CANGACEIROS ATRÁS DAS GRADES – FIM DA ILUSÃO

Cangaceiros na penitenciãria

Autor – Rostand Medeiros 

Em 12 de dezembro de 1926, o advogado Estácio Coimbra assume o mais alto cargo no Poder Executivo de Pernambuco. Neste novo governo foi designado como Chefe de Polícia (cargo equivalente atualmente ao de Secretário de Segurança) o também advogado Eurico Souza Leão. Este nasceu em 1889, no Engenho Laranjeiras, interior pernambucano. Era filho de Manoel Arthur Souza Leão e Ernestina Freire Souza Leão, de tradicional família ligada à aristocracia da Zona da Mata Pernambucana. Eurico estudou na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, colando grau no dia 23 de dezembro de 1921. Quando assumiu seu cargo em 1926, o jovem de 37 anos tinha pela frente uma tarefa muito difícil; nada menos do que comandar a estrutura estadual e os homens que iriam perseguir o mais importante chefe de cangaceiros do Brasil, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.

1931-Eurico Souza Leao (1)

Eurico, com o apoio do governador Coimbra, logo marcou uma reunião para promover convênios com os estados vizinhos, visando uma ação contra o cangaço. Ele reformulou o serviço policial volante, compondo os grupos de combate com soldados oriundos do sertão, com hábitos e resistência física semelhante às dos próprios cangaceiros. Outra ação importante foi a abertura de processos judiciais e até mesmo prisões de pessoas que apoiavam e davam guarida aos bandidos, os chamados coiteiros. Muitos destes eram ligados ao próprio partido do governo estadual.

Logo a ação trouxe resultados de maneira extremamente positiva, ajudando a destruir o elo que unia os cangaceiros aos poderosos chefes do interior e enfraquecendo a ação dos bandidos.

Uma caricatura apresenta o medo do sertanejo em relação ao cangaço
Uma caricatura apresenta o medo do sertanejo em relação ao cangaço

As medidas aplicadas foram avassaladoras e provocaram muitas baixas entre os cangaceiros, principalmente entre os membros do grupo de Lampião, conquistando também a opinião pública. Nesta empreitada o Chefe de Polícia Eurico Sousa Leão teve como um dos principais elementos ao seu lado o major Teófanes Ferraz Torres, que comandou as unidades policiais nas cidades e vilas do interior[1]

Resultados Imediatos 

Dos cangaceiros capturados pela ação do governo pernambucano, antes do episódio de Mossoró, sem dúvida que a maior “estrela” foi Arthur José Gomes da Silva, o conhecido Beija Flor. Ele havia sido capturado na região de Jatobá de Tacaratu pela volante do tenente Amadeu[2].

O cangaceiro Beija Flor
O cangaceiro Beija Flor

Chegou ao Recife em 13 de março fortemente escoltado por dez policiais, desembarcando em um trem da Great Western. Os jornais propalavam que ele falava desembaraçadamente e com tranquilidade, apesar de analfabeto. Jovem, tinha cabelos claros e foi pessoalmente interrogado por Eurico. Afirmou que era chefe de um bando de cangaceiros independentes, que ocasionalmente se reunia com Lampião para realizar assaltos, sendo considerado responsável por “mais de 30 mortes” e assaltos ao longo de sua vida como bandoleiro. Finalizou informando que desde janeiro não se encontrava com Lampião e sabia que este tinha ido “para o norte”[3].

Segundo os pesquisadores Frederico Bezerra Maciel e Bismarck Martins de Oliveira, o cangaceiro Arthur José Gomes da Silva, o Beija Flor, era pernambucano, filho do ex-praça da polícia pernambucana Arsênio José Gomes e de Maria Tereza da Conceição, além de ser irmão de Euclides José Gomes, o cangaceiro Cacheado. Ele teria acompanhado seu irmão e o bando de Lampião durante a ida deste a cidade cearense de Juazeiro, quando em 6 de março de 1926 houve o encontro de Lampião e Padre Cícero. Os autores apontam que os irmãos Gomes participaram da maior batalha da história do cangaço, a da Serra Grande, próximo a Vila Bela, em 26 de novembro de 1926.

Bando de Lampião em Juazeiro, 1926
Bando de Lampião em Juazeiro, 1926

Beija Flor sempre andava com uma ostensiva medalha de Nossa Senhora das Graças no peito, tendo sido preso no dia 3 de fevereiro de 1927, aos 21 anos de idade. Devido à ação mais enérgica da polícia pernambucana, tencionava seguir para a região de Uauá, na Bahia.

Dias depois da sua chegada a capital de Pernambuco, os jornais locais divulgavam, até com certa surpresa, que Beija Flor havia constituído um advogado para ser libertado. Seu causídico logo requereu um habeas corpus junto ao Superior Tribunal de Justiça. Através do Desembargador Arthur da Silva Rêgo, solicitou ao Chefe de Polícia Eurico Sousa Leão maiores informações sobre aquele prisioneiro que tinha a alcunha de um pequeno pássaro e estava doido para “bater asas” de novo. A resposta de Eurico não utilizou palavras positivas. Informou que o cangaceiro era “perigoso”, sendo considerado “um problema seu livramento”.

Beija Flor havia cometido crimes em Água Branca, Alagoas, onde estava pronunciado nos artigos 294 e 356 (assassinato e roubo), do Código Penal de 1890, então vigente na época. Já no município pernambucano de Vila Bela, atual Serra Talhada, ele também estava pronunciado no mesmo artigo 294 e nos artigos 136 (incêndio a edificação) e 304 (lesão corporal). Para complicar a situação de Beija Flor, o Chefe de Polícia ainda aguardava novas comunicações do major Ferraz sobre outros crimes que ele havia cometido. Dias depois o pedido de habeas corpus foi negado[4].

Antiga Cadeia Pública de Recife - Fonte - ideiasembalsamadas.blogspot.com
Antiga Cadeia Pública de Recife – Fonte – ideiasembalsamadas.blogspot.com

Logo outros cangaceiros foram chegando para a grande Casa de Detenção do Recife[5]

Mais de 100 Cangaceiros Capturados ou Mortos 

Sempre com certo estardalhaço, quando novas prisões e mortes de cangaceiros ocorridas no sertão eram divulgadas em profusão na imprensa recifense.

Na noite de 11 de abril de 1927, uma segunda feira, um homem negro, alto, procurou o major Ferraz no quartel da polícia em Vila Bela. Disse que seu nome era Francisco Miguel, que era acusado de assassinato no município pernambucano de Floresta, havia andado como membro do grupo de Lampião, era conhecido como Pássaro Preto e deixou o bando a cerca de dois meses. Logo este cangaceiro, que também participou do grande combate de Serra Grande, veio para Recife[6].

Lampião e seu irmão Antônio em Juazeiro
Lampião e seu irmão Antônio em Juazeiro

Em 19 de abril, no lugarejo São João do Barro Vermelho, perto de Vila Bela, foi morto o cangaceiro Cícero Nogueira em um tiroteio com as volantes dos tenentes Antônio Francisco e Alfredo Alexandre. Mesmo sem maiores detalhes, consta que os policiais passaram pelo lugar Poço Ferro e tiveram a notícia que este bandoleiro, também participante do combate de Serra Grande, estava próximo a São João do Barro Vermelho.

Major Teófanes Ferraz Torres
Major Teófanes Ferraz Torres

Ali foi capturado pelo soldado Augusto Gouveia. Mesmo detido e cercado, em um dado momento este cangaceiro pediu para palestrar com seu captor, no que foi atendido. No meio da conversa Cícero Nogueira aproveitou um momento de distração do militar e bateu com seu chapéu de couro na cabeça de Gouveia. Na correria que se seguiu o cangaceiro foi alvejado e morto[7].

Quando completava seis meses a frente do cargo, no dia 11 de junho de 1927, através da imprensa pernambucana, Eurico Sousa Leão, junto com o major Ferraz, divulgaram uma lista com o nome, alcunha e fatos ligados a captura ou morte de 100 cangaceiros de diversos bandos que infestavam o sertão[8].

Esta lista impressionante foi publicada no mesmo dia que Lampião e seus homens se encontravam no Rio Grande do Norte, com o objetivo de realizar o ataque a Mossoró, o que ocorreria dois dias depois. O fato do “Rei do Cangaço” está em terras potiguares, buscando novas paragens para praticar suas rapinagens e crimes, é um quadro claro da feroz perseguição que sofria em solo pernambucano. 

Dias Maravilhosos Para os Policiais 

Ao longo do segundo semestre de 1927 outros cangaceiros foram sendo continuamente mortos e capturados pelas forças policiais de Pernambuco e de outros estados nordestinos. Dentre estes estavam alguns que estiveram no ataque dos cangaceiros ao Rio Grande do Norte.

Lampião e seu bando após a derrota em Mossoró
Lampião e seu bando após a derrota em Mossoró

Na sexta-feira, 22 de julho de 1927, o telégrafo estalou em Recife com a notícia da captura naquele mesmo dia do cangaceiro Serra do Umã, também alcunhado Mão Foveira. Ele se chamava Domingos dos Anjos de Oliveira, era negro, jovem, tido como valente e natural da grande Serra do Umã, uma elevação natural do sertão pernambucano cheia de histórias[9].

Região da Serra do Umã na atualidade - Foto - G. dos Anjos
Região da Serra do Umã na atualidade – Foto – G. dos Anjos

Já o bandoleiro Serra do Umã era irmão do cangaceiro alcunhado Azulão, morto no dia 10 de junho de 1927 pelo soldado da polícia potiguar José Monteiro de Matos, no lugar Caiçara, próximo a povoação de Vitória, durante a primeira resistência ocorrida contra Lampião e seus homens no Rio Grande do Norte[10].

Cangaceiro Serra do Umã preso em Recife
Cangaceiro Serra do Umã preso em Recife

Além de Azulão, o pai e outro irmão do cangaceiro Serra do Umã  também já haviam andado com Lampião de arma na mão e chapéu de couro na cabeça. Estes dois, Raimundos dos Anjos (o pai) e Rufino (o irmão), foram presos nos primeiros dias de agosto pela volante do tenente Arlindo Rocha, na localidade Serrote, município de Floresta[11].

Cangaceiro Andorinha
Cangaceiro Andorinha

Ao observar os jornais antigos e livros sobre o tema cangaço, é inegável que aqueles dias de agosto de 1927 foram maravilhosos para a luta das forças de segurança do governo pernambucano contra os cangaceiros e outros bandidos que infestavam o sertão. Até o fim do mês foram presos 16 destes foras da lei, alguns capturados nos contrafortes da própria Serra do Umã. Entre estes figuravam cangaceiros como José Alves de Lima, o José Guida, e João Alves Mariano, o Andorinha, respectivamente com 52 e 30 anos de idade e que haviam acompanhado o mítico chefe cangaceiro Sinhô Pereira[12].

Também estavam detidos os antigos companheiros de Lampião como Antônio Quelé Alves Bezerra, ou Antônio Guilé, alcunhado Candeeiro, Camilo Domingos de Farias, o Pirulito, e seus parentes Fortunato Domingos de Farias, o Guará, e Benedito Domingos de Farias. Consta que Candeeiro e Benedito Domingos estiveram em Mossoró no dia 13 de junho de 1927[13].

Benedito Domingos de Farias preso. Ele também participou do ataque a Mossoró
Benedito Domingos de Farias preso. Ele também participou do ataque a Mossoró

Nestas capturas o tenente Arlindo Rocha certamente usou de violência para alcançar os seus intentos, inclusive contra os coiteiros da Serra do Umã. Após capturar Pirulito (e depois de certamente apertá-lo) o tenente Arlindo esteve junto aos coiteiros conhecidos como David Dudu, Manoel Domingos e Manoel Lucindo, membros ou ligados a família Domingos. Com estes conseguiu encontrar três fuzis Mauser e um rifle Winchester. Mesmo discretamente, um jornal recifense afirma que o tenente Arlindo conseguiu este material bélico depois de colocar os coiteiros “debaixo de rigor”[14].

Em setembro, no dia 11, um domingo, quem se entregou na cadeia de Vila Bela foi outro cangaceiro que causou sensação na imprensa quando chegou à casa de Detenção do Recife. Era o famoso Zabelê.

Considerado de alta periculosidade pela polícia, seu nome verdadeiro era Isaias Vieira dos Santos e quem o recebeu foi o delegado A. Xavier. O cangaceiro declarou que havia tomado parte em vários tiroteios, estando envolvido em um crime na Serra Grande e que nos últimos 14 dias ele estava sem alimentação regular devido à perseguição policial, vivendo de plantas do mato. Aí não teve jeito e decidiu se entregar[15].

Zabelê
Zabelê

Na década de 1960, já velho, morando em um casebre em Serra Talhada, desassistido e muito pobre, Isaias Vieira dos Santos declarou a pesquisadora Aglae Lima de Oliveira que no passado havia sido um pequeno vendedor nas caatingas e seus melhores clientes eram os bandidos. A polícia soube quem era a sua clientela preferencial, o classificou como coiteiro, prometeu surrá-lo e prendê-lo. Isaias decidiu então seguir junto com Lampião. Nesta mesma entrevista, destinada a fornecer dados para o desenvolvimento do livro “Lampião, Cangaço e Nordeste”, o ex-cangaceiro Zabelê afirmou a Aglae de Lima que se entregou aos policiais porque soube que “-Tava garantido pelo coroné Corneio Luare”.

Ou houve um erro gráfico na impressão do livro. Ou a transcrição da fala tradicional do velho cangaceiro ficou muito a desejar. Ou a pesquisadora não quis colocar textualmente que a pessoa que supostamente garantia a entrega de Zabelê à polícia era o comerciante e político serra-talhadense Cornélio Soares[16]

Quem Podia Pagava. Quem não Podia Ficava… 

O ano de 1928 se iniciou e mais cangaceiros chegavam ao Recife.

Em 28 de março, vindo de Rio Branco (atual Arcoverde), chegava a Recife um trem com 15 cangaceiros e uma escolta de 30 policiais.

Camilo Domingos de Farias, o Pirulito
Camilo Domingos de Farias, o Pirulito

Na gare da estação desembarcaram Camilo Domingos de Farias, o Pirulito, Antônio Bernardo Silva, Adriel Ananias Pereira, Manoel Othon Alencar, o Seu Né, Benedito Domingos Farias, Manuel Torquato Amorim, Antônio Quelé Bezerra, o Candeeiro, Domingos dos Anjos de Oliveira, o Serra do Umã, Fortunato Domingos de Farias, o Guará, Rufino dos Anjos Oliveira, Manoel Cornélio de Alencar, o Sinhô Piano, José Bernardo da Silva, Antônio Serafim da Silva, o Antônio de Ernestina e Cícero Flor da Silva[17].

Para quem estava preso os dias passavam lentos, como se passa em todo local de detenção. Para evitar este problema, quem podia tratava de sair da cadeia pelos meios legais.

Este foi o caso do comerciante Emiliano Novaes. Membro de uma proeminente família da cidade de Floresta, tido como amigo e coiteiro de Lampião, consta que chegou a cavalgar de arma na mão ao lado de cangaceiros. No livro de Luiz Bernardo Pericás, “Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica” existe a reprodução de um telegrama policial enviado pelo tenente Sólon Jardim, de Vila Bela para Recife.

O Casca Grossa
O Casca Grossa

Informava o oficial que Emiliano Novaes estava chamando cangaceiros de várias partes para atacar a vila de Nazaré, onde viviam e se concentravam alguns dos maiores inimigos e mais tenazes perseguidores de Lampião.

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O grupo de Emiliano Novaes era superior a 100 cangaceiros e entre suas ações consta que no dia 29 de julho de 1926, no lugar Ingazeira, eles mataram o Soldado Cândido de Souza Ferraz, de número 386, lotado na 1ª companhia, do 3º Batalhão de Vila Bela. Consta que o Soldado Ferraz estava com a saúde debilitada e seguia para o quartel quando foi covardemente assassinado.

Pelo crime Emiliano Novaes foi preso. Mas em agosto de 1928, através do renomado Dr. Caetano Galhardo, seu advogado, conseguiu o desaforamento de seu processo para o município do Cabo, próximo a capital pernambucana. Depois o Dr. Galhardo impetrou uma ordem de habeas corpus. Esta foi julgada em 21 de agosto, sendo o processo anulado “Ab initio” e concedendo a liberdade ao acusado, que foi imediatamente solto[18].

Já os cangaceiros sem recursos, nem advogados, pagavam seus crimes na cadeia. 

Um Intelectual Visita os Cangaceiros 

Na Casa de Detenção de Recife, os agora ex-cangaceiros trabalhavam principalmente na sapataria, alguns eram alfaiates e um era serralheiro. Eles eram muito respeitados pelos outros presos, mas raramente recebiam alguma visita de parentes.

Cangaceiro Capão
Cangaceiro Capão

Entretanto entre as décadas de 1920 e 1930 era normal a visita de estudiosos e jornalistas ávidos para descobrir os aspectos ligados aos cangaceiros e ao cangaço. Mas a maioria só procurava conversar com o velho e respeitado Manoel Baptista de Morais, o famoso cangaceiro Antônio Silvino.

Fotos de cangaceiros presos na Casa de Detenção de Recife, estampada na primeira página de um jornal da capital pernambucana
Fotos de cangaceiros presos na Casa de Detenção de Recife, estampada na primeira página de um jornal da capital pernambucana

Mas os antigos guerreiros de chapéu de couro não ficavam fora dos holofotes. O Chefe de Polícia Eurico Sousa Leão, não criava nenhum tipo de problema quando algum jornalista de Recife e de outras cidades queriam entrevistar e fotografar os cangaceiros. Era uma ótima propaganda da ação “saneadora” do governo pernambucano contra a violência no sertão.

Outra foto dos cangaceiro na reportagem de "O Malho" de dezembro de 1928
Outra foto dos cangaceiro na reportagem de “O Malho” de dezembro de 1928

Uma grande reportagem, que trazia como principal fotografia que abre este artigo, foi realizada pela revista carioca “O Malho”, edição de 29 de dezembro de 1928, cujo autor foi o respeitado Ribeiro Couto. E este fez diferente, nem sequer falou com Antônio Silvino e foi direto conversar com os “cabras” de Lampião[19].

Aproveitando uma parada de quatro horas do vapor Bagé em Recife, Ribeiro Couto deu um jeito de ir à Casa de Detenção. Ali quem lhe apresentou o ambiente foi o delegado Maurício Pinheiro Guimaraes.

Aqueles antigos cangaceiros, sem suas impressionantes roupas e armas, envergando seus claros uniformes azuis de presidiários não causavam medo ao visitante.

Entre maravilhado e um tanto repugnado, o paulista de Santos primeiramente tentou contato com Beija Flor, mas soube que ele estava em uma audiência no interior do estado. Mas se impressionou com Serra do Umã, que para ele era “um cafuzo que os próprios companheiros temiam pelos instintos ferozes”.

Rui Esteves Ribeiro de Almeida Couto
Rui Esteves Ribeiro de Almeida Couto

Ribeiro Couto foi até a oficina da sapataria, onde cerca de 80 homens realizavam seus ofícios na maior tranquilidade, mas a maioria deles estava condenada a 30 anos de reclusão. Ali foi apresentado a Genésio Vaqueiro, um negro risonho, mas discreto. Era conhecido no cangaço como Mourão, disse ter andado com Lampião só por alguns “dias”, que era agricultor, se iludira com o cangaço e que não tinha nenhuma morte nas costas.

Baraúna, o cangaceiro que Couto considerou "um índio"
Baraúna, o cangaceiro que Couto considerou “um índio”

Já em relação a Antônio Gregório da Silva, o Baraúna (ou Braúna), Couto o considerou sua aparência como a de um “índio” e soube que era um dos mais perigosos homens que andou com Lampião. Mas também um verdadeiro artista na “arte de engraxar botas”, seu ofício na Casa de Detenção.

Já de Ventania, que não tinha ainda vinte anos, cujo nome verdadeiro era José Pereira da Cunha, foi o único dos detentos que expressou uma opinião negativa sobre Lampião, por ele ter desrespeitado uma prima sua. Ribeiro Couto sugeriu então se não seria o caso de incorporá-lo nas volantes que no final de 1928 caçavam Lampião nos sertões da Bahia.

Para Ribeiro Couto aqueles rapazes, que um dia viveram apenas da agricultura, ao andarem com Lampião se tornaram “famosos”, mas que também aquilo havia sido a perdição de todos[20]

Anos Atrás das Grades 

O tempo ia passando, seguindo o ritmo da justiça.

No começo de dezembro de 1929, em seção presidida no Fórum de São Lourenço pelo juiz José Julião R. Pinto de Souza, sendo promotor o Dr. Nogueira Vilela, o ex-cangaceiro Serra do Umã foi pela segunda vez absolvido. Não sei dizer quando ocorreu seu primeiro júri, mas sabemos que o seu processo foi desaforado da Comarca de Floresta e que, mesmo com a segunda absolvição, o Dr. Vilela apelou novamente. Mas o antigo companheiro de Lampião não desistiu[21].

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Não sabemos quando, mas temos a notícia que Beija Flor foi julgado e condenado a 30 anos de reclusão no presídio do então Território Federal de Fernando de Noronha. Em fevereiro deste mesmo ano ele chegava do temido arquipélago no vapor Corcovado, junto com mais 90 detidos, para ir depor em Salgueiro, no interior de Pernambuco. Foi notícia em todos os jornais recifenses[22].

O cangaceiro Guará
O cangaceiro Guará

Ao longo dos anos vários dos antigos bandoleiros participavam de seus julgamentos, alguns deles por vezes seguidas, com resultados que chamam atenção. No primeiro julgamento da 4ª Seção do Júri de Recife, presidido pelo Dr. João Tavares, no dia 25 de outubro de 1933 foram absolvidos Benedito Domingos de Farias (que havia feito parte do bando de Lampião durante o ataque de Mossoró), Fortunato Domingos de Farias, o Guará, e Domingos dos Anjos de Oliveira, o Serra do Umã. Para Domingos era terceira vez que pisava em um tribunal e pela terceira vez ocorria a sua absolvição. Mas tal como das outras vezes, pela terceira vez o promotor recorreu. A partir daí não sabemos o que aconteceu com ele e seus companheiros[23].

Passados 30, 40 anos depois, vamos ter algumas notícias destes antigos cangaceiros que andaram com Lampião no período anterior a 1928. Entretanto o destino de muitos requer pesquisa mais acentuada, mas com possibilidades de se conseguir poucas informações. E a causa é relativamente simples!

Em outra reportagem de "O Malho" vemos, da esq. para dir. os cangaceiros Cobra Verde, Cocada e Recruta em 1929
Em outra reportagem de “O Malho” vemos, da esq. para dir. os cangaceiros Cobra Verde, Cocada e Recruta em 1929

Estigmatizados, perseguidos e marcados, para muitos que sobreviveram ao cangaço e o cárcere, o melhor na vida pós-cadeia era a discrição. Evitar falar sobre este tema. Evitar falar sobre a sua vida no cangaço e na cadeia até com os familiares.

Na década de 1920 a Casa de Detenção de Recife se caracterizava por haver grupos de trabalhos, como este da gráfica e encadernação.
Na década de 1920 a Casa de Detenção de Recife se caracterizava por haver grupos de trabalhos, como este da gráfica e encadernação.

Muitos deles até estavam vivos e lúcidos quando vários setores culturais brasileiros nas décadas de 1950 e 1960 voltaram seus focos para o tema cangaço e a sociedade brasileira passou a conhecer Mais do tema. Mas o Nordeste dessa época ainda era bem atrasado no sentido de absorção de informações e poucos foram até eles com material condizente para gerar bons registros.

Cangaceiro Cancão
Cangaceiro Cancão

Na década de 1970 pesquisadores começaram a percorrer os sertões em Fords Rurais em busca dos que participaram do cangaço antes de 1928. Buscavam histórias da época anterior a Lampião cruzar o “Velho Chico”, quando os bandos podiam ter mais de 100 “cabras” e antes das mulheres participarem ativamente do cangaço.

Antônio Quelé Alves Bezerra, ou Antônio Guilé, alcunhado Candeeiro
Antônio Quelé Alves Bezerra, ou Antônio Guilé, alcunhado Candeeiro

Chegaram aos rincões levando a tiracolo pesados gravadores de “Fitas K7” e máquinas fotográficas japonesas de ótima qualidade. Mas muitos dos que vivenciaram aquele momento do cangaço ou continuavam sem querer falar, ou já tinham morrido, ou estavam senis.

Mas com persistência e uma busca mais apurada alguns falaram e deram ótimos depoimentos sobre suas andanças de armas na mão.

Mas poucos falaram das experiências cadeia!

Dos que falaram temos o exemplo de Isaias Vieira dos Santos, o Zabelê.

No seu relato dado a pesquisadora Aglae Lima de Oliveira no final da década de 1960, comentou que quando andava com Lampião passava muito bem e vivia de “barriga cheia”. Mas aí veio o cárcere!

Sabemos que Zabelê passou 14 anos atrás das grades e que grande parte foi em Fernando de Noronha. Para ele este tempo de presídio lhe trazia muito arrependimento. Mas não pelos crimes cometidos, mas por ter se entregado as autoridades. Isaias reclamou que nunca achou “quem espiasse meus papé” para sair mais cedo da cadeia.

José Alves de Lima, o José Guida, que teria sido cangaceiro de Sinhô Pereira
José Alves de Lima, o José Guida, que teria sido cangaceiro de Sinhô Pereira

Ele confirmou que entrou no cangaço “empurrado pula puliça” e que não era ”home de leva surra de outro home”. A pesquisadora Aglae Lima acentuou em seu livro que Isaias Vieira dos Santos, na época do seu relato “passava fome”[24].

Talvez para ele fosse melhor morrer lutando!


REFERÊNCIAS

[1] Sobre a biografia e o trabalho policial de Eurico de Sousa Leão ver – http://blogvivendoaguapreta.blogspot.com.br/p/noticias.html e http://pt.wikipedia.org/wiki/Eurico_de_Sousa_Le%C3%A3o

[2] Este lugar atualmente se chama Petrolândia, está localizado na região do Médio São Francisco, na fronteira entre Pernambuco e Bahia e possui cerca de 25.000 habitantes.

[3] Beija Flor afirmou também que estava atuando com seu pequeno bando de cangaceiros na fronteira entre Pernambuco e a Bahia, quando caiu em uma cilada e foi capturado. Mais sobre Beija Flor ver o Jornal de Recife, Recife-PE, edição de 15 de março de 1927, pág. 2. Sobre a saída de Lampião de Pernambuco devido à atuação das forças volantes ver TORRES FILHO, G. F. de S. Pernambuco no tempo do Cangaço : Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Virgulino Ferreira “Lampião” : Theophanes Ferraz Torres, um bravo militar – Volume II (1926-1933): Recife-PE: Edições Bagaço, 2003, págs. 170 a 174.

[4] Ver Jornal de Recife, Recife-PE, edições de 8 de abril de 1927, pág. 2 e 28 de abril de 1927, pág. 5. Sobre a íntegra do Código Penal de 1890 ver http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049,

MACIEL, F. B. Lampião, seu tempo e seu reinado: A Guerra de Guerrilhas (fase de domínio): Petrópolis-RJ: Editora Vozes Ltda, 1986, págs. 171 e OLIVEIRA, B. M. O Cangaceirismo no Nordeste, 2ª Ed.: João Pessoa-PB, 2002, pág. 209.

[5] Em 6 de agosto de 1848, através da Lei provincial 213, foi autorizada a construção de uma cadeia pública em Recife. A construção se iniciou em 1850 e sua conclusão só ocorreu em 1867, apesar da sua inauguração oficial ter sido realizada 25 de abril de 1855. O prédio da Casa de Detenção do Recife, em estilo neoclássico, foi construído em forma de cruz, ficando as celas dispostas em alas que podiam ser vigiadas facilmente a partir de uma sala central. Em 1973, depois de 118, o presídio foi desativado e o local transformado na Casa de Cultura de Pernambuco, onde até hoje funciona um centro de artesanato, com lojas de pintura, bordado, joias, confecções etc. Ver www.casadaculturape.com.br/aCasa.php

[6] Ver o periódico Jornal Pequeno, Recife-PE, edição do dia 12 de abril de 1927, 1ª pág.

[7] Cícero Nogueira é apontado nos jornais como sendo tanto coiteiro que apoiava Lampião, quanto cangaceiro que andou com o grande chefe do cangaço e, aparentemente, formou um pequeno bando que perturbava a paz na região de São João do Barro Vermelho, atualmente denominada Tauapiranga e ainda hoje um distrito de Serra Talhada. Ver os periódicos Jornal Pequeno, Recife-PE, edição do dia 12 de abril de 1927, 1ª pág, A Província, Recife-PE, edição do dia 20 de abril de 1927, pág. 5 e o livro de TORRES FILHO, G. F. de S. Pernambuco no tempo do Cangaço : Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Virgulino Ferreira “Lampião” : Theophanes Ferraz Torres, um bravo militar – Volume II (1926-1933): Recife-PE: Edições Bagaço, 2003, págs. 194 e 195.

[8] Ver jornal A Província, Recife-PE, edições dos dias 11 e 12 de junho de 1927, págs. 2 e 3 respectivamente.

[9] Com altitudes que chegam a quase 1.000 metros, está localizada entre as cidades pernambucanas de Floresta, Salgueiro e Serra Talhada, mas a cidade mais próxima é Carnaubeira da Penha, com quase 13.000 habitantes. Durante o período do Cangaço a Serra Umã foi um verdadeiro baluarte dos bandoleiros e considerada quase inexpugnável. Em 1920 o então capitão Teófanes Ferraz Torres subiu a serra atrás de bandidos, junto com uma volante e levou um tiro no rosto dos chamados “Caboclos da serra”. Estes eram os descendentes de indígenas e de antigos escravos fugitivos que buscaram refúgio naquela grande elevação. Já a presença dos indígenas na Serra do Umã data provavelmente do século XIX. Segundo documentos de 1801, esses índios, sob a denominação de Umãs juntamente com outras tribos, foram aldeados no local onde permaneceram até 1819, quando a aldeia foi abandonada após vários conflitos. Em 1824, houve a dispersão de diversos grupos indígenas pelo sertão de Pernambuco, tendo os Umã se dirigido para região da Serra Negra. As primeiras visitas de representantes do extinto SPI – Serviço de Proteção ao Índio àquele grupo ocorreram entre 1943 e 1945, conforme depoimento de índios Aticum, quando funcionários desse órgãoestiveram na área para assisti-los dançarem o “toré”. A realização do “toré” seria o Indicador de que os habitantes daquela serra do sertão pernambucano eram “índios”, o que Ihes  então  daria o direito de receberem assistência do SPI. Em 1949 foi criado o Posto Indígena Aticum, posteriormente denominado Padre Nelson, na aldeia Alto da Serra. A presença dos antigos escravos é caracterizada também pela adoção de elementos da religiosidade de matriz africana entre os índios Aticum. Sobre a prisão do cangaceiro Serra do Umã ver jornal A Província, Recife-PE, edição do dia 22 de julho de 1927, pág. 2. Sobre as populações indígenas que habitam a Serra do Umã ver  http://www.ufpe.br/nepe/povosindigenas/atikum.htm / http://www.ufpe.br/nepe/povosindigenas/atikum.htm. Sobre a fama da Serra doUmã ser um baluarte de cangaceiro ver TORRES FILHO, G. F. de S. Pernambuco no tempo do Cangaço : Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Virgulino Ferreira “Lampião” : Theophanes Ferraz Torres, um bravo militar – Volume II (1926-1933): Recife-PE: Edições Bagaço, 2003, págs. 218 e 219.

[10] A antiga povoação de Vitória é o atual município potiguar de Marcelino Vieira. Sobre o combate da Caiçara ver https://tokdehistoria.com.br/tag/marcelino-vieira/https://tokdehistoria.com.br/tag/o-grande-fogo-da-caicara/

[11] Sobre a prisão do pai e do irmão do cangaceiro Serra do Umã, ver jornal O Paiz, Rio de Janeiro-RJ, edição do dia 13 de agosto de 1927, pág. 4.

[12] Mais sobre José de Guida e Andorinha, ver Jornal de Recife, Recife-PE, edição do dia 2º de maior de 1928, pág. 7.

[13] Segundo o pesquisador Bismarck Martins de Oliveira o cangaceiro Andorinha também havia estado com Lampião em Juazeiro, no dia 4 de março de 1926. Sobre Candeeiro este autor aponta que ele também acompanhou Lampião a Juazeiro, esteve no grande combate da Serra Grande e confirma que o mesmo esteve participando da invasão de Mossoró. Ver OLIVEIRA, B. M. O Cangaceirismo no Nordeste, 2ª Ed.: João Pessoa-PB, 2002, págs. 200 e 214.Ver também os jornais A Província, Recife-PE, edição do dia 19 de agosto de 1927, pág. 5. e Jornal de Recife, Recife-PE, edição do dia 23 de agosto de 1927, 1ª pág.

[14] Ver o Jornal de Recife, Recife-PE, edição do dia 23 de agosto de 1927, pág. 9.

[15] A Província, Recife-PE, edição do dia 14 de setembro de 1927, pág. 3.

[16] Sobre o depoimento de Isaias Vieira dos Santos, ver OLIVEIRA, A. L. Lampião, Cangaço e Nordeste, 2ª Ed.: Rio de janeiro-RJ, 1970, págs. 420 e 421. Já em relação a Cornélio Aurélio Soares Lima, era mais conhecido como coronel Cornélio Soares, nasceu no dia 14 de setembro de 1886 na cidade de Salgueiro, era filho de Tibúrcio Valeriano Gomes Lima e Dona Lucinda Soares Lima. Ainda jovem contrai matrimônio com Cecília Diniz com quem forma uma prole de sete filhos. Em 1925 fica viúvo, e no ano de 1926 casa-se com Úrsula de Carvalho Soares que lhe dá mais nove filhos. Desde cedo demonstrou grande vocação para política, tomando sempre parte decisiva em todos os acontecimentos políticos e sociais da época. Com o advento da revolução de 1930, assume o comando político da então Vila Bela, que tinha como líder na política estadual o Dr. Agamenon Sérgio de Godoy Magalhães. Foi prefeito de Serra Talhada no período de 1947 a 1951. Faleceu em 6 de agosto de 1955. Ver – http://www.fundacaocasadacultura.com.br/site/?p=materias_ver&id=268

[17] Ver o Jornal de Recife, Recife-PE, edição do dia 30 de março de 1928, pág. 5.

[18] Sobre o caso Emiliano Novaes ver PERICÁS, L. B. Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica: São Paulo-SP, 2010, Boitempo Editorial, págs. 214 e 215. Também o Jornal de Recife, Recife-PE, edição do dia 22 de agosto de 1928, pág. 3. Já “Ab initio” é uma expressão latina que significa desde o início, desde o começo.

[19] Rui Esteves Ribeiro de Almeida Couto (Santos, 12 de março de 1898 — Paris, 30 de maio de 1963), mais conhecido simplesmente como Ribeiro Couto, formou-se bacharel em Direito em 1919, no Rio de Janeiro RJ. Até 1922, colaborou nas revistas Brás Cubas e Careta, sob os pseudônimos de Antônio Simples e Zeca, e nos jornais Gazeta de Notícias, sob o pseudônimo de Eduardo Sancho, Diário do Rio de Janeiro, A Pátria e A Manhã. Em 1921 publicou O Jardim das Confidências, seu primeiro livro de poesia. Nas décadas seguintes foram publicados seus romances Cabocla e Prima Belinha e seus livros de contos Circo de Cavalinhos e O Crime do Estudante Batista, entre outros. Também produziu livros de ensaios, impressões de viagens e crônicas, além da peça de teatro Nossos Papás. Entre 1929 e 1955 serviu, com adido consular e embaixador, na França, em Portugal e na Iugoslávia. Em 1932 fundou a Editora Civilização Brasileira, com Gustavo Barroso e outro sócio. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 1934. Sua obra poética inclui, entre outros, os livros Um Homem na Multidão (1926), Canções de Amor (1930), Noroeste e Outros Poemas do Brasil (1933), Cancioneiro do Ausente (1943) e Entre Mar e Rio (1952). A poesia de Ribeiro Couto pertence à segunda geração do Modernismo. De acordo com o crítico Rodrigo Octávio Filho – Ribeiro Couto opôs, aos temas nobres, os temas cotidianos, os temas da vida ao alcance do olhar de qualquer ‘homem da multidão’. E tudo isso em linguagem discreta e em meio tom.

[20] Ver Revista O Malho, Rio de Janeiro-RJ, ed. 29 de dezembro de 1928, págs. 23, 51 e 52.

[21] Sobre este caso, ver o jornal A Província, Recife-PE, edição do dia 4 de dezembro de 1929, pág. 2.

[22] Ver o periódico Jornal Pequeno, Recife-PE, edição do dia 2 de fevereiro de 1930, pág. 3.

[23] Ver o Jornal de Recife, Recife-PE, edição do dia 26 de outubro de 1933, pág. 2.

[24] Ver OLIVEIRA, A. L. Lampião, Cangaço e Nordeste, 2ª Ed.: Rio de janeiro-RJ, 1970, págs. 420 e 421.

QUANDO LAMPIÃO QUASE FOI ANIQUILADO

O COMBATE NA LAGOA DO VIEIRA

Rostand Medeiros – Escritor e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Nos primeiros meses do ano de 1924, o chefe cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o temido Lampião, mantinha junto com seu bando uma intensa atividade de pilhagens, assaltos e ataque aos seus inimigos na região fronteiriça entre os estados de Pernambuco e da Paraíba. Neste setor não eram incomuns as notícias dos cangaceiros nas cidades de Princesa (PB), Triunfo e São José de Belmonte (PE). São deste período dois grandes ataques do bando de Lampião contra o ex-companheiro de cangaço, Clementino Furtado, ou o famoso “Clementino Quelé”.

Lampião

Segundo o livro “Pernambuco no tempo do cangaço, Volume I”, de Geraldo Ferraz de Sá Torres Filho (Recife,2002), em sua página 328, informa que segundo o Boletim Geral nº 05, da Polícia Militar de Pernambuco, as primeiras horas da manhã de seis de janeiro e 1924, dia dedicado aos Santos Reis, o chefe cangaceiro atacou um sítio próximo a vila de Santa Cruz, atual cidade de Santa Cruz da Baixa Verde, a apenas seis quilômetros de Triunfo, acompanhado de um grupo de cangaceiros calculado em sessenta homens.

Durante seis horas de nutrido tiroteio, Clementino Quelé suportou juntamente com outros membros de sua família, uma terrível provação. Mesmo tão próximo a cidade de Triunfo, somente as onze daquela manhã foi que o sargento Higino Belarmino, ordenou o deslocamento de sua tropa para salvar os sitiantes. Diante do fogo dos policiais, Lampião ordenou a retirada. Na casa ficaram três mortos, sendo um deles irmão de Quelé, e um ferido.

Não satisfeito pelo fato de ter conseguido matar o ex-companheiro de bando, o chefe Lampião retorna cinco dias depois a casa de Quelé, com igual número de cangaceiros, e reinicia o ataque. Aparentemente desta vez a tropa veio em socorro dos sitiantes mais rapidamente. Entretanto, como na ocorrência anterior novamente Quelé perdeu outros parentes e amigos.

Diante da situação, Clementino Quelé o homem que suportou is ataques de Lampião, cruzou a fronteira e seguiu para a cidade de Princesa, onde através da influência do “dono” do lugar, o coronel José Pereira, sentou praça na polícia paraibana. Ele recebeu a patente de sargento e tratou logo de montar uma força volante para caçar seu maior inimigo e o seu bando.

Diante da repercussão destes combates, as forças policiais dos dois estados aumentam a pressão contra os cangaceiros. Pelos próximos dois meses circulam notícias da presença do bando na proximidade da vila de Nazaré e informações de um assalto ao sítio São Domingos. (Ferraz, op. cit. Págs. 331 e 332).

Theophanes Ferraz Torres, o notório oficial da polícia pernambucana

Entre os oficiais da polícia pernambucana que desejavam capturar, ou abater, Lampião estava o major Theophanes Torres Ferraz. Aos 30 anos de idade, este militar era considerado uma verdadeira lenda no seio da corporação em que atuava. Ferraz havia se notabilizado pela prisão do famoso cangaceiro Antônio Silvino, em novembro de 1914, após o tiroteio ocorrido no sítio Lagoa da Laje, na zona rural do atual município pernambucano de Vertentes. Há algum tempo ele estava baseado na cidade de Vila Bela, atual Serra Talhada, atuando no desbaratamento de grupos cangaceiros.

Considerado atuante, enérgico e determinado, o nome do major Ferraz é visto costumeiramente nas páginas dos antigos jornais conservados na hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco. Estes periódicos estampavam principalmente seus telegramas destinados a Eurico Souza Leão, então Chefe de Polícia de Pernambuco, cargo atualmente equivalente ao de Secretário de Segurança. Nestes relatos o major Ferraz dava conta da atuação da força policial no interior.

Em março de 1924, a frente de uma tropa de vinte e cinco policiais, o major Ferraz seguiu de Vila Bela para várias localidades da região do Pajeú pernambucano. Consta que uma das missões do major Ferraz era arregimentar o maior número de homens para formar uma grande volante destinada a combater os cangaceiros que assolavam a região.

Um dos locais para onde a tropa seguiu foi a Serra do Catolé, distante cerca de 30 quilômetros de São José de Belmonte. Este elevado maciço granítico, que possui altitudes que ultrapassam os mil metros, está fincada na região onde as fronteiras dos estados de Pernambuco, Ceará e Paraíba se encontram, tendo seu nome originado a partir da existência de uma grande quantidade de pequenas palmeiras conhecidas como coqueiro catolé. A força policial chegou à região da serra no dia 23 de março.

Na capa do jornal recifense “A Notícia”, de 26 de março de 1924,com a narrativa do combate da Lagoa do Vieira feito pelo major Ferraz.

Segundo João Gomes de Lira, ex-oficial da Polícia Militar de Pernambuco, antigo perseguidor de Lampião na década de 1930 e autor do livro “Memórias de um soldado de Volante” (Recife,1990), informa na página 129 que ao passarem pela  serra, os policiais souberam que três cangaceiros montados em alimárias haviam seguido em direção a região da fronteira da Paraíba. Provavelmente o major Ferraz recebeu a informação que entre os membros daquele pequeno grupo de bandidos estava Lampião e partiu para a perseguição.

Antônio Amaury Correa de Araújo e Vera Ferreira, autores do livro “De Virgulino a Lampião” (São Paulo,1999), na página 96, informam que o chefe cangaceiro seguia com os companheiros que tinham a alcunha de Moitinha e Juriti. Para estes autores os celerados seguiram para a região da Lagoa do Vieira, na intenção de receberem uma encomenda feita a um coiteiro da região.

Durante a nossa visita a região (dezembro de 2008) a área apontada como sendo a Lagoa Vieira estava praticamente seca-Foto Alex Gomes

Por volta das dez horas da manhã os policiais vinham cautelosos ante a aproximação dos cangaceiros. Segundo Lira (op. cit. Pág. 129), o major Ferraz determinou que habitantes da região que buscassem o rastro dos fora das lei. Nesta movimentação os policiais ouviram a aproximação de alimárias, viram os três homens montados e o tiroteio começou.

Logo o animal que transportava o chefe cangaceiro caiu varado de balas e um destes disparos igualmente atingiu o calcanhar direito de Virgulino. O cavaleiro caiu ao solo, onde na seqüência a sua montaria tombou sobre seu pé ferido e Lampião ficou momentaneamente preso. Se não fosse a ação destemida de Moitinha e Juriti, provavelmente aquele seria o dia derradeiro do “Rei do Cangaço”.

Próximo a Lagoa Vieira se encontra a famosa Pedra do Reino, palco de trágicos acontecimentos em 1838

Teria sido o próprio major Ferraz quem atingiu o chefe cangaceiro. De alguma forma Lampião se livra do peso do animal morto e mesmo ferido consegue reagir a altura da situação. Logo, segundo a nota publicada no jornal “A Noticia” ele e seus companheiros fogem em direção a uma serra, que o oficial pernambucano declara ser a “Serra da Catinga”, existente nas proximidades.

Foto-Alex Gomes

Segundo as pessoas que atualmente habitam a isolada região da Lagoa do Vieira, o local deste combate é demarcado pela existência de uma árvore do tipo “pau-ferro”, em uma parte mais baixa do terreno, próximo as margens desta lagoa. Em relação aos detalhes deste acontecimento, os atuais moradores não transmitiram muitas informações, mas foram categóricos em apontar o local do combate, através de relatos passados pelos mais velhos.

O abundante rastro de sangue mostra o caminho para onde a tropa deve seguir. Ainda segundo a nota publicada no jornal recifense, a cerca de uma légua de distância, ou seja, seis quilômetros, na altura de um lugar chamado “Barro”, outros cangaceiros vieram em socorro do chefe e montaram o ponto de disparos. Logo a tropa é violentamente atacada em uma emboscada.

Neste ponto a tropa do major Theophanes Ferraz se encontra em desvantagem, o tiroteio cresce e logo claros são abertos no lado dos militares. Em pouco tempo três policiais são feridos, sendo dois com gravidade.

As estradas da região próxima a Lagoa do Vieira são péssimas, mantendo a região ainda bastante isolada.

Em sua nota na imprensa pernambucana, o major Ferraz informa que diante da situação dos dois feridos, os praças Manoel Amaro de Souza, que havia sido atingido no olho direito e de Manoel Gomes de Sá, baleado no braço esquerdo e na coxa direita, ele decidiu se retirar do combate para buscar um local apropriado para aplicar os primeiros tratamentos, além de conseguir a remoção dos mesmos para Belmonte e Vila Bela. Ainda segundo o oficial, os homens atingidos gravemente foram transportados nas costas dos seus companheiros de farda até uma propriedade denominada Montevidéu. O soldado João Demetrio de Souza, o terceiro ferido, este sem gravidade, consegue seguir por seus próprios meios.

Nas imediações desta árvore, neste mesmo antigo caminho de barro, segundo os moradores da região, foi o local onde se deu este combate do dia 23 de março de 1924.

Da parte dos cangaceiros, o ferimento no pé de Lampião preocupa. O cangaceiro paraibano Cícero Costa de Lacerda propõem conduzir o chefe para o alto a Serra das Panelas, que ficava nas proximidades.

Vendo seu ferimento melhorar Lampião Imaginava que, juntamente com seus cangaceiros, todos estavam bem protegidos no alto da grande serra, mas logo ele teria um encontro com um dos seus mais terríveis inimigos, Clementino Quelé.

Na altitude de mil metros da Serra do Catolé, a esquerda o Ceará e a direita a Paraíba. A partir da esquerda para a direita a equipe participante, Alex Gomes, Solón Almeida Netto (Fotógrafos), os nossos guias na região Luiz Severino dos Santos (Morador do Sítio Catolé, no alto da serra e neto do cangaceiro Luís Padre, primo do mítico chefe cangaceiro Sinhô Pereira), Antônio Antas (Grande amigo e verdadeira biblioteca ambulante sobre o cangaço na região, de Manaíra-PB) e o autor deste artigo.