O ESTUDANTE PROFISSIONAL E O SEU DINHEIRO

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Um personagem marcante nas universidades, especialmente as públicas.

Em tempos de crise e impostos draconianos, poucos devem ser os contribuintes sabedores de que uma parte do suado dinheiro que transferem diariamente para o Estado, na forma de impostos, há tempos vem sustentando uma categoria muito conhecida dos frequentadores das universidades públicas brasileiras: o estudante profissional. Para quem não está familiarizado com o personagem, o estudante profissional é o indivíduo que entra na universidade somente para fazer política partidária e, muitas vezes – não sempre –, é remunerado para tal por partidos. Ora, dirão alguns, é um direito de qualquer jovem entrar na universidade, vincular-se a um partido e militar livremente em favor dele, onde julgar oportuno.

A coisa, porém, não é tão simples e transparente. O estudante profissional tem algumas características que são bastante lesivas a quem paga imposto e sonha ver o seu fi lho, o seu parente, o filho do seu vizinho, ou seja lá quem for numa universidade pública de qualidade. Frequentadores, em geral, de cursos com menor concorrência no vestibular (licenciaturas), o estudante profissional despende sete, oito anos para finalizar uma graduação que a média dos estudantes leva somente quatro ou cinco anos para concluir. Dificuldades pedagógicas de um grupo com má formação prévia? Raramente é isso que está em jogo. O estudante profissional quase não frequenta as aulas e praticamente não se dedica a atividades acadêmicas. Ser reprovado faz parte de sua estratégia para permanecer o máximo de tempo possível na universidade – gastando negligentemente o dinheiro do contribuinte e ocupando as vagas de quem realmente quer estudar.

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E o pior ainda está por vir. Depois de formado ou, por vezes, quando faltam poucas disciplinas para a formatura, o estudante profissional presta um novo vestibular – em outro curso da mesma instituição, para que seu trabalho de militância e recrutamento partidários tenha continuidade, ou numa outra instituição pública de ensino, levando a sua “experiência de engajamento” para plagas onde é menos visado – e permanece por mais de uma década no sistema universitário público.

Durante o propositalmente longo período em que frequenta o espaço universitário, seus interesses, demandas e comportamentos estão atrelados ao partido que representa. O seu papel, através da presença sistemática em assembleias (seu hábitat natural), centros acadêmicos, diretórios e congêneres, é levar as demandas partidárias para a universidade, demandas muitas vezes estranhas ao meio e contrárias à lógica méritocrática que deveria regê-lo.

Outra atividade que interessa ao estudante profissional é recrutar militantes. Daí o gosto com que faz suas quaisquer “lutas” que apareçam pela frente. É o apoio inflamado a causas diversas – causas quase sempre populistas, que vão da defesa de concessão de bolsas sem avaliação de mérito acadêmico ao apoio à venda exclusiva de produtos oriundos de “movimentos sociais” para refeitórios da universidade – que lhe garante simpatias e possíveis adesões ao grupo político que representa. Dito em poucas palavras, o estudante profi ssional não frequenta a universidade para ser um universitário, ele é um soldado de partido, um soldado que – a prática tem demonstrado isso – não hesita, frequentemente com o apoio de docentes vinculados aos mesmos grupos, em comprometer o bom andamento da universidade em nome dos interesses partidários.

O momento vivido pelo país, que, depois de longa letargia, parece ter urgência em retomar o debate sobre os rumos que deseja tomar, é ideal para que o contribuinte conheça essas pequenas distorções do funcionamento da coisa pública e decida se quer ou não que elas se perpetuem. Instrumentos para corrigir os desvios e gastar com mais rigor o dinheiro dos impostos existem, instrumentos legítimos e democráticos: elevar médias, colocar limites para reprovações, reduzir o tempo máximo de permanência na universidade, criar mecanismos para evitar que um cidadão curse dois, três cursos consecutivamente na universidade pública etc.

É preciso que a sociedade se posicione; afinal, é ela quem paga a conta, e a conta é cara.

FONTE – http://www2.uol.com.br/historiaviva/artigos/o_estudante_profissional_e_o_seu_dinheiro.html

AUTOR – Jean Marcel Carvalho França, professor da Unesp, é autor, entre outros livros, de A construção do Brasil na literatura de viagem dos séculos XVI, XVII e XVIII (José Olympio/ Unesp, 2012) e Piratas no Brasil (Globo, 2014), com Sheila Hue