70 ANOS DA ENTRADA DO BRASIL NA II GUERRA MUNDIAL – “FIZ A GUERRA DO COMEÇO AO FIM. ELA É UMA SELVAGERIA”

Depoimento: Boris Schnaiderman, escritor e tradutor

FONTE – http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,fiz-a-guerra-do-comeco-ao-fim-ela-e-uma-selvageria,921586,0.htm

Boris Schnaiderman na época da guerra.

Meu nome? Sou Boris Schnaiderman, com “sch”.

Nasci em 1917 em Úman, na Ucrânia, vim para o Brasil em 1924 e lutei no 2.º Grupo de Artilharia. Fui para a guerra porque queria ir. Era pacifista, mas achava absolutamente necessário lutar contra a Alemanha de Hitler. Fui convocado na véspera do embarque à Itália. Tudo foi em segredo. Tomamos o trem – luzes apagadas – e fomos ao porto. A viagem à Europa foi inesquecível. Enquanto viver, vou lembrar: foi terrível.

Na Itália, fui calculador de tiro. Eu era o controlador vertical, calculava o deslocamento do tubo-alma. O tubo do canhão se chama tubo-alma e eu calculava seu deslocamento vertical – havia outro sargento que media o horizontal. O primeiro tiro da artilharia brasileira fui eu que calculei. Atirei muito em cima de Monte Castelo. Inclusive vi de longe a nossa aviação em voo picado, descendo sobre as posições das metralhadoras alemãs. Depois, vi o chão estremecer com o bombardeio em Montese.

Dormíamos junto da central de tiros, caso fosse necessário atirar à noite. E tinha medo. Não há quem não tenha. Recebíamos bombardeio de artilharia. Caía a primeira granada e a gente sabia que o inimigo estava regulando o tiro. Ouvíamos o zunido e nos jogávamos no chão.

Mas é preciso frisar que havia uma diferença muito grande entre a nossa condição, na artilharia, e a do soldado de infantaria. Tanto é que eles nos chamavam de “saco B”. Eles passavam de caminhão e nos chamavam: “Ô, saco B!” Sabe por quê? Porque havia o saco A e o saco B. O A nós carregávamos nas costas em qualquer mudança de posição, com os objetos de uso imediato. O B era para objetos de reserva…

No dia da vitória, nós estávamos entrando na cidade de Stradella, na Lombardia, e eu desci do caminhão. Aí veio um italiano barbudo, bigodudo. Ele me agarrou, me deu um beijo na face e disse: “Eu estava te esperando. Faz 20 anos que eu te espero e só agora você chegou”.

O escritor e tradutor Boris Schnaiderman na atualidade

Fiz a guerra do começo ao fim. Ela é uma selvageria, mas naquela guerra todos tínhamos de nos unir. Se a Alemanha vencesse, o que seria de nós, não é? Uma coisa terrível.

Eu era de uma família de judeus completamente assimilados. Eu não tinha nenhuma formação de tradição judaica. Não falava iídiche, mas com a guerra ficou o sentimento de que pertencia a uma comunidade perseguida. Sentia-se o antissemitismo mesmo no Brasil. Eu lembro de tudo… e, às vezes, ainda tenho pesadelos com a guerra.” / MARCELO GODOY (TEXTO) e EVELSON DE FREITAS (FOTO)

A HISTÓRIA DA FEB CONTADA PELAS FOTOS DE JORGE NALVO

Jorge Nalvo durante o serviço militar no 5.º Regimento de Infantaria (Lorena). Na foto, ele visita com amigo à cidade de Aparecida do Norte
ACERVO FAMÍLIA NALVO

Cabo foi um dos raros soldados que tiveram a preocupação de legendar suas imagens de guerra

FONTE – http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,a-historia-da-feb-contada-pelas-fotos-de-jorge-nalvo,921256,0.htm

Jorge Nalvo nasceu em 17/04/1918, em Cajobi, no norte do Estado de São Paulo. Homem simples, ele foi convocado para servir no 5º Regimento de Infantaria, em Lorena. Em um País católico e praticante, Nalvo aproveitou uma de suas folgas para visitar o antigo santuário de Aparecida do Norte – a atual basílica só seria construída depois da guerra.

Nalvo (alto à esq.) e três colegas da 3ª Cia de Comando do 11º Regimento de Infantaria (11.º RI), pouco antes do embarque para Itália
ACERVO FAMÍLIA NALVO

Com a declaração de guerra, em 1942, o cabo foi convocado – era alfabetizado e tinha o serviço militar completo. Mas, em vez de ser engajado na tropa paulista, o 6º Regimento de Infantaria, acabou indo parar na tropa mineira, o 11º Regimento, de São João del-Rei.

Pracinhas a bordo do USS General Meigs, o navio que levou o 11.º RI para a Itália em 1944. Foi esse navio que levou Nalvo e seu regimento à Europa
ACERVO FAMÍLIA NALVO

Treinou pouco e foi para a Itália no 3º escalão da FEB, em setembro de 1944. Deixou no Brasil a noiva, Alzira Pontes Nalvo, grávida, em Coroados, oeste paulista, onde moravam.  Ele só conheceria o filho, Nilton, depois do fim da guerra.

Pracinhas do 11.º RI em uma trincheira. Da esq. para a direita, os soldados Moacyr, João Moraes e Gomes (no centro). Gomes carrega um fuzil-metralhadora de fabricação americana. Todos eram amigos de Nalvo
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Nalvo e seus amigos registraram esse momento. Também fizeram fotos do treinamento com canhões e metralhadoras. Ali estão raras imagens da destruição “causada por nossas armas” e os prisioneiros de guerra alemães e fascistas italianos feitos pelo 11º Regimento de Infantaria, a vida nas barracas de campanha e a comemoração no fim da guerra.

Três pracinhas do 11.º RI. O soldado Gomes está à esquerda. Todos foram amigos de Nalvo na FEB
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Para o historiador francês Marc Ferro (‘Les individus face aux crises du XXe Siècle’), a vida de um homem pode, como um microcosmo, mostrar o funcionamento de uma sociedade e suas crises, transformando-se em uma miniatura da história.Por meio dela, podemos ver os comportamentos individuais e coletivos que produziram as diferentes situações e crises de nosso tempo.

Dois pracinhas com um canhão anticarro calibre 57 mm usado pelo 11º RI. A foto fazia parte da coleção particular de Nalvo
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Por meio dessas fotos, podemos entender um pouco do País e dos soldados que tomaram parte naquela guerra. Nalvo foi um dos raros soldados que tiveram a preocupação de legendar suas imagens de guerra. Guardou tudo em um baú. E lá esse material ficou até o momento que familiares as encontraram. Foram eles quem as entregaram ao Estadopara ajudar a reportagem a entender a história desses soldados. O pracinha Nalvo morreu em 2001.

Soldado Jorge Nalvo, da 3ª Companhia de Comando do 3º Batalhão do 11º RI, na Itália
ACERVO FAMÍLIA NALVO
O soldado Gomes, do 11º RI, com uniforme de inverno na Itália segura uma submetralhadora de fabricação americana
ACERVO FAMÍLIA NALVO
Soldado Enock Valentim de Melo, da 3ª Companhia de Comando (3º Batalhão do 11º Regimento de Infantaria), ferido ao pisar em uma mina em Montese, na Itália
Área de Montese destruída, segundo Nalvo, ‘pelas nossas armas’
Prédio na região de Montese, destruído pela artilharia da FEB. A imagem faz parte do acervo mantido por Nalvo.
Prisioneiros alemães feitos pelo 11º RI durante a ofensiva da primavera em 1945. Nalvo e seus colegas continuaram a perseguição aos alemães em direção a Turim, depois de passarem por Parma
Italianos fascistas aprisionados durante a ofensiva da primavera pelo 11º Regimento de Infantaria
Comemoração pelo fim da guerra do cabo Jorge Nalvo e de seus amigos da 3ª Companhia de Comando do 11º Regimento de Infantaria da FEB
Jorge Nalvo, à dir., dentro de barraca com amigos do 11º RI durante a campanha da Itália
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Soldado Jorge Nalvo (à esq.) em Roma, durante licença, posa com colegas diante da Basílica de São Pedro
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Na volta da Itália, a recepção ao pracinha Jorge Nalvo em Coroados (oeste de SP)
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