QUANDO O EXÉRCITO BRASILEIRO FOI DERROTADO NO SERTÃO NORDESTINO

Em 1955 Um Oficial do Exército Brasileiro Escreveu em Uma Revista Ligada ao Meio Militar um Contundente Texto Sobre a Dura Realidade das Derrotas Sofridas Pelo Exército Brasileiro em Momentos da Guerra de Canudos. Esse Texto Foi em Parte Baseado Nas Experiências e Memórias do Pai do Autor, o General Leandro José da Costa, Ex-Combatente Daquele Cruel Conflito.

A EPOPEIA DE CANUDOS

Autor – Major Orosimbo Costa

Fonte – Revista do Clube Militar, Nº 135, Janeiro/Fevereiro de 1955, Págs. 33 a 39.

Segundo uma reportagem da revista O Cruzeiro, de 5 de dezembro de 1953, pretende o Serviço de Obras Contra as Secas transformar, dentro de pouco tempo, o antigo arraial de Canudos, em um açude.

“Um desaparecimento que não há de ser muito sentido”. “Canudos indo, vai fazendo pouca falta, ninguém há de chorar”. Assim se expressa o repórter.

Palpita-nos não ser este o sentir de muitos brasileiros, que considerarão tal ato, caso se execute e sejam quais forem as razões de ordem técnica invocadas pelos engenheiros encarregados dessa tarefa, como mais um atentado ao nosso já precário patrimônio histórico.

A Campanha de Canudos, como muitos outros episódios da nossa história, é desconhecida da maioria dos brasileiros. (1)

Razão teve o sr. Viriato Corrêa quando disse que “a não ser a tão falada viagem de Cabral, a restauração pernambucana, o martírio de Tiradentes, a transmigração da família real portuguesa, o 7 de setembro, a Guerra do Paraguai, o 13 de maio, a Proclamação da República, mais uma ou outra data culminante, e isso mesmo mal e muito mal, tudo mais se desconhece, quando não seja totalmente, de tal maneira que é o mesmo que desconhecer” (2).

Entretanto, essa memorável Campanha ainda não foi definitivamente escrita nem está instalada no lugar de realce que merece na História. Mais de meio século faz que teve fim tão cruenta luta, já sendo possível, portanto, imparcialmente, estabelecer a sua verdadeira significação. Ainda há (em 1955) remanescentes, integrantes das tropas do governo (3), cujos depoimentos poderiam ser aproveitados para a total reconstituição dessa guerra horrenda. das mais ferozes que se tem notícia, sendo impossível determinar de que lado havia mais intrepidez e energia: se o jagunço obstinado, fanático, indiferente à sua sorte, ou a soldadesca desvairada, infrene, com um só pensamento: matar, destruir aquele reduto sinistro!

Euclides da Cunha assim retratou o defensor do arraial (Canudos — Diário de uma expedição — pág. 95): “Tem a mais sólida, a mais robusta têmpera essa gente indomável! Os prisioneiros feitos revelam-na de uma maneira expressiva.

Ainda não consegui lobrigar a mais breve sombra do desânimo em seus rostos, onde se desenham privações de toda a sorte, a miséria mais funda; não tremem, não se acobardam e não negam as crenças mantidas pelo evangelizador fatal e sinistro (4) que os arrastou a uma desgraça incalculável.

Mulheres aprisionadas na ocasião em que os maridos caíam mortos na refrega e a prole espavorida desaparecia na fuga, aqui têm chegado — numa transição brusca do lar mais ou menos feliz para uma praça de guerra, perdendo tudo numa hora — e não lhes diviso no olhar o mais leve espanto e em algumas mesmo o rosto bronzeado de linhas firmes é iluminado por um olhar de altivez estranha e quase ameaçadora”. (5)

As dúvidas e enigmas dessa Campanha, precisam ser elucidados.

O fracasso da expedição Moreira César repercutiu em todo o Brasil como um desastre nacional. Divulgou-se insistente boato de que Antônio Conselheiro era um insurreto político monarquista. Espíritos exaltados depredaram a redação dos jornais restauradores e assassinaram o proprietário de um deles, o coronel Gentil de Castro.

Enquanto tais rumores eram propalados pela nação, no teatro de operações considerava o citado escritor (6): “Não é possível que a munição de guerra daquela gente seja só devida à deixada pelas expedições anteriores. A nossa esgota-se todos os dias; todos os dias entram comboios carregados e, no entanto, já nos falta às vezes.

Como explicar essa prodigalidade enorme dos jagunços?

Não nos iludamos. Há em toda esta luta uma feição misteriosa que deve ser desvendada”.

E mais adiante (pág. 101):

“O general Artur Oscar, restabelecido agora de ligeira enfermidade, acaba de mostrar-me alguns tipos de balas caídas nos tiroteios da noite. São de aço, semelhantes às das Manulicher, algumas, outras completamente desconhecidas. São inegavelmente projetis de armas modernas que não possuímos. Como as possuem os ” jagunços “?

Mas, o que mais espanta e impressiona, é o elevado grau de instrução militar que possuíam aqueles sertanejos. A disciplina era rígida, utilizavam com perícia as suas armas, eram mestres na camuflagem, sabiam aproveitar o terreno para observar e atirar seus movimentos eram coordenados, construíam abrigos que cercavam com obstáculos (7), e também empregaram minas!

O arraial surpreendeu ao observador esteta (8):

“Nada que recorde o mais breve, o mais simples plano na sucessão de humílimos e desajeitados casebres. Ausência quase completa de ruas, em grande parte substituídas por um dédalo desesperador de becos estreitíssimos, mal permitindo, muitos, a passagem de um homem. As vezes cinco ou seis casas alinham-se como que numa tentativa de arruamento, mas logo adiante em ângulo reto com direção daquelas, alinham-se outras, formando martelo e dando ao conjunto uma feição indefinível… “

Poucas ruas e estreitíssimas, simples passagens muitas vezes sem saída, casas sem alinhamento, quintais de umas confinando com frentes de outras, cumieiras para todas as direções, um verdadeiro labirinto. Dava a impressão de que os casebres haviam sido construídos ao acaso, segundo a fantasia de cada um.

Fatal engano! Nos primeiros assaltos à cidadela, os invasores foram exterminados. Desnorteados naquele estranho dédalo, eram inexoravelmente eliminados, sem que o defensor se expusesse.

E então compreendeu-se o porquê de tão fantástico traçado: obedecia a um meticuloso plano de defesa. Cada casa era um reduto. Cavada no interior desta e junto à parede, a moderníssima “toca de raposa”; rente ao chão, uma seteira facilitava ao ocupante da “toca ” tiros precisos. Os tetos eram uma maciça camada de cerca de 20 centímetros de argila e ramos de icó, à prova de estilhaços e talvez tiros de pequeno calibre de artilharia.

Nas elevações que circundavam o arraial, um traçado de trincheiras com excelentes posições para atiradores, enfiavam as vias de acesso.

Um sistema de postos avançados bem organizados, constante movimento de patrulhas e eficiente serviço de espionagem, completam o quadro de conhecimentos que possuíam os jagunços.

Simplesmente espantoso!

Mas, perguntamos nós, quem os instruiu?

Quem os ensinou a utilizar o armamento de repetição (Comblains e Manulichers) abandonado pela expedição Moreira César e que não lhes era familiar? (9) Quem os adestrou nos exercícios de maneabilidade, no aproveitamento do terreno, na ocupação de uma posição e seu abandono no momento preciso, na organização de um plano de fogos? Monarquistas, como se propalou? Militares egressos das Forças Armadas, como alguns alvitram? Estrangeiros? Ou os próprios chefes jagunços? (10)

Estes eram muitos, notáveis, e com funções bem definidas: João Abade, comandante em chefe; Pajeú, subcomandante; Chico Ema, chefe do serviço de espionagem; Macambira, especialista em emboscadas; Joaquim Tranca pés, mestre em golpes de mão; Chiquinho, João da Mota, Pedrão, Estevão, comandantes de setores de vigilância: e mais, Vilanova, Joaquim .Macambira, Manoel Quadrado, José Felix, José Venâncio, Lalau, Raimundo Boca-Torta, Norberto, Quimquim de Coiqui, Antônio Fogueteiro, José Gamo, Fabricio de Cocobocó (ou Cocorobó), António Beato (11).

Enquanto aqueles rudes sertanejos revelavam modelar organização, o que constitui mistério profundo, as forças regulares, em deplorável contraste, demonstravam evidente incapacidade para fazer a campanha.

Uma lástima: quadros sem preparação profissional, tropa completamente bisonha, ausência absoluta do que hoje chamamos apoio logístico.

A organização militar no Brasil era, na época, deficientíssima.

Canhão Whitworth 32 ou “Matadeira”, como se encontrava na região de Canudos na décxada de 1940.

Aliás, para sermos mais precisos, as Forças Armadas do país nunca mereceram, no passado, a devida atenção dos governos. As nossas guerras externas foram feitas com Exércitos improvisados. Assim foi em 1851 contra Oribe e Rosas, em 1864 contra o Uruguai e em 1865 contra o Paraguai.

Após esta última campanha, as Forças Armadas caíram em franca depressão e profunda apatia. Tudo foi feito liara se esquecer aqueles anos de sofrimento.

A época da proclamação da República, o efetivo do Exército era de pouco mais de 12.000 homens!

 Com o advento das ideias positivistas, o ensino militar tornou-se científico-filosófico. Foi a época dos oficiais “bacharéis em ciência”.

Floriano Peixoto, para enfrentar a revolta de Custódio de Melo, em 1893, viu-se na contingência de organizar os célebres “batalhões patrióticos”.

É fácil, pois, imaginarmos a constituição das expedições que foram lançadas contra Canudos.

O comandante da quarta expedição, general Artur Oscar de Andrade Guimarães, ainda considerava ato vergonhoso o combater-se abrigado (12).

No terreno da tática foi um desastre: operações sem planejamento, marchas desordenadas, sem segurança e informações, processos antiquados de combate.

Habitante de Canudos na década de 1940.

No terreno dos serviços, uma miséria; tudo faltou: víveres, munições, transportes. O estado de penúria chegou a tal ponto que foram obrigados a abater os bois de tração de um célebre canhão Calibre 32 (material de artilharia de costa), inútil trambolho. Certo dia só havia farinha e sal, para os doentes. Ficou estabelecida a “defesa individual”: penetravam os soldados na caatinga à procura da caça exígua e raízes dos vegetais da região. “Uma raiz de umbu era um regalo raro, de epicurista”. E para completar tal quadro, até água faltou.

Entretanto, o comandante Artur Oscar estabeleceu postos de suprimentos em Queimadas, Monte Santo, mas os comboios chegavam com irregularidade e reduzidíssimo e as rações, muitas vezes, não deram nem para um dia. Eram os jagunços os responsáveis… (13)

Quanto aos feridos, não sendo possível mantê-los na frente, urgia evacuá-los; mas, como? De que jeito transportá-los?

Defensor de Canudos, capturado por soldados.

Seguiram de qualquer maneira para Monte Santo e desta localidade para Queimadas, ponto terminal da estrada de ferro. Uns, montados em muares ou cavalos, outros, os mais graves, conduzidos em redes, a maioria a pé, arrastando-se miseravelmente pela estrada.

Era um desfile macabro; cada um por si, nada de cooperação; se algum infeliz caía extenuado, ali ficava, estirado na margem do caminho implorando, em vão, por auxílio; e ali morria, ficando insepulto.

E essas levas se transformavam em feras odiosas: maculavam a água das cacimbas que seria forçosamente utilizada por outros companheiros, atacavam sertanejos indefesos, saqueavam e destruíam os miseráveis casebres.

Região de Canudos na década de 1940.

Para completar este quadro moral, verificaram-se vários pedidos de reforma, e Unidades chegavam desfalcadas, bem desfalcadas, na Zona de operações, Brigada Girard. por exemplo, que iria reforçar as tropas de Artur Oscar, chegou em Canudos sob o comando de um major! (14)

Finalmente, no setor técnico, a mesma deficiência: o general Artur Oscar foi obrigado a organizar, em Queimadas e Monte Santo, campos de instrução, linhas de tiro, para instruir os seus soldados, em sua quase sua totalidade, recrutas. Mas, foi mesmo em Canudos, no duro embate com os jagunços, que eles se adestraram, apreenderam os duros processos do combate que, afinal, eram certos.

Quando se resolveu atacar o arraial de Canudos, comandava o 3° distrito militar (Salvador), o General Frederico Sólon. Tendo recebido ordem do governo central para auxiliar o governador do Estado naquela empresa, propôs a este, doutor Luiz Viana, após cuidadoso exame da situação, que se enviasse a Canudos uma forte expedição O governador discordou; considerava o movimento um simples motim, facilmente sufocável por qualquer elemento armado. (15)

É provável que tenha havido entre as duas autoridades acalorada discursão; o fato é que o general Sólon, pouco tempo depois, era transferido…

A política, pois, saiu vencedora dessa polêmica e, sem mais delonga, tratou-se de enviar ao arraial sublevado, um destacamento de 100 homens que, sob o comando do tenente Manoel da Silva Pires Ferreira, partiu de Juazeiro na noite de 12 de novembro de 1896; mas não passaram de Uauá, vilarejo distante de Canudos cerca de 40 quilômetros, onde na madrugada de 21 foram atacados.

Protegidos pelas casas, os soldados resistiram; seu armamento mais moderno, enquanto os jagunços utilizavam armas antiquadas de carregar pela boca, que logo abandonaram, preferindo a arma branca.

Após quatro horas de luta, os jagunços abandonaram o arraial.

Artilharia na Guerra de Canudos.

Fosse seguido o alvitre do general Sólon e a história de Canudos se encerraria com esta expedição. Os jagunços estavam praticamente desarmados e não resistiriam à perseguição que o tenente não pôde realizar, por falta de homens e meios, sendo obrigado a retroceder para Juazeiro, onde chegou após quatro dias de marchas forçadas.

Nova expedição foi organizada; compõe se de 560 homens, inclusive 14 oficiais e 3 médicos. Seu comando foi confiado ao major Febrônio de Brito e, além do armamento individual, conduziram duas metralhadoras Nordenfelt e dois canhões Krupp.

Febrônio de Brito seguiu pelo eixo Queimadas — Monte Santo — Estrada do Cambaio, lutando com toda sorte de dificuldades.

Região de Canudos na década de 1940.

Na travessia do Cambaio tiveram o primeiro combate com os jagunços. Vencedores, progrediram até às orlas de Canudos, onde estacionaram extenuados. Ao amanhecer do dia seguinte, 19 de janeiro de 1897, foram violentamente atacados pelos conselheiristas que, à noite, sorrateiramente, haviam ocupado suas posições. Na primeira trégua o comandante Brito examinou a situação e concluiu não poder prosseguir na luta por falta de munição. Dada a precariedade de transporte, deixara em Queimadas e Monte Santo, grande parte dela.

Exposta a situação aos oficiais, decidiu-se pela retirada, mas em boa ordem. Não a conseguiram. Obrigados a atravessar uma garganta, aí foram intensamente hostilizados com pedras! E durante quase todo o percurso a Monte Santo, sofreram pertinaz perseguição do inimigo.

Tal remate aguçou a cólera das autoridades. Ninguém acreditava que umas duas dezenas de miseráveis jagunços pudessem derrotar uma tropa federal. Consequência: Febrônio de Brito foi submetido a Conselho de Guerra e condenado (16).

Ruínas da igreja de Canudos em 1893 – Fonte – http://osertanejosdecanudos.blogspot.com.br

Uma terceira expedição foi organizada: quatro batalhões de infantaria, uma bateria de artilharia, um esquadrão de cavalaria e um contingente da polícia baiana, num total de 1.500 homens aproximadamente, bem armados e municiados. Escolheu-se para comandá-la, o nome militar mais em evidência na época: o coronel António Moreira César, uma figura que, no governo de Floriano Peixoto se notabilizara pelas mais condenáveis e odiosas violências contra mulheres, crianças c cidadãos indefesos.

Este comandante escolheu o itinerário Queimadas — Monte Santo — Cumbe — Rosário — Rancho do Vigário — Angico — Morro da Favela. Estabeleceu-se em Queimadas a primeira base de operações e em Monte Santo, a segunda, sob o comando do coronel Souza Meneses.

Sem um reajustamento, sem um plano, sem uma ideia, e após marchas forçadas, Moreira César lançou toda a sua infantaria contra Canudos, atacando por dois lados opostos. Os batalhões se defrontaram no arraial e então foi a confusão, a balbúrdia, o pandemônio. O comandante tentou retomar sua tropa e expondo-se foi ferido, vindo a falecer no dia seguinte. Seu substituto, o coronel Tamarindo, tentou executar uma retirada, mas foi mal sucedido. Ninguém obedecia mais. A soldadesca estava alucinada, apavorada!

Antigo cruzeiro de Canudos na década de 1940.

Foi uma fuga desordenada. Abandonaram tudo; armamento, material, munições, feridos, até o cadáver do comandante!

Os que chegaram em Monte Santo, não encontraram ninguém; todos havia fugido, abandonando o posto. O sargento auxiliar não pudera reter ninguém para ajudá-lo a transportar os mantimentos para um local seguro. O farmacêutico da povoação, um civil, foi quem destruiu parte da munição, deixando alguma, para não despertar suspeita aos jagunços.

Assim, esta terceira expedição só teve um fito: armar e municiar o inimigo.

Cerimônia na Canudos de 1940.

Sob o comando do general Artur Oscar de Andrade Guimarães foi, finalmente, organizada uma expedição poderosa; chegou a ter efetivo de 10.000 homens, e dela participaram quatro generais, 20 batalhões de infantaria, 1 regimento e 2 destacamentos de artilharia 1 regimento e parte de outro de cavalaria, além de elementos das policias da Bahia, São Paulo, Pará e Amazonas.

Não cabe aqui a descrição das ações desta expedição, feita com todos os detalhes por Euclides da Cunha, que a acompanhou como repórter de um jornal paulista.

No dia 5 de outubro de 1897, após quase um ano de lutas, caiu a cidadela de Canudos cujos defensores resistiram “até o esgotamento completo”, “Fato raro na História: o reduto de Canudos não se rendeu”.

A antiga Canudos.

O aspecto atual de Canudos é contristador — miséria e desolação completas. E naquela cidadela, palco de um drama de extraordinário heroísmo, naquele chão, muda testemunha de um poema de bravura que estarrece, de uma insana resistência que nos deixa atônitos, naquele pedaço de terra brasileira onde foi vivido o trágico episódio que ” é a afirmação eloquente da prodigiosa energia da nossa raça”, nem um monumento, nem um bronze comemorativo, nem mesmo uma simples placa a lembrar a ocorrência. E, dentro de pouco, um lençol de água cobrirá os vestígios — se os houver — do famoso arraial, e depois — o esquecimento. Breves referências ficarão nos livros escolares — e nada mais.

Enquanto os brasileiros demonstram essa indiferença pelo seu passado, os americanos, num excesso de senso histórico, transformaram a casa do assassino de um chefe de Estado em museu (17).

A guerra de Canudos teve a feição de um cataclisma nacional; movimentou tropas de norte a sul do país, e na última expedição estiveram empenhados dez mil homens, talvez mais.

É um episódio que deverá ser colocado no devido plano; seus despojos, se ainda houver, deverão ir para os mostruários dos nossos museus; o local onde outrora se erigiu o célebre arraial, deverá merecer a atenção da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atualmente empenhada num plano de restauração, conservação e proteção do seu acervo.

NOTAS

——————————————————————————————————————–

(1) Entretanto, teve um cronista do quilate de um Euclides da Cunha, cujo livro “Os Sertões”, já na sua 22ª edição (em 1955), foi traduzido para o espanhol, para o alemão, para o sueco e para o dinamarquês. É, pois, uma obra de repercussão internacional e ocupa limar de destaque em todas as bibliotecas públicas e particulares, mas que, acreditamos, muito pouca gente leu.

(2) Balaiada.

(3) Um deles é o meu pai, o general reformado Leandro José da Costa, possivelmente o único sobrevivente do 16º Batalhão de Infantaria, que me relatou passagens inéditas da expedição Artur Oscar.

(4) Refere-se a Antônio Conselheiro.

(5) Observação registrada nove dias antes do aniquilamento total do arraial, após quase um ano de luta!

(6) Obra citada — pág. 98.

(7) A falta de arame farpado, utilizavam material muito melhor e abundante na região: xique-xique, mandacarus, juremas, palmatória, macambiras, etc., que transformavam numa espécie de redes extensíveis.

(8) Obra citada – pág. 107.

(9) As suspeitas do gen. Artur Oscar eram infundadas; nenhum armamento especial foi encontrado em poder dos conselheiristas: na verdade, antes da apreensão do material de Moreira César, eles utilizavam velhas espingardas, bacamartes, garruchas, clavinas, armas brancas, e mesmo bestas. Quem os armou foi mesmo o governo, por intermédio do cel. Moreira César.  

(10) Essa Informação e quo os supostos ex-jagunços Ciriaco e Pedrão deviam fornecer ao autor da reportagem a que aludimos no começo destas linhas.

(11) “Os Sertões” — 22. ª edição — pág. 177.

(12) Chegamos à Favela a 27 do mês de junho, tendo antes, no lugar Pitombas, sofrido dos jagunços cobardes que nunca souberam se bater a peito nus como os soldados leais… (Parte do gen. Artur Oscar ao ministro da guerra).

(13) Chegou a tais extremos essa situação que o ministro da guerra, marechal Carlos machado Bittencourt decidiu pessoalmente dirigir esses serviços, seguindo para a zona de guerra.

(14) Na Campanha do Contestado observou-se o mesmo “fenômeno”. Conta-nos Crivelaro Marcial o caso de um Regimento que em vez de um coronel era comandado por um major, cujo batalhão fora conduzido por um tenente.

(15) Uma das curiosas características desse episódio da nossa História éque do começo no fim da Campanha não se deu ao jagunço o seu devido valor; sempre o subestimaram.

(16) Só em revisão de processo da 3.ª expedição é que consegui ser absolvido.

O DIA EM QUE OS PARANAENSES ABRIRAM FOGO CONTRA UM NAVIO DE GUERRA INGLÊS

Corveta inglesa HMS Driver, identica ao HMS Cormorant - Fonte - http://en.wikipedia.org/wiki/HMS_Driver_(1840)#mediaviewer/File:HMS_Driver.jpg
Corveta inglesa HMS Driver, idêntica ao HMS Cormorant que provocou o Incidente de Paranaguá – Fonte – http://en.wikipedia.org – CLIQUE NAS FOTOS PARA AMPLIAR

1850 – O COMBATE DO HMS CORMORANT CONTRA O FORTE DE PARANAGUÁ

Apesar de serem países amigos e cordiais parceiros comerciais, na segunda metade do século XIX o Brasil e a Inglaterra tinham um ponto conflitante quando o assunto era o tráfico negreiro. A Inglaterra era totalmente contra a prática, enquanto os políticos brasileiros, em concordância com os fazendeiros latifundiários, procuravam ganhar tempo quando o assunto era a extinção deste comércio. Acordos já existiam, porém, mas sua aplicação não era executada na costa brasileira. 

Rigor da Lei 

A resposta britânica veio através do seu parlamento que aprovou a lei Bill Aberdeen dando totais poderes à Royal Navy (Marinha Real) para reprimir o tráfico negreiro. Os navios de Sua Majestade cumpriram com determinação e rigor esta ordem. Para a costa brasileira algumas naves britânicas, baseadas no Rio da Prata, foram orientadas a intensificar esta atuação no início de 1850.

Fragata HMS Winchester, navio da mesma classe da HMS Southampton
Fragata HMS Winchester, navio da mesma classe da HMS Southampton

A flotilha inglesa chegou ao Brasil, vinda da África, em setembro de 1849, sob o comando do contra-almirante Barrington Reynolds. A nau capitânia era a veterana fragata, com 34 anos de serviço, HMS Southampton, sob o comando do capitão Nicholas Cory e guarnecida com quase 60 peças de artilharia.[1]

Havia ainda a corveta a vapor com hélices HMS Sharpshooter sob o comando do tenente John Barley, a corveta a vapor HMS Rifleman sob o comando do tenente Stephen Smith Lowther Crofton, a corveta a vapor HMS Tweed sob o comando de Lorde Francis Russell, a corveta a vapor HMS Harpy sob o comando do tenente Dalton, a corveta a vapor com rodas laterais HMS Cormorant sob o comando do capitão Herbert Schomberg e barcos de apoio que traziam carvão da Inglaterra.

O Cormorant era uma corveta da Classe Drive, tinha casco de madeira, havia sido lançado em 1842, possuía propulsão a vapor e a vela, com uma grande roda de pá na lateral.[2] Tinha um deslocamento de 1.590 toneladas, 55 metros de comprimento, uma tripulação com 45 homens e um armamento de quatro canhões laterais de calibre 64 e duas torres sobre eixos com canhões de calibre 80.[3]

Capitão Sir Alexander Schomberg, avô do capitão do HMS Cormorant. Quadro de Willian Hogarth - Fonte - es.wahooart.com
Capitão Sir Alexander Schomberg, avô do capitão do HMS Cormorant. Quadro de Willian Hogarth – Fonte – es.wahooart.com

Já o capitão Herbert Schomberg era um calejado comandante naval, que vinha de uma linhagem de preparados oficiais da Royal Navy. Seu avô era o capitão Sir Alexander Schomberg, que se destacou na Guerra dos Sete Anos.[4] Seu pai era o almirante Alexander Wilmot Schomberg, que obteve comados importantes nas Guerras Napoleônicas.[5]. Alexander Schomberg entrou na Royal Naval em dezembro de 1817. Serviu durante quatro anos, ao largo da costa da América do Norte, no Canal da Mancha e nas Índias Ocidentais onde o navio foi empregado na repressão da pirataria. Foi promovido tenente em setembro de 1827 e entre fevereiro 1828 a setembro de 1829 esteve envolvido em operações de combate ao contrabando na costa da Irlanda e no bloqueio de Tânger. Recebeu a promoção de capitão em junho de 1841.

Vista da entrada do Rio de Janeiro com o Pão-de-Açúcar e a Igreja da Glória do Outeiro, óleo do inglês Robert Dampier.
Vista da entrada do Rio de Janeiro com o Pão-de-Açúcar e a Igreja da Glória do Outeiro, óleo do inglês Robert Dampier.

Mas voltando ao caso brasileiro, como os barcos de guerra ingleses deveriam impedir o tráfico de escravos em veleiros nas costas brasileiras, havia uma lista de navios brasileiros preparada pelo inglês Mr. Hudson, encarregado dos negócios da Inglaterra no Brasil, ao contra-almirante Reynolds. Hudson era na verdade um espião a serviço de Sua Majestade no Rio de Janeiro e com sua ajuda as embarcações da Royal Navy caçavam estes barcos em nossas costas na maior tranquilidade. 

Afogando a “Carga” 

Em um modorrento domingo, 29 de junho de 1850, surgiu na Baía de Paranaguá o casco negro da corveta HMS Cormorant.

Paranaguá, litoral da província do Paraná, tornou-se um dos principais centros de contrabando de escravos no Brasil. Naquele labirinto natural de ilhas costeiras, os traficantes utilizavam algumas delas para desembarques clandestinos. Essa informação também era do conhecimento da Royal Navy. 

Foto de satélite da região da Baía de Paranaguá, com destaque para a Ilha do Mel. Pela imagem é possível ver a posição estratégica da Ilha do mel em relação ao resto da baía. Fonte - timblindim.wordpress.com
Foto de satélite da região da Baía de Paranaguá, com destaque para a Ilha do Mel. Pela imagem é possível ver a posição estratégica da Ilha do Mel em relação ao resto da baía. Fonte – timblindim.wordpress.com

Para seguir adiante naquele setor e transpor a Barra de Paranaguá, o capitão Schomberg contratou os serviços de um prático na Ilha do Mel, situada na embocadura da baía. Este foi o pescador Manoel Felipe.[6]

Os ingleses chegaram ao porto do Alemão, na Ilha de Cotinga. Neste porto estavam fundeados seis navios mercantes. Utilizando-se de dois escaleres e sob o comando dos tenentes Charles Maxwell Luckraft e Herbert Philip de Kantzow, os invasores atacaram em um golpe rápido e o brigue Dona Ana, seguido do brigue Serea foram dominados. Vendo o ataque aos mercantes, o comandante do terceiro brigue, o Astro, resolveu afundá-lo para evitar que a “carga” (dezenas de sofridos escravos oriundos da África) fosse pilhada e o navio apreendido. O barco de 176 toneladas ficou apenas com os três mastros para fora d’água e todos os africanos morreram afogados.

Ilha da Cotinga - Fonte - www.guiageo-parana.com
Ilha da Cotinga – Fonte – http://www.guiageo-parana.com

Após o ataque, os ingleses foram vistoriar os porões dos navios que capturaram. Tal foi a surpresa ao constatar que ali existiam apenas víveres.

Houve uma manifestação por parte do guarda-mor da alfândega de Paranaguá, o sr. Francisco Pinheiro, que visitou o capitão Schomberg no tombadilho do Cormorant e discutiram sobre os fatos ocorridos na baía. Nessa visita, o capitão inglês apresentou um ofício relatando seus atos às autoridades locais, porém, o coronel Manuel Antônio Guimarães, comandante da Guarda Nacional, o delegado de polícia, José Francisco Barroso, e o juiz municipal Dr. Filastro Nunes Pires recusaram-se a receber o documento. Tomado pela cólera, o capitão Schomberg descontou o seu ódio nas autoridades locais, acusando-as de cúmplices do tráfico negreiro. Como ação definitiva, decidiu rebocar no dia seguinte os dois navios atacados (Dona Ana e Serea) mais a galera Campeadora.

Aqui cabe um aparte para comentar que a maioria dos relatos sobre este episódio aponta que o principal motivo para a reação dos paranaenses contra o barco de guerra inglês foi que “alguns jovens resolveram tomar uma atitude em nome da soberania nacional”. Não discordo que isso tenha ajudado a “esquentar” o sangue dos brasileiros, mas não foi só isso!

Navio negreiro - Fonte - www.revistadehistoria.com.br
Navio negreiro – Fonte – http://www.revistadehistoria.com.br

Desde a chegada da nave de guerra inglesa a Baía de Paranaguá muita coisa aconteceu e certamente muita raiva fluiu entre ambos os lados. Além de possíveis violências, afrontas e provocações que os membros da mais importante marinha de guerra do mundo na época possam ter feito aos paranaenses, os prejuízos causados aos marítimos brasileiros, aos proprietários dos barcos e, principalmente, aos fazendeiros que esperavam a chegada de mais “mercadoria humana” daquele sórdido tráfico, deve ter influenciado a reação que se seguiu.

Montando a Bateria Debaixo de Chuva

Durante a comemoração do cinquentenário do Incidente de Paranaguá, em julho de 1900, o jornal paranaense “A República”, em sua edição dominical de 1 de julho, informava que na noite de 29 de julho de 1850, membros da comunidade parnanguara, entre estes Manuel Ricardo Carneiro, Caetano José de Souza, Bento Antônio de Menezes, José Cardenes do Amaral, Joaquim Caetano de Souza Lino de Souza Ferreira, Antônio José de Medeiros, Custódio Borges, Antônio José da Costa Junior, Francisco Pires, Paulo José Dias Cardoso, Victor da Silva Freire, Manoel José de Oliveira, Antônio Gonçalves Pindahy, Salvador do Prado, José da Cruz, João Feliciano dos Santos, Manoel Luiz Fernandes, entre outros (alguns afirmam que seriam mais de 200 pessoas), partiram para enfrentar os britânicos.

Nota do o jornal paranaense “A República”, durante a comemoração do cinquentenário do Incidente de Paranaguá, em 1 de julho de 1900
Nota do o jornal paranaense “A República”, durante a comemoração do cinquentenário do Incidente de Paranaguá, em 1 de julho de 1900.

Acompanhados das tripulações dos navios detidos, discretamente seguiram para a Ilha do Mel, onde ao desembarcarem e buscaram um entendimento com o capitão Joaquim Ferreira Barbosa, comandante da fortaleza Nossa Senhora dos Prazeres, também conhecida como Forte de Paranaguá. Logo iniciaram os preparativos para o enfrentamento. O comandante da fortaleza tinha consciência da gravidade da situação, já que a Inglaterra era uma nação amiga. Mas ele não conseguiu (ou não quis) impedir que os revoltosos abrissem fogo contra o navio britânico.[7]

Mas o forte, concluído pelos portugueses em 1769 e reformado em 1820, encontrava-se desmantelado e suas baterias eram obsoletas contra o moderno navio de guerra estrangeiro. A guarnição possuía uma artilharia básica e em desuso desde o ano de 1839, mesmo assim aquele animado e inexperiente grupo de “combatentes” seguiu com o seu plano.

Durante a noite, debaixo de muita chuva, um intenso fluxo de embarcações de pequeno porte levou para a fortaleza muita pólvora, armas portáteis, explosivos e até projéteis retirados dos porões do Colégio Velho dos Jesuítas. Para lá também seguiram carpinteiros e ferragens. Em tempo recorde, aquele grupo de pouco mais de cinquenta homens conseguiu organizar uma resistência considerável e aprontar doze peças de artilharia. Nos anais históricos da Royal Navy afirmam que a bateria era composta de quatorze canhões.[8]

Eu tenho minhas dúvidas se o neto de Alexander Schomberg e sua tripulação não perceberam toda esta movimentação na madrugada, em direção à velha fortaleza. Se não perceberam foram inaptos. Se perceberam e não levaram em consideração o perigo, certamente foi porque a sua superioridade bélica, soberba e a ideia de colher os louros da vitória junto ao contra-almirante Barrington Reynolds, levando os três barcos capturados, deve ter falado mais alto.

Outra corveta da Clase Driver, irmã do HMS Cormorant, neste caso uma foto da HMS Virago.
Outra corveta da Clase Driver, irmã do HMS Cormorant, neste caso uma foto da HMS Virago – Fonte – Wikipedia.org

Eram cerca de nove da manhã de segunda feira, 1 de julho de 1850, quando o  HMS Cormorant apareceu no rumo à barra, trazendo consigo a reboque os barcos brasileiros. Como o barco britânico vinha lento, o comandante da fortaleza enviou um ofício ao capitão inglês, através de um escaler comandado por um sargento. O oficial brasileiro buscava orientar a corveta a seguir viagem sem os navios apreendidos, deixando estes em poder das autoridades locais e na desobediência deste ofício a fortaleza faria fogo. O ofício nunca foi entregue, pois o escaler nacional foi repelido com tiro de pólvora seca pela tripulação inglesa.

“Para Inglês Ver”

O ataque ao escaler pegou a “guarnição” do forte de surpresa. Interpretando a ação como um ato hostil e beligerante, a fortaleza passou a disparar contra a embarcação inglesa. Mais surpresos ainda ficaram os tripulantes do Cormorant, que não esperavam uma reação tão feroz de uma velha fortaleza. Começou assim um combate entre ambos, que durou cerca de meia hora. A troca de disparos rebombou por toda Baía de Paranaguá e só terminou quando os canhões da fortaleza da barra já não tinham alcance contra a corveta britânica.

A Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres de Paranaguá está localizada na praia da Fortaleza, no sopé do Morro da Baleia (hoje da Fortaleza), na Ilha do Mel, cidade de Paranaguá, no litoral do Estado do Paraná.- Fonte - fortalezas.org
A Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres de Paranaguá está localizada na praia da Fortaleza, no sopé do Morro da Baleia (hoje da Fortaleza), na Ilha do Mel, cidade de Paranaguá, no litoral do Estado do Paraná.- Fonte – fortalezas.org

A nave de guerra levou a pior. Combatendo em águas interiores e com suas manobras limitadas pelo reboque, o Cormorant teve a sua roda de bombordo danificada e a popa atingida. Os brigues Dona Ana e Serea foram seriamente atingidos e o capitão Schomberg afundou-os na entrada da baía. Mas a galera Campeadora seguiu viagem até Serra Leoa, na África. Houve três baixas na nave britânica, sendo uma fatal e outras duas feridas, que ficaram na enfermaria durante toda a viagem rumo a África. No combate o barco estrangeiro ficou limitado em suas manobras por está rebocando os barcos brasileiros. No lado dos paranaenses os danos foram mínimos fisicamente e houve apenas feridos leves.

A reputação da Royal Navy havia sido manchada. Um moderno navio inglês ser atacado por uma velha fortaleza com armamento improvisado e guarnecida em parte por civis destreinados, era motivo de vergonha suficiente.  Os atos ocorridos na Baía de Paranaguá acirraram os ânimos britânicos que exigiram uma reparação formal do governo brasileiro.

Os canhões do forte de Paranaguá - Fonte - www.panoramio.com
Os canhões do Forte de Paranaguá – Fonte – http://www.panoramio.com

Era necessário acalmar os ânimos britânicos através de alguma ação prática ou a situação poderia terminar num conflito naval entre os dois países. O ministro da justiça – Eusébio de Queirós – apresentou ao Congresso um projeto de lei extinguindo o tráfico negreiro de forma definitiva. Dois meses após o combate em Paranaguá a lei foi aprovada. A aprovação da lei Eusébio de Queirós no ano de 1850 esfriou um pouco os ânimos de ambas as partes. Pelo lado brasileiro o governo achava que havia colocado um ponto final na discórdia. Já a elite agrária e escravagista via na lei mais uma forma de ludibriar os súditos da coroa britânica e manter o seu Status Quo[9].

A Marinha Brasileira acompanharia a Royal Navy no patrulhamento da costa brasileiras, porém, na prática o tráfico continuou por longos anos até a sua extinção total. Ou seja, a Lei Eusébio de Queirós foi mais uma ação paliativa do Governo do Brasil para postergar o fim do trabalho escravo no país, seguindo a política “para inglês ver”.[10]

Fonte - viveravela.blogspot.com
Fonte – viveravela.blogspot.com

Como consequência desta situação os parnanguaras que atentaram contra o navio foram recebidos com honras pela população da cidade, mas não podemos esquecer que muitos dos que foram ovacionados não passavam de pessoas que viviam do tráfico de escravos.

Com soberba, ou não, apesar de ter seu navio acertado por uma bateria de canhões de um velho forte brasileiro, o capitão Schomberg alcançou o posto de almirante no final de sua carreira. Já o capitão Barbosa, comandante da fortaleza, por não impedir a tomada do quartel por civis, foi rebaixado à condição de soldado de terceira categoria.

Enfim, os ingleses “precisavam ver” as autoridades brasileiras fazendo alguma coisa[11].

NOTAS


[1] Ver http://en.wikipedia.org/wiki/Southampton-class_frigate_(1820)

[2] Ver http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_corvette_and_sloop_classes_of_the_Royal_Navy e http://www.pbenyon.plus.com/18-1900/C/01129.html

[3] O número do calibre dos canhões refere-se ao peso da bala de ferro em libras (0,453 kg).

[4] Ver http://familypedia.wikia.com/wiki/Seven_Years%27_War

[5] Ver http://familypedia.wikia.com/wiki/Alexander_Wilmot_Schomberg_%281774-1850%29

[6] Ver jornal “A República”, Curitiba, edição de 1 de julho de 1900 (pág. 1)

[7] Ver http://fortalezas.org/?ct=fortaleza&id_fortaleza=433

[8] Ver “The Royal Navy – A History – From the earliest times to the present”, de Sir William Laird Clowes, Volume VI, pág. 391 e 392, Londres, 1901.

[9] Ver http://www.achetudoeregiao.com.br/atr/diplomacia_das_canhoneiras.htm

[10] Para a criação deste artigo foram utilizados http://pt.wikipedia.org/wiki/Incidente_de_Paranagu%C3%A1

e http://teiadehistorias.blogspot.com.br/2012/08/batalha-do-cormorant-embarcacao-inglesa.html

[11] Ver http://fortalezas.org/?ct=fortaleza&id_fortaleza=433