JEAN SCHRAMME – O LÍDER MERCENÁRIO BELGA QUE VIVEU NO MATO GROSSO

Nasceu Em Uma Família Rica e Foi Viver Como Fazendeiro na África – Foi Expulso de Suas Terras Após a Independência do Congo e Se Tornou um Mercenário – Participou de Vários Combates na África e Mostrou Muita Liderança e Coragem – Após o Fim da Luta Decidiu Morar no Brasil – Enganou os Militares da Ditadura Brasileira – Vivia em Paz com Sua Família em Rondonópolis, Mato Grosso – Foi Preso Pela Polícia Federal e Quase Foi Extraditado Para Bélgica

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Jean Marie Joseph Antoine Thomas Schramme nasceu em 5 de março de 1929, na cidade belga de Bruges, um antigo burgo que ganhou o status de cidade no ano de 1128 e era conhecida na Idade Média por sua sofisticada indústria de linho. Os Schramme eram uma família de classe média alta e bem situada na sociedade local. Joseph Marie Pie Schramme, avô de Jean, foi um advogado de renome, que atuou durante algum tempo como vereador na cidade.

Durante a Primeira Guerra Mundial quase toda a Bélgica foi ocupada por tropas alemãs e Bruges sofreu muito com essa situação. Pie Schramme, diante da sua resistência ativa, foi preso e deportado para a Alemanha, onde passou por sérias privações e só voltou para casa no final da guerra.

Seu filho, Joseph Marie Camiel Schramme, serviu durante a Primeira Guerra na artilharia belga, onde foi agraciado com a medalha Croix du Feu. Após o conflito Joseph seguiu os caminhos do seu pai e se tornou um advogado de sucesso em Bruges, casou com Elza Dassonville e dessa união nasceram quatro filhos, sendo o caçula Jean Schramme. Este foi criado na mansão ancestral de sua família na Rue Haute, número 20, onde seus pais lhe transmitiram que os princípios da lei, da ordem e da justiça não eram meras palavras, mas “motivos para viver e morrer“.

Jean Schramme na juventude – Fonte – Facebook.

Durante a Segunda Guerra Mundial o jovem Jean sobreviveu junto com a sua família o terrível período da ocupação nazista na Bélgica. Depois de estudar no Collège Saint-Louis, sem nenhuma vocação particular, Jean decidiu ir para o Congo Belga em 1947. Seu pai, presidente da Ordem dos Advogados da cidade, saudou essa reviravolta. Para a sua família francófona da região de Flandres Ocidental, foi uma revelação que o caçula de 18 anos deixasse uma Europa devastada pelo conflito e fosse viver no Continente Africano.

O ídolo do jovem Schramme era seu tio Joseph Muylle, que desde 1914 atuava como funcionário público na região congolesa de Katanga. Foi ele que transmitiu a Jean informações sobre a colônia e a “missão civilizadora” da Bélgica no Congo.

Schramme na África.

Na África o céu azul do Congo suplantou em seu coração o cinza da Bélgica. Consta que Jean Schramme prestou serviço militar na Force Publique, nas Bases de Kamina e Kitona, e depois trabalhou como aprendiz de fazendeiro na plantação de Joseph Dobbelaere, um comerciante de café e borracha que lhe mostrou os meandros da colônia belga. Como possuía uma forte veia empreendedora, aos 22 anos Schramme já tinha sua própria plantação de café na área perto de Bafwakwandji, ou Bafwasende, uma floresta selvagem e posto avançado da fronteira a cerca de 60 quilômetros a nordeste de Stanleyville, atual Kisangani, na parte oriental do Congo.

Segundo todas as informações apuradas, Schramme gostava profundamente da África, dos africanos e se autodenominava Un Africain Blanc, ou Africano Branco. Aos amigos Jean dizia que o Congo era “a sua pátria”, onde administrou sua propriedade sob um estilo de liderança autoritário, mas ao mesmo tempo paternalista, ao ponto dos seus trabalhadores africanos o chamarem de père (pai).

Marfim de elefantes em um depósito na África Oriental.

Schramme achava que entendia o Congo muito melhor do que os congoleses e acreditava que o país deveria permanecer uma colônia belga para sempre. Consta que ele odiava os évolués, ou evoluídos, os congoleses com educação ocidental, que para ele não eram congoleses de verdade. Seu congolês ideal eram os trabalhadores da sua fazenda. No ponto de vista de Schramme, ele e os outros colonos belgas deveriam fornecer o cuidado paternalista estrito, mas amoroso, que ele acreditava ser o que os congoleses precisavam.

Por mais de dez anos ele administrou a sua vasta propriedade, permanecendo solteiro e vivendo a típica vida de um colonialista europeu na África.

A Independência do Congo e a Secessão de Katanga

Na antiguidade a região ao longo do rio Congo foi ocupada por povos bantos da África Oriental e povos do rio Nilo, que ali fundaram os reinos de Luba, Lunda e do Congo, entre outros. Em 1878, o explorador britânico Henry Morton Stanley fundou entrepostos comerciais ao longo do rio Congo.

O polêmico Leopoldo II

Na Conferência de Berlim de 1885, que dividiu a África entre as potências colonizadoras europeias, a região do Congo foi fatiada entre três países europeus – Bélgica, França e Portugal. Só que o rei Leopoldo II da Bélgica recebeu o território como uma possessão pessoal, uma imensa propriedade particular com área equivalente aos estados do Pará e da Bahia. O rei então colocou administradores brancos para tomar conta do seu super latifúndio, onde em poucos anos conseguiu amealhar uma fortuna com o marfim dos elefantes e a extração da borracha, utilizando para isso o trabalho forçado da população nativa.

A administração de Leopoldo II no Congo foi caracterizada por atrocidades e brutalidades sistemáticas, incluindo tortura, assassinato e amputação das mãos de homens, mulheres e crianças quando as cotas de produção de marfim e borracha não alcançavam as metas desejadas. Canalhamente esse soberano batizou a sua propriedade como Estado Livre do Congo.

Atrocidades cometidas contra os habitantes do Congo na época de Leopoldo II.

Mas em 1908, depois que as brutalidades ali realizadas foram escancaradas na imprensa ocidental, o tal Estado Livre do Congo deixou de ser propriedade do rei e se tornou oficialmente uma colônia da Bélgica, com a administração sendo realizada por funcionários públicos. A região então passou a se chamar Congo Belga e um ano após essas mudanças, talvez abalado pela perda da sua imensa propriedade, Leopoldo II morreu aos 44 anos.

O controle do continente africano pelos europeus aconteceu até o final da Segunda Guerra Mundial, quando então boa parte dos países africanos conquistaram suas independências.

Belgas mortos no Congo.

Em janeiro de 1959, tumultos eclodiram quando centenas de milhares de congoleses saíram às ruas para exigir a independência do país, o que levou o estado belga a concordar que o Congo se tornaria independente em 30 de junho de 1960. Grande parte dos quase cem mil belgas que ainda permaneciam na região preferiram abandonar o país às pressas, deixando seus pertences para trás. Mas outra parte dos brancos preferiu ficar em suas fazendas, sem aceitar a independência congolesa.

Prevendo a deflagração de conflitos, o empreendedor Jean Schramme começou a estocar armas e munições, enquanto prendia em seu carro placas de metal e uma metralhadora, para assim criar um veículo blindado improvisado.

Alegria dos congolenses com a independência do seu país.

Na data combinada, o Congo Belga conquistou a independência, tornando- se a República Democrática do Congo. Joseph Kasa-Vubu foi empossado como presidente e Patrice Lumumba, que tinha o apoio dos comunistas da União Soviética, foi eleito primeiro-ministro. Pouco depois, o neófito exército congolês se amotinou contra seus oficiais belgas, que haviam sido colocados no comando devido à falta de oficiais nativos. Não demorou e começaram saques desenfreados por todo o país, com alguns congoleses atacaram seus antigos mestres brancos e vários foram mortos.

Exército congolês.

Com o Congo caindo no caos, Schramme forneceu uma guarda armada para mover os colonos belgas da sua região para a colônia britânica de Uganda. Ele afirmou que nessa época foi preso duas vezes e teria visto oito colonos brancos enforcados sem julgamento. O próprio Schramme teve sua fazenda invadida e queimada e assim fugiu para Uganda. Ali onde soube que Moise Tshombe, governador da área de Katanga, pretendia separar sua região da República Democrática do Congo.

Moise Tshombe.

Tshomb era um empresário e político anticomunista, que rompeu com o governo nacional e criou a província autônoma de Katanga em 11 de julho de 1960, onze dias depois da independência do Congo. Rica em minerais como diamantes, estanho e cobre, a independência de Katanga era intensamente desejada por grandes empresas exploradoras de minérios, como a poderosa Union Minière du Haut Katanga (UMHK). Tshomb então exigiu a ajuda militar e logística belga que, a pretexto de proteger seus cidadãos na região, enviou tropas para Katanga.

No entanto, o Estado de Katanga nunca seria reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) e não demorou para que essa organização, através do seu Conselho de Segurança, respondesse ao apelo do primeiro-ministro congolês Lumumba e criasse a Operação das Nações Unidas no Congo (ONUC), que enviou 20.000 soldados da paz, provenientes de vários países, para tentar restaurar a ordem.

Patrice Lumumba.

Mesmo com as forças da ONU substituindo gradualmente as tropas belgas, estas não intervieram diretamente para encerrar a secessão de Katanga. A partir de então, Lumumba voltou-se abertamente para os soviéticos, seguindo o exemplo de Fidel Castro em Cuba. Não demorou para Patrice Lumumba ser preso, levado para Katanga e cruelmente executado, com a cumplicidade dos governos belga e norte-americano.

Embora o novo Estado de Katanga mantivesse muitos quadros técnicos e conselheiros militares belgas, teve desde muito cedo de reforçar as suas forças militares recorrendo a mercenários, que ficariam conhecidos como Affreux, ou Horríveis.

Mercenários no Congo.

Tshombe contratou os chamados “Soldados da Fortuna” principalmente na Europa, onde não faltavam ex-combatentes de muitos conflitos dispostos a ganhar algum dinheiro “fazendo guerras”. Sobre essa questão historiadores militares acreditam que esse único movimento de contratação é responsável por reviver a profissão de mercenário nos tempos modernos.

A Guerra dos Mercenários

Entre os contratados se destacaram alguns ex-oficiais superiores do exército francês, como Roger Trinquier e Roger Faulques, muito ligados à sua instituição de origem e que só agiam sob ordens secretas de Paris. 

Civis belgas deixam o Congo em meio aos conflitos.

Mas logo outras grandes figuras surgiram: o irlandês Thomas Michael Hoare, que tinha o apelido de “Mad Mike Hoare” e o francês Bod Denard, ou Gilbert Bourgeaud. Schramme voltou rapidamente ao Congo e foi alistado como oficial de treinamento na Base de Kamina. Não podemos esquecer que esses mercenários também atendiam os interesses das mineradoras estrangeiras na região, mas no caso de Schramme ele sempre afirmou que o seu objetivo maior sempre foi se restabelecer como fazendeiro após ter abandonado sua propriedade.

Mercenário abre fogo com metralhadora em uma estrada do Congo.

Schramme estava no Groupe Mobile E, uma unidade de mercenários comandada por um escocês beberrão chamado Robert Chambers, que se autodenominava Louis Chamois e cujo francês era péssimo. Schramme não ficou impressionado com Chambers, a quem afirmou: “À primeira vista, pensei que estava lidando com um bêbado duplamente louco. Ele fingiu ser um oficial, mas não estava interessado em nada além de sua garrafa e seu revólver“. O Groupe Mobile E tinha uma terrível reputação de crueldade, ao ponto de um colono belga, Frans Heymans, reclamar em maio de 1961 das “brutalidades nas mãos de Chamois e seus homens“.

Jean Schramme nos combates do Congo.

Schramme não era um soldado mercenário na acepção da palavra. Seus críticos afirmaram que ele era um indivíduo tímido e nervoso, um homem quase servil que desejava agradar aos outros. Entretanto, outras fontes apontam que rapidamente Schramme se tornou um dos principais conselheiros militares de Tshomb. Seus companheiros o admiravam pela sua calma, seus longos silêncios e sua inegável ascendência sobre os africanos, que ele liderava com firmeza, mas sem brutalidade. “É um homem gentil que sabe fazer-se obedecer”, diziam dele.

Durante o famoso Cerco de Jadotville, em setembro de 1961, no qual uma pequena companhia irlandesa de Capacetes azuis da ONU resistiu bravamente aos mercenários e soldados catangueses, Schramme serviu como oficial subalterno do comandante mercenário francês Robert Falques, um antigo coronel do exército e paraquedista da Legião Estrangeira.

Acredito que por essa época Schramme foi se destacando na luta e passou a ser conhecido como Jean “Black Jack” Schramme.

Forças suecas da ONU em ação no Congo.

Não demorou e mais de duzentos mercenários da França, África do Sul, Alemanha Ocidental, Reino Unido, Irlanda, Espanha, Portugal e Angola chegaram à província de Katanga.

Os homens liderados por Mad Mike Hoare estavam no Commando 5, com a maioria vindo da África do Sul, complementados por outros elementos de origem anglo-saxã. Apesar da grande maioria desses combatentes ser abertamente racista, eles ganharam uma reputação muito boa em combate, sendo considerados um grupo de elite entre as unidades estrangeiras. 

Símbolo do Batalhão Leopardo

Havia também o Commando 6 sob as ordens de Bob Denard e o Commando 10 com Jean Schramme como líder. Esses dois últimos grupos possuía um grande número de combatentes negros em seus quadros. O belga passou a chamar a sua unidade como “Batalhão Leopardo” e se destacou ao liderar seus homens em batalha, particularmente na guerra móvel, onde se especializou na capacidade de resistir a forças muito superiores.

Mas não demorou e Schramme e muitos outros mercenários foram presos por soldados da força de paz da ONU e, depois de dois meses de cadeia, foi expulso para a Bélgica em 17 de setembro de 1961. Outros afirmam que um padre ajudou o belga a escapar.

Dois mercenários detidos por tropas indianas da ONU.

Após passar várias semanas em seu país natal, seguiu para a colônia britânica da Rodésia do Sul, atual Zimbábue, onde comprou o livro Citações do Presidente Mao para conhecer seu inimigo, como ele se expressou.

Durante seu tempo na Rodésia do Sul, Schramme recrutou vários colonos brancos britânicos e sul-africanos para acompanhá-lo na luta por Katanga, onde voltou clandestinamente. Ele foi enviado para Kansimba, no norte de Katanga, para reunir novas forças e lá recrutou um grupo de jovens entre quinze e dezoito anos, membros das tribos locais, além de alguns outros antigos plantadores.

Tropas da ONU respondendo ao fogo inimigo utilizando um veículo blindado como proteção.

Em outubro de 1961 tomou a cidade de Kisamba dos congoleses, relatando orgulhosamente que, devido à sua disciplina superior, sua pequena unidade havia derrotado dois batalhões do Armée Nationale Congolaise. A princípio não foram dados maiores créditos as alegações de Schramme, mas o fato veio a ser comprovado e chamou bastante atenção dentro e fora do exército de Katanga.

Mas em 15 de janeiro de 1963 ocorreu a derrota final de Katanga e Schramme levou uma força de cerca de 400 gendarmes catangueses para a colônia portuguesa de Angola.

Mercenários deixando a região de Katanga.

Não demoraria e ele retornaria ao Congo para novas lutas.

A Terrível e Cruel Rebelião Simba

No final de 1963, guerrilheiros chamados Simbas, ou “Leões”, se rebelaram no leste do Congo e receberam o apoio de soviéticos e cubanos. Eles foram inicialmente bem-sucedidos, tomando uma quantidade significativa de território e proclamando a cidade de Stanleyville a sua capital da “República Popular do Congo”, de orientação comunista.

Guerreiros Simbas.

Enquanto o governo congolês reclamava o território dos Simbas, o exército do Congo se desintegrou diante dos rebeldes, que muitas vezes conseguiram intimidar unidades bem equipadas do exército para que recuassem ou desertassem sem lutar. Na sequência os combativos Simbas recorreram a tomar como refém a pequena população branca na região. No final de julho de 1964, os insurgentes controlavam cerca de metade do Congo. Totalmente desmoralizados por repetidas derrotas, muitos soldados do exército congolês acreditavam que os rebeldes Simba haviam se tornado invencíveis graças a rituais mágicos realizados por xamãs insurgentes.

Área controlada pelos Simbas no auge da rebelião.

À medida que o movimento rebelde se espalhava, os atos de violência e terror aumentavam. Milhares de congoleses foram executados em expurgos sistemáticos pelos Simbas, incluindo funcionários do governo, líderes políticos de partidos de oposição, policiais provinciais e locais, professores de escolas e outros que acreditavam terem sido ocidentalizados. Muitas das execuções foram realizadas com extrema crueldade e apenas em Stanleyville foram assassinados cerca de 1.000 a 2.000 congoleses ocidentalizados.

General Mobutu.

O comandante do exército congolês, o general Joseph-Désiré Mobutu, persuadiu o presidente Joseph Kasa-Vubu a nomear Moise Tshombe como primeiro-ministro em 9 de julho de 1964. O novo líder então chamou de volta os mesmos mercenários que ele usou para lutar pela libertação de Katanga, para agora salvar o Congo. Schramme foi um dos mercenários que Tshombe recrutou.

Enquanto isso se desenrolava, os rebeldes começaram a fazer reféns da população branca local nas áreas sob seu controle. No final de outubro de 1964, quase 1.000 cidadãos europeus e americanos foram feitos reféns pelas forças rebeldes em Stanleyville. Em resposta, tropas da Bélgica e dos Estados Unidos lançaram uma ação militar, em parceria com o exército congolês e os grupos de mercenários.

Paraquedistas belgas na Operação Dragon Rouge.

Foi realizado em 24 de novembro um ataque aerotransportado, que recebeu o codinome Dragon Rouge e teve como alvo Stanleyville. Cinco aviões de transporte Hércules C-130 da Força Aérea dos Estados Unidos lançaram 350 pára-quedistas belgas do Régiment Para-Commandos no Aeroporto Simi-Simi, na periferia oeste de Stanleyville. Assim que os paraquedistas protegeram o campo de aviação e limparam a pista, eles seguiram para o Victoria Hotel, o principal da cidade, onde impediram que os rebeldes Simbas matassem um grupo de 60 reféns. Nos dois dias seguintes, mais de 1.800 americanos e europeus foram evacuados, bem como cerca de 400 congoleses.

Freiras confraternizando com mercenários no Congo.

Não foi por outra razão que na época as imagens de freiras e padres sendo libertados por mercenários correram o mundo, tornando esses “Soldados da Fortuna” heróis mundiais e ampliando fortemente a mística envolvendo esses combatentes. No entanto, os Simbas executaram 20.000 reféns congoleses e 392 ocidentais, incluindo 268 belgas, entre estes vários missionários.

Cerca de 500 mercenários, muitos do Commando 10 de Jean Schramme, participaram da retomada de Stanleyville, em meio a combates muito duros. Nesse período, a lenda de Schramme afirmou-se durante esse período e o próprio general Mobutu concedeu-lhe uma medalha chamada Ordre de la Bravoure e oficialmente o comissionou como coronel do exército congolês.

Jean Schramme como oficial.

Se esse general, que um dia mudaria seu nome para Mobutu Sese Seko, soubesse o que Jean Schramme e seus homens iriam fazer tempos depois, teria enfiado a medalha e a patente pela goela abaixo do belga.

A Revolta dos “Soldados da Fortuna”

Em novembro de 1965, o general Mobutu tornou-se presidente do Congo e a partir de então a Bélgica passou a proteger seu regime contra rebeliões. Mobutu imediatamente começou a prender os ex-ministros do governo do Congo. Como ele não gostava dos mercenários brancos em seu país, dizem por conta de um comentário adverso sobre sua competência militar, de dezembro de 1966 a julho de 1967 o novo líder congolês reduziu o número de mercenários de 650 para 189.

Jean Schramme mostrando no semblante os sinais do cansaço da luta no Congo.

O mercenário francês Bob Denard alertou a Schramme que Mobutu planejava dissolver a última das unidades mercenárias, o que deu o ímpeto a um plano de restauração de Moise Tshombe no poder. Esse plano foi batizado como “Kerille” e planejado para se iniciar em julho.

Mauríce Quintin – Fonte – SOF.

É dessa época que surge o maior problema na vida de Jean Schramme – O “Caso Quintin”. O heroísmo abstrato da luta, caro aos amantes da epopeia maniqueísta, não resiste, porém, a derrapagens individuais concretas. Porque Jean Schramme, durante esse período conturbado foi acusado de assassinato.

Seis semanas antes do início programado do Plano Kerille, um empresário da cidade belga de Tournai, chamado Mauríce Quintin, visitou Schramme em seu posto em uma localidade chamada Yumbi. Ele disse que havia sido enviado por Tshombe em Madrid, Espanha, onde estava exilado, com ordens para iniciar o ataque contra o governo e o exército congolês antes do previsto. Quintin indicou que a unidade de Schramme tomaria a cidade de Goma no início de junho, um mês antes do planejado. Schramme não confiava em Quintin, o vê como um agente provocador enviado pelo general Mobutu e afirmou que seu relato era “falso”. Daí houve uma violenta discussão no refeitório dos oficiais em Yumbi e Schramme dá um tiro no peito de Quintin com um rifle. Depois ordena que um de seus comandados, Rodrigues, ou Rodrigue Roger, ou ainda Roger Rodrigue (um barman mercenário), desse um golpe de misericórdia com sua pistola e jogasse o cadáver no rio Lowe, que era infestado de crocodilos. Tempos depois Schramme afirmaria que Quintin era um “espião” (Revista Soldier of Fortune, edição de agosto de 1985, págs. 74 a 77). Episódio trágico, talvez de pouco peso no meio dos abusos cometidos nos estertores da descolonização, mas que, embora ainda estivesse longe de o suspeitar, perseguirá Schramme até ao fim da sua vida.

Tshombe morreu sem retornar ao Congo.

Em 30 de junho de 1967, quando Moise Tshombe retornava para o Congo do seu exílio na Espanha, o seu avião foi sequestrado – provavelmente por agentes da CIA e do serviço secreto francês – e seguiu para Argel, capital da Argélia, onde foi preso. Em 29 de junho de 1969, quase dois anos depois de sua captura, ele morreu em sua cela em circunstâncias suspeitas.

Para Schramme, a prisão de Tshombe foi um sinal de que algo deveria ser feito.

Mercenários em jipes, fazendo fogo com metralhadoras .50.

Na manhã de 3 de julho de 1967, o Commando 10 sob o comando de Schramme, junto com seus companheiros mercenários Bob Denard e Jerry Puren, lançaram ataques surpresa nas cidades de Stanleyville e Kindu.

Schramme liderou o ataque ao quartel do exército em Stanleyville, com uma força de onze mercenários brancos e cerca de 100 catangueses. O ataque matou centenas de soldados congoleses, levando os irados membros desse exército a executarem traiçoeiramente 31 mercenários que não estavam envolvidos na tentativa de golpe. O ataque que Schramme planejou foi descrito como “mal executado“, pois ele se comportou com excesso de confiança ao acreditar que sua pequena força seria suficiente para tomar Stanleyville. O certo é que os congoleses reagiram e, em uma semana, Schramme foi forçado a se retirar dessa cidade.

Coluna motorizada de mercenários.

Os mercenários então planejaram se mudar para o sul e se unir aos exilados de Katanga que estavam em Angola. Essas ações ficaram conhecidas como A Revolta dos Mercenários. Jack Malloch, um piloto rodesiano e traficante de armas, apoiou as forças de Schramme com voos transportando mantimentos, armas e munições.

Imagens reais de combates de mercenários no Congo .

Em 10 de agosto, suas tropas conquistaram a cidade fronteiriça de Bukavu e cresceram consideravelmente em número. Essa cidade era uma espécie de “Hollywood africana”, localizada à beira de um lago infinitamente azul. Casas suntuosas, cercadas por parques de estilo francês, serviram de acampamento para mercenários brancos e gendarmes catangueses. Caves cheias de vinhos, champanhe e uísque, armazéns cheios de provisões, quatro bancos com cofres bem cheios suprem as necessidades da mordomia. Talvez por isso Schramme conseguiu segurar Bukavu por sete semanas e derrotou todas as tropas do exército congolês enviadas para retomar a cidade.

Os militares congoleses sofreram com a falta de artilharia eficaz e estavam frustrados e desmotivados com suas perdas contínuas. Algumas das missões executadas por sua força aérea foram tão ineficazes, que acabaram atacando seus próprios homens em vez dos de Schramme. A escassez de munição foi um grande problema para o exército congolês, mas as forças de Schramme sofriam com uma escassez ainda maior de munição, pois o esperado apoio do exterior não chegou.

Mercenário ensinando táticas de combate.

Schramme então pediu que o presidente Mobutu entrasse em negociações com ele e exigiu que o regime democrático fosse restabelecido com Tshombe como parte do novo gabinete. Mobutu obviamente recusou, afirmando que não se sentaria e falaria com os “assassinos brancos“. Schramme, em troca, zombou e disse que “mostramos que o Exército Nacional Congolês é incapaz de nos derrotar” e ameaçou marchar sobre Kinshasa, a capital do Congo.

No mesmo período que Jean Schramme deixava a África, estourou na Nigéria conflito separatista da região de Biafra, onde vários mercenários europeus estiveram presentes. Na foto soldados biafrenses transpõem um riacho transportando op corpo de um mercenário abatido pelos nigerianos.

Por mais admirável que fosse a posição de Schramme em Bukavu, ele não poderia resistir indefinidamente. Bob Denard, agora em Angola, reuniu uma força e tentou invadir o Congo para ajudar seus companheiros mercenários de armas, apenas para ser repelido por ataques aéreos. Mobutu então reuniu mais de 15.000 militares para eventualmente dominar o belga e o seu “Batalhão Leopardo”. Finalmente, em 5 de novembro de 1967, o exército congolês conseguiu derrotar Schramme, cujas tropas sobreviventes, 129 mercenários e 2.500 catangueses, atravessam a fronteira de Ruanda. 

Schramme e seus comandados entrando em Ruanda em novembro de 1967.

A Ditadura Militar Brasileira de Olho no Mercenário Belga

Schramme finalmente trocou a África pela Europa em 1968, foi quando escreveu um livro sobre suas experiências no Congo — Le Bataillon Leopard — e manteve-se compreensivelmente quieto. Mas logo foi preso na Bélgica pelo assassinato de Mauríce Quintin. Ele defendeu suas ações como as de uma conduta normal nas circunstâncias da guerra, citando que “Era meu dever impedi-lo de colocar seu plano em ação, então atirei nele e ordenei acabar com ele e despejar seu corpo no rio Lowa”.

Anos depois ele comentou que a Bélgica o libertou após 44 dias de confinamento, devolveu o seu passaporte e o dossiê judicial onde constava seu caso foi classificado como ultra secreto. Com autorização do governo, Schramme deixou a Bélgica. Outras fontes informam que enquanto estava sob fiança e ainda aguardando sua sentença, Schramme decidiu sair do país em 1969. Já o governo belga, através do Ministério de Assuntos Exteriores, comunicou que ele havia deixado o país e “provavelmente estaria tentando voltar à África”.

Jean Schramme na Europa após seus dias na África.

Os belgas sabiam da capacidade de liderança de Schramme, seu poder de arregimentar homens, sua larga experiência em combate e disposição para luta. Para os belgas certamente seria uma baita fonte de dor de cabeça se Schramme abrisse uma nova frente de combate no Congo, que iria gerar problemas aos escorchantes e corruptos negócios com mineração que esses europeus mantinham na sua antiga colônia.

De toda maneira, ao sair do seu país natal, Schramme decidiu ir para Portugal, mas antes esteve em Madri, Espanha, onde deu uma entrevista à agência espanhola EFE e comentou sobre o seu futuro. Schramme se defendeu das acusações de assassinato de Quintin, afirmou que “não queria mais voltar a África” e informou que desejava “montar uma granja e viver no Brasil”. Não demorou e essa mesma entrevista foi reproduzida no jornal carioca O Globo (28/07/1969).

Só que um mês antes dessa publicação, os órgãos de informações e segurança da Ditadura Militar no Brasil já tinham ligado todas as antenas e abriram todos os olhos sobre a figura de Jean Schramme, conforme se pode ver no documento abaixo, produzido em 24 de junho de 1969 pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil, com informações repassadas pelo governo belga, que solicitaram às autoridades brasileiras informar se o antigo mercenário havia entrado no nosso país. Os militares daqui prontamente buscaram atender o pedido dos europeus.

Em um documento emitido em 27 de junho pela Quarta Zona Aérea da Força Aérea Brasileira (FAB), Schramme era enquadrado como um tendo uma pretensa periculosidade para “Subversão” e “Sabotagem/terrorismo”, além de haver um apontamento para “Assuntos especiais”, que em canto nenhum encontrei uma explicação sobre o que seria isso. O certo é que esse documento foi transferido para todas as unidades subordinadas à Quarta Zona Aérea e cópias foram enviadas ao Exército, Marinha e ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo. No mesmo dia foi emitido pela Primeira Zona Aérea da FAB um documento considerado “Confidencial”, onde caso fosse confirmado a presença de Schramme no Brasil, as autoridades deveriam “prendê-lo incomunicável”.

Realmente as forças de segurança brasileiras estavam com muita vontade de colocar as mãos no belga. Mas qual o interesse do nosso governo em Schramme?

Fica difícil pensar que os milicos e os burocratas do governo brasileiro imaginavam que esse calejado combatente iria negociar seus “serviços profissionais” com os militantes de esquerda que buscavam “lutar contra o Regime Militar” através da luta armada e implantar a “Ditadura do Proletariado”.

A capacidade de liderança e experiência de combate de Jean Schramme alertou o governo e os militares brasileiros.

Acredito que o governo brasileiro buscava prender Schramme para utilizá-lo como peça de propaganda e mostrar ao mundo que eles tinham feito “algo de bom” ao capturar o “malvado mercenário que tanto fez sofrer os congoleses e matou um compatriota”. Era o tipo de notícia que na Europa faria um ótimo contraponto às várias manchetes de torturas e desaparecimentos dos opositores do brutal regime militar brasileiro.

Só que essa estratégia, se é que ela existiu, não funcionou, pois o antigo mercenário sumiu. Eu não sei como, mas no período mais terrível da Ditadura Militar, o belga Jean Schramme conseguiu entrar no Brasil e desaparecer das vistas dos agentes consulares do seu país e dos “secretas” da FAB, do Exército, da Marinha e da Polícia Federal.

Viver em Paz

Ninguém acreditou em Schramme, mas desde o começo ele falou a verdade – Não queria voltar à África, queria viver no Brasil e montar uma granja – E assim ele fez!

Avenida em Rondonópolis – Fonte – primeirahora.com

Segundo documentos existentes no Ministério da Justiça, Jean Schramme foi para a cidade de Rondonópolis, no estado do Mato Grosso, a 212 km da capital Cuiabá. No começo da década de 1970, cerca de 63.000 pessoas moravam em Rondonópolis, que cada vez mais se consolidava como uma das principais fronteiras agrícolas do Brasil, onde não faltava espaço para quem desejasse trabalhar e desenvolver algum negócio nessa área. 

Rondonópolis na época em que Schramme chegou na região – Fonte – primeirahora.com

Consta que Schramme trabalhou como técnico em agronomia em uma fazenda chamada Três Irmãos, localizada no Km 30 da rodovia que liga Rondonópolis a Campo Grande e cujos proprietários eram conhecidos como “Irmãos Araújo”. Havia também a informação que o belga era proprietário da “Imobiliária Rondonópolis”, localizado na Avenida Fernando Corrêa da Costa e possuía em sociedade uma propriedade rural denominada “São Paulo”, no município de Itiquira, próximo a Rondonópolis, onde trabalhava com o cultivo de arroz e criava gado. Segundo jornais de Cuiabá (Jornal do Dia, 24/10/1984, pág. 8 e 25/10/1984, pág. 3), Schramme e foi um dos sócios fundadores da Associação dos Produtores Rurais do Sul de Mato Grosso (APRUSMAT). Descobri que o antigo combatente  havia adquirido no Loteamento  Chácara Beira Rio, na rua Quatro, uma  chácara a qual deu o nome de “Repouso do Leopardo”. Comentaram também que “se não fosse pelo seu sotaque” ninguém pensaria que aquele morador de Rondonópolis era belga e ele “nunca ocultou sua condição de ex-oficial”. 

Outra notícia interessante era que Schramme havia começado um relacionamento com uma jovem mato-grossense da cidade de Tesouro, que tinha 18 anos em 1974, se chamava Edith da Silva Pinheiro e dessa união nasceram três filhos. Edith era filha de Abner Araújo, um dos donos da propriedade Três Irmãos. 

Paisagem normal no Mato Grosso nos primeiros anos da década de 1970.

Trabalhando no que gostava, tendo uma companheira, filhos, vivendo em uma terra produtiva, boa e acima de tudo em paz, Jean Schramme talvez tenha pensado que o mundo e o Sistema teriam esquecido dele. Mas o Sistema, seja lá onde e como atua, jamais esquece de alguém que abalou as suas estruturas e lhe gerou problemas. Em finais de 1974, ou no ano seguinte, o Sistema voltou a focar em Jean Schramme. 

A coisa toda aparentemente começou com uma plantação de arroz que o belga implantou na cidade de Pedro Juan Caballero, no vizinho Paraguai, que fazia fronteira com o Mato Grosso antes da divisão territorial de 1977. Em uma ocasião, Schramme foi à embaixada do seu país em Asunción, capital paraguaia, para regularizar seu passaporte. Se saiu de lá com o passaporte novo eu não sei, mas documentos do Ministério da Justiça mostram que o nosso Ministério das Relações Exteriores recebeu dos belgas a informação que o antigo mercenário continuava por aqui. 

Para o Reino da Bélgica, ao menos naquele momento, seu famoso súdito não estava lhe causando problemas e nem eles nada pediram aos brasileiros. Mas para o governo brasileiro a informação era importante, pois a situação diplomática na África era especial. 

Nessa época, a presença de um antigo mercenário europeu que lutou no Congo e enfrentou o ditador Mobutu poderia ser um gerador de problemas. Em termos de política externa o governo do general Ernesto Geisel, que governou o Brasil de 1974 a 1979, procurou ampliar a presença do nosso país na África através do trabalho do Ministro das relações Exteriores Antônio Francisco Azeredo da Silveira Geisel, que desenvolveu com sucesso uma orientação denominada “Pragmatismo responsável“. O governo brasileiro mostrou então uma postura favorável em relação à descolonização na África, onde reconheceu a independência de Guiné-Bissau, de Angola e de Moçambique, além de apoiar o ingresso dessas ex-colônias portuguesas na ONU e abrir embaixadas em várias ex-colônias europeias na África.

Documento do Ministério da Justiça de 1981 que mostra a situação de Schramme no Brasil.

Certamente os barnabés do Ministério das Relações Exteriores pensaram que não ficava muito bem que os países africanos soubessem que o mítico Jean “Black Jack” Schramme vivia tranquilamente no interior do Brasil. O problema para esses funcionários públicos era que o belga havia casado com uma brasileira, tinha três filhos para sustentar, negócios legais no país, não havia praticado nenhum crime em nosso território e, diante dessas situações, a lei impedia sua deportação. Mesmo assim, conforme é possível ver no memorando abaixo, o pessoal do Ministério das Relações Exteriores queria mesmo era ver Schramme bem longe do Brasil. 

O Sistema Não Esquece 

O tempo foi passando e Schramme continuou no Brasil. Mas, como escrevi anteriormente, o tal do Sistema não esquece jamais e mais uma vez ele veio atrás de Jean Schramme. 

No ano de 1984 o Brasil se encaminha para a normalidade democrática, mas em uma quarta-feira, 17 de outubro de 1984, um grupo de policiais invadiu a casa de Schramme e o levou preso para a sede do Departamento da Polícia Federal, em Brasília. Notícias da época informaram que a prisão foi tão abrupta, que o belga nem pode “se preparar para acompanhar os agentes”. 

A princípio os jornais noticiaram que o ditador Mobutu Sese Seko, que por essa época tinha mudado o nome do seu país para Zaire, era quem estava pedindo a extradição de Schramme. Mas os federais explicaram que estavam cumprindo determinações de Ibrahim Abi-Ackel, então Ministro da Justiça, e a bronca tinha relação com o “Caso Quintin”, onde seu país natal pedia sua extradição para realização de um julgamento.

Somente quase dois meses depois, em 12 de dezembro, Jean Schramme foi interrogado pelo Ministro Aldir Guimarães Passarinho, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a sua situação. Segundo o Jornal do Brasil (1° Caderno, pág. 12, 13/12/1984), Schramme confessou abertamente que matou Quintin, mas disse que o fato se deu para “evitar riscos” para si e sua tropa. Com base no seu depoimento o Procurador-Geral da República Inocêncio Mártires Coelho, iria dar um parecer sobre a permanência, ou não, do belga no Brasil. Então o Ministro Aldir Passarinho realizaria uma análise sobre o caso. Mas veio o recesso de fim de ano do STF e o caso do belga ficou para ser finalizado em fevereiro de 1985. Enquanto isso, o antigo mercenário iria aguardar a decisão em uma cela do Departamento da Polícia Federal. 

Capa da revista Soldier of Fortune, edição de agosto de 1985, onde foi publicada a entrevista de Schramme quando estava detido na Polícia Federal em Brasília.

Desde que ficou preso em Brasília, Schramme recusou pedidos para falar com a Associated Press (AP) e a United Press International (UPI), mas deu uma entrevista para a revista americana Soldier of Fortune, ou SOF. Fundada em 1975 por um antigo boina verde que serviu na Guerra do Vietnã, essa revista alcançou muito sucesso editorial como um informativo dedicado a reportagens sobre conflitos em todo o mundo e sobre para trabalhos mercenários, além de divulgação de materiais bélicos. 

Fumando muito Schramme comentou ao jornalista muito sobre seu período no Congo e as crises ocorridas naquele país. Ao ser perguntado se odiava a Bélgica, ele disse “não”, mas acrescentou: “Eu odeio os ministros belgas que jogaram um repugnante papel duplo com o antigo Congo Belga. E eu odeio alguns belgas magistrados da corte que após todos esses longos anos ainda querem a minha cabeça…” 

Foto de Jean Schramme publicada na revista Soldier of Fortune, edição de agosto de 1985.

Schramme continuou afirmando que não fez nada errado em relação à morte de Mauríce Quintin – “O que eu fiz foi certo. E eu estava mesmo totalmente autorizado a fazê-lo. Mobutu havia me dado poderes absolutos. E eu estava, naquele momento em particular, oficialmente como um coronel ativo no regular Armée Nationale Congolaise.” E continuou – “Minha libertação da prisão na Bélgica e a devolução do meu passaporte era uma espécie de compromisso entre o Ministério Belga do Exterior e eu. Me foi dada permissão para sair do país depois que prometi manter minha boca fechada sobre os negócios do Congo. Muitas pessoas de alto escalão em Bruxelas sabiam muito bem quantos documentos incriminatórios eu tinha em minha posse sobre o papel secreto da Bélgica nas crises do Congo”.

No final da entrevista comentou “Sim, sinto muita falta da minha esposa e dos meus filhos. Mas não me arrependo”. 

No dia 29 de maio de 1985 o Supremo Tribunal Federal negou por unanimidade a extradição de Jean Schramme. O Ministro Aldir Passarinho, relator do caso, sustentou a incompetência do governo belga para requerer a extradição, alegando que o delito foi praticado no Congo. 

Schramme deixou sua cela no Departamento da Polícia Federal, depois de sete longos meses de cadeia, e voltou para sua esposa e filhos em Rondonópolis.

Enquanto o belga vivia tranquilo no Brasil, no dia 17 de abril de 1986 um tribunal na sua terra natal condenou-o à revelia a vinte anos de trabalhos forçados. Todos os pedidos de extradição foram recusados ​​pelas autoridades brasileiras. Afinal, Schramme adquiriu dupla nacionalidade por meio de seu casamento com uma brasileira e o Brasil não extradita seus nacionais. Dois anos depois, em 14 de dezembro de 1988, Jean Schramme morreu de forma totalmente inesperada, aos 59 anos, em sua fazenda em Rondonópolis. 

A última notícia que consegui sobre a vida do antigo mercenário em Rondonópolis foi que o vereador Orivaldo Alves Moreira, conhecido como Kaza Grande, propôs em 21 de março de 2023 a alteração da rua Quatro da Chácara Beira Rio para “Rua Coronel Jean Schramme”.

A VERDADE SOBRE CHE

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Fonte – d3va.deviantart.comartChe-65685962

Se Che Guevara fosse uma marca, estaria entre as mais valiosas do mundo até hoje, meio século depois da Revolução Cubana. A imagem dele continua em todo lugar – tatuagens, camisetas, na capa da SUPER… Por quê?

Como um guerrilheiro latino-americano se transformou em El Che, a lenda?

Quem é o homem de verdade por trás do mito?

É o que você vai ver aqui.

Ernesto e seu fim

Mas antes, vamos fazer uma escala onde a lenda começou a tomar forma: a Sierra Maestra, quartel-general dos rebeldes cubanos em 1958. Lá, Fidel, Che outros líderes resistiram a todo tipo de ataque. E foi de onde Guevara saiu para comandar uma batalha cujo resultado mudaria a história de Cuba. E marcaria a da humanidade.

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Fonte – http://d3va.deviantart.com

O tenente boliviano Mario Terán empunhou seu fuzil semiautomático. Tinha diante de si o guerrilheiro Ernesto Guevara de la Serna, que havia sido capturado no dia anterior e agora esperava pela morte numa escola de La Higuera, sudeste da Bolívia. Terán tinha fama de durão, mas não conseguiu puxar o gatilho. Ficou paralisado ao ver o homem esquálido, o cabelo grudado, as roupas em trapos e os pés cobertos de lama seca. Estava ferido, mas intimidava. “Achei que ele se lançaria sobre mim. E, quando me olhou fixamente, fiquei tonto”, disse depois. Mas Guevara o encorajou: “Fique calmo e aponte bem! Você vai matar um homem”. Terán fechou os olhos e lançou a primeira rajada. Ernesto caiu com as pernas destroçadas, jorrando sangue. Terán disparou outra leva de balas. Uma delas perfurou o coração, fazendo-o parar com 39 anos. Era 9 de outubro de 1967. Data do nascimento da divindade Che Guevara uma figura lapidada pelo próprio Ernesto.

O médico errante

Ele nasceu como mais um garoto de classe média. Os pais descendiam de nobres europeus e latifundiários argentinos, mas não herdaram muito mais que os sobrenomes. Quando Celia de la Serna deu à luz seu primogênito em Rosário, em 1928, seu marido, Ernesto Guevara Lynch, investia numa plantação de erva-mate na província vizinha de Misiones.

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Celia de la Serna e seu primogênito Ernesto, em Rosário, Argentina, em 1928 – Fonte – http://www.revistaanfibia.com/cronica/segun-su-madre-fue-un-alumno-normal/

Lynch era um empresário mambembe: uma hora plantava mate, na outra construía iates, e aos poucos foi torrando as posses da família.

Para complicar, o filho tinha saúde precária. “A asma furiosa de Ernestito determinou grande parte de nossa vida. A cada dia ficávamos mais à mercê dessa maldita doença”, disse Lynch em 1967. O garoto passava dias na cama, sem poder ir à escola, e acabou aprendendo a ler com a mãe.

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Outra imagem de Ernesto e sua mãe – Fonte – http://aristeguinoticias.com

Nos anos 40, os negócios da família iam mal, e os Guevara foram tentar a vida na cidade de Córdoba. Lá, as garotas se encantavam com o bonitão tímido de ombros largos, que sabia francês, jogava rúgbi para superar a asma e se fantasiava de Gandhi no Carnaval. Ernesto era um galã diferente: enquanto os amigos caprichavam na roupinha engomada, ele andava de blusa larga e capa de chuva, declamando poesias e orgulhoso de não tomar banho o que lhe valeu o apelido de Chancho (Porco). Mas, vai entender era dele que as meninas gostavam mais. “Todas nós estávamos apaixonadas por Ernesto”, disse depois Miriam Urrutia, colega dele naqueles tempos.

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A familia Guevara completa em Mar del Plata. O futuro Che é o primeiro a esquerda – Fonte – http://aristeguinoticias.com

Mas quem inaugurou oficialmente o rapaz, na época com 14, 15 anos, não foi nenhuma delas, e sim a empregada de um amigo, conhecida como La Negra Cabrera. No dia da primeira vez, os amigos espreitaram pelo buraco da fechadura e viram que Ernesto interrompia o ato, de tempos em tempos, para aliviar ataques de asma um espetáculo que virou motivo de piada entre a turma. Mas não para a senhorita Cabrera, que continuou encontrando Ernesto por anos.

No curso de medicina, em Buenos Aires, ele chamou a atenção dos colegas por outro motivo: a falta de ativismo político. “O país vivia um golpe militar atrás do outro, mas Ernesto se recusava a protestar nas ruas. Apesar da curiosidade pelo socialismo, ele até então não demonstrava qualquer inclinação por se afiliar à esquerda””, diz o jornalista americano Jon Lee Anderson, autor do livro Che Guevara – Uma Biografia. O que fascinava mesmo o rapaz eram os livros e as viagens. Lia de tudo de Freud a Aldous Huxley, filosofia grega e indiana, resumindo as ideias em seu Dicionário Filosófico. E gostava de enfiar o pé na estrada: antes de terminar a faculdade, acoplou um motor numa bicicleta e rodou pelo seu país.

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Ernesto Guevara de la Serna no curso de medicina na Universidade de Buenos Aires – Fonte – http://aristeguinoticias.com

Assim Ernesto cresceu na Argentina como um cara qualquer. Che ainda estava adormecido lá dentro. E só começaria a acordar quando ele saiu de moto pela América do Sul com o amigo Alberto Granado. Nessas andanças, pediu comida e abrigo em beira de estrada, atravessou o rio Amazonas de balsa e estreou como médico numa colônia de leprosos no Peru. Enquanto isso, afiava suas leituras de Karl Marx e de filósofos socialistas, como o peruano José Mariátegui e a polonesa Rosa Luxemburgo. E, à medida que se distanciava da Argentina branca e metropolitana, descobria a outra cara do continente.

“-Quando fizemos a viagem, tudo o que tínhamos lido se multiplicou por 100”, recordaria Granado anos depois.Uma coisa é ler sobre a miséria e a perseguição política; outra é ver um casal passando fome e frio.”

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Alberto Granado e Ernesto Guevara na sua primeira viagem pela América Latina (1951-1952) – Fonte – http://aristeguinoticias.com

Granado voltou à vida de médico, mas Ernesto seguiu sua jornada rumo à América Central. A essa altura, já se dizia discípulo de San Karl (como chamava Marx) e queria viver na Guatemala, onde o presidente Jacobo Arbenz iniciava uma reforma agrária. Quando chegou lá, com 25 anos e US$ 3 no bolso, ele conheceu a pessoa que mudaria sua vida: a peruana Hilda Gadea, líder exilada da Aliança Popular Revolucionária Americana. Hilda se apaixonou por ele, mas nunca foi correspondida à altura. Como o próprio Che confessou anos depois a um amigo russo, os dois só se casaram em 1955 porque ela engravidou. A relação entre os dois tinha um caráter mais fraterno e ideológico que romântico ou erótico, diz o cientista político mexicano Jorge Castañeda, autor da biografia Che Guevara.

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Alberto Granados e Che durante viagem pela América Latina. – Fonte – http://www.sintesecubana.com.br

O mais importante, porém, é que Hilda o apresentou a Nico López e outros exilados cubanos que tinham atacado o Quartel de Moncada, em Cuba, na esperança de deflagrar uma rebelião contra o ditador Fulgencio Batista. Foram eles que o apelidaram de Che (tirando sarro da coisa de os argentinos chamarem os outros de chê, como os gaúchos fazem). Os cubanos lhe contaram sobre as proezas dos irmãos Fidel e Raúl Castro, líderes do movimento, presos após o assalto. “Pela primeira vez, Ernesto se identificava abertamente com uma causa política”, diz Jon. Boa ou má, ele tinha escolhido a revolução esquerdista da Guatemala.”

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Che com sua primeira mulher, Hilda Gadea – Fonte – http://www.latinitude.com.br

Os EUA não estavam dispostos a tolerar um regime socialista em seu quintal. Assim, quando Arbenz expropriou os latifúndios da empresa americana United Fruit Company, a resposta da CIA não tardou: pilotos mercenários bombardearam a capital para forçar a renúncia do presidente. Ernesto ficou excitado sob o fogo. “Me senti envergonhado por me divertir como um macaco”, confessou à mãe numa carta, dizendo que Arbenz era corajoso e morreria defendendo o país.

E aí veio a mudança: até então um espectador anônimo, Ernesto resolveu partir para a ação ao ver a inércia do governo. “Pegou lápis e papel e começou a traçar um sistema defensivo, com batalhões de operários”, diz o jornalista argentino Hugo Gambini na biografia El Che Guevara. Ele acreditava que a revolução só sobreviveria se armasse o povo. E saiu por bares e alojamentos estudantis chamando as pessoas a pegar em armas. Não funcionou.

Che então se juntou a uma milícia armada da juventude comunista, esperando chegar à frente de batalha. Depois foi trabalhar em um hospital onde mais uma vez se ofereceu para combater. Resultado: ficou conhecido como vermelho, acabou expulso do emprego e precisou viver escondido na casa de conhecidos. Sua vida corria perigo. O diplomata argentino Nicácio Sánchez advertiu que parasse de defender a luta armada, pois estava na mira de agentes americanos”, diz Gambini. Além do mais, Arbenz tinha renunciado e não havia mais nada a fazer. Essa frustração marcou Ernesto.

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Junta militar que tomou o poder na Guatemala em 1954 – Fonte – http://www.lawyersgunsmoneyblog.com

Por uns anos, ele deu fim a sua busca filosófica. Declarou que os EUA eram inimigos da humanidade e se transformou num jovem mais dogmático e doutrinário, afirma Jon. Isso lhe deu forças para se converter em Che, deixando para trás o Ernesto Guevara. A embaixada argentina ofereceu repatriá-lo, mas ainda não era hora de voltar para casa. Sua bússola apontava para o México, o santuário dos exilados políticos da América Latina. Lá ele conheceria Fidel Castro e descobriria o caminho rumo à glória e à morte.

Guerrilheiro

O encontro aconteceu no apartamento da cubana Maria Antonia González, uma espécie de quartel-general dos revolucionários. Depois de 22 meses preso em Cuba, Fidel acabara de chegar à capital mexicana para reorganizar seu grupo guerrilheiro o Movimento 26 de Julho (de 1953, data do assalto ao Moncada) e arrecadar fundos para a compra de armas com outros cubanos que queriam derrubar Batista.

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Na prisão mexicana, incluindo Fidel e Che – Fonte – http://www.cubadebate.cu

Quando convidou o excitado argentino a participar da expedição, ele topou na hora. Seria o médico da tropa.

Na verdade, a decisão final não foi tomada naquela noite. Em cartas à família, ele ainda expressava seu desejo de continuar viajando e, quem sabe, estudar em Paris. Mas tudo isso ficou para trás ante o novo projeto. “A paixão de Fidel por Cuba e as idéias revolucionárias de Guevara se uniram como a chama de uma centelha”, disse Lucila Velazquez, ex-namorada de Fidel.

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Em pleno debate. Ernesto Guevara e Fidel Castro – Fonte – http://aristeguinoticias.com

Olhando bem, Che e Fidel pareciam dois opostos. Um era médico, o outro, advogado. Um vinha de uma família aristocrata falida, o outro era filho de um proprietário de terras emergente. Che nunca tinha feito militância, ao passo que Fidel, apenas dois anos mais velho, já despontava como líder do Partido Ortodoxo (antigovernista) em Cuba. Guevara era um marxista convicto, enquanto Fidel ainda era contra o comunismo. Por outro lado, havia semelhanças: ambos tinham sido mimados pela família, compartilhavam um inimigo comum (os EUA) e queriam fazer revoluções.

O treinamento do M-26-7 ficou a cargo do cubano Alberto Bayo, antigo oficial do exército republicano espanhol. Durante três meses, Bayo ensinou-lhes os segredos da guerrilha na fazenda Santa Rosa, que reproduzia as condições geográficas da Sierra Maestra, em Cuba.

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A prática de tiro ao alvo em 1956. A partir do verão de 1955, Ernesto se juntou ao destacamento de cubanos no México, em preparação para a guerra revolucionária em Cuba contra a brutal ditadura de Fulgencio Batista – Fonte – http://www.cubadebate.cu

Eles aprenderam  atirar com pistola, rifle e metralhadora, fabricar bombas, explodir barricadas, e se camuflar na selva. Apesar da asma, Che foi o melhor aluno do grupo um belo estímulo para quem havia sido dispensado do Exército argentino. Assim, no final daquele ano o grupo zarpou para Cuba a bordo do iate Granma (do inglês grandmother, avó). Pequeno e instável, o barco não deveria levar mais de 20 guerrilheiros. Acabou suportando 82, além de comida e um arsenal que incluía dois canhões antitanque, 35 rifles, 55 fuzis e 40 metralhadoras. Arriba la revolución!

A semente do mito

A missão começou mal. Depois de 7 dias vomitando no iate, os revolucionários foram descobertos ao se aproximar da costa cubana. Nos 3 dias seguintes, caminharam em pântanos tentando despistar os aviões de Batista, comendo só cana-de-açúcar. Finalmente alcançaram o lugarejo de Alegria del Pio, onde foram surpreendidos pelo fogo inimigo. Che se viu num dilema. “Tinha diante de mim uma caixa de remédios e outra de balas, e as duas eram pesadas demais para que as carregasse juntas. Apanhei a caixa de balas”, diz ele no livro Nossa Luta em Sierra Maestra.

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Granma, iate que fez a travessia do México para Cuba – http://www.mccrow.org.uk

Não se sabe o número exato de sobreviventes do Granma. Dos 82 homens, Jon Lee Anderson estima que 22 se reagruparam na sierra (os relatos oficiais falam em 12, numa alusão aos apóstolos). Certo é que o grupo aproveitou o isolamento na mata fechada para se recompor aos poucos. Atraiu novos combatentes e recebeu apoio dos camponeses, que ofereciam suas choças como esconderijo e seus cavalos para matar a fome. Não só eles: salvo a alta burguesia, o país inteiro estava unido contra Batista. A Revolução Cubana não foi feita apenas pelo M-26-7 mas também por outras forças, como o Partido Socialista Popular (comunista) e os social-democratas, que tinham em comum a rejeição ao ditador.

O sujeito estava praticamente sozinho: o exército de Batista se recusava a sair dos quartéis. E, quando saía, não queria combater. Sofria de desânimo generalizado e já não contava com o apoio dos EUA.

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Guerrilheiros cubanos – Fonte – http://www.cubadebate.cu

Mesmo assim, eram 10 mil soldados contra algumas centenas de guerrilheiros que tinham de se virar para arranjar armas. Um dos lugares para consegui-las era o quartel El Uvero. E foi lá, num ataque para tomar o quartel em maio de 1957, que o mito de Che germinou entre os guerrilheiros. Ernesto se destacou no combate e no cuidado de feridos dos dois lados, e Fidel o promoveu a comandante da 2a coluna do Exército Rebelde. Só Castro tinha um posto tão alto. Che montou sua base de operações em El Hombrito, onde improvisou um hospital, deu aulas de alfabetização a camponeses, fabricou granadas e editou o jornal El Cubano Libre. Além do trabalho na retaguarda, ele lutou na linha de frente e se tornou especialista em destruir pontes para bloquear o acesso de guarnições inimigas. Os jornalistas ficaram fascinados com o comunista radical que se tornava o emblema da revolução.

As mulheres também. Para variar, se derretiam por ele. Che não costumava se aproveitar disso e evitava que seus homens frequentassem bordéis. Mas mandou a ética às favas com Zoila Rodríguez, uma bela mulata de 18 anos. Depois, uma companheira de armas, Aleida Marsh, viraria também companheira de lençol.

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Feliz ano novo! Os guerrilheiros e a chegada de 1958 em plena selva. Havía pouco mais de um ano que iniciaram a sua luta e exatamente um ano depois conseguiriam seu triunfo – Fonte – http://aristeguinoticias.com

De volta ao front: além de Che, Raúl Castro, Camilo Cienfuegos e Juan Almeida ganharam postos de comando, e assim os rebeldes foram ocupando as montanhas em direção às cidades. No fim de 1958, as tropas do governo estavam cercadas. Logo a cidade de Santa Clara cairia. E viria o desfile de tanques em Havana.

Herói fora, vilão em casa

Em 1959, a revolução finalmente triunfou o problema era o que fazer com ela. Algumas centenas de homens foram fuzilados na fortaleza de La Cabaña muitos sem ter nada a ver com a história. Che incumbiu Miguel Angel Duque de Estrada de dirigir a Comissão de Depuração dos suspeitos de crimes de guerra, embora a maioria dos detidos não passasse de chivatos (delatores). Nem sabíamos o nome de todos os presos. Mas tínhamos um trabalho a fazer, disse Estrada. É nesse ponto que os historiadores se dividem. Alguns acusam Che de ser um carniceiro no cargo de promotor supremo de La Cabaña. Outros dizem que ele perdoou quantos pôde.

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Fuzilamento executado por guerrilheiros cubanos em 1959 – Fonte – http://cubanexilequarter.blogspot.com.br

O certo é que, com Hilda Gadea, Ernesto não foi exatamente sensível. Enquanto ele dava seus tiros, sua mulher tinha ficado no continente cuidando da filha do casal. Aí, logo que a guerra acabou, Hilda correu para Cuba. Mas Che não tinha boas notícias: avisou que queria o divórcio. Estava pronto para casar com Aleida, que lhe daria mais quatro filhos.

Quando a poeira assentou, Ernesto virou presidente do Banco Nacional de Cuba – o Banco do Brasil de lá. Quem diria: o argentino errante agora era banqueiro. Fidel sabia que Che entendia pouco de economia, mas não confiava em nenhum economista para o cargo. Erro: Ernesto reduziu o salário dos funcionários, que eram considerados honestos e competentes. Muitos pediram demissão, mas ele não ligou, dizendo que estivadores e camponeses dariam conta do trabalho. Depois percebeu na prática que não, eles não tinham como, e mudou de ideia. Mesmo com fiascos desse tipo no currículo, acabou nomeado ministro da Indústria  sabendo que também não aguentaria muito tempo.Ficaremos cinco anos aqui e depois vamos embora fazer uma guerrilha, disse a um assessor.

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Che Guevara como ministro da Industria de Cuba – Fonte – cheguevara.forumfree.it

Vocação à parte, essa foi a época de ouro de Che na ilha. Sua popularidade bateu no auge com o combate da baía dos Porcos, onde seus soldados frustraram um plano da Casa Branca para derrubar Fidel. Publicou livros como Guerra de Guerrilhas e fez de seu gabinete uma passarela de intelectuais. Por ali desfilou gente como o escritor argentino Ernesto Sabato e o filósofo francês Jean-Paul Sartre, que mais tarde o exaltaria como o ser humano mais completo da nossa época. A imagem de Che começava a ficar maior que a da revolução: ele agora era o guerreiro ilustrado e francófono, o estrategista bonito e cobiçado pelas mulheres. Em suma, um popstar adulado por gente tão distante quanto o político mexicano Lázaro Cárdenas e o ex-presidente Jânio Quadros que o condecorou com a Ordem do Cruzeiro do Sul.

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O presidente brasileiro Jânio Quadros condecora Che Guevara com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. Capa da extinta revista “Manchete” – Veja em – https://br.pinterest.com/pin/336714509614116260/

Mas ele logo se sentiu sozinho na ilha. Fez inimigos dentro do partido, e sua relação com Fidel se complicou. Che era um sujeito incômodo. Não se calava nunca, diz o historiador argentino Felipe Pigna. Já não aceitava a ingerência da URSS em Cuba, cada vez mais forte depois do bloqueio americano e da expulsão da Organização dos Estados Americanos.”

Enquanto as divergências aumentavam, o mito de Che ganhava alcance mundial. Suas viagens eram acompanhadas de multidões gritando “Cuba sim, ianques não!”, como aconteceu na cúpula da OEA em Punta del Este, no Uruguai. No discurso que fez na sede da ONU, em 1964, ele deixou claro sua opção pelos países pobres não alinhados; e, logo depois, na Argélia, acusou a URSS de ser cúmplice do imperialismo. Claro que isso enfureceu comunistas dentro e fora do Kremlin.

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Che com filósofos franceses Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir em Cuba – Fonte – spotniks.com

De volta a Cuba, Che percebeu que não estava contra Fidel, mas tampouco com ele. Nem casamento nem divórcio, definiu. E então os dois chegaram a um acordo. Che queria continuar fazendo a revolução em outros países. Não nasci para ser ministro nem avô, já tinha dito. E Fidel deu sinal verde.

Tragédia anunciada

O Congo parecia o destino ideal: no coração da África, ele serviria para irradiar a guerrilha por todo o continente. Mas, quando chegou lá, em 1965, a principal insurreição já havia terminado. Sua única participação num combate acabou em derrota. Foi tudo a história de um fracasso, escreveu Che em seu diário. Pudera: ele quis repetir na África a epopeia da Sierra Maestra, mas acabou num país 20 vezes maior que Cuba e ceifado por lutas tribais.

Teve que dar ordens a comandantes que não queriam ir à frente de batalha e soldados que se recusavam a carregar suprimentos, dizendo “Mimi hapana motocar” (Não sou caminhão). Com o tempo, diziam “Mimi hapana cuban” (Não sou cubano). Che reconheceu: chegou lá sem ser convidado. Mas não desistiu. Saiu da África disposto a realizar seu sonho: fazer a revolução na Argentina. O problema é que nem a URSS e nem os Partidos Comunistas queriam saber de luta armada na América Latina. Os cubanos buscaram então uma alternativa que não resultasse em novo fracasso. E ainda precisavam convencer Che de que o país escolhido seria apenas uma escala rumo a sua terra natal. Acabaram optando pela Bolívia, cujo Partido Comunista manifestou menos rechaço à luta armada que os demais.

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Che e seus companheiros na selva boliviana – Fonte – adst.org

Che chegou à Bolívia incógnito, disfarçado como um homem de 60 anos e com passaporte falso arranjado pelo serviço de inteligência cubano. Sofisticado, mas a operação foi outro tiro na água. Os índios bolivianos não se uniram aos guerrilheiros. Não entendiam o idioma nem objetivo deles naquelas terras. Ao contrário da Sierra Maestra, na Bolívia a guerrilha acabou denunciada pelos próprios camponeses. Eles sentiram que viera uma invasão, diz Pigna.

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Che Guevara capturado na Bolívia – Fonte – http://www.profjuliososa.com.br

Bastaram 11 meses para que as tropas de Che fossem dizimadas. Um dos poucos sobreviventes, Dariel Alarcón Ramirez o comandante Benigno, acusou Fidel de ter abandonado Che à própria sorte. Assim, Castro teria se livrado do homem que o ofuscava em Cuba. Outros discordam, dizendo que Che nunca pretendeu suplantar Fidel. É provável que Fidel tenha decidido que um Che mártir na Bolívia serviria mais à revolução do que um Che vivo, abatido e melancólico em Havana. O primeiro permitiria a criação de um mito. O outro acarretaria enormes discussões e divergências, todas insolúveis, diz Castañeda.

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Corpo de Che Guevara exibido por militares bolivianos – Fonte – g1.globo.com

Julgar Fidel incapaz de um cálculo de tamanha frieza e cinismo seria desconhecer os meios que garantiram sua permanência no poder por mais de 40 anos. Segundo Castañeda, Fidel não enviou o Che à morte. Nem o traiu. Nem o sacrificou. Só deixou que a história seguisse seu curso, com plena consciência de qual seria o desfecho.

Jon Lee e Pigna também concordam que Che se autocondenou à morte quando partiu para a Bolívia. Suas chances de vitória eram mínimas. O próprio Benigno notou que o Che seguiu uma estratégia irracional em seus últimos dias, quando a asma sugava suas últimas forças. Precisava-se de remédios, por que não ordenou que seus homens assaltassem uma farmácia? Na opinião de Benigno, Che pretendia se sacrificar num último e glorioso combate. Ele aconteceu na manhã de 8 de outubro, quando Che e seus homens se viram cercados por militares bolivianos na Quebrada del Churro, uma garganta cheia de arbustos.

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Fonte – http://www.celebritymorgue.com

O argentino disparou sua carabina até que ela levou um tiro no cano e ficou inutilizada. Uma segunda bala perfurou sua perna esquerda. Ernesto ainda tentou fugir pela margem da garganta, mas deu de cara com a arma do sargento Bernardino Huanca, que o ouviu dizer: Não atire. Valho para você mais vivo do que morto”.

Alvoroçados com a captura, os militares levaram o guerrilheiro para uma escola de La Higuera. No dia seguinte, o tenente Mario Terán se ofereceu para dar cabo dele. Ansioso por vingar a morte de três companheiros, não teve dúvidas: escolheu um fuzil semiautomático. Matou o guerrilheiro Ernesto. Tirou a vida do argentino aventureiro, obstinado e devorador de livros. Só que deu à luz algo bem maior – um mito ancestral, cuja história se repete desde o início dos tempos: o mito do herói para quem os ideais são algo acima da vida e da morte. O mito do santo que se sacrifica para salvar a humanidade. O semideus. O Cristo. Deu à luz Che Guevara.

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Fonte – d3va.deviantart.com

Che Guevara nem Combate

Depois de conquistar adeptos na mata, o médico Ernesto Guevara parte para a batalha que selaria a vitória rebelde. E se torna Che, o mito.

Depois de virar mito, ele chegou ainda mais alto: tornou-se uma divindade. Como um garoto argentino de classe média e com espírito aventureiro conseguiu tanto mesmo tendo feito um monte de besteiras (e de atrocidades).

1. Recrutamento
Estamos no ano de 1958. Gente do país todo peregrinava até a Sierra Maestra, aqui, para aderir à guerrilha. Tudo começara dois anos antes com cerca de 20 homens. Agora já eram centenas.

2. Treino
Mesmo assim era pouco em comparação com os 10 mil homens do Exército cubano. Então os treinos eram intensivos, com bastante prática de tiro ao alvo, para que cada rebelde pudesse valer por soldados.

3. De grão em grão
Os rebeldes esperavam ser atacados. Na selva, é bem mais fácil matar se você está na defensiva, já que quem avança tem de fazer isso em fila indiana. Atiradores nas árvores tinham a missão de alvejá-los. E campos minados também ajudavam.

4. Vira-casaca
O exército de Batista era grande, mas desmotivado (quase todo cidadão cubano odiava o ditador). Então muitos soldados viraram a casaca e reforçaram a guerrilha.

5. Assaltos
Fidel e seus “generais”, Raúl Castro, Che Guevara e Camilo Cienfuegos, sistematicamente lideravam ataques a comboios do Exército. Objetivo: cortar o suprimento de armas aos quartéis e reforçar o arsenal da guerrilha.

6. Guerra urbana
Fidel decidiu atacar: mandou Cienfuegos tomar a cidade de Yaguajay e Che dominar Santa Clara. Camponeses se juntaram aos guerrilheiros no caminho. Cienfuegos saiu com 60 homens e chegou com 450, mais do que o número de soldados em Yaguajay. Ernesto juntou 300. Só que 3,5 mil soldados esperavam por ele aqui, em Santa Clara.

7. Jogada de mestre
O comando do Exército tinha mandado um trem com 400 soldados, 600 rifles, bazucas e canhões para reforçar Santa Clara. Che, esperto, ficou sabendo e destruiu os trilhos. O trem descarrilhou e os rebeldes acabaram armados até os dentes.

8. Franco-atiradores
Fortalecidos pelas armas do trem, os homens de Che usaram táticas aperfeiçoadas na floresta: franco-atiradores em lugares altos, como a torre da igreja, aterrorizavam o inimigo. E bazucas detinham os tanques do Exército.

9. Fim de papo
Depois de 3 dias de batalha, o Exército cubano se rendeu a Che Guevara. Fulgencio Batista viu que estava tudo acabado e, no dia seguinte, 1° de janeiro de 1959, fugiu do país. Fidel e Raúl, então, tomaram conta de Santiago de Cuba, perto da Sierra Maestra.

10. Rumo a Havana!
Depois da vitória, as tropas de Cienfuegos se uniram às de Che em Santa Clara e todos partiram para o destino final: Havana. O caminho foi tranquilo: um passeio de caminhões, jipes e tanques tomados pelos rebeldes. E, quando chegaram à capital…

11. Na Sapucaí
Che e Cienfuegos chegaram a Havana no dia 2 de janeiro de 1959 recebidos com festa. Fidel e Raúl viriam, e desfilariam, no dia 8. E os rebeldes tomavam o controle do país – coisa que não largaram até hoje.

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Che, By Lobo – Fonte – http://www.pinterest.com

O Che herói… 

Anos 1930 – Bom samaritano

O menino Ernesto tinha uma sensibilidade distinta da dos colegas. Sempre saía em defesa dos mais fracos. Muitas vezes voltava da escola sem o casaco, pois tinha dado a alguém que precisava no caminho, diz o historiador argentino Felipe Pigna.

1952 – Médico gente boa
Na viagem que fez com o amigo Alberto Granado pela América do Sul, Che trabalhou num leprosário no Peru. Foi sua estreia na medicina. Jogava bola com os leprosos e os acompanhava em excursões pela selva. Gratos, construíram uma balsa e lhe deram de presente.

1956 – Fiel aos princípios
Foi preso no México com Fidel e outros cubanos por posse ilegal de armas. Mas não ficou quieto atrás das grades. Em vez de dissimular sua fé marxista, se vangloriou dela, tentando converter os guardas. Resultado: foi o último a sair da prisão, depois de 57 dias.

1956 – Melhor sobrado
Apesar da asma, foi considerado o melhor aluno do grupo guerrilheiro treinado pelo militar cubano Alberto Bayo no México. Disparou 650 cartuchos e conquistou a admiração do professor. Sem dúvida, Guevara é o melhor aluno, anotou Bayo em seu livro de memórias.

1958 – Líder exemplar
Ficava sempre na linha de frente dos combates e não media riscos para proteger seus homens. Alberto Castellanos, um dos soldados rebeldes, conta que Che correu em direção ao fogo inimigo para buscá-lo de volta quando ele estava sob perigo.

1959 – Senhor da guerra
Esquadrões com 1.200 exilados cubanos financiados pela CIA tentaram invadir Cuba pela praia de Girón, na baía dos Porcos, esperando desestabilizar o governo de Fidel Castro. Mas a operação foi por água abaixo: soldados treinados por Che repeliram a invasão.

1959 – Executor justo
Centenas de pessoas foram fuziladas nos seis meses em que Che ficou encarregado das execuções de presos políticos. Mesmo assim, alguns consideram que ele perdoou o quanto pôde: Até surpreende que a quantidade de execuções tenha sido tão pequena, diz Jorge Castañeda.

1959 – Salva a lavoura
Imprimiu sua marca na lei de reforma agrária, promulgada antes de Cuba virar comunista. O texto foi muito além do projeto original de Fidel: proibiu o latifúndio e limitou as terras privadas em até 400 hectares. As propriedades seriam distribuídas entre os camponeses.

1960 – Cérebro
Virou capa da Time. A revista americana disse: Castro é o coração da Cuba atual. Seu irmão Raúl é o primeiro a segurar a adaga da revolução. O presidente do Banco Nacional, Che Guevara, é o cérebro. Ele é o mais fascinante e o mais perigoso membro do triunvirato”.

1961 – Incansável
Quando se tornou um dos chefes do governo cubano, chegava ao escritório de manhã e só saía de madrugada. Tinha aulas de matemática, economia e russo. E trabalhava como voluntário, em tarefas braçais, aos domingos. “Ele realmente via o trabalho como diversão, diz um amigo.

1967 – Mártir
Depois da morte, o corpo de Che foi exposto no leito de um hospital boliviano. Com o rosto lavado pelos soldados, a barba aparada e a cabeça na lápide de concreto, sua imagem ficou parecida com a do quadro Lamentação sobre o Cristo Morto. Morreu o homem, nasceu o deus.

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Fonte – d3va.deviantart.com

…E o Che vilão.

1943 – Muy amigo
Ernesto se recusou a marchar na rua pela liberdade do amigo Alberto Granado, preso num protesto estudantil contra a ditadura. Disse que a marcha era um gesto inútil e os estudantes levariam uma surra com cassetetes e que só iria se lhe dessem um revólver.

1957 – Matador frio
Durante a luta em Sierra Maestra, Che suspeitou que o camponês Eutimio Guerra estava traindo o grupo. Acabei com o problema dando-lhe um tiro com uma pistola calibre 32 no lado direito do crânio, com o orifício de saída no lobo temporal direito, escreveu Che em seu diário.

1959 – Psicopata
Mandou matar um menino de 15 anos acusado de grafitar muros com mensagens contra Fidel. Quando a mãe foi pedir clemência, ordenou a execução imediata. Para alguns hitoriadores, casos como esse mostram como foi a atuação de Che ao julgar presos políticos.

Anos 60 – Ditador
A revolução substituiu uma ditadura, a de Batista, por outra, comandada por Fidel, Raúl e Che. Em 1961, o país se tornou comunista. Milhares perderam suas propriedades  muitos fugiram ou acabaram mortos. Por isso, hoje 20% dos 11 milhões de Cubanos vivem fora da ilha.

1961 – Moratória burra
Quase enfiou Cuba num buraco financeiro quando decidiu romper com o FMI. Seu assessor Ernesto Betancourt advertiu: se pulasse fora, o país teria que pagar ao Fundo um empréstimo de US$ 25 milhões e ficaria sem um tostão até a próxima safra de açúcar. Só aí Che voltou atrás.

1962 – Diplomacia zero
No auge da Guerra Fria via os EUA como inimigos. E a URSS também. Criticou publicamente os russos por não apoiarem a industrialização da ilha. Chegou a acusá-los de cúmplices dos americanos a maior ofensa que os soviéticos poderiam ouvir.

1962 – Estratégia suicida
A URSS instalou mísseis na ilha, apontados para o território americano. Os EUA exigiram a retirada, e o mundo ficou à beira de uma guerra nuclear. Os soviéticos voltam atrás. Fidel aprovou. Mas Guevara não: queria os mísseis lá, custasse o que custasse.

1962 – Suicida mesmo!
Defendeu a guerra nuclear dizendo que ela era necessária. Foi um pouco de excesso de oratória, talvez dentro da tradição latina de exagerar, diz Jon Lee Anderson. Ok: Che cresceu numa época apocalíptica, em que o assunto bomba atômica era banal. Mas exagerou mesmo.

1962 – Plano furado
Guevara enviou o jornalista argentino Jorge Masetti (que o havia entrevistado na Sierra Maestra) para formar uma base guerrilheira na Argentina. A missão era preparar o terreno para que Che então assumisse o comando. Mas o grupo foi liquidado pelo governo argentino.

1967 – Morte patética
Ao levar a guerrilha para outros cantos do mundo, se desligou da realidade. Na Bolívia, não sabia se teria apoio popular ou condições de vencer. Não teve nenhum dos dois. E morreu encurralado. Do ponto de vista de quem reprova Che, seu final não poderia ter sido mais humilhante.

Para saber mais
Che Guevara – Uma Biografia
Jon Lee Anderson, Editora Objetiva.
Che Guevara – A Vida em Vermelho
Jorge Castañeda, Companhia das Letras.

AUTOR – EDUARDO SZKLARZ

FONTE – http://super.abril.com.br/historia/a-verdade-sobre-che?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_super