estação Rádio na Limpa (atualmente na área do 17º GAC), a 3ª Companhia Regional de Fuzileiros Navais, a Capitania dos Portos e as tripulações de diversos navios brasileiros que utilizavam o Rio Potengi como atracadouro de forma permanente, ou temporária.

Militares americanos e brasileiros da FAB no portão da guarda da base de Parnamirim Field.

Já a Força Aérea Brasileira – FAB, mesmo tendo sido criada no primeiro semestre de 1941, estava fortemente presente em Natal, tendo sido criado em 1942 a Base Aérea de Natal e atuando na mesma área que os americanos chamavam de Parnamirim Field. Em março de 1943 a FAB tinha então cinco esquadrilhas aéreas, que formavam dois Grupos de Aviação. Havia uma Companhia de Infantaria de Guarda composta de cinco pelotões, além de toda uma enorme estrutura de apoio para que essas unidades militares cumprissem corretamente suas inúmeras missões em tempo de guerra[18].  

Comentamos anteriormente que muitos dos militares que serviram em Natal eram provenientes do interior potiguar, mas havia uma parcela substancial que vieram de outros estados brasileiros. Um exemplo claro – Quando foi criado o 16 RI, pelo Decreto Lei 3.344, de 6 de junho de 1941, sua guarnição foi formada por elementos do 29º Batalhão de Caçadores (29º BC), de Natal, complementada por elementos do 11º Batalhão de Caçadores (11º BC), da cidade do Rio de Janeiro, e da 1ª Companhia do 12º Batalhão de Caçadores (1ª/12º BC), de Jacutinga, Minas Gerais[19].

E foi para essa massa de homens fardados vindas de várias partes do país, ou do sertão potiguar, que a Cantina do Combatente serviu perfeitamente. Para um contingente de pessoas cujo salário era bastante limitado, ter um ambiente onde eles podiam se alimentar, escutar uma boa música, ler algo de bom e pegar cigarros, sendo tudo isso de graça, era uma verdadeira dádiva!

Além de ser um ótimo ponto de apoio e de encontros uma situação positiva, destinada a apoiar os militares que não sabiam ler e nem escrever, era que na Cantina do Combatente sempre era possível encontrar alguém que voluntariamente escrevesse uma carta para seus familiares em locais distantes.

Um Aparente Encerramento

Uma das festas que foi marcante na história daquele local foram as comemorações pelo Dia do Soldado de 1943. Muitas autoridades presentes, muita gente circulando e foi realizado o “Show do Combatente”. No palco se apresentaram a banda do 16º RI, da Polícia Militar, além dos “conjuntos regionais” do 2º BCC e do 2º GMAC e a orquestra do Air Transport Command (ATC), da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (United States Army Air Force – USAAF). Dividindo o palco com esses grupos musicais se apresentaram atrações locais da Rádio Educadora de Natal, que transmitiu ao vivo todo o evento[20].

Em novembro de 1943, Aluízio Alves entregou o cargo de Secretário da LBA no Rio Grande do Norte a Sra. Maria de Lourdes Dantas Matos e apresentou um relatório de sua gestão.

No tocante a Cantina do Combatente foi informado que entre dezembro de 1942 e setembro de 1943 o local forneceu mais de 52.000 refeições, expediu quase 3.500 cartas, entregou para os militares cerca de 17.500 maços de cigarros e atendeu de diversas formas 374 famílias de combatentes das três armas. Aluízio foi convidado por Dona Darcy Vargas a ir ao Rio de Janeiro, onde recebeu vários elogios da Primeira-dama pelo seu trabalho e conheceu a Cantina do Combatente na cidade carioca.

Outro evento em 1943 que foi bastante movimentado foi a comemoração do “Natal dos Combatentes”, na noite de 22 de dezembro.

Em janeiro de 1944 a Sra. Maria de Lourdes Dantas Matos anunciou que a Cantina do Combatente de Natal passaria por reformas. Mas dessa época em diante ela deixa de ser notícia nos jornais de Natal A Ordem e A República. Não encontrei nenhuma referência de sua reabertura, ou quaisquer outras notícias sobre um provável encerramento das atividades do local.

Provavelmente, como é normal em relação ao período da Segunda Guerra Mundial em Natal, a partir de 1944 a estratégica posição geográfica da capital potiguar e a atuação dos submarinos inimigos na área do Atlântico Sul já não tinha a mesma relevância e importância para os militares norte-americanos. Para os brasileiros, 1944 foi um ano onde toda atenção se voltou para o desenvolvimento da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e sua partida para o front italiano. Com isso algumas unidades militares, principalmente do Exército, foram deslocadas de Natal para outras localidades brasileiras e é provável que o movimento na Cantina do Combatente de Natal tenha diminuído bastante.

Mas esse local prestou relevante serviços ao esforço de guerra em Natal e certamente para um potiguar da cidade sertaneja de Angicos, a Cantina do Combatente foi um momento de grande aprendizado e de muita atividade administrativa na área pública. Tendo sido, juntamente com outras ações realizadas por Aluízio Alves à frente da LBA, algo que, de uma forma ou de outra, ajudou a melhor prepará-lo para assumir o cargo de governador potiguar vinte anos depois.

NOTAS


[1] Ver O combatente vespertino: A campanha de mobilização civil no jornal A Noite durante a Segunda Guerra Mundial (1942) de Vandré Aparecido Teotônio da Silva, Doutor em História Social Universidade de São Paulo. In https://www.snh2019.anpuh.org/resources/anais/8/1563823276_ARQUIVO_Ocombatentevespertino_VandreAparecidoTeotoniodaSilva.pdf. Visualizado em 19/10/2020.

[2] As outras faces dos presidentes: Darcy Vargas e Evita Perón, de Marina Maria de Lira Rocha Mestre em História pela Universidade Federal Fluminense. In http://wpro.rio.rj.gov.br/revistaagcrj/wp-content/uploads/2016/11/e06_a7.pdf

[3] Ver Educação e produção de moda na Segunda Guerra Mundial: as voluntárias da Legião Brasileira de Assistência, de Ivana Guilherme Simili, Doutora em História, professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá/UEM.

 in https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332008000200019 . Visualizado em 20/10/2020.

[4] Ver Darcy Vargas, Sarah Kubitschek e Maria Thereza Goulart: Instituição, perpetuação e reapropriação do primeirodamismo brasileiro, de Dayanny Deyse Leite Rodrigues, Doutoranda em História (Universidade Federal de Goiás), in https://www.snh2019.anpuh.org/resources/anais/8/1565199356_ARQUIVO_TrabalhoCompletoAnpuh2019.pdf,visualizado. Visualizado em 22/10/2020.

[5] Ver jornal A Noite, Rio de Janeiro-RJ, ed. 21/11/1942, pág. 1.

[6] Ver jornal A Ordem, Natal-RN, ed. 03/12/1942, pág. 1.

[7] O Interventor Federal Rafael Fernandes Gurjão se encontrava no interior do Rio Grande do Norte.

[8] Ver jornal A Ordem, Natal-RN, edições de 05/12/1942, pág. 1 e 22/05/1943, pág. 4.

[9] Ver jornal A República, Natal-RN, ed. 06/12/1942, pág. 1.

[10] Em 1940, por sugestão do General George C. Marshall e com a aprovação do presidente Franklin Roosevelt, mais de um milhão de voluntários administraram mais de 3.000 clubes recreativos, que foram estabelecidos onde podiam encontrar algum espaço. Esses clubes foram alojados em igrejas, museus, celeiros, vagões de trem, lojas e outros locais improváveis.

[11] Lenine Pinto. Natal, USA. 2. Ed – Natal-RN: Edição do autor, 1995. Páginas 27 a 48.

[12] Clyde Smith Junior – Trampolim Para a Vitória. 2. Ed. – Natal-RN: Ed. Universitária, 1999, Páginas 98.

[13] Clyde Smith Junior – Trampolim Para a Vitória. 2. Ed. – Natal-RN: Ed. Universitária, 1999, Páginas 32.

[14] Ver jornal A Ordem, Natal-RN, edições de 29/01/1943, pág. 1 e de 14/05/1943, págs. 1 e 2.

[15] A 14ª Divisão de Infantaria (14º DI ) foi criada pelo Decreto Reservado nº 4.700-A, de 17 de setembro de 1942, sendo anteriormente conhecida como 2ª Brigada de Infantaria. Depois a 14º DI se transformou na Infantaria Divisionária da 14ª Divisão de Infantaria (Inf Div/14ª DI), pelo Decreto nº 6.177 e 6.180, de 06 de janeiro e Aviso Reservado nº 19-9, de 14 de janeiro de 1944.

[16] Em dezembro de 1942 o 1º Batalhão de Engenharia (1ª/1º BE) se transformou no 1º/7ª Batalhão de Engenharia (1ª/7º BE).

[17] Essa unidade blindada foi criada no Rio de Janeiro, através do Decreto nº 5.003, de 27 de novembro de 1942 e transferida para Natal.

[18] Ver História da Base Aérea de Natal, de Fernando Hoppólyto da Costa. Natal-RN, Ed. Universitária, 1980, págs. 92 e 93.

[19] Ver O Nordeste na II Guerra Mundial – Antecedentes e Ocupação, de Paulo Q. Duarte. Rio de Janeiro-RJ, BIBLIEX, 1971, págs. 184 a 186.

[20] Ver jornal A República, Natal-RN, ed. 26/08/1943, pág. 8.

PARA NUNCA SER ESQUECIDO – AUSCHWITZ: IMAGENS DE ONTEM E DE HOJE

Entrada de Auschwtitz – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Auschwitz_concentration_camp

Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

Dedico esse texto ao meu amigo Gilad Salomon, cujos antepassados fugiram da Europa antes da Shoah e buscaram em uma pequena capital do Nordeste do Brasil, cujo nome evoca uma das principais festas da cristandade, algo imprescindível para seguir adiante na aventura da vida – Paz.

Tenho orgulho de fazer parte dessa comunidade que tão bem os acolheu.

Entrada ferroviária de Auschwitz – Fonte – en.auschwitz.org

Um dos pilares fundamentais do nazismo na Alemanha foram seus campos de concentração e a aniquilação física dos seus inimigos políticos ou raciais. Eram espaços onde as pessoas ficaram detidas ou confinadas, geralmente em condições de vida adversas e sem respeito algum pelos seus direitos ou pelas normas legais básicas de detenção ou encarceramento, onde eram mortos sem nenhuma defesa legal.

Os primeiros campos de concentração na Alemanha (Konzentrationslager; KL ou KZ) foram criados após a chegada de Adolf Hitler ao poder em 1933. Nesses primeiros centros foram mantidos presos aqueles considerados inimigos políticos do regime, principalmente membros do Partido Socialista e do Partido Comunista Alemão.

Desfile em carro aberto de Adolf Hitler – Fonte – BBC

Sua organização era dirigida pela SA (grupo paramilitar do partido nazista) e pela polícia. Aos poucos, os nazistas dissolveram a maioria dos primeiros campos e os substituiram por grandes campos de concentração centralizados e campos de trabalho sob a jurisdição exclusiva da SS comandados por Heinrich Himmler, um dos principais líderes da Alemanha de Hitler. A SS, ou Schutzstaffel  (Esquadrões de defesa), foi a guarda de elite do estado nazista. Uma organização militar do Terceiro Reich com funções políticas, policiais e de segurança, que também desempenharam o trabalho prisional por meio da administração e vigilância dos campos de concentração.

Em 1939 existiam seis campos principais: Dachau, o único existente desde 1933 e um modelo para os demais, Sachsenhausen (1936), Buchenwald (1937), Flossenbürg (1938), Mauthansen (1938) e Ravensbrück (1939).

Himmler inspeciona um campo de prisioneiros de guerra na Rússia, por volta de 1941 – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Heinrich_Himmler

Com o início da Segunda Guerra Mundial em setembro de 1939, as conquistas territoriais nazistas fizeram surgir novos problemas, como a necessidade de encarcerar grupos de inimigos infinitamente mais numerosos. O sistema de campos de concentração rapidamente se espalhou pelo Leste Europeu e adquiriu dimensões dantescas com o surgimento dos campos de extermínio.

Em julho de 1941, Heinrich Himmler confiou a Reinhard Heydrich, um dos principais chefes da SS, a elaboração de um plano para a “Solução final da questão judaica”, que consistia basicamente na criação de métodos para a aniquilação biológica dos judeus.

Reinhard Heydrich – Fonte – https://br.pinterest.com/pin/780319072907723525/

Em 20 de janeiro de 1942 celebra-se em um subúrbio de Berlin a Conferência Wannsee.  Os participantes incluíram representantes de vários ministérios do governo, além de outros representantes da SS. No decorrer da reunião, Heydrich descreveu de forma clara e sistemática como os judeus europeus seriam presos e enviados para os campos de extermínio para serem mortos. A partir desse momento nomes como Auschwitz, Chelmno, Belzec, Sobibor, Treblinka, Majdanek e outros se tornariam conhecidos naquilo que hoje denominamos de Holocausto.

Local onde se realizou a conferência de Wannsee – Fonte – https://www.coisasjudaicas.com/2013/08/a-conferencia-de-wannsee.html

Nesses locais o objetivo não era apenas maltratar ou aniquilar inimigos lentamente com trabalhos forçados, mas simplesmente exterminar o maior número de pessoas e no menor tempo possível.

Os alemães começaram aplicando técnicas de extermínio antes utilizadas em menor escala, tais como a asfixia em caminhões especiais com os gases causados ​​pela combustão do motor. Mas para exterminar seres humanos em escala industrial, esse método era ineficiente e os nazistas acabaram desenvolvendo um sistema organizado que utilizava o gás Zyklon B como meio de alcançar seus objetivos. Essa era a marca registrada de um pesticida a base de ácido cianídrico, cloro e nitrogênio. Seu nome derivava dos substantivos alemães dos ingredientes principais e a letra B existia para apontar uma de suas diferentes concentrações. Este composto foi escolhido por proporcionar, com eficiência, uma morte rápida em câmaras de gás que comportavam centenas de pessoas, cujos restos depois foram destruídos nos chamados fornos crematórios.

Rótulos de Zyklon usados ​​como evidência nos julgamentos de Nuremberg ; o primeiro e o terceiro painéis contêm informações do fabricante e o nome da marca, o painel central diz “Gás venenoso! Preparação de cianeto para ser aberto e usado apenas por pessoal treinado” – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Zyklon_B

Nos campos de extermínio mais de seis milhões de pessoas foram mortas, a maioria deles judeus vindos da Europa Oriental. Mas centenas de milhares de prisioneiros russos, ciganos, prisioneiros políticos, homossexuais, Testemunhas de Jeová e outros considerados indesejáveis pelo Partido Nazista pereceram nesses locais.

O COMPLEXO AUSCHWITZ

De todos os campos de extermínio destaca-se Auschwitz, onde mais de um milhão e meio de pessoas foram assassinadas entre 1941 e 1944. Foi o maior complexo de campos de concentração criado pela Alemanha Nazista. Ficava localizado no sul da Polônia, em uma localidade a cerca de a 50 quilômetros da cidade de Cracóvia, perto da comunidade de Oswiecim, não muito distante da fronteira com a Alemanha, no território polonês anexado pelo Terceiro Reich.

Mapa do Holocausto na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, 1939–1945, com destaque em vermelho para Auschwitz – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Auschwitz_concentration_camp#/media/File:AerialAuschwitz1944.jpg

Auschwitz era realmente um complexo composto de três campos principais.

Auschwitz I foi o campo de concentração original e serviu como centro administrativo de todo o complexo. Nesse campo morreram prisioneiros políticos poloneses, prisioneiros de guerra soviéticos e sua construção começou em maio de 1940. No hospital de Auschwitz I, médicos da SS realizaram experimentos em crianças, gêmeos, anões, esterilizações forçadas, castrações e experiências de hipotermia em adultos. O mais conhecido médico a participar desses experimentos foi o capitão Josef Mengele.

Auschwitz II (Birkenau) foi um campo de extermínio que nasceu em outubro de 1941 e onde a maioria das pessoas que ali colocaram os pés naquela época foi assassinada. A primeira câmara de gás temporária tornou-se operacional em janeiro de 1942 e no final do ano seguinte já havia quatro estruturas de aniquilação, incluindo uma sala de decapagem, uma câmara de gás e um crematório.

Auschwitz I, 4 de abril de 1944 – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Auschwitz_concentration_camp#/media/File:AerialAuschwitz1944.jpg

Os recém-chegados a Auschwtitz-Birkenau tiveram que passar por um processo de triagem para determinar se estavam aptos aos trabalhos forçados ou se eram imediatamente enviados as câmaras de gás, que foram disfarçadas de chuveiros para enganar as vítimas. A maioria dos prisioneiros era imediatamente morta. Os objetos pessoais das vítimas foram confiscados e classificados na seção conhecida como Kanada para serem enviados à Alemanha. Para os prisioneiros, o Kanada representava riqueza. Ali os casos de corrupção na SS eram frequentes e muitos desses objetos pessoais foram roubados pelos guardas.

Heinrich Himmler (segunda à esquerda) visita a fábrica da IG Farben em Auschwitz III, em julho de 1942 – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Auschwitz_concentration_camp

Auschwitz III (Monowitz) foi um campo de trabalhos forçados da empresa IG Farben, uma empresa química alemã. Periodicamente a SS verificava o estado de saúde dos trabalhadores escravos e os mais fracos eram encaminhados para as câmaras de gás.

O complexo de Auschwitz foi primeiramente liderado pelo tenente-coronel da SS Rudolf Höss até novembro de 1943, quando foi substituído pelo capitão Josef Kramer. A partir do final de 1943 o complexo de extermínio ficou sob o comando do tenente-coronel Arthur Liebehenschel. Todos três comandantes de Auschwitz morreram na forca entre 1945 e 1948.

A CHEGADA

O portão de Auschwitz II , também conhecido como Auschwitz II-Birkenau, um campo de extermínio alemão nazista na Polônia ocupada durante o Holocausto – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Auschwitz_concentration_camp

“Mil e quinhentas pessoas viajaram de trem por vários dias e suas noites correspondentes. Cada vagão estava lotado com 80 pessoas deitadas em cima de suas bagagens (…) Todos acreditávamos e esperávamos que nosso destino fosse uma fábrica de munições onde, simplesmente, eles nos obrigavam aos trabalhos forçados (…) De repente, um grito angustiado escapou da garganta dos passageiros: Há uma placa que diz Auschwitz!” (Livro – A busca do homem por sentido, de Viktor Frankl).

Ao longo dos anos, centenas de trens chegaram a Auschwitz carregados de judeus e indesejados de toda a Europa, especialmente poloneses e húngaros, mas também franceses, holandeses, gregos, tcheco-eslovacos e de outros países.

Recém-chegados, Auschwitz II-Birkenau, maio / junho de 1944 – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Auschwitz_concentration_camp

Os deportados não sabiam do seu destino e que a morte os esperava, acreditavam que iam para um local onde iriam realizar trabalhos de vários tipos. A transferência massiva foi realizada em trens que puxavam vagões de gado, onde centenas de seres humanos se aglomeraram quase sem aberturas para o exterior e sem acesso a água ou comida durante todo o trajeto. Muitos morreram, especialmente se a viagem fosse longa, pois seguiram os trechos de pé e sem local para se aliviar de suas necessidades fisiológicas. Os trens chegavam lotados e sempre voltavam vazios, o que logo chamou a atenção de quase todos, principalmente dos moradores das cidades vizinhas.

Ao chegar a Auschwitz os prisioneiros saíam dos vagões e eram forçados pelos guardas SS a formarem enormes filas, em meio a intimidações, pancadas e latidos de cães enfurecidos. Em seguida tiveram que abandonar suas bagagens, que foram recolhidas e levadas ao bloco Kanada, onde seriam saqueados de todos os tipos de valores.

maio / junho de 1944, com o portão em segundo plano. “Seleção” de judeus húngaros para o trabalho ou a câmara de gás – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Auschwitz_concentration_camp

Posteriormente as colunas de homens e mulheres (separadamente) eram submetidas a uma seleção, onde os nazistas determinavam aqueles que não estavam aptos para o trabalho (fracos, doentes, crianças pequenas, mulheres com filhos, idosos e deficientes), que seriam eliminados rapidamente nas câmaras de gás. Os adultos considerados aptos para os trabalhos forçados tinham um número tatuado no antebraço e ficavam assim registrados. Em seguida eles eram desinfetados, barbeados e submetidos a chuveiros frios. Depois recebiam um uniforme de prisioneiro com as clássicas listras azuis, embora os prisioneiros russos pudessem usar seus uniformes, como forma de economizar dinheiro.

Uniforme de Auschwitz – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Auschwitz_concentration_camp

Os prisioneiros então passavam para um bloco especial de quarentena, onde esperavam semanas por seu destino final, ou algum trabalho no campo. O tratamento era brutal e alguns eram torturados ou espancados por prazer. Aqueles que não tinham uma função não demoravam muito em Auschwitz.

“Mandavam-nos deixar os nossos pertences e formar fileiras, uns de homens e outras de mulheres (…)  A fileira dos homens era comandada por um oficial imaculadamente uniformizado e que apontava com um dedo para que direção certos presos deviam tomar. Um amigo me disse para ficar de pé e parecer saudável, porque a fila da direita era fatal (…) o policial com o dedo brincalhão me apontava para o corredor da esquerda, enquanto para o meu amigo foi apontado o da direita ( …) Depois de um tempo perguntei a um conhecido do dormitório o que havia acontecido com meu amigo, ele me perguntou se o tinham feito descer o corredor da direita, ao que afirmei, meu companheiro olhou por uma janela estreita e apontou para uma chaminé distante de onde saía uma fumaça enegrecida, seu amigo já está no céu (…) demorei a perceber que meu amigo era um dos milhares de infelizes que morreram assim que desceram do trem (…)” (Livro – A busca do homem por sentido, de Viktor Frankl).

Viktor Emil Frankl (1905 – 1997) é reconhecido como um dos maiores psiquiatras da história, criador de um método terapêutico baseado na busca pelo sentido da vida – Fonte – https://www.ebiografia.com/biografia_viktor_frankl_criador_logoterapia/

VIDA NO CAMPO: REPRESSÃO E MORTE

A seleção dos prisioneiros após a chegada a Auschwitz não decide realmente entre a vida e a morte, mas apenas quando o prisioneiro vai morrer.

Dias difíceis de trabalho e de deploráveis ​​condições de vida aguardam os escolhidos, que os levariam mais cedo ou mais tarde à exaustão física. Isso é o que as SS chamavam de “extermínio por trabalho”. Eles trabalharam em indústrias próximas como mão de obra escrava, alugados ou vendidos a empresas em troca de dinheiro (IG Farben, Metall Union, Siemens), ou na construção e reparo de infraestrutura (edifícios, estradas, etc.).

Os prisioneiros foram amontoados em barracões de madeira com pouca ventilação e luz. Seu número por cada um desses ambientes dependia do número total de prisioneiros no campo.

Mulheres em Auschwitz II, maio de 1944 – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Auschwitz_concentration_camp

Em Auschwitz I os presos ficavam em blocos de tijolos, em Auschwitz II havia casernas de tijolo e madeira, com um quarto para os Kapos (prisioneiros judeus que trabalhavam como guardas em troca de benefícios). Quando havia muitos presos, em cada área de beliches se espremiam para dormir 45 pessoas em vez de 15. Algumas vezes as camas eram cobertas com palha, outras com sacos cheios de palha ou aparas. Havia alguns cobertores sujos e puídos. Não havia instalações sanitárias. Eles se aliviavam em latrinas primitivas e desprotegidas, saturadas e fedorentas e, em meio à sujeira e aos cheiros terríveis os ratos vagavam livremente. A umidade e o frio prejudicavam a saúde. Raramente podiam tomar banho: quando podiam, eram empurrados nus para os banhos frios.

Às 4 da manhã os Kapos os acordavam com o som de seus apitos. Os prisioneiros então tomariam um café ou chá. Depois de alinhados uma contagem era feita e na sequência seguiam para o trabalho que durava exaustivas 11 horas. Em um breve intervalo os detidos comiam um pouco de batata, ou sopa de casca de batata. A comida era muito escassa e, para obtê-la, era preciso enfrentar longas e extenuantes filas. Devido à sua escassez, os últimos frequentemente ficavam sem comida. Quando voltavam o número de prisioneiros era revisado. Se por qualquer razão houvesse alguma falta, as filas eram prolongadas por várias horas como punição. À noite comiam pão com linguiça, ou manteiga, e às 9 horas era proibido sair dos seus barracões sob pena de morte.

Mulheres e crianças judias da Hungria caminhando em direção à câmara de gás, Auschwitz II, maio / junho de 1944 – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Auschwitz_concentration_camp

As catastróficas condições higiênicas, nutricionais e o excesso de trabalho permitiram a propagação de doenças que causaram enorme mortalidade, tornando-se mais uma forma de extermínio. As doenças mais comuns foram tifo, disenteria, malária, tuberculose, debilidade geral por exaustão, anemia e infecções causadas pelo trabalho e não tratadas. Os médicos selecionavam periodicamente enfermeiras para a câmara de gás, para dar lugar a uma nova prisioneira mais apta.

Em uma hierarquia entre os detidos, aqueles que ocupavam os postos mais baixos eram os judeus.

Assassinatos públicos eram realizados para manter os prisioneiros controlados. Eram utilizados fuzilamentos, enforcamentos, ou chicotadas até a morte com os detentos amarrados com as mãos por trás e pendurados em vigas, postes e árvores.

Uma das fotografias do Sonderkommando : Mulheres a caminho da câmara de gás, Auschwitz II, agosto de 1944 – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Auschwitz_concentration_camp

Matar por diversão, ou por capricho, também fazia parte do terror infligido aos prisioneiros. Os SS tinham total liberdade sobre a vida dos detidos. Se algum dos prisioneiros se cansasse ao executarem uma tarefa, poderiam ser mortos sem compaixão. Às vezes os guardas misturavam ordens contraditórias e, portanto, tinha um pretexto para o assassinato, o que provocava terror nos sobreviventes.

Depois de três a seis meses, o prisioneiro geralmente estava no fim de suas forças. Se ele não morresse, ou se suicidasse atirando-se contra o arame farpado eletrificado, ou procurasse de todo jeito levar um tiro dos guardas, era classificado como impróprio para o trabalho em uma seleção posterior. Então era morto na câmara de gás.

Judeus na rampa de seleção em Auschwitz II , em maio de 1944. Mulheres e crianças estão enfileiradas de um lado, homens do outro, esperando que a SS determine quem está apto para o trabalho. Cerca de 20% em Auschwitz foram selecionados para o trabalho e o restante seguiram para as câmaras de gás – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/The_Holocaust

Se a cota de assassinatos diários não fosse atingida, uma cabana era escolhida a esmo e todos os seus inquilinos eram eliminados. Só tinha chance de sobreviver quem conseguiu um cargo na administração do campo, na enfermaria, na cozinha, ou trabalhava como um kapo.

Nos primeiros meses de 1944 quatro grandes câmaras de gás estavam operando plenamente. Este maquinário do terror superou todas as previsões, atingindo 8.000 vítimas por dia, que foram depois cremadas. Naquela época, o pico de chegada de trens carregados de judeus em Auschwitz foi atingido.

Os crematórios II e III e suas chaminés são visíveis ao fundo, à esquerda e à direita – Fonte –

Nas operações das câmaras de gás e fornos crematórios estavam unidades de trabalho compostas por prisioneiros e chamadas Soderkommandos. A situação deles era terrível, pois tinham que levar os prisioneiros – às vezes parentes ou amigos – para a câmara de gás. Depois tinham de retirar os corpos, revistá-los em busca de objetos de valor e finalmente incinerá-los nos fornos crematórios. Se revelassem a função das câmeras aos presos, eram executados, às vezes cremados vivos. Se eles não aceitassem a tarefa eram mortos. A cada três ou quatro meses eram eliminados e substituídos por outro novo grupo.

Outros prisioneiros tiveram uma morte mais cruel nas mãos dos médicos da SS. Estes profissionais da medicina, além de cuidar da seleção dos prisioneiros adequados para o trabalho escravo e supervisionar as execuções, realizaram testes ditos “científicos” com seres humanos vivos no bloco 10 de Auschwitz.

Bloco 10 , Auschwitz I, onde experimentos médicos foram realizados em mulheres – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Auschwitz_concentration_camp

Alguns prisioneiros tornaram-se cobaias em pesquisas sobre tratamentos com certos tipos de drogas, ou em experimentos voltados para a procriação da raça ariana e sua pureza. Nessa área ficou célebre a brutalidade de Joseph Mengele, que trabalhou em estudos genéticos e escolheu gestantes, crianças, gêmeos, deficientes físicos e anões para investigar. Ele até abriu a carcaça de prisioneiros vivos e também injetou mercúrio em fetos.

“Logo você estava se entendendo e se imergindo na situação e adotando palavras usadas no campo. Uma delas que merece destaque foi a expressão: atirar-se contra o arame farpado. Ela significava suicídio já que os portões estavam eletrificados e atirar-se contra eles era autodestruição. Como prisioneiro fui tentado a cometer este último ato, porém, como mais cedo ou mais tarde todos tínhamos a certeza do nosso fim, decidi que era o destino que tomaria essa decisão (…) A verdade é que não agradeço suicidar-me, porque fui um dos poucos sobreviventes desta enorme tragédia chamada Holocausto. ” (Livro – A busca do homem por sentido, de Viktor Frankl).

Da esquerda para a direita Richard Baer (comandante de Auschwitz em maio de 1944), Josef Mengele (médico do campo) e Rudolf Höss (primeiro comandante) em Solahütte , um resort SS perto de Auschwitz, verão de 1944 – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Auschwitz_concentration_camp

O complexo de Auswichtz estava sob o controle da SS. Em Auschwitz serviram 6.500 membros das SS, realizando todo tipo de tarefas destinadas à operação e vigilância dos campos. A existência de um campo feminino em Auschwitz II também implicava a existência de mais de 200 mulheres SS (Aufseherin).

Sempre junto aos SS estavam os Kapos. O tratamento desumano infligido Por esses dois grupos aos prisioneiros espancamentos, privação de alimentos, chicotadas, celas de punição tão estreitas que ninguém conseguia ficar em pé. Isso tudo criou uma atmosfera de terror permanente que destruiu os prisioneiros. Em troca os Kapos recebiam roupas melhores, cigarros e uma alimentação mais farta e, portanto, maior esperança de sobrevivência.

O FINAL

Soldados do Exército Vermelho soviético conversando com crianças recém-libertadas do campo de concentração de Auschwitz- Fonte – https://www.struggle-la-lucha.org/2020/02/07/on-the-75th-anniversary-of-the-liberation-of-auschwitz-fascism-and-the-triumph-of-revolution/

Em meados de janeiro de 1945, as forças soviéticas se aproximaram de Auschwitz e as SS começaram a evacuar o campo e os subcampos próximos. Milhares de prisioneiros foram mortos e 60.000 foram forçados a marchar em várias direções, especialmente para o oeste. Foi uma das mais importantes “marchas da morte” lançadas dos campos de concentração no final da guerra. Marchas cansativas, onde qualquer um que ficasse para trás ou que não pudesse continuar era baleado. Durante essas marchas, os presos sofreram fome e frio em meio ao mau tempo. Mais de 15.000 prisioneiros morreram nessas marchas.

Ao chegarem ao destino, embarcaram em trens que os levaram a outros campos na região central da Alemanha (Buchenwald, Sachsenhausen, Dachau, etc.). Por dias e sem comida ou água, muitos morreram na jornada.

Quando os soviéticos entraram no complexo de Auschwitz em janeiro de 1945, eles encontraram um quadro absolutamente desolador com 7.000 prisioneiros, a maioria deles doentes e moribundos.

Forca em Auschwitz I, onde Rudolf Höss foi executado em 16 de abril de 1947 – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Auschwitz_concentration_camp

Depois da guerra, os soviéticos prenderam a maior parte do pessoal do complexo, que foram julgados pelas autoridades russas ou entregues aos tribunais poloneses. Rudolf Hoss foi capturado pelos britânicos e enviado à Polônia, onde foi julgado e enforcado em dezembro de 1947, nas mesmas instalações de Auschwitz. No total, 750 membros das SS foram julgados e alguns executados como resultado.

AUSCHWITZ ATUALMENTE

Hoje, Auschwitz é um dos grandes centros turísticos da Polônia e foi declarada Patrimônio Mundial pela UNESCO.

Alunos do Holocaust Educational Trust (HET) em Auschwitz. Crédito da foto: Yakir Zur

Mais de um milhão e meio de pessoas o visitam todos os anos, especialmente no verão, e centenas de voos charters chegam à vizinha Cracóvia de todo o mundo (Europa, Estados Unidos, Israel especialmente). Para muitos, essa superlotação supõe a banalização da morte, transformada em um grande espetáculo, onde milhares de pessoas impulsivamente tiram fotos de lembrança.

Muitos sociólogos encontram uma explicação para a atração desses lugares para o turismo de massa: isso lembra o quão privilegiado você é, quando se lembra de tanto horror. As pessoas ficam aliviadas, felizes por não ter chegado a sua vez, e também sabem que, quando quiserem, podem sair e voltar para a segurança de suas próprias vidas. Esse turismo de massa também não ajuda a conservação das instalações que começam a correr sério risco de deterioração. Os barracões onde ficaram os prisioneiros, construídos com tijolos vermelhos e vigas de madeira, foram erguidos rapidamente e sem intenção de durar, pois seus habitantes seriam exterminados. Agora eles se desfazem com o passar do tempo.

Por outro lado, devemos compreender a importância de Auschwitz na preservação da memória, pois é um poderoso testemunho visual dos crimes ali cometidos e, especialmente, seu papel na sensibilização dos homens em face dos horrores do nazismo e da guerra.

Nesse sentido, Auschwitz é um antídoto para a barbárie: quem a visita fica marcado e chocado para sempre, porque se habitua à ideia do horror aí vivido. Visto desta forma, a chegada massiva de turistas é positiva e salvar Auschwitz torna-se uma necessidade. Não em vão esse lugar é o grande testemunho do Holocausto.

Um momento de partir o coração , captado a partir de de uma foto da SS de judeus húngaros em #Auschwitz II-Birkenau. Uma criança encontrou uma flor na grama e a está dando, ou mostrando, a um menino mais velho. Todas as pessoas nesta foto foram mortas com gás momentos depois.

Não há restos dos campos de extermínio de Treblinca, Kulmhof, Sobibor ou Belzec, que foram destruídos pelos nazistas com a intenção de esconder seus crimes. No entanto Auschwitz, o maior deles, mantém suas estruturas originais. Os alemães explodiram as câmaras de gás e queimaram alguns armazéns enquanto o Exército Vermelho se aproximava, mas sua retirada foi precipitada e caótica, e eles falharam em destruir tudo.

Conservam-se inúmeros testemunhos de sobreviventes dos campos, muitos deles coletados na página do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, em Washington.

Em tempo, a palavra Shoah é como os judeus denominam o Holocausto.

Modernos caças F-15 Eagles da Força Aérea Israelense sobrevoam Auschwitz II-Birkenau, em 2003 – Fonte – https://wordpress.com/block-editor/post/tokdehistoria.com.br/24537
Fonte – Material produzido a partir dos textos de Jose Antonio Doncel Domínguez, de Villanueva de la Serena, Badajoz, Estremadura, Espanha. Disponíveis nos endereços eletrônicos
http://jadonceld.blogspot.com/2012/05/auschwitz-imagenes-de-ayer-y-de-hoy.html
http://jcdonceld.blogspot.com/2012/01/campos-de-concentracion-y-exterminio-de.html

O QUE A FEB ENSINOU SOBRE DIVERSIDADE RACIAL EM PLENA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Ilustração existente na página 27 do livro “Brazilian Expeditionary Force in Wolrd War II”, de César Campiani Maximiano e Ricardo Bonalume, que mostra o soldado Francisco de Paula municiando um obuseiro de 105 m.m. na Itália, em setembro de 1944.

Autora – Paula Mariane, da CNN em São Paulo – 04 de julho de 2020 às 05:00 -Fonte – https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2020/07/04/o-que-a-feb-ensinou-sobre-diversidade-racial-em-plena-2-guerra-mundial?fbclid=IwAR0028mVMK9Q0bjfbK1uHKGUwTVb848RnfSU-_oFH7T8CjjLMRbj3XGXsxo

Enquanto os debates sobre igualdade racial dominam o debate público no ano em que se comemora os 75 anos do fim da 2ª Guerra Mundial, é possível destacar que a Força Expedicionária Brasileira (FEB) foi o único contingente racialmente integrado em um conflito em que as tropas dos principais atores do campo de batalha tinham divisões segregadas. E temos muito o que aprender com isso. 

Com um Exército pouco equipado e uma Marinha defasada em termos de tecnologia, parecia óbvio pensar, na época, que seria mais fácil uma “cobra fumar” – expressão que nasce diante de uma descrença pública generalizada – do que o Brasil entrar na 2ª Guerra Mundial. No fim, o maior país da América Latina foi o único do continente a enviar tropas. 

Força Expedicionária Brasileira em acampamento no Campo de Gericinó, no Rio de Janeiro
Foto: Acervo Arquivo Nacional

“A FEB foi uma coisa revolucionária para o Brasil, mas de certa forma ela também foi revolucionária para os aliados. Embora houvesse um racismo velado, como era comum à época, a FEB foi a única tropa aliada racialmente integrada”, explica o historiador e professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) Sandro Teixeira. 

Além da luta contra o nazismo e o fascismo, a segregação racial era uma realidade nas tropas militares – mas este não era o caso da FEB, algo que surpreendeu positivamente os soldados dos Estados Unidos. 

“Você tinha negros e brancos lutando lado a lado, muito diferente do Exército Britânico, que tinha tropas segregadas, do Exército Francês e do Exército Americano”, ressalta.  

Durante parte da campanha, a FEB teve duas divisões americanas que combateram ao lado dos brasileiros, a exemplo da 10ª e da 92ª divisões de Infantaria Americana, que possuíam divisões segregadas entre soldados brancos e soldados negros. 

Força Expedicionária Brasileira em Nápoles, Itália – Foto: Acervo Arquivo Nacional

“Ao ver a FEB com uma divisão integrada, isso pode ter sido uma das chamas que acendeu o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos”, analisa. 

Alvo de notícias

A união dos pracinhas – como os combatentes brasileiros eram chamados – era admirável, e também foi tema de diversas notícias durante a guerra. 

“Todo mundo estava no mesmo barco, todos iriam combater. Digamos que as balas do inimigo não diferem ninguém por cor”, afirma Teixeira. 

“Isso foi alvo de notícias no noticiário oficial do exército americano. Os soldados americanos tinham um jornal que é muito famoso, e existe ainda nos dias atuais, chamado Stars & Stripes. E esse jornal relatava com certo ‘choque’, mas de surpresa mesmo, não de repúdio, o fato de que o Brasil, que era tido como um país atrasado política e tecnologicamente, foi capaz de enviar uma divisão integrada.”

Mais de 25 mil militares compuseram a Força Expedicionária Brasileira – Foto: Acervo Arquivo Nacional

Negociações 

A falta de tecnologia militar era, de fato, um fator preocupante para o Brasil. Desta forma, uma série de negociações feitas com os Estados Unidos possibilitaram que as Forças Armadas brasileiras pudessem ser equipadas e, em contrapartida, a FEB apoiaria os aliados. 

“É o início da nossa industrialização forte. Isso já estava na mentalidade militar, de que um envolvimento nacional era essencial para que o país tivesse segurança. É um ideal muito forte na cabeça dos militares”, afirma o professor. 

Para os EUA, o Brasil era visto “como o gigante da América do Sul, o país que deveria estar ao lado dos Estados Unidos para equilibrar a segurança do hemisfério, ou seja, para impedir que o fascismo viesse para as Américas”, explica Teixeira.

Soldados da FEB durante a Batalha de Monte Castelo, em 1945 – Foto: Acervo/Centro de Comunicação Social do Exército (CCOMSEX)

Resistência

A participação dos brasileiros na 2ª Guerra Mundial não foi bem vista por todos, em princípio: o país encontrava resistência por parte do Reino Unido, que via sua política externa ameaçada no continente sul-americano. 

“O Reino Unido procurou, de todas as maneiras, tentar vetar a entrada do envio das tropas brasileiras, porque isso, na visão deles, mudaria o papel do Brasil no equilíbrio de forças na América do Sul”, afirma.  

“Com tropas bem equipadas, o Brasil poderia se tornar a grande potência do sul [continente]. Então, havia essa preocupação.”

Aqui vemos o soldado Marcílio Luiz Pinto, de Caconde-SP, o único praça brasileiro agraciado pelo Exército dos Estados Unidos com a medalha Silver Star . Faleceu em 31 de julho de 1993, em Adamantina-SP.

Nazifascismo 

O período entre as duas guerras mundiais foi marcado por uma enorme crise econômica, além de uma descrença nos regimes democráticos, que levaram ao surgimento de ideais extremistas. 

Em 1921, com a ascensão do fascismo na Itália, iniciava-se um período ultranacionalista e autoritário naquele país. “A origem [latina] do nome fascismo vem de ‘fasce’, que era instrumento utilizado na época do Império Romano que simbolizava autoridade e poder”, explica o mestre em História Militar pela Universidade de Lisboa Fábio Laurentino. 

“A sociedade civil num todo se enxerga sem ter no que agarrar politicamente, onde as democracias parecem que falharam”, analisa. “Fascismo é uma ideologia totalitária. São regimes autoritários, que expressam um discurso muito forte, principalmente de ódio.” 

Chegada de 2.760 homens da Força Expedicionária Brasileira pelo navio James Parker, em 1945
Foto: Acervo Arquivo Nacional

Paralelamente, o mesmo sentimento de descrença faz com que o nazismo tome espaço na Alemanha. “Surge o Partido Nazista também no início da década de 1920, com a característica da sociedade alemã ter pedido a fé na força na democracia. Essa descrença é acrescida da supremacia racial”, aponta Laurentino. 

De acordo com o Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, estima-se que 6 milhões de judeus foram mortos durante o regime nazista. 

O que podemos resgatar da FEB

Mais de sete décadas após o fim da 2ª Guerra Mundial, há muito o que aprender com os mais de 25 mil militares que compuseram a Força Expedicionária Brasileira. E com tudo o que este conflito representou para o mundo: mais de 60 milhões de mortos e um holocausto causador de cicatrizes profundas que seguem nos dias atuais. 

“A diversidade é força. E acho que a força da diversidade que a FEB apresentou, dos soldados que foram lutar pela democracia em um outro continente, enquanto no seu próprio país não havia uma democracia, foi uma das razões para ajudar a redemocratizar o Brasil”, diz Teixeira.

“A integração e a diversidade presentes na tropa talvez tenha sido um elemento-chave para o sucesso dela”, analisa o historiador. “Talvez isso seja algo batido pela nossa história, mas é algo extremamente importante”, diz. 

“Você não tinha tensões raciais. Todos eles ali estavam combatendo, e pelo combate formaram irmãos de armas”, conclui. 

RIO DO FOGO, 1941: CHEGAM AS PRIMEIRAS VÍTIMAS

Típica cena de um afundamento no Oceano Atlântico por ação de submarinos.

A História dos Primeiros Náufragos a Chegarem ao Litoral Potiguar Durante a Segunda Guerra Mundial.

Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

Esse texto é um dos capítulos do livro “Sobrevoo – Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte, lançado em 2018.

O caçador

Era bom voltar ao mar. Pois era no mar que ele se sentia bem, principalmente realizando o que sabia fazer de melhor: caçar e destruir navios inimigos.

Era um sábado, dia 22 de fevereiro de 1941, e da torre do seu submarino U-105, o capitão tenente (Kapitänleutnant) Georg Schewe, de 32 anos, orientava a navegação de sua nave em direção ao Atlântico pela foz do Rio Blavet, que banha a cidade francesa de Lorient. Ele deixava para trás todo o trabalho de construção da nova e grande base de submarinos nessa cidade, a qual seus superiores prometiam que, quando concluída, seria “inexpugnável” aos bombardeios ingleses, que de vez em quando se apresentavam sobre o porto e a cidade. Schewe, navegando no tranquilo Blavet, tinha a bordo entre seus oficiais os tenentes (Oberleutnant zur See) Max Wintermeyer e Ernst-Wolfgang Ravee, além do alferes (Fähnrich zur See) Hans-Erwin Reith.

Kapitänleutnant Georg Schewe

O capitão Schewe partia de Lorient no mesmo dia que o submarino U-99, comandado pelo capitão Otto Kretschmer, deixava aquele porto, e isso poderia ser um sinal de boa sorte, pois Kretschmer era simplesmente o melhor de todos os capitães da 2ª Flotilha de Submarinos (2. Unterseebootsflottille). Até aquela data ele tinha afundado ou danificado 39 navios aliados em dezesseis patrulhas de combate. Uma situação bem diferente para o aplicado Schewe, que havia participado de nove patrulhas de combate e até aquele momento havia conseguido afundar apenas três navios de carga ingleses [1].

Desde o início da guerra e por quase um ano Schewe comandou o submarino U-60, onde conseguiu sua primeira vitória com o uso de mina explosiva. Depois seguiu uma fase onde realizou várias patrulhas infrutíferas, até que em setembro de 1940 assumiu o comando do U-105, um novo e melhorado modelo IXB. Após uma fase de adaptação, partiu para a primeira missão com a sua nova nave e seus homens. Foi quando o capitão Schewe, em 39 dias de navegação, conseguiu afundar por torpedeamento dois navios a leste da Grã-Bretanha.

Foto de uma cerimônia, creditada como tendo ocorrido no U-105 – https://uboot-recherche.de/en/U105-4588

Certamente que o comandante e sua tripulação estavam otimistas com aquela patrulha que se iniciava e poderia tranquilamente superar mais de 100 dias de mar.

O próprio almirante Karl Döenitz, o Comandante dos Submarinos (B.d.U.  – Befehlshaber der Unterseeboote), ordenou que o U-105 seguisse em direção ao sul do Oceano Atlântico, junto com o U-106 e o U-124. A ideia era que essas naves de guerra buscassem novas presas em outras áreas das que os submarinos alemães atuavam naquele período, como a região do Saliente do Atlântico. Isso colocava aqueles submarinos como os primeiros do Terceiro Reich a atravessarem a linha do Equador durante a Segunda Guerra Mundial. Os outros dois submarinos partiriam de Lorient respectivamente um e quatro dias após o U-105 ter zarpado.

Se houve alguma preocupação por parte de Schewe, certamente a presença de seus experientes colegas pode ter-lhe tranquilizado e animado, pois ambos os capitães eram ótimos submarinistas. Até aquele final de fevereiro de 1940, Jürgen Oesten, comandante do U-106, iniciava sua décima patrulha de combate, tendo no currículo a marca de oito naves inimigas afundadas. Já o capitão do U-124, Georg-Wilhelm Schulz, partia para sua oitava patrulha com a experiência de ter enviado nove naves inglesas para o fundo do mar.

Como acontece com quase todos os alemães, provavelmente parte da animação do capitão Schewe estava na possibilidade de buscar superar seus companheiros de luta em número de vitórias, mesmo que essas conquistas significassem mortos no fundo do Oceano Atlântico.

Aquela caçada prometia[2].

O caçado

Um mês e alguns dias após Georg Schewe zarpar de Lorient para percorrer o Atlântico atrás de novas vítimas, no leste da Inglaterra, na cidade portuária de Kingston Upon Hull, ou simplesmente Hull, o capitão de um navio cargueiro inglês preparava sua nave para mais uma viagem aos confins do mundo, enquanto contemplava a destruição daquela velha cidade fundada no século XII.

Ataque alemão contra a cidade inglesa de Hull – Fonte – https://www.hulldailymail.co.uk/news/history/five-tragedies-hull-blitz-ww2-78134

Entre os inúmeros dramas da Segunda Guerra Mundial, sem dúvida um dos casos mais intensos foi o bombardeiro perpetrado pelos nazistas contra a Inglaterra  entre 1939 e 1940. Inseridos igualmente dentro da chamada Batalha da Inglaterra, esses ataques, que os britânicos denominam simplesmente como “Blitz”, trouxeram muita destruição a várias cidades daquelas ilhas. Uma das que mais sofreram naqueles dias foi Hull e o seu estratégico porto. A cidade foi o alvo do primeiro ataque diurno da Guerra e recebeu o último ataque aéreo contra a Grã-Bretanha. Teve 95% de suas casas atingidas, com 5.000 imóveis destruídos e, de uma população de aproximadamente 320.000 pessoas no começo do conflito, cerca de 150.000 ficaram desabrigadas por efeitos dos bombardeios.

Apesar dos danos, o porto continuou a funcionar durante toda a Segunda Guerra. E era justamente nesse porto, mais precisamente na ponte de comando do cargueiro S.S. Ena de Larrinaga, que o comandante Reginald Sharpe Craston se preocupava com a situação da sua nave. Em momentos alternados entre os dias 13 e 19 de março, a aviação nazista martelou Hull com severos e precisos bombardeios. Bastava que uma bomba de 500 kg acertasse no casco daquele navio de 5.200 toneladas, que ele afundaria rapidamente e poderia levar junto grande parte de seus 43 tripulantes.

S.S. Ena de Larrinaga – Fonte – https://www.wrecksite.eu/wreck.aspx?15355

Logo, em meio a muita tensão, a carga de carvão e outros materiais destinados a Buenos Aires, Argentina, foi colocada nos porões e o comandante Craston recebeu ordens de seguir viagem. Mas se houve certo alívio em deixar a cidade duramente bombardeada, o Ena de Larrinaga agora seguia pelo perigoso Canal da Mancha, atacado pela aviação nazista, para depois navegar em um Oceano Atlântico cheio de submarinos. Era como sair de um caldeirão com água fervente, entrar em uma frigideira cheia de óleo quente e depois cair em uma grande fogueira.

Uma foto de uma revista mostrando os náufragos do Ena de Larrinaga retornando para a Inglaterra, onde vemos o o comandante Reginald Sharpe Craston de chapéu.

O pior era que o comandante Craston e sua tripulação teriam 25 dias de viagem até a capital portenha, em meio a um mar infestado de sorrateiros e invisíveis inimigos da Marinha alemã. Inimigos que no mês anterior, fevereiro de 1940, haviam destruído ou danificado um total de 47 navios cargueiros.

Enquanto a viagem seguia pelo Atlântico, a vigilância no Ena de Larrinaga era intensa e as normas de segurança eram observadas com extremo rigor. À noite ninguém pensava em acender luzes, principalmente quando se navegava em um barco fabricado dezesseis anos antes e que desenvolvia meros dez nós de velocidade máxima, algo em torno de dezoito quilômetros por hora.

Realmente a vida a bordo de um cargueiro inglês naqueles dias não era nada fácil.

Os que ajudaram

Enquanto o mundo desmoronava em meio a um caos de sangue e chamas, em uma praia do Nordeste do Brasil havia uma pequena vila de pescadores onde a vida seguia muito tranquila.

Segundo a historiadora e funcionária pública Gislayne Chiarelle Vieira Soares, que nasceu e vive no atual município litorâneo potiguar de Rio do Fogo, em 1941 a sua comunidade não passava de uma pequena vila de pescadores, que pertencia administrativamente ao município de Touros e possuía em torno de 100 famílias.

Praça principal da cidade de Rio do Fogo – Foto – German Zaunseder.

Segundo uma pesquisa realizada por Gislayne Chiarelle, a tradição oral sobre a chegada de náufragos no lugar é muito rica. E essa tradição abrange tanto os náufragos que chegavam à praia devido a acidentes que ocorreram na barreira de recifes de corais existente a cerca de seis milhas náuticas de Rio do Fogo, quanto a sobreviventes que vieram do alto-mar.

Em um período de navegações heroicas e arriscadas, em que os homens se aventuravam por costas ainda não totalmente mapeadas, passando por áreas sem os faróis para o auxílio à navegação, conduzir um barco através dos oceanos era uma tarefa que exigia muita atenção e a experiência de sua tripulação era fundamental para uma boa viagem. É bem verdade que já se utilizavam bússolas, mapas de navegação, sextantes, cronômetros marítimos e outras ferramentas que facilitavam na navegação, mas nada era totalmente seguro. Em relação a costa do Rio Grande do Norte, esta se apresentou para os navegadores com ventos fortes em certas épocas do ano, correntes marítimas complicadas e algumas perigosas áreas com recifes de corais.

O autor desse artigo mergulhando nas áreas liberadas para os turistas nos recifes de corais, ou parrachos, de Rio do Fogo.

Ao longo dos séculos seguintes não era raro a notícia de algum afundamento nessas, especialmente nas regiões onde se encontram recifes de corais das praias de Maracajaú e Rio do Fogo, onde essas barreiras marítimas naturais são conhecidas como “parrachos”.

O interessante site Naufrágios do Brasil (http://www.naufragiosdobrasil.com.br) possui uma página específica para os afundamentos em águas potiguares. A relação traz os nomes de mais de 100 barcos e alguns aviões que repousam no fundo do mar. O mais antigo registro existente nesse site é de um barco, provavelmente uma caravela portuguesa, com o nome “São João e Almas”, que se perdeu na região do Cabo de São Roque no longínquo ano de 1677.

Nas páginas amareladas do velho jornal Publicador Natalense, edição de sábado, 2 de maio de 1840, existem várias notícias do então governo provincial potiguar, cuja presidência era exercida por Manoel de Assis Mascarenhas. Em uma delas consta que o juiz de paz do município de Touros, deu ciência em 30 de março que o brigue inglês Orion, de 198 toneladas, carregado de café do sul do Brasil, bateu e afundou nos recifes de coral diante da praia de Rio do Fogo, onde nessa época já existia uma povoação de pescadores.

68 anos após o desastre do brigue Orion, o Jornal de Recife, edição de 12 de dezembro de 1872, na sua página quatro, dá conta que, um dia após o “sagrado dia do nascimento de Jesus”, aconteceu na Alfândega da capital potiguar e na presença do vice-cônsul inglês, o leilão de 35.000 tábuas de pinho que estavam a bordo da barca inglesa N. D. Calile, totalmente destruída nos parrachos de Rio do Fogo.

Texto de Luís da Câmara Cascudo sobre Mestre Julião e os mergulhadores de Rio do Fogo.

Apesar do tempo decorrido entre essas duas notícias anteriormente comentadas, aparentemente foram tantos os naufrágios que aconteceram em Rio do Fogo, que Luís da Câmara Cascudo narrou com maestria a vida dos mergulhadores de naufrágios Mestre Julião e de seus irmãos Miguelão e João.

Esse relato de Cascudo foi inicialmente publicado na primeira página do Jornal de Notícias, do Rio de Janeiro, edição de domingo, 28 de julho de 1940, quando o grande pesquisador potiguar informou que os três irmãos Lourenço Ferreira eram nativos de Rio do Fogo, nascidos entre 1852 e 1864, e aprenderam a mergulhar em barcos soçobrados nos parrachos de sua praia para salvar materiais e manter a vida. Com o tempo angariaram fama e respeito, realizando com sucesso esse tipo de atividade em todo o litoral potiguar. Um dos barcos que os irmãos Lourenço Ferreira trabalharam ficou registrado na edição de 15 de julho de 1885 do Diário de Pernambuco, página 2, onde encontramos a informação que no dia 29 do mês anterior o veleiro de carga holandês Stella, comandado pelo capitão Kleipp, carregado de sal de Macau, bateu nos recifes de Rio do Fogo e afundou. Nesse dia, na tentativa de salvar a tripulação, uma jangada dos pescadores locais resgatou três tripulantes, mas virou a caminho da praia e um dos marujos estrangeiros morreu afogado.

Percebi, ao realizar a pesquisa para esse capítulo nos jornais antigos, que sempre existiu uma situação comum sobre esses naufrágios – o apoio da comunidade de Rio do Fogo às vítimas.

Outra visão da praça de Rio do Fogo – Foto – German Zaunseder.

A historiadora Gislayne Chiarelle me contou que um antigo habitante de Rio do Fogo conhecido como “Cachica”, falecido em 2014, narrou-lhe que em uma noite um grupo de náufragos chegou de surpresa na vila buscando ajuda e assustando a todos com um linguajar completamente desconhecido. Os moradores do lugarejo, mesmo bem assustados, saíram de suas choupanas feitas de palha de coqueiro e ajudaram aqueles sobreviventes.

Essa tradição de apoiar os náufragos que chegavam à praia de Rio do Fogo continuou acontecendo, mesmo quando no resto do mundo a barbárie era a ordem do dia.

O ataque

Enquanto a calma e a tranquilidade reinavam na idílica praia de Rio do Fogo, a bordo do submarino alemão U-105 o capitão de Georg Schewe e sua tripulação viviam um momento verdadeiramente feliz. Desde que partiram da França eles haviam conseguido afundar seis navios aliados, com um total de 33.119 toneladas de perdas, e provocado a morte de 134 tripulantes e passageiros.

Tudo começou na madrugada de 8 de março de 1941, catorze dias após zarpar de Lorient, quando o U-105 estava próximo à costa ocidental africana, a norte-nordeste das ilhas de Cabo Verde. Nessa ocasião, em conjunto com o U-124 do capitão Georg-Wilhelm Schulz, atacaram o comboio SL-6. Este era uma massa formada por 55 navios, que havia partido do porto de Freetown, na Serra Leoa, no dia 1º de março e seguia para o porto de Liverpool, Inglaterra. Tinha como escolta oito navios de guerra da Royal Navy, entre esses o porta aviões HMS Ark Royal e o cruzador HMS Renown.

Mesmo com essa proteção, os dois capitães de submarinos realizaram tão corretamente seu trabalho que entre as três e meia e as seis da manhã do dia 8 de março afundaram cinco navios comerciais britânicos, tendo sido creditado ao U-105 o afundamento do S.S. Harmodius, o primeiro dos cinco.

Depois desse sucesso, Georg Schewe se uniu ao capitão Jürgen Oesten do U-106 e atacaram implacavelmente as naves do comboio SL-68.

Capitão Jürgen Oesten – Fonte – https://uboat.net/men/oesten.htm

Esse comboio havia igualmente partido de Freetown com 60 navios e dez escoltas. Entre os dias 17 e 21 de março, em uma área a leste e a norte das ilhas de Cabo Verde, os dois capitães alemães afundaram nove navios, sendo seis britânicos e três holandeses. Coube a Schewe a destruição de cinco barcos (quatro britânicos e um holandês) e a Oesten o afundamento de outras quatro naves (duas britânicas e duas holandesas) e de ter danificado o encouraçado HMS Malaya e outro cargueiro. O Malaya só retornaria à Inglaterra e ao serviço ativo quatro meses depois.

Sabendo que a área próxima às ilhas de Cabo Verde seria intensamente patrulhada pelos ingleses depois dos sucessos desses submarinos, o B.d.U. ordenou que eles se separassem, cabendo ao U-124 permanecer patrulhando na costa ocidental africana e ao U-105 e U-106 seguirem para oeste, patrulhando uma área ao longo da linha do Equador, onde dias depois chegaram mais próximo ao arquipélago brasileiro de São Pedro e São Paulo.

O histórico encontro no Atlântico Sul em 1941, dos submarinos U-105, U-106 e o navio de abastecimento alemão Nordmark, disfarçado como o petroleiro os Estados Unidos, batizado como Prairie – Fonte – https://warfarehistorynetwork.com/2015/08/20/german-merchant-raider-kormoran-hmas-sydneys-deadly-duel/

Nessa área, entre os dias 30 de março e 1º de abril de 1941 houve o encontro do U-105, do U-106 e o navio de abastecimento alemão Nordmark. Como a Alemanha não possuía bases no exterior, as operações navais no Oceano Atlântico exigiam muitas vezes uma rede de navios de abastecimento, que se disfarçavam de navios neutros para evitar a destruição por parte dos britânicos. Na ocasião desse encontro a tripulação do Nordmark havia pintado uma grande bandeira norte-americana na sua lateral e “rebatizado” o navio como Prairie.

Estas eram operações extremamente necessárias, mas difíceis e perigosas, que podiam demorar dias por várias razões e serem interrompidas de maneira abrupta. Nesse encontro foram transferidos para o submarino de Schewe treze torpedos, óleo combustível, lubrificante, água doce e quatro semanas de provisões gerais. Abastecido e renovado, o capitão Schewe retornou à caça ainda na região de São Pedro e São Paulo. Já o U-106 seguiu viagem mais ao sul.

Foto da década de 1930, mostrando o Arquipélago São Pedro e São Paulo – Fonte BN.

No final da tarde do sábado, 5 de abril de 1941, da torre do U-105 o capitão Georg Schewe, seus oficiais e subalternos avistaram um navio mercante que se deslocava a baixa velocidade, mas de maneira firme e segura. Os alemães passaram a segui-lo de forma discreta e sorrateira.

No S.S. Ena de Larrinaga, não existem registros de como se encontrava naquele dia o estado de espírito do veterano comandante Reginald Sharpe Craston, então com 45 anos de idade e com mais de vinte anos de navegações pelos oceanos do mundo. Igualmente não sabemos como se sentiam naquele dia outros 33 britânicos, um malaio, um espanhol, um lituano, cinco caribenhos e até mesmo três japoneses que faziam parte de sua tripulação[3].

Foto meramente ilustrativa de um navio afundando, após ter sido torpedeado durante a Segunda Guerra – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_ships_sunk_by_Axis_warships_in_Australian_waters

Mas é provável que o comandante e seus homens se sentissem mais tranquilos, pois o seu navio se aproximava da linha do Equador e do Atlântico Sul, área onde nessa época os submarinos alemães ainda não atuavam.

Dez horas depois de visualizarem o Ena de Larrinaga, com a ajuda da lua em quarto crescente, Georg Schewe seguiu pacientemente a nave cargueira britânica. Quando estava a 205 milhas náuticas a sudoeste do arquipélago de São Pedro e São Paulo, o alemão encontrou as condições ideais para disparar um único torpedo G7A, com sete metros de comprimento e 280 quilos de explosivos. Este atingiu certeiramente a região da popa, explodiu na casa de máquinas da desprotegida embarcação e ela começou a afundar. O comandante Craston ordenou à tripulação seguir para os barcos salva-vidas e tomou providências para o que viria. Ficou constatado que cinco homens haviam desaparecido e após quinze minutos depois do impacto o Ena de Larrinaga desceu para o fundo.

O U-105 retornando de sua vitoriosa patrulha em 1941.

Do U-105 o capitão Georg Schewe assistiu o ataque, e após constatar que o cargueiro estava perdido deixou calmamente a área, aparentemente sem fazer contatos com os 38 náufragos, que iniciariam uma nova e dura luta.

Sobrevivência

Os barcos salva-vidas continuaram juntos durante a noite. Ao amanhecer o comandante Craston dividiu a tripulação, colocando dezenove para cada barco, e decidiu seguir para Fernando de Noronha, a cerca de 500 milhas de distância a sudoeste. Para isso utilizaram velas e remos que havia nas embarcações.

Para levantar o moral do pessoal em meio à vastidão do Atlântico Sul, o capitão Craston puxou um coro de músicas como “Land of Hope and Glory”, “There’ll Always Be an England”, “God Save the King” e “Are We Downhearted? No!”, um misto de tradicionais canções patrióticas e outras que os militares ingleses entoaram durante a Primeira Guerra Mundial. Nos barcos uma aposta foi acordada: o primeiro que chegasse à terra receberia dez libras como premiação. E era bom mesmo que eles se movimentassem para chegar a algum lugar, pois a todo momento eles testemunharam a presença de tubarões seguindo os dois barcos, circulando aos lados e de vez em quando mordendo os remos.

Certamente pela sua experiência após haver navegado muitas vezes por aquela região, onde o mar é muito quente e o sol implacável, o comandante Craston decidiu esvaziar no mar vinte e seis garrafas do mais puro uísque escocês. Recuperadas de alguma maneira pelo mordomo-chefe após o torpedeamento do navio, o capitão ordenou deixar as garrafas vazias e prontas para serem preenchidas com água fresca de alguma chuva que caísse. Com enorme pesar, a tripulação concordou que aquela era a única ação adequada a ser feita. Com certeza essa ação causou algum desespero na maioria dos marinheiros.

Logo todos estavam sedentos e as garrafas continuavam secas, quando um dia choveu de forma fraca, mal dando para os homens lamberem as poucas gotas que conseguiam reunir em seus bonés. Mas no outro dia houve um verdadeiro dilúvio, que encheu as garrafas e quase fez os barcos transbordarem. Além da água doce acumulada eles tinham duras e secas bolachas e alguma quantidade de leite condensado. Após cinco dias navegando, por razões da ação do mar, os dois barcos se separaram e cada um seguiu seu destino[4].

Navio de carga e passageiro Almirante Alexandrino.

Por sorte, três dias depois da separação, por volta das onze da noite de 13 de abril, um dos barcos foi avistado pelo paquete brasileiro Almirante Alexandrino, navio do Lloyd Brasileiro que procedia do porto de Vigo, Espanha, para o Rio de Janeiro.

O avistamento se deu a cerca de quinze milhas náuticas de Fernando de Noronha, sendo os dezenove marinheiros do Ena de Larrinaga prontamente atendidos e preparados para serem levados a Recife. Antes de seguir viagem, o capitão de longo curso Tasso Augusto Napoleão, natural de Camocim, Ceará, realizou buscas com seu navio nas proximidades do Atol das Rocas, na tentativa de encontrar os outros dezenove náufragos. Mas sem sucesso[5].

Diário da Noite, em 15-4-1941-Rio de Janeiro-RJ.

Enquanto isso, no outro barco salva-vidas, o comandante Craston demonstrava ser um verdadeiro exemplo de liderança e atenção com sua tripulação. Sua autoridade era evidente pela organização e disciplina que prevaleceu ao abandonar o navio torpedeado e durante o tempo que ficaram perdidos no mar. Ele não se negou a ajudar os mais fracos a remar, ou deixou de promover ações para levantar o moral de todos. Como exemplo, mesmo sem ter muito com que comemorar, Craston fez questão de organizar a festa de aniversário do 3° radiotelegrafista George Henry Ellis, de 18 anos, natural da cidade de Goole, região de Yorkshire, que ficou mais velho em plena imensidão do Atlântico Sul.

Qualquer coisa, por mais tola que pudesse acontecer, era motivo de discussões e atenção por parte daqueles dezenove homens perdidos no mar. Houve o caso de um tubarão brincalhão, que seguiu o barco por três dias, de vez em quando brincava com os remos e parecia “interessado” neles. Foi apelidado pelos náufragos como “Snoopy”, que nesse é um adjetivo em inglês para intrometido, curioso. Nenhuma relação com o personagem canino criado em 1950 pelo cartunista norte-americano Charles Monroe Schulz .

Já em outro momento, o encontro com os esqualos não foi nada engraçado, pois os tripulantes tiveram uma colisão com um tubarão que eles afirmaram ser da espécie tigre e possuía um tamanho calculado em “seis metros”.

O segundo bote salva-vidas do Ena de Larrinaga continuou sob o comando do comandante Craston. Este dirigiu com segurança sua diminuta nave até Fernando de Noronha, que avistou no décimo primeiro dia de navegação. Mas, além de não ter sido visto pelos habitantes do lugar, devido ao vento, mar grosso e correntes contrárias, não conseguiram desembarcar.

Agora só restava a costa brasileira a cerca de 200 milhas náuticas de distância, ou 370 quilômetros. O comandante então estabeleceu o curso e dois dias depois, na manhã do 13° dia de provação, a terra surgiu ao longe na forma de uma faixa longa e clara de dunas. Mas, para alcançar a terra, eles teriam de superar uma barreira de recifes de corais que surgiu adiante, onde o mar quebrava em fortes ondas. Foi quando um deles percebeu três pequenas embarcações com alguns homens morenos.

Eles estavam salvos!

O encontro

Manoel Rodrigues Neto, conhecido por todos em Rio do Fogo como Manoelzinho, nasceu no dia 19 de dezembro de 1935 e até recentemente pescava nas águas quentes dessa praia. No dia da chegada dos náufragos ele tinha apenas seis anos de idade; recordou da movimentação, lembrou-se de algumas imagens, mas não tinha compreensão do que acontecia na época. Soube dos detalhes por meio de seu pai.

Seu Manoel Rodrigues Neto, conhecido por todos em Rio do Fogo como Manoelzinho, sendo entrevistado sobre a chegada dos náufragos do Ena de Larrinaga, do qual ele foi testemunha – Foto – German Zaunseder.

Ele é filho do já falecido pescador Francisco Rodrigues, que no dia 18 de abril de 1941, uma sexta-feira, estava pescando em uma das três jangadas tipicamente nordestinas que estavam em um setor dos parrachos de Rio do Fogo conhecido como “Cangote”. Um lugar onde se pescava muito peixe do tipo agulhão. Seu Manoelzinho me comentou ter sido seu pai quem primeiro viu o que ele chamou de “barquinha à deriva”, que vinha sem estar com a vela montada.

Mesmo com os pescadores de Rio do Fogo já tendo conhecimento que submarinos alemães afundavam navios pelo mar afora de guerra, eles perceberam que os homens naquele pequeno barco necessitavam de ajuda e não tiveram receio em socorrê-los.

É certo que as três jangadas que ajudaram os náufragos do Ena de Larrinaga eram bastante similares as embarcações dessa foto, realizada na Praia do Pina, Recife, Pernambuco.

Francisco Rodrigues narrou ao seu filho que ele estava acompanhado de Júlio Lopes, o proprietário da jangada, e de um outro pescador de nome Lucas. No contato com os homens no barco salva-vidas eles viram muitos bastante queimados do sol, enquanto outros se protegiam embaixo de um pano desgastado, que poderia ter sido a vela original do barco salva-vidas.

A mímica foi utilizada para haver o entendimento. Logo os pescadores compreenderam que os náufragos estrangeiros queriam ir à terra. Os brasileiros então trataram de amarrar as três jangadas no barco pra rebocá-los até a beira-mar e sua vila, pois se eles continuassem à deriva iriam encalhar na altura da praia de Perobas, onde então viviam poucas pessoas em uma comunidade muito simples. Os pescadores armaram suas velas triangulares e, no dizer tradicional dos valorosos homens do mar das praias nordestinas, “abriram o pano” em direção à terra.

Uma baleeira de salvamento da época da Segunda Guerra Mundial.

Mas antes de percorrer as seis milhas náuticas, cerca de doze quilômetros, que separavam os recifes de corais da praia, os pescadores brasileiros distribuíram entre os náufragos suas cabaças de água e seus “ranchos”, ou seja, a comida que levavam para a pescaria. Segundo Seu Manoelzinho essa alimentação era basicamente composta de pão, bolachas e frutas. No barco dos estrangeiros havia muitos sorrisos de alegria e gestos de agradecimentos, pois para seu pai eles se mostraram debilitados e com bastante fome.

As três jangadas começaram a singrar, puxando aquele barco branco e pesado. Francisco Rodrigues comentou ao filho que o reboque levou cerca de uma hora e meia. Conforme se aproximavam da praia, começou a juntar gente vendo aquela cena pouco usual.

Náufragos do Ena de Larrinaga – Jornal Pequeno, Recife-PE, em 22-4-1941.

Por volta de dez da manhã, as jangadas chegaram com aqueles sofridos e estranhos homens. Alguns estavam visivelmente emocionados e passaram a beijar a areia da praia e a agradecer aos céus e aos pescadores pela salvação.

À frente da comunidade se apresentou Seu Miguel Elias, cujo nome era Miguel Gomes Ribeiro, liderança política local, que exercia a função de subdelegado em Rio do Fogo. Além de Miguel Elias, outra pessoa da comunidade que buscou ajudar os náufragos foi a professora Francisquinha Ribeiro, a única titular da então “Escola Rudimentar de Rio do Fogo” e filha de Eliseu Ribeiro. Considerada uma pessoa de muita fé e virtudes cristãs, era a professora Francisquinha que, além de ensinar o ABC aos mais jovens da comunidade, preparava-os para as aulas de primeira comunhão. De alguma forma a professora Francisquinha conseguiu manter um diálogo com algum dos estrangeiros. Acredito que tenha sido o tripulante de origem espanhola.

Entrevista com o Senhor Miguel Alves de Souza, nascido na comunidade de Rio do Fogo em 18 de setembro de 1921 e conhecido por todos como “Miguel de Doens”.

Outro dos moradores da pequena vila de Rio do Fogo que testemunharam a chegada dos náufragos foi o Senhor Miguel Alves de Souza. Nascido nessa comunidade em 18 de setembro de 1921 é conhecido por todos como “Miguel de Doens”. Ele relembrou a movimentação das pessoas da vila, que viram as jangadas que haviam partido pela manhã retornando cedo e trazendo a reboque um barco desconhecido. Praticamente toda Rio do Fogo estava na beira-mar querendo saber o que era aquilo.

Seu Miguel, além da tripulação da jangada de Júlio Lopes, lembrou que alguns dos pescadores que estavam nas outras jangadas eram Luiz Colaço, Chico de Cândico e recorda que também havia um conhecido como Chico Caetano. O nosso entrevistado percebeu que o estado geral de alguns náufragos ainda era bom, mas a maioria estava debilitada, bastante queimada do sol, desanimada; no entanto, viu que ainda havia alguma comida com eles. Para se ter uma ideia do estado desses náufragos, dias depois o Jornal Pequeno, de Recife, em sua edição de 22 de março de 1941, informou que dos náufragos, mesmo com todos os cuidados recebidos em Rio do Fogo, Touros e Natal, vários ainda inspiravam atenção. Principalmente o 2° oficial inglês Harold Greville Morgan, que se encontrava com os lábios em carne viva, e o malaio Abdul Bin Doolan, que quase havia morrido na travessia e não conseguia comer nada.

A Noite, de 20-4-1941- Rio de Janeiro-RJ.

Em Rio do Fogo quase ninguém entendeu patavina do que os náufragos falavam, mas ficaram impressionados com todo o acontecimento e com a altura daqueles marinheiros estrangeiros. Os habitantes da vila compreenderam pelos gestos que o navio tinha sido torpedeado por um submarino e que eles vinham de longe, de “bem lá dentro do mar”, segundo narrou Seu Miguel.

Enquanto a população fornecia água de coco e alguma comida para aqueles homens, ambos os entrevistados confirmaram que as lideranças locais, devido à inexistência de veículos e estradas transitáveis, logo começaram a organizar a preparação de outras jangadas para levar aquele povo para Touros, a maior cidade das redondezas. A rapidez se justificava, pois a navegação levava algumas horas entre Rio do Fogo e Touros e os pescadores não teriam condições de seguir à noite devido aos perigosos recifes de corais. Logo uma pequena flotilha de jangadas acomodou os dezenove estrangeiros e seguiram costeando pela beira-mar.

Antiga Sede da prefeitura de Touros – Fonte – Vila Praieira, via http://tourosemfoco.blogspot.com/2015/08/antigo-palacio-porto-filho-antiga-sede.html

Nesse tempo Touros possuía uma área territorial bem maior que a atual. Segundo o livro “Povoados do Rio Grande do Norte em 1943 e populações urbanas e rurais”, escrito por Anfilóquio Carlos Soares da Câmara e impresso em 1944 pelo Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda, esse município possuía mais de 1.780 km² de área e abrangia várias comunidades que se tornaram municípios autônomos, como Barra de Maxaranguape, Pureza, São Miguel do Gostoso e a própria Rio do Fogo. Já a população da cidade era inferior a 2.000 pessoas, enquanto em sua vasta zona rural viviam 87% da população de 16.777 habitantes.

Segundo Seu Miguel e Seu Manoelzinho, ninguém em Touros esperava a chegada daquele pessoal. Quem tomou a frente para apoiar os náufragos foi o Padre Bianor Aranha, então pároco da cidade, que conseguiu dialogar com alguns dos náufragos em língua estrangeira, provavelmente italiano ou francês. Outro que ajudou no apoio foi Júlio Lopes do Nascimento, então presidente da Colônia de Pescadores Z-2, que abrangia o município de Touros.

Um telegrama foi enviado da cidade para as autoridades em Natal. Através de um pedido do cônsul inglês ao então governador Rafael Fernandes, foi solicitado às lideranças em Touros que providenciassem a vinda dos náufragos para a capital o mais rápido possível. Logo um caminhão foi preparado e este trouxe os náufragos na carroceria, além de um motorista, o padre Bianor e o capitão do Ena de Larrinaga na cabine.

O que as pessoas em Rio do Fogo e em Touros não sabiam era que aqueles dezenove náufragos eram as primeiras vítimas de uma ação direta de combate na Segunda Guerra Mundial a chegarem ao Rio Grande do Norte.

Outras mais viriam no futuro!

Retorno

Diário da Noite, em 16-4-1941-Rio de Janeiro-RJ.

O comandante Craston e seus homens ficaram hospedados na “Pensão Familiar”, de Dona Maria Cabral, na subida para a Cidade Alta, na antiga Avenida Junqueira Aires, número 417, onde hoje se localiza o Solar Bela Vista. O vice-cônsul britânico em Natal, Mr. Willian F. Scotchbrook, proibiu terminantemente os dezenoves homens de manterem contato com pessoas da cidade. Certamente o vice-cônsul sabia da ação dos simpatizantes e espiões nazifascistas em Natal e quaisquer informações vazadas poderiam ser úteis aos inimigos.

A Polícia Marítima listou os seguintes membros da tripulação do Ena de Larrinaga que estiveram em Natal: comandante Reginald Sharpe Craston, 2° oficial Harold Greville Morgan, 1° telegrafista Maurice William Trevethick, 3° telegrafista George Henry Ellis, chefe de máquinas Richard McMillon, 2° maquinista James Alexander Walker, carpinteiro John Lorenz, faroleiro Osman Bin Usop, os marinheiros James Clemento, Abdul Bin Doolan, Richard Raffel, Charles Mizzi, moços de convés (profissão marítima) Albert Wilkinson, Seduz Olbert Hamilton e Joseph Albert Hood, foguistas Siduez Reginald Harold,  comissário Ignácio de Boatigui, 2° comissário Joseph Francis Vella e o ajudante de cozinha Thomaz Binsalch.

Placa com a relação dos mortos do Ena de Larrinaga, existente em Londres, um monumento aos mortos da marinha mercante britânica durante a Segunda Guerra Mundial.

Logo eles deixaram Natal no navio Brasil, com destino a Recife, onde toda a tripulação foi novamente reunida, ficando alguns dias regularizando documentação perdida e estadia por conta do Consulado Britânico. Uma semana depois partiu para os Estados Unidos no transatlântico brasileiro Buarque. Na saída do porto de Recife a tripulação do Ena de Larrinaga foi saudada pela tripulação e pela sirene do navio Brasil.

Após partirem de Nova Iorque, chegaram à Grã-Bretanha e cada um seguiu seu destino.

No final do ano de 1941, pelo seu profissionalismo, capacidade de superação e por haver conseguido salvar grande parte de sua tripulação, o comandante Reginald S. Craston foi condecorado com a medalha da Ordem do Império Britânico (Order of the British Empire, ou OBE) e a Medalha de Guerra Lloyd’s por bravura no mar. Ele voltaria a comandar outro navio mercante e novamente sua nave foi atingida por torpedos e afundou. O nome do navio era Ocean Venture, tinha sido colocado em condições de navegação em dezembro de 1941 e dois meses depois, em 8 de fevereiro de 1942, foi afundado pelo submarino alemão U-108, defronte ao Cabo Hatteras, na costa leste dos Estados Unidos. Dessa vez 31 tripulantes pereceram e o capitão Craston e mais treze tripulantes foram recolhidos pelo destroier da Marinha americana USS Roe, e desembarcados no porto de Norfolk, estado da Virgínia.

O comandante Reginald S. Craston faleceu de causas naturais em 1962.

Os náufragos do Ena de Larrinaga, em foto do Diário da Noite-15-4-1941-RJ.

Em 13 de junho de 1941, depois de passar 112 dias no mar, o capitão Georg Schewe trouxe seu U-105 e sua tripulação de volta ao porto francês de Lorient. Se até então Schewe só havia afundado três navios em várias patrulhas de combate, apenas nessa patrulha ele destruiu doze naves, que totalizaram 71.450 toneladas de navios Aliados perdidos, tornando aquela patrulha a terceira mais produtiva de todos os submarinos alemães em toda a Segunda Guerra Mundial. O capitão Schewe realizou mais duas patrulhas e afundaria apenas mais um navio inglês, alcançando a marca total em sua carreira de 16 navios inimigos destruídos, com 85.779 toneladas perdidas no fundo do mar e 175 tripulantes inimigos mortos.

Esse militar seria então removido para funções em terra, onde sobreviveu ao conflito, vindo a falecer em 1990 na cidade alemã de Hamburgo, aos 80 anos de idade.

Os Senhores Miguel Alves de Souza e Manoel Rodrigues Neto concordam que os acontecimentos envolvendo a chegada daqueles náufragos foi algo marcante para a história de Rio do Fogo e que os fatos ocorridos são um exemplo do que as pessoas do seu lugar têm de melhor: um forte espírito de solidariedade.

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Nota do autor: para realizar essa pesquisa, esteve ao meu lado na praia de Rio do Fogo o amigo German Zaunseder, nascido na Argentina, descendente de alemães que lutaram na Segunda Guerra Mundial, que há vários anos vive em Natal e é um grande pesquisador sobre temas da Segunda Guerra Mundial. Contei igualmente com o imprescindível apoio financeiro do empresário Luiz Augusto Maranhão Valle, grande batalhador pela história e cultura potiguar.

NOTAS ——————————————————————————

1 – O que Georg Schewe não sabia é que vinte dias depois o U-99 seria afundado a sudeste da Islândia e Otto Kretschmer seria capturado. No total esse submarinista afundou, ou danificou, 47 navios, perfazendo um total de 312.383 toneladas perdidas. Kretschmer passou seis anos preso e retornou à Alemanha em 1947, onde ingressaria na nova Marinha da Alemanha Ocidental. Chegou ao posto de almirante, ocupou altos cargos na OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte e faleceu em 1997, aos 86 anos de idade.

2 – Na atualidade, através do uso da internet, é possível realizar de maneira bastante razoável uma pesquisa sobre a trajetória de quaisquer submarinos alemães e de seus capitães que atuaram na Segunda Guerra Mundial, bem como de suas inúmeras vítimas. Os sites https://uboat.net e http://www.uboatarchive.net/ (língua inglesa), http://www.u-boot-archiv.de/ (língua alemã) e http://www.u-historia.com/ (língua espanhola) possuem muitas informações. Os dois primeiros aqui comentados são os melhores pela qualidade do material exposto, pois são baseados em documentos originais e em farta literatura.

3 – Não esquecer que o Japão e a Inglaterra só entrariam em guerra contra os britânicos em dezembro de 1941.

4 – Antes de retornarem para a Grã-Bretanha, o comandante Reginald Sharpe Craston e os outros sobreviventes do Ena de Larrinaga estiveram em Nova York, onde deram entrevistas à imprensa norte-americana narrando a sua luta pela sobrevivência no Atlântico Sul, sendo a principal para a revista The Lookout, da Seamen’s Church Institute of New York, volume XXXII, número 7, julho de 1941, páginas 7 e 8.

5 – Tasso Augusto Napoleão, além de capitão de navio mercante, foi político, tendo exercido o cargo de Intendente da cidade litorânea cearense de Camocim entre 1917 e 1918, cargo atualmente equivalente ao de prefeito municipal. Depois o comandante Tasso dedicou a vida a comandar navios, tendo passado muitos anos no comando do navio Almirante Alexandrino. Ver Folha doLitoral, Camocim, Ceará, edição de domingo, 29 de setembro de 1918, página 2.

E NATAL PERDEU OUTRO PATRIMÔNIO DA VELHA RIBEIRA E DA ÉPOCA DA SEGUNDA GUERRA – CAIU UMA PARTE DO ANTIGO ARPÈGE!

Foto – Rostand Medeiros.

Hoje, 21 de junho de 2020, por volta de cinco horas da manhã, na Rua Chile, número 161, no bairro da Ribeira, caiu com certo estrondo uma grande parte do antigo prédio da Boate Arpége, um dos mais representativos locais do boêmio bairro da Ribeira e fortemente ligado ao período da Segunda Guerra Mundial e história da aviação histórica em Natal.

O edifício que caiu, aqui no início do século XX.

As últimas chuvas que caíram em Natal ajudaram a destruição desse imóvel que se encontra abandonado já faz algum tempo. A área se encontra isolada e oferece  risco de novos desabamentos e, como parece que ainda vai acontecer novas chuvas em ter os meses de junho e julho, é provável que o que sobrou venha abaixo.

Existe no local e a cena é triste para quem valoriza a história do lugar onde vive. Apesar de toda problemática com o COVID-19, tive a felicidade de encontrar o amigo German Zaunseder, com quem troquei algumas ideias sobre essa situação. Esse local histórico, tombado pelo poder público, em breve deixará de existir definitivamente.

Foto – Isa Cristina.

Em agosto de 2019 do ano passado eu lancei o meu livro “Lugares de Memória”, que nos seus capítulos apresenta informações e imagens (atuais e antigas) de 27 locais de Natal que possuem ligação com a participação de Natal no conflito, incluindo quartéis, hospitais, sedes de companhias aéreas, bares, cabarés, hotéis, clubes militares, residências de oficiais e do cônsul norte-americano, entre tantos outros pontos que ainda mantêm as características de sete décadas atrás, ou cujos prédios originais deram lugar a novas edificações em Natal.

Entre as edificações apresentadas no livro “Lugares de Memória” estava esse histórico edifício, que agora está quase totalmente destruído. Trago aos leitores do blog TOK DE HISTÓRIA o capítulo que trata do antigo Arpége.

Imagem obtida em junho de 2019 – Foto – Rostand Medeiros.

UM CABARÉ CHAMADO ARPÈGE – RUA CHILE, 161

Esse prédio, já quase completamente destruído, com dois pavimentos superiores derrubados por falta de reparos, ficou conhecido durante muitos anos por ser o local onde funcionou o prostíbulo denominado “Boate Arpège”.

Mas esse local, que em 2010 teria sido tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), possui na história de um antigo proprietário uma ligação muito forte com os períodos da aviação histórica e da Segunda Guerra Mundial na capital potiguar.

Lançado em agosto de 2019, “Lugares de memória” trás entre seus capítulo a história do edifício onde funcionou o Arpège.

O site de genealogia http://www.parentesco.com.br aponta que Enest Walter Lück, também conhecido como Ernest Luck, ou Ernesto Luck, nasceu no ano de 1883, na Alemanha. Segundo o falecido escrito e pesquisador Hypérides Lamartine, conhecido por todos em Natal como Pery Lamartine, em um trabalho que foi entregue em 2008 aos pesquisadores Rostand Medeiros e Frederico Nicolau, Enest Lück é oriundo da cidade de Gevelsberg, na antiga província alemã da Westphalian. Era de uma família de agricultores que trabalhavam também como ferreiros[1].

O trabalho de pesquisa de Pery Lamartine foi realizado por meio das informações do filho de Enest, o empresário do ramo do turismo Werner Ernest Ferdinand Lück, falecido em Recife no ano de 2002. Werner comentou que seu pai trabalhava na cidade belga de Ostende, em uma firma de importação e exportação. Quando um amigo de infância chamado Richard Robert Bürgers lhe escreve do Brasil informando que morava no estado do Rio Grande do Norte. Aqui, Bürgers fora contratado por uma firma inglesa para perfurar poços e que precisava de um auxiliar de confiança para participar dos trabalhos. Enest Lück tomou, então, o navio Karshel, que atracou no porto de Recife em 7 de outubro de 1911, seguindo para Natal em um navio costeiro. Na capital potiguar, o novo imigrante alemão soube que a firma inglesa tinha falido e começou a buscar um novo rumo para a sua vida. Lück, então com 28 anos, adquiriu uma fazenda no sertão do Rio Grande do Norte, com a intenção de criar gado, plantar algodão e mamona. Essa fazenda era localizada próxima ao Pico do Cabugi, na região central do estado. Em suas visitas a Natal, o Sr. Lück enamorou-se por uma senhorita chamada Henriqueta Green, de origem inglesa ou norte-americana, cujo romance acabou com a deflagração da Primeira Guerra Mundial (1914- 1918) e o envolvimento de seus países de origem em lados opostos.

Natal no início do século XX.

Esse conflito em muito retardou o desenvolvimento econômico do Rio Grande do Norte, mas, após o fim da Primeira Guerra, Enest Lück planejou uma mudança de vida. Assim, fundou com um amigo uma loja na Rua Chile, 161, onde se vendia muitos artigos e ficou conhecida como uma loja de “Secos e Molhados”. Além da loja eles criaram a firma de importação e comércio Gurgel, Luck & Cia., com o objetivo de importar produtos da Alemanha e exportar matérias primas produzidas no Rio Grande do Norte, como algodão, óleos, couros, etc.

Ainda segundo Pery Lamartine os sócios vão à Alemanha em 1922 em busca de contatos comerciais, no que são bem-sucedidos. Eles conseguem a representação potiguar da grande casa exportadora Theodor Wille, uma empresa criada por um alemão no Brasil em 1848, que se tornou uma verdadeira potência comercial na década de 1920, onde exportava para a Alemanha o nosso café e exportava tecidos, ferramentas, máquinas e até locomotivas.

Ainda na Alemanha os dois sócios igualmente conseguiram a representação da empresa de navegação Hamburg Sud, ou Hamburg Südamerikanische Dampfschifffahrts-Gesellschaft, também conhecida como Hamburg South America Line, até hoje uma grande empresa de navegação que faz parte da Maersk Line, a maior empresa de transporte de contêineres do mundo.

Ou seja, o alemão e seu sócio brasileiro, além de fecharem um interessante contrato de representação com uma empresa que trazia da Alemanha produtos de primeira qualidade e aceitava comprar as matérias primas produzidas em terras potiguares, também conseguiram a representação de uma grande empresa de navegação. Essa provavelmente transportava os produtos ligados a Gurgel, Luck & Cia., possivelmente com um valor diferenciado e vantajoso.

Nesse retorno de Enest Lück ao seu país, ele reencontrou uma vizinha de infância chamada Elisabeth Luise Bamberger, com quem casou. Enquanto sua vida familiar progredia na caliente Natal, na sua loja da Rua Chile, 161, Enest Lück vendia muitas mercadorias e se tornou referência na cidade. Encontramos em jornais natalenses anúncios de venda de facas, ferramentas agrícolas, talheres, tesouras, etc. Esse edifício não era o único imóvel que o  imigrante alemão possuía naquele setor da cidade. Ele era proprietário de um salão aberto na Travessa Venezuela e uma loja na Rua Dr. Barata, a de número 170, onde ali funcionou durante algum tempo a Confeitaria Savoia, de Giovani Fulco. Enest Lück cresceu como comerciante e na respeitabilidade junto ao povo de Natal, tornou-se o mais proeminente representante da pequena colônia alemã aqui radicada, representante diplomático de sua nação na cidade.

Apesar desses avanços, percebemos na leitura dos antigos jornais uma situação que, aparentemente, chamou negativamente a atenção do povo de Natal em relação às atitudes do alemão Enest Lück.

Propaganda do Sindicato Condor em jornais natalenses.

Segundo nos conta Pery Lamartine, nos primeiros anos da década de 1930, vivia-se, a nível mundial, uma acirrada disputa no que se refere ao transporte do correio aéreo e de passageiros, principalmente entre franceses e alemães. O falecido escritor e aviador potiguar informou que Enest Lück conseguiu então as representações das empresas Lufthansa e Sindicato Condor. Duas companhias de transporte aéreo que se completavam e, conforme podemos observar no capítulo dedicado a  atuação do Sindicato Condor em Natal, ficava localizada na Rua Frei Miguelinho, 119, Ribeira. Foi quando a edição de domingo, 13 de setembro de 1931, do jornal A República, apresentou com grande destaque os fatos que envolveram a tragédia de um hidroavião Dornier Wall, do Sindicato Condor.

Registrado como P-BALA e batizado como “Olinda”, o jornal aponta que, no dia anterior, um sábado, ao buscar decolar no Rio Potengi o piloto Max Christian Sauer e o copiloto Rudolf Karwat não conseguiram força suficiente, aparentemente devido ao mau funcionamento em um dos motores e a aeronave não alcançou a ascensão desejada.

Acidente no Rio Potengi do hidroavião registrado como P-BALA e batizado como “Olinda”,

Ao sobrevoar o Canto do Mangue, local de atracação de barcos de pescadores às margens do Rio Potengi, o piloto decidiu fazer uma curva à esquerda para levar o “Olinda” para o mesmo ponto de onde partiram e tentar uma nova arremetida.

Provavelmente devido à falha no motor, desconhecimento dos obstáculos que havia na área que sobrevoava, desorientação espacial, ou outras causas, o Dornier Wall chocou-se violentamente contra uma antiga barcaça utilizada para o transporte de areia e explodiu em chamas. O impacto ocorreu na outra margem do rio, defronte à administração do Porto de Natal. Os que foram entrevistados pelo jornal nada comentaram sobre o barulho de uma explosão, mas narraram quer viram uma bola de fogo que se criou após o choque.

Consta, nas páginas de A República, que entre os que testemunharam a tragédia e estavam no outro lado do Potengi estava Mestre Manoel Ciríaco, proprietário de um barco conhecido como Minerva, além dos seus tripulantes Luís Jacaré e Chico Velho. Eles rapidamente embarcam no bote e foram os primeiros a chegar ao local da tragédia.

Na barcaça abandonada, que o jornal chama de “areieiro”, Ciríaco encontrou o mecânico Paul Hein, ferido e desacordado. Próximo à barcaça, ainda dentro do que restou da cabina do “Olinda”, os brasileiros viram os restos mortais do piloto, do copiloto e do radiotelegrafista Franz Noether. Nesse momento, encostou uma lancha com vários passageiros, entre eles o alemão Enest Walter Lück e funcionários do Sindicato Condor. Mestre Ciríaco e seus ajudantes transferiram então o mecânico ferido para a lancha e este foi transportado para o cais do porto. Para a surpresa do simples barqueiro e seus tripulantes, em vez de Lück e os membros do Sindicato Condor resgatarem os corpos dos seus companheiros, esses passam a recolher as encomendas, envelopes e malas postais que flutuavam no rio. Ciríaco e seus companheiros comentaram os fatos com detalhe no principal jornal de Natal, o que aparentemente chamou atenção na cidade.

Estaríamos, então, diante da fria lógica germânica que, frente à morte de três tripulantes e da prestação inicial de assistência ao ferido, o mais importante era o recolhimento do material ao resgate dos cadáveres dos seus companheiros? Vale ressaltar que o piloto Max Christian Sauer era o diretor técnico do Sindicato Condor.

E o que haveria de tão importante nesse material que flutuava no Potengi?

O cruzador “Dauntless” entrando em um porto na década de 1930.

Ao observamos os jornais da época, um fato chama a atenção. No dia 27 de agosto de 1931, dezesseis dias antes do acidente do “Olinda”, procedente das Antilhas chegou ao porto de Natal o cruzador ligeiro Inglês H. M. S. Dauntless. Esse era um fato não muito comum na capital potiguar, sendo noticiado pelos jornais da época como “uma tranquila visita de cortesia de 400 oficiais e marinheiros da marinha de Sua Majestade”. Não faltaram inúmeras recepções que movimentaram a urbe, com um baile a bordo do cruzador e outras festividades. Ocorreu até mesmo um movimentado jogo de futebol entre a equipe do navio e o time do América Futebol Clube, que venceu os marinheiros ingleses pelo placar de 4×2. O certo é que o cruzador inglês H. M. S. Dauntless não era nenhum navio desprezível, ou que não chamasse atenção. Era uma moderna nave de combate da classe “D” de cruzadores ligeiros ingleses, estava em serviço ativo desde 1918, possuía o código D-45 e pertencia, na época, à Divisão Sul Americana da frota inglesa. Desenvolvia quase 30 nós de velocidade, com um armamento que incluía torpedos de 533 m.m., seis canhões de 152 m.m. e canhões antiaéreos. Seu peso era de 5.000 toneladas e tinha quase 150 metros de comprimento[2]. Em 1931, apesar de a Alemanha ainda não viver sob o domínio do Terceiro Reich, haviam se passado apenas treze anos do fim da Primeira Guerra Mundial, onde a Inglaterra era vista pelos alemães como um potencial inimigo. Era normal aos agentes e representantes alemães pelo mundo afora, como era o caso de Enest Walter Lück, informar as movimentações e os detalhes sobre as belonaves de guerra dos países considerados inimigos em suas viagens. Haveria então nas malas postais transportadas pelo “Olinda” alguma informação interessante sobre o cruzador H. M. S. Dauntless que teria sido enviada para a Embaixada Alemã no Rio de Janeiro?

Seria essa a razão do Sr. Enest Walter Lück ter deixado de lado o resgate dos corpos dos tripulantes do “Olinda”?

Ou seria apenas uma coincidência?

Não sabemos, mas vale ressaltar que, devido à falta de atenção do Sr. Enest Walter Lück em não ordenar o resgate dos corpos dos tripulantes do hidroavião, esses são deslocados pela maré e se perdem na noite. Só vão ser encontrados, segundo o jornal A República, a partir das dez da manhã de domingo, 13 de setembro. Eles estavam espalhados em vários pontos do rio e já em adiantado estado de putrefação. Ainda no domingo, com grande acompanhamento por parte da população local, autoridades e membros da colônia alemã, os três alemães mortos foram rapidamente enterrados no cemitério do Alecrim.

Conforme apresentamos no texto dedicado ao comerciante italiano Guglielmo Lettieri, durante a Segunda Guerra Mundial, o alemão Enest Lück e dois compatriotas foram acusados e condenados como espiões da Alemanha Nazista atuando em Natal. Clyde Smith deixa a entender em seu livro que a loja que Lück possuía na Rua Chile era uma espécie de fachada para outras atividades, pois ali “aparentemente, ninguém entrava”[3]. Mas logo após o fim do conflito todos foram soltos e, de uma forma que merece estudo complementar, foram perdoados pela sociedade natalense e continuaram a tocar suas vidas.

Rua Chile antiga Rua do Comércio.

Não conseguimos uma informação mais abrangente sobre o que aconteceu com a loja de Lück na Rua Chile, 161. Mas, segundo a dissertação de mestrado do arquiteto e urbanista Gilmar de Siqueira Costa, pouco antes da chegada dos militares norte-americanos a Natal, o dia a dia naquela edificação ficou bem movimentada.

Intitulada Reutilização de imóveis de interesse patrimonial, voltados para a habitação: Um estudo de caso na ribeira – Natal/RN e publicada em 2006, essa dissertação, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, da UFRN, aponta, nas páginas 147 a 149, que o pavimento do edifício da Rua Chile, 161, foi construído em 1904. Já em 1941, o Senhor Nestor Galhardo adquiriu parte da edificação, tendo o intuito de instalar sua própria gráfica, ocupando apenas o pavimento térreo. Porém, com o advento da Segunda Grande Guerra, muitas prostitutas e seus clientes vieram para a Ribeira. Pensando em atender ao grande número de militares e marinheiros, o Sr. Galhardo, que era amante de uma meretriz chamada Rosita, decidiu abrir um cabaré no pavimento superior, que seria administrado pela sua concubina e cuja entrada era feita pela Travessa Venezuela. Aparentemente foi nessa época que a edificação ficou conhecida popularmente como “Edifício Galhardo”.

Segundo Gilmar de Siqueira Costa, um dos aspectos mais curiosos relacionados ao Edifício Galhardo é o fato de ter sediado durante muito tempo uma das mais famosas casas de meretrício do Nordeste – o Cabaré Arpège. O autor aponta como sendo uma “casa de recursos vinculada à cultura da boemia e dos cabarés, geradora de toda uma série de mitologias e anedotas referentes a personagens destacados na vida social, no decorrer do seu tempo de atuação”. Sobre esse lugar paira a lenda que durante a visita dos Presidentes Roosevelt e Getúlio Vargas à Natal, em janeiro de 1943, esses teriam visitado discretamente as instalações do elegante lupanar.

Após a morte do seu proprietário, o seu parente Nestor Galhardo Neto assumiu a administração dos negócios contidos no imóvel. Gilmar de Siqueira Costa aponta como fato curioso que durante as gravações da película “For All”, que buscava retratar a cidade de Natal no período da Segunda Guerra, algumas cenas foram tomadas nos espaços do prédio.

NOTAS


[1]http://www.parentesco.com.br/index.php?apg=pessoa&idp=32290&c_palavra=L%C3%BCck&ori=nomes&ver=por, acessado em 17/05/2019.

[2] O H. M. S. Dauntless chegou a participar de toda a Segunda Guerra Mundial, combatendo os japoneses na região da Batavia e Singapura, além de participar dos combates a submarinos alemães no Atlântico.

[3]SMITH JUNIOR, Clyde – Trampolim Para a Vitória. 1. Ed. – Natal-RN: Ed. Universitária, 1993, página 22.

OS PESCADORES NORDESTINOS QUE ENCONTRARAM UM SUBMARINO NAZISTA E SOBREVIVERAM PARA CONTAR A HISTÓRIA

Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Tal como em 2020, o ano de 1942 foi bastante sombrio para o mundo e para o Brasil. Se no atual período, em pleno século XXI, uma pandemia vindo da China que apavora e mata, nos anos 40 do século passado eram submarinos nazifascistas que assolavam os oceanos, especialmente o Atlântico, com suas ações de combate que infligiram muitas mortes e destruição.

Tal como no início de 2020, quando as primeiras notícias da expansão do COVID-19 parecia algo distante e que não afetaria tanto o nosso dia a dia, algo semelhante ocorreu no Brasil durante os momentos iniciais da Segunda Guerra Mundial. Toda a problemática parecia distante, do tamanho do mar que separa nosso país da Europa. Em minha opinião isso durou até o momento da queda da França.

Soldados alemães desfilam no Champs Élysées em 14 de junho de 1940 (Bundesarchiv) – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Paris_in_World_War_II#/media/File:Bundesarchiv_Bild_146-1994-036-09A,_Paris,_Parade_auf_der_Champs_Elys%C3%A9e.jpg

Uma situação que realmente abalou a sociedade brasileira, até pela influência que a cultura francesa exercia em nosso país. Nessa época os alemães conquistaram vários portos franceses e passaram a utilizá-los com seus submarinos, ampliando a capacidade de ação dessas naves. Logo chegavam mais e mais notícias de ataques contra o transporte marítimo Aliado.

 O Oceano Atlântico se tornou um verdadeiro campo de lutas, que ficou marcado na História como a Batalha do Atlântico.

Foto de 1943, da ação da Marinha do Brasil na Batalha do Atlântico – Fonte – Marinha do Brasil.

Essa foi a mais longa campanha militar da guerra. Durou de setembro de 1939 até a derrota da Alemanha em maio de 1945 e durante esses seis anos navios e submarinos alemães – mais tarde com a participação de italianos – lançaram-se com eficiência e coragem para controlar as rotas marítimas e atacar os comboios aliados que transportavam equipamentos e suprimentos vitais.

A Guerra no Mar

No início os navios de guerra alemães realizaram uma série de incursões, mas tiveram sucesso limitado, levando à perda de grandes navios, incluindo os poderosos encouraçados de bolso Graf Spee e Bismarck. O foco da marinha alemã passou então a ser a escalada da guerra submarina, com a construção de várias unidades.

Os submarinistas alemães atacavam os navios mercantes inimigos de forma solitária ou em grupos, as chamadas “Alcateias de lobos”. Disparavam com destreza torpedos e tiros de canhões e depois submergiam para fugir dos contra-ataques dos navios escolta. Os alemães obtiveram muito sucesso nos primeiros anos da Guerra, chegando a afundar em 1941 um total de 875 navios Aliados. O entusiasmo dos germânicos era tão elevado, que eles classificaram esse período como “Tempos felizes”.

Mas os britânicos não fraquejaram. Eles conseguem algumas vitórias com o apoio dos canadenses e a ajuda dos Estados Unidos, através do envio de 50 destroieres seminovos, recebidos em troca do acesso a bases britânicas.

Um marinheiro mercante observa o destróier canadense HMCS Swansea em serviço de escolta no Atlântico Norte. Crédito da foto: Library Archives Canada PA-112995

Não podemos esquecer que a evolução tecnológica, trabalhou em favor dos Aliados, incluindo a colocação de radares em navios de escolta a partir de agosto de 1941. No entanto, os comboios eram ainda muito vulneráveis, principalmente em áreas onde a cobertura e a proteção oferecida pelos aviões antissubmarinos eram limitadas pelo alcance.

Em 1942 novos submarinos alemães entraram em serviço a uma taxa de vinte por mês. Embora a Marinha dos Estados Unidos tenha entrado na Batalha do Atlântico no final de 1941, estes foram incapazes de evitar o afundamento de quase 500 navios, entre janeiro e junho de 1942.

Primeiro Ministro Winston Churchill.

O caso era tão sério que o abastecimento de gasolina e comida para a Grã-Bretanha atingiu níveis criticamente baixos. Até mesmo o inquebrantável Primeiro Ministro Winston Churchill, comentou em suas memórias que durante a guerra seu maior medo em relação aos inimigos era a ação dos seus submarinos.

O Brasil no Caminho da Guerra

As primeiras notícias de algum navio brasileiro atacado pelos nazistas nada teve haver com a ação de um submarino no Oceano Atlântico, mas foi resultado de um ataque aéreo alemão no Mar Mediterrâneo.

Foi no dia 22 de março, em um trajeto entre a ilha de Chipre e a cidade egípcia de Alexandria, que o cargueiro Taubaté, de 5.099 toneladas, foi atacado com bombas e tiros de metralhadoras de um avião bimotor alemão. Nesse episódio o conferente José Francisco Fraga, quando tentava com outros colegas içar uma bandeira brasileira para que o avião cessasse o ataque a uma nave neutra, foi crivado de balas. Fraga se tornou o primeiro brasileiro morto por uma ação de combate realizada por forças nazistas. Mesmo danificado o Taubaté conseguiu chegar ao porto de Alexandria e entre os membros da tripulação que testemunharam o ataque estavam o foguista João Lins Filho, potiguar, e o 2º cozinheiro Teodoro da Silva Ramos, pernambucano. Ramos inclusive levou vários estilhaços nas costas, ocasionando feridas que deixaram grandes cicatrizes (Detalhes sobre esse ataque ver https://tokdehistoria.com.br/2018/02/01/1941-o-ataque-de-um-aviao-nazista-ao-cargueiro-taubate-e-o-primeiro-potiguar-a-testemunhar-o-horror-da-segunda-guerra/ ).

Esquadrão de caça e destruição de submarino VP-52, equipado com hidroaviões Catalina. Eles foram a primeira unidade militar dos Estados Unidos a chegar em Natal, Rio Grande do Norte, no dia 11 de dezembro de 1941. Depois se notabilizaram destruindo navios de cargas japoneses no teatro de guerra do Oceano Pacífico – Fonte – Coleção do autor.

Nesse meio tempo os brasileiros que viviam na porção nordeste do país começaram a perceber a chegada paulatina da guerra.

Em 18 de abril de 1941, uma sexta-feira, pescadores da bela praia potiguar de Rio do Fogo, ao norte de Natal, ajudaram no resgate de dezenove náufragos do cargueiro inglês Ena de Larrinaga, afundado próximo ao Arquipélago de São Pedro e São Paulo pelo submarino U-105. No dia 11 de dezembro chegava a Natal seis hidroaviões Catalina da esquadrilha VP-52, da Marinha dos Estados Unidos, que passaram a patrulhar o nosso litoral e o Atlântico Sul. No primeiro mês do novo ano de 1942, mais precisamente em 28 de janeiro, o Brasil decidiu romper relações com a Alemanha após a III Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, realizado no palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro.

A partir desse acontecimento, a destruição de navios brasileiros por submarinos se tornou comum nos jornais. A primeira vítima ocorreu em fevereiro de 1942 e foi o navio de carga e passageiros Buarque, de 5.152 toneladas, que foi afundado na costa dos Estados Unidos no dia 12, com a morte de um tripulante. No mesmo mês se juntou ao Buarque no fundo do mar os cargueiros Olinda e o Cabedelo. O primeiro foi destruído, sem vítimas, pelo submarino alemão U-432. Já o Cabedelo desapareceu na segunda quinzena de fevereiro, sem deixar vestígios, em algum ponto do Oceano Atlântico, onde pereceu toda a tripulação. Acredita-se que esse afundamento foi uma ação do submarino italiano Da Vinci.

Lista de sobreviventes do navio de carga brasileiro Comandante Lira, transportados pelo cruzados USS Omaha, da Marinha dos Estados Unidos, após seu torpedeamento pelo submarino italiano Barbarigo, em 18 de maio de 1942.

Entre o final de fevereiro e o final de julho, outros onze barcos de bandeira brasileira foram atacados no Atlântico Norte, na costa norte-americana e no Mar do Caribe, totalizando 80 mortos e 51.728 toneladas perdidas. Somente o cargueiro Comandante Lira, danificado a 900 milhas náuticas de Natal, e o veleiro de transporte de cargas Paracury, com 265 toneladas é atingido por disparos ao sul da República Dominicana, conseguiram sobreviver para retornar ao serviço. Sobre esse último caso ver https://uboat.net/allies/merchants/ship/1745.html

Mas quando agosto chegou os alemães abriram as portas do inferno nas calientes águas do litoral nordestino.

O Submarino Alemão

Oficiais na torre do U-507.

O U-507 era um submarino do tipo IXC, comandado pelo Korvettenkapitän (capitão de corveta) Harro Schacht, um alemão de 35 anos de idade, originário de uma cidade portuária na Baixa Saxónia chamada Cuxhaven, localizada no norte daquele país. Até agosto de 1942 Schacht e seus 53 tripulantes haviam enviado para o fundo do mar nove navios mercantes e danificado um. Estas ações ocorreram em duas patrulhas de combate, ocasionando a morte de 98 pessoas e totalizando 51.543 toneladas de material flutuante perdido.

Símbolo da torre do U-507.

Segundo os dados existentes, a terceira patrulha de combate do U-507 começou no dia 4 de julho, quando os alemães partiram da cidade francesa de Lorient. Em 13 de julho Schacht passou a poucos quilômetros a leste da ilha da Ribeira Grande, no Arquipélago dos Açores, aparentemente sem chamar atenção das autoridades portuguesas. Depois seguiu em patrulha até o dia 25 de julho, onde realizou um encontro na região de Cabo Verde com o submarino U-116, para receber 28 mil litros de óleo combustível e suprimentos.

Entre 30 e 31 de julho, o U-507 se encontrava a norte/noroeste do Arquipélago de São Pedro e São Paulo e seguiu em direção a costa brasileira. Três dias depois informou que alcançou as coordenadas geográficas 03°, 27’ S 36°, 33’ W, um local a cerca de 90 a 100 milhas náuticas da costa do Ceará e do Rio Grande do Norte, algo entre 165 a 185 quilômetros de distância. Depois se afastou da costa nordestina, retornando em direção a São Pedro e São Paulo, onde no dia 8 de agosto passou ao norte desses isolados pontos rochosos. Depois manobrou em direção sudoeste, apontando novamente para a costa brasileira. Nesse trajeto esteve entre 11 e 12 de agosto a poucas milhas náuticas a noroeste de Fernando de Noronha e continuou se aproximando do nosso litoral de forma decidida. Dois dias depois estava na altura de Maceió.

Um hidroavião Consolidated PBY Catalina – Fonte – NARA. 

Aqui cabe abrir um parêntese para comentar que nessa época em Natal operava o esquadrão VP-83 da Marinha dos Estados Unidos, a US Navy, equipado com uma dezena de hidroaviões Catalina, que realizavam constantes patrulhas de vigilância nessa região. Essas aeronaves estrangeiras eram apoiadas por vários aviões e hidroaviões da Força Aérea Brasileira, que mesmo carente de materiais modernos, se desdobrava ao máximo para patrulhar o litoral. Além desse material aéreo, a US Navy, operava algumas unidades navais, onde se destacavam os cruzadores USS Omaha e USS Milwauke, além de alguns destroieres e navios de apoio. Essas naves eram subordinadas ao grupo de operações navais denominado Task Force Twenty Three (Força Tarefa 23), ou TF23, sob o comando do almirante Jonas Howard Ingram. A TF23, que futuramente se transformaria na Four Fleet, ou Quarta Frota, operava em conjunto com a Marinha do Brasil, que por sua vez se esforçava para cumprir suas missões com uma pequena e bastante envelhecida frota de navios.

Mas como ninguém se colocou na sua frente, Schacht continuou seguindo direto para o litoral brasileiro.

Inferno em Alto Mar

Segundo o interessante livro “Operação Brasil”, de Durval Lourenço Pereira, que trás informações do diário de bordo do U-571 e mostra a ação de forma intensa, às sete da noite de 15 de agosto começou o ataque do U-507 ao navio brasileiro Baependi.

O navio brasileiro Baependi – 270 pessoas mortas.

No primeiro momento dois torpedos são disparados, mas erram. Entretanto o navio segue lento e o alemão consegue reposicionar seu submarino, ultrapassando o barco brasileiro. As 19h12 abre fogo com outros dois torpedos e logo o navio vai para o fundo do mar.  Depois de tantos dias de navegação Schacht e seus homens exultam com a vitória. Já no Baependi sobrevivem apenas 36, dos seus 322 tripulantes e passageiros.

O navio brasileiro Araraquara – 131 pessoas mortas.

Logo após o ataque, Schacht segue atrás de outro alvo, que surge bastante iluminado. É o navio de passageiros Araraquara, construído na Itália em 1928 e considerado uma nave luxuosa. Pouco depois das nove da noite é disparado um torpedo que faz o Araraquara partir-se ao meio e afundar em cinco minutos. Salvam a vida apenas 11, dos seus 142 tripulantes e passageiros. Esses afundamentos, que ocorreram com uma diferença de menos de duas horas, foram em pontos defronte a divisa entre a Bahia e Sergipe.

O navio brasileiro Aníbal Benévolo – 150 pessoas mortas.

Depois, já na madrugada do dia 16, o U-507 se coloca em um setor mais ao sul da primeira carnificina, já no litoral norte da Bahia, onde um novo alvo é localizado. Depois de realizar certas manobras o alemão coloca seu submarino a apenas mil metros do novo ponto visado e as 04h13 ataca e afunda o navio de passageiros Aníbal Benévolo. O Suplício dessa nave foi extremamente rápido e extremo. Em poucos minutos ele desapareceu nas águas e das 154 pessoas a bordo, só se salvaram quatro tripulantes.

A ação do alemão foi tão contundente e destruiu seus alvos de forma tão avassaladora, que nenhum dos três navios afundados emitiu quaisquer sinais de socorro. O caçador alemão podia continuar agindo impunemente no litoral nordestino.

Farol da Barra e salvador antes da Segunda Guerra Mundial – Fonte – http://www.bahia-turismo.com/salvador/barra/barra-antiga.htm

Na sequência do dia 16 de agosto, o U-507 se aproxima de Salvador e às sete da noite Schacht avista os faróis de Itapuã e depois o de Santo Antônio da Barra, na entrada da baía de Todos os Santos, além das luzes de Salvador. Mas nada de navios.

O navio brasileiro Itagiba – 36 pessoas mortas.

Na manhã de 17 de agosto outro navio é avistado ao norte da ilha de Tinharé, próximo ao farol do Morro de São Paulo. Esse é o Itagiba, que vinha do Rio para Salvador e, quase as onze da manhã, é atingido por torpedo e afunda em 10 minutos. Morreram 36 pessoas e 145 sobrevivem pelo valoroso trabalho de resgate realizado pelo iate Aragipe, um barco costeiro de 300 toneladas, comandado por Manoel Balbino dos Santos, que passava pelas proximidades seguindo para Salvador, ou Ilhéus, segundo outras fontes.

O navio brasileiro Arará – 20 pessoas mortas.

Schacht tem tempo de observar pelo periscópio o trabalho de resgate realizado por Balbino e sua tripulação, mas logo avista outro navio, outro alvo. É o pequeno cargueiro brasileiro Arará, de apenas mil toneladas de deslocamento, que se aproxima para ajudar a recolher os náufragos. Durval Lourenço aponta corretamente que Schacht “mostrou total desprezo pela vida humana”, quando atacou um navio desarmado que recolhia náufragos e disparou sua carga de torpedos a menos de 500 metros do alvo. O ataque ao Arará ocorreu duas horas após o fundamento do Itagiba. O saldo trágico deste último afundamento foi de 20 mortos e 16 sobreviventes. Segundo uma notícia publicada em O Jornal, do Rio de Janeiro (21/08/1942, págs. 1 e 6), depois de recolher um grande número de náufragos do Itagiba o mestre do iate Aragipe, Manoel Balbino dos Santos, quis ir até o local do sinistro do Arará e ajudar os necessitados. Mas foi veementemente impedido pelos náufragos do Itagiba e seguiu para a cidade de Valença. Outras fontes apontam que na verdade o Aragipe estava mesmo era lotado e por isso teve de sair da área.

Pouco depois das cinco e meia da tarde o U-507 avista outro navio e parte para o ataque. Seria a sua terceira vitima do dia, mas dessa vez Schacht não obtém sucesso. O torpedo falhou e o navio, que seria de nacionalidade sueca, estava se movendo rápido demais para o U-507 pegá-lo antes de entrar na baía de Todos os Santos.

Catalina do VP-83, que atuou no Brasil.

Após o fracasso ele decide navegar para o sul da Bahia. No outro dia o U-507 está imóvel na superfície, com sua tripulação realizando o concerto de um tubo lança torpedo. Um serviço que deixa aquela nave de guerra vulnerável. É quase uma e vinte da tarde de 18 de agosto, quando o submarino é visto pela tripulação do Catalina do VP-83, pilotado pelo tenente John M. Lacey. Os americanos atacam com disparos de metralhadoras e o lançamento de cargas de profundidade. Após os impactos o piloto achou que havia afundado o submersível porque viu uma mancha de óleo e bolhas de ar na superfície, mas Schacht escapou com seu submarino.

Não consegui encontrar um foto identificando o Jacyra. Talvez ele fosse parecido com o barco da foto, certamente maior. Não houve mortos no afundamento do Jacyra – Fonte – TIME/LIFE

O capitão alemão continuou levando sua nave em direção sul, até as proximidades de Ilhéus. Na madrugada de 19 de agosto os alemães encontram um pequeno veleiro costeiro de transporte de mercadorias chamado Jacyra, que foi abordado. Os nazistas revistam o veleiro, mas não encontram nada de útil. A seguir ordenam a tripulação brasileira que sigam para a praia e o barco é dinamitado. Foi uma parada arriscada, realizada perto do litoral, para revistar e depois afundar um veleiro que nem ultrapassava as 100 toneladas. 

Todos esses barcos brasileiros foram atacados e afundados em posições que variam de 7 a 30 milhas náuticas de distância, algo entre 13 a 55 quilômetros das belas praias dos litorais da Bahia e Sergipe. No total morreram 607 pessoas, entre homens, mulheres e crianças e foram perdidos 14.911 toneladas em naves afundadas.

O navio sueco Hammaren – Seis pessoas mortas.

No dia seguinte após o afundamento do Jacyra, por volta do meio dia, o U-507 está novamente próximo da bela localidade de Morro de São Paulo e a noite avistam as luzes de Salvador. Schacht permanece com seu submarino na área da entrada da baía de Todos os Santos  por todo o dia 21, mas não visualizam nenhum alvo. Na madrugada do dia 22, na altura do farol de Itapuã, Schacht encontra o navio sueco Hammarem, que navega sem luzes. Mesmo trazendo no seu mastro a bandeira de um país neutro, o alemão ordena o lançamento de dois torpedos, com resultados negativos. Ele espera o dia amanhecer para disparar tiros de canhão. O Hammarem é atingido na proa e para as máquinas, Schacht então dispara seus torpedos para enviar o navio para o fundo. Seis tripulantes morrem na ação. Depois o alemão segue em direção norte. 

Guerra

Para o Brasil de 1942, aqueles afundamentos ocorridos em poucos dias foi um verdadeiro choque. Algo que abalou fortemente a população. Conforme os dias foram passando e fotos terrivelmente duras de cadáveres em decomposição nas praias sergipanas e baianas foram mostrados nos jornais e revistas, o povo brasileiro se encheu ainda mais de indignação, dor e raiva. Milhares de pessoas saíram espontaneamente às ruas de várias cidades pedindo a declaração de guerra contra a Alemanha. No entanto a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas levou alguns dias para assinar essa declaração, fato ocorrido em 22 de agosto. Isso tudo em meio a um forte clamor popular nas ruas do Rio, algo que Vargas não tinha muita prática e experiência de lidar.

Aquela atitude popular, considerada inusitada em meio a uma das ditaduras mais terríveis e nefastas da história do Brasil, para mim não é surpreendente. Naquele tempo viajar de navios era algo extremamente normal em todo planeta e também para os brasileiros. Estes últimos viviam em um país continental com muita agricultura e poucas indústrias, com uma malha ferroviária relativamente pequena para as suas necessidades, desprovido de boas estradas, sem uma indústria automotiva que suprisse a demanda e com um transporte aéreo destinado basicamente aos mais ricos. O transporte marítimo era muito popular, até mesmo para alguém que vivia com poucos recursos no Brasil. Navegar, mesmo mal acomodados na terceira classe dos barcos de cargas e passageiros, era a única opção para seguir para rincões mais longínquos.

Além do livro de Durval Lourenço, outra maneira de visualizar a rota do que o U-503 realizou para destruir sete barcos na costa brasileira, é através do interessante site https://uboat.net/ Seguramente o melhor existente na internet, com uma enorme gama de informações sobre a ação dos submarinos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Na imagem vemos o traçado em vermelho da rota da patrulha de combate do U-507 , que durou de 4 de julho até 12 de outubro de 1942. Na imagem, os pontos em laranja são os barcos afundados na costa brasileira – Fonte – https://uboat.net/boats/patrols/patrol_1099.html

Na página 177 do livro “Operação Brasil”, encontramos um interessante mapa que mostra a rota percorrida pelo U-507 no litoral brasileiro. Após o último ataque próximo a costa baiana, o submarino navegou várias milhas mar adentro e passou longe de Aracajú. Mas quando estava na altura de Maceió, o comandante alemão começou a retornar para perto da costa nordestina. Ele planejava realizar um ataque contra o porto de Recife, Pernambuco, então um dos mais movimentados no Brasil daquela época.

Os Quatro Pescadores do Pina

Provavelmente o comandante alemão desejava atacar disparando torpedos nos vapores ali ancorados, ou utilizando o canhão de 105 m.m. que existia em sua nave para destruir estruturas portuárias. Em 23 de agosto Schacht enviou uma mensagem ao B.d.U., ou Befehlshaber der Unterseeboote, o Comandante dos submarinos alemães, cargo exercido pelo almirante Karl Dönitz, informando sobre suas intenções. Apesar de ter liberdade de ação no litoral do Brasil, no outro dia Schacht  recebeu uma resposta proibindo esse tipo de ataque por razões políticas, mas ordenava que ele e sua nave continuassem avançando para o porto e esperasse por tráfego.

Almirante Karl Dönitz

Enquanto o U-507 se aproximava do litoral pernambucano, ao meio dia de 25 de agosto na praia do Pina, uma das mais tradicionais de Recife, um grupo de pescadores se preparava para o trabalho. Eles se chamavam Elviro Izidro de Miranda, João Francisco dos Santos, Manoel Alves do Nascimento e Francisco Bezerra da Silva e aparelhavam o bote Ivo para mais uma saída para o mar. Esse barco um barco limitado, que possuía pequenas dimensões, utilizava uma única vela triangular, ou “pano”, no dizer dos pescadores, e tinha um pequeno castelo de proa. Eles faziam parte da Colônia de Pescadores do Pina, a Z-1, que nessa época tinha sede na Rua da Cabanga.

Não consegui uma foto que apontasse com clareza como era estrutura de um bote em Recife no ano de 1942. Já em Natal, o que se conhece como bote são os barcos que aparecem nessa foto de Hart Preston, atracados no cais da Tavares de Lira, as margens do Rio Potengi. Essa foto foi realizada em Natal no ano de 1941 – Fonte – TIME/LIFE

Evidentemente, como trabalhadores do mar, aqueles homens já tinham conhecimento dos ataques realizados pelo U-507 entre Sergipe e a Bahia. Certamente estavam com raiva, como a maior parte dos brasileiros e muito mais preocupados do que a maioria, pois a sua labuta era justamente no mar, onde talvez encontrassem o inimigo. Inimigo esse que destruiu navios que vez por outra frequentavam o porto de Recife.

Segundo a cópia de um depoimento existente no Arquivo Nacional, aqueles homens informaram que o bote Ivo estava equipado com gelo, o que garantia condições de permanecer mais tempo no mar com o pescado conseguido. Eles iriam pescar a cerca de 30 milhas da costa, pouco mais de 55 quilômetros de distância. Por volta de meio dia zarparam.

No livro “A Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial”, de Arthur Oscar Salgada da Gama, nas páginas 29 e 30, ele informa sobre um levantamento realizado pelo Adido Naval dos Estados Unidos, que concluiu existirem mais de 73.000 pescadores associados às muitas colônias de pescadores organizadas no litoral brasileiro. Outra coisa interessante estava no fato desses homens pescarem a distâncias que podiam chegar a 120 milhas náuticas da costa, onde  poderiam denunciar quaisquer ocorrências estranha as autoridades marítimas.

Ação dos pescadores no apoio a marinha do Brasil no Ceará.

Ainda segundo esse autor, no dia 14 de julho de 1942 o CEME – Comando do Estado Maior da Armada, emitiu uma Circular aos Comandantes Navais e aos Capitães dos Portos, orientando como arregimentar os pescadores para ajudar no esforço geral da Marinha em relação a proteção do litoral. Havia também orientações de como aqueles homens simples poderiam estabelecer ligações rápidas com os Comandos Navais.

Praia do Pina e suas jangadas. Pelo depoimento que consegui, tudo indica que os quatro pescadores não utilizaram esse tipo de barcos tradicionais.

Não sabemos se os quatro pescadores da Praia do Pina receberam informações sobre esse tipo de procedimento, mas no começo da noite de 25 de agosto eles chegaram ao ponto de pesca, sendo comandados por Elviro Izidro. Logo amarraram a vela ao mastro de madeira e baixaram a âncora do bote Ivo, ou fateixa. Segundo os pescadores a fateixa alcançou 29 braças de profundidade, ou 53 metros. Desse ponto não se avistava a terra e eles então trataram de pescar.

“-É um submarino”

Os quatro pescadores relataram que “reinava um bom tempo, apenas refrescado pelos ventos de quadrante sul”, que o período de lua cheia dava uma forte claridade. Uma condição muito perigosa para um submarino de ataque, pois aumentava a possibilidade dessas naves furtivas serem facilmente observadas.

Cópia do depoimento dos quatro pescadores.

Era por volta das nove da noite e foi o pescador João, que se achava no castelo da proa, quem primeiro viu uma embarcação estranha e disse “-Vem lá uma navegação!”. Suas palavras chamaram a atenção de Manoel, que estava sentado a meia nau. Manoel observou e, de fato, na direção Leste-Oeste, isto é, do mar para terra, navegava uma embarcação não muito alta, que, aos poucos, veio crescendo na direção do bote Ivo, até passar a cerca de 100 braças, pouco mais de 180 metros dos pescadores, pelo lado sul do seu pequeno barco. Manoel não teve duvidas e disse “-É um submarino”.

Notícia da visita dos submarinos brasileiros ao Recife em 1938.

Segundo a declaração prestada ao inspetor da Polícia Marítima e Aérea quando retornaram ao Recife, os quatro pescadores foram contundentes e convictos ao afirmarem ser aquele estranho barco era um submarino. Em 1938 eles tiveram oportunidade de ver de perto os três submarinos que o Brasil havia adquirido da Itália. Esses eram os submarinos da classe Perla, de 860 toneladas cada um, batizados como S-11 Tupy, S-12 Timbira e S-13 Tamoyo e que, conforme notícia que apresentamos, estiveram em Recife em 11 de fevereiro de 1938, quando realizaram uma parada para abastecimento antes de seguir para o Rio de Janeiro.

Em relação ao misterioso submarino observado na noite de 25 de agosto de 1942, os quatros pescadores da praia do Pina comentaram algo que considerei interessante e estranho – Eles afirmaram que o submarino trazia acessas duas lâmpadas em seus bordos, ou seja nas laterais, uma na cor vermelha e outra na cor verde. Como fossem luzes normais de navegação. Mas os pescadores comentaram admirados que essas luzes só se tornaram visíveis no momento que o submarino passou por eles e a ré da nave, ou popa, como é conhecida a parte traseira de uma embarcação, ficou inteiramente visível para os tripulantes do bote Ivo.

A silhueta mais característica dos submarinos alemães.

Estariam os alemães com essas luzes utilizando alguma espécie de ardil, se passando, atalvez, por um barco de pesca? Ou seriam essas luzes de algum instrumento de combate, ou de navegação do U-507?

Para os pescadores o submarino tinha um tamanho “comum” e comentaram que viram de maneira bem visível a torre e o periscópio, mas não divisaram os tripulantes. Perceberam que a nave seguia a boa velocidade, com o mar passando sobre o convés e a luz da lua refletindo sobre o casco. Os pescadores do Pina comentaram que se haviam tripulantes na torre do submarino (e certamente eles estava lá), estes provavelmente não viram o Ivo, pois o submarino seguiu em frente sem alterações. 

Navio da TF-23 da US Navy no porto de Recife. Foto de Hart Preston– Fonte – TIME/LIFE

Naturalmente os pescadores ficaram bastante assustados e depois do submarino desaparecer da vista deles, prontamente cortaram a corda da âncora, abriram a vela e trataram de retornar. Eles declararam que aproveitaram o vento que soprava e navegaram com o bote Ivo em direção a Olinda, pois o litoral nessa área possui pouca profundidade e recifes de coral, local impróprio para se colocar um submarino. Não sabemos o grau de instrução desses homens, mas pelo que ficou descrito no depoimento prestado por eles, em termos de conhecimentos marítimos e de navegação eles eram verdadeiros mestres.

Os pescadores nunca mais viram o submarino que, segundo o livro de Durval Lourenço, conseguiu chegar próximo do porto de Recife. Harro Schacht visualizou vários navios prontos para serem destruídos, mas não desobedeceu a ordem recebida. Em seu ótimo livro Durval comenta (pág. 178) que o alemão se aproveitou de uma situação natural para chegar próximo da entrada do porto em uma noite de lua cheia. Houve um eclipse lunar que literalmente “apagou” a lua!

Quando um submarino alemão retornava vitorioso a sua base francesa, era normal a tripulação colocar essas bandeiras triangulares, onde anotavam a tonelagem de cada navio afundado durante a patrulha. Nesta foto o submarino que retornou, que não era o U-507, afundou pelo menos dez navios inimigos. Certamente a tripulação do U-507 deve ter confeccionado as bandeirolas com as tonelagens dos navios que afundou na costa brasileira.

Se a ordem do B.d.U. para a realização de um ataque fosse positiva, as consequências para a história da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial e de Recife teriam sido bem diferentes.

Quando o dia amanheceu os alemães viram aeronaves e, para evitar ser visto nas águas claras do mar nordestino, o comandante submergiu sua nave a cerca de 35 metros de profundidade e assim passou todo o dia. À noite, oito horas e trinta e seis minutos, Schacht volta até a superfície e vasculha com o periscópio o horizonte. Ele então viu um destroier iluminado pela lua, a três quilômetros de distância. Segundo Durval Lourenço o alemão não disparou devido à intensa claridade noturna, a pouca profundidade e a perda do elemento surpresa com essa ação, o que poderia lhe impedir de atacar outros navios mercantes mais ao norte.

Mas qual era esse destroier e o que ele estava fazendo fora do porto de Recife?

Talvez a resposta esteja na ação dos pescadores do bote Ivo!

Era o USS Winslow?

Na manhã de 26 de agosto, os quatro pescadores alcançaram a área do então povoado de Maria Farinha, hoje um bairro da cidade de Olinda, depois de navegarem por mais de seis horas. Depois seguiram bordejando o litoral em direção sul, até o meio-dia, quando adentarem o porto de Recife. Seguiram pelo quebra-mar, até ancorarem nas proximidades da centenária Torre Malakof, onde se localizava a sede da Capitania dos Portos. 

Torre Malakof, onde em 1942 se localizava a sede da Capitania dos Portos em Recife – Fonte – https://guia.melhoresdestinos.com.br/

Elviro Izidro de Miranda, João Francisco dos Santos, Manoel Alves do Nascimento e Francisco Bezerra da Silva prestaram depoimento ao capitão de mar e guerra Nelson Simas de Souza, então Capitão dos Portos de Pernambuco, cargo que assumiu em maio de 1942, no lugar do capitão de fragata Harold Reuben Cox.

Aparentemente o relato dos quatro pescadores chamou a atenção do capitão Simas, pois ele logo seguiu com esses homens para o gabinete do contra-almirante José Maria Neiva, na própria Torre Malakof. O almirante Neiva estava à frente do recém-criado (04/06/1942) Comando Naval de Pernambuco, que poucos dias depois seria transformado no Comando Naval do Nordeste, onde essa nova grande unidade seria o braço armado da Marinha do Brasil na defesa das águas nordestinas, em parceria com os americanos da TF-23.

O contra-almirante José Maria Neiva e Getúlio Vargas – Fonte – Arquivo Nacional.

Pelo depoimento sabemos que após a audiência com o almirante Neiva, os pescadores se dirigiram para a sede da Polícia Marítima e Aérea, localizado na  rua, atualmente avenida, Marquês de Olinda. Nessa repartição relataram o que viram para Renato Medeiros, inspetor chefe da repartição.

A partir desse ponto nada mais descobri sobre os quatro valorosos pescadores do Pina. As autoridades igualmente nada mais comentaram do caso. Nada existe nos jornais sobre o caso.

Entretanto, nos arquivos militares da Marinha dos Estados Unidos existe uma indicação de algo aconteceu no começo da noite do dia 26 de agosto e, aparentemente, o depoimento prestado pelos pescadores Elviro, João, Manoel e Francisco foi levado em consideração.

Às seis horas e sete minutos da noite zarpou do Atracadouro 5 do porto de Recife o destroier americano USS Winslow. Tinha a missão de patrulhar nas proximidades do porto e a ordem para a realização dessa missão foi transmitida verbalmente pelo comando da TF-23.

O USS Winslow nada encontrou naquela noite, mas continuou patrulhando nos dias posteriores.

Fim Trágico

Teria sido esse o navio visualizado pelo Korvettenkapitän Harro Schach no periscópio do U-507? E a ordem verbal de partida do USS Winslow, teria se originado nas informações transmitidas pelos quatro pescadores do Pina ao capitão Simas e o almirante Neiva e depois retransmitida para o almirante Ingram?   

Uss Winslow no porto do Rio de Janiro – Fonte – US Navy.

Realmente eu não tenho respostas para essas perguntas. Tudo pode ser uma coincidência. Mas o documento com o depoimento dos pescadores, que foi repassado a Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco, e o livro “Operação Brasil”, de Durval Lourenço Pereira, que considero um dos melhores já escritos sobre o tema, apontam que essa situação parece ter sido bem real.

Inclusive esse autor aponta, de maneira correta, que após os afundamentos das naves brasileiras no final de agosto de 1942, praticamente em todo nosso litoral foram relatados inúmeras visualizações de submarinos inimigos. Mas a maioria se mostrou erros gerados pelo clima tenso e o nervosismo que o povo vivia. Entretanto, eu acredito que o caso dos pescadores do bote Ivo é real!

Independente dessa questão, ao saírem da Torre Malakof os pescadores Elviro Izidro de Miranda, João Francisco dos Santos, Manoel Alves do Nascimento e Francisco Bezerra da Silva foram completamente esquecidos.

O U-507 sendo destruído em 13 de Janeiro de 1943, por um Catalina a noroeste de Fortaleza, Ceará- Fonte – NARA.

Já Harro Schacht, depois de visualizar o que parecia ser o USS Winslow sob a luz do luar, e nada poder fazer, mandou acelerar os motores e sair da área de Recife. No outro dia estava diante da cidade portuária de Cabedelo, na Paraíba. Olhou durante a noite para o porto, mas não viu nada de interessante. Depois mergulhou para evitar ser visto por aviões e logo partiu. Tempos depois o U-507 retornou ao litoral brasileiro. Mas desta vez seu capitão e sua tripulação, um total de 54 pessoas, foram atacados e destruídos em 13 de Janeiro de 1943, por um Catalina a noroeste de Fortaleza, Ceará, que utilizou cargas de profundidade nessa ação. Essa aeronave era do mesmo VP-83, que atacara esse submarino em 18 de agosto do ano anterior. Os restos do U-507 e dos seus tripulantes se encontram a grande profundidade.

OUTROS TEXTOS DO TOK DE HISTÓRIA SOBRE ESSA TEMÁTICA

O COMANDANTE DE UM SUBMARINO ALEMÃO DA SEGUNDA GUERRA QUE VIVEU NO BRASIL – https://tokdehistoria.com.br/2017/04/20/o-comandante-de-um-submarino-alemao-da-segunda-guerra-que-viveu-no-brasil/

HÁ 73 ANOS, O SUBMARINO ALEMÃO U-199 ERA AFUNDADO POR AERONAVE DA FABhttps://tokdehistoria.com.br/2016/08/11/ha-73-anos-o-submarino-alemao-u-199-era-afundado/

A B-17 DO AEROCLUBE DO RN – AQUELA QUE NUNCA FOI, MAS QUE NUNCA DEVERIA TER IDO!

A B-17 do Aeroclube – Fonte – Arquivo da família do autor.

A B-17 do Aeroclube – Fonte – Arquivo da família do autor.

Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Este texto é parte integrante do livro “Sobrevoo: Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”, lançado em 2019.

Atualmente Natal é uma cidade com quase um milhão de habitantes e grande parte do nosso povo desconhece a história de sua terra e dos fatos relativos ao envolvimento potiguar na Segunda Guerra Mundial. Quando sabe de algo, é quase sempre muito superficial. Acredito que uma das razões é porque pouco existe para mostrar.

Interessante que uma localidade que tinha nos aviões a sua maior referência no mais intenso conflito da história da humanidade atualmente não possui em sua área territorial, em permanente exposição, uma única aeronave dos variados modelos que por aqui passaram durante a Segunda Guerra Mundial.

O triste é que no passado, no nosso tradicional Aeroclube do Rio Grande do Norte, no bairro do Tirol, aqui tivemos um genuíno exemplar de um grande quadrimotor B-17.

Fonte – Arquivo da família do autor.

Mas um dia ele se foi!

Mostrando as asas e as estrelas

O quadrimotor Boeing B-17 foi um dos ícones da aviação militar durante a Segunda Guerra Mundial, mas sua história tem início antes do conflito. Em 1934 o então Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos (USAAC – United States Army Air Corps) emitiu as normas para a criação de um bombardeiro multimotores. Com grande clarividência, a empresa Boeing Airplane Company projetou o seu Model 299 em junho daquele ano. Era um bombardeiro pesado completo, que voaria mais rápido, mais alto e com longo alcance.

O Model 299 realizou seu primeiro voo em 28 de julho de 1935 em Boeing Field, chamando atenção da imprensa na época. Mas em outubro o protótipo do 299 caiu desastrosamente

As primeiras B-17.

no seu voo de avaliação para os militares da USAAC. O acidente foi atribuído a erro humano, mas o Air Corps reconheceu o potencial do modelo e mandou a Boeing produzir treze exemplares para avaliação.

Quando em uso na USAAC e por tudo aquilo que o grande avião quadrimotor trazia na sua capacidade operacional, ele foi logo batizado por um jornalista de Seattle como Fortaleza Voadora (Flying Fortress).

O 2º Grupo de Bombardeio, de Langley Field, em Hampton, estado da Virginia, foi equipado com as primeiras B-17 em 1937.

Como forma de treinar suas tripulações para voos de longa distância, navegação aérea e técnicas de voo de alta altitude, os comandantes americanos decidiram realizar alguns voos do tipo “Good Will Fligth” para a América do Sul, em que esses aviões estiveram primeiramente na Colômbia e depois na Argentina. Além de melhor capacitar seus aviadores, os voos serviam para “mostrar as asas e as estrelas” do pode aéreo dos Estados Unidos aos países localizados ao sul do Rio Grande.

Outros fatores ajudaram nesta decisão, sendo o principal a grande e forte presença da aviação comercial alemã e italiana na América do Sul. Os americanos ficaram particularmente impressionados com o voo entre a Itália e o Brasil de três aviões trimotores Savoia-Marchetti SM-79T. Comandados por Bruno Mussolini, o segundo filho do ditador italiano, o voo foi realmente um acontecimento para a época. Após partirem de Roma, realizaram uma escala em Dakar e então cruzaram o Oceano Atlântico, a etapa mais longa e exigente para chegar ao Rio de Janeiro. Dois dos aviões atingiram a meta regularmente, enquanto um outro, com a matrícula

I-MONI, sofreu uma falha no motor e teve que pousar em Natal. Os italianos percorreram aproximadamente 9.800 km, em pouco mais de 24 horas, a uma média de 400 km/h.

Diante desse acontecimento, as autoridades em Washington logo aprovaram um novo “Good Will Fligth”, desta vez para o Brasil.

B-17 da USAAF no Brasil e visitando Natal em 1939

Oficialmente seus aviadores participariam das comemorações do 50º aniversário da nossa Proclamação da República.

B-17 do 2º Grupo de Bombardeio – Fonte – USAF.

A esquadrilha de sete aeronaves Flying Fortress partiu em novembro de 1939, comandada pelo tenente-coronel Robert Olds, acompanhado de 27 oficiais e 20 sargentos, entre estes o próprio comandante do USAAC, o major general Delos C. Emmons. Este voo realizou seu trajeto passando por Miami, depois Panamá, Equador, Peru, Bolívia, Paraguai e finalmente entrou em território brasileiro.

Provavelmente com a ideia de “mostrar as asas e as estrelas” na área de maior concentração de alemães no Brasil, o avião do próprio comandante Robert Olds realizou uma visita a Porto Alegre. No Rio de Janeiro, o ditador Getúlio Vargas fez um voo em uma das B-17 sobre a então capital federal.

Nota sobre a chegada das Fortalezas Voadoras – Fonte – Jornal A República, 23 de novembro de 1939.

Depois dos festejos, no voo de retorno aos Estados Unidos, a esquadrilha passou por Natal no dia 23 de novembro.

Para o então acanhado, mas estratégico, campo de aviação de Parnamirim seguiu uma grande comitiva de autoridades potiguares, tendo à frente Rafael Fernandes, então interventor federal. Nos exemplares do jornal A Republica e no livro “Asas sobre Natal – Pioneiros da aviação no Rio Grande do Norte’’ (Natal-RN, Fund. José Augusto, 2012, págs. 404 a 410), temos a informação que a última aeronave pousou às 13h45, depois de sete horas de voo sem escalas desde o Rio.

Além dos americanos, vieram nas B-17 nove oficiais brasileiros que seguiam para estagiar nos Estados Unidos e em Natal ajudavam na função de intérpretes. Um trem especial transportou todos para a capital, onde no desembarque foram recebidos pela banda da Força Policial ao som dos hinos do Brasil e dos Estados Unidos. Os visitantes ficaram hospedados no recentemente inaugurado Grande Hotel, no bairro da Ribeira. Após o desembarque da composição, o major general Delos C. Emmons conheceu a cidade em carro aberto, na companhia do Secretário Geral Aldo Fernandes. Foi oferecido a eles um coquetel no Aeroclube e um suntuoso jantar no Grande Hotel. Muitos militares saíram para conhecer a bucólica Natal, que nem 50.000 habitantes possuía na época.

Trajeto do voo das B-17 em 1939 – Fonte – USAF.

Chamou atenção dos natalenses o alto cargo que o general Emmons, então com 51 anos, ocupava, além do fato dele participar daquele voo. Já o comandante Olds, com 43 anos, possuía a expressiva marca de 4.000 horas de voo. A visita foi  rápida, chamou atenção de alguns, mas não de muitos, e às seis da manhã do outro dia os aviões da esquadrilha partiram.

O voo de regresso para os Estados Unidos foi através da Guiana Holandesa, Venezuela e Porto Rico. As Flying Fortress completaram o trajeto sem escalas até Paramaribo em nove horas.

Em combate

Com a deflagração da Segunda Guerra Mundial, a doutrina no Air Corps mudou, bem como a própria instituição, que passaria a se chamar Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (USAAF – United States Army Air Force). As B-17 passaram a voar em grandes formações rápidas, em alta altitude, largando suas bombas contra alvos estratégicos e defendendo-se contra combatentes inimigos com as suas próprias metralhadoras. Para isso as B-17 mudaram, sendo criadas outras versões mais modernas e com melhor armamento defensivo.

Uma B-17 a caminho da Europa, sobrevoando a América Central – Fonte – National Archives and Records Administration – NARA.

Durante a Guerra a aeronave foi empregada principalmente na campanha de bombardeios estratégicos contra a Europa ocupada. A 8º Air Force da USAAF, com base em muitos aeroportos no sul da Inglaterra, bem como a 15º Air Force, com sede na Itália, mantinham a superioridade aérea sobre as cidades, fábricas e campos de batalha da Europa Ocidental, com ataques de precisão à luz do dia. Trabalhavam combinados com o Comando de Bombardeiros da Royal Air Force – RAF, que operavam à noite. O B-17 Flying Fortress também participou da Guerra do Pacífico, mas em menor escala.

A B-17 era potente como bombardeiro de longo alcance, capaz de se defender e voltar para casa, apesar dos danos de batalha. Rapidamente tomou proporções míticas entre os aviadores, com notáveis histórias dos B-17 que sobreviviam com enormes danos. Até o fim da guerra, em 1945, o B-17 foi um dos bombardeiros americanos mais ativos durante o conflito, com 290.000 missões realizadas, tendo lançado mais de um terço (640.000) dos 1,5 milhões de toneladas de bombas americanas na Europa e no Pacífico. Mais de 12.731 exemplares da Flying Fortress foram fabricados.

Esquadrilha de B-17 sobre a Europa ocupada – Fonte – National Archives and Records Administration – NARA.

Milhares deles, a caminho dos teatros de operações, passaram por Natal e pousaram em Parnamirim Field.

Voando na FAB

Com o final do conflito a grande maioria das B-17 Flying Fortress foram desativadas e muitas se transformaram em sucata. Outras foram convertidas para uso em reconhecimento aéreo, transporte de carga e busca e salvamento (SAR – Search and Rescue), tendo voado ainda por muitos anos.

SB-17G de busca e salvamento. Reparem que este avião transportava um pequeno barco que podia ser lançado ao mar no socorro aos náufragos

Segundo o site http://darozhistoriamilitar.blogspot.com.br/2009/11/missao-pernambuco-b-17-fortaleza.html, as B-17 destinadas ao serviço de busca e salvamento (SAR) foram adaptadas a partir de aeronaves originalmente construídas do modelo G, tiveram suas denominações alteradas nos Estados Unidos para SB-17G e 180 delas foram modificadas  para esse padrão. Já as aeronaves destinadas à função de reconhecimento aerofotográfico e meteorológico receberam a denominação RB-17G.

No início da década de 1950, a Força Aérea Brasileira precisava formar uma unidade de busca e salvamento marítimo e outras especialidades. Para isso foram adquiridas 13 desses modelos especiais de B-17 e utilizadas entre 1951 e 1968 (uma delas foi perdida na fase de treinamento e não entrou no inventário da FAB).

Estas aeronaves ficaram lotadas no 6º Grupo de Aviação (6º GAV), com base em Recife, Pernambuco. O 6º GAV, por sua vez, possuía dois esquadrões de B-17: o 1º Esquadrão/6º Grupo de Aviação (1º/6º GAV), que operou as aeronaves de busca e salvamento, e o 2º Esquadrão/6º Grupo de Aviação (2º/6º GAV), que operou os B-17 no reconhecimento, meteorologia e aerofotogrametria.

Os vetustos quadrimotores serviram condignamente à FAB, que foi a última operadora militar a retirar essas aeronavesde serviço. Foram utilizados para apoiar uma unidade militar brasileira a serviço da ONU na Faixa de Gaza em 1956. Realizaram voos de transporte na Amazônia e as aeronaves de reconhecimento e fotogrametria fizeram os primeiros levantamentos topográficos da região amazônica. Mas os anos de voo começaram a cobrar um alto preço. Além de acidentes, muitas aeronaves passaram a não mais voar, servindo como fornecedoras de peças para manter outras voando. Em 1968 foi o fim das atividades do B-17 na FAB.

Fonte – National Archives and Records Administration – NARA.

Segundo o site http://culturaaeronautica.blogspot.com.br/, uma destas aeronaves foi doada para um museu aeronáutico nos Estados Unidos e duas outras ficaram no Brasil. Uma delas é o Boeing B-17 G-95-VE, que nos Estados Unidos utilizou a numeração 44-8558. Até nossos dias este belo avião está em exposição na entrada da Base Aérea de Recife, nas cores e configuração originais da FAB. Segundo informação do site Cultura Aeronáutica, embora este B-17 esteja ao ar livre, é cuidadosamente conservado pelo pessoal da base, sendo a única aeronave do seu tipo preservada e exposta no Brasil. Talvez em toda a América do Sul.

Já a outra aeronave veio para Natal.

A B-17 do Aeroclube do Rio Grande do Norte

A B-17 natalense era originalmente um Boeing B-17G-95-DL, que nos Estados Unidos tinha o número 44-83718. A sua história operacional não aponta que tenha servido em alguma frente de combate na Segunda Guerra, mas descobri que passou quase três anos em esquadrões de busca e salvamento na Base Aérea de Wheelus, na Líbia, sedo depois vendida à FAB.

Após ser desativada, essa aeronave ficou estocada por três anos em Recife e depois foi transferida para a Base Aérea de Natal. Com grande festa, por ocasião do dia do Aviador, 23 de outubro de 1973, os militares colocaram a B-17 em exposição estática no Aeroclube do Rio Grande do Norte e durante a década de 1970 este avião foi a maior referência na memória dos natalenses sobre o período da Segunda Guerra Mundial.

Brigado Everaldo Breves

Quem trouxe a B-17 para Natal e depois para o Aeroclube foi o brigadeiro Everaldo Breves. O militar, que hoje tem nome de avenida na cidade de Parnamirim, já naquela época possuía a ideia de ser aqui construído um museu que guardasse a memória do envolvimento de Natal durante a Segunda Guerra Mundial.

Em 1973, durante uma visita de jornalistas americanos a Natal, eles foram aparentemente levados pelo brigadeiro Breves a conhecer a B-17 e a história da nossa participação no conflito. Foi publicada uma reportagem no jornal The Herald Statesman , da cidade de Yonkers, estado de Nova Iorque, edição de 17 de maio daquele ano. 

Reportagem sobre a B-17 de Natal – Fonte – Jornal The Herald Statesman.

Quem vinha de carro para aquela tranquila Natal dos anos 1970, com pouco menos de 300.000 habitantes, e desejava seguir em direção ao Centro da cidade, normalmente se deslocaria pela Avenida Hermes da Fonseca. Em dado momento surgia à sua esquerda, dominando o cenário, um grande quadrimotor prateado, com listas amarelas e hélices negras. O B-17 ficava em um ponto mais elevado do terreno, nas dependências do Aeroclube, no bairro do Tirol.

Em 1977 a família do autor desse livro foi morar no mesmo bairro do Tirol.

Passei a fazer parte da escolinha de natação do clube e sempre estava perto da B-17. Muitas vezes fui bater bola no Aero e sempre contemplava a aeronave. Meus pais já tinham me dado a satisfação de ter comprado alguns poucos livros com desenhos de veteranas B-17 da época da Guerra e passei horas embaixo da sombra de suas asas, comparando os desenhos e a “minha” B-17. Um senhor que trabalhava no Aeroclube, certamente com pena, algumas vezes abriu a pequena porta próximo à deriva da aeronave e eu percorria a sua fuselagem. Sentei na cabine de comando, toquei no manche, contemplei a infinidade de “reloginhos” que havia no painel, visualizei da cabine a dimensão daquelas asas e disposição dos motores.

Curti muito aquela aeronave!

A B-17 do Aero nunca foi a primeira a pousar em Parnamirim Field em 1942

No “bico” do avião havia uma placa com os seguintes dizeres;

“FORTALEZA VOADORA-B-17-PRIMEIRO AVIÃO MILITAR USA QUE POUSOU NA BASE AÉREA DE NATAL-“TRAMPOLIM DA VITÓRIA”, EM 6-1-1942”

Apesar de toda a pompa e circunstância dos dizeres, a B-17 do Aeroclube do Rio Grande do Norte nunca foi o avião homenageado. E isso ocorre porque em 6 de janeiro de 1942 aquele avião simplesmente não existia. A primeira vez que uma B-17G decolou foi em 21 de maio de 1943 e as aeronaves de produção só começaram a aparecer nos esquadrões da USAAF em julho daquele ano.

A B-17 Memphis Belle – Fonte – National Archives and Records Administration – NARA.

Esta versão “G” do Flying Fortress foi mais produzida em número do que qualquer outra versão. Um total de 8.680 B-17G saíram das fábricas – 4.035 pela Boeing, 2.395 pela Douglas e

2.250 pela empresa Vega (ver http://www.historyofwar.org/articles/weapons_B-17G.html).

E finalmente, para corroborar esta informação, sabemos que o número original deste avião nos Estados Unidos era 44-83718. Quem olhar as fotos de aviões americanos na Segunda Guerra Mundial normalmente vai encontrar uma série de sete números na deriva da aeronave. Geralmente os dois primeiros números correspondem ao ano em que o contrato de fabricação foi firmado entre os militares e a indústria produtora (ver http://www.joebaugher.com/).

Mas realmente, no dia 6 de janeiro de 1942, quase um mês após o ataque japonês à base naval de Pearl Harbor, nas ilhas do Havaí, aviões B-17 e também os quadrimotores B-24 Liberators passaram por Parnamirim Field em direção ao Extremo Oriente. Isso ocorreu na transferência desses bombardeiros no conhecido Project X. Esse foi o primeiro grande esforço de transferência de grandes unidades de bombardeiros americanos durante a Segunda Guerra Mundial. Apesar de muitos atrasos, 44 ​ bombardeiros do tipo B-24 e B-17 foram entregues as forças combatentes no Sudoeste do Pacífico.

Uma das B-17 do Project X que comprovadamente passaram por Natal no primeiro mês de 1942 foi a B-17E, número 41-2471, do 7Th Bomb Group e pilotado pelo tenente Donald R. Strother. Foi metralhada no solo pelos caças Zeros japoneses em 8 de fevereiro em Java e ficou inoperante. Após sua captura, foi colocada em condição de voo e levada ao Japão como troféu de guerra, onde depois foi destruída.

Quatro dos B-17 se perderam completamente sobre o Oceano Atlântico depois de passarem por Natal. Outro caiu próximo a Belém, um foi forçado a retornar para os Estados Unidos para reparos e um ficou esperando por socorro mecânico na África até maio 1942. Apesar dos problemas, para a natureza pioneira do trabalho foi um bom começo, pois se deve considerar que enquanto o movimento de aviões estava em andamento, com equipes inexperientes e mal treinadas, os americanos se desdobravam em organizar uma grande rota aérea de transporte através do Atlântico Sul, África e Índia. Rota onde Natal teve um papel destacado. (Ver –http://en.wikipedia.org/wiki/South_Atlantic_air_ferry_route_in_World_War_II)

A saída da B-17 de Natal e o que sobrou dessa memória

Apesar de sua importância histórica, infelizmente, sem conservação adequada, a aeronave se desgastou e, já em 1976, a FAB desejava retirá-la de Natal para o Museu Aeroespacial –MUSAL.

A B-17 do Aeroclube sendo desmontada – Fonte – BNN.

Mas nessa época, segundo podemos ler no Diário de Natal, edição de 7 de outubro daquele ano, o então presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, o deputado Dary Dantas, fez um apelo ao brigadeiro Joelmi Araripe Macedo, então Ministro da Aeronáutica, e a B-17 ficou por aqui. Entretanto, quatro anos depois o brigadeiro Délio Jardins de Matos, que ocupava o cargo de Ministro da Aeronáutica, determinou a transferência. Nesse período o vereador natalense Bernardo Gama fez um apelo para que a aeronave permanecesse na cidade. Mas foi tudo em vão.

O velho e imponente avião foi então desmontado e transportado para o Rio de Janeiro, sendo as partes maiores, fuselagem e asas, levadas pelo navio Soares Dutra, e as menores, como partes da empenagem e motores, via caminhão. As partes que vieram por navio chegaram ao MUSAL em 29 de dezembro de 1980, mas ficaram bastante danificadas no transporte.

Como se encontrava a velha B-17 do Aero no MUSAL, no Rio de Janeiro – Fonte – http://culturaaeronautica.blogspot.com/2010/12/o-boeing-b-17-na-forca-aerea-brasileira.html

Foram estocadas no hangar de restauração do MUSAL por muitos anos, e alguns trabalhos de recuperação chegaram a ser feitos nesse tempo, até meados da década de 2000. Com a reorganização e remodelação do hangar de restauração do MUSAL, o avião foi retirado de seu interior e armazenado ao ar livre, protegido das intempéries por lonas plásticas e nunca foi remontada.. Não existe previsão para a conclusão dos serviços de restauração desse avião, por falta de recursos financeiros e em breve vai completar 40 anos que essa aeronave está desmontada naquele museu. (Ver – site http://culturaaeronautica.blogspot.com.br/)

Foi uma grande perda para Natal.

Para finalizar, sei que no município de Parnamirim, dentro da Base Aérea de Natal – BANT, existem as aeronaves de bombardeio B-25 Mitchell e A-26 Invader, na chamada Praça “Ninho das Águias”, reinaugurada em 20 de outubro de 2009, depois que as aeronaves passaram por reformas desde 2006.

O autor deste artigo em uma visita a BANT, junto a B-25 preservada Praça “Ninho das Águias”

Entre os anos de 1942 e 1975, essas aeronaves integraram o 1º Grupo de Bombardeio Médio, o 5º Grupo de Aviação (5º GAV) e a Esquadrilha de Adestramento da Base. O B-25 Mitchell começou a operar em 1942 durante a Segunda Guerra Mundial e ficou ativo até 1957. Já o A-26 Invader serviu à FAB entre 1957 a 1975, sendo o último avião de uso específico para bombardeio utilizado por nossa Força Aérea.

Isso tudo é muito louvável, mas a BANT é uma unidade militar e não um centro de memória. Apesar de haver uma política dos militares destinada à visitação das aeronaves, algumas vezes o acesso a elas é mais limitado.

Melhor seria se as aeronaves estivessem como a B-17 em Recife: colocadas no portão de acesso, mas pelo lado de fora. A vigilância militar manteria a sua integridade, em uma área onde seria possível estacionar um veículo e  contemplar as velhas águias.

Acredito que assim poderíamos ter como mostrar à nossa gente uma parte muito interessante de nossa História.

75 ANOS DO FIM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL NA EUROPA – COMO NATAL E MOSSORÓ RECEBERAM A NOTÍCIA

Rostand Medeiros – Escritor e Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

A partir de abril de 1945, Dez meses após o desembarque do Dia D, os Aliados invadiram a Alemanha e no dia 25 desse mês, perto da cidade de Torgau, as forças americanas e soviéticas se reuniram no Rio Elba.

Cinco dias depois Hitler se suicidou em seu bunker de Berlim, junto com seu cachorro e Eva Braun, sua nova esposa. Seu sucessor, o almirante Karl Doenitz, enviou o general Alfred Jodl ao Supremo Quartel-General aliado, na cidade francesa de Reims, para tratar da rendição junto ao general americano Dwight Eisenhower, comandante supremo das forças aliadas. Às duas horas e quarenta e um minutos do dia 7 de maio Jodl assinou a rendição incondicional das forças alemãs, que  entraria em vigor no dia 8 de maio de 1945, uma terça-feira.

Depois de seis anos e milhões de vidas perdidas, o flagelonazista foi esmagado e o 8 de maio entrou para a história como a data em que formalmente ocorreu o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa e o fim do Reich de Adolf Hitler.

Manchete de jornal destacando o fim da guerra. Fonte: Jornal natalense A Ordem, edição de terça-feira, 8 de maio de 1945.

Nessa data as celebrações eclodiram em todo o mundo ocidental. Em Londres, por exemplo, mais de um milhão de pessoas celebraram o fim da guerra europeia diante do Palácio de Buckingham, onde o rei George VI e a rainha Elizabeth, acompanhados pelo primeiro-ministro Winston Churchill, apareceram na sacada do palácio para aplaudir a multidão. Nos Estados Unidos, o presidente Harry Truman, que comemorou seu 61º aniversário no mesmo dia, dedicou a vitória a seu antecessor, Franklin Delano Roosevelt, que morreu de uma hemorragia cerebral no dia 12 de abril. Por outro lado, o líder soviético Joseph Stalin não aceitou a rendição assinada em Reims e insistiu que o tratado fosse ratificado no dia seguinte em Berlim. Desde então Moscou comemora o Dia da Vitória em 9 de maio, um dia depois do resto da Europa.

Comemorações em Londres.

Enquanto Stalin mantinha suas desconfianças, milhões de pessoas pelo mundo afora se alegraram com a notícia que a Alemanha havia se rendido, marcando a vitória com festas de rua, danças e cantorias. Todos se sentiram aliviados da grande tensão gerada pela guerra e felizes pela sangria ter finalmente acabado.

A notícia da rendição da Alemanha não foi surpreendente. O avanço das tropas Aliadas deixou pessoas de toda parte em prontidão para começar a celebrar o fim da guerra. E quando a notícia da rendição foi irradiada, se espalhou como fogo em toda parte.

E no Rio Grande do Norte, o estado brasileiro que mais intensamente viveu o período da Segunda Guerra Mundial, como foram as comemorações pelo fim do conflito?

Em todo o Brasil, como no caso dessa foto no Rio de Janeiro, as comemorações pelo final do conflito foram intensas.

Primeiras festas – morte de Hitler e a queda de Berlim

Quem hoje busca conhecer sobre os fatos ocorridos no Rio Grande do Norte durante a Segunda Guerra Mundial nos poucos e amarelados jornais existentes nas hemerotecas das instituições de preservação da memória potiguar, observa que desde o início de 1945 os habitantes da capital potiguar se deparavam com manchetes em letras garrafais que diziam: “A vitória total se aproxima”. Ou então “As forças de Hitler derrotadas”. Ou ainda “Fim da guerra é iminente”. Muitas eram as notícias do esgotamento do povo alemão, das derrotas dos exércitos nazistas e havia nas páginas desses jornais uma grande expectativa pelo fim do conflito.

Mas, contrariando todas as expectativas, a rendição alemã não acontecia. Aqui e acolá se pode ler em algumas poucas notícias aspectos da resistência alemã, principalmente na frente de combate contra os russos. Contudo, a onda do avanço Aliado começou a vergar as forças germânicas e logo passou a ser noticiado, principalmente a partir de abril, que a capacidade de defesa dos nazistas decrescia.

Para quem percorre com os olhos os jornais natalenses A Republica e A Ordem, publicados entre a última semana de abril e a primeira semana de maio, não deixa de perceber a tensão pela iminência do fim da guerra. Foi quando a notícia da morte do ditador alemão Adolf Hitler em 30 de abril e, principalmente, a queda de Berlim no dia 2 de maio, quarta–feira, detonou entre os natalenses o desejo de comemorar e de extravasar pela proximidade do fim de todo aquele pesadelo.

Quando a notícia da rendição da capital do Terceiro Reich se propagou, como era normal em Natal nesses momentos especiais, as escolas, as casas comerciais e as repartições públicas fecharam. As pessoas seguiram para a Praça 7 de setembro, no centro da cidade, onde o clima de alegria e patriotismo era intenso.

Nas manifestações pela vitória dos aliados na Europa, era comum os pedidos de retorno da democracia no cenário político brasileiro. No dia 29 de outubro de 1945 o ditador Getúlio Vargas, renunciou ante a iminência de ser deposto por um golpe militar.

Em uma cidade com o número limitado dos antigos e pesados rádios valvulados, concentrados nas mãos da elite local pelo alto preço de aquisição, só restava ao povão seguir para as redações dos jornais locais como A Ordem, na Rua Dr. Barata, 216, na Ribeira, ou do tradicionalíssimo jornal oficialista A República, na Avenida Junqueira Aires. Nas sedes desses periódicos os populares colavam os olhos nos “Placards”, uma espécie de mural onde se fixavam as mais novas e importantes notícias.

Toda essa alegria se espalhou pela cidade e isso ficou latente com a forte concentração de pessoas na principal praça da cidade na noite do dia 2 de maio.

Diante do Palácio do Governo foi organizado um comício pela LDN, a Liga de Defesa Nacional. Essa era uma entidade que seguia um forte ideário cívico-nacionalista, tendo sido criada no Rio de Janeiro em 1916 e que iniciou suas atividades no Rio Grande do Norte em 6 de agosto de 1936, tornando-se especialmente ativa com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Em 1945 a LDN era presidida pelo Monsenhor João da Mata Paiva e ele foi a primeira pessoa que discursou sobre a queda de Berlim para uma Praça 7 de Setembro lotada, sendo seguido por pessoas como os professores Francisco Ivo Cavalcanti e Clementino Câmara, o ex-deputado federal e futuro senador Kerginaldo Cavalcante de Albuquerque, o também ex-deputado federal Dioclecio Dantas Duarte (que naquele mesmo 1945 assumiria interinamente e apenas por poucos dias a interventoria do governo no Rio Grande do Norte), o acadêmico Luís Maranhão Filho e os estudantes Romildo Gurgel e José Bezerra Gomes.

Tanto em Natal como no resto do Brasil, foi normal nas comemorações a existência de retratos do presidente dos Estados Unidos Franklin Delano Roosevelt, que havia falecido em 12 de abril de 1945. Até hoje em muitas cidades brasileiras é comum a existência de avenidas, rua e logradouros batizadas co,m o nome desse presidente.

Um detalhe interessante é que estavam hasteadas destacadamente no Palácio do Governo as bandeiras do Brasil, dos Estados Unidos, da Inglaterra e, para surpresa de muitos presentes, da União Soviética.

Mesmo sabendo que os russos eram aliados, a apresentação pública da bandeira vermelha com a foice e o martelo dourados era uma situação interessante para uma cidade que vivenciou em 23 de novembro de 1935 a Intentona Comunista. Ao final dos comícios o povão se concentrou no Grande Ponto.

Um detalhe simples, mas extremamente significativo daquele momento: todas as ruas da cidade ficaram iluminadas, voltando um clima de normalidade que não existia desde a adoção da restrição de iluminação para não facilitar possíveis ataques inimigos, o famoso “Blackout”.

No outro dia, quinta-feira, logo às oito da manhã os proprietários de veículos, motoristas de praça e carros de repartições saíram da antiga sede do Sindicato dos Rodoviários, na Avenida Tavares de Lira, na Ribeira. Formaram um grande “Corso” (o que hoje chamamos carreata), seguindo pelas ruas realizando um forte buzinaço e levando as bandeiras dos países aliados.

Também nesse dia foi realizado outro comício na Praça 7 de setembro, que foi considerado “monstro”, tal a quantidade de gente que participou. Nesse comício foi grande a participação de escolares, escoteiros, membros de associações esportivas. A animação foi feita pelas bandas da Polícia Militar e da Força Aérea Brasileira. Uma situação comum foi que em todas as manifestações se tocava repetidamente o Hino Nacional.

Até o sábado, dia 5 de maio, ocorreram inúmeras manifestações, um verdadeiro carnaval fora de época, mas sempre com muitos discursos, muito patriotismo e alegria.

Comemorações pelo fim da guerra

Manchete de jornal sobre a rendição da Alemanha. Fonte: Jornal natalense A Republica, edição de 8 de maio de 1945.

Na terça-feira da semana seguinte, nas primeiras horas de 8 de maio, a notícia da assinatura da rendição pelo general Jodl foi captada pelos rádios valvulados existentes em Natal e logo começaram a estourar rojões, repicar de sinos das igrejas, com novo buzinaço dos veículos e as sirenes antiaéreas ecoando estridentemente.

A Agência Pernambucana, de Luiz Romão de Almeida, começou a detalhar o acontecimento nos seus mais de 20 alto-falantes espalhados pela cidade, informando que recebia notícias de grandes emissoras de rádio internacionais. Vários carros, além de pessoas a pé e de bicicleta, começaram a se concentrar nos locais onde ficavam os alto-falantes para não perder nada do que era noticiado. Foi anunciado que o ditador Getúlio Vargas havia decretado feriado nacional para as pessoas comemorarem o fim da Segunda Guerra. Não sei se fez muita diferença o anúncio de Vargas, pois igual quando foi noticiada a queda de Berlim e a morte de Hitler, Natal parou para comemorar.

Logo o general Antônio Fernandes Dantas, Interventor Federal no Rio Grande do Norte, convidou várias autoridades para o Palácio do Governo para comemorar a boa nova e organizar festejos para a população da capital potiguar. O Aeroclube anunciou a realização de uma festa dançante no sábado, 12 de maio, cobrando 50 cruzeiros por pessoa. O clube informou que aqueles que desejassem detalhes da festa poderiam ligar no número telefônico “1-2-0-4”.

Na mesma tarde do dia 8 os aviões da escola de pilotagem do Aeroclube sobrevoaram a cidade, soltando milhares de panfletos onde estava escrito:

“O Aeroclube do Rio Grande do Norte, primeira escola de aviação civil, saúda os heroicos aviadores nacionais que demostraram a sua coragem nas terras da Itália e homenageia os bravos soldados da FEB, que lutaram em prol da liberdade dos povos civilizados, esmagando o nazi fascismo.

Natal, 8 de maio de 1945”

À noite, milhares de pessoas se concentravam na Avenida Rio Branco e na Rua João Pessoa, bastante iluminadas, e a festa da vitória ficou mais bela com os potentes holofotes do 1° Grupo do 3° Regimento de Artilharia Antiaérea, ou 1/3° RAAAe, iluminando a noite natalense e deixando todos extasiados.

Do Alecrim e da Ribeira vieram duas passeatas populares para o Grande Ponto, onde a banda da Polícia Militar tocava marchas e dobrados. Deve ter sido prazeroso, mas igualmente extenuante, a participação dos policiais da banda da nossa Polícia Militar naqueles primeiros dias de maio de 1945, pois são inúmeras as referências da presença desses militares nos muitos festejos e desfiles acontecidos.

Mas indubitavelmente o mais importante evento das comemorações da vitória aliada foi o grande desfile escolar e militar que percorreu várias avenidas e ruas da cidade.

Convite publicado em jornal natalense para homenagem ao Dia da Vitória.

A concentração foi na Praça Pedro Velho, então bem maior do que é na atualidade, ocorrendo na tarde do dia 11 de maio, sexta-feira. Além das principais escolas da cidade, centenas de militares da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, da Marinha do Brasil, do Exército e da Força Aérea Brasileira se posicionaram junto com militares da Marinha e do Exército dos Estados Unidos que estavam baseados em Natal desde dezembro de 1941. Essa é a primeira notícia que informa a participação dos militares estrangeiros naqueles festejos.

Além dos discursos das autoridades, da execução dos hinos nacionais do Brasil e dos Estados Unidos, o desfile percorreu a Avenida Deodoro até a Rua João Pessoa, passando pelo Grande Ponto e entrando na Avenida Rio Branco. Daí o grande desfile desceu a tradicional ladeira que liga a Cidade Alta à Ribeira, onde passaram na Praça José da Penha, contornando o Grande Hotel e seguindo pela Avenida Duque de Caxias, retornando para a Cidade Alta até a Praça 7 de Setembro. Ao logo do desfile milhares de natalenses se posicionaram nas calçadas, nas sacadas das casas, nos muros, nas árvores e aplaudiram entusiasticamente os participantes. Enquanto

esses militares percorreram mais de dois quilômetros e meio de ruas de paralelepípedos, nos céus dois grupos de aviões Curtiss P-40E-1 da FAB rugiram sobre a cidade.

E na Capital do Oeste

Basicamente as comemorações ocorridas em Mossoró repetiram muitos aspectos do que ocorreu em Natal, onde a população local primeiramente ficou de “orelha colada” nos alto-falantes da “Amplificadora” da cidade, que noticiou o fim da Segunda Guerra Mundial no dia 8 de maio.

Várias casas comerciais, mesmo fechadas para as comemorações, hastearam bandeiras brasileiras e durante a tarde foram realizados desfiles de estudantes, escoteiros e policiais. Os sinos das igrejas de Mossoró repicaram durante vários momentos daquele dia. À tarde os aviões do Aeroclube de Mossoró sobrevoaram a “Capital do Oeste” e lançaram várias bandeiras brasileiras.

Clube Ipiranga de Mossoró.

Mas o principal evento foi mesmo a festa noturna realizada na sede do Clube Ipiranga.

Mas é bom lembrar que aquela comemoração não significou totalmente o fim do conflito, nem foi o fim do impacto que a guerra teve sobre as pessoas. A guerra contra o Japão não terminou até agosto de 1945, e as repercussões políticas, sociais e econômicas da Segunda Guerra Mundial foram sentidas muito depois da rendição da Alemanha e do Japão.

Após as duas bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki e a morte de dezenas de milhares de pessoas, o Japão se rendeu em 14 de agosto de 1945. O Dia da Vitória no Japão foi celebrado em 15 de agosto. Também é marcado em 2 de setembro, o dia em que o Japão assinou um cessar-fogo incondicional.

SEGUNDA GUERRA – BRASIL TEVE CAPITÃO DO EXÉRCITO, FILHO DE CORONEL, CONDENADO POR ESPIONAGEM A SERVIÇO DOS NAZISTAS

Fonte – https://jornalismodeguerra.wordpress.com/2018/02/16/brasil-teve-capitao-filho-de-coronel-condenado-por-espionagem-a-servico-dos-nazistas/

Filho de Coronel, Capitão do Exército Brasileiro nos meses que antecediam a declaração de guerra contra Alemanha e Itália, piloto de avião, de família financeiramente estável, bem falado nos ciclos cariocas, porém dono de um gênio forte e agressivo. Assim poderia ser descrito Túlio Régis do Nascimento, um dos poucos espiões à serviço dos nazistas condenados no Brasil.

O Capitão Túlio militou no Movimento Integralista. Na foto uma propaganda integralista.

Primeiro ele foi integralista e pró-Eixo, falando abertamente para quem quisesse ouvir que a Alemanha ganharia a guerra. Hoje essa afirmação soa estranha, mas na época era uma aposta e tanto, principalmente antes de 1942.

Os contatos dele para montar o esquema de espionagem eram o embaixador alemão no Rio de Janeiro (então Capital Federal), Kurt Prüefer e o adido naval Almirante Hermann Bohny. Kurt, antes do rompimento de relações com o Brasil tentou convencer os brasileiros, especificamente Vargas a seguir na causa alemã.

Albrecht Gustav Engels

O começo dos serviços

Ele foi voluntário, começou com informações internas e foi crescendo no conceito alemão. Em uma dessas feitas, por conta do cargo, Túlio teve permissão para uma viagem aos Estados Unidos, em que conheceria a base Sperry para curso de aperfeiçoamento. O capitão correu para contar a novidade a um dos agentes alemães em solo nacional, Albrecht Gustav Engels, que transmitiria a novidade para Berlim. Autoridades brasileiras interceptaram a conversa e o chamaram para esclarecer o ocorrido. Porém, o chefe da de Polícia de Vargas, Filinto Müller apenas ouviu e soltou o acusado.

Filinto Strubing Müller foi um militar e político brasileiro. Participou dos levantes tenentistas entre 1922 e 1924. Durante o Governo Vargas, destacou-se por sua atuação como chefe da polícia política, e por diversas vezes foi acusado de promover prisões arbitrárias e a tortura de prisioneiros – Fonte – Arquivo Nacional.

Desconfiados, pero no mucho

O grupo estava mais cuidadoso, mas começou a ser mais vigiado pelas autoridades nacionais em conjunto com os Estados Unidos. Mesmo assim, partiram para outras missões, uma delas, conseguir informações das bases do Norte e Nordeste do país, com convite feito ao membro Raimundo Padilha, que recusou agir e  passou a missão para o jornalista Gerardo Mello Mourão, que atendeu o pedido.

Navio TS Windhukfazer um blog – Fonte – http://www.sixtant.net/2011/artigos.php?cat=the-saga-of-liner-windhuk&sub=voyage-to-captivity&tag=1)liner-windhuk

O terceiro ato era explodir o navio Winduck, apreendido da Alemanha e cedido pelo Brasil aos EUA. Nessa última missão quem foi acionado foi Álvaro da Costa e Souza, porém, ele se recusou e entregou os comparsas para a polícia, traindo o grupo. O navio não foi sabotado.

Dali em diante não tinha mais volta. Policiais fecharam o cerco e o grupo foi caindo um a um. Padilha contou das bases e Álvaro entregou do navio. Túlio foi preso e os delatores soltos por falta de provas.

O esquema era grande

Jornais da época falam em um esquema muito maior dentro do quartel em que servia Túlio, inclusive com o objetivo de sublevação de sargentos e que os dois principais auxiliares, Gerardo e Álvaro, envolviam outros civis, inclusive prostitutas para conseguir informações. A promessa era de 12 mil cruzeiros para quem entrasse para a organização. O dinheiro vinha da Alemanha. Heinz Ehlert facilitava o trâmite da grana e do fluxo de informações. Para despistar a polícia, Túlio usava o codinome “García”.

Floriano Peixoto Keller, em 1952, no posto de General de Brigada – Fonte – Arquivo Nacional.

No entanto, confrontado com as provas, Túlio confessou os crimes na presença de Tenente-coronel Floriano Peixoto Keller e do Capitão José Bretas Cupertino.

Na denúncia apareceram fatos chocantes, como o de que o grupo passava as movimentações de navios dos Estados Unidos e da Inglaterra no porto do Rio, além de fazer reuniões freqüentes com o almirante Bohny e com o conselheiro da Embaixada Alemã, Walter Becker, que por sua vez era auxiliado pelo médico Oswaldo Riffel França, encarregado do contato com a célula nazista de Bueno Aires.

Túlio morava em um apartamento em Copacabana em nome de Riffel, que aliás, foi quem pediu para Buenos Aires para enviar novos códigos cifrados, já que os brasileiros tinham descoberto os que vinham usando.

Mais denunciados

Quando as provas já eram consistentes, foram denunciados: Alexsander Konder, Heinz Ehlert, Valencio Wurch Duarte, Álvaro da Costa e Souza, Ernest Ramuz, Albert Gustav Engels, Heinz Otto Herman Lourenz, Gerardo Mello Mourão, Kurt Martins Weingartner, Otmar Gamilischig, Herbert Friederich Julius Von Heyer. Por lavarem o dinheiro para o grupo, foram denunciados Camilo Mendes Pimentel, Jefferson Dias e Vasco Paroline Pezzi, que eram sócios ocultos de Albert Angels.

Herbert Friedrich Julius von Heyer, ou Herbert von Heyer. Fonte – Livro Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem alemã no Brasil, 1939-1944, de S. E. Hilton. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, pág. 37.

O advogado de Túlio

Assim que foi preso, em 1943, Túlio chamou como advogado Evandro Lins e Silva. O defensor conta que o cliente estava bastante nervoso com a situação e que pensou em entregar seus superiores, dando a entender que havia gente maior do governo. Lins sugeriu duas saídas: denunciar os maiorais e tentar desviar dele as denúncias ou preservar os cabeças do esquema e se beneficiar do poder deles depois. Túlio escolheu a segunda opção e não entregou os cargos acima do dele.

Túlio era primo da esposa de Lins e o Konder era cunhado dele. Ou seja, dois da família estavam no rolo. Lins conta que ficou com medo que o matassem como queima de arquivo, porque Túlio lhe revelara o nome dos superiores. Por isso, deixou gente da confiança dele avisada caso lhe passasse algo, porém ficou vivo para contar a história.

Comandava o quartel em que Túlio ficou detido, o Coronel Nelson de Melo, o mesmo da rendição em Fornovo com a FEB na Itália, dois anos depois.

Na cadeia

Alberto Daflon Gomes era um soldado na Fortaleza de Santa Cruz, em que Túlio estava preso. Ali houve um desentendimento com o prisioneiro, que queria que lhe prestassem continência porque ele era Oficial do Exército. O recruta e o colega dele, Rubens, negaram, afinal ele tinha sido destituído do posto militar quando foi preso. Túlio partiu para cima dos guarda com um cinto na mão e a dupla ameaçou atirar nele. Assim ele foi contido. Com a barulheira, o Oficial responsável pela guarda apareceu e para evitar novos confrontos, disse para os soldados prestarem continência e não ficarem arrumando confusão.

Quando os últimos recursos de defesa se esgotaram, lá estavam os dois soldados assistindo a cerimônia de retirada das divisas de Túlio, realizada na frente de toda a tropa que aguardava em forma. Foi convertido em civil e transferido para outro presídio. Alberto foi servir na FEB e voltou com vida do conflito.

O pai tenta salvar o filho

O Coronel Flávio Queiroz do Nascimento era oficial da Reserva e para tentar impedir o processo do filho encaminhou pedido para o Governo Federal para que Túlio fosse internado em um sanatório para tratamento psiquiátrico, em julho de 1943. O pedido foi negado.

Cena obtida antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial – Loja com propaganda integralista – Fonte – Arquivo Nacional.

Penas gigantes, mas não cumpridas

Após a denúncia, vieram as prisões. Alguns foram liberados por falta de provas, no entanto, outros ficaram presos. Túlio e Gerardo pegaram 30 anos de cadeia e os informantes, todos integralistas, Valêncio Duarte, Álvaro da Costa e Souza e Oswaldo França foram condenados a 25 anos de reclusão. A maioria, entre eles o Gerardo Mello Mourão, saiu entre 1947 e 1950. No começo dos anos 50, apenas Túlio estava preso, tendo sido liberado de cumprir a pena somente em 1955, após recorrer ao Supremo Tribunal Federal.

Fonte – Biblioteca Nacional.

Acontece que durante o governo Dutra, Nereu Ramos, vice-presidente da República assumiu o cargo de chefe da nação por 21 dias em 1955. Nesses 21 dias libertou não só Túlio, como Margarida Hirschmann, locutora da Rádio Auriverde.

Margarida Hirschmann foi a locutora brasileira que travou guerra psicológica, quando militares alemães montaram uma rádio em solo italiano para tentar desmoralizar o pessoal da Força Expedicionária Brasileira – FEB. Chamava-se “Rádio Auriverde”, funcionava na Rádio Fino-Mônaco e tinha como comandante Anelmann Alta, além do italiano Felício Mastrangelo, que fora radialista no Brasil da década de 30 até 1942. Todos tinham morado no Brasil e sabiam como usar o rádio como arma psicológica. – Fonte – https://jornalismodeguerra.wordpress.com/2018/05/11/locutora-brasileira-que-travou-guerra-psicologica-contra-a-feb-foi-inocentada-no-brasil/

Outros envolvidos

O médico França, que também ficou preso, foi parar em Ilha Grande e mesmo livre morou lá até a morte, aos 81 anos de idade, depois de servir 48 anos como médico da comunidade. Está enterrado lá.

Gerardo Mello Mourão ocupou cargos políticos, foi escritor elogiado e negava que tivesse sido espião, se dizia apenas um integralista e nada mais. Nem nazista e nem fascista, só integralista. Faleceu no Rio de Janeiro em março de 2007.

Gerardo Mello Mourão – Font – Arquivo Nacional.

Vingança Integralista

Após terem sido liberados da cadeia, uma matéria na revista “O Cruzeiro” deixou Túlio, Konder e Gerardo Mourão nervosos. Túlio queria matar o repórter e Konder disse que matar não era o melhor caminho. Armaram um esquema para sequestrar o jornalista e o levaram até um restaurante português. Combinaram com o dono para que preparasse um prato cheio de bosta humana e obrigaram o jornalista a comer. Depois liberaram ele, dizendo que se contasse para alguém, o matariam.

Vai e volta

Em 1960 Túlio apareceu novamente, desta feita tentando no STF ser reincorporado ao Exército, o que lhe foi negado. Depois, novos registros dele na imprensa só aparecem de novo em 1966, quando queria que os ex-combatentes impedissem que Raimundo Padilha assumisse um segundo mandato como deputado federal. Aquele Padilha lá de trás, que entregou o pessoal, vinha ocupando cargos políticos desde 1945 e na época era um dos braços fortes do militares, como membro do partido deles, o Arena.

Confusão política

Havia segmentos dos Pracinhas que reclamavam, pois antigos integralistas, acusados de fascismo e de colaboração com o nazismo estavam livres, ocupando cargos no governo, se destacando na sociedade, enquanto outros colegas que haviam pego em armas com a FEB na Itália, como Gervásio Gomes de Azevedo, Salomão Malina e Aldo Ripassarti eram perseguidos acusados de serem comunistas. Isso sem contar que em 1948 o governo ainda discutia se pagaria e como pagaria as famílias dos náufragos mortos nos ataques alemães.

Em 1960, por exemplo, quando Gerardo Mello Mourão foi nomeado, pelo então presidente Juscelino Kubitschek, chefe de gabinete do Ministro da Agricultura, os veteranos fizeram um grande protesto e ele não assumiu o cargo. O governo mudou de estratégia e Mello Mourão pegou um cargo vitalício no Senado, inclusive com uma remuneração melhor que a primeira proposta.

A indignação foi tão grande que o ex-combatente do 1º Grupo de Caça, Neltair Pithan e Silva, devolveu a Medalha de Campanha na Itália (FAB) ao Presidente da República com uma carta revoltada. Em 1966, Raimundo foi chamado para líder do governo Castelo Branco no Congresso e causou nova revolta.

Como repúdio, Jamil Amiden (que também era deputado) e centenas de ex-combatentes devolveram suas Medalhas de Campanha em protesto. O ato fez barulho na imprensa, mas depois caiu no esquecimento.

Como nessa época as Associações de Ex-combatentes já estavam nas mãos de pessoas solidárias ao governo militar ou tinham pouco poder (20 anos depois da guerra), a libertação dos espiões ficou por isso mesmo e esquecida. Não há informações de Túlio nesse período pós 1966…

Fontes consultadas:

O SALÃO dos passos perdidos: depoimento aoCPDOC / [Entrevistas e notas: Marly Silva daMotta, Verena Alberti ; Edição de texto DoraRocha]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Ed.Fundação Getulio Vargas, 1997. 525p. il.

VENTO PASSADO – Memórias do Recruta 271. 2ª edição. Niterói, 2013, de Alberto Daflon e Fábio Daflon.

Diário do Congresso Nacional de 17 de março de 1966, Suplemento nº 30

Jornal O Estado, de Santa Catarina, de 31 de março de 1943

A Guerra que não acabou, de Francisco Ferraz

Documentos Digitalizados da FEB, do Arquivo Nacional

Correio da Manhã, 18 de agostode1960

Correio da manhã, 14 de agosto de 1952

A Noite, 14 de abril de 1960

Correio da Manhã, 11 de agosto de 1955

Correio da manhã, 01 de janeiro de 1956

Correio da Manhã, 25 de outubro de 1958

Petição de habeas-corpus nº 31552

A Notícia, 04 de abril de 1943 (Joinville) 

UM HOMEM DA METRÓPOLE NA ILHA DA MALDIÇÃO, de

WESLLEY HANNS CARVALHO MATOS, disponível em http://ilhagrandehumanidades.com.br/?q=sociaisehumanas/um-homem-da-metr%C3%B3pole-na-ilha-da-maldi%C3%A7%C3%A3o

Raimundo Padilha: O Espião de Ontem é o Espionado Hoje, por DIEGO DA SILVA RAMOS, disponível em http://www.snh2017.anpuh.org/resources/anais/54/1502290774_ARQUIVO_TRABALHOCOMPLETO.pdf

http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/kurt-prufer

https://perspectivaonline.com.br/2012/09/07/entrevista-com-gerardo-mello-mourao/

UMA VIAGEM PELA CIDADE VELHA DE “GUERRA”

LUGARES CONHECIDOS, COMO A CASA DO ITALIANO LETTIERI, NA RIBEIRA, ONDE HOJE É O CONSULADO, E OUTROS CURIOSOS COMO O ESCRITÓRIO DO FRANCÊS MARCEL GIRARD, REPRESENTANTE DA AIR FRANCE EM NATAL, SÃO RECORTES DA HISTÓRIA QUE ROSTAND MEDEIROS ESMIÚÇA COM MUITA PAIXÃO.

Ramon Ribeiro – Repórter – Tribuna do Norte

Fonte – http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/rostand-medeiros-em-uma-viagem-pela-natal-velha-de-guerra/466200

A curiosidade e a paixão pelo Rio Grande do Norte, fez de Rostand Medeiros um pesquisador insaciável pela história potiguar. Sua curtição é esmiuçar arquivos públicos, acervos privados, documentos oficiais, fotos antigas, é também conversar com velhas figuras guardiãs da memória coletiva do Estado. Dessas viagens no tempo que faz, ele retorna com material bruto que aos poucos transforma em livro. É de sua autoria, por exemplo, três biografias “João Rufino-Um visionário de fé” (2011), sobre o criador do grupo industrial 3 Corações, “Fernando Leitão de Morais-Da Serra dos Canaviais a Cidade do Sol” (2012) e “Eu não sou herói – A História de Emil Petr” (2012), este sobre um veterano da 2ª Guerra Mundial.

Por falar em 2ª Guerra, esse é um dos principais temas de Rostand, ao lado da história da aviação. Sobre aviação, ele foi coautor de “Os Cavaleiros do Céu: A Saga do voos de Ferrarin e Del Prete” (2009), que conta a história do primeiro voo sem escalas entre a Europa e a América Latina; e sobre a 2ª Guerra, lançou em 2019 “Sobrevoo: Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”.

Mas agora, ao apagar das luzes de 2019, Rostand surge com novo livro, ainda dentro de seu tema predileto: “Lugares de Memória – Edificações e estruturas históricas utilizadas em Natal durante a Segunda Guerra Mundial”. A obra apresenta 27 locais referentes aquele tempo, a maioria na Ribeira, trazendo curiosidades quer ajudam a entender como era o dia a dia de Natal naqueles anos intensos.

O lançamento do livro será no dia 5 de dezembro, na Livraria Cooperativa Cultural, na UFRN, às 10 horas. A publicação sai pela Editora Caravela Selo Cultural e conta com o apoio do Fundo de Incentivo e Cultura de 2018, da Prefeitura de Natal. Sobre o livro e aquele período, Rostand Medeiros conversou com a TRIBUNA DO NORTE.

Parceria com o MPF_RN ajudou na criação desse livro.

Inventário

Essa pesquisa começou em 2015, quando a Promotoria de Justiça de Natal me solicitou a elaboração de um relatório sobre os locais utilizados pelas forças militares americanas em Natal durante a Segunda Guerra. Listamos 32 locais históricos entre Natal e Parnamirim. A ideia era incentivar ações de preservação. Mas naquele ano nada foi feito. Até que no início de 201, o Ministério Público Federal do RN, preocupado com a situação do Patrimônio Histórico de Natal, promove uma audiência sobre o tema. Informo sobre o relatório já feito e sou solicitado para aprofundar as pesquisas. O que fiz, mas focando apenas em Natal, fechando em 27 locais relacionados a 2ª Guerra. Agora, com a parceria da Editora Caravela, estou publicando o trabalho em livro.

Na casa com um amplo alpendre apresentada na foto, serviu de moradia para o comandante das tropas do exército americano em Natal durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje é a sede do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte.

Preservar é importante

O livro fala de locais que se não for feito nada, vão se perder em ruínas. Mesmo com grande parte dos locais deteriorados, é um material que aponta para existência de uma rota turística. De todos os meus livros, esse é o que mais me entusiasmou. Espero que essa publicação possa ser útil, derepente para ajudar na preservação dos prédios que cito.

Ribeira

Acho que a 2ª Guerra é um dos aspectos mais proeminentes da história do Rio Grande do Norte. E nisso está a Ribeira. O bairro já foi o centro de tudo no Rio Grande do Norte. Roosevelt e Churchill falam de Natal em suas biografias. Arrisco dizer que naqueles tempos, para os Aliados, referente à Segunda Guerra, Natal era a cidade mais importante da América do Sul. Você olha para a Ribeira hoje chega bate uma tristeza. É uma decadência que vem desde os anos 70. Recuperá-la pode dar um boom no turismo histórico.

Maternidade Januário Cicco, antigo Hospital Militar de Natal na ápoca da Segunda Guerra.

Descobertas

Muitos dos lugares são conhecidos. A casa do italiano Lettieri, na Ribeira, onde hoje é o Consulado, está bem preservada, assim como a Maternidade Januário Cicco, que era o Hospital Militar de Natal, e o Grande Hotel. Mas uma das minhas descobertas é o Rádio Farol, com as antenas enormes. Ficava na Praia da Limpa, um lugar entre a Fortaleza dos Reis Magos e o Rio Potengi.

Oleoduto

Uma estrutura com história interessante é o oleoduto Pipeline, que ia até a Base de Parnamirim. Sendo que nas Rocas há um trecho do encanamento que está visível. Descobri que em 1977 esse cano chegou a estourar e os moradores aproveitaram para encher tanques de combustível até secar. Outra coisa legal é que o Colégio 7 de setembro, na Rua Seridó, no tempo da Guerra era o Quartel dos Marines da Marinha Americana.

Antiga sede do Consulado d França em Natal na época da Segunda Guerra.

Dois espiões e um francês         

Em Natal tinha uma coisa muito curiosa nos tempos da Guerra. O francês Marcel Girard era representante da Air France em Natal. Seu escritório ficava na Rua Tavares de Lira. Perto dali, na Rua Chile, estava aloja de secos e molhados do alemão Ernst Luck, que ficava no térreo do Àrpege, e a casa do italiano Guglielmo Lettieri, comerciante conhecido na cidade. Cada um dos três atuava como representante diplomático de seus respectivos países em Natal. Imagine só! A Europa em guerra, a França invadida pelos alemães, e os três tendo de conviver na Ribeira. É provado que Luck espionou para a Alemanha e Lettieri para a Itália. Os dois foram condenados pelo Tribunal de Segurança Nacional e ficaram detidos na Colônia Agrícola de Jundiaí. Mas no fim da Guerra, ambos foram perdoados.

Jornal da BBC

A ação da Agência Pernambucana, importante veículo de comunicação em Natal durante a Guerra, é abordado no livro “Lugares de memória”.

Outra coisa que gostei muito de ter estudado foi sobre a Agência Pernambucana de Luiz Romão, com seus difusores espalhados pela cidade. Era algo formidável. Ele retransmitia a versão em português do jornal da BBC. Foi legal descobrir a importância da difusora dele. E é uma pena que hoje o local esteja em ruínas.

Grande Hotel

Mas para mim, não tem dúvidas, o Grande Hotel foi o principal lugar da 2ª Guerra em Natal. Era uma referência central por receber autoridades americanas. Além de ter a figura forte de Teodorico Bezerra como seu proprietário. Resgatei muitas histórias no livro.   

EVENTO DE LANÇAMENTO DO PROJETO DO SEBRAE – NATAL E PARNAMIRIM FIELD NA SEGUNDA GUERRA

Rostand Medeiros – IHGRN

SITE DO PROJETO NATAL & PARNAMIRIM FIELD NA SEGUNDA GUERRA http://www.segundaguerra.com.br/

Foi uma noite memorável na Casa da Ribeira, principalmente para aquele que pensam e realizam projetos relativos ao conhecimento e democratização da informação histórica dos eventos ligados a Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte.

Como comentou o amigo Yves Bezerra, gestor desse projeto, a proposta busca apresentar em Natal e Parnamirim os pontos de interesse cultural e histórico das duas cidades, que até então têm sido pouco explorados e que estes possam ser trabalhados por empresas de receptivo para atrair mais turistas e interessados no assunto.

Um salto verdadeiramente interessante para o turismo potiguar. Esse projeto faz parte das ações do programa Investe Turismo, que é promovido pelo Sebrae, Ministério do Turismo, Embratur e Secretaria Estadual de Turismo (Setur).

Depois de dois anos de trabalho, foi hora do SEBRAE-RN apresentar Natal & Parnamirim Field na Segunda Guerra. E tudo foi muito bom!

Com Zeca Melo, Diretor Superintendente do SEBRAE-RN,

Como foi comentado anteriormente, a presença de milhares de soldados americanos no cotidiano de Natal mudou a cultura e os costumes da cidade, a população bem sabe. No entanto, nenhum desses argumentos foi relevante para o Rio Grande do Norte ter um roteiro turístico para explorar esse fato histórico. Agora chegou a hora!

Meus agradecimentos aos amigos da Art&C e ao SEBRAE-RN, especialmente ao superintendente Zeca Melo pela confiança e apoio.

Com o amigo Yves Guerra de Carvalho, Gestor do Projeto Natal & Parnamirim Field na Segunda Guerra Investe Turismo RN.

SEBRAE MAPEIA PONTOS TURÍSTICOS DO RN DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Projeto Natal & Parnamirim Field na Segunda Guerra será lançado nesta quarta-feira, 9 de outubro de 2019.

Por Agência Sebrae de Notícias / 8 de outubro de 2019

Que o Rio Grande do Norte teve um papel relevante, e até mesmo decisivo, para a vitória dos aliados durante a Segunda Guerra Mundial, não restam dúvidas. Que Parnamirim abrigou a primeira base aérea dos Estados Unidos fora do território norte-americano, os livros de história dão conta muito bem. Que a presença de milhares de soldados americanos no cotidiano de Natal mudou a cultura e os costumes da cidade, a população bem sabe. No entanto, nenhum desses argumentos foi relevante para o Rio Grande do Norte ter um roteiro turístico para explorar esse fato histórico.

Parnamirim Field – Foto – Getty Image

O Sebrae no Rio Grande do Norte, entretanto, pretende virar essa página e abrir caminho para a implantação de uma nova rota turística no estado a partir desta quarta-feira (9), quando a instituição vai lançar o projeto Natal & Parnamirim Field na Segunda Guerra. O lançamento será em solenidade fechada para convidados na Casa da Ribeira, a partir das 19h. Durante a cerimônia, que terá espetáculos teatral e sinfônico, será apresentado o mapeamento feito pelo projeto com pontos de interesse histórico e cultural importantes da participação das duas cidades na segunda Grande Guerra.

Na esquerda da imagem está Rostand Medeiros, responsável pelo blog TOK DE HISTÓRIA e autor do livro SOBREVOO-EPISÓDIOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL NO RIO GRANDE DO NORTE, junto com José Ferreira de Melo Neto, o Zeca Melo, Diretor Superintendente do SEBRAE-RN, além de Edwin Aldrin Januário da Silva, Gerente de Comunicação e Marketing SEBRAE-RN, Yves Guerra de Carvalho, Gestor do Investe Turismo RN do SEBRAE-RN, Lorena Roosevelt Lima , Gerente da Unidade de Desenvolvimento da Indústria do SEBRAERN, e Leonardo Dantas, da Fundação Rampa.

Todo o levantamento está reunido em um portal em quatro idiomas (Inglês, Francês, Espanhol e Português), que além do mapeamento dos pontos históricos, traz também personagens e fatos curiosos relacionados ao tema, como o caso do açúcar nos tanques de combustível, o rasante no desfile de 7 de setembro e do espião preso em Jacumã. Além desse levantamento, feito por historiadores da Fundação Rampa e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, o projeto criou governança ao chamar os principais interessados no tema para debater o assunto e desenvolveu os estudos de viabilidade técnica e econômica do aeroporto Augusto Severo, que será transformado em um Centro Cultural, e do Museu da Rampa.

Militares dos Estados Unidos no Grande Hotel, no bairro da Ribeira – Foto – Getty Image

Além disso, vai utilizar a tecnologia de realidade aumentada para criar mais atrativos nos principais equipamentos turísticos ligados à participação na Segunda Guerra. Monumentos, como a rampa, terão pontos de realidade aumentada em que o turista ao apontar a câmera do smartphone poderá fazer fotos em meio a jipe e soldados virtuais.

“A proposta do projeto é apresentar esses pontos de interesse cultural e histórico das duas cidades, que até então têm sido pouco explorados e passem a ser trabalhados por empresas de receptivo para atrair mais turistas e interessados no assunto”, explica o gestor do projeto, Yves Guerra. O Sebrae também inseriu a temática no edital de economia criativa, que apoiou financeiramente projetos culturais, como o espetáculo ‘Bye, Bye Natal’ e a coleção de três livros ‘A Participação do RN na Segunda Guerra Mundial‘, entre outras iniciativas.

Barracas dos militares dos Estados Unidos em Parnamirim Field – Foto – Getty Image

Diversificação

O projeto Natal & Parnamirim Field já vinha sendo trabalhado há cerca de dois anos e, atualmente, faz parte das ações do programa Investe Turismo, que é promovido pelo Sebrae, Ministério do Turismo, Embratur e Secretaria Estadual de Turismo (Setur). Um dos objetivos do programa é diversificar a oferta turística que vá além do turismo de mar. Por isso, o projeto tomou a participação do RN na Grande Guerra como forma de atrair turistas ao estimular entre o trade turísticos e entes governamentais a criação bem estruturada de um roteiro turístico histórico e cultural em volta da temática.

“Mesmo sendo um episódio histórico bastante conhecido, essa participação na Segunda Guerra nunca foi de fato transformada em oferta turística. Por isso, estamos dando esse primeiro passo para a criação de um roteiro”, ressalta Yves Guerra. Além do portal, o projeto também prevê a publicação de uma websérie de dez vídeos, envolvendo a relação entre o Rio Grande do Norte e a II Guerra Mundial. O primeiro já será apresentado no momento do lançamento do projeto, que terá inclusive a participação do cônsul dos Estados Unidos em Recife (PE), John Barrett.

A VIDA DE UM SOBREVIVENTE BRASILEIRO DO HOLOCAUSTO É LEMBRADA EM MÚSICA

Freddy Glatt, sobrevivente do Holocausto. Foto: UNIC Rio/Luise Martins

‘Essas músicas nos ajudam a entender um pouco do sofrimento’ – O conto angustiante de Freddy Glatt, que cruzou o continente europeu para escapar da máquina da morte nazista, é imortalizado em música e um videoclipe.

FONTE – https://www.timesofisrael.com/a-brazilian-holocaust-survivors-life-gets-memorialized-in-song/

RIO DE JANEIRO, Brasil (JTA) – Freddy tinha cinco anos quando viu uma pedra de pavimentação quebrar a fachada da loja de seu pai em Berlim.  “-Eu era muito jovem para lembrar com detalhes, mas lembro que meu pai disse ‘Corra por dentro!’ e então corremos. Eu me senti aterrorizado”, disse ele sobre o ataque à loja. Mais tarde, assistiu aterrorizado os nazistas espancaram seu pai. Em 1933, Adolf Hitler já havia tornado a vida insuportável para a família Glatts, forçando-os a fugir para a Bélgica.

Auschwitz.

Oitenta e cinco anos depois, Freddy Siegfried Glatt agora é presidente da Associação Brasileira de Sobreviventes do Holocausto no Rio de Janeiro. Sua história de vida acaba de se tornar uma música que foi composta e cantada pelo neto brasileiro de seu primo Max, que aos 71 anos imigrou do Rio para Israel.

Wall, à esquerda, escreveu uma canção para o sobrevivente do Holocausto Freddy Glatt. 
(Marcus Gilban)

“-Contar histórias de família sobre o nazismo é extremamente importante para garantir que o Holocausto nunca mais se repita, com ninguém”, disse Lazar Wall, pseudônimo de Luis Waldmann, que decidiu colocar a história de Glatt em uma música, quando seu idoso primo publicou suas memórias intitulada Eles roubaram minha infância.

Wall, um músico de 40 anos, passou a maior parte dos feriados judaicos e encontros familiares com Freddy Glatt, a quem ele chama de “tio”. Ele intitulou a música de “101 Jerusalém”, o endereço de um dos últimos esconderijos dos Glatts.

O livro ‘Roubaram minha infância’ traz a história verídica de um sobrevivente singular da II Guerra Mundial: um menino com alguma sorte e muitos sonhos. Apesar de toda a atrocidade contra os judeus durante o Holocausto, a infância de Freddy Siegfried Glatt é permeada por momentos poéticos, singelos e inesquecíveis.

“-Esta é a minha primeira música com tema judaico, que mostrei a Glatt quando estava pronta como uma surpresa”, disse Wall ao JTA. “-Para mim, representa a resistência e unidade do povo judeu, apesar do antissemitismo que persiste até hoje”.

Com a mudança para a Bélgica, Freddy Glatt foi matriculado em uma escola pública e se juntou ao movimento juvenil sionista Maccabi Hatzair. O menino de língua alemã aprendeu flamengo, hebraico, iídiche e francês. O antissemitismo existia na Bélgica, onde crianças muitas vezes eram juradas, cuspidas e espancadas.

Desfile alemão defronte ao Palácio Real de Bruxelas, Bélgica.

Quando o primeiro ataque aéreo alemão atingiu Antuérpia, em 1940, a Bélgica já não se sentia protegida da guerra. O avanço da Alemanha nazista pedia uma nova fuga e seu “opa” – vovô em alemão – Salomon reservou quatro vagas na traseira de um caminhão de lixo que seguia para a fronteira francesa. Os dois irmãos adolescentes de Glatt, Bubbi e Heinz, deveriam viajar de bicicleta e encontrá-los na fronteira.

“-Os milhares de refugiados ao longo do caminho pareciam os hebreus fugindo do Egito”, lembrou Glatt.

Pouco depois de cruzar a fronteira da França, a família embarcou em um trem que mais tarde foi alvo de dois aviões alemães de combate JU-87 Stukas. Estilhaços atingiram a perna de Glatt, ferimento que levou meses para cicatrizar. A família se estabeleceu perto de Toulouse, na França sob domínio do governo fantoche francês de Vichy, mas seus dois irmãos nunca apareceram. Naquela época, seus pais já haviam se divorciado e ele havia se mudado para o Brasil.

Junkers Ju-87 Stuka alemães.

“-Eles me disseram que havia cobras andando nas ruas no Brasil”, disse Glatt com uma risada alta.

Outros refugiados e um conhecido recém-chegado relataram que seus irmãos foram vistos dirigido um carro abandonado de volta para a Bélgica. Voltaram para a casa de sua família e reabriram a loja de seu avô, pois a perseguição aos judeus nesse país ainda não havia começado. Em êxtase com as notícias, Salomon desejava retornar para onde estavam seus netos. O plano era recuperar as economias de toda sua vida ainda escondidas em Antuérpia e tirar a família da Europa nazista.

Eles atravessaram a França ocupada pelos alemães inicialmente em uma limusine Minerva construída na Bélgica com a ajuda de um contrabandista de pessoas, depois a pé e de trem. A família se reuniu em Antuérpia. Salomon, cujas economias estavam intactas, começou a administrar seus negócios novamente. Mas logo eles seriam obrigados a usar a estrela de David amarela em suas roupas e o terror das perseguições recomeçou.

Cartaz em língua francesa com os detalhes das leis antijudeus aplicadas na Bélgica a partir de 28 de Outubro de 1940.

Um ano depois, os judeus de Antuérpia foram obrigados a se mudar para Heusden, uma aldeia perto da fronteira com a Alemanha e a Holanda. Sua deportação para os campos de extermínio foi interrompida, já que a Alemanha estava ocupada demais transportando milhões de judeus da Europa Oriental para a morte.

Aos 13 anos, como preconiza a tradição judaica, Glatt não poderia ter seu bar mitzvah. “-Não havia rabino, nem talit, nem tefilin ou Torá em Heusden”, disse Wall. Ele so realizaria seu bar mitzvah aos 85 anos de idade, na sinagoga de Copacabana, no Rio.”

Entrada ferroviária de Auschwitz – Fonte – en.auschwitz.org

Os alemães autorizaram a família Glatts a voltar a Antuérpia, com exceção dos meninos mais velhos: Bubbi e Heinz. Estes foram enviados para trabalhar em uma mina de carvão. Em 1942, ambos foram convocados para trabalhar na Muralha do Atlântico, uma fortificação destinada a conter o esperado avanço aliado. Uma vez no trem, eles foram levados para Auschwitz.

Enquanto isso, a Gestapo, ajudada por espiões locais, como a Juventude Hitlerista flamenga, caçava ativamente os judeus que permaneciam na Bélgica. Salomon e Chawa, os avós de Glatt, foram encontrados e deportados para Auschwitz. Décadas depois, Glatt soube que Salomon, Chawa, Bubbi e Heinz foram assassinados em Auschwitz em 1942.

Judeus seguindo para um Campo de concentração – Fonte – encyclopedia.ushmm.org

“-Em um novo esforço para se esconder dos nazistas, Freddy e sua mãe mudaram-se novamente, agora para um pequeno apartamento na 101, Jerusalem Street, no distrito Schaerbeek, Bruxelas”, disse Wall. “-O banheiro era minúsculo, o que significa que Freddy teve que usar um chuveiro público, cuidadosamente escondendo sua circuncisão.”

Aos 14 anos, Freddy Glatt começou a trabalhar como assistente do dono de uma banca de jornal. À noite, ele trabalhava em uma fábrica de baterias clandestinas e, entre turnos, produzia cartões com o tema Mickey Mouse para vender em uma papelaria. Ele também roubaria trilhos de trem e os venderia como sucata.

O dinheiro apurado permitia a ele e a sua mãe visitas raras ao cinema. Os filmes eram precedidos por noticiários produzido pelos nazistas mostrando bombas da Luftwaffe em Londres e a Operação Barbarossa esmagando a União Soviética. Glatt muitas vezes entrou na arena do Palais des Sports para assistir a lutas, boxe e outros eventos esportivos.

Rei Leopoldo III e a Rainha Elizabeth da Bélgica.

Com o prosseguimento da guerra, a perseguição e a escassez se agravaram, e a mãe de Glatt, Rozalia, pediu ao rabino-chefe da Bélgica que colocasse seu filho em um lugar seguro. Com o apoio da resistência belga e judaica, e da ajuda de Elisabeth, esposa do Rei Leopoldo III, da Bélgica – cujos esforços em favor de centenas de crianças judias lhe renderam uma designação para receber o título de “Justo Entre as Nações” – Glatt partiu para uma escola para meninos católicos.

Depois, do playground, ele viu várias vezes centenas de bombardeiros americanos B-17 seguindo para a Alemanha. Tempos depois, ele viu nazistas mutilados, atacados por soldados americanos e britânicos recém-chegados da Normandia, como outro bom presságio do fim do pesadelo.

Quando os Aliados finalmente libertaram a Bélgica em setembro de 1944, Glatt se reuniu com sua mãe e ambos começaram a procurar freneticamente os parentes desaparecidos, ainda inconscientes de seu destino. Em 1947, mãe e filho se mudaram para o Brasil. O pai de Glatt encontro a ex-esposa e o filho e se casaram novamente no Rio de Janeiro.

Glatt vive no Rio desde então. Ele se casou com, Betty, sua esposa desde 1954, e eles têm três filhos, seis netos e dois bisnetos.

A música de Wall, cantada em inglês, conta a história em imagens telegráficas ao longo de uma batida insistente e melancólica, terminando com um gostinho da liberdade de Glatt e um lembrete do destino sombrio de seus irmãos.

PARA VER E OUVIR A MÚSICA CLIQUE AQUI – https://www.timesofisrael.com/a-brazilian-holocaust-survivors-life-gets-memorialized-in-song/

“-A música de Wall sobre Glatt traduz a importância desse tipo de arte como veículo para transmitir períodos históricos autoritários e principalmente mostrar o que a intolerância, o racismo e o preconceito são capazes de gerar”, comentou ao JTA a historiadora Silvia Rosa Noserk Lerner.

Nascido no Rio de sobreviventes do Holocausto que fugiram da Alemanha no final da década de 1930, Silvia Lerner é autora de um livro em português intitulado Música como uma memória de um drama: o Holocausto, para o qual ela traduziu músicas compostas e cantadas nos guetos e campos de concentração. 

Ela disse que a música de Wall é na tradição de tais músicas.

Freddy Glatt  e sua esposa.

“-Eles compunham para ocupar seu tempo, para sublimar sentimentos que eles não conseguiam entender e nem conseguiam responder”, disse Lerner. “-Essas músicas nos ajudam a entender um pouco do sofrimento que os judeus passaram nestes anos de dominação alemã, mostrando fome, saudade, esperança por dias melhores, preocupação com o futuro de seus filhos e prova que, mesmo em tempos difíceis, pode-se produzir arte”.

“-A música tem o poder de unir sentimentos, rever emoções, lembrar histórias, coexistência, memórias e perdas, e traduzir expectativas e esperanças”, disse Lerner.

Wall espera que sua música faça jus ao seu louvor.

“-Se os jovens vierem a entender o que o Holocausto foi através desta música, nosso objetivo será alcançado”, disse ele.

CONHEÇA A RELAÇÃO DAS GRANDES FORTUNAS EUROPEIAS COM O NAZISMO

Empresas alemãs ou simpatizantes do nazismo tiveram íntima relação de fornecimento com o regime, e o dinheiro acumulado na época está até hoje em grandes fortunas da Europa

FONTE – https://www.istoedinheiro.com.br/conheca-a-relacao-das-grandes-fortunas-europeias-com-o-nazismo/

Festa Nazista e o “Carro do Povo” – Fonte – Tima/Life

A ligação do nazismo com grandes empresas é notória, com diversas marcas que existem até os dias atuais tendo em seu passado ligação íntima com o regime de Adolf Hitler. A Mercedes-Benz era a marca oficial dos carros do III Reich, enquanto Hugo F. Boss, fundador da marca que leva seu nome, era o designer dos uniformes da Alemanha nazista. Já as químicas Bayer e BASF (na época sob o nome de I.G. Farben) tem em seu currículo a terrível mancha de terem fabricado e fornecido o gás usado nos campos de concentração.

Logomarca da extinta IG Farben, produtora de variados produtos químicos, como o famigerado Zyklon-B, utilizado nas câmaras de gás de diversos campos de concentração na Europa, com o único objetivo de exterminar em massa judeus e outros inimigos da Alemanha Nazista. .

No entanto, as relações do nazismo com grandes indústrias se estende para outras marcas, com o dinheiro acumulado naquela época passado para as novas gerações, sendo parte de algumas das maiores fortunas da Europa nos dias de hoje. Caso da família Reimann, dona da holding JAB que detém as redes de restaurantes Krispy Kreme, Panera Bread e Preta Manger. Albert Reimann e Albert Reimann Jr., eram dois alemães entusiastas do nazismo, que utilizaram mão de obra escrava em troca de ajuda ao regime. Hoje a fortuna da família está estimada em US$3,7 bilhões.


Eugène Paul Louis Schueller (20 de março de 1881 – 23 de agosto de 1957) foi um farmacêutico e empresário francês, fundador da empresa LÓreal, , empresa líder mundial em  cosméticos e beleza. Durante o início do século XX, Schueller forneceu apoio financeiro para La Cagoule, na própria sede da L’Oréal. Esse era um violento grupo fascista francês, antissemita e anticomunista, cujo líder formou o partido político Movimento Social Revolucionário – MSR (Mouvement Social Révolutionnaire), que na França Ocupada apoiou a colaboração com os conquistadores da Alemanha nazistas. Esse envolvimento foi extensivamente pesquisado pelo israelense Michael Bar-Zoharem seu livro Bitter Scent.

Outra empresa cuja fortuna remonta ao nazismo é a francesa L’oréal, cujo fundador Eugène Schueller era um notório anti-semita e que durante o Reich era codiretor da empresa de tinta e vernizes Valentine, que em parceria com a alemã Druckfarben fechou contrato para fornecimento de material para a marinha alemã. Entre 1940 e 1943, seus registros de impostos mostraram que sua fortuna aumentou quase dez vezes. Hoje sua neta, Françoise Bettencourt Meyers é uma das mulheres mais ricas do mundo ao ter herdado participação de quase US$ 50 bilhões da gigante de cosméticos.

Uma das principais moedas de troca dos nazistas para as empresas era a mão de obra escrava, oriunda de prisioneiros de guerra, políticas antissemitas e anexação de territórios estrangeiros. Ela foi usada pela BMW, que em contratos com o governo de Hitler, estabelecia a troca de escravos por armas que a empresa fabricava na época. Maior acionista da montadora atualmente, a família Quandt também possuía na época a Accumulatoren Fabrik AG, que realizava a troca dos prisioneiros por baterias, armas e munição para o exército alemão. Os Quandt se tornaram acionistas majoritários da BMW após a guerra, e atualmente Stefan Quandt, tem uma fortuna estimada em US$ 17,3 bilhões.

Hitler conhecendo os primeiros protótipos do carro popular VW – Fonte – Time/Life

Hoje um dos maiores grupos de mídia alemão, a Bertelsmann teve sua grande ascensão durante o final da década de 1920, quando começou a publicar textos de conteúdos anti-semita e nazista aproveitando a onda que iria varrer a Alemanha e culminar com o governo de Hitler. Ela se tornou a principal fornecedora de material escrito para o exército alemão com versões de bolso para soldados, e segundo um relatório encomendado pela própria empresa em 1998, utilizou mão de obra escrava de judeus para aumentar sua margem de lucro. Hoje a vice-presidente do grupo é Elisabeth Moon, filantropa e nora de Heinrich Moon, que começou a relação com o nazismo apesar de não ter sido membro do partido. Hoje ele trabalha para reparar erros do passados e em 2000 juntou-se a mais de 6 mil empresas alemãs para realizar um pagamento coletivo de US$ 4,5 bilhões a pessoas que foram vítimas de trabalhos escravos durante o III Reich.

VIDA DE PILOTO – VOAR E MORRER EM NATAL!

Não foram poucos os aviadores estrangeiros que pereceram em voos durante a Segunda Guerra Mundial tendo Natal como destino ou ponto de partida. O caso de Kenneth Wayne Neese foi um desses.

Rostand Medeiros – Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

North American B-25 Mitchell – Fonte – NARA

E a lista é grande…

Houve o caso de um bombardeiro bimotor Martin B-26 Marauder que aterrissou em pane em uma praia potiguar e o que sobrou da carcaça foi dinamitada. Na metade desse mesmo ano foi a vez de um bimotor Lockheed A-29 Hudson que decolou de Parnamirim e caiu no mar, com alguns objetos sendo recolhidos por um pescador de uma praia do nosso litoral norte. Houve outro bimotor, dessa vez um modelo Martin A-30 Baltimore, que caiu em janeiro de 1943 perto da praia de Pirangí. Ficou famoso o caso de um bombardeiro quadrimotor B-17 que caiu logo após decolar e se espatifou no que hoje é a região periférica do município de Parnamirim. Nesse último caso, devido a enorme quantidade de combustível, o clarão de suas chamas foi percebido pelos natalenses e ficou gravado na memória de muitos.

Voar naqueles tempos cruzando o vasto Oceano Atlântico era algo que verdadeiramente deixava atentos e preocupados os aviadores que vinha e passavam por Natal. Quando entrevistei o segundo tenente Emil Anthony Petr, da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (USAAF – United States Army Air Forces), para a realização do meu quarto livro “Eu não sou herói – A história de Emil Petr”, hoje esgotado, ouvi em detalhes sobre a preocupação de uma tripulação de um bombardeiro quadrimotor B-24 sobre essa travessia. Emil era o navegador e sua aeronave seguiu com destino ao sul da Itália. Para ele e seus amigos o voo foi tranquilo.

Nota de um jornal norte-americano mostrando o problema que passou o major-general Patrick J. Hurley, representante pessoal do Presidente F. D. Roosevelt , cujo avião após passar por Natal em viagem ao Irã teve problemas no motor e quase que não conseguiu retornar a capital potiguar. Infelizmente esse tipo de situação não era rara em Natal durante a Segunda Guerra Mundial.

Ao menos quando uma aeronave caia no mar próximo a Natal e seus pedaços chegavam as nossas praias, ainda era possível saber (ou deduzir) o que aconteceu. Mas várias aeronaves e seus aviadores simplesmente sumiram, principalmente quando partiram de Natal em direção à África.

Assim foi o caso de um bimotor Douglas A-20B Havoc do 4th Ferrying Group que partiu de Natal em março de 1943 e antes de pousarem na ilha de Ascensão, ponto de parada e reabastecimento pertencente aos britânicos antes de chegarem ao continente africano, sumiu com seus três tripulantes para nunca mais serem vistos. Documentos mostram que após o desaparecimento de aeronaves em alto mar eram organizadas operações de buscas, as quais muitas tinham resultados totalmente negativos.

Essas travessias Atlânticas não era tarefa fácil, até mesmo para aviadores calejados e experientes, como foi o caso de Kenneth Wayne Neese.


Kenneth Wayne Neese .

Uma Vida Nos Céus

Esse piloto nasceu em 6 de dezembro de 1902 no Condado de Hamilton, estado de Iowa, no meio oeste dos Estados Unidos. Em 1922 sua família mudou-se para Fresno, Califórnia, onde Neese  conheceu e se apaixonou pela aviação e seu primeiro emprego nessa área foi como mecânico de aviões à noite. Embora esse não fosse um trabalho particularmente interessante, proporcionou a Neese  guardar dinheiro para comprar em 1924 a sua primeira aeronave, um biplano Curttis OX-5 Jenny. Isso lhe permitiu entrar no circuito de espetáculos dos circos voadores em todo o norte da Califórnia, onde aconteciam incríveis acrobacias aéreas e manobras espetaculares.

Carta transportada em avião pilotado por Kenneth Wayne Neese.

Logo para esse piloto voar não era a única preocupação, pois ele conheceu a jovem Mary Morford, que se tornou sua esposa em novembro de 1926. Um acréscimo à família veio no ano seguinte com a pequena Betty. Casado e com outras responsabilidades, em 1928 Neese tornou-se piloto chefe da empresa Consolidated Aircraft Corporation, em San Leandro, Califórnia, onde deu aulas de voo para estudantes em um avião biplano modelo Alexander EagleRock. Depois se tornou piloto de correio aéreo da empresa Varney Air Lines, antecessora da famosa United Airlines, percorrendo milhares de quilômetros em seus voos.

Licença de voo de Kenneth Neese.

Voar naquele trabalho implicava seguir à noite sobre áreas montanhosas, sem instrumentos e tudo era muito perigoso. Em 7 de novembro de 1929, enquanto percorria por uma dessas rotas, Neese se envolveu em um terrível acidente com seu avião que lhe queimou suas pernas, pescoço e rosto, deixando cicatrizes duradouras. Ele foi puxado da aeronave em chamas por um fazendeiro. Depois disso ele decidiu que o correio aéreo era muito perigoso e que ele tinha uma família para dar apoio. Mas estranhamente decidiu ser piloto de corridas aéreas!

Kenneth Neese, o primeiro a direita, e outros aviadores.

Esse tipo de atividade se tornou popular nos Estados Unidos, com corridas atravessando o país da costa leste para costa oeste. A ciência da aviação, a velocidade e a confiabilidade das aeronaves e motores cresceram rapidamente durante este período. Essas corridas aéreas eram tanto um campo de provas quanto uma vitrine para pilotos e aeronaves. Mas logo esse luxo de corridas ficou para trás devido ao triste e complicado período da grande depressão econômica ocorrida nos Estados Unidos, que se iniciou com a quebra da Bolsa de valores de Nova York em 1929. Diante da crise, com a Depressão em plena atividade, o frio estado do Alasca precisava de pilotos.


Kenneth Neese no Alasca.

Kenneth Neese chegou nessa gelada região em janeiro de 1933 e trazia apenas um terno, sapatos sociais e nenhuma roupa de inverno! Quando ele saiu do trem em Anchorage seguiu foi até o campo de pouso em Merrill onde conheceu parte de um grupo de pilotos que igualmente foram para o Alasca durante a crise econômica. Logo se tornou um dos mais respeitados aviadores atuando no Alasca ao voar para a empresa Star Airlines, onde registrou 9.302 horas em seu diário de bordo, mais do que qualquer outro piloto no território.

Profissionais de Diferentes Origens

No segundo semestre de 1941, antes mesmo dos Estados Unidos participarem oficialmente da Segunda Guerra Mundial, Kenneth Neese foi convidado a ser um dos pilotos da empresa Pan American Air Ferries Ltd., em um serviço destinado a transportar aviões bombardeiros de Miami para a África e o Oriente Médio. Ele topou a parada e sua família deixou o Alasca e se mudou para a ensolarada Flórida, onde Neese  treinou para poder pilotar aviões North American B-25 Mitchell, um bombardeiro médio bimotor, considerado um clássico da Segunda Guerra Mundial.


Bombardeiros bimotores North American B-25 Mitchell.

Em 1941 as coisas pareciam sombrias para os Aliados. Embora os Estados Unidos ainda não tivessem entrado na Guerra, seus líderes estavam ajudando principalmente os britânicos com a venda de aeronaves, no âmbito dos contratos chamados “Lend-Lease”. Os súditos do Rei Jorge VI haviam comprado todos os aviões em que puderam colocar as mãos. O grande problema era entregar essas aeronaves.

À Pan American foi ordenado levar aviões desde Miami até a Costa Oeste da África, via o norte e nordeste do Brasil e depois atravessando o Atlântico Sul. E esses pilotos tinham de agir sempre de maneira discreta, para evitar melindrar alemães e italianos e não gerar incidentes diplomáticos para os Estados Unidos, pois este país ainda era neutro.

Escola de pilotos da Pan American.

Além do transporte de aeronaves, coube a Pan American a construção ou melhoria dos aeroportos ainda bem primitivos existentes na rota da África, principalmente na Nigéria e no Sudão, bem como os campos ao longo da rota para Cairo e Teerã. Também realizaram, através de subsidiárias e o apoio do governo brasileiro, o Programa de Desenvolvimento Aeroportuário (com a sigla ADP em inglês) nos aeroportos de Belém, Fortaleza, Natal, Recife, Maceió, Salvador e outros.

Os tripulantes que participaram dos longos voos da Pan American durante os anos de 1941 e 1942 vivenciaram experiências incríveis. Havia alta aventura, altos salários e altos voos, além de uma chance de ajudar o esforço de guerra com o que eles poderiam fazer melhor – voar seus aviões.

Aparentemente nunca na história da aviação haviam reunido um monte de pilotos profissionais de tão diferentes origens. Entre eles estavam profissionais experientes de linhas comerciais, membros da reserva do exército, da reserva naval, aviadores que atuavam pulverizando áreas agrícolas, outros provenientes dos circos voadores e alguns tinham voando em várias partes da Terra, desde a China até Honduras. Além de gente que pilotava aviões em regiões bem inóspitas, como Kenneth Neese.

Rotas aéreas de transporte durante a Segunda Guerra.

Morrer em Natal

Sabemos que Neese esteve pela primeira vez em Natal, no Campo de Parnamirim, em 28 de outubro de 1941, como parte de um pequeno grupo de três aeronaves. As outras duas eram pilotadas por A. Inman e Alva R. DeGarmo, conhecido como Al DeGarmo, um veterano de 42 anos e que pilotava desde 1920. Tiveram como destino Acra, atualmente a capital e maior cidade de Gana, mas que na época era uma colônia britânica conhecida como Costa do Ouro. Existe outro registro da passagem de Neese por Natal em 17 de janeiro de 1942, quando os Estados Unidos já participavam oficialmente do conflito. Ele veio acompanhado novamente do piloto Al DeGarmo e o destino foi igualmente para Acra.

B-25 em voo.

Quase três meses depois, em meio a um crescente movimento aéreo sobre céus potiguares, Neese repete a parceria com Al DeGarmo e eles chegam a Natal em 12, ou 13, de março de 1942. O veterano piloto do Alasca está pilotando um North American B-25C-NA Mitchell, com a numeração de registro 41-12467. Junto com ele estão os tripulantes L. A. DeRosia, H. S. Jones e J. F. Anderson.

Não sei a razão, mas existe a informação que aquele deveria ser o ultimo voo de Neese, pois ele deveria assumir um trabalho no solo onde estaria encarregado de verificar a atuação de outros pilotos.

Foto da B-25 de registro 41-12711, pilotado por aviadores da Pan American Air Ferries em Parnamirim Field. A esquerda está o piloto Edgar J. Wynn, estando ao seu lado o copiloto Virgil Aldair. No dia 15 de maio de 1942, ao aterrissar essa aeronave ocorreu um acidente e a mesma não prosseguiu na sua rota para a União Soviética. Entre julho e novembro de 1942 o piloto Wynn esteve em quatro ocasiões no Campo de Parnamirim.

Em 14 de março o B-25, antes da decolagem, Neese jantou em Parnamirim com o coronel Jules Prevost e depois com seus homens decolou com sua B-25 de Natal em uma noite muito escura deixando. Esta decolagem noturna foi necessária devido às condições meteorológicas e de pouso no outro lado do Atlântico, mais especificamente na Libéria. No entanto não havia muitas luzes ao redor de Natal à noite para dar um horizonte visual e, imediatamente depois de passar a última luz da pista, Neese teve de voar por instrumentos. Existem registros que apontam, talvez por ainda não terem sido concluídas todas as obras no Campo de Parnamirim, sobre a periculosidade das decolagens noturnas em Natal, o que exigia um piloto bem treinado em voo por instrumentos.


Em 1944 o piloto Edgar J. Wynn lançou o livro “Bomber across”, um dos melhores sobre as rotas aéreas de transporte na Segunda Guerra Mundial, com várias citações sobre Natal e o Campo de Parnamirim.

O B-25C que Kenneth Neese pilotava se destinava a ser utilizado pela força aérea da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, também no âmbito dos contratos “Lend-Lease”. Mas Neese não deveria chegar a atual Rússia, seu ponto final era Teerã, capital do Irã, onde tripulações soviéticas assumiriam o avião e o levariam para combater as forças nazistas que haviam invadido aquele país.

Aviões B-25 utilizados pela União Soviética.

As entregas de empréstimos americanos à União Soviética incluíram aeronaves, caminhões, tanques, motocicletas, locomotivas e vagões ferroviários, canhões antiaéreos e metralhadoras, submetralhadoras, explosivos, rádios, sistemas de radar, bem como gêneros alimentícios, aço, produtos químicos, óleo e gasolina. A partir de março de 1942, 128 aviões bimotores B-25C partiram da Flórida para serem entregues por via aérea através do Caribe, Brasil, atravessando o Atlântico Sul, a África e chegando ao Irã. Apenas quatro foram perdidos no caminho, entre eles o de Neese.

Ficha original do piloto Kenneth Wayne Neese.

Sabemos por relatos da época que depois desse acidente, o coronel Prevost, que jantara apenas algumas horas antes com Neese, teve a desagradável tarefa de recolher seus restos mortais e de sua tripulação, sendo depois enterrados no Cemitério do Alecrim.

Passageiros desembarcando de um hidroavião Boeing 314 Clipper da Pan American no Rio Potengi, em Natal – Fonte – LIFE.

Sobre esse acidente existem informações contraditórias sobre a sua localização. Aparentemente foi próximo ao litoral e a aeronave teria batido em uma “colina” (Qual?), ou em uma posição a “cinco milhas a nordeste de Natal”, mas sem detalhamentos. Algumas fontes apontam que o avião caiu no mar, mas isso parece improvável, pois outras fontes informam que a tripulação foi enterrada no Alecrim e existe a notícia que o corpo de Neese foi transladado para os Estados Unidos depois da guerra e enterrado no Belmont Memorial Park, na cidade de Fresno, Califórnia.

A DESCOBERTA QUE PÕE FIM AO MISTÉRIO DE U-3523, O SUBMARINO LIGADO À FUGA DE LÍDERES NAZISTAS PARA A AMÉRICA DO SUL NO FINAL DA II GUERRA

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Provavelmente a última aparição pública de Adolf Hitler, no dia 20 de março, onde ele entregou medalhas aos membros da Juventude Hitlerista – Fonte – http://ww2today.com/20-april-1945-hitlers-birthday-as-red-army-guns-hit-berlin

Fonte – http://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-43825374?ocid=socialflow_facebook

A verdade sempre foi que Adolf Hitler cometeu suicídio, atirando em si mesmo no seu bunker nazista em Berlim, no dia 30 de abril de 1945.

Mas ao longo de décadas várias teorias apontam que ele morreu como um ancião e em diferentes partes do planeta.

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Portão de Brandemburgo, abril de 1945, na Batalha de Berlim – Fonte – https://owlcation.com/humanities/Berlin-April-1945-The-Cauldron

Muitas dessas declarações informais indicavam que Hitler e vários de seus colaboradores do Terceiro Reich vieram para a América Latina, especialmente na parte sul do continente, onde conseguiram passar incógnitos e viver o resto de seus dias em total tranquilidade.

E eles fizeram isso depois de cruzar o Oceano Atlântico e fugir dos extensos e rígidos controles das forças aliados graças a um poderoso submarino: o U-3523.

No entanto, um dos pilares dessa teoria desmoronou recentemente: em abril de 2018 o Museu da Guerra da Dinamarca, localizado em Copenhague, encontrou o famoso submarino nazista nas águas territoriais daquele país, a 123 metros de profundidade.

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O submarino foi encontrado a 123 metros de profundidade no Estreito de Skagerrak, no norte da Dinamarca.

“O museu localizou os restos do submarino alemão U-3523, que foi afundado no Estreito de Skagerrak por uma aeronave B-24 Liberator britânico (Esquadrão 226) em 6 de maio de 1945, as 18:39 horas”, diz um documento enviado pelo Museu da Guerra da Dinamarca à BBC World.

“Devido à sua capacidade de permanecer submerso por muito tempo, o U-3523 alimentou rumores de que ele havia sido o meio de transporte utilizado pela elite nazista fugir para a América do Sul”, acrescenta.

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Este é um modelo semelhante ao que foi encontrado na Dinamarca e que foi pensado para ter sido o meio de transporte com o qual os líderes nazistas fugiram para a América Latina.

O que é certo é que alguns personagens destacados entre os nazistas realmente fugiram para a América do Sul, como Adolf Eichmann, que terminou na Argentina, ou Josef Mengele, que atingiu a costa do Brasil.

Mas o submarino encontrado permite derrubar muitas versões e reescrever a história de uma parte do século XX.

O Achado

U-3523 era um submarino do Tipo XXI, considerado por muitos especialistas como o mais moderno da Kriegsmarine, a marinha nazista, e um dos últimos modelos a ser construído. “Este submarino foi projetado, diferentemente de seus antecessores, para permanecer realmente submerso por um longo tempo, o que significa que ele poderia viajar tranquilamente para a América do Sul”, diz o documento.

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O U-3008, capturado pelos ingleses após o fim do conflito – Fonte – https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/6d/German_submarine_U_3008.jpg

No entanto, apesar do fato de 118 submarinos Tipo XXI haver sido construídos, apenas dois entraram em serviço – um deles U-3523, que era comandado pelo Oberleutnant zur See Willi Müller.

Embora houvesse indícios claros de que a Real Força Aérea Britânica havia afundado, a falta de evidências físicas alimentou o mistério e as teorias sobre a fuga nazista para a América do Sul.

Os pesquisadores do museu indicaram que estão trabalhando na busca pelos naufrágios deixados pela Segunda Guerra Mundial e que estão nas águas perto da Dinamarca.

“A descoberta foi feita enquanto estávamos escaneando uma área perto da cidade de Skagen, no norte da Dinamarca”, explicou o representante do Museu.

Como identificaram esse submarino?

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Este é o U-2540, o único modelo Tipo XXI sobrevivente.

Além dos dados históricos que indicavam que o U-3523 havia sido afundado naquela área, havia um modelo idêntico ainda preservado para ser comparado com os restos encontrados. O submarino sobrevivente do Tipo XXI da frota nazista se encontra na cidade alemã de Bremerhaven, no museu marítimo local.

“O engraçado é que, ao contrário de outros achados, os restos do U-3523 estão bem destacados no fundo do mar, o que tornou mais fácil identificá-lo.”

Por enquanto os restos do U-3523 permanecerão no fundo do mar até que uma expedição seja organizada para remover seus restos. Além disso todos os 58 tripulantes da nave pereceram neste local.

“É improvável que seja em breve devido ao fato de que está em uma grande profundidade e em uma área de difícil acesso”, concluiu o representante do museu.

NOTA DO TOK DE HISTÓRIA –

Um submarino do Tipo XXI, denominado U-2361, foi comandado por Heinz von Hennig, que em 1957 veio para o Brasil, conforme foi relatado por este blog no texto “O COMANDANTE DE UM SUBMARINO ALEMÃO DA SEGUNDA GUERRA QUE VIVEU NO BRASIL”.

Para conhecer essa história é só clicar no link abaixo.

https://tokdehistoria.com.br/2017/04/20/o-comandante-de-um-submarino-alemao-da-segunda-guerra-que-viveu-no-brasil/

1941 – O ATAQUE DE UM AVIÃO NAZISTA AO CARGUEIRO TAUBATÉ E O PRIMEIRO POTIGUAR A TESTEMUNHAR O HORROR DA SEGUNDA GUERRA

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Rara foto da Historic Images, do Ebay, mostrando o Taubaté danificado dia 22 de fevereiro de 1941. Foto provavelmente batida pelo hidroavião inglês que deu apoio ao navio brasileiro.

Rostand Medeiros – Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN

Já faz muito tempo que a terra potiguar é um lugar complicado para quem nasceu por aqui sem um sobrenome familiar nobre, com a coloração mais escura na pele e principalmente sem dinheiro no bolso. Por isso era bem normal, na época em que o transporte marítimo era mais utilizado, que muitos jovens das camadas mais humildes de nossa população se concentrassem no Cais da Tavares de Lira. Local importante de Natal, ali atracavam os antigos navios mistos de passageiros e cargas conhecidos como paquetes, principalmente das empresas Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro e Companhia de Navegação Nacional. Estes jovens então tentavam ganhar alguns trocados carregando malas, transportando mercadorias, ou servindo como os primeiros Guias de Turismo da capital potiguar. Além do mais, está no ponto de embarque e desembarque mais importante da nossa cidade, era onde poderia surgir o que para muitos era uma verdadeira oportunidade de ouro – Se tornar um trabalhador embarcado em uma das naves que aqui passavam. Além de, obviamente conhecer o mundo, estes jovens tentavam conseguir novas opções longe desse belo lugar cheio de racismos e preconceitos.   

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Cais da Tavares de Lira, no bairro da Ribeira, em Natal. Uma provinciana capital do Nordeste do Brasil.

Mas para quem embarcava vindo de um porto nordestino, com poucos recursos e instrução quase zero, sobrava geralmente os locais mais sujos e escuros da embarcação, onde o trabalho principal era ser foguista. Como nessa época a maioria destes barcos não tinha motor a diesel, o foguista era aquele que colocava carvão nas caldeiras a vapor, para assim conseguir energia suficiente para o deslocamento do navio. Uma função importante, mas certamente uma das mais desprezadas.

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Porto de Natal no início do Século XX.

Não sei se João Lins Filho foi um dos que ficavam no Cais da Tavares de Lira batalhando uma vaga em alguns destes barcos, mas sei que era potiguar e que ele era um dos 58 tripulantes listados a bordo do navio Taubaté, para uma viagem a portos na África e no perigosíssimo Mar Mediterrâneo de 1940![1]

Internamento

O Taubaté era uma nave velha, construída em 1905 pelo estaleiro alemão Bremer Vulkan AG, da cidade de Bremen. Recebeu inicialmente o nome de Franken, que batizou toda uma classe de nove navios cargueiros e esta nave pertenceu inicialmente a empresa de navegação Norddeutscher Lloyd. Estes navios percorriam principalmente as rotas entre a Alemanha e a Austrália, além da América do Sul.  

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O Hessen, navio cargueiro alemão da classe Franken, a mesma do Taubaté.

Tanto o Franken como seus navios irmãos eram equipados com um motor a vapor de 3.200 HP, que lhe proporcionavam a velocidade máxima de 11,5 nós (cerca de 21 quilômetros por hora), possuíam em média 130 metros de comprimento e 16 metros de largura, deslocando 5.055 toneladas.

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Propaganda da Norddeutscher Lloyd no Brasil em 1911, mostrando que o Franken, futuro Taubaté, já frequentava o porto do Rio de Janeiro antes da eclosão da Primeira Guerra.

Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial quase todos esses barcos foram capturados pelos Aliados, ou se internaram em portos neutros. O Franken, sob o comando do capitão H. Lindrob buscou o porto do Rio de Janeiro procedente da Austrália, transportando minério destinado ao porto de Antuérpia, Holanda [2]. Ele era um dos 49 navios espalhados em dez portos brasileiros, que aqui estavam em sistema de internamento[3].

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Com a deterioração das relações diplomáticas entre o Brasil e a Alemanha os navios desta nação em nossos portos foram confiscados pelo nosso governo, sendo rebatizados e entregues a companhias de navegação nacionais. O Franken recebeu a denominação de Taubaté, e ficou sob a responsabilidade da empresa Lloyd Brasileiro. Logo estava navegando com uma carga de café para a Índia[4]. Desde 1917 este navio vinha ostentando a nossa bandeira verde e amarela e cumprindo o seu papel de transportar cargas pelos mares[5].

Navegando Para Onde Os Alemães Estão Combatendo!

No final do ano de 1940 o Taubaté era comandado pelo experiente capitão de longo curso Mario Fonseca Tinoco, um homem que possuía uma longa e respeitável carreira, mas talvez pelos seus posicionamentos políticos e um problema ocorrido quando estava no comando de um dos barcos do Lloyd Brasileiro, quase sempre foi designado para comandar navios velhos e pequenos.

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Capitão de longo curso Mario Fonseca Tinoco.

Mesmo assim o capitão Tinoco sabia conduzir seus comandados e seus barcos de maneira correta. E ele precisava exercer bem sua função em 1940, pois naquele tumultuoso período inicial da Segunda Guerra Mundial, quem estava a bordo do Taubaté e de outros navios sem dúvida realizava um trabalho bem arriscado[6].

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Outro navio irmão do Taubaté, o Westfalen – Fonte – passengersinhistory.sa.gov.au

E em novembro daquele ano o velho navio foi contratado por uma empresa exportadora do Rio de Janeiro para levar uma carga de 3.000 toneladas de café, acondicionadas em 110.000 sacas, até a beligerante área do Mar Mediterrâneo [7]. Esta carga foi anteriormente carregada no porto de Santos e eles partiram do porto do Rio em 14 de novembro. Como medida de precaução/ foram pintadas duas grandes bandeiras brasileiras nos costados do Taubaté para identificar a nação a qual a nave pertencia[8].

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Enquanto o navio brasileiro seguia sua viagem, os combates da Segunda Guerra cresciam em violência em várias partes do mundo.

Na Europa a Inglaterra ainda se defendia dos ataques dos aviões alemães na Batalha da Inglaterra e, apesar de sofrerem bombardeios em suas cidades principais, já haviam mostrado aos nazistas que pelo ar eles não conseguiram dobrar o Império e nem a intrépida RAF. No Extremo Oriente, antes do ataque a base naval americana de Pearl Harbor, os japoneses continuavam sua luta para aniquilar os chineses. Na Grécia os italianos sofriam para derrubar a resistência do exército grego e em dezembro de 1940 pediam ajuda aos alemães. No norte da África os italianos também viam sofrendo sistemáticas derrotas para os britânicos, principalmente após o início da Operação Compass, que objetivava a recuperação do oeste do Egito aos italianos e a captura da Cirenaica, uma possessão italiana no norte da África, na atual Líbia.

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Benito Mussolini e seu grande aliado.

Em janeiro de 1941 a ofensiva das forças Britânicas e da Commonwealth nesta região obteve muito sucesso e estes se aproximavam cada vez mais da cidade Líbia de Tobruk. É quando o ditador Benito Mussolini pede socorro a Adolf Hitler para salvar suas tropas e sua honra e o alemão concorda em fornecer ajuda. Mas antes mesmo que as tropas germânicas do chamado Afrika Korps ponham suas botas na África, comandados pelo competente general Erwin Rommel, a aviação militar alemã, a Luftwaffe, já está com suas asas sobre o Mar Mediterrâneo.

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JU 88 da X. Fliegerkorps – Fonte – worldwarphotos.info

Entre janeiro e fevereiro de 1941 a Luftflotte 2, uma das principais divisões da Luftwaffe, sob o comando do marechal Albert Kesselring, recebe ordens para se deslocar a sua X. Fliegerkorps (X. Fl. Kps.) da gélida Noruega até a caliente Itália. Este era um formidável corpo aéreo com mais de 250 aviões de combate de vários modelos e divididos em doze unidades aéreas.

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O encouraçado alemão KMS Gneisenau, sobrevoado por um Heinkel He 111.

Durante esses dois meses esse grande grupo de aviação vai utilizar as bases italianas de Catania, Comisso, Palermo, Trapani e Gela, todas localizadas na Sicília[9]. A ideia de Albert Kesselring de posicionar a X. Fliegerkorps nesta área era reprimir a interferência da Marinha Britânica, a Royal Navy, nas rotas de abastecimento marítimo para a Península Italiana e reduzir a capacidade estratégica da ilha de Malta como base militar.

E logo os aviadores alemães começam o seu “show” pelo Mediterrâneo![10]

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O porta aviões inglês HMS Illustrious sob ataque da Luftwaffe em 10 de janeiro de 1941 – Fonte – http://ww2today.com

Em 10 de janeiro de 1941 o porta-aviões inglês HMS Illustrious, que se dirige para a ilha de Malta, é atacado por bombardeiros de mergulho alemães Junkers JU 87 Stukas vindos da base de Trapani e fica seriamente avariado[11]. No outro dia, no início da tarde, doze Stukas afundam o cruzador HMS Southampton[12]. Esses ataques deixam claro que a Luftwaffe tem o comando do ar sobre o Mediterrâneo. Eles também apontam para a verdadeira agonia que a ilha de Malta vai sofrer nos próximos meses e criar uma das páginas mais intensas da História da Segunda Guerra Mundial.

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o Schleswig, outro navio irmão do Taubaté – Fonte – http://www.simplonpc.co.uk

Certamente os tripulantes do Taubaté ouviam nos rádios valvulados de ondas curtas o noticiário em português da rádio britânica BBC e sabiam o que ocorria na região[13].

Dando A Volta Na África

Do jeito que a coisa estava Mar Mediterrâneo e desejando evitar problemas, o Lloyd Brasileiro ordenou ao capitão Mario Fonseca Tinoco que atravessasse o Atlântico Sul até o Cabo da Boa Esperança, na África do Sul, contornasse esta perigosa área marítima e entrasse no Oceano Índico. Daí ele deveria acompanhar a costa leste africana até o Golfo de Áden, entre os atuais países do Iêmen e do Djibuti. Daí o Taubaté iria entrar no Mar Vermelho e seguir até o Canal de Suez, ultrapassá-lo para navegar pelo Mar Mediterrâneo e chegar a Port Said, no Egito, seu destino final. Realmente o foguista João Lins podia se um homem pobre e trabalhar em uma função muito humilde no Taubaté, mas certamente era um potiguar que conhecia muito mais do mundo do que a maioria dos seus conterrâneos daquela época.

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O Taubaté.

Esta era uma Viagem longa, com muitas milhas marítimas a serem percorridas, mas o Lloyd estava colocando na mesma época não apenas o Taubaté, mas outros navios nessa mesma rota. Como foi o caso dos vapores Juazeiro e Atlântico, que saíram dias depois do Rio de Janeiro e seguiam a esteira do Taubaté.[14]

A viagem foi tranquila até o porto da cidade iemenita de Áden, dali o barco brasileiro foi escoltado por destróieres ingleses até o Canal de Suez. Essa prevenção tinha sentido, pois ali perto, na Etiópia e outras áreas da África Oriental, estavam se desenrolando sérios combates entre britânicos e italianos pela conquista desta região[15].

O Taubaté então atravessou o Canal de Suez sem problemas e chegou a Port Said.

Um Novo E Perigoso Contrato

Após descarregar todo o café e ficar com porões vazios a espera da próxima carga, mais de quarenta dias se passam desde a chegada do Taubaté naquele porto. É quando surgem as empresas Société de d’Avances Commerciales, do Egito, e a Shalon Brothers, de Isaac Shalon, um judeu radicado na Turquia.

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Port Said – Fonte – servatius.blogspot.com.br

Ambas as empresas fecham um acordo com o representante do Lloyd Brasileiro, que talvez fosse o próprio capitão Tinoco, para realizar um fretamento do porto egípcio de Alexandria até o porto de Boston, Estados Unidos. Mas antes disso o navio teria de pegar cargas em portos na ilha Chipre e mais cargas em Port Sudan, principal porto marítimo sudanês, às margens do Mar Vermelho. Na sequência haveria paradas nos portos de Buenos Aires, Montevideo, Santos, Rio de Janeiro, Nova York, Baltimore e finalmente Boston. O seguro da tripulação ficou a cargo dos contratantes estrangeiros.

Esse tipo de fretamento nada tinha de errado, o problema era percorrer a distância entre o Egito e o Chipre, uma ilha extremamente estratégica e colônia britânica no Mediterrâneo. Mesmo sendo apenas umas 200 milhas náuticas (380 quilômetros), quase nada em termos de distâncias marítimas, o que ocorria a volta de Chipre na época é que era o problema.

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Outra imagem do navio Schleswig, irmão gêmeo do Taubaté.

Acredito que, além de possíveis vantagens comerciais, o tempo de inatividade no Egito em meio a notícias dos combates cada vez mais intensos entre os britânicos e o Afrika Korps no vizinho deserto da Líbia, tenha feito com que o representante do Lloyd Brasileiro decidisse fechar o acordo com os contratantes da Société de d’Avances Commerciales e da Shalon Brothers. Mesmo com o risco, o Taubaté partiu para o Chipre. No futuro o Lloyd Brasileiro vai responder na justiça por liberar seu barco para percorrer esse trajeto[16].

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Porto de Limassol, Chipre, em 1941.

O navio brasileiro partiu e, segundo os jornais de época, esteve nos portos cipriotas de Limassol, Lanarca e finalmente Famagusta. Após o recolhimento de cargas, o Taubaté está de partida da ilha de Chipre para o Egito na manhã do dia 22 de fevereiro de 1941.

De Famagusta o conferente de cargas José Francisco Fraga, de 28 anos, que morava na Rua Souza Valente, n° 7, São Cristóvão, Rio de Janeiro, escreveu uma carta para sua família onde comentou que eles não “esperassem notícias dele nem tão cedo”[17].

Ele não tinha ideia de quanto tragicamente estava certo!

Alemães Ao Ataque

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O interessante livro do pesquisador inglês John Weal, JU 88 – Kampfgeschwader of north Africa and the Mediterranean (© 2009 Osprey Publishing Limired), aponta que entre janeiro e fevereiro de 1941, as três esquadrilhas de JU 88 A 4 que atuaram no X. Fliegerkorps tiveram uma vida bem movimentada naqueles dias.

John Weal é um autor especializado na história da Luftwaffe, com mais de 30 livros publicados sobre o tema e na sua obra afirma que estas aeronaves realizaram ataques aéreos a ilha de Malta, apoio as tropas do Afrika Korps que lutavam contra os britânicos, ataques a Benghazi e Tobruk na atual Líbia, ataques contra alvos no Egito, além de patrulhas marítimas e ataques a navios que seguiam em todo Mediterrâneo em comboios, ou solitários.

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Um Ju 88 do I. / LG 1, no Norte da África em 1942- Fonte – http://www.worldwarphotos.info

Isso é referente especificamente as missões dos JU 88 A 4. Fora estes aviões ainda estavam na região os formidáveis bombardeiros HE 111 H 3, os bombardeiros de mergulho Ju 87 R 1 Stukas, os caças bombardeiros BF 110 D 3 e outros mais. A Luftwaffe verdadeiramente malhava em ferro quente todo o Mar Mediterrâneo e o Norte da África[18].

Em 21 de fevereiro a Luftwaffe atacou o comboio AS.21, que seguia escoltado por três destróieres do porto de Piraeus, na Grécia, para Alexandria, Egito. Tudo começou com três JU 88 A 4 que caíram em cima dos treze navios do comboio quando estes navegavam no canal da ilha Citera, ao largo da extremidade sul da região do Peloponeso, a parte meridional da porção continental da Grécia. Os JU 88 atingiram o petroleiro dinamarquês, mas trabalhando para os ingleses, Marie Maersk, de 8.271 toneladas. Este foi rebocado para o porto de Piraeus bastante danificado, com seis tripulantes mortos, oito desaparecidos e quatro que foram capturados.

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Uma bela foto de um HE 111 do II. / KG 26, ainda em 1939 – Fonte -www.worldwarphotos.info

Após o amanhecer do dia 22 de março, quinze aeronaves alemãs novamente atacaram o comboio AS.21, desta vez a 22 milhas náuticas (35 quilômetros) ao sul da ilha de Gavdos, um pequeno promontório considerado um dos pontos mais extremos da Europa, a poucas milhas ao sul da ilha de Creta. Desta vez foi uma ação conjunta de bombardeiros Ju 88 A 4 e HE 111 H 3 que lançaram várias bombas e afundaram o mercante grego Embiricos Nicolaos (3.798 ton.) e o petroleiro norueguês Solheim (8.070 ton.)[19].

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Nariz de um HE 111. O metralhador disparava deitado – Fonte – http://www.theatlantic.com

Enquanto tudo isso ocorria, a quase 500 milhas náuticas de distância a leste dali (cerca de 930 quilômetros), por volta das cinco da manhã desse intenso dia 22 de março, o Taubaté deixava a ilha de Chipre[20].

Die Walküre

Sem maiores dados é impossível apontar se foi um Ju 88 A 4 ou um HE 111 H 3 alemão que atacou o navio brasileiro, bem como não sabemos de onde ele partiu e nem de qual esquadrilha fazia parte. Entretanto eu acredito que a ação ocorrida no começo da manhã contra o comboio AS.21, ao sul da ilha de Gavdos, pode ter feito com que outros bombardeiros nazistas continuassem a buscar o comboio para um novo ataque. Como os navios do AS.21 tentavam chegar a Alexandria, o mesmo destino do Taubaté, não é difícil supor que alguma destas aeronaves alcançou à área ao sul de Chipre e houve o encontro com o navio brasileiro[21].

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Representação artística de um JU 88 atacando um cargueiro. No caso do ataque ao navio brasileiro, sendo o atacante um avião deste modelo, essa bem poderia ser uma imagem próxima dos fatos.

Conjecturas a parte todas as informações apontam que por volta do meio dia, com o sol a pino, quando o navio estava a cerca de 100 milhas náuticas de Lanarca, surgiu um avião bimotor voando lento, baixo e ostentando a inconfundível suástica nazista na cauda, além de cruzes gamadas nas laterais e nas asas. Esses aviadores teutônicos não chegaram ao som do Ato terceiro da ópera Die Walküre, de Richard Wagner, mas ao som de potentes motores Jumo[22].

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Representação artística de um bombardeiro HE 111 atacando navio mercante. Imagem meramente ilustrativa.

A aeronave passou sobre o Taubaté e começou a realizar voltas. A tripulação ficou surpresa, mas tranquila, pois nos costados a bandeira brasileira estava nitidamente pintada e o Brasil ainda mantinha relações diplomáticas com a Alemanha Nazista. Entretanto, logo depois de dar algumas voltas o avião alemão começou a virar diretamente para o navio e veio em alta velocidade, foi quando a primeira de seis (algumas fontes apontam quatro) bombas foi lançada e uma coluna de água emergiu do Mediterrâneo. Imediatamente após o lançamento da primeira bomba começou as rajadas de metralhadoras do tipo MG[23].

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Metralhadora MG de um bombardeiro alemão em ação.

O capitão Mario Fonseca Tinoco contou que em um primeiro momento houve pânico a bordo. Certamente nessa hora o pessoal que não estava no convés, talvez por medo de alguma bomba atingir o casco e a nave afundar rapidamente, veio para fora da nave. Pode ser que nesse momento o potiguar João Lins tenha visto o avião atacante.

Os oficiais e os marujos mais experientes então transmitiram ordens e informações que conseguiram colocar a situação sob algum controle. O capitão Tinoco contou a um jornal de Recife que após a primeira bomba cair a sua ideia foi manter o curso do barco firme, permanecendo na mesma direção, sempre em frente. Não sei se essa era a melhor tática contra esse tipo de ataque, mas no caso do Taubaté deu certo[24].

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Imagem ilustrativa de um a bombardeiro alemão atacando um navio mercante com bombas.

O capitão tentou enviar toda sorte de sinais para o avião, mas a resposta eram mais disparos[25]. O avião nazista voltou e uma das bombas caiu muito perto do navio brasileiro, estremecendo tudo a bordo, varando o casco da embarcação com estilhaços, ferindo tripulantes e danificando o leme, que ficou inoperante. Os telegrafistas Américo Rodrigues da Silva, Josias Correia de Castro e Raimundo Evangelista Monteiro enviaram mensagens telegráficas sobre o ataque, mas seu posto de trabalho recebeu vários disparos e um deles foi ferido.

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Metralhador de bombardeiro alemão enquadrando um navio mercante com a sua MG. Imagem Meramente ilustrativa.

O capitão Tinoco mandou que içassem uma bandeira branca, mas nada disso demoveu os alemães do seu ataque. Ele também afirmou ao Diário de Notícias do Rio que algumas bombas eram pintadas de preto e uma de vermelho. Tripulantes comentaram que o avião passava muito baixo, “rente as antenas telegráficas” e chamou atenção dos brasileiros a insistência dos alemães em atirar com suas metralhadoras contra o navio e sua tripulação. Certamente aqueles aviadores queriam pintar na cauda de sua aeronave a silhueta do Taubaté, indicando seu afundamento.

Morto Agarrado à Bandeira do Brasil

Conforme o avião despejava bombas e balas, membros da tripulação eram feridos. O 2° cozinheiro Teodoro da Silva Ramos, morador da Rua Faria Braga, 34 A, morro de São Roque, São Cristóvão, Rio de Janeiro, levou vários estilhaços nas costas, ocasionando feridas que deixariam grandes cicatrizes. Outro ferido com gravidade foi Henrique Leandro da Silva, colega do potiguar João Lins Filho, que ficou com uma fratura no crânio. O maquinista Aníbal Landelino Borges levou tal quantidade de ferimentos, com alta gravidade, que ninguém a bordo acreditava na sua sobrevivência. Foi o valoroso trabalho do enfermeiro Emiliano Priamo da Silva que salvou sua vida e de mais outros doze feridos[26].

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Cargueiro debaixo de bombas.

Existe uma notícia coletada após o ataque, já em Alexandria, e transmitida inclusive por agências internacionais, que chamou muito a atenção do povo brasileiro – Um grupo de quatro tripulantes subiu em dos pontos mais altos do Taubaté levando uma grande bandeira do Brasil. Nesse local, em um intervalo dos disparos, cada um dos quatro homens segurou em uma das pontas do nosso pavilhão nacional para que pudesse ser visto e reconhecido pelo avião atacante. Mas se alguém no avião viu a bandeira verde e amarela foi para melhor fazer mira, pois o conferente José Francisco Fraga foi atravessado por vários tiros e morreu praticamente na hora. Dois dos seus colegas também ficaram feridos nesse momento.

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O carioca Fraga foi o primeiro brasileiro a perecer em decorrência de ação inimiga direta durante a Segunda Guerra Mundial[27].

Sem o leme o Taubaté então parou, o que o deixou completamente pronto para ser afundado. Neste ponto as narrativas são conflitantes, mas, ou por que a carga de bombas do avião havia encerrado, ou por imperícia dos aviadores em acertar o Taubaté, ele não foi atingido.

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Os aviadores nazistas até que tentaram, mas o Taubaté não foi fazer parte do desenho da cauda deste JU 88 baseado na Itália em 1941.

Mesmo assim o capitão deu ordens de abandonar o navio, mas os tripulantes do bombardeiro continuaram disparando suas M.G., frustrando as tentativas de fuga dos marinheiros e também atingindo, ou “picotando”, os barcos salva vidas. Foi neste momento que o foguista João Pereira da Silva, que segurava uma das cordas utilizadas para arriar uma das baleeiras do navio recebeu uma saraivada de estilhaços, caiu sobre o convés e desmaiou[28].

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Nesta foto de jornal vemos na extrema esquerda o conferente Fraga e o cachorro Taubaté, mascote do navio brasileiro.

A mastreação, a chaminé, o casco, tombadilho, ponte de comando, o camarote do capitão, a sala de radiotelegrafia ficaram crivados de disparos. As metralhadoras do avião varreram o convés de popa a proa. O mascote de bordo, um cachorro chamado Taubaté, foi ferido duas vezes, mas sobreviveu[29].

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HE 111 atacando nave mercante – Fonte – warfarehistorynetwork.com

O imediato Armando Viana comentou ao Diário de Pernambuco que o ataque só parou quando surgiu outro avião no horizonte. Alguns tripulantes ficaram assustados com o novo “visitante”, mas o bombardeiro nazista desapareceu “como por encanto”, pois a nova aeronave era inglesa. Para o imediato era um “Spitfire”, mas documentos oficiais do Almirantado, que aqui reproduzo abaixo, apontam que a aeronave salvadora era um hidroavião.

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Os informes que li afirmam que o ataque do avião alemão durou, dependendo da fonte, de 60 a 90 minutos[30].

Notícias no Brasil

O Taubaté consegue chegar a Alexandria, onde está atracado o vapor Juazeiro, que dá todo apoio ao pessoal do navio atacado, bem como as autoridades consulares brasileiras do Cairo, as autoridades britânicas e egípcias. Em meio a muito buraco de bala, pedaços de estilhaços e sangue, os tripulantes são removidos para o hospital.

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O conferente José Francisco Fraga é enterrado em cerimônia simples, mas carregada de muita emoção, no Cemitério Cristão de Alexandria. Ele morreu um dia antes de completar 29 anos e deixou no Rio a noiva Geraldina Gonçalves com o enxoval pronto para o casamento que iria se realizar no seu retorno. Mas o sonho foi desfeito.

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Pelos próximos dias do ditador Getúlio Vargas e seus Ministros, juntamente com o Lloyd Brasileiro, prometem apoio às famílias e especialmente atender o pedido de Dona Isabel Maria Fraga –  O de trazer o cadáver do conferente Fraga para ser enterrado no Rio[31]. Outra situação envolvendo a Senhora Isabel foi que ela declarou a imprensa que não dormiu direito na noite do dia 22 de março e sonhou com seu filho vestindo seu imaculado uniforme branco da Marinha Mercante, mas este estava manchado de sangue[32].

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No Brasil a notícia do ataque ao Taubaté causa surpresa e indignação, mas não ao ponto de gerar protestos públicos. O tema é notícia de primeira página em todos os jornais do país. Mas estranhamente em Natal, capital do Estado onde o foguista João Lins Filho é natural, os dois principais jornais locais, A República e A Ordem, pouco comentou sobre o ataque em si e apenas lançaram pequenas notas sobre a situação do conterrâneo. Mas temos a informação que seus familiares foram até a Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS, na Ribeira, onde procuraram o Diretor José Gomes da Costa em busca de notícias junto ao Lloyd Brasileiro sobre o tripulante potiguar do Taubaté, que felizmente eram positivas.

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O Itamaraty emite uma nota de protesto para a Alemanha Nazista, cuja chancelaria respondeu cerca de oito dias depois informando que iria apurar o caso e punir quem tivesse cometido erros. Mas ficou só nisso[33].

Lento e Complicado Retorno

O navio atacado e sua tripulação permaneceram 47 dias no Egito, onde foram feitos reparos e os tripulantes feridos gradualmente se recuperavam. Foi classificado de verdadeiro milagre ter havido um único falecimento devido ao ataque aéreo. No dia 25 de março o foguista João Pereira da Silva é operado por hábeis médicos e enfermeiras ingleses do B.M.H. Alexandria (British Military Hospital Alexandria). Estes profissionais retiram do seu corpo quatro estilhaços de projetis de metralhadora da região frontal e dois estilhaços do braço. O foguista perdeu todos os dentes de sua arcada superior[34].

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O B.M.H. Alexandria (British Military Hospital Alexandria) – Fonte – http://www.mycommunity.org.sg

Durante este período a tripulação do Taubaté testemunhou alguns ataques aéreos germânicos, tanto de dia quanto a noite, bem como a ação defensiva britânica com o uso de canhões antiaéreos. Felizmente o navio não foi atingido[35].

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Porto de Alexandria, Egito.

Finalmente chegou o dia de partir. O navio estava extremamente carregado de algodão egípcio, couros, lã, goma arábica e outras cargas menores. Seguiu em direção sul, bordejando a costa leste africana, refazendo em sentido contrário seu caminho anterior. Houve escalas em Port Sudan, Áden e Lourenço Marques, capital do então o território da África Oriental Portuguesa (atual Maputo, capital de Moçambique).

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Nesta cidade as autoridades coloniais portuguesas realizaram uma recepção tão acolhedora que o capitão Tinoco considerou como uma verdadeira “homenagem”. Provavelmente foi neste porto que o comandante percebeu que a sua tripulação precisava de um descanso. Eles estavam longe de casa há vários meses e tendo passado por problemas complicados, vendo alguns companheiros feridos e um morto, em meio a uma situação inusitada. O capitão decidiu então refazer o roteiro e seguir para Recife. Ali seria feita a troca da tripulação, antes de ir para os Estados Unidos.

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Mas antes houve uma parada no porto de East London, uma cidade localizada na costa sudeste da África do Sul. Parada rápida, mas ao voltar ao alto mar em direção ao Brasil o Taubaté foi atingido por uma violenta tempestade, que no pensamento do imediato Armando Viana “Só não foi ao fundo porque estava bem carregado”. Mas essa tempestade marcou a tripulação já atingida, pois um dos seus membros foi simplesmente levado do convés pela força das águas e desapareceu.

O Taubaté segue então para a capital pernambucana atravessando o Oceano Atlântico com suas combalidas máquinas, conseguindo ridículos quatro nós de velocidade. Leva mais de um mês para conseguir esse feito.

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Ao entrar no porto, as cinco da tarde do dia 13 de agosto de 1941, a situação do navio era de tal penúria, que somente com o apoio do rebocador 4 de outubro é que ele entra no porto.

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Porto do Recife

Uma verdadeira multidão de pernambucanos vai ao cais do porto testemunhar a chegada do Taubaté, que ancora no Armazém 5, onde as autoridades portuárias, a imprensa e até mesmo alguns parentes do pernambucano Teodoro da Silva Ramos esperavam ansiosos para visitar o 2° cozinheiro ferido. Chama atenção de todos os furos dos projetis e estilhaços em vários locais do barco. Quando desembarcam um dos tripulantes mostra a imprensa uma caixa cheia de estilhaços que atingiu o barco Taubaté [36].

Finalizando

Após os reparos o Taubaté retornou as atividades de navegação comercial em meio a Segunda Guerra Mundial. Documentos apontam que esse navio participou de vários comboios entre o Brasil e a ilha de Trinidad, ou de Nova York para Guantánamo, Cuba, e de lá para a zona do Canal do Panamá. Em agosto de 1944, conforme podemos ver neste documento da US Navy, o Taubaté inclusive comandou um destes comboios.

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Mas em um sábado, 3 de julho de 1954, o velho navio com mais de cinquenta anos de mar encalhou na ponta do molhe do porto de Recife e ali encerrou a sua trajetória[37].

Provavelmente após a volta do Taubaté Dona Isabel Fraga, a mãe do falecido tripulante, soube dos detalhes do ocorrido e não se conformou. Certamente açodada pelo não cumprimento da promessa do retorno do corpo de seu filho de Alexandria para o Rio, ela abriu um processo contra o Lloyd Brasileiro perante a vara dos feitos da fazenda do Rio de Janeiro. Representada pelo advogado Alberto de Oliveira, a querelante reclamava do contrato firmado pelo Lloyd para ir ao Chipre, em meio a um conflito bélico e a revelia da tripulação. Ela pedia uma indenização de 100 contos de réis.  

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Mas parece que a opinião pública não compreendeu muito bem a busca de Dona Isabel por uma indenização. Ainda mais em uma época onde o que não faltava no Brasil eram famílias chorando o desaparecimento de seus entes queridos, em meio a dezenas de afundamentos de navios nacionais provocados por submarinos do Eixo. Dois anos depois mais de 25.000 homens seguiriam para a Itália com a missão de combater diretamente os nazistas e o caso de Dona Isabel cairia no esquecimento. Não descobri os desdobramentos do seu processo[38].

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Foto de jornal da tripulação do Taubaté.

Outro que sofreu no corpo foi o foguista João Pereira da Silva, que dois anos depois ainda sofria de terríveis dores físicas por causa de vários estilhaços no seu corpo. Em março de 1942 ele se encontrava internado no Hospital Gaffrée e Guinle, no Rio de Janeiro, para mais uma operação de retirada de estilhaços. Este era a décima “lembrança” daquele dia a ser retirado, desta vez na região temporal direita e ele seria operado pelo médico Armando Amaral. O foguista João Pereira da Silva se encontrava internado neste hospital através de ações do Instituto dos Marítimos, entidade que defendia sua classe. Mas Pereira estava sem receber um centavo de fonte alguma[39].

Nada mais encontrei sobre o discreto potiguar João Lins Filho, que aparentemente nunca se interessou de contar esse episódio fora de seu círculo mais próximo de parentes e amigos, sobre o seu destino. Talvez, como aconteceu com muitos potiguares humildes que conheciam outras terras naquele tempo, decidiu deixar para trás o Rio Grande do Norte.

Última questão – É possível que João Lins Filho não tenha sido o primeiro potiguar a testemunhar os horrores da Segunda Guerra Mundial?

Sim, é possível.

Mas até que alguém prove o contrário, pelo menos em termos documentais, ele foi dos nossos conterrâneos o que primeiro viu algo que nunca deveria ter acontecido.

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NOTAS

[1] A família Lins era muito numerosa na área do Engenho Cajupiranga, cujo dono na década de 1920 era o fazendeiro Virgílio Lins, senhor de largas faixas de terras e essas áreas são hoje parte da cidade potiguar de Parnamirim. Sei também que os Lins se espalharam pela região litorânea, na área da antiga cidade de Papary, hoje Nísia Floresta, e na área das praias de Pirangi e Tabatinga.

[2] Ver jornal A Noite, Rio de Janeiro-RJ, edição de quarta-feira, 7 de junho de 1917, pág. 3 e o jornal O Imparcial, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta-feira, 9 de agosto de 1917, pág. 6.

[3] Ver Relatório do Ministério da Marinha, Abril de 1916, Imprensa Naval, Rio de Janeiro, pág. 135

[4] Algumas fontes apontam que o Taubaté só teria sido adquirido pelo Lloyd Brasileiro em 1925. Mas os jornais de época apontam a versão que desde o seu confisco ele já passou para a responsabilidade desta empresa

[5] Ver jornal O Imparcial, Rio de Janeiro-RJ, edição de domingo, 7 de outubro de 1917, pág. 6.

[6] Mario Fonseca Tinoco foi imediato no vapor Acary durante a Primeira Guerra Mundial, quando este navio foi torpedeado em 3 de novembro de 1917 pelo submarino alemão U-151, próximo ao arquipélago de Cabo Verde, África. Logo foi promovido a comandante de navios, mas em 1932 Fonseca se aliou aos paulistas na Revolução Constitucionalista e foi por isso foi exilado em Portugal. Já em 1936 a situação dele ficou complicada no Lloyd Brasileiro, pois estava no comando do navio Una quando este afundou na costa catarinense em 26 de outubro de 1936. Sobre o afundamento do Acary, ver jornal A Razão, Rio de Janeiro-RJ, edição de domingo, 4 de dezembro de 1917, pág.1. Sobre a participação do capitão de longo curso Mario Fonseca Tinoco na Revolução Constitucionalista ver https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/108009/ISSN1808-1967-2007-3-1-108-123.pdf?sequence=1 Em relação ao afundamento do Una ver jornal A Razão, Rio de Janeiro-RJ, edição de terça feira, 27 de outubro de 1936, pág.5.

[7] Ver o jornal O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta feira, 27 de março de 1941, pág. 4.

[8] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 27 de março de 1941, pág. 1.

[9] As unidades, as bases e os aviões da X Fliegerkorps na Itália entre janeiro e fevereiro de 1941 foram os seguintes –

Unidade          Base         Avião

Stab / LG 1   Catania       Ju 88 A-4

  1. / LG 1 Catania        Ju 88 A-4

III. / LG 1      Catania      Ju 88 A-4

  1. / KG 26  Comiso      He 111 H-3
  2. / KG 4 Comiso         He 111 H-3

(F)/121          Catania        Ju 88 D-1

III. / ZG 26     Palermo    Bf 110 D-3

Stab / St.G 3  Trapani     Ju 87 R-1

I./ St.G 3       Trapani       Ju 87 R-1

  1. / St.G 3 Trapani     Ju 87 R-1
  2. / JG 26 Gela            Bf 109 E-7
  3. / NJG 3 Gela           Bf 110 E-3

[10] Sobre a Luftflotte 2 ver https://weltkrieg2.de/luftwaffe-2-september-1939/ . Sobre a X Fliegerkorps ver https://www.asisbiz.com/Luftwaffe/xfk.html e http://deacademic.com/dic.nsf/dewiki/2635768 . Sobre o marechal Albert Kesselring ver http://www.fliegerhorste.de/rothwesten.htm .

[11] Sobre o ataque ao HMS Illustrious ver http://ww2today.com/10th-january-1941-luftwaffe-planes-attack-hms-illustrious .

[12] Sobre o afundamento do HMS Southampton ver https://maltagc70.wordpress.com/tag/hms-southampton/ .

[13] As fontes aqui pesquisadas informam que o Taubaté possuía como sistema de comunicação apenas o posto telegráfico para emitir sinais em código Morse. Mas encontrei a informação que eles possuíam rádios de ondas curtas e certamente captavam o serviço em português da BBC, o principal meio que os brasileiros do início da década de 1940 utilizavam para conseguir notícias internacionais.

[14] . Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro-RJ, edição de sábado, 5 de abril de 1941, pág. 1.

[15] Os combates na África Oriental, ocorridos entre 1940 e 1941 são episódios pouco conhecidos no âmbito da Segunda Guerra Mundial. Ver https://web.archive.org/web/19970121012937/http://gi.grolier.com/wwii/wwii_8.html e http://www.bbc.co.uk/history/ww2peopleswar/timeline/factfiles/nonflash/a1057547.shtml

[16] Toda a questão do trajeto deste navio, a questão do fretamento e outras considerações estão incluídas no processo aberto pela mãe de José Francisco Fraga, a Senhora Isabel Maria Fraga, que processou judicialmente o Lloyd Brasileiro em 1942 pela morte do seu filho. Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 13 de fevereiro de 1942, pág. 1.

[17] Ver Diário Carioca, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 4 de abril de 1941, pág. 1.

[18] John Weal é escritor, artista gráfico, autor prolífico e bem estabelecido sobre assuntos ligados a aviação militar alemã na Segunda Guerra Mundial. Possui uma das maiores coleções privadas de literatura original de língua alemã sobre este conflito e sua pesquisa sobre a Luftwaffe está firmemente baseada neste enorme arquivo. Ele mora na histórica vila de Cookham, Berkshire, a oeste de Londres, Inglaterra.

[19] Sobre os ataques da Luftwaffe no Mar Mediterrâneo nos dias 21 e 22 de março de 1941, especialmente o ataque ao sul da ilha Gavdos ver http://www.warsailors.com/singleships/solheim.html  e http://www.naval-history.net/xDKWW2-4103-30MAR02.htm .

[20] O Chipre era na Segunda Guerra um local extremamente estratégico como importante base de fornecimento de materiais e treinamento, além de possuir uma estação naval.

[21] No processo aberto pela Senhora Isabel Maria Fraga contra o Lloyd Brasileiro em 1942, existe a ideia que a saída do Taubaté de Chipre tenha sido comunicada por espião nazista a Luftwaffe, que então enviou um avião para o ataque. Apesar de plausível, essa versão carece de maiores dados para sua corroboração. Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 13 de fevereiro de 1942, pág. 1.

[22] Segundo dados existentes, deferentes versões deste tipo de motor equipavam tanto o JU 88 A 4 como o HE 111 H 3 da LuftWaffe, então em ação naqueles dois primeiros meses de 1941 no mar Mediterrâneo e no Norte da África.

[23] As várias voltas do bombardeiro talvez possam indicar que a tripulação da aeronave viu a pintura da bandeira brasileira, sabidamente um país neutro. Mas era inegável para eles que a proa do navio apontava em direção ao Egito, local onde se encontravam seus inimigos. Aí fica mais fácil, embora sem justificativa, entender a razão do ataque pelos aviadores alemães.

[24] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de terça feira, 26 de agosto de 1941, pág. 5.

[25] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro-RJ, edição de sábado, 5 de abril de 1941, pág. 1.

[26] O 2° cozinheiro Teodoro da Silva Ramos, também é apresentado por alguns jornais como Teodósio da Silva Ramos. Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 14 de agosto de 1941, pág. 5.

[27] Confesso que pensei não ser real a notícia envolvendo a morte do conferente Fraga segurando a nossa bandeira. Imaginei que poderia ser o tipo de notícia ufanista, típica da propaganda do governo Vargas. Uma “patriotada” como se diz hoje em dia. Mas tudo indica que a história é verídica, segundo notícias vinculadas na época pela própria BBC. Ver o jornal O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta feira, 27 de março de 1941, pág. 4 e o jornal A Noite, Rio de Janeiro-RJ, edição de sábado, 5 de abril de 1941, págs. 1, 2 e 3.

[28] Ver o jornal O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta feira, 17 de março de 1942, pág. 2.

[29] Ver Diário da Noite, Rio de janeiro-RJ, edição de sexta-feira, 4 de abril de 1941, págs. 1 e 2. Os jornais cariocas basicamente reproduziram uma reportagem feita pelo jornal A Tarde, de Salvador, que deu o furo com as informações transmitidas pelo jornalista Larry Alena, da Associated Press, que realizou uma visita ao Taubaté em Alexandria após a sua chegada.

[30] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 27 de março de 1941, pág. 1.

[31] Mas essa situação só vai acontecer depois da deposição de Getulio Vargas. Somente em agosto de 1946, durante o governo de Gaspar Dutra, o navio “Camboinhas” chega ao Rio com os despojos de José Francisco Fraga.

[32] Ver Diário Carioca, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 4 de abril de 1941, pág. 3.

[33] Ver jornal A Noite, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 3 de abril de 1941, pág. 1 e a edição de sábado, 12 de abril de 1941, pág. 3.

[34] Ver o jornal O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta feira, 17 de março de 1942, pág. 2.

[35] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 14 de agosto de 1941, pág. 5.

[36] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 14 de agosto de 1941, pág. 5.

[37] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 8 de julho de 1954, pág. 3.

[38] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 13 de fevereiro de 1942, pág. 1.

[39] Ver o jornal O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta feira, 17 de março de 1942, pág. 2.

O VERDADEIRO AMON GOETH – O CRUEL E SÁDICO COMANDANTE NAZISTA DO TERCEIRO REICH

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Amon Leopold Goeth em uniforme com insígnias de SS-Untersturmführer, equivalente a de segundo tenente – Fonte – https://rarehistoricalphotos.com/amon-goeth/

Fontes – https://rarehistoricalphotos.com/amon-goeth/

https://www.scrapbookpages.com/Poland/Plaszow/Plaszow03A.html

Nascido em Viena, Amon Leopold Goeth (ou Göth) foi um oficial austríaco nazista e comandante do campo de concentração de Płaszów, na região da Cracóvia, na Polônia ocupada pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial e retratado pelo ator Ralph Fiennes no filme “A Lista de Schindler”.

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Goeth juntou-se a um grupo de jovens nazistas aos dezessete anos, mudou-se para um grupo paramilitar nacionalista aos dezenove anos e, em 1930, quando ele tinha vinte e dois anos, se juntou ao então partido nazista austríaco que fora proscrito. Ele foi designado n° 510 964, e no mesmo ano ingressou na SS

Amon Goeth fugiu para a Alemanha quando foi perseguido por autoridades austríacas por crimes envolvendo explosivos. Seus oficiais superiores admiram sua devoção, deram-lhe avaliações pessoais brilhantes e transferiram-no para a SS. Um filho nasceu em 1939 e morreu de causas inexplicadas menos de um ano depois. Amon Goeth era um oficial modelo e sua recompensa foi uma publicação, em agosto de 1942, com Aktion Reinhard, a operação da SS para liquidar mais de dois milhões de judeus poloneses.

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Comandante Amon Goeth segurando um rifle militar – Fonte – https://rarehistoricalphotos.com/amon-goeth/

Em fevereiro de 1943, Goeth recebeu uma promoção e tornou-se o terceiro oficial da SS a ocupar o cargo de comandante do campo de trabalho de Plaszow. Enquanto ele era o comandante de Plaszow, Goeth foi designado para supervisionar a liquidação do gueto Podgorze em 13 de março de 1943, e mais tarde o campo de trabalho em Szebnie. A liquidação do gueto de Podgorze em Cracóvia é exibida no filme, a “A Lista de Schindler”. As cenas do gueto no filme foram filmadas em Kazimierz, outro gueto em Cracóvia.

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Amon cavalgando no Campo de Plaszow – Fonte –  https://www.scrapbookpages.com/Poland/Plaszow/Plaszow03A.html

Em 3 de setembro de 1943, Goeth supervisionou a liquidação do gueto Tarnow, uma cidade polonesa próximo a Cracóvia. Durante a liquidação desses guetos, Goeth aproveitou a situação roubando algumas das propriedades que foram confiscadas dos judeus, incluindo peles e móveis. Ele guardou alguma dessas propriedades em um apartamento em Viena, onde sua esposa morava com seus dois filhos.

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Amon Leopold Goeth foi o comandante de campo do campo de concentração de Plaszow desde fevereiro de 1943 até setembro de 1944. Na fotografia, ele pode ser visto de pé em sua varanda, preparando-se para atirar prisioneiros – Fonte – https://rarehistoricalphotos.com/amon-goeth/

Em Plaszow, Amon Goeth passava suas manhãs usando seu rifle de alta potência e escopo para atirar em crianças que jogavam no campo. Rena Finder, um dos judeus de Schindler com 14 anos de idade, mais tarde se lembrou de Goeth como “… o homem mais vicioso e sádico …”. Outro Schindler-judeu, Poldek Pfefferberg, lembrou: “Quando você viu Goeth, você viu a morte”.

Um sobrevivente, Arthur Kuhnreich, disse mais tarde sobre Amon Goeth em suas Memórias do Holocausto: “Eu vi Goeth colocar seu cão em um prisioneiro judeu. O cão rasgou a vítima. Quando ele não se moveu mais, Goeth disparou contra ele”.

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Amon foi designado para o SS-Totenkopfverbände (unidade “Deaths-head”, serviço de campo de concentração) – Fonte – https://rarehistoricalphotos.com/amon-goeth/

Seus dois cães, Rolf e Ralf, foram treinados para destruir os presos até a morte. Ele disparou contra as pessoas da janela do escritório se eles pareciam estar se movendo muito devagar ou descansando no quintal. Ele matou com um tiro na cabeça um cozinheiro judeu porque a sopa estava muito quente.

Para a menor infração das regras, ele dava um golpe sobre o rosto do infeliz impotente, e observaria com satisfação como a bochecha de sua vítima se inchava e ficava roxa, como os dentes caíam e os olhos se enchiam de lágrimas.

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A casa original de Goeth no campo de Plaszow nos dias atuais. Da sacada ele abria fogo contra seus prisioneiros. Puro sadismo – Fonte – https://rarehistoricalphotos.com/amon-goeth/

Qualquer um que estava sendo chicoteado por ele era forçado a contar em voz alta, cada golpe do chicote e, se cometesse um erro, era forçado a começar a contar novamente. Durante os interrogatórios, que foram conduzidos em seu escritório, ele soltava seu cachorro no acusado, que estava amarrado pelas pernas em um gancho colocado no teto.

No caso de uma fuga do campo e posterior recaptura, ele ordenava que todo o grupo de companheiros do barracão que servia de alojamento para o fugitivo formarem uma fila e ordenava que o fujão contasse até dez, então atirava na cabeça dessa décima pessoa e depois urinava sobre ela. Uma vez ele pegou um menino doente de diarreia e não conseguiu se conter. Forçou-o a comer todos os excrementos e depois atirou nele “.

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Fotos do prontuário de Amon, tomadas em 8 de agosto de 1945. Ele tinha perdido peso porque sofria de diabetes – Fonte – https://www.scrapbookpages.com/Poland/Plaszow/Plaszow03A.html

Algumas fontes apontam que um total de 35 mil prisioneiros passaram pelo campo de Plaszow durante os dois anos e meio de sua operação. Mas a Comissão Principal para a Investigação de Crimes Nazistas na Polônia estimou que 150 mil prisioneiros estiveram em Plaszow e 80 mil deles morreram como resultado de execuções em massa ou epidemias. 

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Amon Goeth (o mais alto) seguindo para o tribunal onde seria condenado à morte – Fonte – https://www.scrapbookpages.com/Poland/Plaszow/Plaszow03A.html

Após a Segunda Guerra Mundial, o exército norte-americano entregou Amon Goeth para o governo polonês para ser processado como criminoso de guerra. Ele foi levado perante o Supremo Tribunal Nacional da Polônia em Cracóvia. Seu julgamento ocorreu entre 27 de agosto de 1946 e 5 de setembro de 1946. Goeth foi encarregado de ser membro do partido nazista e membro do Waffen-SS, o exército de elite de Hitler, ambos designados como organizações criminosas pelo Aliados após a guerra. Seus crimes incluíram as acusações de que ele havia participado das atividades dessas duas organizações criminosas. 

Durante seu julgamento, Goeth mostrou indiferença provocativa. Ele aceitou a responsabilidade pelo que aconteceu em Plaszow. Ele havia recebido autoridade e permissão para fazer tudo o que tinha feito, disse ele, e estava apenas realizando ordens e instruções recebidas de seus superiores. Ele também afirmou que as penalidades que ele estava infligindo aos presos, incluindo matá-los, estavam dentro de sua jurisdição disciplinar como comandante do campo e estavam de acordo com a regulamentação alemã vigente.

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Amon Goeth durante seu julgamento, 1946 – Fonte – https://rarehistoricalphotos.com/amon-goeth/

Goeth foi considerado culpado e condenado pelos assassinatos de dezenas de milhares de pessoas. Ele pediu piedade ao presidente do Conselho Nacional do Estado. Depois que o presidente decidiu não se aproveitar de sua prerrogativa de perdão, a sentença foi realizada.

Amon Goeth foi enforcado por seus crimes em 13 de setembro de 1946, não muito longe de seu campo. E mesmo que ele esteja sendo enforcado, Amon Goeth ainda saúda seu Fuhrer em um último ato.

Seu nome ficará sempre associado ao desprezo total pela vida humana.

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Ruth Irene Kalder, a “Majola”, a namorada de Goeth, segurando seu cachorro, Rolf – Fonte – https://rarehistoricalphotos.com/amon-goeth/

Um detalhe final!

Ruth Irene Kalder, a amante de Goeth, permaneceu leal a ele e manteve uma fotografia de Amon na sua mesa de cabeceira até o dia de sua morte. Em uma entrevista a um jornalista britânico em 1983, ela descreveu Goeth como um homem encantador com modos impecáveis ​​de mesa. Ela disse que nunca se arrependeu, por um segundo, de seu relacionamento com Amon, que começou quando tinha 25 anos. 

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Amor entre nazistas – Goeth e sua amante, Majola. Ela conheceu Goeth em 1942, ou no início de 1943, quando trabalhou como secretária na fábrica de esmaltes de Oskar Schindler, em Cracóvia. Ela logo mudou-se para viver com Goeth e os dois tiveram um caso e uma filha chamada Monika. Ela incorporou o sobrenome Goeth logo após de seu companheiro e sempre defendeu a sua terrível memória – Fonte – https://rarehistoricalphotos.com/amon-goeth/

Kalder cometeu suicídio no dia seguinte à sua entrevista em 1983. Alegadamente, ela ficou perturbada quando soube que o documentário de 82 minutos, que a jornalista estava fazendo, não era apenas sobre Oskar Schindler, mas incluiria um retrato negativo de seu ex-amante Amon Goeth, que também era o pai de sua criança amorosa, Monika, nascida em novembro de 1945.

Ruth Irene Kalder era uma mulher jovem e linda com uma figura esbelta, uma ex-atriz e uma secretária experiente; Por que ela escolheu viver com um monstro como Amon Goeth continua a ser um mistério até hoje.

O COMANDANTE DE UM SUBMARINO ALEMÃO DA SEGUNDA GUERRA QUE VIVEU NO BRASIL

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Autores – Rostand Medeiros (IHGRN) & German Zaunseder[1]

A frota de submarinos de Hitler foi uma arma naval utilizada operacionalmente de maneira brilhante durante a Segunda Guerra Mundial, obtendo uma justificada reputação de eficiência e de criar um verdadeiro terror nos sete mares durante aqueles dias difíceis.

Apesar de existirem inúmeras estatísticas, sabe-se que mais de 3.000 navios aliados foram afundados pelos submarinos alemães em várias partes do mundo e isso gerou algo em torno de 30.000 pessoas mortas nestes afundamentos. Esses ataques totalizaram cerca de 13 milhões e meio de toneladas de navios e de mercadorias perdidos para o fundo do mar e desse total quase 12 milhões foram afundadas apenas no Atlântico Norte. 

Foram estes submarinos, chamados de U-boot (do alemão: Unterseeboot), a arma que mais perto colocou o Terceiro Reich como vencedor do conflito. Até o próprio Winston Churchill admitiu que os submarinos alemães foram seu maior temor para uma possível derrota da Grã Bretanha na Segunda Guerra. [2]

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Apesar de suas retumbantes vitórias, os membros da arma submarina do Terceiro Reich sofreram perdas enormes. Segundo Anthony A. Evans e David Gibbons, autores de “A compacta história da Segunda Guerra” (Universo dos livros, 2016), durante o conflito foram produzidos 1.170 U-boots, dos quais 1.000 entraram em operação e 781 foram perdidos (uma taxa próxima a 80%), com 25.870 tripulantes (63% dos 40.900 envolvidos) tendo apenas o mar como tumba. Já outros 5.338 tripulantes se tornaram prisioneiros de guerra.

Apesar de suas elevadíssimas perdas, é indiscutível que essas naves de guerra, comandadas por um seleto grupo de 1.058 homens, marcaram de maneira indelével a História do maior conflito já ocorrido.

E um desses comandantes de U-boot veio viver no Brasil!

Aristocracia e a Guerra no U-18

Heinz von Hennig nasceu em Berlim, era filho de vice-almirante Heinrich Georg Julius von Hennig e de Ilse Leder von Hennig. Seu pai era membro de uma aristocrática família prussiana dedicada a política, mas ele preferiu seguir a carreira naval e entrou em 1902 na Marinha Imperial (Kaiserliche Marine). Com a deflagração da Primeira Guerra Mundial o tenente de navio () Heinrich von Hennig assumiu o comando do submarino U-18.

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Submarino U-18 em Kiel, 1914 – Fonte – http://www.bundesarchiv.de

A participação do pai de Heinz von Hennig neste conflito foi breve, mas marcante sob alguns aspectos. Em 23 de novembro de 1914 o U-18 conseguiu passar furtivamente pela Hoxa Sound, a entrada principal ao sul da baía de Scapa Flow, nas ilhas Orkney, norte da Escócia, onde nas duas guerras mundiais se localizou a principal base naval da Marinha Real Britânica (Royal Navy).

O comandante Heinrich superou as barreiras de contenção e as minas explosivas, auxiliado pela forte maré. Ele também seguiu bem próximo a um cargueiro que entrou na área. Quando estava perto do ancoradouro Heinrich levantou periscópio e, para sua decepção, percebeu que a baía se encontrava praticamente vazia. Infelizmente nesse dia os principais navios de guerra inimigos se encontravam espalhados por várias localidades da Grã-Bretanha.

Chateado e sem ter alvos que valessem os disparos de seus torpedos ele ordenou o retorno para mar aberto. Mas o U-18 foi localizado pela tripulação da traineira Dorothy Gray, um barco de pesca desarmado, que provisoriamente servia a Marinha Real como dragador de minas. Valentemente os ingleses arremeteram sua pequena nave contra o submarino e o Dorothy Gray bateu contra o periscópio e o casco do U-boot. Logo dois destróieres se uniram a caçada e, sem ter como fugir, o comandante Heinrich decidiu pela rendição, salvando a sua vida e a de seus comandados. As autoridades britânicas mantiveram todos os detalhes da captura em segredo, pois esperavam que os alemães acreditassem que o U-18 tinha sido afundado pelas formidáveis defesas da base naval.[3]

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Notícia do afundamento do U-18 no jornal carioca “A Noite”, mas sem muito detalhamento.

O comandante Heinrich bem que tentou contar aos seus comandantes o que havia acontecido com seu submarino. Em agosto de 1915, juntamente com mais dois companheiros, escapou da prisão militar onde era mantido. Mas perderam o encontro que havia sido previamente organizado com um submarino na costa inglesa, que deveria trazê-los de volta para Alemanha. O futuro almirante Heinrich só saiu do cativeiro após o fim da guerra. 

Um Novo e Futuro Submarinista 

Apesar de ter ficado em combate apenas por quatro meses e perder seu submarino, a ação do pai de Heinz von Hennig  foi considerada exitosa e sua tentativa de fuga posterior lhe valeu elogios[4].

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Berlim na década de 1920 – Fonte – http://www.bilderbuch-berlin.net

Ele permaneceu na Marinha alemã, sendo designado inicialmente para o comando de uma fortaleza localizada em uma ilha perto da fronteira com a Holanda e depois seguiu uma carreira mais burocrática naquela força. Foi adido naval em países europeus, chegou ao posto de contra-almirante (Konteradmiral) e teve passagens por Berlim. Em uma destas ocasiões, em 17 de março de 1922, nasceu seu filho Heinz.

Na capital alemã os Hennigs viveram no aprazível distrito de Friedenau, um lugar com ruas residenciais tranquilas, onde uma classe média educada se estabeleceu e fez a região se tornar um local especial[5]. Mas nada sabemos sobre a infância e a adolescência de Heinz von Hennig e nem o grau de envolvimento de sua família com o Nacional Socialismo.

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O orgulhoso Heinz von Hennig – Fonte – http://www.uboat.net/men/commanders/460.html

Sabemos, entretanto, que o jovem Heinz entrou na Marinha do Reich (Kriegsmarine) em setembro de 1940 e em 1 de janeiro de 1943 seguiu para a cidade de Danzig (atual Gdańsk, na Polônia), para se incorporar a tripulação do submarino U-421 e realizar seu treinamento de combate no frio mar Báltico.[6]

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Reprodução artística de um submarino alemão Tipo VIIC, o mesmo modelo do U-421 – Fonte – https://laststandonzombieisland.files.wordpress.com/2015/10/type-vii.jpg

Este submarino era do modelo VIIC, o verdadeiro cavalo de batalha da força de U-boots alemã na Segunda Guerra Mundial, dos quais foram construídos um total de 568 submersíveis a partir de 1941. Embora seu raio de ação não fosse tão grande como o do tipo IX, o VIIC foi uma máquina de combate eficaz, segura e que atuou em quase todas as áreas onde a força de U-boots operou. O U-421 era comandado pelo alferes de navio (Oberleutnant zu See) Hans Kolbus, que nos seus 22 anos incompletos estreava na função. Aquele submarino transportava de 50 tripulantes, levava quatorze torpedos, tinha um canhão de 88 m.m. no convés.[7]

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Comando do U-421. Ao centro o comandante Hans Kolbus, a sua direita Heinz von Hennig e a sua esquerda vemos provavelmente Hans-Heinrich Barschkis, que chegaria a comandar um U-boot Tipo XXIII e afundaria um cargueiro britânico no fim da guerra – Fonte – http://www.uboat.net/boats/patrols/patrol_677.html

Durante dez meses a tripulação do U-421 treinou duro no mar Báltico para realizar plenamente suas missões e logo a nave seguiu para o porto alemão de Kiel para os últimos preparativos, onde Heinz von Hennig foi promovido a alferes de navio (Oberleutnant zur See ). Finalmente, em 1 novembro de 1943, aquele submarino partiu para sua primeira missão de combate como integrante da 9ª Flotilha (9. U-Flottille, ou 9. Unterseebootsflottille), com base em Brest, na França, para onde o submarino deveria seguir, caso sobrevivesse ao final desta patrulha.

Patrulha Fracassada

O moral da tripulação estava alto, mas já havia preocupação no ar. Aquela era uma época difícil, a maré das perdas estava virando a favor dos Aliados e já não existiam os chamados “Tempos felizes”, quando os submarinos alemães afundavam navios mercantes aliados em quantidades incríveis. Em novembro do ano anterior os U-boots afundaram 142 navios (entre estes os brasileiros Porto Alegre e Apalóide) e perderam apenas treze submarinos. Mas um ano depois seriam dezesseis navios aliados destruídos, para dezenove submersíveis afundados. Os novos equipamentos de busca e destruição de submarinos que os Aliados estavam utilizando ajudavam nessa mudança.

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Um submarino em um porto alemão – Fonte – http://www.bundesarchiv.de

Durante um período de 64 dias este submarino patrulhou uma vasta região do Atlântico Norte, tomando parte da chamada Batalha do Atlântico, a mais longa campanha militar da Segunda Guerra Mundial. Mas a primeira missão da nave onde se encontrava Heinz von Hennig não foi nada exitosa durante aqueles mais de dois meses.

O U-421 navegou de Kiel para o Mar do Norte, seguindo próximo ao sul da Noruega, contornando as Ilhas Britânicas a uma distância prudente, passando entre as Ilhas Faroé e o sudeste da Islândia e chegando finalmente na sua região de atuação.

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Tripulação de submarino alemão fazendo uso do canhão – Fonte – http://www.bundesarchiv.de

No primeiro mês o submarino não atacou ninguém e nem foi atacado. Circulou e circulou por uma grande área e nada aconteceu. Durante o segundo mês de patrulha a nave se incorporou a seis distintos grupos de busca e destruição de barcos mercantes dos aliados. Estes grupos eram as famosas “Matilhas de lobos”, ou “Wolfpacks”, que utilizavam as táticas de ataque em massa de submarinos alemães contra comboios de navios.

Os britânicos tinham organizado a navegação mercante na forma de comboios, onde desenvolveram um perímetro de defesa com escoltas armadas ao redor destes navios e assim tentavam chegar inteiros aos seus destinos com preciosos materiais para a guerra. 

Para contrabalançar essa situação o comando dos submarinos (denominado BdU – Befehlshaber der Unterseeboot) desenvolveu uma tática de ataque surpresa, formando grupos de U-boots organizados via rádio, que buscavam sobrepujar as escoltas. O primeiro submarino a fazer contato com um comboio informava ao BdU e acompanhava discretamente o grupo de navios, relatando a posição dos inimigos sempre que necessário. Então, por ordem do BdU, vários submarinos convergiam ao encontro do comboio e receberia ordem para atacar. A partir deste momento cada comandante era livre para usar qualquer tática por ele escolhida.[8]

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Visão a partir de um periscópio de um submarino – Fonte – http://www.spiegel.de/

Os seis grupos de ataque que o neófito U-421 participou naquele mês de dezembro de 1943 buscaram formar uma verdadeira barreira de submersíveis entre a Terra Nova, no Canadá, e as Ilhas Britânicas, circulando por uma área com grande movimentação de comboios. Estas Wolfpacks variaram muito no número de participantes, aonde uma chegou a ter 21 naves e outra patrulhou com apenas quatro submarinos. Mas apesar dos esforços deu tudo errado para os submarinos participantes e eles não conseguiram afundar um único navio aliado.

Se a situação para o U-421 naquela primeira patrulha era ruim, ela quase se tornou trágica na sua finalização!

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Quadro representando um B-24 do Comando Costeiro da RAF atacando um submarino

Após a passagem do ano novo o U-421 recebeu ordens de seguir para Brest e assim procedeu. Mas no dia 3 de janeiro de 1944 foi atacado por um avião bombardeiro quadrimotor B-24 Liberator britânico, pertencente ao Esquadrão 224 do Comando Costeiro da Royal Air Force (RAF). O oficial Ethan Allen atacou com oito cargas de profundidade, mas os danos não foram expressivos e a tripulação do U-421 realizou um excepcional trabalho com as armas de defesa antiaéreas. O submarino escapou mergulhando e chegou a Brest no dia 8 sem maiores alterações e sem nada para comemorar.

Novo Porto e o Fim do U-421 

Talvez por sua boa conduta em combate Heinz von Hennig foi elevado a condição de segundo oficial mais importante a bordo do U-421, que levaria mais de um mês para o sair novamente ao mar.

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Oficial observando em um periscópio – Fonte – http://www.spiegel.de/

Na verdade aquela sua segunda patrulha, que se iniciou em 19 de fevereiro, nada mais foi do que a realização do percurso entre Brest e a cidade francesa de Toulon, no Mar Mediterrâneo, local da nova base deste submarino. O problema é que no meio do caminha havia o Esteiro de Gibraltar.[9]

Para evitar ter seu submarino localizado e destruído nesta área extremamente complicada, o comandante Hans Kolbus percorreu grande parte do caminho até o Estreito navegando muito lentamente e próximo aos litorais da Espanha e de Portugal. Esta tática de avanço estava funcionando positivamente, mas isso não impediu que eles fossem novamente atacados por um avião do Comando Costeiro da RAF.

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Um bombardeiro britânico Vickers Wellington – Fonte – http://www.wardrawings.be

Eram três e dez da madrugada de 2 de março e o submarino se encontrava navegando na altura do Cabo de São Vicente, quando um bombardeiro britânico Vickers Wellington Mk XIV, pertencente ao Esquadrão 179, sob o comando do oficial Ronald George Knott surgiu inesperadamente[10].

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O U-421 seguia pela superfície quando foi localizado no radar do avião bimotor que partiu para o ataque. Apesar de terem sido iluminados por um holofote de alta potência, o pessoal das armas antiaéreas do submarino reagiu e acertou vários impactos na aeronave. Foram danificados o motor de estibordo e o radar, fazendo assim com que o comandante Knott não acertasse suas quatro cargas da profundidade e deixasse a área de combate. A tripulação do avião inglês foi até mesmo obrigada a descartar todo o equipamento supérfluo para continuar voando com um só motor, incluindo o radar danificado. Conseguiram alcançar sua base após três horas de voo bem atribuladas.

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Apesar das expectativas a passagem do submarino pelo Estreito de Gibraltar seguiu depois sem maiores problemas e o U-421 chegou ao porto de Toulon no dia 1 de abril, após 43 dias de navegação. A nave se incorporou a 29ª Flotilha de submarinos, mas o problema foi que nessa época o estratégico porto vinha sendo severamente bombardeado pelas aeronaves aliadas.  

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O U-421 destruido no porto de Toulon – Fonte – http://www.brendtandbrendt.com

Entre novembro de 1943 e agosto do ano seguinte aconteceram doze grandes ataques ao local, com a destruição de vários vasos de guerra franceses e nove submarinos alemães, entre estes o barco de Heinz von Hennig. O fato aconteceu às onze e meia de 29 de abril de 1944, menos de um mês após o U-421 chegar a Toulon. A nave estava sendo preparada para uma nova missão de patrulha e se encontrava no Cais Missiessy, quando aviões quadrimotores da 15ª Força Aérea dos Estados Unidos bombardearam fortemente a área e o destruíram.  

Comandante de U-boot 

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Submarinos em Neustadt – Fonte – http://www.spiegel.de/

Enquanto seu país seguia desmoronando cada vez mais, Heinz von Hennig foi enviado por ordem superior para a 3ª Divisão de Treinamento de Submarinos (3. ULD – 3. Unterseeboots-Lehrdivision), na cidade portuária alemã de Neustadt, em Holstein, no mar Báltico.

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Submarino Tipo XXIII – Fonte – http://www.bundesarchiv.de

Depois seguiu para a 23ª Flotilha visando a realização do treinamento KSL (Kommandantenschiesslehrgang) para ser comandante de um submarino. Em fevereiro de 1945, dez meses depois da destruição do U-421, Heinz assume o comando do submarino U-2361, um dos novos modelos tipo XXIII, seguramente um dos mais avançados submersíveis da Segunda Guerra Mundial.

Oficiais da marinha alemã realizam a saudação nazista em novembro de 1944. Esse era o submarino U-2332, do Tipo XXIII.

Estas naves tinham um formato exterior bastante aerodinâmico, muito avançado, além de uma ponte de comando relativamente pequena e foram os primeiros submarinos do mundo a usar um projeto de casco único. O tipo XXIII provou ser um barco excelente e mortal se fosse manuseado por bons profissionais, sendo altamente manobrável na superfície e abaixo dela.

Apertada torre submarino Tipo XXIII.

Dos 280 submarinos ordenados apenas 61 entraram em serviço, dos quais apenas seis realizaram efetivamente alguma patrulha de guerra, o que resultou em cinco navios aliados afundados e sem perdas para os submersíveis atacantes. Em 7 de maio de 1945 coube a um tipo XXIII, o U-2336, afundar o último navio mercante inimigo durante a Batalha do Atlântico. [11]

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A República Federal da Alemanha recuperou um submarino do Tipo XXIII (o antigo U-2367) e o rebatizou de S-171 – Fonte – http://www.bundesarchiv.de

O comandante Heinz von Hennig foi um dos comandantes de submarinos desta época que não realizou nenhuma patrulha de combate com o seu novo U-2361, tendo largado para o mar apenas para treinamentos, quando chegou a notícia que a guerra acabou.

Segundo o livro “Von original zum modell: Uboottyp XXIII”, dos alemães Eberhard Rösller e Fritz Köhl (1993), na página 30, essa foto é do submarino U-2361 em Kristiansand Süd, na Noruega.

Em 9 maio 1945 ele entregou sua nave aos Aliados em Kristiansand Süd, na Noruega, juntamente com outros dezesseis submarinos alemães de vários tipos. O U-2361 foi levado ainda em maio para Loch Ryan, na Escócia, e em novembro daquele ano foi afundado no Atlântico Norte por tiros de canhões disparados pelos destróieres HMS Onslow (inglês) e ORP Blyskawica (polonês).

Segundo Tomasz Frąckowiak, essa é uma foto do U-2361, em umna doca seca – Fonte – Facebook.

Juntamente com muitos outros comandantes de submarinos, Heinz foi enviado para o Campo de Prisioneiro 18, em Featherstone, no condado de Northumberland, norte da Inglaterra e ali recebeu a designação de prisioneiro B.105727. As atividades deste campo foram encerradas em 1948, quando acreditamos que Heinz retornou para Alemanha.

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O destróier polonês ORP Blyskawica, que afundou o U-2361, conservado até os dias atuais e transformado em museu na Polônia – Fonte – http://www.muzeummw.pl (polonês)

No Novo Mundo 

No seu retorno soube do falecimento do seu pai em 1947 e, aparentemente, seguiu atividades na área comercial. Sabemos também que ele casou, mas não sabemos com quem e quando. Entretanto sabemos que em 21 de maio de 1957, o recifense Jorge Kirchhofer Cabral, Cônsul do Brasil em Frankfurt am Main, assinou para Heinz von Hennig, cidadão da República Federal da Alemanha, a sua ficha consular de admissão de entrada no Brasil em caráter permanente.  Heinz declarou que nesta época vivia na cidade de Fellbach, a nordeste de Stuttgart, no estado de Baden-Wuerttemberg, sul da Alemanha. Informou que era comerciante, não registrou nome de algum filho menor de dezoito anos e tinha na ocasião 35 anos de idade.[12]

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Heinz von Hennig atravessou o Atlântico a bordo do navio de passageiros S.S. Conte Biancamano, da companhia Italia di Navegazione S.p.A., tendo partido provavelmente de Gênova, ou Nápoles, e desembarcou no porto de Santos em 18 de julho de 1957. Na sua ficha encontramos a informação que ele ficou no Hotel Santos, na Praça Barão do Rio Branco, onde atualmente fica o prédio da Justiça Federal de Primeiro Grau daquela cidade, vizinho a secular Igreja do Convento do Carmo. Este hotel era pertinho do porto de Santos e muito procurado por imigrantes que chegavam de todo o mundo a bordo dos navios. 

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Foto do Hotel Santos e da Praça Rio Branco, Santos, São Paulo. Esse local foi demolido -Foto: Arquivo Novo Milênio – http://www.novomilenio.inf.br/santos/fotos057.htm

A partir do desembarque em Santos, por maiores que fossem nossos esforços em buscar informações que mostrasse os passos de Heinz von Hennig no Brasil, somente conseguimos algo dezoito anos depois de sua chegada, através da publicação oficial de uma ata de reunião societária de uma empresa privada.  No Diário Oficial do Estado de São Paulo de 7 de agosto de 1975, na sua página quatorze temos a reprodução da reunião da Assembleia Geral ordinária, para prestação anual de contas da empresa Indústria e Comércio Nova Técnica S.A., localizada no número 4651, da via denominada na época como “Estrada Circuito Itapecerica para Santo Amaro”, no município de Itapecerica da Serra, São Paulo. Consta que a reunião foi presidida por Heinz von Hennig, com a presença de mais outros treze participantes, sendo nove destes pessoas nascidas na Alemanha, ou, devido a natureza teutônica de seus nomes e sobrenomes, claramente descendentes de pessoas que nasceram neste país. 

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Sabemos que a antiga Estrada Circuito Itapecerica para Santo Amaro, ou Estrada de Itapecerica, é um local histórico. Em 1908 ali se realizou a primeira corrida oficial de automóveis da América Latina, em um circuito de 75 quilômetros, que reuniu mais de 10.000 espectadores ao longo das vias e teve largada no Parque Antártica em São Paulo. Hoje a via onde se localizava a empresa Indústria e Comércio Nova Técnica S.A. se chama Rodovia Armando Salles e no número 4651, próximo a ponte sobre o rio M’boi Mirim, existe uma fábrica de embalagens plásticas denominada “Plasfan”, que não sabemos se possui alguma relação com o antigo comandante de U-boot. 

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Heinz von Hennig em 1957.

Não é surpresa que a reunião presidida por Heinz von Hennig tivessem tantos alemães, ou seus descendentes, e que ele estivesse presidindo uma reunião de uma empresa com endereço nesta região do estado de São Paulo. Para quem conhece um pouco de colonização alemã no Brasil, sabe que ainda nas últimas décadas do século XIX existiram colônias de imigrantes alemães na região de Santo Amaro e Itapecerica da Serra. Certamente era uma interessante área para um alemão se estabelecer no Brasil em 1957. 

Conseguimos uma informação, da qual não conseguimos confirmação, que esse alemão teria trabalhado na empresa Volkswagen do Brasil.

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Os autores deste artigo Rostand Medeiros (E) e German Zaunseder (D), pesquisando sobre a II Guerra em uma praia potiguar.

Os autores deste artigo, que moram em Natal, Rio Grande do Norte, nada mais encontraram sobre Heinz von Hennig em buscas através de arquivos digitais espalhados pela internet. Esperamos que este nosso texto publicado no blog TOK DE HISTÓRIA possa servir como ferramenta para novas buscas sobre este comandante.

Se vivo for o Sr. Hennig terá 95 anos e será, talvez, o único comandante de submarinos alemães a viver nas Américas.


NOTAS

[1] Rostand Medeiros é brasileiro de Natal, Rio Grande do Norte, autor de quatro livros, sendo um delas a biografia de Emil Anthony Petr, veterano da USAAF na Segunda Guerra Mundial que viveu em Natal e intitulado “Eu não sou herói – A História de Emil Petr” (Jovens Escribas-2012). É membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN.

German Zaunseder é argentino de Buenos Aires, descendente de alemães e seu bisavô serviu a Wehrmacht durante a Segunda Guerra Mundial, é um grande entusiasta do estudo sobre este conflito e domina quatro idiomas .

[2] Algumas fontes estatísticas aqui utilizadas estão em: https://www.navyhistory.org.au/british-and-german-submarine-statistics-of-world-war-ii/ e ver também http://www.uboat.net

[3] O ardil deu tão certo que somente em 1918 foi que outro submarino alemão tentou um novo ataque contra Scapa Flow.

[4] Apesar do resultado pouco proveitoso do comandante Heinrich na Primeira Guerra, sabe-se que anos depois um filho de um juiz que havia se tornado comandante de submarino estudou a ação do antigo comandante do U-18 na grande baía de Scapa Flow em 1914. Seu nome era Ghünter Prien, sua nave era o U-47 e ele fez história quando em 14 de outubro de 1939 afundou naquele local o encouraçado inglês Royal Oak. Sua ousada ação provocou a morte de 833 ingleses, criou um considerável efeito no moral nos alemães e mostrou, pouco mais de um mês após o início da Segunda Guerra Mundial, o poder e alcance da arma submarina alemã.

[5] Ainda sobre o contra-almirante Heinrich Georg Julius von Hennig é interessante comentar que ele foi um grande jogador e afamado campeão de xadrez, jogo que aprendeu durante as horas de folga nos navios da Marinha Imperial. Heinrich criou uma jogada que leva seu nome e de outro enxadrista, incentivou o esporte por onde passou e seus embates mais importantes são criteriosamente analisados até hoje por aficionados do xadrex.

[6] Heinz von Hennig era o terceiro em comando nesta nave e nesta época tinha a patente de alferes de fragata (Leutnant zu See).

[7] O U-421 foi um dos 42 modelos VIIIC lançados ao mar pelo estaleiro Danziger Werft AG, da própria cidade de Danzig.

[8] Normalmente estes ataques aconteciam após o crepúsculo, onde a pequena silhueta dos U-boots tornava a detecção difícil. Logo as Wolfpacks provaram ser uma ameaça séria ao transporte aliado.

[9] Separação natural entre a África e a Europa e passagem obrigatória entre o Atlântico e o Mediterrâneo, o Estreito de Gibraltar era uma local muito patrulhado contra os submarinos do Eixo nos dias da Segunda Guerra. Por possuir uma largura mínima de apenas quatorze quilômetros, boa cobertura aérea e naval, não era a toa que várias carcaças destruídas de U-boots jaziam no leito marinho daquela região.

[10] Este piloto chegaria ao posto de vice-marechal do ar na RAF e OTAN na década de 1970.

[11] Apesar da construção destas naves enfrentarem grandes pesadelos logísticos, com muitas interrupções causadas pelos avanços terrestres aliados, bombardeios aéreos constantes, escassez de material e de mão-de-obra, o primeiro Tipo XXIII saiu da linha de montagem em 17 de abril de 1944 e foi batizado como U-2321. Era daquele tipo de arma excepcional, mas que chegou tarde demais para o Terceiro Reich de Hitler.

[12] Não sabemos as razões da vinda do ex-comandante de U-boot para o Brasil, mas conseguimos a informação que seu pai, entre janeiro de 1943 e maio de 1945, foi adido naval alemão em Lisboa, Portugal. Teria de alguma forma essa permanência de seu pai em terras lusas contribuído para sua vinda ao Brasil?

AUSCHWITZ – O MUNDO NÃO PODE ESQUECER

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Entrada principal de AUSCHWITZ. Todas as fotos deste post são reais e as em Preto e branco são originais da época. Vale à pena conferir as fotos do álbum de Auschwitz na página do Yad Vashem, que são a maioria das fotos desta postagem – http://www.yadvashem.org/yv/en/exhibitions/album_auschwitz/index.asp

Autor – Mário Trajano – Advogado e Professor da UFRN

Há 72 anos atrás, no dia 27 de janeiro de 1945, o Exército da União Soviética, libertava Auschwitz, o maior, mais terrível e mais infame de todos os campos de concentração estabelecidos pelo regime nazista.

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O que os valorosos combatentes do Exército Vermelho presenciaram naquela tarde gelada, no frio inverno polonês, superava absolutamente tudo o que aqueles soldados, calejados pelos sangrentos anos de guerra contra a barbárie nazifascista, já tinham presenciado.

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Entre pilhas de cadáveres, restos de corpos humanos, fornos crematórios ainda quentes com cinzas de pessoas assassinadas nas câmaras de gás, restavam, obnubilados pelo sofrimento e pelo horror, cerca de oito mil prisioneiros.

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Oito mil sobreviventes de um campo onde foram executadas mais de um milhão de vítimas da crueldade nazista. Oito mil almas e corpos fustigados pela dor, pela fome, pela doença, pela tortura, pelo sofrimento extremo ao qual se pode conduzir à pessoa humana, privados dos mais elementares direitos, de todo e qualquer resquício de dignidade.

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A esmagadora maioria dos prisioneiros de Auschwitz morrera nas câmaras de gás ou nos penosos dias de fome, dor, tortura e medo, submetidos às mais extenuantes jornadas de trabalhos forçados, vítimas de atrocidades inenarráveis, que incluíam as mais dolorosas formas de tortura e humilhação, sendo utilizados em experimentos médicos horripilantes, como cirurgias feitas sem anestesia e experiências pseudocientíficas, em que seres humanos eram utilizados como cobaias e outras tantas torpezas indescritíveis.

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No auge do terror, entre a primavera e o verão de 1944, cerca de seis mil pessoas eram mortas por dia, apenas em Auschwitz, um dos centenas de campos de concentração e extermínio, instituídos pelo nazismo e cuja organização, controle e administração coube à temida SS, cujo líder o monstro Heinrich Himmler, foi o arquiteto maior, o cérebro principal da chamada “solução final para o problema judeu”, política de extermínio deliberado dos judeus da Europa ocupada pela Alemanha Nazista e de diversos outros grupos considerados “indesejáveis” pelo Estado Nazista.

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Nos seus últimos dias de funcionamento, o campo contava com menos de setenta mil sobreviventes, com a desmobilização da estrutura de horror e morte de Auschwitz, com a chegada iminente das tropas soviéticas, a maioria desses seres humanos foi conduzida, por seus algozes em fuga, à empreender as chamadas “Marchas da Morte”, em direção à Oeste, perfazendo, famintos, esquálidos, doentes e exaustos, caminhadas de centenas de quilômetros, no gelado inverno europeu, daquele início de 1945. A esmagadora maioria morreria antes que a libertação pelos exércitos aliados viesse a chegar.

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Em Auschwitz foram deixados apenas aqueles extremamente doentes, moribundos famintos, que poderiam retardar a marcha e que os nazistas não tiveram tempo de matar, pela pressa em que fugiram da chegada do Exército Vermelho.

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E foram esses oito mil moribundos, sobreviventes do maior massacre da história que testemunharam a chegada do exército libertador da União Soviética, naquele distante 27 de janeiro.

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Hoje, passadas sete décadas dos pavorosos episódios que marcaram o genocídio de seis milhões de judeus, um em cada três do planeta, cresce o número de indivíduos, em especial de pseudo-historiadores e de militantes políticos de extrema direita que alegam que a tragédia épica do Holocausto, uma das páginas mais tristes, hediondas e lamentáveis da História Humana, nunca aconteceu, ou que simplesmente, se aconteceu, teve dimensão menor do que aquela que foi amplamente documentada, inclusive, pelos perpetradores dos crimes contra a humanidade cometidos pelo nazismo.

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Por isso mesmo, o holocausto jamais pode ser esquecido. As novas gerações têm que saber o que houve em Auschwitz, tem de conhecer os fatos que, fomentados pela política de ódio, intolerância e desrespeito à pessoa humana implementada pelo Nazismo, levaram à humanidade ao seu estágio mais rasteiro, que conduziram o ser humano ao ponto mais baixo de sua degradação moral, que fizeram com que (utilizando-se da expressão cunhada pela historiadora judia alemã Hannah Arendt, durante o julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann em Israel, no início dos anos 60) caracterizaram a “banalização do mal”.

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Há, ainda, aqueles que dizem que o holocausto é coisa do passado, desumanizando a tragédia, fazendo com que os milhões que tombaram diante da sanha pérfida e covarde do ódio nazista, sejam somente números, em abstrato, como se aqueles números não retratassem seres humanos, rostos, corpos e almas de milhões de mulheres e homens, crianças, jovens, adultos e idosos que tiveram as suas vidas ceifadas pelo pesadelo nazista.

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Dizer que o genocídio de 1/3 da população judia do planeta é algo que deve ser relegado ao passado, nada mais é do que puro e deslavado antissemitismo, oculta tão somente o preconceito étnico ainda fortemente existente contra o povo de Israel e contra outros grupos étnicos, tais como os negros e os ciganos, bem como o preconceito contra outros segmentos da sociedade humana, tais como as mulheres, os homossexuais, os portadores de necessidades especiais, os estrangeiros, aqueles que politicamente são divergentes do pensamento imposto pelas elites dominantes.

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Saliente-se que a crueldade da política de extermínio em massa dos nazistas não fez vítimas apenas entre os membros do povo de Israel, posto que não fossem apenas judeus aqueles que foram assassinados pela indústria da morte do nazismo. 

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É certo que a maioria das vítimas, eram de fato, judias, o que culminou com o extermínio de 1/3 daquele povo no holocausto, havendo, como nos casos específicos das populações judaicas de alguns países ocupados pela Alemanha Nazista, como a Polônia, por exemplo, praticamente a total extinção de tais populações( naquele país do Leste Europeu haviam mais de três milhões de judeus sendo que após o final da II Guerra sobraram poucos milhares de sobreviventes).

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Contudo, o holocausto também estendeu-se a diversos outros grupos de seres humanos, cujas vidas foram exterminadas pelo nazismo, posto ter havido também o genocídio de milhões de pessoas que se enquadravam em outros grupos de ” indesejáveis” , tais como ciganos, homossexuais, deficientes físicos e mentais, comunistas, socialistas, sociais democratas, Testemunhas de Jeová, Adventistas do Sétimo dia, prisioneiros de guerra( em especial soviéticos), e outros grupos que foram alvo da barbárie nazista, como os milhares de sacerdotes católicos que foram mortos nos campos de concentração. O sacrifício e a morte dessas vítimas do nazismo, jamais podem ser esquecidos. Entretanto, contra nenhum desses grupos, a perseguição e o extermínio de seres humanos deu-se com tamanha sistematização, ferocidade e intensidade quanto àquele que foi promovido contra os nossos irmãos israelitas.

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Relembrar o Shoá é fazer com que as novas gerações jamais se esqueçam do que o ódio, a intolerância, o racismo e o preconceito político e religioso são capazes de fazer.

Longe de ser “passado” o holocausto trata-se de uma memória viva nas mentes dos que sobreviveram e de todos aqueles que desejam que nunca mais ocorram as atrocidades indescritíveis promovidas pelo nazi fascismo, na Europa, dos anos 30 e 40.

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Revivê-lo e lutar para evitar a reiteração de toda e qualquer forma de discriminação e de perseguição contra quem quer que seja, contra toda e qualquer pessoa humana.

O 27 de janeiro de 1945 representa muito mais do que a libertação de alguns poucos milhares de sobreviventes do mais horrível de todos os campos de extermínio estabelecidos pelo terror nazista, representa a vitória da civilização sobre a barbárie, representa o triunfo da luta popular, a luta dos aliados, em especial dos camaradas soviéticos contra a maldade e o ódio, encarnados pelo nacional socialismo.

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E mais do que isso, o 27 de janeiro, representa a vitória da vida sobre a morte. Representa a impressionante capacidade de sobrevivência daqueles que, sendo vítimas das desumanidades, das atrocidades terríveis promovidas pelo nazismo, conseguiram sobreviver ao holocausto a fim de que pudessem dar o seu testemunho acerca daquilo que viram e que viveram, naqueles campos, transformados no inferno na terra, naqueles locais onde a morte e o sofrimento faziam parte do cotidiano.

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Aquela data, que ficou marcada nas memórias, tanto dos sobreviventes quanto daqueles que lutaram de forma tenaz para libertar o mais temível e famigerado de todos os campos da morte do nazismo, foi escolhida em dezembro de 2005, através de uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, como Dia Internacional da Lembrança do Holocausto.

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A memória desta data representa a celebração da vitória da humanidade sobre o mal, representa o triunfo da civilização sobre a barbárie, representa uma das páginas mais trágicas e belas de toda a história humana: o dia em que foi libertado o mais terrível de todos os campos de concentração nazistas.

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Em memória de todas as vítimas de Auschwitz e todos os outros campos e centros de extermínio que a sanha nazista promoveu, essa data jamais poderá ser esquecida.

COMO HITLER PÔDE ACONTECER?

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Fonte – http://www.dailymail.co.uk/news/article-2384050/Rare-colour-pictures-Hitler-personal-photographer-Hugo-Jaeger.html

O chanceler responsável pelo maior genocídio da história foi eleito democraticamente

Eliminar o país, nada menos que isso, era o objetivo do Exército alemão ao entrar na União Soviética em 1941. Soldados procuravam líderes políticos e autoridades judaicas e os matavam na exata hora e local em que fossem descobertos. A ordem seguinte foi a de levar para campos de concentração e exterminar todos os judeus e comunistas encontrados pela Rússia. Pouco tempo depois, a mesma diretiva passou a valer para todos os judeus da Europa. Milhões deles – principalmente mulheres e crianças – encontraram seu fim em câmaras de gás.

Em linhas gerais, a história de como ocorreu o maior genocídio da história é bastante conhecida. Mas mesmo os estudiosos no assunto gaguejam ao tentar explicar por que Adolf Hitler, o homem por trás de toda essa tragédia, tinha objetivos tão vis e como pôde levar uma nação inteira junto com ele.

Nos últimos dez anos, pesquisadores abordaram o problema de várias formas e trouxeram novas respostas para essa pergunta. Em alguns pontos, destrincharam tudo o que já foi escrito sobre ele nos últimos 60 anos e escolheram os caminhos mais lógicos e prováveis. Em outros, desencavaram novos documentos aos quais até então ninguém havia dado importância. Para completar, começaram a vir a público, a partir da década de 90, informações guardadas confidencialmente nos arquivos das repúblicas do Leste Europeu, da Rússia e dos Estados Unidos. “Agora que essas pastas foram abertas, não acredito que venhamos a encontrar novas coleções de documentos a respeito do governo de Hitler, a não ser por um incrível golpe de sorte”, afirma o historiador Christopher Browning, da Universidade da Carolina do Norte, Estados Unidos. O que você vai ler a seguir é um retrato das teses mais relevantes que emergem da interpretação desse material. Não se espante se considerar que muitas das suas perguntas continuam sem resposta. É bem possível que o terror promovido por Hitler nunca possa ser explicado na totalidade.

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Hitler saúda as tropas da Legião Condor – que apoiou os nacionalistas espanhóis durante a Guerra Civil Espanhola – após voltarem para a Alemanha em 1939 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

A ORIGEM

Há dois aspectos assustadores que logo vêm à cabeça de quem tenta estudar a origem de Hitler. O primeiro é como alguém que foi um completo fracasso até os 30 anos de idade pode ter ascendido até se tornar um homem com poder para matar milhões e deixar a Europa em ruínas. O segundo é descobrir qual a origem de tanto ódio. “Hitler era obcecado pelo anti-semitismo. A questão é saber por quê”, afirma Browning. A tarefa se torna especialmente complicada porque Hitler eliminou vários dos documentos que poderiam jogar alguma luz sobre o assunto. Segundo William Patrick Hitler – filho do meio-irmão do ditador – seu meio-tio teria lhe dito: “Ninguém deve saber de onde venho”.

A história começa antes mesmo do nascimento de Hitler, com a teoria de que ele próprio poderia ter sangue judeu. Seu avô paterno é desconhecido. Segundo Hans Frank, o advogado do Partido Nazista que investigou a história em 1930, Maria Schicklgruber, avó de Hitler, trabalhava como empregada doméstica na casa de uma família judia na época em que ficou grávida do pai do ditador em 1937.

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Hitler discursa em Lustgarten, 1938 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

A história oficial diz que o avô de Hitler era Johann Georg Hiedler, um dono de moinho com quem Maria se casaria cinco anos depois. Mas Frank teria descoberto um detalhe estranho: os patrões judeus pagaram uma pensão alimentícia à criança até ela completar 14 anos e trocaram cartas com Maria nas quais indicam que o responsável pela gravidez era o filho mais novo da família. Hitler, ao receber o relatório de Frank, teria lhe fornecido outra explicação: seu pai era filho de Georg Hiedler, mas sua avó fez a família judia acreditar que era responsável pela gravidez, só para obter a pensão. Em outras palavras: o líder nazista preferiu acusar sua avó de chantagem sexual a admitir que pudesse ter sangue judeu.

Apesar do alvoroço que a história causou ao vir a público em 1953, não existe nenhum documento que a comprove. É difícil que algum dia ela se confirme: a região da Áustria onde esses fatos teriam ocorrido foi totalmente destruída pela guerra, talvez por ordem do próprio Hitler. “Essa história não comprovada foi usada como pedra angular para explicar a origem do anti-semitismo de Hitler”, afirma o jornalista americano Ron Rosenbaum, autor do livro Para Entender Hitler, uma análise das diversas teorias já feitas sobre o ditador. Muitos propuseram que o ódio contra os judeus fosse a forma de eliminar de dentro de si mesmo a dúvida sobre suas origens, mas essa permanece como apenas uma das muitas possíveis explicações para a obsessão do ditador.

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Congresso do Partido do Reich, 1937 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Há quem ressalte, por exemplo, o trauma que Hitler teria sofrido aos 18 anos, em 1907, quando Klara, sua mãe, morreu de câncer. O jovem Adolf teria culpado o médico da família, um judeu, e tentado anos depois eliminar o que chamava de “câncer do sionismo”. Outros atribuem o anti-semitismo aos eventos ocorridos meses depois em Viena, quando Hitler foi rejeitado pela Academia de Artes Gráficas. Ele, um aspirante a pintor sem nenhuma instrução formal em arte, teria ficado revoltado contra os judeus que trabalhavam no setor artístico da cidade. Há até a história, defendida pelo caçador de nazistas criminosos de guerra Simon Wiesenthal, de que a demência de Hitler tivesse origem em uma suposta sífilis, contraída de uma prostituta judia durante seus anos na capital austríaca.

Nenhum terreno rendeu tantas explicações para o ódio de Hitler quanto sua sexualidade. Todos os tipos de deturpações e orientações sexuais já foram atribuídos ao Führer – “líder” em alemão – sem que ninguém saiba ao certo qual era o problema. “É raro encontrar um pesquisador de Hitler que não faça do segredo sexual uma variável oculta da psique de Hitler”, afirma Ron Rosenbaum. A acusação mais recente é a de que Hitler foi um homossexual. Muita gente já suspeitava, mas a hipótese só se tornou séria em 2001, com a publicação de O Segredo de Hitler, do historiador alemão Lothar Machtan.

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Ministro da Propaganda do Reich, Goebbels discursa em Lustgarten, Berlim, 1938 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Segundo o livro, Hitler circulava por pontos de encontro de homossexuais em Viena. Anos depois, teria sido visto tendo relações com um de seus colegas nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial. Para Machtan, o ódio contra judeus começou como uma reação aos ataques que a imprensa judaica de Viena deu a um caso de homossexualidade ocorrido na cidade. Hitler, um protetor dos gays? Não. Seu governo, segundo Machtan, manteve a perseguição aos homossexuais que já acontecia na Alemanha, mesmo que o ditador nunca tivesse se pronunciado contra eles.

Antes das revelações de Machtan, as dúvidas quanto à sexualidade de Hitler giravam em torno de um possível caso de monorquidia – a idéia de que ele teria um só testículo. Segundo o relatório da autópsia do corpo carbonizado de Hitler feita pelos soviéticos, havia apenas um desses órgãos entre os restos encontrados. Mesmo que um médico que analisou Hitler quando criança tivesse afirmado que os genitais dele eram normais, não faltou quem tentasse entender as implicações desse suposto problema. Nos anos 60, vários historiadores afirmaram que isso o teria levado à hiperatividade, inadequação social, tendências a exagerar, mentir e fantasiar.

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Hitler durante discurso na sessão do Reichstag, em Kroll Opera House, Berlim, 1939 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Houve até quem fizesse a conexão com outro mistério: sua relação com a sobrinha Geli Raubal, filha de uma meia-irmã de Hitler (o ditador teve cinco irmãos e dois meios-irmãos). Ela morava no apartamento de Hitler em Munique, onde foi encontrada morta em 1931, enquanto o líder nazista estava viajando. A versão oficial é que ela se matou, mas a causa da morte é objeto de disputa. Há quem diga que foi Hitler quem a assassinou porque ela pretendia fugir com um amante (em algumas versões, judeu). Outros acham que a deformação sexual o tinha afetado de tal maneira que, incapaz de ter relações sexuais normais, ele forçava a sobrinha a uma série de perversões (envolvendo até fezes e práticas masoquistas) que culminaram com o suicídio da moça.

Todas as teorias têm um grande grau de especulação. “As evidências para qualquer psicanálise de Hitler são muito fracas e acho que nunca conseguiremos explicá-lo por essa via”, diz Browning. Mesmo que fosse possível achar a origem de seu anti-semitismo, ela não explicaria como ele conseguiu levar um país inteiro a acompanhá-lo nessa sanha sanguinária. “A questão principal não é a base da obsessão particular de Hitler. O problema é histórico. A fixação de Hitler só se tornou importante porque ele teve uma carreira política”, diz Browning.

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Hitler discursa em Lustgarten, 1938 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

A FORMAÇÃO

O ódio de Hitler contra os judeus, apesar de mais radical que a média, não era nada de novo nem de estranho na Europa daquela época. “Hitler assimilou o clima político da Áustria e começou a culpar vários elementos, particularmente os judeus, pela sua própria frustração. Após ir para a Primeira Guerra, ele começou a achar que poderia ter um papel político”, afirma o historiador Richard Breitman, da Universidade Americana, em Wa-shington, Estados Unidos.

Hitler dizia que os anos passados na Primeira Guerra foram os melhores de sua vida. Em 1914, assim que começaram os conflitos, ele se alistou no Exército alemão e, apesar de trabalhar atrás das trincheiras como mensageiro, conseguiu condecorações por bravura raras para o seu posto. Em 1918, um ataque com gás o levou, parcialmente cego, ao hospital, onde recebeu a notícia de que a guerra havia acabado.

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Dia do Veterano do Reich, 1939 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Uma revolução havia tomado o país no momento em que o Exército alemão sofria derrotas no campo de batalha. Instaurou-se a República de Weimar – em 1918 – e se assinou um misto de armistício e rendição que impunha duras condições à Alemanha. Para Hitler, foi uma traição. Nesse momento, ele afirma ter tido a visão que o fez seguir carreira na política. Deveria tomar como missão vingar a Alemanha contra a “punhalada nas costas” que tinha tomado dos políticos, muitos deles judeus, que proclamaram a república. “Era uma mentira óbvia, mas uma mentira que Hitler usou como veículo para chegar ao poder”, afirma Rosenbaum.

Ao sair do hospital, ele, então um cabo do Exército alemão, foi mandado para Munique para investigar grupos extremistas. A cidade vivia em um caos, com dezenas de grupos em conflito e uma seqüência de dirigentes sendo assassinados ou depostos. Hitler começou a divulgar seu diagnóstico dos eventos nas cervejarias da cidade e fez uma descoberta, que descreveu no livro Minha Luta, de 1925: “Tive a oportunidade de falar diante de uma grande audiência e o que eu sempre pressenti se confirmava: eu sabia falar”.

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Hitler no juramento da SS no Congresso do Partido do Reich – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

E sabia mesmo. Filiou-se ao pequeno Partido dos Trabalhadores da Alemanha (que logo mudou de nome para Partido dos Trabalhadores Nacional-Socialistas Alemães) e chegou rapidamente ao posto de porta-voz. Em pouco mais de um ano, em 1920, o número de membros do Partido Nazista (abreviação de “nacional-socialista”) passou de cerca de 60 para mais de 2 mil pessoas graças ao impacto de seus discursos (veja quadro na página 70). Kurt Lüdecke, um de seus primeiros admiradores, descreveu em um relato que era como se ele tivesse perdido sua capacidade crítica e estivesse “preso em um feitiço hipnótico”, uma experiência que ele comparava a uma conversão religiosa.

Qual era o conteúdo desses discursos eletrizantes? Aparentemente, nada de novo – um futuro grandioso para a Alemanha, a recuperação econômica, o fim do marxismo e dos judeus. “Para conseguir suporte das massas, foi menos decisiva a doutrina nazista que o estilo de articulação de medos, fobias e expectativas espalhadas pela população. E, quando a questão era representar, Hitler era inigualável”, afirma o historiador inglês Ian Kershaw, da Universidade de Sheffield, Inglaterra. Em meio à crise econômica e ao sentimento de humilhação trazidos pela derrota da Alemanha, grande parte da população já estava disposta a aceitar as idéias de Hitler ou de qualquer outro líder populista de igual calibre. Ao ouvi-lo, a conversão era imediata.

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Nuremberg, 1938 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

A aura que foi se formando em volta do líder nazista lhe permitia ganhar votos mesmo entre o público pouco disposto a aceitar suas idéias. Havia, desde o século 19, a busca quase religiosa por um líder que uniria a Alemanha e a levaria à grandeza. A profecia se fortaleceu após a derrota na guerra, principalmente entre os protestantes, bastante nacionalistas. “Hitler construiu para si a imagem de ser o escolhido, no sentido bíblico da palavra. A insistência dele em um poder e um mistério quase do outro mundo tinha um grande apelo, o que lhe deu a sensação de ser de fato o salvador”, afirma o historiador Fritz Stern, da Universidade de Colúmbia, Estados Unidos. Em seus discursos, não era apenas a sua vontade que o levava a querer reconstruir a Alemanha – seus feitos e sua missão seriam obra da providência divina.

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Manifestação do Partido Nazista, 1937 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

A ASCENSÃO

Hitler havia se tornado popular, mas para chegar ao poder era preciso muito mais astúcia e, principalmente, sorte. Em meados da década de 20, a situação não era nada boa para os nazistas. O partido tinha se esfacelado depois de uma tentativa frustrada de golpe em 1923, que foi combatida pela polícia e deixou Hitler na prisão por 13 meses. Ao ser libertado, a crise econômica e política tinha se acalmado e as propostas nazistas se tornariam menos atraentes à população. Eles talvez nunca tivessem deixado de ser um partido pequeno se o mundo inteiro não fosse chacoalhado pela crise econômica internacional de 1929. O modo como os nazistas exploraram o colapso financeiro e político que se seguiu permitiu a eles, em 1930, passar de 12 para 107 cadeiras no Parlamento alemão e se tornar o segundo maior partido da casa. Confiante no sucesso eleitoral, Hitler concorreu – e perdeu – ao cargo de presidente em 1932, mas não desistiu de controlar o governo. Meses depois, seu partido ganhou 43,9% dos votos e se tornou a força política majoritária do país.

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Berlim é acendida à meia-noite para celebrar o 50° aniversário de Adolf Hitler em 1939 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Hitler começou a pressionar o presidente eleito, Paul von Hindemburg, a lhe dar o cargo de chanceler, que lhe permitiria controlar o Poder Executivo. O presidente ignorou o pedido. Frustrado na tentativa de chegar ao poder, o partido começou a sofrer dissidências e obteve um número menor de votos nas eleições realizadas no final de 1932, marcadas depois que o chanceler dissolvera o Parlamento. Foi o momento em que os jornais conservadores começaram a comemorar o fim do Partido Nazista e, curiosamente, foi quando Hitler chegou ao poder. Mais uma vez, ele teve astúcia e sorte para tirar proveito das fraquezas da república.

O Parlamento alemão estava em grande parte dividido entre nazistas e comunistas, uma mistura tão explosiva que poderia facilmente levar a uma guerra civil. Para governar, o Executivo tinha que driblar o Parlamento por meio de “decretos de emergência” e concentrar o máximo de poder em seu gabinete. Os industriais e proprietários rurais, cansados de tanto impasse, havia muito tempo tentavam trocar a república por um governo autoritário.

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Hitler e Joseph Goebbels no Teatro Charlottenberg, Berlim, 1939 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Os chanceleres, influenciados por essa elite, bem que tentaram acabar com a democracia, mas todos caíram diante de intrigas políticas ou de decisões erradas. Foi quando uma parcela do poder econômico, em especial os ruralistas, começou a achar Hitler uma boa solução. Surgiu então a proposta de dar ao líder nazista o cargo de chanceler, mas em um gabinete composto quase somente por conservadores. Ou seja, queriam fazê-lo de fantoche, aproveitar seu apoio popular para dar base ao governo autoritário que desejavam. Assim, em janeiro de 1933, Hitler assumiu o cargo de chanceler alemão.

Como você deve imaginar, a decisão dos conservadores figura hoje na galeria das maiores idiotices já feitas por um grupo de políticos. Apenas um mês depois de assumir o poder, um incêndio criminoso destruiu o Parlamento e deu a Hitler a chance de consolidar seu poder. Declarando o incidente como sinal de uma revolta comunista, ele ordenou a prisão de milhares de marxistas e opositores políticos e obteve um decreto que suspendia todos os direitos e liberdades individuais no país.

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Bandeiras nazistas e italianas penduradas juntas na Itália para recepção de Hitler em 1938 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Violência contra opositores não era novidade para ele: o braço armado de seu partido espancava e assassinava inimigos políticos desde a época dos discursos nas cervejarias de Munique, com a conivência dos juízes da região, simpatizantes do movimento nazista. “Hitler desconsiderava nossa noção de moralidade. Para ele, isso era uma construção judaica. Não tinha nenhum escrúpulo e era contra os direitos individuais”, afirma Christopher Browning.

Com dois meses de governo, toda a oposição estava morta, reduzida a organizações clandestinas ou presa em um recém-inaugurado campo de concentração em Dachau. O pouco que restava para consolidar seu poder veio nos anos seguintes: em 1934, com a morte do presidente Hindemburg, ele assumiu controle total sobre o Executivo. Em 1938, utilizou intrigas para afastar os comandantes conservadores do Exército.

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Funcionários da montadora Volkswagen em cerimônia da pedra fundamental, 1938 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Mesmo sem nunca ganhar uma eleição presidencial, Hitler obteve poder absoluto e apoio popular em pouquíssimo tempo. Apesar de matar oponentes em uma escala nunca antes vista na Alemanha, Hitler estava agindo da maneira que muitos alemães esperavam de um dirigente. A classe média, os industriais, os proprietários rurais saíram ilesos de sua ação. E, atacando as minorias, ele conseguiu dar à população a impressão da unidade nacional com que eles tanto sonhavam. “Hitler usou a propaganda de forma espetacular para unificar o país. Havia os inimigos comuns, os judeus e os comunistas, e o alvo, o Tratado de Versalhes, que tinha imposto ao país condições muito desconfortáveis ao final da Primeira Guerra”, diz Stern.

O ESTILO

O novo Führer era vegetariano. Não bebia, não fumava, não tomava café. Seguia rotinas fixas e era aficionado por arquitetura (Veja no final do texto). Não tinha a menor paciência para resolver problemas administrativos. Hitler evitava situações em que tivesse que escolher entre duas opções conflitantes. Limitava-se a aprovar ou reprovar as medidas que chegavam até ele. Aplicava à administração o princípio que dominava toda sua visão de mundo: a ideia de que o mais forte deve vencer. Vários departamentos de seu governo se sobrepunham e os choques entre eles eram constantes. A melhor maneira de fazer um projeto andar em meio às disputas (e de ganhar promoções) era obter a aprovação do Führer. “O estilo de Hitler levava menos a um governo bem dirigido que ao oportunismo e a iniciativas arbitrárias e sem coordenação”, diz Kershaw. A vantagem para Hitler é que sua vontade era cumprida sem que ele se esforçasse ou se envolvesse em disputas que pudessem abalar sua imagem.

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A Liga das Meninas Alemãs dança no Congresso do Partido do Reich em Nuremberg, 1938 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

O governo só funcionava porque havia a disposição de seguir a vontade do Führer. “Por volta de 1939, a maioria da população encontrava algo para admirar em Hitler”, afirma Kershaw. Além da propaganda intensa do regime, a economia alemã sofreu aquecimento durante o novo governo – porque o mundo inteiro já se recuperava da crise de 1929 e também por conta dos crescentes gastos com a indústria bélica. Por fim, a conquista de territórios e o reforço do Exército promovidos por Hitler atraíam a admiração até dos não-partidários do governo.

A ordem internacional permanecia frágil desde 1918. Hitler se aproveitou disso com uma espantosa habilidade para o blefe. “Ele tinha uma sagacidade extraordinária e brutal para explorar a fraqueza dos outros”, diz Stern. Assim como tirou proveito do fim da Primeira Guerra, das fraquezas da República de Weimar e do incêndio no Parlamento alemão para consolidar seu poder, ele agora explorava o impasse entre as potências europeias para quebrar os termos do Tratado de Versalhes. Usando como desculpa o rearmamento promovido pela Inglaterra e pela França, Hitler promoveu alistamento militar para ampliar seu Exército – uma desobediência aos termos do tratado. Um ano depois, invadiu a Renânia, uma região desmilitarizada na fronteira com a França. As demais nações, presas a disputas diplomáticas, não fizeram nenhum protesto.

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Pessoas saúdam e encorajam plano de Hitler para unir Alemanha e Áustria, 1938 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Enquanto isso, assinou tratados de não-agressão com a Polônia e com a União Soviética sabendo que uma hora precisaria rompê-los. Em 1938, Hitler aproveitou crises internas na Áustria e usou seus exércitos para anexá-la ao território alemão. Em março de 1939, fez o mesmo com a Checoslováquia e com regiões da Lituânia. A reação da França e da Inglaterra só veio quando, seis meses depois, ele invadiu a Polônia.

O sonho de Hitler começava a virar realidade. Havia aumentado o território alemão e agora se preparava para aplicar sua política racial. Desde 1935, os judeus estavam proibidos de ter casamentos e relações sexuais com não-judeus, além de terem negada a cidadania alemã. As medidas se tornaram mais drásticas em novembro de 1938. Com a autorização de Hitler, anti-semitas queimaram em uma só noite dezenas de sinagogas, mataram uma centena de judeus e levaram mais de 30 mil pessoas para os campos de concentração.

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Oficiais nazistas a caminho da cerimônia da pedra angular, 1938 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Apesar da violência em enorme escala, Hitler percebeu que esse tipo de ação não era suficiente para eliminá-los da Alemanha. “Mesmo após cinco anos de intensa propaganda anti-semita, a participação popular foi pequena, houve críticas contra a destruição das propriedades e até simpatia pelas vítimas”, diz Richard Levy, autor de vários estudos sobre o anti-semitismo europeu e professor da Universidade de Illinois, Estados Unidos. A confirmação veio no ano seguinte, com os protestos populares contra o “programa de eutanásia”, uma iniciativa que matou mais de 70 mil doentes mentais e portadores de deficiências. Os dois episódios convenceram Hitler de que ele não poderia contar com a população para aplicar suas políticas raciais. “Ele percebeu que não podia depender das massas para resolver a questão judaica. Quando chegasse o momento, a solução deveria ser encaminhada secretamente e sem a participação popular”, afirma Richard Levy. Esse momento estava chegando.

A QUEDA

A vitória rápida sobre a Polônia e a França, entre 1939 e 1940, estimulou Hitler a tentar seu objetivo final: a invasão da União Soviética. A operação seria diferente das que havia deflagrado até então – dessa vez, era uma “guerra de extermínio”. Segundo Christopher Browning, “a expectativa era que os soviéticos fossem derrotados em duas a quatro semanas. Hitler aprovou a eliminação total e sistemática dos judeus russos”. Browning está no centro do debate sobre quando e por que Hitler decidiu que os judeus deveriam ser exterminados. Ele afirma que a primeira ideia dos nazistas era apenas expulsá-los: mandá-los para a Sibéria, para Madagáscar ou mantê-los em campos de concentração. A decisão de matá-los teria vindo com as vitórias de setembro de 1941 na campanha soviética, quando Hitler se sentiu confiante e percebeu que podia levar a ideia adiante. “Não foi uma hesitação moral. Ele apenas quis garantir que não iria fracassar”, diz Browning.

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Multidão aguarda início da cerimônia da pedra angular em Fallersleben, 1938 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

No outro lado da discussão estão aqueles que acreditam que o extermínio de judeus já estava na cabeça de Hitler muito tempo antes. Para Richard Breitman, o plano teria surgido no início de 1941, antes da invasão soviética. Ele cita um documento do serviço de inteligência britânico de agosto de 1941, que informava que os alemães estariam matando todos os judeus que caíssem em suas mãos – uma evidência não só de que o extermínio pode ter começado antes da data proposta por Browning como de que os aliados sabiam do genocídio desde o início, mas nada fizeram a respeito.

Tanto Breitman quanto Browning afirmaram à Super que, apesar de ainda discordarem em relação às datas, boa parte dessa discussão está sendo superada. “Nunca teremos evidência suficiente para precisar quando os nazistas decidiram pela ‘solução final’ – o extermínio total dos judeus”, afirma Breitman. Existem vários pontos em que eles parecem chegar a um consenso. Um deles é que não coube a Hitler decidir os detalhes. O líder nazista nunca foi a um campo de concentração, não viu os judeus serem mortos e, para alguns, talvez nem tenha dado uma ordem direta para que o holocausto começasse.

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Multidão aguarda início da cerimônia da pedra angular em Fallersleben, 1938 – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Ninguém nega, no entanto, que ele foi uma figura-chave no genocídio. Coube a ele expressar o desejo de ver o fim dos judeus e autorizar seus subordinados a começar a matança. A partir daí, eles formaram pequenos batalhões voltados para o extermínio, que foram se juntando e ganhando força de acordo com o que julgavam ser a vontade do Führer. O resultado foi uma terrível indústria da morte com vários escalões hierárquicos. O comando cabia aos nazistas convictos. Abaixo deles, profissionais, técnicos e burocratas que emprestavam seu conhecimento ao genocídio. Por último estavam pessoas comuns, recrutadas aleatoriamente, que se viam obrigadas a matar. “Foi uma novidade, um Estado moderno e industrializado usando seus recursos organizacionais e tecnológicos para eliminar inteiramente um povo”, afirma Breitman. O plano deu horrivelmente certo. “Eles tiveram contratempos e precisaram improvisar, porque esse tipo de coisa nunca havia sido feito antes. É terrível pensar que o número de vítimas poderia ser muito maior se tudo desse certo para eles. Mas, no geral, o plano funcionou melhor do que esperavam”, diz Breitman.

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Hitler durante o desfile comemorando o retorno da Legião Condor da Espanha. À direita está Julius Schaub – Fonte – http://thirdreichcolorpictures.blogspot.com.br/2011/09/legion-condor-in-color.html

Como conseguiram transformar tantas pessoas em assassinos frios? Não existe ainda uma resposta satisfatória para a questão. Um fato surpreendente revelado pelos arquivos soviéticos é que a maior parte da matança no país foi feita por agricultores locais. Em alguns grupos de extermínio, havia dez pessoas de outras etnias para cada alemão. “Os nazistas se aproveitaram de rivalidades internas em várias regiões. O cenário agora é muito mais complexo: precisamos estudar a história das relações entre ucranianos, poloneses, judeus e alemães em cada lugar para entender quais eram os interesses desses grupos”, diz Browning.

No final de 1941, ficou claro que a guerra na Rússia não podia ser ganha. Foi quando a ambição de Hitler tornou-se mais evidente: ele dispensou os generais e assumiu o controle da guerra, recusou-se a recuar ou adotar uma postura defensiva e perdeu divisões inteiras em ataques desesperados. À medida que os exércitos aliados começaram a se aproximar de Berlim, ele ordenou que as cidades alemãs fossem destruídas para não serem utilizadas pelos inimigos. Os estudos recentes indicam que, nessa época, Hitler começava a apresentar sinais de mal de Parkinson, mas continuava a governar como antes. Segundo escreveu Albert Speer, arquiteto e ministro da produção e armamento de Hitler, o ditador tentou acabar com as chances da Alemanha de sobreviver a ele. O povo alemão, aos seus olhos, teria merecido a destruição, uma vez que não foi forte o suficiente para derrotar o inimigo soviético.

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4 de junho de 1939 – Fonte – http://www.warrelics.eu/forum/ss-uniforms-insignia/black-uniforms-period-photos-color-4831/

A autoridade de Hitler permaneceu absoluta até o momento em que ele se matou, em 1945, aos 56 anos. Por mais irracionais que fossem as suas ordens, sempre houve alguém disposto a cumpri-las. Boas explicações para esse fenômeno estão na centralização do governo em sua figura e no assassinato daqueles que tentaram se opor. Mas mesmo essas razões não explicam a devoção que muitos alemães tiveram pelo Führer. “Hitler deve ter tido um efeito carismático estonteante em algumas pessoas”, diz Fritz Stern. “Eu não sei explicar. Não sei quanto disso é de seu magnetismo pessoal, quanto é da atração das massas pelo poder e quanto é do mito que se erigiu à sua volta, do personagem obscuro e fracassado que chegou ao topo do poder.”

“Não há nada que permaneça como um legado positivo dos anos de Hitler no poder”, diz Kershaw. Apesar de ter estimulado as artes, as iniciativas foram para impor a sua noção particular de beleza, que desestimulava qualquer inovação. Seu estilo de administração não serviu de modelo para ninguém. A economia era predatória por natureza, inflada pelos gastos da guerra e dependente em grande parte do trabalho de escravos obtidos nos territórios conquistados. Seu único legado talvez seja a lição do que não deve ser feito. “Acho que a Alemanha está imunizada contra um novo Hitler. Mas a lição é bastante instrutiva para muitos países democráticos em que os movimentos de direita podem querer assumir uma forma mais autoritária, ainda que com apoio popular e econômico”, diz Stern.

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Fonte – http://www.warrelics.eu/forum/ss-uniforms-insignia/black-uniforms-period-photos-color-4831/

Existem várias explicações para cada detalhe da vida de Hitler e os livros que são lançados quase todo dia sobre o assunto mostram que muitas outras teorias surgirão nos próximos anos. Permanece, no entanto, a questão: Hitler pode mesmo ser explicado? Há quem diga que não devemos fazê-lo porque isso diminuiria a culpa de Hitler. Achar um motivo colocaria a responsabilidade do holocausto em qualquer outro fator – seja ele os ancestrais do ditador, o anti-semitismo de Viena ou a desestruturação do povo alemão na época. Há também aqueles que acreditam que entender Hitler é impossível: alguns dos principais documentos e testemunhas foram perdidos para sempre e, além disso, talvez não tenhamos a capacidade de compreender a dimensão das suas motivações hediondas. Finalmente, existem aqueles que, apesar do perigo e da dificuldade de explicar o holocausto, fazem o possível para torná-lo compreensível. “Temos que ter a esperança de que podemos aprender com isso”, diz o historiador Fritz Stern, um judeu alemão que foi com 12 anos para os Estados Unidos para fugir do nazismo. “É difícil intelectual e emocionalmente, mas é absolutamente necessário. A emoção também é o que nos faz persistir para encontrar essas explicações”.


SAIBA MAIS

Adolf, o artista

A obsessão do Führer por suas obras

Um orador que se contorcia no palco, cercado de bandeiras gigantescas, músicas e enormes batalhões com movimentos coreografados – basta ver os comícios de Hitler para perceber que havia ali algo mais do que simples política. Não é à toa que o arquiteto nazista Albert Speer, a pessoa mais próxima de Hitler durante seus anos no poder, tenha afirmado que, para entender o Führer, era preciso perceber que ele se via, acima de tudo, como um artista. O costume vinha do berço: Hitler estudou piano e canto quando criança e, aos 18 anos, tentou ingressar na Academia de Artes Gráficas de Viena, Áustria.

Foi recusado duas vezes – segundo os críticos, seus trabalhos não tinham vida nem originalidade. Mesmo assim, sobreviveu por seis anos vendendo na rua suas pinturas, que continuou a fazer mesmo nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial.

Rejeitado pela academia, resolveu aplicar seu estilo na política. Tomou como símbolo do movimento a cruz suástica – um dos sinais mais fortes e antigos da humanidade, utilizado por centenas de etnias ao redor do mundo. Participou do desenho dos uniformes, insígnias, bandeiras e prédios nazistas. Talvez o único assunto que o obcecasse mais que o ódio aos judeus fosse a arquitetura – e nesse ponto seu estilo era muito particular. Considerava as artes modernas “degeneradas” e tentava retomar a grandiosidade que via nos estilos clássicos, com edifícios tão grandiosos quanto as pirâmides egípcias. Seus prédios deveriam demonstrar a superioridade que atribuía ao povo alemão. Um auditório para seus discursos abrigaria 17 vezes mais pessoas que a Basílica de São Pedro, em Roma. Projetou também um Arco do Triunfo 70 metros mais alto que o de Paris. Caberia a esses edifícios manter viva a imagem de Hitler: os materiais usados deveriam, milênios depois, deixar ruínas tão impressionantes quanto as romanas. Nenhuma dessas obras monumentais saiu do papel, o que, para muitos, é um sinal de que a verdadeira arte de Hitler não estava na construção, mas sim na destruição.

Passos para a tragédia

A trajetória de Hitler, da infância à destruição da Europa

1889 – Adolf Hitler nasce na pequena cidade de Braunau am Inn, na Áustria. Seu fraco desempenho escolar o faz abandonar o colégio com 16 anos e seguir pouco depois para Viena com o intuito de estudar pintura

1914 – O início da Primeira Guerra Mundial o impele a se alistar na infantaria alemã. Mesmo condecorado duas vezes por bravura, é tido como inapto para promoção por não demonstrar liderança. Acaba no hospital depois de sofrer um ataque com gás

1918 – Ainda no Exército, recebe a missão de vigiar grupos extremistas em Munique e acaba se tornando o 55º integrante de um deles. Seus discursos fazem com que, cinco anos depois, o movimento passe a reunir 55 mil membros

1923 – Proclama sem sucesso uma revolução contra o governo e acaba na prisão, onde escreve seu livro Minha Luta. Cumpre apenas dez meses de reclusão e reorganiza o partido, que nove anos depois se torna o maior do Parlamento

1932 – Hitler concorre à presidência, é derrotado por Paul von Hindemburg e começa a perder força política. Mas, dez meses depois, manobras nos bastidores forçam Hindemburg a dar a ele o controle do governo, no cargo de chanceler

1933 – Um atentado incendeia o prédio do Parlamento. Hitler aproveita a oportunidade para suspender direitos civis e prender inimigos políticos. Nos meses seguintes, ganha o direito de promulgar leis e fecha todos os partidos e organizações não-nazistas

1934 – Hindemburg morre, Hitler assume também o cargo de presidente e consolida de vez seu poder. Aproveita o impasse nas relações internacionais para armar seu Exército, reocupar territórios perdidos durante a Primeira Guerra Mundial e anexar a Áustria

1939 – Depois de invadir a Tchecoslováquia, Hitler avança sobre a Polônia e dá início à Segunda Guerra Mundial. Menos de dez meses depois, França, Holanda, Noruega, Dinamarca, Bélgica e Luxemburgo já estão sob domínio alemão

1941 – Hitler ordena o assassinato em massa de judeus e invade a Rússia. O fracasso desse ataque abre espaço para a contra-ofensiva soviética e para que britânicos, americanos e seus aliados comecem a retomar os territórios ocupados

1945 – Mesmo acuado, Hitler se recusa a colocar seu Exército na defensiva, tenta ataques desesperados e perde cada vez mais territórios. Com os russos nas redondezas de Berlim, suicida-se e ordena que seu corpo seja incinerado

Filosofia do ódio

Os pensamentos que levaram ao genocídio

1 – A história é uma disputa entre raças, na qual as mais fortes tendem a derrotar as mais fracas. Assim como na evolução das espécies, apenas as raças mais “aptas” sobrevivem.

2 – As grandes civilizações da história desapareceram porque deixaram que seu sangue se misturasse ao de outras raças. A miscigenação é a causa da decadência das culturas.

3 – Judeus são a mais inferior das raças, mas com um incrível instinto de autopreservação. São como parasitas: usam o poder do dinheiro e do capital internacional para se espalhar pelo mundo, infectar e destruir as raças puras.

4 – O marxismo é uma estratégia judaica para dominar o mundo. Com ele, os judeus destruíram a Rússia e pretendem “infectar” outros povos, causando sua destruição. Cabe aos arianos, a raça mais superior, eliminar essa ameaça.

5 – Para se desenvolver, os alemães precisam de um grande território. As outras raças da Europa devem ser eliminadas para que os arianos possam prosperar sem risco de miscigenação.

6 – O Estado deve empreender essas missões, mas não de forma democrática. É preciso um líder genial, moldado para essa tarefa, que leve os alemães à expansão e à luta contra os judeus.

O poder da palavra

Um dos principais fatores para a ascensão de Hitler era a paixão de seus discursos, capaz de levar ouvintes às lágrimas. Uma amostra de sua retórica, de sua capacidade de sofismar, de costurar uma argumentação capciosa a fim de fortalecer seus pontos está no trecho abaixo, retirado de um pronunciamento de 1927, feito em Nuremberg.

Se alguém o chamar de imperialista, pergunte a ele: Você não quer ser um? Se disser que não, então nunca poderá ser pai, porque aquele que tem um filho precisa se preocupar com o pão de cada dia. Mas, se você fornece o pão de cada dia, então é um imperialista. O nosso objetivo deve ser formar uma semente que irá crescer constantemente, ganhando energia e força para o grande objetivo. Àquele a quem os céus deram a grandeza de decidir, eles também deram o direito de dominar.

 

A FÁBRICA DE FILHOTES NAZISTAS

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Hitler recrutou crianças e adolescentes alemães para doutriná-los. Um livro analisa os crimes de guerra que eles cometeram e como foram precursores das crianças-soldado

A juventude sob Hitler não podia ser boa. De 1933 a 1945, os jovens alemães foram incorporados em massa à trituradora ideológica e militar do nazismo e muitos se tornaram autores dos crimes do regime.

A cumplicidade genérica da juventude da Alemanha com seu Führer é indiscutível, mas também é verdade que esses meninos e meninas que ofereceram sua alma ao perverso ditador, seduzidos ou forçados, foram de alguma forma, e em maior ou menor grau, dependendo do caso, vítimas. Doutrinados até o indizível, coagidos, intimidados, despojados de sua infância e adolescência, arrancados de suas casas e escolas, muitas vezes entregues pelos próprios pais ao ogro da suástica, os jovens alemães foram usados pelos nazistas, que os tornaram sujeitos de um experimento social atroz, reservatório de suas ideias abomináveis e, em última instância, bucha de canhão para sua guerra com o mundo.

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A principal ferramenta usada pelos nazistas para se apropriar dos jovens alemães e unificá-los em seu credo foi a Juventude Hitlerista (JH), que recebeu o nome em 1926 a partir de formações anteriores, inicialmente ligada às SA (unidades de choque do partido nazista).

Na Juventude Hitlerista serviram 9 de cada 10 jovens alemães. De tipo paramilitar (com belos uniformes – de cor negra e mostarda – e insígnias próprias), era destinada a meninos com idades entre 14 e 18 anos. Para os menores, de 10 a 14 anos, havia um ramo infantil, o Deutsches Jungvolk (DJ), que desembocava naturalmente na Juventude Hitlerista e cujos membros eram chamados de pimpfe. Quanto às meninas, existia a seção feminina da Juventude Hitlerista, a Liga das Meninas Alemãs, com seu próprio ramo para as meninas. Todas usavam saia azul-marinho e uma camisa branca, muito à la mode, de acordo com o gosto nazista, e usavam tranças ou coques.

Uma das meninas mais famosas egressas da Juventude Hitlerista foi Irma Grese, a Bela Besta, a terrível guardiã de campos como Ravensbrück, Auschwitz e Bergen-Belsen.

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A Juventude Hitlerista tornou-se a única organização juvenil da Alemanha a partir de 1936, quando foram proibidas todas as outras. A filiação passou a ser obrigatória por lei em 1939 para todos os adolescentes com idade entre 10 e 18 anos. Da Juventude Hitlerista, que passou de 100.000 membros quando Hitler chegou ao poder (1933) para dois milhões no fim de 1933 e 5,4 milhões em dezembro de 1936, se saía para ingressar no partido (nazista), na Frente Alemã do Trabalho, nas tropas de assalto ou na SS (principal organização militar, policial e de segurança do Reich), ou no serviço da Waffen-SS (corpo de combate de elite da SS) e na Wehrmacht (Exército).

No início de 1939, 98,1% dos jovens alemães pertenciam à Juventude Hitlerista. Entre os que escaparam de suas garras, com grande risco, porque havia pesadas sanções (recorria-se a Heinrich Himmler e sua polícia e à SS para fazer cumprir o serviço), figurava aquele que depois seria escritor e prêmio Nobel de Literatura, Heinrich Böll, com 16 anos em 1933. No entanto, outro autor e também prêmio Nobel, Günter Grass, fez um percurso clássico completo: pimpfe aos 10 anos, auxiliar antiaéreo aos 15 e artilheiro de carro de combate da Waffen-SS aos 17.

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Fonte – http://www.deviantart

Nosso olhar se dirige a esses jovens frequentemente com uma perturbadora ambivalência. Ficamos espantados e indignados com imagens de jovens multidões ruidosas e entusiasmadas diante do líder, alinhadas em ordem militar, desfilando com arrebatamento marcial, cantando com endemoniada pureza diabólica (como na icônica e impressionante cena de Tomorrow Belongs To Me, do filme Cabaret); os mais fanáticos, incorporados ao combate nas divisões mecanizadas de elite ou na luta política e racial: a juventude que queima livros, persegue e maltratada –e até assassina –os opositores e os judeus nas ruas (ou nos campos de concentração), denuncia seus próprios vizinhos e até mesmo seus pais para a Gestapo.

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Fonte – http://ww2images.blogspot.com.br/2013/04/15-year-old-german-soldier-cries-after.html

Tudo isso indica que este foi um conflito intergeracional. A outra face é a da foto (que foi capa da Life) do soldado de 15 anos, enfiado num casaco muito grande, chorando como o que é, um menino, depois de sua captura em 1945 pelos norte-americanos.

Ou a dos 20 soldadinhos condecorados com a Cruz de Ferro, um deles um “pequeno herói” (como foi batizado pela propaganda) de 12 anos, recebidos no bunker da chancelaria do Reich no dia 19 de março de 1945 por um Hitler já espectral, mas ainda capaz de enviá-los para a morte mais absurda e inútil diante dos tanques russos depois de lhes dar um beliscão na bochecha. “Não voltarão a ser livres pelo resto de suas vidas”, profetizara em 1938 o grande flautista de Hamelin da Alemanha.

O historiador nascido na Alemanha, mas naturalizado canadense Michael H. Kater (Zittau, 1937), um especialista na cultura do Terceiro Reich, doutor em História e Sociologia pela Universidade de Heidelberg e professor da Universidade de York (Toronto, Canadá) acaba de publicar um livro imprescindível sobre a Juventude Hitlerista, organização sobre a qual girou especialmente o esforço dos nazistas para se aproveitar dessa geração alemã.

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Fonte – https://www.amazon.com/Hitler-Youth-Michael-H-Kater/dp/0674019911

Hitler Youth (Juventude Hitleriana) é uma obra tão exaustiva quanto apaixonante e comovente que combina a investigação científica com o relato humano – explica que os acampamentos da Juventude Hitlerista, onde proliferava o sadismo, eram um mau lugar para molhar a cama. E instala em seu centro uma profunda reflexão moral.

“As organizações juvenis, como as Wandervögel, existiam na Alemanha desde a era guilhermina e o início do século”, diz Kater, “elas se voltaram mais para a direita, de acordo com o espectro político geral; na última metade da República de Weimar (1925-1932), quando Hitler estava em alta, membros de grupos de juventude nacionalista simpatizavam secreta ou abertamente com o NSDAP, o partido nazista, embora menos do que com a Juventude Hitlerista, que teve um início fraco e tardio. À medida que os padrões democráticos foram derrubados, uma estrutura com um Führer passou a ser aceitável entre a juventude alemã, e isso facilitou para que todos os grupos juvenis fossem incorporados à Juventude Hitlerista. Isso aconteceu em etapas. Aqueles que resistiram foram forçados a fazê-lo em 1935”. Uma das chaves do sucesso da Juventude Hitlerista é que ela se apresentava como excitante, moderna e progressista.

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Fonte – http://www.deviantart

Que conceito Hitler tinha da juventude? “No começo, realmente nenhum”, responde o historiador. “Não estava interessado nos jovens porque não podiam votar. Eventualmente Hitler se convenceu de que criar jovens seguidores não era uma má ideia: um movimento milenar deveria ter uma retaguarda”.

Ante a imagem do jovem soldado da Life e a de dois meninos do bunker de Hitler, Michael H. Kater deixa claro seus sentimentos: “Pessoalmente sinto uma imensa compaixão por eles. Para mim, nesse tempo, eram obviamente meninos inocentes que tinham sido explorados por políticos fascistas criminosos”.

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Fonte – http://www.deviantart

Com a guerra, recorreu-se aos membros da Juventude Hitlerista para ajudarem após os bombardeios das cidades alemãs, o que obrigou meninos de 12, 13 e 14 anos a terem experiências espantosas, desenterrando famílias inteiras carbonizadas. Pior ainda foi o recrutamento para as defesas antiaéreas, em que 200.000 meninos e meninas da Juventude Hitlerista prestaram serviço como pessoal auxiliar de artilharia (Flakhelfer). Saiam das escolas diretamente aos canhões, e muitos sofriam crises nervosas devido ao medo.

Junto a isso, afirma Kater, está o fato de que o doutrinamento da Juventude Hitleriana desempenhou um importante papel nos crimes de guerra da Wehrmacht e das SS, quando esses jovens ingressaram em suas fileiras convertidos em soldados políticos. “É possível identificar dois importantes ingredientes da formação ideológica da Juventude Hitlerista que os jovens transferiram para a Wehrmacht e as SS: um é a crença de que a Alemanha deveria dominar outras partes do mundo, e o outro, a hierarquia racial, que colocava os alemães arianos no cume e os judeus na parte mais baixa”. Um hábito sinistro dos jovens recrutas provenientes da Juventude Hitlerista era o “turismo de execução”: assistir aos assassinatos coletivos de judeus sobre o terreno.

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Fonte – http://www.deviantart

A Juventude Hitlerista foi realmente útil militarmente?

Kater responde que foi fundamental para que os nazistas pudessem colocar tantas forças no campo de batalha. “Tinham recebido treinamento paramilitar, inclusive antes de março de 1935, quando se introduziu o recrutamento geral, e de setembro de 1939 (início da II Guerra Mundial). É preciso lembrar que o selo distintivo da socialização da Juventude Hitlerista foi a militarização, com os acampamentos, as marchas e os jogos de guerra”. A Juventude Hitlerista, inclusive, tinha áreas especializadas como a naval, a equestre e a de pilotos de planadores, cujos integrantes eram cobiçados por Hermann Göering. “Ao passar a fazer parte das forças regulares da Wehrmacht ou das SS, os jovens da Juventude Hitlerista se misturavam facilmente em suas fileiras e reforçavam sua agressividade”.

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Fonte – http://www.deviantart

 

Houve inclusive uma divisão de elite vinculada à Juventude Hitlerista, a 12ª Divisão Panzer Hitlerjugend, formada em 1943 com 16.000 membros da Juventude Hitlerista nascidos em 1926. “Eram combatentes nazistas particularmente fanáticos, tendo sido socializados sem problemas desde os campos da Juventude Hitlerista até as casernas das SS”. A Juventude Hitlerista cometeu crimes de guerra. Também houve membros da organização no supervalorizado Werwolf, a guerrilha nazista que enfrentou a ocupação aliada.

O historiador concorda que os meninos da Juventude Hitlerista com bazucas Panzerfaust tão habituais ao final da guerra como membros do Volkssturm, a milícia popular de último recurso, eram claros precedentes dos modernos meninos soldados. “Desde cedo. No grande conflito prévio, a I Guerra Mundial, o Exército alemão foi muito cuidadoso em não admitir recrutas com menos de 18 anos – por exemplo, o próprio Heinrich Himmler -, inclusive apesar de alguns menores terem entrado furtivamente no exército imperial (como Ernst Jünger). Mas o fenômeno dos meninos soldados é uma marca das últimas fases desesperadas da II Guerra Mundial”. Kater aponta que com os recrutas da Juventude Hitlerista enviados para os Panzer em 1943 e 1944 não se compartilhava cigarros como com os soldados adultos, mas sim… doces.

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Fonte – http://www.deviantart

Responsabilidade e culpa estão no núcleo do livro de Kater, que, além de ser sobre história, é um livro sobre moral, e inclusive sobre juízo moral. “Qualquer um que escreva sobre a Juventude Hitlerista tem de se ocupar desses temas. É um assunto muito delicado, e responder de maneira satisfatória a todas às perguntas que surgem, impossível”. Ser de origem alemã deve complicar as coisas. “O fato de ter nascido na Alemanha e de ter estado, em 1945, a apenas dois anos de ser incorporado à Juventude Hitlerista provavelmente me faz ser especialmente sensível ao tema. Me considero um democrata liberal de esquerda, e hoje tremo ante o que teria me aguardado como membro da Juventude Hitlerista se a guerra tivesse durado o suficiente. Nascido em 1937, me mudei para o Canadá em 1953 e me converti em cidadão canadense, deixando para trás de propósito minha nacionalidade alemã. Graças a Deus o Canadá é uma terra de tolerância e integração. Não existe Marine Le Pen aqui, nem Trump, nem NSDAP”.

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Fonte – http://www.deviantart

Percebe-se no livro uma tensão entre a visão do historiador – e seu impecável exame dos pecados das Juventudes Hitlerianas – e a compaixão ante determinados casos dessa juventude abreviada.

Qual é a avaliação final de Kater?

Vítimas e perpetradores?

“Sim, ambas as coisas. É preciso diferenciar entre adolescentes suficientemente mais velhos para aceitar responsabilidade (e inclusive culpa) por certas atitudes e ações, e meninos que em um tribunal de justiça, inclusive em um nazista, deveriam ter sido considerados inocentes. Obviamente, essas duas categorias sempre se sobrepõem, e quem pode dizer onde estão os limites claros?”.

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Fonte – http://www.deviantart

A Juventude Hitlerista não teve muita sorte – se é possível se dizer assim – com seus dois líderes: Von Schirach (julgado em Nuremberg) e Artur Axmann. “Ambos foram personagens impessoais na maquina nazista e intercambiáveis no que diz respeito à Juventude Hitlerista. Nenhum tinha carisma, eram meros funcionários. Schirach, não muito brilhante, era particularmente vazio, mas com enormes pretensões, mais culturais do que políticas. Axmann ao menos havia lutado na guerra, na frente do Leste, onde foi gravemente ferido e teve o braço direito amputado”.

O líder das Juventudes Hitlerianas pediu a seus rapazes e moças que defendessem Berlim até o fim: mantiveram abertas as pontes sobre o rio Havel para que escapassem os faisões dourados nazistas, os hierarcas, entre eles o próprios Axmann.

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Fonte – http://www.deviantart

Nem toda juventude alemã seguiu Hitler. Houve dissidentes. Individuais e em grupo. Como os Jovens do Swing, atraídos pelo jazz norte-americano, as gangues (era difícil ser rebelde sem causa na Alemanha nazista) e os integrantes do grupo de resistência da Rosa Branca.

O historiador aborda em profundidade um tema característico da Juventude Hitlerista: o gênero. “Sempre houve no partido nazista duas tendências, uma que queria que as meninas e mulheres fossem colocadas em massa para trabalhar, especialmente em tempo de guerra, e a outra que esperava que se dedicassem a ser amas do lar e paridoras de nazistas. Hitler pertencia ao segundo grupo. Albert Speer e Joseph Goebbels, ao primeiro. Em última instância, Hitler ganhou. Inclusive as mulheres nazistas que se revoltaram contra isso foram rapidamente silenciadas. Assim como as feministas na Juventude Hitlerista. A ala feminina, a BDM – cuja saída militar poderia ser a de ajudantes nos distintos ramos das Forças Armadas -, tinha que obedecer sempre aos membros masculinos, inclusive as líderes”.

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Fonte – http://www.deviantart

O assunto do sexo é bastante sinistro.

“Apesar da ideologia oficial que afirmava que as mulheres deveriam ser honradas e que o sexo era só um catalizador necessário para a reprodução eugênica, os nazistas (homens) se aproveitavam de suas posições hierárquicas para explorar sexualmente meninas e mulheres. Na Juventude Hitlerista havia jovens (com energia e libido alta) muitas vezes bonitos (uma boa isca para a luxuria) misturados com uma estrutura autoritária, onde sempre havia alguém que podia mandar e outro que não estava autorizado a dizer que não, a promiscuidade era muito alta”. De fato, o acrônimo da Liga das Meninas Alemãs, BDM, passou a ser lido como Bund Deutscher Matrazen (liga de colchões alemães) ou Bubi Drück Mich (vamos rapaz, me aperte forte).

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Fonte – http://dachaukz.blogspot.com.br/2011/03/my-own-surrender-to-3rd-us-army-9th-may.html

Qual é o legado da Juventude Hitlerista?

“Depois da guerra, praticamente todo mundo havia feito parte delas e podiam se sentir envergonhados ou culpados, então não se falava do tema. Os de ultradireita são uma exceção, claro”. 

AUTOR – Jacinto Antón

FONTE – http://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/01/internacional/1478025759_957657.html

BASE MILITAR SECRETA NAZISTA DESCOBERTA POR CIENTISTAS RUSSOS NO ÁRTICO

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Os cientistas relataram a descoberta de bunkers, balas enferrujadas e outras relíquias que datam da Segunda Guerra Mundial

Autor – Rostand Medeiros

Tem horas que eu penso que a Segunda Guerra Mundial nunca vai acabar no quesito de novas e interessantes descobertas. Pois recentemente uma equipe expedicionária do Parque Nacional Ártico russo encontrou uma base secreta nazista no Ártico.

Nas ruínas do que foi outrora uma base nazista foram descobertos mais de 500 objetos de valor histórico. Em um comunicado, Evgeny Ermolov, pesquisador sênior do Parque Nacional Ártico russo disse: “Antes a base só era conhecida a partir de fontes escritas, mas agora também temos a prova real.” 

O antigo posto militar fica na Ilha de Alexandra, localizada a mais de 1.000 quilômetros do Polo Norte, em uma área conhecida como Terra de Franz Josef. O lugar foi criado em 1942, um ano depois de Hitler invadir a extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, atual Federação Russa, e foi batizado como “Schatzgraber” ou “Treasure Hunter”.  

A ilha era estrategicamente vital para ambos os lados durante a Segunda Guerra Mundial, por causa de seu valor na produção de relatórios sobre as condições climáticas.  A descoberta foi feita em agosto passado, 72 anos depois de abandonada, e já se sabe que as informações produzidas neste local foram crucias para o movimento de tropas nazistas durante a invasão da Rússia. Isso foi especialmente verdadeiro diante do brutal inverno russo de 1942, que fez com que o implacável avanço alemão atolasse em um sério impasse na neve. 

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E a ilha foi ainda mais importante para os alemães, porque a maioria dos outros locais com potenciais para produzir boletins meteorológicos polares na região estavam nas mãos dos Aliados. 

Até agora os pesquisadores russos recuperaram cerca de 500 objetos das ruínas da base, que estão em condições relativamente boas, preservadas pelo frio intenso. Entre estes objetos constam latas de gasolina, pedaços de tendas, itens pessoais como sapatos e até mesmo documentos em papel. 

Acredita-se que em julho de 1944 o pessoal que trabalhava na base foi evacuado através de submarinos, após uma doença que eclodiu devido ao consumo de carne de urso polar contaminada.  Todos os artefatos descobertos na base “Treasure Hunter” estão sendo transportados para a cidade russa de Arcangel, para análise por especialistas que vão tentar resolver o mistério e propósito real da base nazista abandonado no Ártico. 

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No entanto, para os aficionados em mistérios, através de inúmeras páginas na internet ao redor do mundo, já comentam que um dos detalhes mais interessantes que cercam a base secreta nazista é por que os alemães decidiram nomear uma estação meteorológica como “Treasure Hunter” (Caçador de Tesouros)? 

Acreditam que o nome dado ao local sugere que os nazistas podem ter tido outra missão, mais secreta, possivelmente em busca de um tesouro mítico, ou artefatos bélicos antigos, ou até mesmo armas de origem “extraterrestre”.

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É bem conhecido que durante a Segunda Guerra Mundial os nazistas realizaram uma série de experiências estranhas, com alegadas tecnologias desconhecidas em sua tentativa de dominar o mundo. Mas se eles estavam procurando tesouros reais, então por que o inóspito Ártico?

Autores acreditam que os nazistas possuíam também uma grande base secreta na Antártida chamada “Station 211”. E as especulações só aumentaram quando em 1946 e 1947, o almirante estadunidense Richard Evelyn Byrd, um dos mais famosos exploradores polares, como membro da Operação Highjump, a maior armada já enviada para a Antártica, teria ido a esta região fria para investigar a presença nazista. 

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Corpos de soldados alemães mortos pela fome e pelo frio na Russia em 1942.

Mas como os nazistas esperavam encontrar algo de extrema importância, com alguma fantástica “tecnologia antiga”, em dois dos lugares mais inóspitos da Terra?

Para mim a realidade é simples e clara – O tesouro maior que “Treasure Hunter” buscava era a informação meteorológica correta, que antecipasse com alguma precisão as condições do tempo, para que a máquina de guerra nazista conquistasse o solo da Rússia.

Fato esse que, felizmente, não ocorreu devido à capacidade de luta do povo russo, com seus mais de 20 milhões de vidas sacrificadas, além de forte apoio material dos Aliados para derrotar os nazistas e acabar com a Segunda Guerra Mundial na Europa.

Fontes – http://www.independent.co.uk/news/world/europe/secret-nazi-military-base-russian-scientists-alexandra-land-a7373401.html

https://www.thesun.co.uk/news/2020632/secret-nazi-treasure-hunter-base-arctic-found-abandoned-poisoned-polar-bears/

HÁ 73 ANOS, O SUBMARINO ALEMÃO U-199 ERA AFUNDADO POR AERONAVE DA FAB

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– Deixo aqui os meus sinceros agradecimentos ao meu amigo CMG (FN-RM1) Edison Nonato da Silva, nobre oficial Fuzileiro Naval da Marinha do Brasil, pelo envio deste material.

Em 31 de julho de 1943, o submarino alemão U-199 foi surpreendido na superfície, ao largo do Rio de Janeiro, atacado e afundado na posição 23º54’S – 42º54’W, por cargas de profundidade, por um avião americano PBM Mariner (Esquadrão VP-74 – Marinha dos EUA) e duas aeronaves brasileiras (Catalina “Arará” e Hudson), resultando em 49 mortos e 12 sobreviventes.

O Catalina (modelo PBY-5) que atacou e afundou o submarino alemão U-199 foi batizado como ‘Arará’, em 28 de agosto de 1943, numa cerimônia realizada no aeroporto Santos Dumont, e ganhou mais tarde na fuselagem uma silhueta de submarino para marcar o feito.

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O nome Arará foi dado em homenagem a um dos navios afundados pelo submarino alemão U-507. O avião também recebeu na cauda a inscrição: “Doado à FAB pelo povo carioca”.

Refletindo bem o espírito da época, a cerimônia de batismo do Arará teve canções patrióticas e discursos inflamados. Entre os presentes estava o comandante do navio mercante Arará, José Coelho Gomes, e a tripulação do Catalina. O hidroavião foi batizado com água do mar por uma menina – Miriam Santos – órfã de seu pai, o Segundo-Comissário Durval Batista dos Santos, morto na ocasião em que o Arará (o mercante teve 20 mortos) foi afundado, no momento em que prestava socorro às vítimas do Itagiba, no dia 17 de agosto de 1942.

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Detalhe do PBY Catalina “Arará”, já com a marcação de afundamento do U-199 na fuselagem.

Outra cerimônia seria repetida um mês depois no Rio Grande do Sul, com o batismo de outro Catalina, com o nome de Itagiba, navio mercante afundado em 17 de agosto de 1942, com 38 mortos, entre tripulantes e passageiros. Entre os sobreviventes, estavam os soldados dos Sétimo Grupo de Artilharia de Dorso, alguns dos quais foram lutar na Campanha da Itália em 1944.

A guarnição do Catalina na ocasião do afundamento do submarino U-199 era a seguinte: Comandante José Maria Mendes Coutinho Marques, Piloto Luiz Gomes Ribeiro, Co-piloto José Carlos de Miranda Corrêa. Tripulantes: o Aspirante Aviador Alberto Martins Torres e os Sargentos Sebastião Domingues, Gelson Albernaz Muniz, Manuel Catarino dos Santos, Raimundo Henrique Freitas e Enísio Silva.

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Um submarino alemão modelo IX D2 (longo alcance), idêntico ao U-199 afundado na costa do Rio de Janeiro em 31 de julho de 1943.

O submarino U-199

Ao longo da Segunda Guerra a Alemanha nazista produziu mais de 1.500 submarinos, essas embarcações ficaram conhecidas como U-Boats, termo originado da palavra alemã Unterseeboot (barco debaixo-d’água). Com essa arma a Alemanha praticamente estrangulou o comércio marítimo da Inglaterra.

Quando o conflito torna-se mundial, o esforço de guerra alemão necessitou enviar seus submarinos a pontos mais distantes. É neste cenário que surgem submarinos melhores e maiores.

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“Raio X” do submarino alemão modelo IX-D – Fonte – http://www.naufragiosdobrasil.com.br.

Em 1942 a Alemanha lançou o U-boat tipo IX D com o objetivo de bloquear ainda mais o fluxo de matérias primas necessárias ao esforço de guerra de seus inimigos. Os submarinos do tipo IX D 2 (de longo alcance) da 12º flotilha – Bordeaux, começaram a operar em novembro de 1942. Eram capazes de executar patrulhas de ataque em regiões afastadas da América do Sul,  atingindo assim importantes portos como Santos e Rio de Janeiro.

Em suas patrulhas, eram abastecidos em alto mar por unidades submarinas de apoio, chamadas “vacas leiteiras”, estendendo assim, ainda mais, seu raio e tempo de ação.
Mas com a entrada dos Estados Unidos na Guerra e devido ao forte desenvolvimento da aviação de patrulha, que se instalou no Brasil em bases como Aratu, Salvador e Rio de Janeiro, tudo mudaria.

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Foto da um submarino modelo IX D, mostrando parte do armamento.

O U-199 foi construído nos estaleiros AG Wesser em Bremen e comissionado em 28 de novembro de 1942. Ele era um submarino modelo IX D2 (longo alcance), com dimensões de 87,58 metros de comprimento por 7,5 metros de boca, deslocava submerso cerca de 1.800 toneladas.

Possuía velocidade de cruzeiro de 20,8 nós na superfície, propulsado por dois motores diesel e 6,9 nós quando submerso, com dois motores elétricos. Podia transportar 24 torpedos de 533 mm, para 4 tubos de proa e dois de popa ou 44 minas. Sua tripulação podia variar de 55 a 63 homens.

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O Kapitänleutnant Hans Werner Kraus, comandante do U-199.

Foi lançado em julho de 1942 e começou a operar em novembro do mesmo ano. Considerado na época como um submarino de última geração, seu comandante Hans Werner Kraus pretendia fazer no sudeste brasileiro uma devastação semelhante a que o Capitão Schacht do U-507 fizera 11 meses antes na costa sergipana.

O U-199 em missão

O U-199 partiu do porto de Berger em Kiel, Alemanha, para sua primeira missão na América do Sul no dia 13 de maio de 1943. Sua tripulação consistia de 61 homens e estava sob o comando de Kraus, tendo como guarnição sete oficiais, dois guardas-marinha, seis suboficiais e 41 marinheiros.

Cruzou o equador no início de junho, mas a forte disciplina de Kraus não permitiu que seus homens celebrassem a travessia do equador, por considerar que a festa distraia os tripulantes na travessia do Atlântico de Freetown a Natal.

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Avião modelo Lockheed Hudson, no caso da foto pertencente a U.S. Army Air Force. Uma aeronave similar a esta avistou o U-199 no Oceano Atlântico.

Durante a travessia o U-199 foi avistado por um avião Hudson A-28 americano, porém ele estava desarmado e não houve combate.

A 200 milhas do litoral do Brasil, Kraus recebeu ordens de interceptar e destruir navios inimigos, somente então houve a comemoração pela travessia do Equador. Após a celebração, o U-199 mudou o curso para contornar a costa do Brasil.

No dia 18 de junho de 1943, o U-199 chegou à sua área operacional entre o sul do Rio de Janeiro e São Paulo e foi adotada a tática de permanecer submerso durante o dia, em profundidade de periscópio (20 metros), elevando o periscópio a intervalos regulares para reconhecimento.

Durante o patrulhamento desta área, o comandante Kraus ficou frustrado com o baixo número de alvos. Poucos cargueiros, espanhóis e argentinos, países neutros no conflito, cruzavam o litoral.

Após alguns dias de patrulha o comandante Kraus recebeu autorização do alto comando alemão para trocar a área de patrulha.

Na noite do dia 26 de junho, o U-199 avistou o navio mercante americano Charles Willian Peale, que navegava escoteiro (sozinho) a 50 milhas do Rio de Janeiro. O U-199 lançou um torpedo de proa, mas este errou o alvo. Não se sabe porque o comandante Kraus desistiu do ataque.

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Um hidroavião Martin PBM Mariner, similar ao da foto, avistou o U-199 durante uma patrulha na noite de 3 de julho de 1943. Esse tipo de aeronave era muito comum na base de hidroaviões existente no Rio Potengi, em Natal, durante a Segunda Guerra Mundial.

No dia 3 de julho, o U-Boat estava na superfície, quando por volta das 21 horas foi localizado por um avião BPM Mariner da Marinha Americana, pilotado pelo tenente Carey. O avião começou a circular, procurando com seus faróis o submarino na superfície.

O comandante Kraus imediatamente ordenou toda velocidade à frente e mandou guarnecer as armas do convés. O Mariner mergulhou para o ataque, porém, para surpresa dos alemães, chocou-se violentamente com a superfície explodindo.

Após sua captura e interrogatório, os tripulantes do U-199 declararam não terem atirado no avião e que embora tenha sido feita uma busca na superfície, não foram encontrados sobreviventes.

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Torre de um submarino IX-D, similar ao U-199.

Ainda com a presença de poucos alvos, o comandante Kraus decidiu, sem ordens da Alemanha devido ao silêncio de rádio, alterar novamente a área de caça, agora para o sul do Rio de Janeiro, ampliando a linha de patrulha para 300 milhas.

No dia 4 de julho, o U-199 navegava na superfície, em sua nova área. Durante a noite, localizou a esteira do navio brasileiro Bury. O comandante Kraus posicionou o U-199 e disparou três torpedos dos tubos dianteiros. Dois torpedos erraram e o Bury, imediatamente respondeu com uma salva de tiros de canhão de seu deck. Os navios cargueiros na segunda metade da guerra também eram guarnecidos com dois canhões – proa e popa. O Bury sofreu avarias e embora o U-199 tenha comunicado ao comando alemão seu afundamento, o vapor chegou ao porto do Rio de Janeiro.

Após a ação frustrada, o comandante Kraus decidiu mudar novamente a área de patrulha, pois deduziu que o Bury informaria a posição do ataque e aviões de patrulha seriam enviados à sua caça.

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O cargueiro inglês S.S. Henzada foi afundado pelo U-199 na costa brasileira – Fonte – wrecksite.eu

No dia 25 de julho, por volta das 9:00 horas, o comandante Kraus localizou pelo periscópio o cargueiro inglês Henzada. Esse cargueiro de 4.100 toneladas navegava escoteiro (sozinho) de Santos para o norte e a apenas 10 nós, um alvo perfeito.

O U-199 disparou 3 torpedos da proa, porém todos falharam. O comandante reposicionou seu submarino à frente do Henzada e aguardou o momento de um novo ataque. Às 12 horas o comandante ordenou o disparo de dois torpedos de proa, um deles atingiu o vapor no meio, partindo o navio em dois e provocando seu afundamento em menos de dez minutos.

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Outra foto do S.S. Henzada.

Finalmente na madrugada do dia 31 de julho, o U-199 aproximou-se da zona fortemente patrulhada da entrada da Baía de Guanabara no Rio de Janeiro. Seu objetivo era atingir a linha de 100 fathons (192 metros), submergir e espreitar a passagem dos navios na saída do comboio JT 3 (Rio de Janeiro- Trinidad) prevista para aquele dia. A ação da espionagem alemã nos principais portos do Brasil já era conhecida na época e embora alguns de seus agentes tenham sido presos, muitas informações de trânsito de embarcações foram passadas aos submarinos do eixo.

O ataque ao U-199

Por Alberto Martins Torres veterano do 1º Grupo de Caça da FAB (10.12.1919-30.12.2001)
Do livro: Overnight Tapachula

“…Após a decolagem, no sábado, fui efetivamente para o beliche onde me estendi. Passada menos de meia hora, o Miranda pediu que eu fosse pilotar porque desejava completar com o major Coutinho Marques a plotagem de nossa rota após Cabo Frio. Fui para o posto de pilotagem. Nem bem se passaram uns 10 minutos após eu haver assumido os comandos, chegou um cifrado da base:

Atividade submarina inimiga, coordenadas tal e tal…Miranda plotou o ponto na carta e traçou o rumo(…). Coloquei o Arará no piloto automático e no rumo indicado, em regimen de cruzeiro forçado, com 2.350 rotações e 35 polegadas de compressão. Eram aproximadamente 08:35 da manhã.

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Martin Mariner da US Navy sobrevoando o U-199 no dia de sua destruição. A ação para o afundamento deste submarino foi uma operação conjunta envolvendo aeronaves americanas e da FAB – Fonte – http://www.uboatarchive.net/U-199.htm

Havia alguma névoa e o sol de inverno ficava a três quartos da cauda, por bombordo, portanto em posição favorável a nós na hora do ataque. Foram testadas todas as metralhadores e, das quatro cargas de profundidade que levávamos, armamos três, no intervalômetro, para uma distância de 20 metros entre cada bomba, após ser acionada a primeira.

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U-199 sendo atingido por disparos – Fonte – http://www.uboatarchive.net/U-199.htm

O intervalômetro é graduado em função da velocidade no mergulho, para ser verdadeiro o escapamento escolhido. As cargas de profundidade já eram reguladas para detonarem a 21 pés de profundidade, ou seja, aproximadamente 7 metros da superfície. Essa regulagem era considerada ideal porque mantinha as bombas para detonarem dentro da faixa em que a experiência já demonstrara ser eficiente o ataque a submarino por aeronave, isto é, desde o momento em que está navegando na superfície até no máximo 40 segundos após o início do mergulho. Com o submarino na superfície, as bombas detonariam logo abaixo de seu casco perfeitamente dentro de seu raio letal.

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Perto do fim o U-199 realiza círculos – Fonte – http://www.uboatarchive.net/U-199.htm

Minutos antes das nove horas avistamos o nosso objetivo, bem a nossa proa. Navegava a toda velocidade em rumo que cruzava o nosso. Assim o víamos em seu perfil completo, levantando grande vaga de espuma com sua proa afilada. Seguia num rumo aproximado de leste para oeste, enquanto nós vínhamos de norte para sul, em ângulo reto. Estávamos a uns 600 metros de altitude.

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O U-199 sendo impiedosamente atacado – Fonte – http://www.uboatarchive.net/U-199.htm

Iniciamos o mergulho raso, eu nos comandos e Miranda no comando das bombas. Foram reiteradas as instruções para que, quando fosse dada a ordem, todas as metralhadoras deveriam atirar, mesmo as sem ângulo, segundo a doutrina, para efeito moral. Já a uns 300 metros de altitude e a menos de um quilômetro do submarino podíamos ver nitidamente as suas peças de artilharia e o traçado poligônico de sua camuflagem que variava do cinza claro ao azul cobalto. Para acompanhar sua marcha havíamos guinado um pouco para boreste, ficando situados, por coincidência, exatamente entre o submarino e o sol às nossas costas. Até então nenhuma reação das peças do submarino.

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Quarenta e nove tripulantes do U-199 morreram e doze alemães conseguiram escapar do submarino condenado, incluindo o comandante. Eles foram fotografados em barcos salva-vidas, na sequência resgatados pelo navio de guerra americano USS Barnegat e levados para o Brasil e, em seguida, para o cativeiro no Estados Unidos.

Quando acentuamos um pouco o mergulho para o início efetivo do ataque, o U-199 guinou fortemente para boreste completando uma curva de 90 graus e se alinhou exatamente com o eixo da nossa trajetória, com a proa voltada para nós. Percebi uma única chama alaranjada da peça do convés de vante, e, por isso, efetuei alguma ação evasiva até atingir uns cem metros de altitude, quando o avião foi estabilizado para permitir o perfeito lançamento das bombas. Com todas as metralhadoras atirando nos últimos duzentos metros, frente a frente com o objetivo, soltamos a fieira de cargas de profundidade pouco à proa do submarino.

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Elas detonaram no momento exato em que o U-199 passava sobre as três, uma na proa, uma a meia-nau e outra na popa. A proa do submersível foi lançada fora d’água e, ali mesmo ele parou, dentro dos três círculos de espuma branca deixadas pelas explosões. A descrição completa sobre a forma por que as cargas de profundidade atingiram o submarinos me foi fornecida em conversa que tive com o piloto do PBM Mariner, tenente Smith, que a tudo assistiu, de camarote, e que inclusive me presenteou com uma fotografia do U-199 que, lastimavelmente não consigo encontrar.

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Nós abaixáramos para pouco menos de 50 metros e, colados n’água para menor risco da eventual reação da antiaérea, iniciamos a curva de retorno para a última carga que foi lançada perto da popa do submarino que já então afundava lentamente, parado.

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Nesta passagem já começavam a saltar de bordo alguns tripulantes. Ao completarmos esta segunda passagem é que vimos um PBM americano mergulhado em direção ao objetivo. Depois saberíamos de onde viera. Transmitimos com emoção o tradicional SSSS – SIGHTED SUB SANK SAME – em inglês, usado pelos Aliados para dizer: submarino avistado e afundado – e ficamos aguardando ordens, sobre o local. Em poucos segundos o submarino afundou, permanecendo alguns dos seus tripulantes nadando no mar agitado. Atiramos um barco inflável e o PBM lançou dois. Assistimos aos sobreviventes embarcarem nos três botes de borracha, presos entre si, em comboio. Eram doze. Saberíamos depois que eram o comandante, mais três oficiais e oito marinheiros”.

FONTE – http://www.naval.com.br/blog/2016/07/31/ha-73-anos-o-submarino-u-199-era-afundado-ao-largo-do-rio-de-janeiro/

O BRASIL TAMBÉM TEVE CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO

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Durante a Segunda Guerra Mundial, também tivemos nossos campos de concentração – onde japoneses, italianos e principalmente alemães ficaram confinados. Conheça as histórias dessas pessoas.

Manhã de 2 de março de 1944. Na Estação Experimental de Produção Animal de Pindamonhangaba, uma fazenda no interior de São Paulo, ouviu-se um som que não era comum no local. Era o choro de uma criança nascendo. Mas não uma criança qualquer. O choro era de Carlos Johanes Braak, o único brasileiro nascido em um campo de concentração – e em seu próprio país. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil manteve 31 campos de concentração, para onde mandava os cidadãos de países do Eixo – a coligação formada por Itália, Japão e Alemanha. Os pais de Carlos, que eram alemães, estavam entre as centenas de pessoas que viveram esse lado menos cordial da história brasileira. “Era uma fazenda. O estábulo virou um dormitório. Minha mãe ficava numa casa, separada. Foi onde passei os dois primeiros anos da minha vida”, lembra Carlos.

O pai de Carlos se chamava August Braak. Sua mãe, Hildegard Lange. Eles partiram de Hamburgo, na Alemanha, em direção à Cidade do Cabo, na África do Sul. Estavam a bordo de um navio chamado Windhuk, no qual August trabalhava como comissário e tesoureiro.
O Windhuk era uma embarcação turística, mas também coletava mercadorias. Quando a 2ª Guerra começou, o navio já estava no continente africano – em Lobito, Angola, recebendo um carregamento de laranjas. O navio não tinha como voltar para a Alemanha em guerra, pois estava sendo perseguido por embarcações inglesas. O capitão decidiu fugir para o Brasil. E a embarcação acabou chegando ao Porto de Santos disfarçada de navio japonês, com o nome de Santos Maru, em 7 de dezembro de 1939.

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Assim que o navio chegou aqui, ficou evidente que ele não era japonês coisa nenhuma. Mas os alemães foram bem recebidos. August e Hidelgard, bem como os outros 242 tripulantes, viviam em Santos e redondezas. Alguns moravam no próprio barco, outros, em pensões. Todos recebiam salários do governo alemão, e levavam uma boa vida. Em 19 de abril de 1940, os pais de Carlos se casaram numa festa a bordo do navio.

Mas, em 1942, tudo mudou. O Brasil rompeu relações diplomáticas com os países do Eixo – cujos cidadãos passaram a ser considerados inimigos. “O governo brasileiro precisava fazer isso [criar os campos de concentração] para se alinhar com as estratégias dos Aliados e dos EUA”, explica a pesquisadora Priscila Perazzo, autora do livro Prisioneiros da Guerra (Ed. Humanitas). Alguns estrangeiros foram mandados para presídios comuns – como os de Ilha Grande e Ilha das Flores (RJ). Mas a maioria foi para campos de concentração, organizados pelo Ministério da Justiça.

Os pais de Carlos foram parar num desses campos – a fazenda em Pindamonhangaba, onde ficaram confinados 136 alemães do navio Windhuk. Eles foram presos porque seu navio tinha chegado ao Brasil durante a guerra, coisa que o governo interpretou como uma ameaça.

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Os prisioneiros não podiam manter suas tradições. Nada de ler livros em alemão, por exemplo. Mas o clima era relativamente tranquilo. Alguns prisioneiros podiam visitar o centro da cidade aos sábados, aonde iam acompanhados pelos guardas. “Era comum os presos chegarem carregando os fuzis dos guardas, que sempre voltavam bêbados”, diz Carlos.

Trabalhos forçados 

A outra parte da tripulação do navio foi parar no campo de Guaratinguetá – entre eles Horst Judes, também tripulante do Windhuk, que tinha 19 anos. Quando desembarcou em Santos, foi um dos que ficaram vivendo no navio, até ser preso em 1942. No campo de concentração de Guarantinguetá, o tratamento não era tão bom. “Éramos obrigados a trabalhar no campo”, conta o alemão em entrevista em 2011, com 87 anos e dono de uma chácara no interior de São Paulo. A rotina no campo de Guarantinguetá era acordar cedo, pegar enxada e picareta e dar duro. Cada prisioneiro levava um número nas costas. “O meu era 17”, conta Horst. O café da manhã tinha dois pãezinhos e uma caneca de café. No almoço e no jantar era só arroz com feijão. Às quintas e aos domingos, era dia de macarrão. Mas a comida nem sempre era suficiente, e os prisioneiros dependiam de padrinhos, geralmente alemães livres, que os ajudavam de diversas maneiras. Alemães livres? Sim. A maior parte dos imigrantes não foi presa. Iam para os campos aqueles que chegavam ao Brasil em plena guerra, ou eram suspeitos de espionagem.

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Foi graças a esse apadrinhamento que Horst conseguiu sobreviver depois de ser solto, em 1945. “Saímos do campo sem dinheiro nem emprego. Foram os padrinhos que nos ajudaram. O meu era de São Paulo. Trabalhei como mordomo e até como taxista”, conta. Como a maioria desses estrangeiros, ele também constituiu uma família brasileira, e diz gostar do país que adotou de maneira forçada.

Na época, o governo brasileiro fazia de tudo para mostrar que os prisioneiros de guerra eram bem tratados – o que nem sempre era verdade. O tempo de internamento variava. Houve pessoas que ficaram 3 anos presas, mas outras conseguiam ser libertadas mais cedo. Também é difícil definir exatamente o número de presos que foram mandados para os campos de concentração brasileiros entre 1942 e 1945, pois os registros são vagos. Mas existe uma documentação que revela nomes e, em alguns campos, o número exato de prisioneiros que passaram por lá. Os registros comprovam que a maioria era de alemães, seguidos de japoneses em bem menor número, italianos e um ou outro austríaco.

Juventude Hitlerista 

Poucas pessoas foram tão afetadas com o internamento nos campos quanto Ingrid Helga Koster, cujas memórias registrou no livro Ingrid, uma História de Exílios (Ed. Sagüi). Nascida no Paraná, ela se tornou órfã de pai com apenas 1 ano de idade. Quando tinha 5 anos, sua mãe se casou novamente, com um alemão. Seu padrasto, Karl von Schültze, tinha migrado para o Brasil em 1920, para fugir da crise que castigava a Alemanha depois da 1ª Guerra Mundial. Schültze chegou aqui e, junto com outros estrangeiros, começou a trabalhar em uma empresa alemã, a AEG, fazendo instalações elétricas em vários lugares do país. Ele se casou com a mãe de Ingrid no início dos anos 30, em Rio Negro, no Paraná. Pouco depois a família, já com duas outras filhas, se mudou para Joinville, em Santa Catarina, cidade dominada pela cultura alemã. Ingrid se lembra de ouvir no rádio um novo chanceler que assumira o poder na Alemanha, cujo carisma a deixava emocionada. “Eu ficava arrepiada. Ele sabia falar com o povo. Nós não imaginávamos o que estava acontecendo”, conta Ingrid. O tal chanceler era Hitler.

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Então começou a guerra, e o pai de Ingrid pressentiu que as coisas ficariam ruins. Ele proibiu, mais de uma vez, que Ingrid se unisse ao movimento Juventude Hitlerista que existia em Joinville. Na Alemanha, esse grupo foi criado para reunir e doutrinar ideologicamente os jovens de 6 a 18 anos. No Brasil, o grupo assumiu um tom mais brando – servia principalmente como ponto de encontro para os imigrantes alemães. Mas o pai de Ingrid não quis nem saber. E também queimou todos os livros em alemão que tinha em casa. Entre eles o famoso Mein Kampf (Minha Luta), de Hitler.

Até que, em 1942, a polícia bateu à porta. “Eles chegaram procurando pelo meu pai, o levaram e ficamos dias sem notícias. Até que chegou um comunicado dizendo que ele estava preso aqui em Joinville”, lembra ela, que depois de algum tempo passou a levar marmitas para seu pai no Hospital Oscar Schneider, adaptado como campo de concentração à época. O governo brasileiro acreditava que Karl fosse um espião nazista.

Por isso, o regime de confinamento dele era rígido. Nos dois meses em que ficou em Joinville, nenhum familiar pode visitá-lo. A marmita era entregue aos guardas. Até que certo dia, quando Ingrid foi levar a comida, lhe avisaram que seu pai não estava mais lá: tinha sido transferido para o Presídio da Ilha das Flores, no Rio de Janeiro. “Nosso dinheiro acabou e tivemos que voltar para o Paraná, viver do jeito que dava”, diz Ingrid. “Nossa casa era apedrejada, pichavam a suástica nos muros. Nós éramos o inimigo.”

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Daí em diante, ela só pôde visitar o padrasto uma vez por ano – no Natal. Quando a guerra acabou, Karl foi libertado por falta de provas. Mas seu chefe na AEG, Albrecht Gustav Engels, acabou condenado a 8 anos de prisão por fazer espionagem nazista. “Meu pai nunca falou sobre os tempos em que ficou preso. Mas acredito que tenha sofrido muito, inclusive tortura, porque antes era uma pessoa alegre e depois se tornou calado, triste”, conta Ingrid. Ela chegou a perguntar antes de o padrasto morrer, em 1966, se ele realmente espionara. Karl deu uma resposta vaga, e disse apenas que não foi condenado. Então ele era mesmo um espião nazista? “Até hoje não tenho certeza”, admite Ingrid.

Mesmo tendo passado por sofrimentos e humilhações, os prisioneiros alemães não quiseram deixar o Brasil depois da guerra. Como o padrasto de Ingrid. “Quando eu perguntava se ele não gostaria de voltar, ele dizia que, apesar de tudo, agora era brasileiro.”

Os principais campos de detenção
1. Tomé-Açú (PA)
A 200 km de Belém. Recebeu alemães e japoneses.
2. Chã de Estêvão (PE)
Abrigou empregados alemães da Cia Paulista de Tecidos (hoje conhecida como Casas Pernambucanas).
3. Ilha das Flores (RJ)
Nessa cadeia, prisioneiros de guerra foram misturados com detentos comuns – uma violação das leis internacionais.
4. Pouso Alegre (MG)
O campo de Pouso Alegre reunia presos militares: os 62 marinheiros do navio Anneleise Essberger.
5. Guaratinguetá e Pindamonhangaba (SP)
Fazendas que pertenciam ao governo e foram adaptadas para receber alemães.
6. Oscar Schneider (SC)
Hospital transformado em colônia penal.

FONTE – http://noitesinistra.blogspot.com.br/2013/09/o-brasil-tambem-teve-campos-de.html

 

CONHEÇA A HISTÓRIA DE EDGAR FEUCHTWANGER, O VIZINHO JUDEU DE HITLER

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Edgar Feuchtwanger, um judeu nascido em 8 de setembro de 1924, cresceu em um bairro rico de Munique, Alemanha, sendo filho de Erna Rosina e Ludwig Feuchtwanger, um advogado, palestrante e autor. Mas o que diferencia a história de Edgar, de tantos jovens judeus daquela época, foi ele ter sido um vizinho próximo de Adolf Hitler por nove anos.

Ele viveu ao lado perigo que pairava sobre sua vida e sua família durante o início da década de 1930, perto da residência privada de Adolf Hitler, na Grillparzer Strasse.

A primeira vez que havia visto o futuro genocida, em 1932 – um ano antes de Hitler ser nomeado Chanceler – ele havia saído para passear com sua babá, quando o viu de forma involuntária. Segundo ele, Hitler teria passado, olhado diretamente para seu rosto, mas sem esboçar qualquer emoção. 

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Em recente entrevista à jornalista Christiane Amanpour, da rede CNN, ele contou que costumava sentir que algo ruim iria acontecer. “Eu o conhecia muito bem, mesmo com apenas 8 anos de idade, sabia que seria uma coisa muito ruim para nós”, lembrou.

Em 2012 Feuchtwanger foi co-autor de um livro com o jornalista francês Bertil Scali descrevendo suas experiências de infância com Hitler. Intitulado “Hitler, mon voisin – Loja juif d’un enfant” (Meu Vizinho Hitler – Memórias de uma criança judia), contou que se Hitler soubesse quem ele era, hoje não estaria vivo. Ele não se referia apenas a sua condição de judeu, mas a família que pertencia. Edgar ela sobrinho de Lion Feuchtwanger, um escritor de renome que havia se tornado um “inimigo pessoal” de Hitler.

Segundo ele, Hitler teria mudado para o mesmo bairro em 1929, quando sua carreira política estava em ascensão e moraram lado a lado por nove anos. Apesar de Feuchtwanger, assim como outros, começar a perceber as profundas mudanças que aconteciam no país, ninguém imaginou o que viria a seguir. E embora ela não tenha se juntado à Juventude Hitlerista, não pôde escapar do ensino de ideologia nazista durante sua passagem pela escola. Seus professores “eram 150% nazistas” e foi pedido que ele fizesse tudo o lhe mandassem. “Por isso eu não podia escapar da propaganda exposta nos currículos escolares”. Até hoje ele guarda alguns cadernos em que a suástica pode ser vista claramente diagramada.

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Kristallnacht – Fonte – katana17.wordpress.com

Mas em uma noite, tudo mudou para sua família. Em 9 de novembro de 1939, ocorreu o que ficou conhecido como A Noite dos Cristais (Kristallnacht). Nessa data histórica para a Alemanha, foram executados ataques contra a população judaica orquestrada pelo governo central. As ações nazistas incluíram detenções de 30.000 judeus na Áustria e na Alemanha, a mortes de 91 destes e o saque generalizado de lojas de propriedade de judeus e sinagogas. No outro dia após a Kristallnacht o pai de Edgar foi levado pela Gestapo para o campo de concentração, em Dachau. Seis semanas mais tarde ele foi libertado, mas sua vida a partir daí seria alterada para sempre.

Assim como milhares de judeus, eles decidiram deixar a Alemanha. A maioria que ficou não tinha as mesmas vantagens econômicas que os Feuchtwangers, embora eventualmente o estado tivesse confiscado sua riqueza.

A família então escolheu viver na Inglaterra para começar uma nova vida, acreditando que esse era o propósito dos nazistas: expulsar todos os judeus da Alemanha. “Afinal de contas, coisas como Auschwitz ainda não existiam. Não pensávamos que eles alcançariam esse extremo”, disse.

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O pai de Edgar Feuchtwanger.

A família conseguiu obter vistos de entrada para a Grã-Bretanha e em fevereiro de 1939 Edgar embarcou em um trem com destino a Londres. Seu pai acompanhou o jovem garoto até à fronteira holandesa e, em seguida, retornou à Alemanha para terminar arranjos para ele e sua esposa seguir para o novo destino.

Outros membros da família do jovem vizinho de Hitler foram atingidos diretamente pelos nazistas. Dos irmãos de seu pai um deles foi morto num campo de concentração e três irmãs tiveram que se dispersar pelo mundo afora – Duas irmãs foram morar na Palestina após a ascensão do Partido Nazista e uma se estabeleceu em Nova York, Estados Unidos.

Vivendo em Londres até o presente momento, ele nunca mais retornou para sua terra natal. No Reino Unido, ele se tornou um respeitado professor universitário de História e hoje afirma ter um excelente relacionamento com seus atuais vizinhos.

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FONTE – jornalciencia.com/conheca-a-historia-de-edgar-feuchtwanger-o-vizinho-judeu-de-hitler

É VERDADE QUE O BRASIL VENCEU UMA GRANDE BATALHA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL?

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O mais correto seria dizer que o Brasil conseguiu grandes vitórias em pequenas batalhas da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

A Força Expedicionária Brasileira (FEB) entrou em combate na Europa a partir do segundo semestre de 1944. Do lado dos aliados (Inglaterra, França, União Soviética e Estados Unidos), a FEB enfrentou as forças do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) em território italiano, no chamado front do mediterrâneo. “Tivemos duas importantes vitórias em pequenas batalhas: Monte Castelo, em fevereiro de 1945, e Montese, em abril de 1945”, afirma o historiador Vágner Camilo Alves, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

Se alguém duvida de que essas batalhas foram secundárias no contexto geral da Segunda Guerra, basta analisar o efetivo brasileiro em ação. A FEB participou do conflito com apenas uma divisão de infantaria, enquanto só no front do Mediterrâneo os aliados contavam com um total de 23 divisões.

Aqui no Brasil, propagandas ufanistas, principalmente na época do governo militar (1964-1985), criaram a impressão de que a conquista de Monte Castelo – montanha da cordilheira apenina, no norte da Itália – foi uma batalha fundamental na Segunda Guerra.

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Apesar dessas ressalvas sobre a real dimensão de nossas vitórias, a atuação dos soldados brasileiros foi heróica. Mesmo mal treinados, com equipamento inadequado e enfrentando um frio de até 15 ºC negativos, eles conseguiram derrotar as forças alemãs que estavam entrincheiradas no alto do monte Castelo.

A ação brasileira fez parte de uma ofensiva maior de todo o IV Corpo do Exército dos Estados Unidos – do qual a FEB era uma das divisões. O resultado dessas operações conjuntas foi a expulsão dos alemães dos montes Apeninos, permitindo uma ofensiva dos aliados no norte da Itália que marcaria o fim dos confrontos no país.

Guerra no morro Tropas brasileiras enfrentaram até “fogo amigo” para conquistar Monte Castelo.

  1. A FEB já havia tentado tomar o monte Castelo três vezes no fim de 1944, acumulando cerca de 400 mortos e feridos. Na noite de 20 de fevereiro de 1945, a artilharia brasileira bombardeia os alemães posicionados na montanha dando início à quarta tentativa. Cinco ou seis caça-bombardeiros, possivelmente do esquadrão “Senta Pua”, metralham os alemães
  2. Na manhã do dia 21, três batalhões de infantaria da FEB recebem ordem de avançar para tentar tomar o monte. Os alemães respondem com fogo cerrado e a artilharia brasileira dá o troco, mas perde a mira e quase atinge nossas próprias tropas. O avanço é interrompido
  3. Ao meio-dia, o general americano Mark Clark, comandante das operações na Frente Italiana, visita o general brasileiro Mascarenhas de Moraes e vem a ordem para o avanço continuar. Uma unidade de elite americana toma espinhaços próximos para ajudar a subida dos brasileiros
  4. Perto das 14 horas, batedores relatam a chegada de reforços alemães que vieram de regiões próximas. Mesmo assim, as tropas brasileiras seguem avançando e atacam o penúltimo ponto antes de alcançar o cume do Monte Castelo
  5. Às 15h30, os combates diminuem e uma relativa calma se impõe na montanha. Os soldados brasileiros aproveitam para atender feridos e acompanhar as evoluções de um teco-teco da FEB que sobrevoa lentamente a área em missão de reconhecimento
  6. Às 16h20, a artilharia brasileira concentra seu fogo sobre a montanha, e o cume se transforma numa grande cratera. Oculta pela fumaça, uma unidade da FEB avança, mesmo sabendo que os aliados americanos ainda não conseguiram conquistar um ponto estratégico
  7. Sob uma chuva de morteiros nazistas, patrulhas brasileiras e alemãs se enfrentam em combates corpo-a-corpo, usando submetralhadoras, pistolas e fuzis com baioneta. Às 17h50, o tenente-coronel brasileiro Emílio Rodrigues Franklin anuncia pelo rádio: “Castelo é nosso!”

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Atrás da linha vermelha

As forças do Eixo na Itália tinham uma linha de defesa chamada Gustav. Quando ela foi rompida pelos aliados, em 1944, os alemães se retiraram para o norte, no alto da cordilheira apenina. Lá, montaram nova linha defensiva, a Gótica, da qual fazia parte o Monte Castelo.

Mergulhe nessa

Na livraria:

O Brasil e a Segunda Guerra Mundial: História de um Envolvimento Forçado – Vagner Camilo Alves, Editora Loyola, 2002

Guerra em Surdina: Histórias do Brasil na Segunda Guerra Mundial – Boris Schnaiderman, Editora Brasiliense, 1995

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Na internet:

http://www.exercito.gov.br/NE/2001/02/9801/feb801.htm

http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos37-45/ev_brnaguerra_operacoes.htm

FONTE – Roberto Navarro | Edição 36, Revista Mundo Estranho – http://mundoestranho.abril.com.br/materia/e-verdade-que-o-pais-venceu-uma-grande-batalha-na-segunda-guerra