A HISTÓRIA DA COLUNA DE REVOLTOSOS EM SÃO MIGUEL

Rostand Medeiros – Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN

O ano de 1926 iniciava de forma tranquila para a pequena cidade de São Miguel, mas pelo Brasil afora fortes tensões e graves problemas políticos cresciam desde 1922.

Em 1924 estouram vários levantes armados pelo país, com os mais sérios ocorrendo em São Paulo e no Rio Grande do Sul.

Grupo Escolar Padre Cosme, em São Miguel, um ano após a passagem dos Revoltosos pela região – Fonte – Livro “João Rufino-Um visionário de fé”, pág. 65

Estes movimentos eram sempre motivados pela insatisfação generalizada da jovem oficialidade militar em relação a política do então presidente da República, o mineiro Artur Bernardes. Este era um homem de temperamento complicado e extremamente autoritário. Como exemplo podemos comentar que durante a gestão Bernardes, todo o seu período governamental, do primeiro ao último dia, foi realizado com o país em estado de sítio.

Foto aérea de São Miguel na atualidade – Foto – Prefeitura Municipal de São Miguel – Fonte – Livro “João Rufino-Um visionário de f´é”, pág. 367

As forças do governo em pouco tempo esmagam estas ações, mas os grupos revoltosos de São Paulo e do Rio Grande do Sul resistem e formam duas colunas revolucionárias. Os paulistas eram comandados pelo general Miguel Costa e os gaúchos pelo tenente engenheiro Luís Carlos Prestes. No dia 11 de abril de 1925 os dois grupos se encontram próximos a Foz do Iguaçu. Deste encontro os revoltosos, como ficaram conhecidos na época, decidem realizar a “guerra de movimento”, marchando pelo interior do Brasil, permanecendo na luta até a população se sensibilizar com o exemplo destes guerreiros, ajudarem a derrubar o despótico governo de Artur Bernardes e criar uma nova ordem.

Notícia sobre a invaso de São Miguel – Fonte – Coleção do autor

No início de fevereiro de 1926, dez meses depois de deixarem a fronteira com o Paraguai e cruzarem grande parte do país, a Coluna está deixando o estado do Ceará e seu caminho segue em direção ao Rio Grande do Norte, mais precisamente a São Miguel.

O então Governador potiguar, José Augusto Bezerra de Medeiros, sabendo da aproximação da Coluna de Revoltosos, informa ao coronel João Pessoa de Albuquerque, então Presidente da Intendência de São Miguel, cargo equivalente atualmente ao de prefeito, que os Revoltosos se aproximavam de sua cidade. Um curto telegrama informava que o grupo de revoltosos era composto de “70 combatentes”.

A Ladeira do Engenho, local do combate entre os revoltosos e os defensores de São Miguel – Foto – Rostand Medeiros – Fonte – – Fonte – Livro “João Rufino-Um visionário de f´é”, pág. 269 

Foi formado então um contingente para interceptar o grupo na conhecida Ladeira do Engenho, um antigo caminho que ligava a região serrana ao Jaguaribe, no Ceará.

O advogado, atualmente residente na cidade de Coronel João Pessoa, Nivaldo Moreno Pinheiro, comenta que seu pai, o comerciante João das Chagas Moreno, mais conhecido como “Joca Gato”, participou da resistência. Homens da cidade se reuniram em seu ponto comercial, um bar conhecido como “bodega de Joca Gato”, onde o grupo aproveitou para tomar algumas “lapadas” de cachaça para dar o combustível da coragem. O proprietário do bar estava preocupado e questionou o grupo se os homens da cidade de São Miguel que se dispunha a lutar contra os Revoltosos, possuíam armamento e munição em condições adequadas? Ao invés de debaterem seriamente sobre a dúvida informada pelo precavido vendeiro, este foi sumariamente perguntado “-Se estava com medo?”. Diante destas discussões, “Joca Gato” nada mais perguntou, nem esperou por novos debates. Apenas foi em casa, pegou seu rifle Winchester, farta munição de calibre 44, lubrificou sua arma e partiu juntamente com um grupo, que os pesquisadores locais apontam como sendo superior a vinte homens armados.

Ata da então Intendência de São Miguel, sobre os Revoltosos – Fonte – Coleção do autor

Sobre esta questão, a ata da “Sessão Ordinária da Intendência Municipal de São Miguel”, datada de 3 de maio de 1926, elaborada três meses após a passagem da Coluna de invasores, lista nominalmente vinte “patriotas”, mas informa haver “alguns outros” membros que faziam parte do grupo de defensores da cidade. Este importante e histórico documento se encontra atualmente nos arquivos da prefeitura municipal de São Miguel.

Já Raimundo Nonato é categórico ao afirmar em seu livro que os “patriotas” foram vinte civis e quatro policiais do destacamento de São Miguel. Este grupo potiguar foi reforçado por mais quatro homens do vizinho município cearense de Pereiro.

No total, apenas vinte e oito combatentes.

Aspecto da trilha da Ladeira do Engenho – Foto – Rostand Medeiros

Do outro lado os números são diversos. O documento elaborado pela municipalidade de São Miguel aponta que a Coluna de Revoltosos era composta de 2.000 homens. Os que se debruçaram sobre o assunto apontam um número mais modesto, entre 450 a 1.000.

O advogado Nivaldo Moreno Pinheiro em uma solenidade quando era prefeito da cidade de Coronel João Pessoa – Fonte – Livro “João Rufino-Um visionário de fé”, pág. 132

Mas voltando ao dia 3 de fevereiro de 1926, que São Miguel jamais esqueceu, Nivaldo Moreno informa que o grupo se posicionou na “cabeça”, no alto da ladeira do Engenho, já em território da vizinha cidade cearense de Pereiro, aguardando os “70 Revoltosos”, como dizia o documento do governo estadual.

O que os valorosos defensores avistaram do alto da sua privilegiada posição, a uma altitude em torno dos 650 metros, nem de longe se parecia com o reduzido grupo anteriormente informado. Diante dos seus olhos se avolumava uma grande quantidade de combatentes, mostrando-se como um verdadeiro exército em marcha.

Mesmo diante desta multidão motivada, armada, a maioria fardada de uniformes de cor kaki, lenços vermelhos ao pescoço e extremamente calejados na guerra de guerrilha, o grupo de combatentes de São Miguel não titubeou.

Fonte – http://www.mundoeducacao.com.br

O primeiro a atirar teria sido Francisco da Costa Queiroz, o “Chico Queiroz”. Ele teria disparado não contra o grosso de um dos quatro grupos que formavam a Coluna, mas contra um contingente de umas trinta pessoas, que efetuavam a averiguação do terreno, em busca de possíveis inimigos. Os jornais antigos existentes no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte afirma que o grupo de defensores de São Miguel ainda conseguiu atingir e matar um dos revoltosos.

Mas a resposta dos experientes seguidores de Miguel Costa e Luís Carlos Prestes foi uma intensa chuva de balas. Um dos revoltosos atirou a poucos

metros da trincheira dos defensores com duas armas curtas. Os rebeldes recuaram deixando alguns materiais. Por sorte o grupo de defensores de São Miguel se protegeu atrás de várias pedras.

Logo outros membros da Coluna retornavam para novo combate. Os defensores da cidade serrana recuaram, se entrincheirando em uma casa e, segundo Raimundo Nonato, sustentaram forte tiroteio por duas horas.

A conhecida “Cruz do Revoltoso”. Segundo a tradição oral da região neste lugar estaria enterrado um membro da Coluna Prestes – Foto – Rostand Medeiros – Fonte – Livro “João Rufino-Um visionário de fé”, pág. 271

 Diante do volume avassalador de fogo efetuado pelos membros da Coluna, que cercava a casa, além da noite se aproximando, o grupo onde estava “Joca Gato” percebeu que a sua resistência era inútil e todos fugiram deste local.

Nas primeiras horas do dia 4 de fevereiro de 1926, um novo grupo de doze defensores voltou para fustigar a Coluna de Revoltosos.

O grupo partiu armado de rifles, comandados por Manoel Vicente Tenório, tendo sido reunido em São Miguel, quando o fazendeiro Manuel Antônio Nunes, utilizou uma prática comum na época e atualmente esquecida nas cidades do

sertão; com um búzio marinho, ele “buzou”, alertando e chamando as pessoas na casa do coronel João Pessoa, para seguirem para a luta.

Resto do antigo engenho, que serviu de abrigo aos defensores de São Miguel contra os Revoltosos – Foto – Rostand Medeiros

Era noite fechada quando no sítio Crioulas, a alguns quilômetros da cidade, os defensores defrontaram-se com um contingente de trinta rebeldes. O tiroteio foi rápido, mas rendeu para os defensores a prisão do revoltoso Policarpo Gomes do Nascimento.

Este era natural do Maranhão, onde havia aderido às hostes revoltosas quando da sua passagem pelo seu estado natal.

O dia vinha clareando quando este grupo de defensores retorna a São Miguel com o prisioneiro. Tenório está com mais dois outros companheiros quando na entrada da cidade estoura um novo tiroteio. Apesar da reação dos defensores, este grupo de rebeldes era mais numerosos e o chefe Tenório recebeu dois

balaços de fuzil na coxa esquerda.

Agora não tinha mais jeito, a Coluna de Revoltosos entrou em São Miguel.

Fonte – Coleção do autor

Ao adentrarem a cidade, primeiramente um oficial em um cavalo negro percorria as ruelas e gritava para que o povo não tivesse medo, que eles lutavam para derrubar um governo podre.

Depois um grupo vai direto á a agência dos correios onde destroem a estação telegráfica, para evitar a transmissão de informações à polícia em Pau dos Ferros. Estas informações foram transmitidas pela micaelense Zenaide Almeida Costa, autora do livro “A vida em clave de dó”. Na época da invasão Zenaide era uma criança, que juntamente com a família, foram alguns dos poucos habitantes de São Miguel a ficarem na cidade e testemunharem os fatos.

Logo uma grande quantidade de cavaleiros, com algumas mulheres, que acompanhavam seus homens pelos sertões afora, entraram na pequena cidade. Tiros eram dados para o alto e um grupo acampou diante da casa da família de Zenaide.

Igreja de São Miguel Arcanjo, com a fachada igual a época do ataque dos Revoltosos – Foto – Manuelito, através de material cedido pelo historiador René Guida – Fonte — Livro “João Rufino-Um visionário de f´é”, pág. 287

Segundo Nivaldo Moreno, os líderes dos revoltosos ficaram na casa de Manoel Vieira de Carvalho, que buscou receber o grupo da melhor forma possível. Outros membros foram ao cartório público, retiraram praticamente toda a documentação, fizeram uma pilha diante do prédio, jogaram querosene sobre a papelada e atearam fogo. Outro grupo ateou fogo em documentos diante da prefeitura.

Nivaldo conta que os invasores solicitaram ao então tesoureiro municipal, Chico Dias, a chave do cofre da prefeitura. Ao tentar entregar a chave, o tesoureiro foi obrigado ele próprio a abrir o cofre da municipalidade e o material que se encontrava no interior foi examinado pelos revoltosos. Membros do grupo obrigaram pessoas da comunidade a lavrar um termo onde apontavam o que continha este cofre. Foi encontrado dinheiro, que foi contado, listado, mas nada foi retirado.

Antiga Cadeia Pública de São Miguel, edificação com mais de 200 anos, que viu a Coluna passar diante de suas portas. Foto – José Guadêncio Torquato – Fonte – Fonte – – Livro “João Rufino-Um visionário de f´é”, pág. 357

Segundo o advogado, algumas pessoas indicaram para um grupo retardatário e revoltosos que determinados proprietários de casas comerciais afirmavam ser contra as causas que motivavam aquele grupo contra o Governo Federal, ou que este ou aquele dono de loja havia participado do tiroteio na Ladeira do Engenho.

Ao tomarem conhecimentos destes relatos, muitos destes inverídicos, alguns revoltosos promoveram diversos saques em várias casas comerciais de São Miguel. Foram espalhadas pelas poeirentas ruas de terra batida farta quantidade de produtos. Peças de tecidos foram abertas, a farmácia de Chico Queiroz foi saqueada, gêneros alimentícios subtraídos e em outros locais a cena foi se repetindo. Segundo a edição do jornal natalense “A Republica”, de 10 de fevereiro de 1926, o número de casas comerciais atingidas foi de dezessete. Para Nivaldo Moreno, inúmeras pessoas, algumas até mesmo com determinado nível financeiro de São Miguel, se aproveitaram da situação.

Nezinho Moreira, quando criança ficou frente a frente com os Revoltosos, nunca esqueceu que utilizavam lenços vermelhos no pescoço – Fonte –  Livro “João Rufino-Um visionário de f´é”, pág. 330

Um grupo de batedores seguiu da cidade em direção a fazenda Riacho Fundo, analisando o caminho por onde seus companheiros deveriam prosseguir. Ao chegar neste local foi feito um contato e ocorreu uma troca de tiros com um contingente da polícia militar do Rio Grande do Norte comandado pelo tenente Juventino Cabral. Este pelotão policial havia saído de Pau dos Ferros, sendo composto por vinte homens e haviam levado oito horas para chegar ao Riacho Fundo.

Como resultado do encontro armado, um jovem morador deste sítio foi morto por disparos feitos pela força governamental, com balaços que lhe atingiram a cabeça.

Para a polícia potiguar, diante da realidade de se combater um grupo lutador e motivado, que superava todo o contingente policial potiguar da época, o melhor a fazer era dar meia volta em direção a Pau dos Ferros. Nesta cidade, esperando a chegada dos revoltosos, se encontrava um contingente de 150 homens armados e sob as ordens do major Luís Júlio, então comandante do Regimento de Polícia Militar.

Sítio Riacho Fundo, local do combate entre os membros da Coluna e a Polícia Militar do Rio Grande do Norte – Foto – José Correia Torres Neto

Para os rebeldes, o tiroteio no Riacho Fundo aparentemente motivou o grupo a seguirem pôr uma rota que os levaria para os sítios da Serrinha de João Paulo e Pau Branco.

Segundo Raimundo Nonato, se não tivesse ocorrido os confrontos na Ladeira do Engenho, nas Crioulas, na entrada da cidade e o encontro armado com a polícia no Riacho Fundo, provavelmente o tempo que os revoltosos ficariam em São Miguel seria mais longo. Ou como resultado destes combates a Coluna, ao invés de seguir em direção a Paraíba, poderia ter tomado o rumo de outras cidades potiguares, que seriam interessantes de serem conquistadas, como Pau dos Ferros, Apodi, Mossoró, ou até mesmo Areia Branca e seu importante porto.

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Desfile cívico em São Miguel. Cidade de tradições.

Os historiadores que se debruçaram sobre este assunto não concordam com esta versão. Para eles a entrada da Coluna no território potiguar era apenas uma passagem para os estados vizinhos e não tinham o intuito de atacar outras localidades potiguares.

Os líderes dos revoltosos esperavam que os oficiais do Exército Brasileiro, Souza Dantas, Seroa de Melo e Cleto Campelo, todos ligados a causa revolucionária, conseguissem rebelar os seus respectivos quartéis e aderissem ao grupo de combatentes revolucionários. Os dois primeiros militares estavam lotados na capital paraibana e o último em Recife. Mas as tentativas de rebelião destes militares fracassaram.

Membros do batalhão criado para defender Caicó dos membros da Coluna – Fonte Livro “Era uma vez em Caicó”, de Marcelo Rocha Coelho

Já o então deputado federal e futuro governador potiguar, Juvenal Lamartine de Faria, temeroso que diante de alguma ação bélica da polícia da Paraíba, houvesse a possibilidade dos revoltosos retornarem ao Rio Grande do Norte pela região do Seridó, organizou grupos de defesa em Caicó, Serra Negra do Norte, Jardim de Piranhas, Parelhas e outras localidades. Em Caicó, a mais importante cidade da zona seridoense, o grupo de defensores ali criado foi pomposamente chamado de “Batalhão Patriótico de Caicó”, ou “Batalhão Treme Terra”. Este era formado, segundo o pesquisador Adauto Guerra Filho, autor do livro “O Seridó na memória de seu povo” (2001), por um contingente que chegava a 300 combatentes. Para muitos, Juvenal Lamartine aproveitou a passagem dos revoltosos para ganhar politicamente com o fato e assim ratificar sua indicação como futuro governador potiguar. Fato que ocorreu em 1927.

Juvenal Lamartine a frente do Batalhão de Caicó – Fonte – Coleção do autor

O certo é que a partir das notícias do combate no Riacho Fundo, o grosso dos combatentes rebeldes converge em direção ao sítio Pau Branco.

Uma parte do contingente de milicianos revoltosos passou na mesma estrada que hoje passa exatamente defronte a sede da fazenda São Gonçalo, pertencente à família de João Alves de Lima, o João Rufino, o nosso biografado.

A Coluna de Revoltosos seguiu em direção aos atuais territórios dos municípios potiguares de Venha Ver e Luís Gomes, onde o trajeto utilizado aparentemente foi através dos sítios Bananeira, Formoso, Bartolomeu e depois Venha Ver, na época uma fazendola com algumas casas na beira de um açude.

A rezadeira Maria Bernarda de Aquino, conhecida como Dona Cabocla – Foto – Rostand Medeiros

Nesta cidade, segundo relatos da conhecida rezadeira Maria Bernarda de Aquino, conhecida como Dona Cabocla, através do que seus pais lhe contaram, enquanto o grosso da tropa seguia adiante, alguns membros da Coluna acamparam próximos ao açude, aonde chegaram a permanecer alguns poucos dias na região, inclusive com suas mulheres. Estas utilizavam lenços e panos na cabeça de cor vermelha, mostrando orgulhosamente que faziam parte do grupo rebelado.

Logo os revoltosos mataram vários porcos para sua alimentação e não molestaram ninguém. Estavam sempre com um vigilante permanentemente de plantão e andavam todo o tempo “equipados”, com suas amas e munições prontas para o uso imediato.

Uma mulher de Venha Ver, conhecida como Josefa, ou Zefa de Zé Lauro, ajudou as mulheres dos rebeldes com lavagens, concertos de roupas e preparação de alimentação. Como pagamento pelo seu trabalho ela ganhou farta quantidade de dinheiro, tecidos, redes, lençóis, roupas prontas e utensílios variados.

A cidade de Venha Ver – Foto – José Correia Torres Neto

Para Dona Cabocla a pobreza naquela época era tão grande que sua mãe, Maria das Dores de Jesus, comentava que com este material, a família de Zefa de Zé Lauro se tornou “rica” do dia para a noite em Venha Ver.

Após saírem deste lugarejo, a Coluna de Revoltosos seguiu em direção a propriedade Cacos (ou Cactos), e após passarem pela Ladeira dos Miuns, estiveram na região dos sítios Tigre, Imbé, São Bernardo, Feira do Pau e na pequena área urbana da cidade de Luís Gomes.

Praça central da cidade de Luiz Gomes – Foto – Rostand Medeiros

Em Luís Gomes se repetiram as “ações revolucionárias”, com uma sequência de saques de casa residências e comerciais. Foram provocados incêndios no cartório e na agência dos correios. Já no dia 6 de fevereiro, os revoltosos deixaram Luis Gomes e o Rio Grande do Norte, adentrando na Paraíba.

Depois de deixarem terras potiguares, a Coluna de Revoltosos combateu ainda por vários estados brasileiros.

Cruzeiro nas proximidades da Ladeira dos Miuns, local de passagem dos revoltosos – Foto José Correia Torres Neto – Fonte – Livro “João Rufino-Um visionário de f´é”, pág. 277

Exatamente um ano após passar por São Miguel, a 4 de fevereiro de 1927, o grupo cruzou a fronteira com a Bolívia, onde foi dissolvido.

Já seus líderes tomaram rumos diversos. Luís Carlos Prestes, o mais conhecido e respeitado de todos, inspirou o mito do “Cavaleiro da Esperança”, que durante anos alimentou aspirações das camadas médias urbanas por uma vida melhor. Em 1930 Prestes adere ao comunismo e continua fiel a esta ideologia até a sua morte em 1990. Com o passar dos anos, conforme a popularidade do antigo comandante crescia, o exemplo de sua liderança e ideais se tornam conhecidos, a Coluna de Revoltosos é esquecida e se torna a Coluna Prestes.

Para São Miguel e região, este foi o mais importante acontecimento histórico ocorrido no século passado.

Mesmo diante de um inimigo extremamente experiente e poderoso no número de combatentes, mesmo com invasão da cidade pelos revoltosos sendo inevitável, a postura de seus defensores demonstra a capacidade de luta do seu povo e merece ser lembrada sempre.

Fonte – Coleção do autor

Entretanto, na opinião deste pesquisador, este momento histórico é timidamente recordado pela comunidade e consequentemente pouco conhecido pelos habitantes mais jovens de São Miguel.

Na região oeste potiguar é notório o enorme sucesso do trabalho de resgate da memória, em relação à resistência da população da cidade de Mossoró contra o bando do cangaceiro Lampião, no dia 13 de junho de 1927.

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São Miguel na década de 1950.

Entretanto não podemos deixar de comentar que no dia do ataque de Lampião a esta cidade, um número em torno de 200 defensores em armas estavam preparados, em diversas barricadas, para defender Mossoró contra um grupo de cangaceiros que girava em torno de cinquenta membros.

Proporcionalmente a “Capital do Oeste” teve uma nítida vantagem. Já no caso de São Miguel, sem contar o tiroteio na fazenda Riacho Fundo, protagonizado entre revoltosos e policiais, nos outros três entreveros antes da Coluna adentrar a cidade, o número máximo de defensores foi apenas de vinte e oito homens.

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Capa do nosso trabalho onde está inserido este artigo – Fonte – Coleção do autor

Mesmo fracionada, os revoltosos chegaram a esta região serrana com um número muito superior ao de cangaceiros que atacaram Mossoró. Além do mais, sem desmerecer o fato, mas não se pode esquecer que Mossoró se defendeu de cangaceiros. De bandoleiros que praticavam a rapinagem e o sequestro em larga escala. Mesmo levando-se em conta a capacidade de combate dos homens de Lampião, São Miguel tentou a defesa, considerada impossível, contra um número muito maior de calejados e motivados combatentes. Homens e mulheres comandados por alguns dos mais corajosos, idealistas e preparados grupos de oficiais que o Exército Brasileiro já formou.

Noite de autógrafos em São Miguel – Fonte – Coleção do autor

Os quatro dias da passagem do bando de Lampião em território potiguar, teve um enorme saldo negativo. Foram assassinatos, diversos sequestros, suspeitas de estupros, roubos, saques e outros tantos delitos.

Nos dias da passagem da Coluna Prestes no Rio Grande do Norte, é inegável que os revoltosos saquearam casas comerciais, em busca de medicamentos e materiais para a continuidade da luta. Várias foram às apropriações de equinos para a continuidade de sua marcha e, antes deles terem matado alguém, tiveram um dos seus combatentes morto na subida da Ladeira do Engenho.

Show do grande Raimundo Fagner em São Miguel no dia do lançamento do livro – Fonte – http://doutorseverianonews.blogspot.com

Para quem estuda o fenômeno de banditismo social ocorrido no Nordeste do Brasil entre 1820 e 1944, conhecido por cangaço, conversar com os raros sobreviventes ou suas famílias, tentar uma entrevista com muitas destas pessoas, muitas vezes é tratar de um assunto delicado, difícil e complicado, diante do que as pessoas passaram nas mãos de bandidos da pior espécie.

Já ao tratarmos do tema Coluna Prestes em São Miguel, ocorre uma situação totalmente inversa. Na região da serra as pessoas têm orgulho em contar que a “Coluna passou na minha casa”, como os descendentes de João Rufino têm ao comentarem sobre a passagem de membros da Coluna Prestes diante de sua propriedade na fazenda São Gonçalo.

Festa de lançamento, com exposição fotográfica – Fonte – Coleção do autor

Para as pessoas da região, diferentemente de Lampião, os revoltosos possuíam um ideal, eram educados, tinham um objetivo.

Apesar de serem movimentos históricos distintos em diversas características, pelo que aqui foi descrito, em nossa opinião, este momento histórico deve ser lembrado na região de São Miguel com maior ênfase, para evitar o seu total esquecimento.

Este texto é parte integrante do livro “João Rufino-Um visionário de Fé”, páginas 268 a 280, de nossa autoria. Est obra foi lançada em São Miguel-RN, em abril de 2010, com o ISBN nº – 9788590942412, editado pela Caravela Selo Cultural, de Natal-RN.

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MEU NOVO LIVRO – “JOÃO RUFINO – UM VISIONÁRIO DE FÉ”

Há quase dois anos, após o lançamento do meu primeiro livro “Os Cavaleiros dos Céus – A Saga do Voo de Ferrarin e Del Prete”, fui contatado sobre a possibilidade de desenvolver a biografia de um homem da cidade de São Miguel, no extremo oeste do Rio Grande do Norte. O mais interessante sobre ele foi que um dia ele teve um sonho e conseguiu realizá-lo.

Capa do nosso novo livro

O nome deste cidadão é João Alves de Lima, mais conhecido na sua região como João Rufino e seu sonho foi criar uma empresa com muita fé trabalho e luta, sempre tendo muita devoção a Deus.

A princípio, em 1959, o nome deste sonho foi “Café Nossa Senhora de Fátima, depois se transformou em “Café Santa Clara” e desde o início de 2010 passou a ser conhecido como 3Corações.

Para quem não sabe, hoje o Grupo 3Corações é tão somente a maior empresa de café do Brasil e um e das maiores neste ramo em todo o mundo. Escrever sobre João Rufino, este grande potiguar, é para mim um grande motivo de orgulho.

Tive o privilégio de conhecer um ser humano especial, que nasceu em uma região do Rio Grande do Norte tão pouco conhecida dos habitantes da capital e tão cheia de coisas positivas. Mesmo João Rufino tendo dado o pontapé inicial para a criação desta grande empresa, mesmo que este empreendimento tenha se desenvolvido em uma região onde não se encontram plantações de café, nem para serem fotografadas, este homem é basicamente lembrado e reconhecido em sua comunidade pela sua enorme capacidade de trabalhar, pelos seus gestos de bondade, pela sua religiosidade, sua caridade, pelo apoio aos necessitados, pela amizade, carinho pela natureza e, principalmente, pela enorme dedicação aos que o cercam.

Igreja matriz

Percebi que o fato de João Rufino nunca se gabar do que possui, do que construiu ou do que seus filhos desenvolveram é o que mais chama a atenção no povo da Serra de São Miguel em relação à sua pessoa, à sua família.

Para a gente do lugar, eles continuam a ser as mesmas pessoas.

Não mudaram, não alteraram seu comportamento nem a maneira de tratar a todos. João Rufino e seus familiares, apesar de todo o sucesso, de ganharem o mundo, continuam a ser simplesmente micaelenses.

E ser de São Miguel, do extremo oeste do Rio Grande do Norte, é ser diferente. Distante dos grandes centros de decisões regionais, fincado no alto de uma grande serra, o povo dessa região possui antes de tudo um forte sentido de independência, de muito orgulho do seu lugar, de suas origens, da beleza de sua terra e da sua força. Isso tudo é associado a uma grande valorização do sentido de honra, de dever cumprido, de gratidão e respeito.

Praça principal de São Miguel

Foi desta terra que veio João Rufino.

A sua vida de luta é um exemplo. Como poderemos conhecer em sua história, não faltaram coragem, determinação, força de vontade e perseverança para trabalhar e vencer.

Antes de tudo, seu maior desejo foi dar as melhores condições para que seus filhos tivessem um futuro melhor. Com exceção disso, praticamente tudo o que ele quis conquistar foi desapegado de ambição material.

João Rufino sempre teve a saudável pretensão de desenvolver um produto de qualidade. “Abençoado”, como ele diz. Um café que todos gostassem, que indicasse a sua vontade de acertar junto à sua comunidade, de se mostrar competente e ser reconhecido por isso. Era mais a motivação de proporcionar algo bom do que o simples desejo de desenvolver um produto para ter condições de “possuir”.

Essa sua falta de ambição pelos bens materiais levantou diversas críticas de concorrentes. Alguns chegaram até a lhe chamar de louco por distribuir parte do seu produto gratuitamente.

O que o povo da região não percebia era que o seu método estava à frente do seu tempo, se considerarmos as características comerciais do início da década de 1960, quando o caderninho com as contas dos clientes era a prática normal. Apesar disso, ele nunca se importou com a opinião dos outros e ainda realizava seu trabalho sempre dotado de muita fé.

Durante nossas pesquisas

Mesmo com o fato dos empreendimentos tocados pelos seus filhos estarem em um patamar que João Rufino nunca imaginou alcançar, ao visitar algumas das unidades fabris do atual Grupo 3 Corações percebe-se nitidamente que a mesma filosofia de trabalho criada por ele em 1959 é seguida até hoje pelos mais de 4.000 colaboradores da empresa.

Depois de muita pesquisa, muita estrada, muita gravação, muita digitação e muita satisfação pelo trabalho realizado, no próximo dia 23 de abril, feriado de sábado de aleluia, a cidade de São Miguel reviverá sua história de força e beleza registrada em imagens e palavras em um grande evento denominado “São Miguel, Minha Terra”.

Convite para o evento “São Miguel Minha Terra”

Às 19h, acontecerá o coquetel de lançamento do nosso livro “João Rufino, um visionário de fé”, com sessão de autógrafos. O livro conta com 270 fotos, em 382 páginas e conta com uma tiragem de 8.000 exemplares, impressos na Halley Gráfica e Editora, de Teresina, Piauí.

Sobre os trabalhos técnicos deste livro; a coordenação editorial é de José Correia Torres Neto e a revisão de textos de Kaline Sampaio de Araújo. O projeto gráfico e diagramação inicialmente foi de José Carlos Santos e depois assumido pela Promosell Comunicação da cidade de Fortaleza. Coube ainda a Promosell Comunicação a elaboração da capa (http://www.promosell.com.br/). Já o tratamento de imagens ficou a cargo do competente fotografo Cláudio Pedroso (http://claudiopedroso.fot.br/). Finalmente a consultoria editorial e gráfica ficou a cargo de Kelly Mota.

Após ocorrerá a abertura da Exposição Fotográfica “São Miguel, Minha Terra”. São mais de 300 fotos ilustrarão a história de São Miguel nesta exposição fotográfica. É um verdadeiro presente para a cidade. Inspirada no nosso livro “João Rufino, um visionário de fé”, a exposição exibe vários painéis de fotos restauradas; todas provenientes do acervo pessoal da família, de amigos e de historiadores. A exposição também estará aberta ao público durante o domingo, dia 24, das 10h às 22h.

Finalmente, para abrilhantar o evento, o grande amigo de São Miguel, o cantor Raimundo Fagner, fará um show na Praça de Shows Pedro Rufino a partir das 22h. Os micaelenses vão cantar juntos em homenagem à São Miguel e se emocionar com os versos do renomado artista. A página oficial deste cantor na web já informa sobre o show (Ver http://www.fagner.com.br/).

Durante a elaboração deste trabalho tive oportunidade de conhecer o quanto este ícone da Música Popular Brasileira gosta de São Miguel. Juntamente com José Gaudêncio Torquato, o cantor Raimundo Fagner é um dos prefaciadores deste livro.

O nosso biografado entre seus prefaciadores. Vemos Fagner, João Rufino e José Gaudêncio Torquato.

Para aqueles que lá estiverem vai ser uma grande celebração.

Como Pedro Lima coloca em relação ao seu pai João Rufino, “ele nunca perdeu a inocência nem a fé na vida e nas pessoas”.

Por esta e inúmeras outras razões, obrigado por ter tido a oportunidade de conhecê-lo e de ter tido a honra e o privilégio de escrever sobre sua vida.

Rostand Medeiros

Natal, 14/04/2011

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