O ESQUECIDO REPENTISTA POTIGUAR JOÃO DA TAPITANGA

Curitiba no início do século XX - Fonte - curitibanosdasilva.blogspot.com
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Homem de vida curta, mas que realizava sua arte com talento e fez muito sucesso no Paraná

Autor – Rostand Medeiros

Sou nascido e vivo em um pequeno estado nordestino chamado Rio Grande do Norte. Aqui é uma terra boa, onde a natureza foi muito benéfica e criou paisagens incríveis e maravilhosas. É também uma terra de gente amiga e onde não é difícil surgir pessoas com muito talento para realizar muitas coisas, principalmente para as artes.

Mas, infelizmente, como tudo na vida sempre possui dois lados, esses talentosos artistas normalmente são sempre vistos em segundo (talvez terceiro? Ou quarto? Quinto?) plano por vários setores de nossa sociedade. Estes artistas são muitas vezes marginalizados, desprezados e esquecidos em sua própria terra. Por vezes o melhor caminho para estes potiguares talentosos vencerem através de sua arte é saindo fora desta terra maravilhosa.

Dizem que na atualidade existem mais facilidades para nossos artistas conquistarem seu lugar ao sol por aqui mesmo. Não sei se esta informação é correta, sei que pesquisando sobre a nossa história em jornais antigos disponíveis na internet, não é difícil encontrar dados sobre pessoas que deixaram nosso chão para tentar vencer em terras distantes.

Um destes foi João da Tapitanga… 

No Sul

Em 1871 Natal era uma esquecida capital de província do Império do Brasil, de vida muito tranquila, onde moravam cerca de 20.000 almas (equivalente atualmente em número de habitantes a cidade potiguar de Monte Alegre). No dia 8 de março nascia João, filho de Francisco I. Emerenciano China, membro de uma tradicional família que vivia em Natal, onde não faltavam renomados médicos e até um deputado estadual[1].

Curitiba início do século XX - Fonte - Wikipédia
Curitiba início do século XX – Fonte – Wikipédia

Eu nada encontrei sobre a infância de João Emereciano China, sua adolescência, detalhes sobre sua família, seus estudos e o despertar para a arte do repente. Mas podemos apontar com certa tranquilidade, principalmente através do que deixou escrito, que João China teve uma boa educação. Além disso, sobre estes primeiros anos deste repentista, existe documentação que comprova que João era empregado dos Correios e Telégrafos, na função de “praticante de 2ª classe”[2].

Em 1893, aos 22 anos, João China veio viver em Curitiba, a bela capital paranaense, aonde chegou transferido pela repartição pública que trabalhava. Logo este natalense se envolveu em um sangrento conflito de sérias proporções no Paraná, que marcou a história do Brasil.

Em Meio a Guerra

Nesta época Curitiba era uma cidade menor que Natal, com cerca de 11.500 pessoas vivendo por lá[3]. Muitos dos que ali moravam eram imigrantes alemães, italianos, poloneses e ucranianos, que influenciavam a sociedade, a cultura e a economia da capital paranaense. Mesmo convivendo entre pessoas com maneiras de falar tão distintas e aspectos bastante diferenciados aos encontrados em Natal, sabemos que João China não sentiu muitas dificuldades em se adaptar a nova localidade e logo começou a fazer várias amizades entre os curitibanos.

Maragatos em Santa Catarina Prefeitura de Braço do Norte - SC - Fonte - http://ecomoveiogente.blogspot.com.br/2012/09/a-revolucao-federalista.html
Maragatos em Santa Catarina
Prefeitura de Braço do Norte – SC – Fonte – http://ecomoveiogente.blogspot.com.br/2012/09/a-revolucao-federalista.html

Ativo politicamente, se colocou ao lado do marechal Floriano Vieira Peixoto, presidente do Brasil durante a chamada Revolução Federalista.

Este sério conflito, que se estendeu de 1893 a 1895, foi travado entre os partidários de dois oligarcas gaúchos: de um lado, os federalistas liderados por Gaspar Silveira Martins (conhecidos como maragatos e de lenço vermelho amarrado no pescoço como distintivo); de outro, os republicanos (chimangos ou pica-paus e identificados pelo lenço branco), seguidores do positivista Júlio de Castilhos.

Os federalistas defendiam a instalação de um regime parlamentarista nos moldes do que existiu no Segundo Reinado. Já os republicanos defendiam um presidencialismo forte, centralizador, no estilo do governo de Floriano Peixoto. O confronto ultrapassou as fronteiras gaúchas, estendendo-se até Santa Catarina, Paraná e até no Uruguai [4].

Fotografia de 1894 é de um prédio em ruínas, durante a Revolta da Armada no Rio - Fonte - http://www.revistadehistoria.com.br/secao/na-rhbn/ruinas-em-flashback
Fotografia de 1894 é de um prédio em ruínas, durante a Revolta da Armada no Rio – Fonte – http://www.revistadehistoria.com.br/secao/na-rhbn/ruinas-em-flashback

Em setembro de 1893, paralelo aos conflitos no sul do país, estourou no Rio de Janeiro, mais precisamente na Baía de Guanabara, a Revolta da Armada. Seus principais líderes eram os almirantes Saldanha da Gama e Custódio de Mello, que comandaram a tomada de navios de guerra e bombardearam a então Capital Federal. Na sequência Custódio de Mello seguiu para o sul com seus navios, unindo-se aos revoltosos da Revolução Federalista. Na sequência foi criado um governo provisório para os revoltosos na ilha do Desterro, Santa Catarina.

Floriano Peixoto ficou em uma situação difícil, pois além de ficar impedido de deslocar tropas por mar para o sul do país, ao mesmo tempo precisava defender o Rio de um ataque por terra.

Quando ocorreu o ataque dos federalistas estes conseguiram dominar boa parte do Rio Grande do Sul e Santa Catarina e estabeleceram planos de derrotar o Paraná. A ideia era seguir depois para tomar São Paulo e alcançar o Rio. Em território paranaense os revoltosos visaram dominar por mar a cidade de Paranaguá, vindos de Santa Catarina tomariam a cidade de Tijucas do Sul e a tomada da localidade de Lapa deixaria Curitiba indefesa.

Coronel Dulcídio (militar com menor estatura) em pé, atrás de uma metralhadora Nordenfelt - Fonte - Wikipédia
Coronel Dulcídio (militar com menor estatura) em pé, atrás de uma metralhadora Nordenfelt – Fonte – Wikipédia

Desde o início do Império, a região de Curitiba, sempre se colocou ao lado do poder central, funcionando como uma barreira contra revoluções que vinham do sul e o Paraná se preparou para enfrentar este novo problema. O coronel Cândido Dulcídio Pereira, Comandante do Regimento de Segurança, atual Polícia Militar do Paraná, criou uma nova unidade militar que foi denominada Batalhão Patriótico 23 de outubro e colocou seu efetivo à disposição do Governo Federal. O comando da unidade ficou a cargo de Domingos Virgílio do Nascimento, um antigo aluno das Escolas Militares do Rio de Janeiro e Porto Alegre, mas também conhecido como jornalista, poeta e autor do hino do Paraná. Entre os civis incorporados a este batalhão, com a patente de tenente, estava o repentista potiguar João da Tapitanga.[5]

Informações apontam que o Batalhão Patriótico 23 de Novembro foi colocado à disposição das Forças Federais, sendo esta unidade reunida ao 8º Regimento de Cavalaria e o 17º Batalhão de Infantaria do Exército, todos sob o comando do general Francisco de Paula Argolo. Estas unidades militares receberam ordens para avançar sobre a ilha de Desterro, onde se concentravam os federalistas e os marinheiros sublevados da Revolta da Armada.

Devido o iminente cerco por outras colunas móveis, o general Argolo decidiu recuar as tropas para Rio Negro, no Paraná. Esse procedimento desagradou Floriano Peixoto, que ordenou a Argolo que repassasse o comando das tropas para o coronel Antônio Ernesto Gomes Carneiro, com ordens de reter ao máximo os revoltosos no Paraná, em uma linha de defensiva concentrada na cidade de Lapa, até receber reforços de São Paulo. Mas os reforços paulistas nunca chegaram.

Entrada dos federalistas em Curitiba, Alm. Custódio de Mello e Gal. Gumercindo Saraiva Acervo do Museu Paranaense
Entrada dos federalistas em Curitiba, Alm. Custódio de Mello e Gal. Gumercindo Saraiva
Acervo do Museu Paranaense

Curitiba estava sem exército e governantes, só a Lapa estava guarnecida. Carneiro e suas tropas foram cercadas na cidade, em um dos mais célebres episódios da vida militar brasileira, conhecido como Cerco da Lapa. A cidade foi continuamente bombardeada por 28 dias, entre 15 de janeiro e 11 de fevereiro de 1894 e a luta seguiu ferrenha pelas ruas da cidade, onde restavam apenas escombros. Logo após a rendição e desarmamento dos derrotados, começaram as degolas. Curitiba seria invadida pelos maragatos no dia 20 de janeiro, que permaneceram na cidade até o dia 26 de abril, num total de quase 100 dias.

Com o tempo que conseguiu com a resistência no Paraná, Floriano pôde adquirir armamentos e navios de guerra nos EUA e com eles derrotar Saldanha da Gama. Os comandantes maragatos resolveram voltar ao sul, alguns deles refugiando-se no Uruguai e Argentina. Este conflito deixou um saldo de cerca de 10.000 mortes[6].

No meio dessas movimentações militares, segundo os jornais da época, o tenente, depois promovido a capitão fiscal, João da Tapitanga esteve em ação em fins de 1893, na região de Villa Tamandaré e esteve no Cerco da Lapa, mas não teve a cabeça cortada.[7]

O Repentista Curitibano

Aparentemente a participação militar de João da Tapitanga na Revolução Federalista o colocou em um patamar extremamente positivo junto a sociedade curitibana. Este patamar se ampliou com a sua arte, seu jeito tranquilo, carisma e sua boêmia.

Cartão Postal - Setor HIstórico de Curitiba no início do século XX. Acervo Fundação Cultural de Curitiba
Cartão Postal – Setor HIstórico de Curitiba no início do século XX. Acervo Fundação Cultural de Curitiba

Um dos paranaenses de renome que conviveram com o potiguar foi Francisco Ribeiro de Azevedo Macedo, então Procurador-Geral do Estado, escritor, um dos fundadores e professores da Universidade do Paraná (atual UFPR). Azevedo Macedo e sua esposa Clotilde Portugal Macedo, comentaram em 1913 que João da Tapitanga era considerado um jovem poeta talentoso, que versejava com uma espontaneidade extraordinária e era tido como um homem de maneiras simples e honesta[8].

Era conhecido simplesmente e carinhosamente pelos amigos curitibanos como “Tapi”. Boêmio, tinha no álcool um grande amigo e o seu maior inimigo, que inclusive o levou a demissão dos Correios e Telégrafos. Não era difícil encontrá-lo na Confeitaria Bube, verdadeiro areópago e centro da boemia curitibana, localizado na antiga Rua das Flores, depois Rua 15 de novembro, cujo proprietário, Roberto Bube, lhe havia presenteado com uma cadeira cativa, pois atraia os clientes.

Gostava de participar de reuniões politicas, sempre se colocando como republicano fiel e seguidor ardoroso do marechal Floriano Peixoto. Não era raro nestas reuniões que Tapitinga proferisse discursos arrebatadores com seu forte sotaque nordestino (ou nortista, como chamavam na época), repletos de entusiasmo, recebendo aplausos dos presentes e destaque na imprensa curitibana[9].

Para Azevedo Macedo, o poeta João da Tapitanga chegou ao Paraná já homem feito, com seu espirito já formado e havia estudado longe de Curitiba, mas o que ele trouxe de sua terra natal, a sua arte do repente, impressionou os curitibanos. Chamava atenção quando alguém pedia a Tapitanga um verso, ou lhe davam um mote, que ele respondia sem pestanejar cvom uma grande quantidade de versos “cheio de imagens arrojadas, em redondilha menor”, como registrou Azevedo Macedo.

Detalhe da parte inicial da reportagem produzida  por Euclides da Mota Bandeira sobre Tapitanga em 1926 e publicada em Natal.
Detalhe da parte inicial da reportagem produzida por Euclides da Mota Bandeira sobre Tapitanga em 1926 e publicada em Natal.

Vale ressaltar que nos jornais que li sobre este natalense, raramente era tratado de poeta, sendo normalmente apresentado como REPENTISTA.

Outro contemporâneo de João da Tapitanga, pessoa de renome em Curitiba, foi Euclides da Mota Bandeira e Silva, jornalista, poeta e membro da Academia Paranaense de Letras. Este considerava os repentes do potiguar algo que pelo sul era pouco conhecido e chamava atenção. João da Tapitanga deixou em Bandeira o registo de ser um “incorrigível boêmio, perdulário de rimas e de verves, o qual foi durante alguns anos o bardo popular da cidade”. Comentou também que ele era totalmente autêntico, que “não se prestava a digressões acadêmicas, recheadas de complexidades psicológicas e coisas campanudas sobre escolas literárias” e que “escreveria para gente simples”. [10]

Euclides Bandeira trás a informação que o repentista natalense trabalhava, ou como ele mesmo dizia, “ganhava dinheiro quando este lhe faltava”, em jornais curitibanos, ou passando um tempo como um barnabé que não se preocupava muito com a folha de ponto na Secretária do Interior do Paraná e ganhando uns cobres produzindo folhetins com versos de sua lavra. Um deles, intitulado “Alzira”, fez sucesso e chamou atenção dos curitibanos em 1896, cujo um dos trechos foi assim escrito;

“Alzira, fitando o espaço

Cheios de pontos de luz,

E as mãos unidas em cruz

Sobre o pequeno regaço,

 

Pede ao azul transparente,

Onde os astros ascendem,

Que guarde a alma inocente

Das flores que já morreram…”

João da Tapitanga  era um homem típico do final do século XIX, em um período de comunicações limitadas, mas não era distante dos acontecimentos que ocorriam no exterior. Fez versos e produziu folhetos sobre a Guerra de Independência Cubana de 1895, a vitória do imperador etíope Menelik II contra tropas italianas em Ádua no ano de 1896, ou sobre a Guerra dos Bôeres, na África do Sul.

Em 1897 o 39° Batalhão de Infantaria do Exército Brasileiro partiu de trem de Curitiba em direção ao porto de Paranaguá, seguindo depois para a Bahia de barco, com a missão de participar da Campanha de Canudos. Em meio à multidão delirante que assistia à partida dos militares, Tapitanga, com seu sotaque forte nordestino (algo que nunca perdeu e nem escondia), proferiu um inflamado discurso em prol dos soldados e foi intensamente ovacionado. 

Esquecido

O repentista natalense casou com uma jovem prendada e humilde chamada Jesuína Silva da Cunha e tiveram um filho e duas filhas, cujos nomes na época não eram nada convencionais; Jesoão, Joina e Transvalina. Morava em uma casa alugada na Rua da Assembleia, atual Alameda Dr. Muricy, centro de Curitiba[11].

Um "causo" de joão da Tapitanga em Curitiba - Gazeta de Notícias, 15 de dezembro de 1935
Um “causo” de joão da Tapitanga em Curitiba – Gazeta de Notícias, 15 de dezembro de 1935

Mesmo com informações limitadas, percebemos um João da Tapitanga batalhador e desejando melhorar de vida, mas com dificuldades. Através de pesquisas soubemos que este natalense tentou manter uma escola na chamada Colônia de Agua Verde, hoje um bairro de Curitiba. Esta área, então periférica, era pouco assistida pelas autoridades e os que ali viviam recorriam ao uso de abaixo-assinados para reclamarem, denunciarem e suplicarem pelas mais diversas melhorias na sua região. Um destes abaixo-assinados, produzido em 27 de fevereiro de 1896, foi enviado ao então govenador paranaense, José Pereira Santos Andrade, solicitando a subvenção para uma escola particular que era mantida pelo professor João da Tapitanga desde o mês de janeiro daquele ano. Na tese de doutorado “A escolarização dos imigrantes e de seus descendentes nas colônias italianas de Curitiba, entre táticas e estratégias de italianità e brasilitá (1875-1930)”, apresentada na Universidade Federal do Paraná, pela pesquisadora Elaine Cátia Falcade Maschio, temos a transcrição deste abaixo-assinado; 

“Neste sentido, Nós abaixo assignados, moradores na Colônia Água Verde, a qual não tem actualmente escola nem subvencionada pelo Estado nem pública ou contractada pelo mesmo, mas onde há um ellevadissimo número de meninos de ambos os sexos, vimos confiadamente pedir a VEª para que seja subvencionado o estabelecimento de ensino n’esta colônia dirigido pelo cidadão João da Tapitanga desde o princípio de Janeiro último a contento de todos, e onde já se vê o ellevado numero de alumnos que se verifica dos mappas junctos fornecidos pelo mesmo cidadão.”

O repentista natalense aparentemente continuou buscando melhorar sua condição financeira e o futuro de seus familiares. No primeiro semestre de 1897 ele participou de um concurso para o cargo “vitalício de ofício privativo de Escrivão de Casamentos”. Tapitanga concorria com um certo Luciano José Garcia e perdeu a vaga[12].

Pequeno trecho de um verso de João da Tapitanga sobre a sorte, ou a falta dela.
Pequeno trecho de um verso de João da Tapitanga sobre a sorte, ou a falta dela.

Jornais apontam que nos últimos anos de sua vida a sua produção em termos de poesia declinou e o nome do natalense começa a desaparecer dos jornais curitibanos.

Sobre a morte do repentista curitibano nascido em Natal
Sobre a morte do repentista curitibano nascido em Natal

João da Tapitanga faleceu de uma febre, provavelmente adquirida indiretamente das mazelas advindas do álcool, na noite de 28 de setembro de 1901, aos 31 anos de idade. Foi enterrado no cemitério municipal de Curitiba e sua morte foi extensamente noticiada na imprensa local. Na edição de 30 de setembro do jornal “A República” de Curitiba a um extenso necrológico na 1ª página sobre a vida deste repentista potiguar. Vale ressaltar que sua esposa Jesuína ficou em uma situação de extrema pobreza, que foram socorridos pelos amigos que levantaram fundos através para a compra de uma casa. Seu nome foi sendo aos poucos esquecido em Curitiba.

Sua obra ficou dispersa, não foi reunida pelos amigos e parentes. João da Tapitanga jamais retornou ao Rio Grande do Norte e, aparentemente, não voltou a manter contato com a sua família em Natal. Em uma correspondência datada de 23 de março de 1932, a pedido da família de Tapitanga em Natal, o poeta potiguar Henrique Castriciano solicita ao critico literário e ficcionista curitibano José Cândido de Andrade Muricy, alguma informação do repentista potiguar. Não sabemos se houve alguma resposta[13].

 NOTAS


[1] Ver jornal “A República”, Natal, edição de 21 de agosto de 1926, página 1.

[2] Ver jornal “O Paiz”, Rio de Janeiro, edição de 22 de julho de 1891, página 1. Neste jornal encontramos o parecer positivo do “Ministro da instrução pública”, referente a um pedido feito por João China para alterar oficialmente seu nome para João da Tapitanga. Sabemos que o termo em tupi para pedra vermelha é Itapitanga, ou Tapitanga, e que no atual município catarinense de Balneário Barra do Sul existe uma ilha denominada Tapitanga, mas não sabemos porque o potiguar que foi morar em Curitiba passou a assinar com esse nome indígena.

[3] Hoje Curitiba possui de 1.800.000 habitantes.

[4] Embora Floriano tivesse tropas federais nos estados sulistas, somente em 1895, no governo de Prudente de Morais é que seria assinado um acordo de paz na região. Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Federalista .

[5]  Informações apontam que o tenente João da Tapitanga já pertencia ao batalhão patriótico desde maio daquele ano. Em 21 deste mês ele participou de uma celebração a um companheiro de corporação, onde proferiu um marcante discurso. Ver exemplar do jornal “A República”, Curitiba, edIções de 23 de maio de 1893 (pág. 2).

[6] A Revolução Federalista foi um exemplo de barbárie e violência de ambos os lados. Não apenas os maragatos promoveram degolas, estupros e assassinatos de prisioneiros. Os legalistas ocuparam a capital eliminando todos aqueles que acusados de haver colaborado com os federalistas, ou de haver desertado. Ver – http://www.museuparanaense.pr.gov.br/arquivos/File/a_revolucao_federalista_no_parana.pdf

http://pt.wikipedia.org/wiki/Lapa_%28Paran%C3%A1%29

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B4nio_Ernesto_Gomes_Carneiro

[7] Ver exemplares do jornal “A República”, Curitiba, edições de 11 de outubro de 1893 (pág. 1), 1 de dezembro de 1893 (pág. 2), 13 de dezembro de 1893 (pág. 1), 14 de dezembro de 1893 (pág. 2). Atualmente a Villa Tamandaré se denomina Almirante Tamandaré. Sobre João da Tapitanga no Cerco da Lapa, ver jornal “Gazeta de Notícias”, Rio de Janeiro, edição de 15 de dezembro de 1935.

[8] Ver jornal “Diário da tarde”, Curitiba, edição de 23 de agosto de 1913. Nesta reportagem ele é apontado erradamente como sendo natural do estado de Alagoas (pág. 3).

[9] Tapitanga também participava como um dos principais oradores de eventos comemorativos ao nascimento e morte de Floriano Peixoto. Ver jornal “A República”, Curitiba, edição de 1 de julho de 1900 (pág. 1) e “o Comércio”, Curitiba, ed. De 30 de junho de 1900 (pág. 1).

[10] Entre os dias 1 e 4 de julho de 1926, Euclides Bandeira publicou no jornal matutino curitibano “O Dia”, uma extensa reportagem biográfica sobre João da Tapitanga, que foi reproduzida no jornal natalense “A República” nas edições de 18 e 19 de agosto daquele ano, sempre nas primeiras e segundas páginas.

[11] Ver jornal “A República”, Curitiba, edição de 13 de agosto de 1898 (pág. 2).

[12] Ver http://www.ppge.ufpr.br/teses/D12_Elaine%20C%C3%A1tia%20Falcade%20Maschio.pdf

[13] Na fundação Casa Rui Barbosa, no bairro Botafogo, Rio de Janeiro, encontra-se o arquivo de José Cândido de Andrade Muricy, onde está a carta de Henrique Castriciano. Ver http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/texto/FCRB_AMLB_Arquivo-Andrade-Muricy.pdf

NO NATAL DE 1923, A CAPITAL CONHECEU FABIÃO DAS QUEIMADAS

Rostand Medeiros – Escritor e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Em 13 de dezembro de 1923, o jornalista e advogado Manoel Dantas, com o pseudônimo de “Braz Contente”, publicou no jornal “A Republica”, na sua seção intitulada “Coisas da Terra”, onde noticiou que “estava sendo organizada uma grande quermesse, que ocorreria na noite de natal e teria lugar nos jardins do Palácio do Governo. Esta era uma iniciativa de senhoras da sociedade local, que buscavam ajudar o Instituto de Proteção e Assistência a Infância a construir o Hospital das Crianças”.

O edifício estava sendo edificado na avenida Deodoro, idéia do médico Manoel Varela Santiago Sobrinho para atender às camadas mais carentes da população. Por esta época, eram altíssimos os índices de mortalidade infantil na capital, devido às precárias condições de higiene e do atendimento à saúde pública. Estes problemas incomodaram uma parte da sociedade local, que se disponibilizou a ajudar.

A liderança de Palmyra Wanderley

À frente desta iniciativa se destacou a figura da poetisa Palmyra Wanderley, que em 1923 era uma das mais conceituadas intelectuais da terra, possuía uma cultura elevada, vinha de uma família de intelectuais, sendo assídua colaboradora em jornais e revistas, tanto potiguares como de outros estados.

A poetisa Palmyra Wanderley

Junto com a liderança de Palmyra, mais de 50 mulheres se engajaram nesta obra. Não deixa de ser interessante que, em meio a uma cidade onde predominava a família patriarcal e o machismo, se observa esta participação feminina. Foi publicada uma lista com os nomes das participantes, onde se percebe que a grande maioria destas mulheres faziam parte da elite natalense. Um grupo delas chegou inclusive a sair pela Natal de 25.000 habitantes, para vender as entradas da quermesse, pelo preço módico de 2$000 réis.

Dr. Varela Santiago

Como atração principal, Palmyra decidiu não colocar algum artista declamando poesias clássicas, ou algum instrumentista tocando alguma peça européia, ou ainda artistas vindo de outras capitais. Sua decisão foi por um artista potiguar, já com uma certa idade, um poeta que declamava seus versos junto com uma rabeca, além de tudo negro e ex-escravo. Estamos falando de “Fabião das Queimadas”.

A Atração principal

Fabião Hermenegildo Ferreira da Rocha nasceu escravo, em 1850, na fazenda Queimadas, do coronel José Ferreira da Rocha, no atual município de Lagoa de Velhos (RN). Começou a cantar durante os trabalhos na roça. Tornou-se tocador de rabeca, tendo adquirido seu instrumento aos 15 anos, com o apoio do seu dono, que permitia e incentivava que ele cantasse nas casas dos mais abastados da região e nas feiras. Conseguiu angariar algum dinheiro que, aos 28 anos, possibilitou comprar a sua alforria. Era analfabeto, mas criava versos, como o “Romance do boi da mão de pau”, com 48 estrofes. Suas composições apresentam traços dos romances herdados da idade média.

A tranquila Natal da década de 1920

Em 1923, Fabião das Queimadas já era conhecido e respeitado no estado, onde no início do período republicano manteve ligações com políticos da terra, emprestando seus talentos ao criar versos que serviam, ora para enaltecer os amigos poderosos, ora para denegrir seus adversários. Já suas apresentações em Natal, aparentemente eram raras ou restritas a residências de particulares que gostavam da prosa sertaneja.

A Capacidade de Fabião das Queimadas

“A Republica”, de 19 de dezembro, em novo texto assinado por “Jacinto da Purificação”, trouxe uma extensa reportagem sobre o cantador, onde buscavam apresentá-lo a cidade. Foi comentado como no passado Fabião havia conquistado sua liberdade, “que a fama de Fabião corria mundo”, mas ressaltou “que o seu estrelato alcançava aquele mundo que não ultrapassava as fronteiras da nossa terra”.

Em 1923, a expectativa de vida dos mais pobres no Brasil mal chegava aos 60 anos. Fabião, então, com sessenta e dois anos, era considerado com “ótima lucidez, perfeita memória e bom timbre de voz”. Afirmou-se que era “verdadeiramente um desses milagres para os quais a ciência não encontra explicação”. Informaram que “aquilo que Fabião chama de sua obra”, certamente daria um volume com mais de 300 páginas. Algumas destas obras haviam sido criadas pelo cantador 55 anos antes, em 1868. Para recitá-los ou cantá-los, junto com sua inseparável rabeca, ele utilizava apenas sua privilegiada memória.

Uma passagem interessante comentava que certa ocasião, um amigo mais chegado lhe perguntou como ele criava e guardava seus versos. Na sua simplicidade, o cantador disse que “quando eu quero tirar uma obra, me deito na rede de papo prá riba, magino, magino e quando acabo de maginar, está maginado pru resto da vida”.

Chamou atenção do autor do texto como Fabião era um sertanejo dotado de uma imensa bondade, pois lembrava saudosamente do seu antigo senhor, José Ferreira. Em uma passagem, o autor conta uma história onde Fabião rebate uma crítica feita ao seu antigo amo, por não tê-lo mandado à escola quando jovem, ao que o cantador comentou; “meu senhor foi sempre homem de muito tino e ele bem sabia que se me tivesse mandado ler e escrever, quem o vendia era eu”.

O final do texto de “Jacinto da Purificação”, deixa transparecer um certo receio de fracasso ante a apresentação do poeta, que estava “descolado do seu meio”. Colocava entretanto que, “qualquer que seja a sorte da prova que se vai suceder, Fabião para nós será sempre o velho genial”.

A festa

A festa começou às dezoito horas do dia 24 de dezembro, uma segunda-feira. Um dos paraninfos era o então governador Antonio José de Souza, que estava presente.

Movimentação na Praça André de Albuquerque

Desde cedo começou a afluir uma grande multidão, calculada em torno de 4.000 pessoas. Com um caráter estritamente familiar, a festa mudou o quadro da principal praça da cidade, uma área que normalmente, após as oito da noite ficava deserta. Neste dia estava “exuberantemente iluminada e cheia de vida”. O Doutor Varela Santiago, sempre acompanhado de Palmyra Wanderley e de outras organizadoras, seguiam entre as barracas, agradecendo a participação de todos.

Várias barracas estavam pela praça, todas com nomes bíblicos como ”Betesda”, “Carfanaum”, “Jericó” e, apesar do caráter religioso das festividades, o local mais freqüentado foi à barraca chamada “Poço do Jacó”, por vender bebidas geladas, principalmente cerveja.

Em locais distintos tocavam as bandas marciais da Polícia Militar e da guarnição do quartel federal, o 29º Batalhão de Caçadores.

Havia várias atividades atléticas, como um torneio de “queda de braço” e um concorrido torneio de bilhar, onde se destacaram os jovens José Wanderley e Francisco Lopes, tendo este último sido o vencedor.

Em um palco armado foram se apresentando os seresteiros, cantores e tocadores da cidade, todos amadores. Uma delas foi a “senhorinha” Edith Pegado, que chamou a atenção de todos por cantar uma cantiga “roceira” chamada “Sá Zabê do Pará”.

Mas a atração principal era “Fabião das Queimadas”. Ao subir no palco com sua inseparável rabeca, o trovador foi entusiástica e longamente aplaudido e desenvolveu uma apresentação que foi classificada pela “A Republica” como “magnífica”, composta de “repentes” e “louvoures”, que fizeram o deleite do público natalense naquela noite.

Uma coluna publicada cinco anos depois, por ocasião da morte de Fabião, mostra a repercussão que esta festa teve. Um articulista que assinava simplesmente “R.S.” escreveu que “Ainda estamos bem lembrados daquela noite em que promovendo-se nesta capital uma festa, Fabião das Queimadas improvisava chistosos versos, magníficos na sua rudeza e simplicidade”. O articulista recordava alguns destes versos, que foram dirigidos aos espectadores mais ilustres, como o governador Antonio de Souza, Henrique Castriciano, Varela Santiago, Palmyra Wanderley e Eloy de Souza. A este último, devido a sua herança negra, Fabião soltou uma quadra que terminava assim; “Se o sinhô num fosse rico, era de nossa famía”.

O simbolismo deste evento

Nos outros dias, poucas notas são divulgadas pela imprensa sobre a quermesse, fazendo esta festa cair logo no esquecimento. Contudo, ao observarmos os detalhes existentes na elaboração e desenrolar desta iniciativa, vemos que as mulheres potiguares, sob o comando de Palmyra Wanderley, conseguiram muito mais do que a nobre causa de angariar fundos para o hospital do Dr. Varela Santiago. Com uma só ação, Palmyra e as outras mulheres, muitas certamente sem nem ao menos perceber o que estavam fazendo, atingiam em cheio aspectos negativos que permeavam a sociedade potiguar da sua época.

Nota no jornal “A Republca”, de 28 de dezembro de 1923, sobre o evento

Quem busca conhecer com maior profundidade o pensamento da sociedade potiguar do final da década de 10 e início dos anos 20 do século passado, encontra fortes traços de preconceito contra a mulher, machismo, racismo e a pouca referência sobre as camadas populares e suas manifestações tradicionais. Evidente que não seria esta quermesse de Natal de 1923 que mudaria uma sociedade com arraigados e antigos valores, mas iniciativas como esta ajudavam a criar mudanças.

Para Fabião, ao tocar na capital, não fez nada diferente do que estava acostumado a fazer nas casas e nas feiras dos povoados do sertão, e nem poderia ser de outra forma. Fabião cantou a sua idéia de Mundo, as coisas da sua terra, da sua gente, trazendo para Natal, através dos seus versos, o que ele conhecia do sertão e assim se perpetuando na nossa memória.

Fabião das Queimadas morreu em 1928, aos sessenta e oito anos, de tétano, em uma pequena fazendola de sua propriedade, chamada “Riacho Fundo”, próximo a Serra da Arara e ao Rio Potengi, na atual cidade de Barcelona (RN).

*Texto originalmente publicado no jornal Tribuna do Norte, em 31 de dezembro de 2007.

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