O COMPASSO DO MUNDO: TUDO SOBRE A MAÇONARIA

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Fonte – https://openclipart.org/download/245371/Freemasonry-Masonic-Masonry.svg

Como a mais célebre sociedade secreta moldou a história dos últimos três séculos

AUTOR – Tiago Cordeiro

O primeiro presidente dos Estados Unidos, George Washington, era maçom. Depois dele, outros 16 líderes da nação mais poderosa do mundo também foram: a lista inclui John Edgar Hoover, diretor do FBI por 45 anos, e Harry Truman, o homem que autorizou o ataque com bombas atômicas sobre o Japão. Também fizeram parte da sociedade secreta dois políticos decisivos para a vitória aliada na Segunda Guerra Mundial, o presidente americano Franklin Delano Roosevelt e o primeiro-ministro britânico Winston Churchill. Eram maçons alguns dos mais importantes líderes da Revolução Francesa, como Jean-Paul Marat e La Fayette. O revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi e os libertadores da América espanhola, o argentino José de San Martín e o venezuelano Simon Bolívar, também. O articulador da independência do Brasil, José Bonifácio de Andrada e Silva, pertencia à ordem, assim como o duque de Caxias e nosso primeiro presidente republicano, marechal Deodoro da Fonseca.

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Fonte – http://xn--jl-3sulen-z2a.de/freimaurer-in-der-neuen-zuercher-zeitung/

Por tudo isso, não é exagero afirmar que o mundo em que vivemos foi definido por essa sociedade secreta, que por três séculos vem reunindo a elite política e militar (e cultural) do Ocidente em rituais cheios de códigos misteriosos.

Mas o que é maçonaria? Existem várias versões para a criação da organização. A mais confiável remete à Idade Média, quando o controle do comércio era feito pelas guildas, corporações de ofício que reuniam artesãos do mesmo ramo e funcionavam como um antepassado dos sindicatos. Um dos grupos mais poderosos era o dos pedreiros (em inglês, masons). Que era um trabalho de alto status então, pois eram responsáveis pela engenharia e pela construção de castelos e catedrais. Pedreiros tinham acesso aos reis e ao clero e circulavam livremente entre os feudos. Apelidados de free masons (pedreiros livres), se reuniam nos canteiros de obras e trocavam segredos da profissão. Um dos documentos mais antigos sobre essas guildas é a carta de regulamentos de Londres, 1356. Na época, era só um conjunto de regras para pedreiros. 

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Fonte – https://www.star-of-africa.de/was-wissen-sie-%C3%BCber-freimaurerei/

Para se identificarem em locais públicos e evitarem o vazamento de suas conversas, criaram um sistema de gestos e códigos. Durante o Renascimento, os pedreiros livres ficaram na moda. Seus encontros passaram a acontecer em salões, chamados de lojas, que geralmente ficavam sobre bares e tavernas das grandes cidades, onde a conversa continuava depois. Intelectuais e membros da nobreza engrossaram a turma. Por influência deles, os debates passaram a abranger religião e filosofia. Em 24 de junho de 1717, numa reunião das quatro maiores lojas de Londres (então o maior centro maçom europeu), na taverna The Goose and Gridiron nasceu uma federação, a Grande Loja de Londres. Era o início oficial da maçonaria.

A Marselhesa

Em apenas três décadas, a organização já tinha se espalhado por toda a Europa ocidental e havia alcançado a Índia, a China e a América do Norte. Passou a ser conhecida, respeitada, mas, principalmente, temida. Não era para menos. Ficava difícil confiar em um grupo de homens ricos e poderosos, de diferentes áreas, que se reuniam a portas fechadas, usavam símbolos esquisitos (veja explicações ao longo da reportagem) e faziam juramentos de fidelidade à tal organização e ainda voto de silêncio. Também não ajudou muito o tanto de lendas que surgiu sobre a origem da maçonaria (em 1805, o historiador francês Charles Bernardin pesquisou 39 diferentes). Tinha para todos os gostos: alguns integrantes da ordem diziam que Noé era maçom, outros transformaram o rei Salomão ou os antigos egípcios em fundadores. Nem os templários escaparam (leia ao final). A Igreja Católica se incomodou tanto que, em 1738, divulgou uma bula papal atacando a ordem, que décadas depois foi perseguida pela Inquisição.

Mistérios revelados  Os principais símbolos da maçonaria

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Fonte – http://www.pnp900.de/freimaurerei.html

Compasso

Um dos instrumentos dos pedreiros. Representa a racionalidade científica. Por desenhar círculos perfeitos, também simboliza a busca pela perfeição moral

Esquadro

Outro instrumento da construção civil que lembra a capacidade transformadora do homem sobre a natureza. Seu ângulo reto é uma indicação para os homens de que eles devem ser honestos

Letra G

Vem de God, Deus em inglês. Os integrantes da fraternidade também o chamam de GAU, sigla para Grande Arquiteto do Universo

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Maçons ingleses – Fonte – http://www.freemasonrytoday.com/magazine

Olho

Geralmente representado dentro de um triângulo, tem o mesmo significado da letra G. É Deus, que tudo vê

Triângulo

Refere-se ao lema liberdade, igualdade e fraternidade, às virtudes fé, esperança e caridade, e nascimento, vida e morte. Por isso, os maçons também fazem três pontos em suas assinaturas

Martelo

Pequeno, simboliza o trabalho dos pedreiros que inspiraram a fraternidade, e também a força material que muda o mundo. É usado pelo grão-mestre durante as cerimônias

Sol/Lua

Como o chão de mosaico preto e branco (veja no rodapé da reportagem), usado nas lojas, simboliza a dualidade entre bem e mal, espírito e corpo, luz e trevas.

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Templo maçônico da Filadélfia (EUA) construído em 1873 – Fonte – https://pamasonictemple.org/temple/

Além do sigilo, o que perturbava era a atitude sempre à frente de seu tempo. Setenta anos antes da Revolução Francesa, esses homens cultos e influentes já defendiam a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Tratavam-se sem distinção e aceitavam todos os credos religiosos, uma atitude tremendamente avançada para a época. Os ateus, porém, eram barrados. Não formamos uma religião, mas somos um grupo de pessoas religiosas.

Nosso lema é fazer os homens bons ficarem melhores, diz o maçom paulistano Cassiano Rampazzo, advogado de 35 anos. Com ele concorda a historiadora mineira Françoise Jean de Oliveira, coautora do livro O Poder da Maçonaria. A maçonaria não é religião, não tem dogmas. É um grupo que defende a liberdade de consciência e o progresso. Isso não quer dizer que cada participante possa agir como bem entende. Ao entrar na ordem, o membro é instruído sobre a moral universal, um conjunto de virtudes obrigatórias, como bondade, lealdade, honra, honestidade, amizade, tranquilidade e obediência, diz Françoise.

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Membros de uma loja maçônica no oeste canadense em 1890 – Fonte – http://freemasonry.bcy.ca/textfiles/history.html

A falta de preconceito se restringia a diferenças políticas e religiosas. A fraternidade vetava analfabetos, deficientes e homens que não se sustentavam. As mulheres até hoje não são bem-vindas (com exceção da França).

Além disso, no passado como no presente, só entra na ordem quem for convidado e passar por uma avaliação rigorosa: nada de gente indiscreta, protagonistas de escândalos, bêbados, brigões e adúlteros notórios.

Ainda assim, para os aprovados, a maçonaria foi a primeira entidade a funcionar de acordo com os preceitos da democracia moderna. Eles estimulavam debates abertos, em que todos podiam participar, além das eleições livres e diretas. Nada disso estava na moda no século 18. E, muito por influência dos próprios maçons, tornou-se corriqueiro no século 21, afirma o historiador alemão Jan Snoek, professor da Universidade de Heidelberg e especialista no assunto.

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Grande ritual maçônico em Hamburgo, Alemanha – Fonte – http://www.abendblatt.de/hamburg/article109558266/1500-Freimaurer-bei-Ritual-im-Michel.html

Assim, nada mais natural que os líderes da Revolução Francesa de 1789 aderissem à maçonaria. Nos anos que antecederam a queda do Antigo Regime, os adeptos se multiplicaram. A influência foi tanta que uma canção composta e cantada na loja de Marselha foi batizada de A Marselhesa e transformada no hino do país. Nem todos os ideólogos da revolução foram maçons. Marat e La Fayette eram, Robespierre e Danton, não. Mas, entre os inimigos da monarquia, mesmo quem não participava da ordem tinha sido influenciado por suas ideias, afirma o historiador americano W. Kirk MacNulty, maçom há mais de 40 anos.

Nas verdinhas

Além de divulgar ideias que atraíam a elite progressista de seu tempo, a maçonaria era também um espaço propício à conspiração política. Ao ingressar na ordem, os integrantes prometiam (e até hoje prometem) não divulgar seus segredos e nem mesmo revelar a nenhum profano (como são chamados os não iniciados) o que é dito nas reuniões.

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Trajes maçônicos – Fonte – al-prudens.de

As lojas maçônicas eram o lugar ideal para membros da elite de diferentes pensamentos políticos se encontrarem, diz o pesquisador Jesus Hortal, reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Além disso, quanto mais a maçonaria era acusada de ser um local de conspiração política, mais ela era procurada por conspiradores. A proteção das lojas ajudou a garantir o sucesso de um dos movimentos históricos mais influenciados pela organização: a independência americana, episódio que muitos historiadores chamam de revolução maçônica.

Grandes maçons – Algumas figuras centrais que se juntaram à ordem

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George Washington – Fonte – https://www.star-of-africa.de/was-wissen-sie-%C3%BCber-freimaurerei/

George Washington (1732-1799)

Juntou-se bem jovem, enquanto ainda era soldado do Exército britânico, em 1752. Ocupado com sua luta, nunca foi muito ativo. Recusou o cargo de Grande Mestre na Virgínia em 1777, para se dedicar à luta contra a dominação britânica. Deram o cargo mesmo assim, sem seu consentimento, em 1788. Washington gostava do programa iluminista dos maçons, e também do fato de, nos EUA, serem menos anticlericais que na Europa. 

Voltaire (1694-1778)

O filósofo iluminista atacava a monarquia francesa e defendia princípios maçons. Acabou sendo iniciado em uma loja de Paris em abril de 1778, só dois meses antes de morrer. Voltaire, que tinha 83 anos, entrou no local apoiado no braço do americano Benjamin Franklin.

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Johann Wolfgang von Goethe – Fonte – https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/0e/Goethe_%28Stieler_1828%29.jpg

Goethe (1749-1832)

O escritor e poeta alemão foi aceito em uma loja de Weimar em 1780. Escreveu vários poemas em homenagem à maçonaria. Os mais famosos são A Loja Maçônica e Symbolum (composto quando seu único filho, Auguste, foi iniciado).

Mozart (1756-1791)

O compositor austríaco entrou para a ordem em Viena, aos 28 anos. Compôs várias peças para serem executadas durante cerimônias maçônicas. Sua última ópera, A Flauta Mágica, tem tantas referências à ordem que Mozart foi acusado de revelar segredos maçons.

Gustave Eiffel (1832-1923)

Além de projetar a Torre Eiffel, em Paris, o engenheiro francês desenhou a Estátua da Liberdade, enviada como presente de comemoração dos 100 anos da independência americana . O projeto foi executado em parceria com o escultor Frederick Bartholdi (1834-1904), que também era maçom.

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Charles Lindbergh – Fonte – https://www.usnews.com/photos/famous-freemasons?slide=8

Charles Lindberg (1902-1974)

O aviador foi aceito por uma loja de Saint Louis em 1926. No ano seguinte, tornou-se o primeiro homem a fazer um voo solitário transatlântico sem escalas. Durante a viagem, ele teria levado consigo um distintivo com os símbolos da régua e do compasso.

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O segundo homem a pisar na Lua em 1969, após Neil Armstrong, pertence a uma loja maçônica no Texas. Queria ter levado um anel maçom de seu avô para a Lua, mas o perdeu antes da viagem. Mas ninguém sabe se ele teria mesmo levado uma bandeira com símbolos da ordem para lá.

Benjamin Franklin, um dos grandes responsáveis pela criação dos Estados Unidos da América, era grão-mestre (o líder máximo na hierarquia) na Filadélfia e responsável pela publicação no país do livro Constituições, escrito pelo britânico James Anderson em 1723 e considerado a declaração de princípios da entidade. O líder dos rebeldes, George Washington, e o principal autor da Declaração de Independência, Thomas Jefferson, também eram membros ativos, assim como um terço dos 39 homens que aprovaram a primeira Constituição do país. Os três usaram seus contatos com as maçonarias de outras nações, em especial da Inglaterra, para garantir o sucesso da rebelião.

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Trajes maçônicos na Europa – Fonte – http://www.katholisches.info/2013/04/freimaurer-suchen-neuen-grosmeister-geht-es-logen-wirklich-nur-um-ethik-oder-auch-um-politik/

Há quem diga que a nota de 1 dólar, com seu olho solitário, é inteiramente marcada por símbolos maçons o olho, por exemplo, simbolizaria Deus (leia sobre os símbolos no decorrer da reportagem), coisa que os autores da cédula nunca confirmaram. Reza a lenda que George Washington teria vestido um avental da ordem durante a inauguração da capital, em 16 de julho de 1790, batizada em sua homenagem. Ele ainda teria orientado os engenheiros a encher a cidade de símbolos secretos da entidade. Por exemplo: algumas pessoas identificam o desenho de um compasso unindo a cúpula do Capitólio, a Casa Branca e o Memorial Thomas Jefferson.

Pelo mundo

No século 19, a maçonaria deu outras provas de sua capacidade de mudar a história. Por volta de 1810, um grupo de defensores da unificação italiana se reuniu com o nome de Carbonária. Inspirado nas estratégias e na hierarquia maçons, a sociedade secreta, que continuou atuante até 1848, tentava estimular uma rebelião espontânea dos trabalhadores, que implantariam os ideais liberais. Dois dos maiores heróis da construção da Itália unificada participaram desse grupo e depois foram aceitos pela maçonaria. Um deles, Giuseppe Mazzini (1805-1872), acabou rompendo com os maçons por acreditar que a ordem mais debatia que agia. Outro, Giuseppe Garibaldi (1807-1882), seria mais tarde condecorado o primeiro maçom do novo país.

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Giuseppe Garibaldi – Fonte – https://br.pinterest.com/pin/116038127878095348/

Depois de participar de um levante malsucedido em Gênova, Garibaldi fugiu para o Rio de Janeiro em 1835. Encontrou um grupo de carbonários exilados que mantinha contatos com a maçonaria brasileira. Através deles conheceu o maçom Bento Gonçalves, o líder da Revolução Farroupilha. Em 1840, Garibaldi instalou-se no Uruguai, onde se tornou oficialmente participante da sociedade secreta. Quando morreu, em seu país, deu nome a lojas no Uruguai, Brasil, França, Estados Unidos, Inglaterra e Itália. Nas décadas seguintes, os democratas italianos de esquerda, cujos integrantes cerrariam fileiras na maçonaria, se destacaram pela defesa do sufrágio universal, da educação gratuita de qualidade e da independência do Estado com relação à Igreja.

É fácil entender como Garibaldi se tornou maçom na América do Sul. Desde o começo do século 19, a ordem cresceu a ponto de ser fundamental para a independência dos países da região. Nos países de língua espanhola, um dos precursores do pensamento pela soberania foi o venezuelano Francisco de Miranda (1750-1816), que, depois de participar da Revolução Francesa, foi iniciado na maçonaria por George Washington. Miranda fundou uma loja em Londres, batizada de Gran Reunión Americana.

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Fonte – http://www.idea.de/gesellschaft/detail/ezw-die-freimaurer-in-deutschland-legen-zu-92634.html

Ali, atuou na formação de três libertadores da América: o chileno Bernardo O’Higgins (1778-1842), o venezuelano Simon Bolívar (1783-1830) e o argentino José de San Martín (1778-1850). Eles frequentavam a mesma loja, Latauro, com sede em Cádiz, Espanha, e filiais latino-americanas. Seus membros se denominavam cavaleiros da razão e previam a independência, o fim da escravidão e a proclamação de repúblicas. Estima-se que a iniciação de Bolívar tenha ocorrido na Europa, entre 1803 e 1806. San Martín, adepto desde 1808, fundou lojas no Chile, no Peru e na Argentina (que já abrigava casas maçônicas desde 1775). O’Higgins frequentava a de Mendoza.

Em terras brasileiras

A fraternidade existia em nosso país desde o início do século 19 e contava com confrades de altos cargos da colônia. Entre os maçons decisivos para a separação de Portugal estava José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838). A ideia de conceder o título Defensor Perpétuo e Imperador do Brasil ao príncipe herdeiro da coroa portuguesa surgiu na própria Latauro, mesmo lugar que organizou as primeiras festas de rua pela independência, no Rio, em 12 de outubro de 1822.

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Fonte – http://robertomacom.blogspot.com.br/2015_02_01_archive.html

O envio de emissários às grandes províncias brasileiras para articulação da Independência foi organizado pelo Grande Oriente do Brasil, a federação maçônica nacional fundada em 17 de junho do mesmo ano, de onde José Bonifácio foi grão-mestre. Em 2 de agosto de 1822, o próprio dom Pedro I entrou para a entidade, sob o codinome Pedro Guatimozim, uma homenagem ao último rei asteca. Apenas três dias depois de iniciado, ele já tinha sido alçado a mestre. Mais dois meses e já era o grão-mestre do país. Passados apenas 17 dias da promoção, Pedro, já imperador, abandonou a fraternidade e proibiu suas atividades no Brasil. A melhor explicação dos especialistas para a atitude é a insatisfação do monarca com uma entidade onde a hierarquia era submetida a regras e podia ser questionada.

Em 1831, de volta legalmente à ativa, após a renúncia de dom Pedro e seu retorno a Portugal, a maçonaria brasileira se multiplicou. Em 1861, a ordem se mobilizou em apoio ao movimento abolicionista. No Ceará, lojas se reuniram para comprar e libertar escravos. Eusébio de Queiroz (1812-1868), que batizou a lei que proibia o tráfico de escravos, era maçom. O visconde do Rio Branco (1819-1880), abolicionista e chefe de Gabinete Ministerial entre 1871 e 1875, foi grão-mestre. Quando a Lei Áurea foi assinada pela princesa Isabel (1846-1921), em 1888, o presidente do Conselho de Ministros era o grão-mestre João Alfredo Correa de Oliveira (1835-1919). Das lojas também veio o apoio à mudança no regime de governo. Em 1889, a República foi proclamada pelo confrade marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892), que formou um ministério só com maçons. Dos 12 chefes de Estado até 1930, oito eram maçons; dos 17 governadores de São Paulo durante a República Velha, 13 pertenciam à ordem.

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Fonte – http://www.mundodastribos.com/entenda-os-significados-dos-simbolos-maconicos.html

Caça aos bruxos

A partir de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas (1882-1954) ao poder, a maçonaria brasileira passou a ser estigmatizada. Os delírios do integralista Gustavo Barroso (1888-1959), de que a entidade unira-se ao judaísmo para controlar a humanidade, faziam sucesso. O mesmo surto ocorreu em outros países. Na União Soviética, Leon Trótski (1879-1940) denunciou um suposto complô maçom-judaico para dominar o planeta. Adolf Hitler (1889-1945), que dizia que a maçonaria era uma arma dos judeus, mandou fechar todas as lojas alemãs, prendeu líderes e, em 1937, organizou a Exposição Antimaçônica. Aberta em Munique pelo ministro da propaganda, Joseph Goebbels, a mostra reunia peças de lojas invadidas. Na Espanha, em 1940, o general Francisco Franco (1892-1975) proibiu a existência dos grupos e condenou seus membros a seis anos de prisão.

Nem só a perseguição fez organização perder poder. A maçonaria não se adaptou aos novos tempos, diz Françoise Souza. Ela foi poderosa enquanto era um local único de reunião de pessoas. Com a consolidação da sociedade civil, surgiram outros espaços associativos, como partidos, sindicatos e organizações não governamentais. Além disso, causas clássicas da maçonaria, como a liberdade religiosa, viraram direitos. Mas ainda existem locais onde a segurança e a valorização da liberdade de expressão são fundamentais. É o caso de Israel. Em Jerusalém, as lojas reúnem cristãos, judeus e muçulmanos, que conversam abertamente, trocam experiências e sabem que podem confiar uns nos outros, afirma o historiador Jan Snoek. Em lugares assim a maçonaria continua, como era em suas origens, uma organização inovadora.

Fundadores legendários  Estes seriam os primeiros maçons, segundo as lendas

Adão

Alguns integrantes da ordem defendem que Deus foi o primeiro maçom afinal (como um bom pedreiro) ele construiu o mundo inteiro em seis dias. Para outros, esse cargo cabe a Adão. Ao ser expulso do paraíso, ele teve de encontrar uma forma de construir abrigo. Seus ensinamentos teriam sido levados adiante por seu filho Caim.

Noé

De acordo com a Bíblia, depois de construir um barco e escapar do grande dilúvio com um casal de cada espécie animal, Noé precisou começar tudo do zero. Para alguns maçons, isso faz dele um pioneiro na arte da construção logo, um fundador da maçonaria.

Egípcios

Só mesmo grandes engenheiros seriam capazes de construir as pirâmides do Egito antigo. Por isso, não falta quem diga que entre os egípcios também estavam os primeiros maçons. Por essa versão, eles teriam criado ritos ocultos, os mesmos que teriam usado na construção da Grande Pirâmide de Quéops.

Hiram Abiff

Segundo a Bíblia, o rei Salomão teria contratado um outro rei, chamado Hiram Abiff, para ser o engenheiro-chefe de seu templo. De acordo com a maçonaria, Hiram foi morto por funcionários que queriam roubar os segredos de Salomão. Assim, Hiram acabou virando um mártir e também um exemplo de discrição.

Pitágoras

Além de fundador da Matemática como disciplina de estudos, o grego fundou a escola pitagórica, que tratava seus seguidores como uma irmandade sem superiores e seguia rígidos princípios religiosos e de comportamento. Assim, não é difícil entender a ligação que fizeram entre ele e a maçonaria.

Templários

Os sobreviventes da poderosa ordem, destruída em 1312 a mando do papa Clemente V, teriam continuado a se reunir em segredo até voltar a público em 1717, na forma da maçonaria. Algumas palavras em código dos maçons seriam inspiradas nas senhas usadas pelos templários.

SAIBA MAIS:

►A Maçonaria Símbolos, Segredos, Significado, W. Kirk MacNulty, Martins Fontes, 2007
►Arquivos Secretos do Vaticano e a Franco-Maçonaria, José Ferrer Benimeli, Madras, 2007
►O Poder da Maçonaria, Françoise Jean de Oliveira e Marco Morel, Nova Fronteira, 2008

Fonte – http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/o-compasso-do-mundo-tudo-sobre-a-maconaria.phtml#.WL39T4WcHIW

SOCIEDADES SECRETAS NO BRASIL – O LADO OCULTO DO PODER

A depiction of a ritual taking place in a masonic lodge, New York, circa 1900. (Photo by Hulton Archive/Getty Images)
Ritual maçônico em New York, cerca de 1900. (Photo by Hulton Archive/Getty Images)
Como organizações que existiam à margem da vida pública do Brasil ajudaram a moldar os destinos do país desde seu nascimento

TEXTO Paulo Rezzutti

Fonte – http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/acervo/sociedades-secretas-brasil-lado-oculto-poder-806578.phtml#.VX9J_vlVikp

Às vésperas da Independência do Brasil, dom Pedro I enviou de São Paulo uma carta ao seu amigo e ministro José Bonifácio. No final, cravou um pedido misterioso: “Recomende-me aos senhores nossos II e CC (…)”.

Essa simples frase, cheia de pontos em formatos estranhos, revela o contato estreito do então príncipe regente, a pouco tempo de virar o primeiro governante do Brasil independente, com duas sociedades secretas operantes durante o processo histórico que culminou no 7 de Setembro. Os três pontos, cada um no que seria um vértice de uma pirâmide, antecedidos por duas letras “i”, são ainda hoje utilizados por membros da Maçonaria e significam “irmãos”. Se essa primeira sociedade permanece conhecida no mundo inteiro, a seguinte, que se revela nas duas letras “c” seguidas por quatro pontos em forma de cruz, que significavam “camaradas”, foi uma ordem secreta 100% brasileira que teve vida efêmera. Tratava-se do “Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz”, ou, simplesmente, Apostolado.

A Maçonaria e o Apostolado na independência

Dom Pedro foi iniciado na Maçonaria em 2 de agosto de 1822, adotando o nome de Guatimozin, o último imperador asteca que tentou resistir aos invasores espanhóis. Nesse período, a partir de 1821, com a campanha de emancipação política do Brasil, as lojas existentes começaram a ter um papel político mais vigoroso, embora já existissem registros de atividades maçônicas no Brasil desde o século 18. Em 1822, durante o processo da Independência, foi criado o Grande Oriente do Brasil, ou Brasiliano, conforme ata de 17 de junho, com o qual a Maçonaria brasileira libertou-se e tornou-se independente do Grande Oriente Lusitano.

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Inspirado pelos ventos da Revolução Francesa, da independência da América do Norte e das Guerras Napoleônicas, que varreram por algum tempo da Europa o absolutismo, a Maçonaria brasileira tentava atrair o então príncipe regente. Se alguns elementos maçônicos sonhavam com a implantação da República no Brasil, a maioria achava que a independência definitiva de Portugal se daria de maneira menos traumática se contasse com a simpatia de dom Pedro, por isso buscou envolvê-lo na causa.

Apenas com a intenção de ilustrar ainda mais o texto e trazer mais informações aos nossos leitores sobre como a maçonaria era perseguida no passado, vejam este texto do jornal natalense
Apenas com a intenção de ilustrar ainda mais o texto e trazer mais informações aos nossos leitores sobre como a maçonaria era perseguida no passado, vejam este texto do jornal natalense “A República”, de 20 de junho de 1940.

Foram os maçons, capitaneados por Joaquim Gonçalves Ledo e José Clemente Pereira, presidente do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, que se movimentaram para dissuadir dom Pedro de cumprir as ordens das Cortes Portuguesas, que solicitaram o retorno dele à Europa em 1821. Inclinado a respeitar as diretrizes das Cortes, o príncipe regente foi convencido pelo movimento de Ledo e Pereira, que conseguiram a adesão de representantes de Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Bahia ao pedido para que não deixasse o Brasil, levando ao Dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822. Em 13 de maio, a Maçonaria concedeu a dom Pedro o título de “Protetor e Defensor Perpétuo do Reino Unido do Brasil”, o qual o príncipe declinou parcialmente, aceitando apenas o de “Defensor Perpétuo”.

O Apostolado da Ordem dos Cavaleiros de Santa Cruz foi fundado por José Bonifácio em 1822, com o objetivo de defender a integridade do Brasil e lutar por sua independência. Porém o propósito primordial era combater o grupo de Gonçalves Ledo, que, se a princípio havia aceitado a monarquia constitucional como caminho rápido para a separação, acalentava o sonho republicano.

Tanto a Maçonaria como o Apostolado acabaram sendo, cada um a seu tempo, fechados por ordem de dom Pedro. Mas a influência das duas sociedades secretas no processo político da Independência é inegável. Das reuniões do Apostolado entre janeiro e março de 1823, como mostram as atas reunidas no Acervo Histórico do Museu Imperial, em Petrópolis, há debates de artigos que seriam apresentados ao projeto da Constituição do Império em setembro pelo deputado Antônio Carlos, irmão de Bonifácio.

O escritor Luiz Gonzaga da Rocha, presidente do Tribunal Distrital de Justiça do Grande Oriente do Distrito Federal e autor de A Bucha e Outras Reminiscências Maçônicas, afirma que as sociedades secretas perderam poder. “A Maçonaria exerce pouca ou quase nenhuma influência na sociedade brasileira”, diz. Segundo Rocha, isso ocorre devido ao baixo índice de inserção social e ao fato de a sociedade estar afastada do cenário político-econômico-social e das discussões das questões de interesse nacional.

A ação da Bucha

“É a polícia, ninguém se mexa!”, disse, triunfante, o subdelegado Armando Pamplona para um bando encapuzado. Eram os anos finais da Primeira Guerra, e Pamplona buscava espiões alemães. Certa noite, passando a altas horas pelo antigo prédio do Liceu de Artes e Ofícios em São Paulo, notou uma estranha movimentação. Diversos senhores com ar misterioso tomavam carros de luxo estacionados nas redondezas do edifício. Decidido, o subdelegado resolveu montar uma campana para descobrir do que se tratava.

A persistência deu resultado. Certa noite, por volta das 9 horas, vultos suspeitos se esgueiravam para dentro do edifício. Já passava das 10 horas quando o movimento terminou. O subdelegado chamou seus homens e invadiu o local. Pamplona deve ter achado esquisito aqueles homens trajando mantos e faixas bordadas. Uns traziam no peito uma âncora verde, símbolo da esperança, outros um coração vermelho, lembrando a caridade, alguns, a cruz azul da fé.

O subdelegado estava radiante com a perspectiva de ter “explodido” um ninho de perigosos espiões. Mas qual não foi sua surpresa quando os membros da assembleia, perplexos diante daquela invasão, começaram a tirar os capuzes. Armando reparou que os rostos eram familiares: ele conhecia pessoalmente alguns daqueles senhores, outros de vista, outros por fotos em jornais. Estavam no salão o governador do estado, Altino Arantes, diversos políticos paulistas, mineiros, cariocas e gaúchos, além de inúmeros professores das Faculdades de Direito, de Medicina e Politécnica, assim como o secretário de Segurança Pública, Elói Chaves, chefe de Pamplona. Invertendo a ação, Chaves deu ordem de prisão ao subdelegado e a seus homens.

Naquela mesma noite os policiais invasores foram juramentados e ameaçados severamente pelas altas personalidades ali reunidas. Assim terminou a grande noite do subdelegado Pamplona; em vez de uma batida e a prisão de espiões, a fama e a glória estampadas nos jornais matutinos, ele acabou se tornando, à força, membro juramentado da Bucha, a sociedade secreta que, para muitos, por quase cem anos ajudou a governar os destinos do Brasil.

Em 11 de agosto de 1827, o imperador dom Pedro I assinou a lei que criava os cursos jurídicos no Brasil. Ela previa a instalação de duas faculdades, uma em Recife e outra em São Paulo. A paulista foi a primeira a entrar em funcionamento. Instalada em parte do antigo Convento de São Francisco, as arcadas do velho claustro se tornaram sinônimo da recém-instalada academia. A lei de 11 de agosto também institucionalizou os Cursos Anexos, espécie de preparatório que capacitava os jovens a prestarem os exames de admissão à faculdade.

31st May 1913:  Certificate of the High order of the Freemasons of 33rd rite in Scotland written in German. In English the document goes in to state, 'In the name and under the auspices of the temporarily United Sovereign Sanctuaries of the Ancient & Primitive Rite of Masonry in & for Great Britain and Ireland and in & for the German Empire.  (Photo by Hulton Archive/Getty Images)
31 de maio de 1913: Certificado da Alta Ordem dos Maçons Livres, do Grau 33, do Rito Escocês. (Photo by Hulton Archive/Getty Images)

Júlio Frank

Nos Cursos Anexos, houve, entre tantos outros, dois importantes mestres estrangeiros de índole liberal: o professor de aritmética, o italiano Líbero Badaró, assassinado por suas ideias em 1830, e o alemão Johann Julius Gottfried Ludwig Frank, ou Júlio Frank, como era conhecido no Brasil. Frank, nascido em 1808, havia estudado na Universidade de Göttingen, mas não chegou a se formar. Teve que sair da cidade por causa de dívidas contraídas e veio parar no Brasil. Tentou se estabelecer no Rio de Janeiro, depois no interior de São Paulo, e por fim na capital.

Frank morreu de pneumonia em 1841 e, como não era católico, seu corpo teria de ser sepultado no Cemitério dos Aflitos, local que recolhia indigentes, criminosos mortos na forca e escravos. Um ultraje para o venerado mestre. Os estudantes, em revolta, resolveram enterrar seu professor na própria escola. Seu túmulo, em um dos pátios, é venerado pela tradição acadêmica da faculdade até hoje.

Inspirado nas Burschenschaften, ou Confrarias de Camaradas, instituições acadêmicas alemãs, Frank teria tido, durante uma reunião com o estudante Vicente Pires da Mota e o secretário de Governo da província de São Paulo, Pimenta Bueno, a ideia de criar uma associação similar na Academia de Direito. Segundo o escritor Luiz Gonzaga da Rocha, “a Bucha tinha por objetivo a filantropia e, ainda, ressaltar a função social do advogado no seio da sociedade paulistana e brasileira, por extensão”.

Controle

Os integrantes da Bucha, Bucha Paulista, ou B. P., como passaria a ser chamada aBurschenschaft da Academia de Direito de São Paulo, eram escolhidos pela sua inteligência e lisura de caráter. Na faculdade, a ordem era composta de Catecúmenos, Crentes e Doze Apóstolos; fora, por Chefes Supremos e Conselho dos Divinos. A estrutura da sociedade, com o passar dos anos, transcendeu os velhos muros da academia e passou a permear a política nacional, envolvendo a estrutura burocrática do Estado.

Os antigos alunos da São Francisco que pertenciam à Bucha e ocupavam posições nas diversas esferas do poder nacional acabaram favorecendo outros membros da organização na distribuição de cargos governamentais. O historiador Luis Fernando Messeder dos Santos, autor da dissertação de mestrado A Burschenschaft e a Formação da Classe Dirigente Brasileira na República Velha, afirma a respeito: “Percebe-se o fortalecimento da atuação da organização na década de 1870, quando alguns dos que iriam ocupar a ‘suprema magistratura’ do país durante a Primeira República estudaram na mesma turma”.

Durante o Império, entre os “bucheiros”, havia políticos, artistas e intelectuais destacados, como Castro Alves, Álvares de Azevedo, o Barão do Rio Branco, o Visconde de Ouro Preto, entre outros. Após a queda do Império, em 1889, foi instituída uma comissão, apelidada de Comissão dos Cinco, encarregada do anteprojeto da Constituição Republicana. Dos cinco membros da comissão, três eram conhecidos bucheiros: Saldanha Marinho, Américo Brasiliense e Santos Werneck.

Embora os ideais liberais levados para as Arcadas por Líbero Badaró e Júlio Frank tenham servido de norte para a criação da Bucha, inspirando seus membros a lutarem pelo abolicionismo e pela República, à medida que os ardores juvenis arrefeciam e seus integrantes passavam a pertencer ao establishment, alguns transformaram-se em conservadores, defendendo a monarquia e a escravidão.

Na República Velha, acredita-se, não havia ministro, juiz ou mesmo candidato à presidência da República que tomasse posse, ou fosse indicado, sem prévia deliberação do Conselho dos Divinos. A filantropia inicial, a ideia de ajuda mútua, acabou se corrompendo e desaguou no franco favorecimento para obtenção de cargos públicos. Segundo o professor Miguel Reale, em suas memórias: “Como toda sociedade secreta, [a Bucha] logo se degenerou em cadeia de privilégios, que começava na faculdade pela seleção dos catedráticos e terminava nos acordos ‘café com leite’ entre ex-alunos de São Paulo e Minas Gerais, sob a batuta do Senador [do Rio Grande do Sul] Pinheiro Machado, também diplomado pelas Arcadas, e que, sutilmente, preferia ser a eminência parda dos eventos republicanos”.

Conchavos

Nos primeiros 40 anos da República, do governo dos militares Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto à política do café com leite, bacharéis formados por uma das duas academias de Direito e membros da Bucha destacaram-se como ministros ou chefes do Executivo. Dos 14 presidentes eleitos da República Velha, oito eram da sociedade: Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves, Afonso Pena, Venceslau Brás, Artur Bernardes, Washington Luís e Júlio Prestes, que não chegou a ser empossado por causa da Revolução de 1930.

Quando a Bucha foi fundada, no início da década de 1830, também surgiu outra instituição, a Sociedade Filantrópica, que prestava ajuda a presos e órfãos. Desde então, a sociedade secreta da Faculdade de Direito sempre esteve ligada a um “braço” público. Na década de 1910, um deles, a Liga Nacionalista, aglutinou em sua direção membros da Faculdade de Medicina e da Escola Politécnica. Estas possuíam também suas próprias organizações estudantis: a Jungenschaft (União da Mocidade), na Medicina, fundada em 1913, e a Landmannschaft (sociedade das pessoas de um mesmo campo), na Politécnica, de 1895. O intercâmbio de alunos de Direito entre São Paulo e Recife acabou por ocasionar a criação de um braço da Bucha em Pernambuco, a sociedade Tugendbund (União e Virtude).

Com a Revolução de 1930, que pôs fim à República Velha, chegou ao poder Getúlio Vargas. Data daí o declínio da Bucha. Adhemar de Barros, interventor do estado de São Paulo, teria colocado as mãos em uma lista parcial de membros da Bucha no final dos anos 30 e se apressou a apresentála a Getúlio. Segundo o político Carlos Lacerda, o presidente leu atentamente a lista e a devolveu para Adhemar, dizendo: “Não se pode governar o Brasil sem essa gente, o senhor que entre para aBurschenschaft”.

“Forças ocultas”

Em 1931, quase cem anos após a criação da Bucha, foi fundada a Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo pelo diplomata José Carlos de Macedo Soares. Segundo Afonso Arinos de Melo e Franco, Macedo Soares teria sido o último chefe daquela sociedade secreta, e a associação seria a sucessora final da Bucha.

Mas, e nos dias de hoje, a Bucha ainda existe? Segundo o historiador Pedro Brasil Bandecchi, em 1961, “Jânio Quadros teria se referido à Bucha quando falou de forças ocultas para justificar sua renúncia”. O atual presidente da Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da USP, José Carlos Madia de Souza, afirma que, em 13 anos como presidente da entidade, jamais teve conhecimento da continuidade da existência ou da atuação da Bucha.

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Já o jornalista e escritor Fernando Jorge, ex-aluno da São Francisco e antigo vice-presidente da Academia de Letras da faculdade, na década de 1950, é de opinião contrária: “Na minha época achava curioso o costume de alunos mais velhos se encontrarem ao redor do túmulo do Júlio Frank. Alguns diziam que era ritual da Bucha. Anos mais tarde, na década de 80, Bandecchi, numa conversa comigo e com o historiador Leonardo Arroyo, afirmou categoricamente que a Bucha ainda existia”.

Em 2006, a comunidade da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo foi surpreendida com cartazes nos corredores de suas unidades. Nele, uma certa sociedade E.S.P.A.R.T.A. anunciava a comemoração de seus 50 anos de existência.

A E.S.P.A.R.T.A., segundo rumores, seria um ramo da Burschenschaft e teria surgido em 1956. Diferentemente dos famosos guerreiros que morreram na Batalha das Termópilas defendendo sua terra da invasão persa, essa sociedade secreta era composta de menos que 300 membros. Por ano, supostamente seriam recrutados 20 alunos. Metade deles, indicados por membros antigos e que ficariam “em observação” por um ano. Cinco vagas seriam reservadas para pessoas que solicitassem sua entrada na sociedade. As demais era reservadas para filhos de antigos membros.

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Nascida na Guerra Fria, o período histórico de 1945 a 1991 marcado por disputas estratégicas e conflitos indiretos entre Estados Unidos e a extinta União Soviética, a E.S.P.A.R.T.A. – sempre supostamente – contaria com um projeto de poder denominado Jano, nome do deus romano representado por duas ou mais faces, cada qual olhando para uma direção. Preparando-se para dois cenários mundiais distintos, um com o socialismo como vencedor e outro com o capitalismo, a sociedade teria formado duas elites para que seus interesses sobrevivessem em qualquer cenário.

Entre seus membros, estariam proeminentes figuras acadêmicas, como Perseu Abramo, Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso, os dois primeiros fundadores do PT, e o último, do PSDB. Juntos, esses partidos têm se mantido há 20 anos no poder. Seus políticos, em alguns momentos, uniram-se a uma causa comum, como quando o então líder sindical Lula apoiou a campanha política de FHC para o Senado, em 1978, chegando, até, a representá-lo em alguns comícios.

SAIBA MAIS

Livros

A Bucha e Outras Reminiscências Maçônicas. Londrina, Luiz Gonzaga da Rocha, A Trolha, 1999

A Sombra de Júlio Frank. Afonso Schmidt, Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da USP, 2008