DIANTE DA COSTA POTIGUAR, UM SEPULTAMENTO EM ALTO MAR

Aspecto de cerimonial de sepultamento em alto mar, com toda as honras militares de praxe, durante a Segunda Guerra Mundial

Autor – Rostand Medeiros

Morrer, mesmo que não desejemos, é a coisa mais certa que temos em nossas vidas e todos vamos encarar isso um dia.

E para nós, que vivemos em um país de maioria cristã, depois de alguém partir para um plano superior, a sequência dos acontecimentos envolve quase sempre o velório, o enterro, as missas de sétimo e trigésimo dia, além de muita dor, tristeza e saudades.

Em épocas passadas, quando alguém falecia dentro de um navio em alto mar, a forma mais prática existente era jogar o corpo no mar.

Foi o que aconteceu às cinco da manhã do dia 9 de agosto de 1903, um domingo, quando o corpo do potiguar Francisco Antônio Bastos, militar de baixa patente do 40º Batalhão de Infantaria do Exército Brasileiro, foi arriado no mar, na altura da Ponta do Tubarão, nas proximidades de Macau.

Bem, o que poderia ser uma pequena história de um falecimento, aponta algumas situações interessantes sobre como as pessoas das camadas mais populares eram tratadas nestes casos.

O pobre militar viajava na terceira classe do luxuoso Paquete Alagoas, na companhia de sua mãe, a senhora Tereza Maria de Jesus, e a causa da sua morte foi diagnosticada como sendo beribéri, que nesta época era considerada uma doença contagiosa.

O jornal natalense “A Republica”, edição de 10 de agosto de 1903, informou que o comandante do Paquete Alagoas “na intenção de se evitar a propagação de doenças”, em menos de 24 horas após o falecimento, decidiu sepultar o militar no mar. Para evitar evidentes transtornos aos passageiros mais abonados, o corpo de Francisco Antônio Bastos, envolto em uma manta de chita, com pesos de chumbo presos aos seus pés, foi lançado ao mar bem cedinho pela manhã. Não existe nenhuma referência de que alguma mínima cerimônia tenha sido realizada.

O Paquete Alagoas. Fonte-http://www.naviosbrasileiros.com.br

Na época do acontecido, o Paquete Alagoas pertencia a companhia de navegação Lloyd Brasileiro e durante a sua história este luxuoso navio foi temporariamente incorporado à Marinha do Brasil para conduzir à Família Imperial ao exílio na Europa.

Segundo o site “Navios de Guerra Brasileiros” (http://www.naviosbrasileiros.com.br) o Paquete Alagoas partiu do Rio de Janeiro com o Imperador Pedro II e sua família no dia 17 de novembro de 1889, sob o comando do Capitão-de-Longo-Curso José Maria Peixoto, sendo comboiado pelo Encouraçado Riachuelo. Chegou a Lisboa em 7 de dezembro.

Cabine do Imperador no Paquete Alagoa. Fonte-http://www.naviosbrasileiros.com.br

Já em relação a doença que vitimou o militar potiguar diante das praias do seu estado de origem, para o qual ele retornava, o artigo “Beribéri: Revisão Histórica e documental na Marinha do Brasil”, de autoria do Comandante de Mar e Guerra Regis Augusto Maia Frutuoso, traz algumas informações interessantes.

O termo beribéri, adotado na terminologia médica, provém do cingalês e seu significado é “fraqueza”. Este mal foi um grande enigma na época das antigas naus, permanecendo durante muito tempo sem que a sua etiologia fosse definida, atemorizando os tripulantes. Finalmente, no século XX, ficou esclarecido que a enfermidade era consequência de um estado de carência nutricional, desencadeado pela diminuição e não reposição das reservas de vitamina B, importante para várias reações químicas do organismo, principalmente na condução dos impulsos nervosos. (Frutuoso RAM. Beribéri: revisão histórica e documental na Marinha do Brasil. Arq Bras Med Naval. 2010 jan/dez;71(1):8-13.)

Para os homens do mar do início do século XX, doenças a bordo eram consideradas situações de perigo e não poderiam perturbar o bom curso de uma viagem.

Só não sei se os passageiros da primeira classe eram sepultados de forma tão rápida quanto os da terceira.

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