A VERDADEIRA HISTÓRIA DE UM NAVIO FANTASMA E O MISTERIOSO DESAPARECIMENTO DO OURO DO CAPITÃO

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Fontes – http://www.smallersky.com/about.htm / e https://www.facebook.com/Welshmarieceleste

Na noite de quarta-feira, 27 de agosto de 1884, por volta das 18:00 horas, um barco à vela registrado com o nome de Resolven deixou o porto da cidade de Harbor Grace, na fria província da Terra Nova, costa leste do Canadá. Tinha como destino Snug Harbor, uma pequena comunidade mais ao sul do local de sua partida, onde seguiu transportando “carga geral” e retornaria com uma carga de bacalhau salgado.

Esse barco era um brigue mercante de 143 toneladas, cujo porto de origem era em Aberystwyth, na Baía de Cardigan, País de Gales, Grã-Bretanha. Foi lançado ao mar em 1872 e tinha como comandante o Capitão John James, natural de Cardiganshire, também em Gales. Consta que ele e sua tripulação de sete homens partiram meses antes de Aberystwyth em direção ao Mar Mediterrâneo, onde voltaram em junho de 1884 com uma carga de sal para o Canadá, destinada à empresa John Munn and Company. Também era normal que o Capitão James e seus tripulantes, a maioria galeses, navegassem transportando madeira e bacalhau entre a Grã-Bretanha e vários portos canadenses.

Capitão John James.

Sua tripulação era formada pelo Capitão John James, Imediato James Matthews, Thomas Richards, George Nathan, John Jones, Evan Thomas, All Welshmen e Richard Downs. Além deles, a bordo do Resolven seguiam nessa viagem quatro passageiros oriundos da região nordeste do Canadá, sendo eles os irmãos Richard e George Colford, Douglas Taylor e Edward J. Keefe.

Tudo indica que a navegação começou tranquila e nada indicava maiores problemas. O Resolven foi visto pela última vez por volta da meia-noite, na altura do farol da Ilha Baccalieu.

Dias depois esse barco foi encontrado, à deriva, a cerca de 80 quilômetros do litoral da Terra Nova, e seus oito tripulantes e quatro passageiros nunca mais foram vistos.

O Navio Fantasma

Na manhã do dia 30 de agosto de 1884, os marinheiros da canhoneira HMS Mallard, da Marinha Real Britânica, sob o comando do Tenente William Leckie Hamilton Browne, estavam na costa da Terra Nova cumprindo fiscalizações relativas a tratados de pesca, quando viram um barco com as velas armadas, mas seguindo aparentemente sem rumo, como se ninguém estivesse no comando. Os militares foram então se aproximando e lançando sinais, mas nada de resposta. O Tenente Hamilton Browne ordenou que um grupo de abordagem entrasse no estranho barco. Os homens da Marinha Real descobriram que ele se chamava Resolven, o revistaram de popa a proa e comprovaram que ele estava sem tripulantes, mas estanque e com plena flutuabilidade.

Um navio idêntico ao HMS Mallard.

Os militares viram que as luzes de bombordo e estibordo estavam acesas, a mesa da cabine continha comida pronta, todas as suas velas estavam preparadas para pegar vento e navegar. Outra coisa que eles viram foi que certamente a tripulação desaparecida se encontrava a bordo cerca de seis horas antes da chegada do navio de guerra, o que seria cinco da manhã, pois o fogo ainda estava aceso na cozinha.

Foram encontrados o cronômetro de bordo, um relógio de ouro pertencente ao capitão e um pacote com 100 libras esterlinas em notas de 1. Não foram encontrados sinais de luta, o barco salva-vidas não estava no seu lugar, mas não havia indícios de abandono do barco de maneira atabalhoada.

Mas o que aconteceu com a tripulação do Resolven, pois no barco só faltavam eles?

Notícia do encontro do barco abnandonado pelo HMS Mallard.

Os militares pensaram que a tripulação tivesse sido resgatada por outro barco, mas o tempo foi passando e nada. O tenente Hamilton Brown então colocou uma tripulação mínima no barco abandonado e partiu para realizar uma busca na região. Colocou todo o seu pessoal em alerta, mas nenhum vestígio foi encontrado. Sem outra alternativa, o HMS Mallard passou a rebocar aquele estranho barco para a Ilha Catalina.

Por que as pessoas a bordo deixaram o navio, todas elas de uma vez? Muitas suposições foram feitas, mas nenhuma resposta foi comprovada.

Logo souberam que o Capitão John James carregava a bordo do Resolven uma fortuna pessoal em moedas de ouro, mas os militares afirmaram que elas não estavam no brigue quando ele foi encontrado.

Teorias

Aqui estão algumas teorias sugeridas na época sobre o caso e por que os homens desapareceram:

1. Iceberg.

É fato que pouco antes do navio abandonado ser descoberto, a tripulação do HMS Mallard viu um grande iceberg, comum na região.

A VERDADEIRA HISTÓRIA DE UM NAVIO FANTASMA E O MISTERIOSO DESAPARECIMENTO DO OURO DO CAPITÃO
Grande iceberg próximo a uma comunidade na região da Terra Nova, Canadá.

Especulou-se que talvez o Capitão James, a tripulação e os passageiros do Resolven abandonaram o barco porque ele realmente teria colidido com esse iceberg entre o final da noite e início da manhã, já que havia alguns estragos nas velas, no tombadilho e nos mastros do navio. Os homens do Resolven acreditaram que seu barco afundaria, que ele se encontrava mais danificado do que realmente estava e todos corriam risco de vida. Daí foram para o mar no bote salva-vidas.

Então, por alguma outra razão desconhecida e complicada de se entender, todos desapareceram.

Eles podem ter se afogado, ou morreram congelados na água, quando seu pequeno bote salva-vidas foi inundado em mar aberto, por ter virado em meio ao medo da situação, que gerou um desespero e pânico. Ou talvez algum bloco de gelo caiu do iceberg sobre eles, destruindo o bote e levando todos para o fundo do mar. Ou talvez eles não conseguiram retornar ao seu veleiro, que sobreviveu ao impacto e todos morreram à deriva no mar. Não é incomum naquelas latitudes que surjam de maneira repentina fortes nevoeiros pela manhã e deve-se levar em conta que os tripulantes, mesmo sendo trabalhadores do mar experientes, eram estrangeiros naquelas paragens.

Pelo que foi encontrado no local, a teoria de problemas causados por um iceberg foi a mais aceita na época.

O que pegou foi que os danos encontrados no barco não eram significativos e nem algo catastrófico. Tanto que este brigue foi rebocado sem incidentes pelo HMS Mallard para a Ilha Catalina, cerca de 25 milhas náuticas de onde foi encontrado. Além disso, sem muitos problemas ou demora, esse barco foi reformado e colocado novamente em serviço, o que mostrou que ele não poderia estar tão avariado, ou se encontrava em perigo imediato de afundar.

Na época ficou difícil de acreditar que o capitão ordenou aos seus homens que abandonassem o navio sem ter absoluta certeza que havia alguma outra opção. Além disso, o Capitão James era tido como um navegador experiente, que tinha viajado por todo o mundo em barcos a vela e era aceito como um profissional muito qualificado. Seu Imediato James Matthews era outro marinheiro profundamente experiente.

Mapa da região onde se deram os fatos aqui narrados.

2. Houve alguma violência que resultou em latrocínio?

Realmente, como comentamos anteriormente, o barco de salvamento do Resolven não estava a bordo e, apesar de ficarem alguns objetos de valor e dinheiro, o ouro do capitão nunca mais foi encontrado.

Mas igualmente não foram encontradas marcas de lutas, sangue, de uso de armas de fogo ou brancas e outros indícios de violência. Além disso, nenhum cadáver foi achado no barco, ficou flutuando, ou veio a dar em alguma praia.

Só se os pretensos assassinos amarraram pesos nos corpos das vítimas para irem para o fundo e de lá não saírem jamais. Depois os bandidos seguiram no pequeno barco para o litoral, dividiram o tesouro do capitão e desapareceram.

Realmente, se assim tivesse acontecido, esses bandidos foram extremamente corajosos e capacitados para acabar com parte das pessoas a bordo, ardilosos para não deixarem rastros e mascarar um pretenso impacto contra um iceberg, além de muito sortudos para alcançar o litoral sem ninguém perceber e sumir até hoje.

Não podemos esquecer que ao longo da história da navegação, quando ocorreram casos envolvendo amotinados, roubos e assassinatos em embarcações no alto mar, na maioria destes episódios os perpetradores acabavam deixando rastros e sendo capturados. E não esqueçamos que nessa época a maioria das sentenças para esses delinquentes era a morte pela forca. (Sobre motins, veja o texto do blog TOK DE HISTÓRIA sobre o caso do navio inglês HMS Bounty https://tokdehistoria.com.br/2022/04/14/o-motim-do-navio-bounty%EF%BF%BC/ ).

Quadro de 1854 de Joseph Heard, do Rimac, um brigue construído em Whitehaven, Inglaterra, em 1834 para o comércio entre o Peru e a cidade inglesa de Liverpool.

3. O Resolven poderia ter sido abordado por piratas?

É possível, mas nenhuma evidência comprova isso.

Tal como agora, quando existem piratas na Somália, em 1884 existiam piratas, mas principalmente no Extremo Oriente e setores do Oceano Índico. O Atlântico Norte era então muito mais patrulhado, o que dificultaria a existência desses vilões dos mares naquela região. Além do mais, nenhuma informação de época corrobora essa tese e nenhum documento que comprovasse esse fato jamais foi encontrado.

Com poucas respostas para o mistério, o certo é que logo depois o Resolven foi vendido em um leilão e adquirido pela empresa John Munn and Company, a mesma que os contratou para trazer sal do Mediterrâneo. O barco voltou a navegar, mas três ou quatro anos depois naufragou com uma carga de madeira em uma viagem para a Terra Nova.

Outra notícia de época sobre o caso do Resolven.

Com o passar dos anos, o mistério do navio fantasma Resolven desapareceu da memória. Mas então, em 2013, um descendente do Capitão James recebeu um e-mail de uma canadense radicada na cidade de Deer Harbor, Terra Nova, e o caso voltou à tona na região.

Nova, Intrigante e Complicada Pista

Will Wain é um escritor galês, bisneto do Capitão John James e investigou bastante essa história. Ele tinha ouvido falar sobre esses episódios através de um tio-avô, mas não tinha certeza se tudo que lhe foi contado era verdade, ou não. Ele recebeu um exemplar do Novo Testamento original do Capitão James, que foi deixado a bordo do Resolven, fez alguns contatos interessantes no Canadá e aprendeu algumas coisas intrigantes que podem, ou não, ser fatos.

Nos Arquivos Nacionais da Inglaterra ele teve acesso ao diário de bordo do HMS Mallard, o navio que encontrou o Resolven à deriva em 1884. Aqui estava a prova de que o barco do seu bisavô havia sido realmente descoberto da maneira que ele ouvira. Wain postou sobre isso em seu site e mais tarde iniciou uma página no Facebook sobre o mistério do Resolven.

Então ele foi pretensamente contactado por uma mulher que morava em Deer Harbor e tinha visto suas postagens. Ela disse então que tinha sua própria história para contar. Aparentemente essa pessoa pediu anonimato, pois Will Wain não informou seu nome e, diante do seu relato, deveria ser uma pessoa já com certa idade.

Afirmou que anos antes seu próprio avô lhe relatou sobre a descoberta do corpo de um homem perto da costa da Ilha Random, uma pequena ilha ao largo. Na ocasião, ele informou que estava acompanhado do irmão e que o cadáver vestia uniforme de capitão. Além de estar sentado debaixo de uma árvore, de frente para o mar.

O corpo não tinha identificação, embora tivesse um relógio de bolso característico. A mulher alegou que seus antepassados encontraram aqueles restos humanos no mesmo mês e ano em que o Resolven foi abandonado. Ela também disse que os dois irmãos enterraram o corpo em uma cova anônima, em uma pequena vila de pescadores. A descoberta nunca foi relatada às autoridades canadenses e a mulher admitiu que embora a história tivesse sido transmitida à sua família, ela nunca foi capaz de verificar se era verdadeira.

Wain viajou para a Terra Nova e conheceu essa dita mulher e seu irmão. Eles mostraram-lhe a área onde o corpo teria sido encontrado, mas não sabiam a real localização da sepultura. Disseram-lhe também que um dos homens que encontrou o corpo parecia ter ganhado algum dinheiro naquela época e, quando morreu, sua esposa começou a gastar muito mais do que lhe parecia lógico. Seria o ouro do capitão?

Sabe-se de maneira correta que o Capitão James carregava uma grande quantia de ouro durante a viagem e que esse nunca foi encontrado. Inclusive sua viúva escreveu inúmeras cartas à Marinha, implorando por qualquer informação sobre seu desaparecimento, pedindo que o cadáver do seu marido fosse localizado, bem como o ouro fosse enviado para ela. Isso nunca aconteceu e ela morreu na pobreza.

Outro boato descoberto na região comentava sobre a história de um homem que viveu por muito tempo em uma comunidade costeira isolada e que poderia ter sido um sobrevivente do incidente Resolven. Mas isso não foi confirmado.

Sinceramente, sem maiores dados que esclareçam essa situação, fica difícil acreditar na história desse contato que o escritor galês Will Wain teve com essa mulher e seu irmão. Ou Wain foi enganado, ou criou tudo isso para amplificar a história do real desaparecimento do seu bisavô e de todas as pessoas a bordo do Resolven.

Quadro com a imagem da abordagem dos tripulantes do cargueiro britânico Dei Gratia ao Mary Cleste em 1872, que foi encontrado abandonado no Oceano Atlântico – Fonte – https://bid.chorleys.com/m/lot-details/index/catalog/56/lot/42246

O Resolven e o Mary Celeste

O Resolven é por vezes referido como “O Mary Celeste galês”, devido às suas semelhanças com o famoso caso do navio americano Mary Celeste, que foi descoberto à deriva e abandonado perto das ilhas portuguesas dos Açores, no Oceano Atlântico, em 1872.

A tripulação do navio britânico de cargas Dei Gratia encontrou o Mary Celeste  abandonado, mas em condições de navegar e bem abastecido. A última entrada no diário de bordo foi feita dez dias antes e, como no caso do Resolven, o barco salva-vidas do Mary Celeste estava desaparecido, mas os pertences do capitão e da tripulação estavam intactos. Nenhum dos que estavam a bordo foi visto ou ouvido novamente. A história do Resolven parece um eco do Mary Celeste (Sobre o Caso do Mary Celeste, veja – https://tokdehistoria.com.br/2020/03/21/1872-o-misterio-do-navio-fantasma-mary-celeste/ )

Assim como o Mary Celeste, a história do Resolven deixa mais perguntas do que respostas. O incidente gerou uma fúria de especulações sobre seu destino e o mistério perdura até hoje.

Com o passar do tempo, as histórias mudam. Os detalhes são esquecidos ou embelezados e a incerteza se insinua à medida que tudo desaparece no éter do tempo.

Então, o que você acha que aconteceu com os homens do Resolven?

1872 – O MISTÉRIO DO NAVIO FANTASMA MARY CELESTE

Quadro que representa o Mary Celeste quando ainda se chamava Amazon.

Autor – Tony Pettinato[1]

Fonte – https://blog.genealogybank.com/the-mystery-of-the-ghost-ship-mary-celeste.html

Houve muitas histórias estranhas sobre navios, marinheiros e o mar, mas talvez nenhuma tão intrigante quanto à história da vida real do misterioso navio fantasma Mary Celeste. Esse caso estranho confundiu o mundo quando ocorreu em 1872, e não estamos mais perto de entendê-lo hoje. O Mary Celeste permanece um mistério, com segredos que o oceano nunca revelou.

Isso é o que se conhece. Em 5 de novembro de 1872, o navio mercante Mary Celeste estava em Staten Island, Nova York, onde embarcou na empresa Meissner Ackermann & Co. uma carga de 1.701 barris de álcool. O álcool deveria ser transportado para Gênova, na Itália, para o fortalecimento dos vinhos italianos. O navio estava em condições de navegar com um capitão experiente e uma tripulação capaz.

O capitão Benjamin Spooner Briggs – Fonte – https://en.wikipedia.org/

Um mês depois do Mary Celeste partir dos Estados Unidos, ele foi descoberto ao largo da costa do sul de Portugal. Estava com as velas armadas e em bom estado, mas completamente deserto. Todas as dez pessoas a bordo haviam desaparecido, sem nenhum sinal de violência, ou de luta, e elas nunca mais foram vistas. O que aconteceu com todos a bordo e como o navio conseguiu navegar tranquilamente por quase dez dias sem tripulação não tem respostas até hoje.

O capitão da Mary Celeste era Benjamin Spooner Briggs, de 37 anos de idade, oriundo de uma família de marítimos, que já havia comandado com sucesso outros navios e fez muitas viagens bem-sucedidas. Ele era conhecido como um homem justo e agradável, sempre apreciado por suas tripulações e também profundamente religioso.

A esposa do capitão, a Senhora Sarah Elizabeth Cobb Briggs e seu filho Arthur.

Nessa viagem fatídica, o capitão estava acompanhado por sua esposa Sarah Elizabeth Cobb Briggs, que já havia realizado várias outras viagens com ele, além de sua filha Sophia, de dois anos. Por causa da escola, o casal havia deixado em Marion, Massachusetts, com a mãe do capitão, seu Arthur filho de sete anos. As outras sete pessoas a bordo eram os tripulantes: dois americanos, um dinamarquês e quatro alemães, todos com reputação sólida.

O tempo durante a travessia do Oceano Atlântico estava bom, a tripulação harmoniosa e competente, o capitão experiente e um bom homem para comandar uma carga de álcool. Nada deveria ter dado errado nesta viagem. E, no entanto, algo terrível aconteceu.

Mary Celeste como foi encontrado abandonado – Fonte – https://en.wikipedia.org/

Em 4 de dezembro de 1872, o Mary Celeste foi descoberto pelo navio Dei Gratia, que passava em direção ao estreito de Gibraltar. O navio abandonado foi visto navegando em boas condições, ainda que suas velas estivessem um pouco desarrumadas. Depois de observar o Mary Celeste por cerca de duas horas sem ver sinais de ninguém a bordo, os homens do Dei Gratia arriaram uma baleeira e foram ao encontro do estranho navio e o encontraram deserto. Tudo o que descobriram a bordo apenas aprofundou o mistério.

Não havia sinais de luta violenta, a carga estava intacta e restavam objetos pessoais e de valor nas cabines. O relógio do capitão foi encontrado pendurado na cama. O Mary Celeste ainda tinha seis meses de suprimento de água e comida, mas o barco salva-vidas havia desaparecido e todos os documentos do navio estavam faltando – exceto o diário do capitão, que não registrava nada de anormal. Uma corda foi presa ao final do navio, cuja extremidade desgastada foi encontrada na água.

Ilustração de William Small da primeira publicação da história do Mary Celeste na The Cornhill Magazine , em janeiro de 1884.

O capitão do Dei Gratia, David Reed Morehouse, ordenou que alguns de seus homens navegassem o Mary Celeste para Gibraltar, para informar as autoridades e ser reivindicado algum valor pelo salvamento da nave. Por causa das circunstâncias suspeitas, um inquérito foi aberto pelo Tribunal do Vice Almirantado e durou três meses. No final, a tripulação do Dei Gratia foi inocentada de qualquer irregularidade e recebeu o devido prêmio pelo resgate. Quanto ao que aconteceu com Mary Celeste e sua tripulação desaparecida, nenhuma resposta foi encontrada.

Os jornais estavam repletos de especulações, como pode ser visto nos quatro artigos a seguir. Havia na época três torias principais, mas nenhuma delas suporta um exame cuidadoso.

Porto de Gibraltar – Fonte – https://en.wikipedia.org/

Uma das teorias apontou que o Mary Celeste havia sido atacado por piratas! No entanto, o que originalmente se imaginou ser gotas de sangue no passadiço, era na verdade manchas de ferrugem, conforme foi demonstrado por testes científicos. O que é mais convincente em desmascarar a teoria dos piratas é o seguinte: não havia sinais de luta, a carga de álcool estava intocada e objetos de valor foram deixados nas cabines. Você pode imaginar piratas do norte da África capturando um navio cheio de barris de álcool, com muitos objetos de valor nas cabines, e não levando nada? O Mary Celeste teria sido o prêmio dos sonhos de qualquer pirata.

A segunda teoria foi que um motim ocorreu a bordo da Mary Celeste! Mas, novamente, a falta de qualquer sinal de luta parece excluir isso. Além disso, a reputação do capitão e da tripulação faz com que seja quase certo que não houve motim.

O caso do Mary Celeste logo se tornou notícia mundial, tendo uma boa repercussão no Brasil, conforme podemos ver nesse detalhe da primeira página do Jornal do Pará, de sábado, 10 de maio de 1873.

A última teoria apontou que o Mary Celeste foi vítima de uma fraude no seguro! Mas isso parece tão implausível quanto os outros dois rumores. É inconcebível que o capitão Briggs, um homem de excelente reputação, seguisse esse esquema – especialmente aquele que implicava abandonar o navio e forçar sua esposa e sua filha a enfrentar os perigos do mar em um barco salva-vidas. Briggs também escreveu uma carta para sua mãe pouco antes da partida de Mary Celeste, comentando de maneira otimista sobre a viagem e expressando seu forte desejo de vê-la e a seu garotinho quando o navio retornasse na primavera. Dificilmente o pano de fundo para um homem que planeja cometer uma fraude de seguro pela metade e perigosa.

Nos últimos tempos foi proposta uma teoria que, a princípio, parece plausível – mas não resiste ao escrutínio melhor do que as teorias de 1872-1873. Quando a carga foi finalmente entregue aos proprietários em Gênova, nove dos 1.701 barris foram encontrados vazios. Esses nove barris – e somente esses nove – eram feitos de carvalho vermelho, uma madeira mais porosa do que o carvalho branco usado em todos os outros barris. Especula-se que os nove barris vazaram, e a tripulação ficou alarmada ao sentir o cheiro dos vapores esmagadores e temer uma explosão iminente.

Depois que foi recuperado o Mary Celeste voltou a navegar pelos sete mares, tendo inclusive visitado portos brasileiros. No detalhe do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, edição de quinta-feira, 15 de abril de 1875, encontramos a informação que o Mary Celeste, comandado por um certo E. M. Imthile, havia deixado o porto da então capital do Império do Brasil no dia anterior.

De acordo com essa teoria, todo mundo pulou no barco salva-vidas, preso por uma corda forte à popa da Mary Celeste, para esperar um período de tempo para ver se ocorreria uma explosão. Então, por algum motivo, a corda se rompeu, o barco salva-vidas se afastou e o Mary Celeste conseguiu navegar sem a tripulação, que se perderam na imensidão do Atlântico.

Existem dois fatos importantes que contradizem essa teoria. Por um lado, quando os homens da Dei Gratia entraram no porão da Mary Celeste, menos de dez dias depois que ele foi abandonado, eles não sentiram o cheiro de nada. Se o porão cheirasse a vapores alcoólicos tão poderosos, que o experiente capitão Briggs e sua tripulação estivessem convencidos que uma explosão era iminente, certamente algum resquício de forte cheiro ainda prevaleceria.

Notícia sobre o Mary Celeste no jornal New York Times, em 26 de fevereiro de 1873 – Fonte – https://en.wikipedia.org/

Especialmente por causa do fato número dois: a escotilha principal da Mary Celeste ainda estava selada quando o navio fantasma foi descoberto. Se a tripulação temesse uma explosão devido ao acúmulo de vapores alcoólicos, eles abririam a escotilha para deixar o navio sair enquanto esperavam na segurança do barco salva-vidas. Mas eles não fizeram.

Não, a razão não pode resolver o quebra-cabeça da nave fantasma Mary Celeste, pois não há explicação. Continua sendo o que tem sido desde a sua surpreendente descoberta em 4 de dezembro de 1872: um mistério do mar.


[1] Jornalista formado pela Universidade de Berkeley, morando em Deerfield, Massachusetts, Estados Unidos, tendo atuado em seis jornais norte-americanos e em trabalhos no congresso daquele país.