No início de 1944, em meio a Segunda Guerra Mundial, a cidade de Natal se encontrava muito agitada com a presença de milhares de uniformes nas ruas, o intenso contato com os estrangeiros, a movimentação de aeronaves pousando e decolando das bases da Rampa e de Parnamirim Field, além das notícias nos jornais locais dos acontecimentos da guerra pelo mundo afora. Foi quando a comunidade foi surpreendida com a notícia que o cantor Nelson Gonçalves viria se apresentar em breve na capital potiguar.
Nessa época Nelson Gonçalves, gaúcho da cidade de Santana do Livramento, cujo nome verdadeiro era Antônio Gonçalves Sobral, despontava com bastante intensidade nos palcos do Rio de Janeiro como cantor. Ele havia gravado em outubro de 1941 a sua primeira música, uma valsa intitulada “Se eu pudesse um dia”, e nessa época tentava chamar atenção nos programas de calouros que eram transmitidos nas rádios cariocas, enquanto sobrevivia cantando em bares do Rio.
Em dois anos a situação mudou e Nelson Gonçalves se tornou o “crooner” do badalado cassino do Hotel Copacabana Palace, para depois ser contratado como atração fixa da Rádio Mayrink Veiga, uma das mais importantes do Brasil no período.
Quando 1944 se iniciou o cantor fechou uma parceria com a Cruz Vermelha Brasileira para cantar para as tropas nacionais e estrangeiras que estavam estacionadas no Nordeste. Uma multinacional americana de bebidas decidiu apoiar o projeto, era a Ashley’s do Brasil, cuja sede em nosso país ficava em Recife e fabricava conhaque e gim[1].
Improvisando Com Um Sargento da US Army e Cantando Para Os Recrutas Brasileiros
Nelson chegou ao Recife no dia 12 de janeiro de 1944 em um DC-3 da empresa NAB – Navegação Aérea Brasileira. No outro dia, às cinco da tarde, o cantor foi homenageado por jornalistas e empresários locais com um coquetel no tradicional Grande Hotel de Recife. O convescote deve ter sido bem animado, bem regado a bebidas e a boa conversa, pois lá pras tantas Nelson decidiu cantar para os presentes de forma improvisada os seus sucessos mais recentes e músicas de sua autoria, que iria apresentar no carnaval de 1944, como “Quase louco”, “Olhos negros” e “Ela me beijou”.
O interessante da apresentação, conforme está descrito nos jornais recifenses, foi que um sargento do Exército dos Estados Unidos (US Army) que se encontrava no Grande Hotel, se ofereceu para tocar o piano e acompanhar o cantor brasileiro. O desconhecido militar foi elogiado pelo feito[2].
Na sexta-feira, 14 de janeiro, Nelson Gonçalves seguiu para o Campo de Instrução de Aldeia, uma área sob o comando do general de divisão Newton de Andrade Cavalcanti, comandante da 7ª Região Militar, em substituição ao General Mascarenhas de Morais, que em breve estaria na Itália comandando a Força Expedicionária Brasileira.
Os soldados do Centro de Instrução de Aldeia foram liberados para convidar parentes e amigos e o espetáculo teve início às quatro da tarde. Antes de Nelson Gonçalves cantar, se apresentaram vários artistas da Rádio Club de Pernambuco, que tinha o prefixo P.R.A. 8 e era uma emissora que tinha uma grande audiência em todo norte e nordeste do Brasil. Subiu ao palco os cantores Vicente Cunha, Maria Celeste e Maria Parísio, conhecida como “Rouxinol da PRA-8”, além do grupo Demônios do Ritmo. Mas a grande atração foi Nelson Gonçalves, que subiu ao palco, cantou com seu vozeirão característico e agradou a todos[3].
No Hospital Americano da Praia
Nelson ainda se apresentou para a sociedade recifense no tradicional Teatro Santa Isabel e realizou uma apresentação no hospital da Marinha dos Estados Unidos em Recife[4].
Esse hospital era bem movimentado devido a quantidade de navios da Marinha dos Estados Unidos que circulavam pelo porto de Recife, sendo considerado uma das instalações mais importantes para os militares da marinha americana em operação no Atlântico Sul, tendo recebido seu primeiro paciente em 19 de dezembro de 1942. Era conhecido como Knox Field Hospital e para alguns autores ficava localizado defronte a praia de Boa Viagem, para outros já seria na região da praia de Piedade. Consta que entre os atendimentos mais comuns estava o tratamento e controle das doenças sexualmente transmissíveis[5].
É possível que nessa apresentação de Nelson Gonçalves tenham vindo até outros militares americanos lotados na região. Pois alguns quilômetros ao sul do ponto onde estava o Knox Field Hospital, também defronte a praia, ficava o centro de atendimento hospitalar dos militares do Exército dos Estados Unidos, denominado na época 200th Station Hospital, atual HARF – Hospital de Aeronáutica de Recife e não muito distante a Base Aérea de Recife[6].
Como eram comuns nessa época, devido a censura existente pela situação de guerra, poucas foram as notícias que informaram sobre essa apresentação.
Sabemos que Nelson Gonçalves também se apresentou em João Pessoa, Paraíba, mas sobre essas apresentações não conseguimos nenhuma informação.
Em Natal
Após a passagem por João Pessoa, o cantor da Rádio Mayrink Veiga, apresentado em Natal como “O Rei do Rádio”, chegou à cidade no dia 4 de fevereiro, uma sexta-feira. Junto com Nelson vieram as cantoras Maria Parísio, o “Rouxinol da PRA-8”, e Yvete Porto. Esta última foi apresentada pelos jornais natalenses como sendo uma “Sambista moderna”.
Nas noites de sábado e domingo esses artistas se apresentaram no extinto cinema Rex, localizado na Avenida Rio Branco, próximo a esquina com a Rua João Pessoa, não muito distante de um ponto de venda de cafés pertencente ao Sr. Francisco das Chagas Andrade e conhecido por todos os natalenses com “Grande Ponto”.
Nelson cantou “Marilú”, de Orlando Monello e Antônio Elias, e “Renúncia”, de Mário Rossi e Roberto Martins, sucessos de 1942. Além de “Sabiá da mangueira”, de Benedicto Lacerda e Eratóstenes Frazão, e “Mãe Maria”, de Custódio Mesquita e David Nasser. O vozeirão de Nelson deleitou a todos no Rex com músicas, ao ponto dos jornais locais não tecerem nenhum comentário sobre as apresentações das cantoras Maria Parísio e Yvete Porto.
Como o Rex era um dos principais cinemas da cidade, sabemos que após os dois shows o público presente foi contemplado com a exibição do filme “A noiva caiu do céu”, com os astros James Cagney e Batty Davis[7].
A princípio essas eram as únicas apresentações agendadas de Nelson Gonçalves em Natal. Mas o comitê da Cruz Vermelha Brasileira local, comandado pelo capitão Aníbal Medina de Azevedo e seu vice, o médico militar Galdino Lima, o secretário geral Edilson Varela e o jovem Aluízio Alves, então diretor da Comissão Estadual Legião Brasileira de Assistência. Eles solicitaram que Nelson realizasse no domingo um show no Teatro Alberto Maranhão, exclusivamente para os militares brasileiros e estrangeiros estacionados em Natal. O show contava com o apoio e aquiescência dos chefes militares e o cantor aceitou.
No Teatro Alberto Maranhão
O show ocorreu as 14 horas, sendo exclusivo para militares brasileiros e norte-americanos e, segundo o jornal A República, os militares brasileiros e norte-americanos “de ar, mar e terra” estiveram presentes e a tradicional casa de espetáculos da Praça Augusto Severo estava lotada. Estava presente o comandante da guarnição dos militares brasileiros em Natal, o coronel Nilo Horácio de Oliveira Sucupira[8].
Quem subiu ao palco foi Aluízio Alves, certamente para agradecimentos de praxe, ou talvez já se preparando para os mitos palanques que utilizaria no futuro.
O show contou com a participação das cantoras Maria Parísio e Yvete Porto, a apresentação foi do locutor Josué Silva, da Rádio Educadora de Natal – REN, e houve o acompanhamento do pianista local Pedro Duarte.
Mesmo sem detalhamentos, o jornal natalense aponta que principalmente Nelson Gonçalves e Maria Parísio apresentaram várias canções, sendo “vivamente aplaudidos”.
Não encontrei a mínima opinião dos militares estrangeiros sobre o espetáculo. Mas após o show Nelson e as cantoras que vieram com ele de Recife, foram convidados a visitar naquele mesmo domingo a base de Parnamirim Field. Foi apenas uma visita de cortesia, ou os cantores brasileiros foram convidados para uma pequena apresentação no Cassino dos Oficiais da base?
Infelizmente não sabemos, mas se assim aconteceu pode ser uma demonstração que os estrangeiros gostaram do que viram e ouviram, o que não seria surpresa, pois Nelson Gonçalves se tornou um dos principais expoentes da Música Popular Brasileira.
NOTAS
[1] Sobre essa empresa ver Jornal Pequeno, Recife-PE, ed. 22/11/1943, domingo, pág. 6.
[2] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, ed. 12/01/1944, quinta-feira, pág. 5 e Jornal Pequeno, Recife-PE, ed. 13/01/1944, sexta-feira, pág 2.
[3] Segundo o pesquisador Alberto Bittencourt, o conceito do Campo de Instrução Militar foi inspirado no mesmo modelo que criou os fortes americanos, particularmente o Fort Benning. Em palestra intitulada “A FEB e o Campo de Instrução do Engenho Aldeia”.[3] Bittencourt informou que em 1943, a ideia do general Newton com relação ao Campo de Instrução de Aldeia era “construir um local adequado para instrução e treinamento da tropa nordestina, capacitando-a a combater quem quer que fosse e no local a ela designado. O pesquisador recordou que “A ideia original da FEB era o Brasil enviar para além-mar, um Corpo de Exército completo, com três Divisões de Infantaria, blindados e serviços, embora a realidade, bem o sabemos, tenha sido outra. Essa 3ª Divisão de Infantaria Expedicionária, que seria preparada e treinada no campo de instrução do antigo Engenho Aldeia, não chegou a sair do papel. Provavelmente essa 3ª Divisão Nordestina, seria comandada pelo seu criador, o general Newton Cavalcanti”. Mais detalhes sobre essa palestra e a história do antigo Centro de Instrução de Aldeia, ver http://albertobittencourt.blogspot.com/2013/10/a-feb-e-o-campo-de-instrucao-do-engenho_29.html
[4] Ver O Jornal, Rio de Janeiro-RJ, edição de sábado, 29/01/1944, pág. 06.
[6] Sobre o HARF – Hospital de Aeronáutica de Recife ver na página 23 do livro “Entre saberes e cultura, a arte de curar na Força Aérea Brasileira”, de Elaine Gonçalves da Costa Pereira, Ed. INCAER, 2019.
[7] Ver jornal A República, edição de sábado, 05/02/1944, pág. 4.
[8] Ver jornal A República, edição de domingo, 06/02/1944, pág. 8.
O Grande Mestre da Música Nordestina Se Apresentou na Rádio Poti de Natal em 1956, Junto Com Seu Pai, O Velho Januário, Em Meio a Uma Tournée Pelo Nordeste.
Rostand
Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN.
Em meio as lembranças pelos 30 anos da partida do Mestre
Luiz Gonzaga, achei interessante apresentar um material que encontrei nos
velhos jornais sobre a primeira apresentação dessa lenda da cultura nordestina
na capital potiguar. E foi a primeira de muitas!
Em 1954 Luiz Gonzaga do Nascimento, pernambucano da
cidade de Exu e se encontrava no auge da carreira. Ele, suas músicas, o seu
chapéu de couro e sua sanfona eram apresentados com extrema assiduidade nas
principais revistas dedicadas aos artistas do rádio. Os mesmos rádios, então o
principal veículo de comunicação popular existente nos lares do país naquela
época, onde os brasileiros ouviam e admiravam a sua potente voz.
Luiz Gonzaga foi o primeiro artista musical oriundo do
Nordeste a ser um grande sucesso popular. Isso pode ser comprovado em junho de
1952, no Rio de Janeiro, quando ocorreu uma festa que reuniu 60.000 pessoas
para escutar o Rei do Baião e dançar xaxado. Foi durante os festejos juninos realizados
no bairro de São Cristóvão, mais precisamente no antigo Campo de São Cristóvão,
onde até hoje acontece a famosa feira no atual Centro Luiz Gonzaga de Tradições
Nordestinas. A festança foi promovida pelas Rádios Tamoio e Tupi, onde contou
com ampla cobertura da Rede Tupi de Televisão, a primeira emissora de TV da
América Latina e inaugurada apenas dois anos antes[1].
Segundo Dominique Dreyfus, escritora francesa que
escreveu a biografia Vida de Viajante: A
Saga de Luiz Gonzaga, os anos de 1953 e 1954 foram de muitas viagens para
realização de tournées pelo Brasil afora. Perto da metade do ano de 1954 teve início
mais uma, com o patrocínio do Colírio Moura Brasil, onde o aclamado Rei do
Baião percorreu várias cidades nordestinas.
Pouco antes de iniciar a nova série de viagens, quando no dia 25 de maio realizou uma apresentação na Rádio Mayrink Veiga, Luiz Gonzaga recebeu um exemplar de uma asa branca em uma gaiola, ofertado pelo povo de Exu, que lhe foi entregue por Cândido Holanda Cavalcanti, oficial médico da Força Aérea Brasileira e seu conterrâneo[2].
Na
Estrada
Quando realizou uma apresentação na cidade baiana de
Feira de Santana, no Campo do Gado, quem testemunhou o espetáculo foi o
escritor, sociólogo e jornalista Muniz Sodré de Araújo Cabral, então com 12
anos de idade, que registrou “Era noite de céu
brilhante. Enluarado, Gonzaga subiu ao palanque, com chapéu de couro cru e três
estrelas na aba da frente, gibão de couro, alpercatas e sanfona prateada
dependurada no pescoço. O grito de louvação do povo, longo, em uníssono, fez
vibrar o madeirame do palco. Como esquecer?”[3].
Sabemos que nessa tournée Gonzaga esteve no Maranhão, no
Piauí e em Campina Grande, na Paraíba. Nessa cidade fez uma apresentação na
Rádio Borborema e esteve na sede do Partido Democrático Social, o PSD, uma das
maiores agremiações políticas do Brasil na época, onde recebeu um abraço do
então senador Rui Carneiro[4].
No Ceará também houve a mescla de show e política. Primeiramente Gonzaga realizou em Fortaleza uma apresentação no auditório da Rádio Clube do Ceará, na sequência cantou ao ar livre durante a Primeira Festa do Radialista, em evento transmitido pela Rádio Iracema[5]. Depois seguiu para apoiar politicamente o amigo Humberto Teixeira em sua terra natal, a cidade cearense de Iguatu. Formado em 1944 pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, Humberto Cavalcanti Teixeira ganhou fama como compositor em parceria com Luiz Gonzaga, principalmente a partir de 1945[6].
Logo Gonzaga, trazendo sua sanfona, apontou a bússola para a direção da capital potiguar. Segundo o jornal natalense O Poti, o Rei do Baião chegou acompanhado de uma figura ilustre; Januário José dos Santos, seu pai, o conhecido Velho Januário.
Januário era da região do Pajeú, em Pernambuco, tendo nascido a 25 de setembro de 1888. Consta que premido pela estiagem chegou à Fazenda Caiçara, a doze quilômetros de Exu, acompanhado de seu irmão Pedro Anselmo, no ano de 1905. Lavrador e exímio sanfoneiro de oito baixos ficou conhecido por ser um homem dedicado à família e respeitado em toda a sua região pela sua arte. Foi casado primeiramente com Ana Batista de Jesus Gonzaga do Nascimento, a mãe de Luiz Gonzaga, conhecida na região por “Santana”, ou “Mãe Santana”, cuja união com Januário gerou nove filhos[7]. Em 1954 o Rei do Baião já havia levado seu pai para o Rio de Janeiro, mas ele decidiu voltar para Exu, próximo a Serra do Araripe. Não sei como ocorreram as circunstâncias e negociações para o Velho Januário acompanhar seu filho Luiz Gonzaga nessas apresentações pelo Nordeste há 65 anos, mas o certo é que os dois vieram juntos para Natal.
O Rei do Baião também veio acompanhado de Osvaldo Nunes Pereira, baiano de Jequié. Este era um jovem humilde, que era anão e tocava triângulo. Pela baixa estatura recebeu primeiramente o nome artístico de Anão do Xaxado e depois Salário Mínimo[8]. Além deste fazia parte do grupo que chegou a Natal o zabumbeiro conhecido como Aluízio.
Sobre esse último integrante temos um pequeno mistério!
Nas páginas 181 a 186 do livro de Dominique Dreyfus encontramos os detalhes sobre a saída do zabumbeiro Catamilho e do tocador de triângulo Zequinha como instrumentistas acompanhantes de Gonzaga em 1953. Bem como podemos ler sobre a entrada de Osvaldo Nunes Pereira e de um zabumbeiro piauiense chamado Juraci Miranda, conhecido como Cacau.
Dreyfus
inclusive traz uma foto na página 187, onde Luiz Gonzaga se apresenta em um
palco ao lado do Anão do Xaxado com o triângulo e de um zabumbeiro que é apontado
como sendo Cacau. Ocorre que na página 29 do livro Forró – The Ecoding by Luiz Gonzaga, de autoria de Climério de
Oliveira Santos e Tarcísio Soares Resende, publicado pela CEPE Editora em 2014,
como parte da série Batuque Book, com edição bilíngue em português/inglês, é
possível ver a mesma foto com a legenda (em inglês) que indica ser Salário
Mínimo no triângulo e na zabumba o tocador era Aluízio. Como o jornal natalense
O Poti também aponta que Aluízio
esteve com o Rei do baião na capital potiguar, na sequência de suas
apresentações em Fortaleza, creio que o trabalho de Santos e Resende parece
está correto.
Independente
desse pormenor, o certo é que em agosto de 1954 o Anão do Xaxado e Aluízio eram
relativamente novos na parceria com Gonzaga.
No “Auditório B” da Rádio Poti de
Natal
Luiz Gonzaga, seu pai e os dois tocadores que lhe acompanhavam a Natal iriam se apresentar nos auditórios da Rádio Poti.
Essa rádio se originou a partir da Rádio Educadora de Natal – REN, a
primeira emissora do Rio Grande do Norte e que entrou efetivamente no ar em 29
de novembro de 1941. Francisco de Assis
Chateaubriand Bandeira de Mello, proprietário de um conglomerado midiático chamado
Diários Associados, que nessa época abrangia
jornais em várias cidades brasileiras, revistas e estações de rádio, compra m
1944 a REN e a transforma na Rádio Poti. A renovada emissora transmitia em AM (amplitude
modulada), na frequência de 1.270 kHz e mantendo o tradicional prefixo da
REN – ZYB-5.
Essa rádio se torna um grande sucesso
na cidade, pois através da ação dos Diários
Associados o seu auditório passou a receber muitos cantores
nacionalmente conhecidos. Um deles foi Sílvio Caldas, que ali se apresentou
entre 25 e 27 de maio de 1948, sob o patrocínio do “Creme dental Nicotan”[9].
Logo Chateaubriand decidiu realizar
alterações na rádio, sendo a principal ação a ampliação e modernização do
chamado “palco-auditório”, na sede que a Rádio Poti possuía na Avenida Deodoro.
Isso proporcionou uma maior e melhor capacidade de transmitir programas de
auditório, humorísticos, jornalísticos, musicais, radionovelas e outros. A
festa de inauguração do novo auditório, o conhecido “Auditório da Avenida
Deodoro”, ocorreu em uma sexta-feira, 3 de novembro de 1950. O mestre da
cerimônia foi o radialista Genar Wanderley e a principal atração foi uma bela e
exuberante cantora de 21 anos de idade, nascida na cidade paulista de Taubaté e
chamada Hebe Camargo[10].
Ao ler os jornais da época percebe-se
nitidamente o estrondoso sucesso do novo “palco-auditório” da Rádio Poti, aonde
as apresentações vão ocorrendo e movimentando intensamente a vida cultural de Natal.
Diante do sucesso dessas apresentações e buscando ampliar o público, a direção da Rádio Poti decidiu utilizar o que passou a ser chamado de “Auditório B”. Este era um auditório amplo e confortável, que ficava na antiga sede do Alecrim Futebol Clube, na Avenida Presidente Bandeira, ou Avenida 2[11].
Esse era um local que,
além das atividades próprias da administração dessa tradicional equipe de
futebol natalense, também era um ponto de grande efervescência cultural. Ali
ocorreram grandes bailes de carnaval, festas juninas, reuniões de partidos
políticos, festas dançantes aos domingos e até peças de teatro. Em março de 1949,
o renomado teatrólogo Inácio Meira Pires ali criou um núcleo de teatro amador
chamado “Teatro do Bairro”, que utilizava o auditório do Alecrim Clube como
local de apresentações[12]. Vale
ressaltar que muitas dessas festas, reuniões políticas, peças de teatro e
outros acontecimentos importantes eram transmitidos pela Rádio Poti.
No sábado, 31 de agosto
de 1954, ocorreu a transmissão no palco do Alecrim Clube do programa “Vesperal
dos Brotinhos”, sob o comando de Luiz Cordeiro e Rubens Cristino. No outro dia
aconteceu no mesmo palco a comemoração do sexto aniversario do popular programa
de auditório “Domingo Alegre”, apresentado por Genar Wanderley, sendo os ingressos
vendidos por apenas CR$ 3,60 (três cruzeiros e sessenta centavos)[13].
Logo foi anunciada a apresentação
de Luiz Gonzaga.
Sucesso em Natal
Certamente ser
supersticioso era algo que o grande Luiz Gonzaga não era, pois sua primeira
apresentação na capital do Rio Grande do Norte ocorreu em uma sexta-feira, dia
13, do mês de agosto. E foi um sucesso!
Sabemos que os ingressos foram
vendidos ao preço de CR$ 10,00 (dez cruzeiros). Um valor não tão elevado em
1954, equivalente a uma corrida de taxi para o que era considerado naquele
tempo o perímetro urbano de Natal. Pois fora dessa área tudo era mais caro. Uma
corrida para a praia de Ponta Negra custava R$ 80,00 (oitenta cruzeiros). Já
para o Aeroporto de Parnamirim o valor saltava para R$ 100,00 (cem cruzeiros)[14].
Luiz Gonzaga trouxe “um repertório
inteiramente novo, suficiente para um espetáculo completo”. Se aconteceu como
foi descrito no jornal natalense O Poti,
certamente o Rei do Baião tocou no palco do Alecrim Clube os sucessos produzidos
no primeiro semestre de 1954. Tais como “Feira do gado” (Luiz Gonzaga/Zé
Dantas), “Velho novo Exu” (Luiz Gonzaga/Sylvio M. Araújo), “Olha a pisada”
(Luiz Gonzaga/Zé Dantas) “Lascando o cano” (Luiz Gonzaga/Zé Dantas) e outros. A
estes com certeza se juntaram aos sucessos criados do ano anterior, como a
fantástica música “O xote das meninas”, a bela “Algodão” (ambas as composições fruto
da parceria Luiz Gonzaga/Zé Dantas) e outros grandes sucessos. Os informes
jornalísticos apontam que o auditório “superlotou” para assistir o Rei do
Baião, sendo muito aplaudidas as apresentações musicais.
No sábado por volta das
quatro da tarde, Luiz Gonzaga realizou aparentemente sozinho, uma entrevista na
Rádio Poti. À noite, por volta das oito horas, nos estúdios da mesma rádio foi
realizada uma nova apresentação musical com Luiz, seu pai e os instrumentistas,
que O Poti informou ter sido
transmitida em “ondas médias e curtas”.
Já no domingo a tarde, 15
de agosto, Luiz Gonzaga, o Velho Januário, Anão do Xaxado e Aluízio bisaram o
show no palco do Alecrim Clube. Depois, às nove horas da noite, o grupo seguiu
para o Auditório da Avenida Deodoro, que se encontrava completamente lotado
para a despedida de Luiz Gonzaga de Natal. Eles tocaram no âmbito do programa
“Domingo Alegre”, que contou com a apresentação do radialista Genar Wanderley.
Na ocasião estava presente o jornalista Edilson Varela, representante dos
Diários Associados no Rio Grande do Norte, o grupo de mídia e comunicação comandado
por Assis Chateaubriand. Varela era também diretor dos jornais O Poti e Diário do Natal, além de responder administrativamente pela Rádio
Poti.
Show em Currais Novos e Os Vários Retornos ao
Rio Grande do Norte
Sabemos que provavelmente
naquele agosto de 1954 o tocador Luiz Gonzaga, acompanhado de seu pai e seus
instrumentistas, também estiveram na cidade potiguar de Currais Novos.
Segundo o blog “Pimenta com Mel”, do comunicador Felipe Félix, encontramos a informação transmitida por José Nobre de Medeiros, conhecido nessa cidade como Zénobre. Nascido em 1942 na zona rural currais-novense, no Sítio Saquinho da Malhada da Areia, Zénobre informou que viu Luiz Gonzaga em sua cidade em 1954, que assistiu a apresentação do pernambucano de Exu no coreto da Praça Cristo Rei e que o Rei do Baião foi patrocinado pela fábrica de bicicletas Monark[15].
Recebemos a informação do engenheiro civil Moacir Avelino Bezerra Junior e do seu irmão Haroldo Márcio Avelino Bezerra, Professor do IFRN de Mossoró, que nesse mesmo 1954, após uma possível apresentação em Mossoró, Luiz Gonzaga foi convidado pelo rico agropecuarista Francisco das Chagas Sousa, conhecido como Chico Sousa, para cantar na cidade de Afonso Bezerra. A apresentação para a população local foi realizada na carroceria de um caminhão.
Provavelmente nessa ocasião Luiz Gonzaga tocou em outras cidades potiguares, mas infelizmente não consegui dados sobre isso.
Perto do fim do mês Luiz
Gonzaga está com o seu pai e seus dois instrumentistas em Recife, Pernambuco.
Na noite de sábado, 21 de agosto, ele realizou uma apresentação no tradicional
Clube Internacional, na Rua Benfica, no bairro da Madalena. Foi uma ação em
prol da Sociedade Pernambucana de Proteção a Lepra, onde buscavam angariar
fundos para a construção da Colônia de Férias de Olinda, destinada as crianças
que sofriam dessa doença naquele estado[16].
Sobre as apresentações de
Luiz Gonzaga no Rio Grande do Norte, percebemos que o sucesso foi total. Nove
meses depois o tocador retornava para novos shows em Natal.
No início de maio de 1955
o pernambucano de Exu retornou para as novas apresentações
junto aos auditórios da Rádio Poti sem trazer o Velho Januário. Estavam ao seu
lado dois instrumentistas que não foram listados. O interessante é que dessa
vez o patrocínio veio da empresa italiana de bebidas Martini & Rossi, que
havia desembarcado no Brasil cinco anos antes e procurava se popularizar através
do Rei do Baião[17].
Como no ano anterior, as apresentações
de Luiz Gonzaga em Natal foram cobertas de êxito.
Luiz Gonzaga Não Gostava de Natal e do Rio Grande do Norte?
E esse sucesso se repetiu ao longo dos
anos, a cada nova apresentação desse incomparável sanfoneiro na capital
potiguar.
Mas alguns pesquisadores afirmam que
Luiz Gonzaga tinha uma relação negativa com Natal e o Rio Grande do Norte. Isso
teria ocorrido em razão de alguns calotes que o mesmo teria levado de
empresários de shows locais. Mas para quem pesquisa as páginas dos jornais
antigos isso não fica aparente, pois são inúmeras as apresentações desse
artista em Natal ao longo de décadas. Creio que dificilmente Rei do Baião
retornaria a Natal para continuar sendo mal tratado e vilipendiado!
Além das apresentações de agosto de
1954 e de maio de 1955, ele retornou em dezembro de 1956 (quando se apresentou
para o povão na Praça André de Albuquerque). Depois voltou em dezembro de 1960,
no final de junho de 1961 e em fevereiro de 1962. Já no ano de 1975 esse
artista esteve em Natal em duas ocasiões. A primeira no mês de março, no show
de inauguração solene da Avenida Bernardo Vieira, quando estiveram no mesmo
palco que cantou o Rei do Baião os potiguares Ademilde Fonseca, Trio Irakitan e
Fernando Luís. A segunda em 9 de agosto, quando juntamente com o Trio
Nordestino realizaram um show maravilhoso, para uma Praça Gentil Ferreira
completamente lotada. Esse evento aconteceu no mesmo bairro do Alecrim onde
Luiz Gonzaga tocou em Natal pela primeira vez no ano de 1954. Esses grandes
músicos nordestinos participavam da chamada “Caravana do Sucesso”, uma série de
shows por todo o Brasil, patrocinados por uma indústria de bebidas.
Desse momento posso comentar como
testemunha ocular.
Garoto de oito anos de idade, assisti a
esse show pendurado no pescoço, ou no cangote, do meu pai. Recordo dos potentes
holofotes que iluminavam tudo, das milhares de pessoas que lotavam a principal
praça do Alecrim e, principalmente, de Luiz Gonzaga com sua sanfona branca, seu
chapéu de couro cintilando na mesma cor e de sua voz forte e marcante. Desse
dia nunca esqueci que meu pai, Calabar Medeiros, me disse ao sairmos de nossa
velha casa na Rua Borborema, no mesmo bairro do Alecrim, para ir assistir esse
grande espetáculo – “Esse homem canta a alma da nossa terra, da nossa gente”.
Anos depois, no dia 23 de agosto de
1983, eu tive a oportunidade de assistir ao grande encontro de Luiz Gonzaga e
do cantor Raimundo Fagner, além de outras grandes figuras da música nordestina.
Foi no atualmente esquecido show “Canta Nordeste – Vozes contra seca”, no
chamado movimento “SOS Seca”, que aconteceu no atualmente estádio de futebol
Castelão de Natal, sendo uma iniciativa do Instituto Varela Barca. Foi
verdadeiramente delirante se encontrar naquele local e acompanhar novamente
Luiz Gonzaga, em uma interessante parceria com Fagner. Encontro que renderia três
ótimos discos nos anos seguintes. Quis Deus que em 2010 eu conhecesse Raimundo
Fagner e ele gentilmente realizasse o prefácio do meu segundo livro João Rufino – Um visionário de fé.
Meu pai deixou esse plano no último dia 9 de julho de 2019 e, como meu pai me ensinou, eu jamais deixei de escutar as músicas de Luiz Gonzaga do Nascimento e de me emocionar com sua voz.
NOTAS
[1]
Ver revista O Cruzeiro, Rio de Janeiro-RJ, ano XXIV, nº 39, ed. 12 de setembro
de 1952, págs. 21 a 23.
[2]
Ver Radiolândia, Rio de Janeiro – RJ,
Rio Gráfica Editora, ed. da 1ª quinzena de junho de 1954, pág. 11.
[4] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição
de 25 de agosto de 1954, pág. 11.
[5] Ver Radiolândia, Rio de Janeiro-RJ, Rio
Gráfica Editora, ed. 4 de setembro de 1954, pág. 18.
[6] No pleito de outubro de 1954, Humberto Teixeira candidatou-se
a deputado federal pelo Ceará na legenda do Partido Social Progressista, mas
obteve apenas uma suplência. Ao longo da legislatura 1955-1959, exerceu o
mandato em quatro ocasiões. Como deputado federal, obteve a aprovação da
chamada Lei Humberto Teixeira, que permitiu a realização de caravanas para a
divulgação da música popular brasileira no exterior. Concorreu à reeleição em
outubro de 1958, mas não foi bem sucedido.
[8] Sobre a
participação de Osvaldo Nunes Pereira ver DREYFUS, Dominique. Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga. São Paulo: Ed.
34, 1996, pags. 182 a 186.
[10] Sobre
essa festa ver o Diário de Natal,
edição de 4 de novembro de 1950, pág. 6.
[11] O Alecrim
Futebol Clube foi fundado no bairro do mesmo nome no ano de 1915 e o seu
primeiro goleiro foi o futuro presidente da República
do Brasil, João Café Filho. O Alecrim foi campeão de futebol potiguar nos anos
de 1924, 1925, 1963, 1964, 1968 (Invicto), 1985 e 1986. Mais sobre esse
tradicional clube ver https://www.campeoesdofutebol.com.br/alecrim_historia.html
[12] Sobre o
Teatro do Bairro, ver Diário de Natal,
edição de 9 de março de 1949, pág. 6.
[13]
Ver jornal O Poti, Natal-RN, edição
de 1º de agosto de 1954, pág. 8.
[14]
Ver jornal O Poti, Natal-RN, edição
de 7 de outubro de 1954, 1ª pág.