1875 – UM INFORMATIVO ESPÍRITA EM TERRAS POTIGUARES

Rostand Medeiros – Escritor e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Na metade da década e 1870, ainda nos tempos do Império do Brasil, a cidade de Natal era uma pequena capital de uma província verdadeiramente insignificante no cenário político e social brasileiro da época.

Antes que alguém fique chateado com esta minha colocação, para se ter uma ideia do que escrevo, segundo o resumo publicado nas páginas 37 e  39, do livro “População do Brazil”, publicado no Rio de Janeiro em 1922, pela “Directoria Geral de Estatistica”, do então “Ministério da Agricultura, Indústria e Commercio”,  informa que em  1872, a população potiguar alcançava a cifra de 273.979 almas e a capital então era possuidora de uma população de 20.392 pessoas. Mas esta pequenez populacional não impedia que existissem na nossa cidade pessoas e grupos com ideias interessantes e diferenciadas do quadro geral reinante.

Espiritismo no Brasil

No Brasil, desde a década de 1840, que existiam grupos de pessoas que buscavam o entendimento relativo às questões do espiritismo, principalmente a possibilidade de comunicação com os espíritos através de médiuns. O movimento cresce e vinte anos depois grandes jornais do Rio de Janeiro debatiam em suas páginas aspectos desta Doutrina. Logo são criados centros espíritas na Bahia e Rio de Janeiro.

Em 1869, Luiz Olímpio Teles de Menezes publica o jornal “O Eco D’além Túmulo-Monitor do Espiritismo no Brasil”, considerado o primeiro jornal espirita do país. Em 1873, vinte anos após o lançamento do “Livro dos Espíritos”, ele é traduzido e publicado no país. De autoria do pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, que adotou o pseudônimo de Allan Kardec, é o primeiro livro sobre a doutrina espirita e foi o primeiro de uma série de cinco livros editados pelo pedagogo sobre o mesmo tema.

Apenas dois anos depois do lançamento do “Livro dos Espíritos” no Brasil e quase nove anos antes da fundação da Federação Espírita Brasileira, pessoas em Natal decidem fundar um jornal exclusivamente dedicado a debater e propagar a doutrina espiírita na capital potiguar. Em uma quarta feira, 1 de setembro circulou “O Espirita”.

“Informativo Espiritista”

O informativo dizia-se “Informativo Espiritista”, sendo um jornal pequeno, com apenas quatro páginas e era editada em uma redação a Rua Santo Antônio, provavelmente na casa do seu diretor, Manoel Gomes da Silva. O pesquisador Manoel Rodrigues de Melo, em seu livro “Dicionário da Imprensa no Rio Grande do Norte 1909 – 1987”, página 139, comenta que Manoel Gomes da Silva era poeta e prosador. O jornal era impresso na “Typographia Liberal”, conforme está na capa e custavam um mil réis.

É composto de cinco artigos, alguns datados de agosto daquele ano, e um longo poema denominado “Virgem Santíssima”, de autoria de Manoel Gomes da Silva. Aparentemente a maioria dos artigos é de autoria do mesmo autor do poema anteriormente comentado. Em apenas um deles encontramos um autor assinando com o pseudônimo de “Sensus”.

Os artigos vão desde uma apresentação e saudação ao espiritismo, doutrinamento e uma severa crítica aos representantes da igreja católica. Este artigo em particular, intitulado “O Espiritismo e o Padre”, chama a atenção pela virulência das letras, que bem poderia ser um reflexo do clima reinante no Brasil da época.

Área da Santa Cruz da Bica no início do século XX, região próxima a redação de “O Espirita”. Foto Manoel Dantas.

É inegável que neste período a igreja católica predominava como força religiosa em Natal e em todo o Brasil imperial. Mas contestações e conflitos ocorriam desafiando este poderio e o mais importante foi sem dúvida a chamada Questão Religiosa.

Momento de Conflitos Religiosos

No passado as relações entre o Estado e o clero católico sempre foram muito próximos. A Constituição do ano de 1824 estabelecia expressamente que a religião oficial do Estado era o catolicismo e existia uma relação formal entre a Igreja e a Coroa, que atendia aos interesses de ambos. Chegava ao ponto dos membros do clero ter as mesmas vantagens e tratamentos dos funcionários públicos da época, recebendo seus salários através da Coroa.

No final da década de 1860 houve uma forte reação da direção da igreja católica contra instituições que defendiam a secularização e o anticlericalismo, como a Maçonaria, que possuía grande prestígio no Brasil, onde o Imperador Pedro II e vários clérigos da própria igreja católica eram maçons.

Não demorou muito para altos dirigentes da igreja católica atacarem os religiosos ligados à Maçonaria, ameaçando-os

omo um caricaturista viu o conflito entre a Coroa e a Igreja católica. Fonte-http://imagohistoria.blogspot.com

de desligamento de suas  atividades religiosas e até de absolvição sacramental. O caso chegou a tal ponto de ruptura que os Bispos de Belém do Pará e de Olinda, respectivamente Dom Antônio de Macedo Costa e Dom Vital, foram processados, presos e condenados a quatro anos de prisão.

Como sempre ocorre entre as classes dirigentes no Brasil, foi conseguida uma acomodação entre o Império e a Santa Sé. Mesmo não estando relacionado diretamente ao fim do Império em 1889, este conflito de ideias criou sérias rupturas entre o Império do Brasil e a igreja católica.

Talvez o momento brasileiro da década de 1870 explique a acidez do artigo de “O Espirita”.

Independente desta questão a existência deste jornal aponta que mesmo Natal sendo uma capital com pouca expressividade no cenário brasileiro do final do século XIX, setores de parte de sua sociedade mostrava que possuíam um pensamento independente da maioria.

© 2011 Copyright Tok de História

Todos os direitos reservados