O DESCANSO DE UM GUERREIRO NORDESTINO NO RIACHO DA PRATA

A HISTÓRIA DE UM HOMEM QUE LUTOU MAIS DE VINTE VEZES

CONTRA LAMPIÃO E A SUA BUSCA PELA PAZ

Autor – Rostand Medeiros

Nas ocasiões em que viajei pelo sertão do Nordeste em busca de conhecer mais sobre o cangaço, sempre esbarrava em muitas histórias de violentas lutas, valentia, covardia, honra, ódio, dor, sangue e algumas figuras que pareciam saídas de contos medievais, de verdadeiras gestas épicas.

Clementino José Furtado, o Clementino Quelé

Um destes personagens é o pernambucano Clementino José Furtado, mais conhecido como Clementino Quelé.

Este sertanejo foi cangaceiro, andou ao lado de Lampião, se desentendeu com ele, foi perseguido, perdeu quase toda a família na luta contra este grande chefe cangaceiro e se tornou policial, onde ficou conhecido como um dos mais esforçados perseguidores do “Rei do Cangaço”.

Lampião

Afirmava ter travado mais de vinte confrontos contra Lampião e seu bando. Depois participou de uma guerra no meio do sertão e finalmente procurou a paz no Cariri Paraibano, em uma cidade chamada Prata, próximo a cidade de Monteiro e da fronteira com Pernambuco.

Um Lugar Tranquilo

A origem do nome se deve a uma fonte de água descoberta por uma moradora, cujas águas eram extremamente límpidas e saborosas. Logo o local ficou conhecido na região como “Poço da Água de Prata” e ficava próximo a um riacho com a mesma denominação.

Prata, Paraíba

Neste local fui extremamente bem recebido e tive uma daquelas maravilhosas oportunidades de encontrar pessoas com tantos anos de vida e muita lucidez, que puderam narrar muitos episódios interessantes sobre Clementino Quelé.

Zoroastro Bezerra da Silva nasceu na Prata, no dia 14 de junho de 1916 e Pedro Elias da Silva, este último mais conhecido como “Seu Pedrosa” veio ao mundo no dia 16 de julho de 1917, em uma localidade pernambucana conhecida como “Beira” e nos conta que sua família se mudou para a Prata ainda na década de 1920.

Pedro Elias da Silva

Seu Pedrosa, que gosta muito de história, narra que o arruado do Riacho da Prata, ou simplesmente Prata, era um lugarejo que crescia como ponto de passagem e parada de tropeiros que seguiam da Paraíba em direção a Recife, e de comerciantes pernambucanos, principalmente das cidades de Flores, Afogados da Ingazeira e São José do Egito, que seguiam em direção ao comércio da cidade paraibana de Campina Grande.

Entre os anos de 1905 e 1906, teve início uma feira semanal e o número de habitantes começou a crescer.

Entrada a partir da BR-412

Lendo o pesquisador Pedro Nunes Filho, autor do livro “Guerreiro Togado – Fatos Históricos de Monteiro” (Ed. Universitária, UFPE, 1997, pág. 62), a Prata fazia parte do território de Alagoa do Monteiro, atualmente apenas Monteiro, que no início do século XX era o município com maior extensão territorial da Paraíba. A Prata era então, junto com as localidades de São Sebastião do Umbuzeiro, São Thomé, Camalaú, São João do Tigre e Boi Velho, um dos distritos daquela importante cidade fronteiriça com Pernambuco.

O local era tranquilo, mas a região onde se localiza esta comunidade sentiu o peso das espingardas na primeira década do século XX.

“A Guerra do Dotô Santa Cruz”

Nas proximidades da Prata existe uma propriedade denominada Areal. Em 1911 estas terras pertenciam ao advogado Augusto de Santa Cruz Oliveira, cuja família tinha forte influência política na região.

Augusto de Santa Cruz Oliveira Fonte-Livro “Guerreiro Togado”

Pessoa importante, rica e conhecida por todos, ocasionalmente o “Dotô” Santa Cruz se fazia presente na pequena feira da Prata, que ocorria sempre as quarta feira.

Pedro Nunes Filho em seu trabalho (op. cit.) informa que durante o mandato do governador João Lopes Machado (1908 – 1912) este buscou diminuir a força política da família Santa Cruz em Alagoa do Monteiro através de vários ardis.

Casa grande da Fazenda Areal Fonte-http://asleyravel.blogspot.com

Valente e voluntarioso, um verdadeiro líder, Augusto Santa Cruz reagiu a esta perda de espaço político através do uso da força. Ele protagonizou uma série de episódios violentos entre os anos de 1910 a 1912, onde não faltaram perseguições, espancamentos, invasões de vilas, tiroteios e mortes. Pronunciado, decidiu cercar Alagoa do Monteiro em maio de 1911, tendo sob o seu comando 130 homens armados, que destruiram a cadeia pública, libertaram os presos e ele deixou seus “cabras” saquearem lojas e bens dos desafetos.

Ao final da invasão, que teve forte repercussão em todo o Nordeste, o advogado Santa Cruz, para muitos apenas um “Cangaceiro Togado”, tomou várias pessoas em Monteiro como reféns e preparou-se para a reação do governo. Poucos depois, tropas da polícia paraibana e pernambucana atacaram a propriedade Areal e obrigaram Santa Cruz e seus homens a fugirem.

Alagoa do Monteiro, início do século XX. Fonte- Livro “Guerreiro Togado”

O resumo da ópera foi que Santa Cruz uniu forças a outro líder do interior paraibano, Franklin Dantas, da cidade de Teixeira, que igualmente se sentia perseguido pelo governador Machado.

Com esta união os dois chefes juntam mais de 300 homens em armas e partem para a invasão de várias localidades, entre elas a cidade de Patos, causando enormes transtornos e estragos. Depois seguiram em direção ao Ceará. Mas conforme avançam para o estado vizinho, os líderes desta coluna perceberam que não possuíam muito apoio de outras lideranças e viram que a sua “guerra” não teria nenhuma possibilidade de alterar a situação política. Tempos depois Santa Cruz fugiu para Pernambuco. Processado em Alagoa do Monteiro, foi julgado a revelia e absolvido.

Homens de Augusto Santa Cruz Fonte-Livro “Guerreiro Togado”

Ocorre que entre os homens de Augusto Santa Cruz estavam muitos dos seus empregados, fugitivos da justiça, antigos cangaceiros, amigos, parentes e várias destas pessoas viviam na pequena localidade da Prata.

Passado este momento difícil, que Seu Pedrosa chama “-Da época de 12”, a Prata vai crescendo devagar, mas tranquila.

Ele comentou que naquela época, na história do lugar não existiam maiores registros de envolvimento e confrontos entre seus habitantes e cangaceiros. Mas logo uma pessoa que havia sido muito ligada a Lampião chegaria ao lugar.

O “Tamanduá Vermelho”

Clementino Quelé é descrito como um homem forte, tido como baixo, com certa obesidade, de tez branca, que quando ficava agitado, a sua pele assumia um tom avermelhado. Daí o apelido “Tamanduá Vermelho”, dado pelo próprio Lampião.

Para o pesquisador Frederico Pernambucano de Mello (in “Guerreiros do Sol”, 2004, págs. 220 a 225), Quelé era natural da Ribeira do Navio, onde seguiu jovem para Alagoas, afastando-se de Pernambuco por questões de disputa familiar. No retorno a sua família segue para a região da bela cidade de Triunfo, no sítio Conceição.

Esta seria a possível casa onde Quelé e seus familiares travaram dois grandes tiroteios contra Lampião e seu bando. Santa Cruz da Baixa Verde, Pernambuco

Clementino Quelé era o chefe de sua família, tinha como irmãos Pedro, Quintino, Antônio, José e Manuel (Nezinho), todos considerados homens dispostos e valentes.

Envolvido em problemas políticos, que ocasionam perseguições a si e a membros do seu clã, Quelé e parte de seus familiares se juntam ao bando de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e passam a praticar a rapinagem pelos sertões.

Logo desavenças vão surgir e estas vão gerar uma forte inimizade com o famoso chefe cangaceiro. Como consequência, no início de 1924, Quelé e seus familiares sofrem dois grandes ataques do bando de Lampião no sítio Conceição, onde muitos são mortos.

Edição do jornal recifense “A Notícia”, de 14 de janeiro de 1924, existente na hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco, informando erroneamente sobre a ação da polícia, durante o segundo ataque de Lampião contra Quelé

Em busca de vingança, Clementino Quelé entra na polícia paraibana, onde recebe as divisas de sargento, apesar do analfabetismo. Contra Lampião valia mais a pena uma pessoa “alfabetizada” no cano da espingarda.

O sargento Quelé era a valentia em pessoa e extremamente calejado nas lutas do sertão. Logo monta uma volante que se tornou conhecida como “Coluna Pente Fino” e que também ficou famosa na história do cangaço pela selvageria como combatia os inimigos e infligia o terror aos que apoiavam os bandos de cangaceiros. Muitos dos seus parentes fizeram parte do grupo.

Se não faltam relatos de valentia do seu pessoal, infelizmente não faltam informações que inúmeros inocentes sofreram nas mãos dos homens de Quelé, além de vários atos de pura rapinagem.

Caminhos do sertão

De toda maneira o “investimento” do governo da Paraíba em Quelé não foi em vão. Três anos e meio depois dos combates no sítio Conceição, no dia 14 de junho de 1927, ele e seus homens eram a primeira força policial a adentrar em Mossoró, após a fracassada tentativa de Lampião para conquistar a maior cidade do interior potiguar.

Durante a chamada Revolta ou Sedição de Princesa, na Paraíba, Clementino Quelé esteve lutando ao lado das tropas do governador João Pessoa, contra os homens do chefe político de Princesa, o coronel José Pereira. Foram sérios combates, com muitas mortes e atos de verdadeira selvageria.

Para conhecer maiores detalhes destes episódios ver –http://www.triunfob.com/2010/09/um-fato-da-historia-do-cangaco-na.html e https://tokdehistoria.wordpress.com/2011/06/07/a-batalha-do-casarao-dos-patos/

A Chegada na Prata

Para seu Zoroastro, cujo pai era o barbeiro da cidade, consta que em Alagoa do Monteiro, onde o famoso guerreiro nordestino estava destacado, ele conheceu uma mulher com quem passou a ter um relacionamento e Quelé passou a permanecer mais tempo no Cariri Paraibano.

Seu Pedrosa informa que o ano da chegada do sargento Clementino Quelé a Prata foi em 1933 e ela teria acontecido devido um crime que ocorreu na região no ano anterior. Este problema foi uma invasão de propriedade, seguido do roubo de ração para o gado. O proprietário deu parte e foi aberto um inquérito. Tempos depois o sargento Quelé chegou ao pequeno distrito com outros militares e trazendo ordens do juiz de Monteiro para conduzir os invasores para a prisão.

Matriz de Nossa Senhora do Rosário, Prata, Paraíba

Apesar de chegar ao lugarejo para cumprir a lei, Seu Pedrosa informa que o sargento Quelé foi muito bem recebido pelo fazendeiro Ananiano Ramos Galvão, líder político do lugar. O sargento soube que a Prata estava crescendo e que havia uma pequena delegacia, mas não havia alguém com a sua patente para comandar o diminuto destacamento de dois soldados, um deles conhecido como “Mané Soldado”.

Logo a cidade soube que um novo sargento fora para lá designado e quando eles receberam a notícia de quem era o indicado, a comunidade se alvoroçou, pois o nome do sargento Clementino Quelé imprimia medo e terror em todo o sertão.

O sargento era sempre lembrado entre os habitantes locais pela forma violenta como sua volante agia, as inúmeras mortes cometidas por ele e seus homens, os vários combates contra Lampião e outras histórias que acompanhavam o “Tamanduá Vermelho” para onde ele seguia.

Evidentemente que a comunidade tinha medo do que aquele homem, que a nada temia, poderia passar a fazer contra eles devido a sua posição.

E afinal, porque este militar iria deixar um posto em Alagoa do Monteiro, uma cidade maior, para trabalhar em um lugarejo diminuto e pobre?

Além do mais na Prata os problemas que o valente Quelé iria enfrentar estavam bem longe da guerrilha que era o cangaço e das batalhas que ocorreram na Guerra de Princesa. No lugarejo o que mais perturbava a ordem eram as brigas de família, bebedeiras, pequenos roubos e coisas consideradas leves.

Seu Pedrosa informa que em pouco tempo o sargento Clementino Quelé chegou com seus “teréns” na carroceria de um caminhão, acompanhado de sua mulher chamada Alice e seus filhos. Em meio ao espanto geral ele alugou uma casinha e assumiu a função de delegado.

Um Bravo Que Desejava Ficar em Paz

Logo todo o sertão do Cariri Paraibano comentava que na Prata estava morando o sargento Quelé. O mesmo que era cantado em verso e prosa como “O valente que mais vezes brigou com Lampião”.

Não obstante a desconfiança inicial, além do fato de Quelé ser caladão e taciturno, a vida continuou. Mas o povo da Prata mantinha “Um olho no peixe e outro no gato” em relação ao novo delegado.

Até porque, na visão de Seu Pedrosa, sua figura como policial era um tanto aparatosa e ostensiva, para uma cidade onde os cachaceiros eram o maior problema. Nas horas em que estava de serviço, segundo as palavras do nosso entrevistado;

“-Quelé estava sempre com sua farda Kaki, quepe policial, um punhal atravessado no cós da calça, um vistoso e grande “Parabellum” pendurado na cartucheira e um rifle na mão.

Logo todos perceberam que apesar de sua sisudez, seu jeito fechado e caladão, seu comportamento junto aos moradores da Prata era extremamente tranquilo e suas atitudes controladas.

Para os entrevistados Quelé era muito “sabido”, pois buscava sempre “ajeitar” as situações com a conversa. Quando havia algum problema, alguma questão, ele utilizava de sua autoridade como policial e resolvia as querelas entre as pessoas da comunidade de forma equilibrada. Além da autoridade do uniforme, evidentemente havia o respeito pelo seu passado de lutas contra Lampião.

Gradativamente ele foi sendo bem aceito.

Não praticava o extermínio frio de bandidos, mas era conhecido pela moral e honestidade, além de ser considerado muito justo na sua atitude como policial, em uma forma de agir bem diferente dos tempos do cangaço. Os entrevistado afirmaram que durante o tempo em que lá esteve, não existe informações que Quelé recebia propina, tanto que morreu pobre.

Mas também não aceitava o furto e o roubo de animais de forma alguma. Se algum ladrão sem vergonha caísse na sua mão com estes crimes, segundo Seu Pedrosa;

“-Se fosse pro lado do furto de coisas e bichos, ele não dava cobertura e a peia (surra) era grande”.

Casa de Clementino Quelé na Prata

Sem ter muito problemas policiais para resolver, Clementino Quelé foi comprou uma pequena gleba de terra. Trabalhava nas horas vagas como agricultor e vendia sua pequena produção de milho e feijão na feira semanal. Era considerado um homem muito esforçado. Esta propriedade era perto do antigo sítio de Manoel Lindoso, a quem Seu Pedrosa considera o fundador da localidade.

Consta que para dar um “corretivo” nos presos, normalmente pinguços que enchiam a cara de cachaça nos bares, Quelé os levava para a sua terrinha, entregava uma enxada e mandava os detidos brocarem o terreno. Mas ficava ali do lado com o “Parabellum” no cinto.

O sargento não era visto com uma garrafa de pinga na sua frente e não andava bêbado pelas ruas.

Logo todos na Prata perceberam que o velho combatente queria ficar em paz no seu lugar. Paz para estar ao lado de sua Alice e de seus filhos.

Consta que Quelé havia sido casado com uma Senhora conhecida como “Toinha” e desta união nasceu uma filha e um filho chamado Zacarias. Depois, em Alagoa do Monteiro, ele se uniu a Alice e vieram mais três filhas.

Novo Encontro com Cangaceiros e Quem Era Lampião para Quelé

Naquele tempo Quelé, em algumas ocasiões e por ordem do Poder Judiciário, saiu da cidade para atuar em funções policiais. Mas em 1936 o sargento foi convocado para perseguir um grupo de cangaceiros que atacou a região próxima a Monteiro.

Jornal natalense “A Republica”, 23 de maio de 1936

Os nossos entrevistados não esquecem o desassombro e o impacto que causou no lugarejo a passagem deste bando que era comandado pelo chefe alcunhado “Moderno”, cujo nome real era Virgínio Fortunato da Silva. Este havia sido cunhado de Lampião, andava com ele a anos e era pessoa de sua extrema confiança.

Apesar de todo este medo e apreensão, os cangaceiros não passaram pela Prata e não consta que Quelé tenha novamente mantido algum combate contra Virgínio.

Fui informado que o assalto do bando de Virgínio foi extremamente rentável, mas que após a região do atual município de Camalaú, ponto máximo alcançado pelo grupo de cangaceiros em 1936, havia interessantes e ricas propriedades, principalmente nas proximidades da atual cidade paraibana de Barra de São Miguel. As testemunhas acreditam que este cangaceiro não seguiu adiante na sua rapinagem, justamente porque Virgínio sabia que ali perto se encontrava “um velho conhecido”.

Se isso é verdade eu não pude apurar e somente uma pesquisa específica para checar a veracidade desta informação.

Seu Pedrosa comenta que não tinha maior aproximação com Quelé, mas nunca deixou de ficar por perto quando o velho combatente conversava com os amigos da cidade sobre seu passado de lutas.

Fim de Lampião

Uma situação interessante foi no dia 28 de julho de 1938, quando Lampião e seu bando foram massacrados na Grota do Angico, várias pessoas da pequena urbe vieram até o sargento Quelé para narrar o acontecido. O espanto foi a sua quase total ausência de emoção. Apenas balançou a cabeça e nada falou.

Mas Seu Pedrosa comentou que nas palestras que ouviu de Quelé, escutou uma ocasião em que ele descreveu Lampião como sendo “-Um valente”. Para quem conheceu o sargento, este demonstrava um enorme ódio do “Rei do Cangaço”, mas também muito respeito.

Uma coisa que chamou atenção dos entrevistados foi que Clementino Quelé nunca negou que esteve lado a lado com Lampião no seu bando e que, devido às desavenças com este chefe cangaceiro, pagou um preço muito alto com a morte de vários familiares.

Sobre os familiares sobreviventes, soube que para a Prata vieram viver dois irmãos de Quelé, mas em circunstâncias bem diferenciadas do sargento que protegia a localidade.

Havia um deles, de nome José, mas conhecido como Zé Quelé, que era soldado da polícia paraibana e servia para os lados da região de Mãe D’Água, onde praticou um crime de morte. Ele busca então apoio no irmão Clementino, que não nega ajuda. Zé Quelé ficou homiziado nas proximidades, mas não vinha a feira, algumas vezes dormia nos matos e logo toda a cidade da Prata sabia daquela situação. Mas ninguém o denunciou.

Evidentemente que havia medo nesta conta, mas também houve um acordo tácito entre a comunidade e o delegado Clementino. Além disso ele era Clementino Quelé e não valia a pena uma inimizade com este homem.

Já o outro irmão era conhecido como Nezinho, também policial, mas tido como pistoleiro. Entretanto não criou nenhum problema na Prata.

Respeito

Um fato interessante ocorreu quando Quelé já estava aposentado. Então veio para ser o delegado na pequena localidade um sargento jovem e cheio de disposição. Este vendo Clementino Quelé andar ostensivamente armado, começou a comentar entre as pessoas que;

“-Aquele sargento véio não é mais da Força. Vou desarmar ele”.

Quando Quelé soube não fez nada. Apenas disse;

“-Tô esperando”.

Aparentemente o novo sargento foi mais bem informado quem era o idoso e já um tanto gordo ex-policial. Foi aconselhado que o melhor que tinha a fazer era deixar aquele homem em paz. Quelé nunca foi desarmado por ninguém.

Uma das facetas do valente sargento era sempre receber os chefes municipais e os políticos da região, tanto os de prestígio estadual e até mesmo pessoas de forte presença no cenário político nacional da época.

Nestas ocasiões, mesmo com pouca instrução, o velho perseguidor de Lampião sempre se apresentava bem uniformizado, sendo reconhecido por muitos destes homens do poder, que igualmente o tratavam com deferência.

Inácio Mariano e Walfrido Siqueira, homens fortes de São José do Egito e Jacinto Dantas, do lugar Ouro Velho, eram todos seus amigos e o visitavam quando estavam de passagem pela Prata.

João Agripino de Vasconcelos Maia Filho, de Catolé do Rocha, que foi deputado federal, senador e governador paraibano, quando ainda um jovem politico, fez questão de parar na Prata para conversar com o velho combatente.

José Américo de Almeida Fonte-http://www.onordeste.com

Em 1951, depois de haver realizado um comício em Sumé, o então candidato ao governo paraibano, José Américo de Almeida, veio a Prata em campanha eleitoral. Não era nenhuma surpresa a presença de políticos em campanha pela pequena cidade para pedir votos. Mas surpresa mesmo para muita gente foi quando o grande político e formidável homem de letras paraibano, autor de “A Bagaceira”, pediu para se encontrar com o sargento Clementino Quelé.

Os mais jovens não sabiam, mas José Américo havia sido um dos comandantes das forças legalistas do governador João Pessoa contra as tropas do coronel José Pereira, da cidade de Princesa, e o sargento Quelé foi um dos seus comandados. Houve um encontro de velhos conhecidos, cercado de alegria e abraços.

Paz no Fim da Vida

Uma coisa animava Clementino Quelé, visitar o coronel Manuel Benício, antigo caçador de cangaceiros e oficial da Polícia Militar da Paraíba. Segundo Seu Pedrosa, o coronel Benício morava em Pombal e ocasionalmente estes sertanejos afeitos as armas se encontravam nesta cidade para rememorar e conversar.

Outro local onde Quelé ocasionalmente visitava, era a região de Triunfo e Santa Cruz da Baixa Verde, em Pernambuco. Ali ele viveu momentos de muita tensão, mas não deixava de visitar amigos e parentes.

Conforme os anos foram passando o velho combatente ficou mais a vontade na cidade, frequentava bastante a igreja de Nossa Senhora do Rosário, passou a ser mais falante, mais tranquilo, mais alegre. Não tinha nenhum problema de narrar, como assim fez com várias pessoas, sobre suas andanças no cangaço, a entrada na polícia, a perseguição a cangaceiros e tinha um extremo orgulho em dizer que combateu Lampião em mais de 20 ocasiões distintas. Seu Zoroastro comentou que perdeu as contas em que o velho sargento vinha à casa de seu pai e narrava os episódios do passado. Quelé só não gostava de comentar sobre a “Guerra de Princesa”.

O problema é que suas histórias, para os ouvidos incautos, eram tão mirabolantes, tão incríveis, tão fantásticas, que muitos comentavam, principalmente os mais jovens, que o sargento Clementino Quelé era “mentiroso”. Já os mais velhos, que tinham escutado muito cantador de feira declamar em verso e prosa as peripécias daquele homem e diziam a moçada que tomassem cuidado, pois aquelas histórias eram totalmente reais. Tanto assim que ninguém nunca chegou na frente de Quelé para perguntar se o que ele falava era verdade ou não.

Uma situação que ele gostava de comentar e que tinha muito orgulho, foi o fato do seu filho Zacarias ter se tornado um alfaiate renomado na cidade e suas filhas não lhe darem problemas. Falava que sua família  “-Podia ser pobre, mas eram pessoas de bem e não se meteram em questões”.

Possível túmulo de Quelé

Clementino Furtado, segundo Seu Pedrosa, faleceu em 1955, ainda lúcido. Até o fim nunca deixou de andar com uma arma na cintura e tem certeza que ele morreu em paz.

Para as pessoas com quem conversei, ele era um homem normal, não deixava transparecer as perturbadoras experiências que viveu. Na opinião dos velhos moradores da Prata, que na época eram jovens, admiravam o antigo caçador de cangaceiros e ficavam extasiados com a memória das velhas lutas daquele valente, o grande fator de sua mudança foi a mulher Alice, verdadeiro porto de paz e tranquilidade em sua vida.

No dia do seu falecimento a cidade parou. Veio gente de toda a região e várias autoridades foram ao velório. Para nossos entrevistados todos sentiram a sua morte.

Seu filho Zacarias, suas filhas e o irmão Nezinho foram com o tempo para Campina Grande. Já Zé Quelé, apesar do seu problema com a justiça, nunca foi preso e ficou mesmo pela Prata.

Aqui o amigo Ary Prata, professor e escritor, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Cariri Paraibano. Um agradecimento especial pelo apoio na sua simpática cidade

Tentei encontrar seu atestado de óbito, ou alguma informação da data de seu falecimento no cemitério local, mas nada consegui.

As pessoas da região me apontaram um túmulo recentemente pintado, mas sem nenhuma indicação que ali seria o local de seu repouso eterno. Fotografei o local, mas sem uma comprovação eficiente, afora a palavra das pessoas desta simpática cidade.

Mas ocorre uma situação interessante.

Fiquei intrigado, pois sabia não haver mais familiares de Quelé na Prata, então quem conservava seu tumulo?

Comentaram-me que pelo respeito a sua pessoa, a sua história tão marcada pelas inúmeras lutas e pelos bons serviços que o velho combatente realizou na cidade, seu antigo túmulo é conservado pela comunidade.

MAIS UMA VEZ AGRADEÇO AO AMIGO ARY PRATA E AO ADVOGADO ANTÔNIO ELIAS DA SILVA, MAIS CONHECIDO COMO “TÔTA”. MEMBROS DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO CARIRI PARAIBANO . MUITO OBRIGADO PELO APOIO E ATENÇÃO.

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A BATALHA DO CASARÃO DOS PATOS

Um episódio da (quase) esquecida Guerra de Princesa, na Paraíba

Autor – Rostand Medeiros

Ao longo da história da região Nordeste do Brasil, não faltam ocorrências que perpetuam a valentia de alguns e a covardia de muitos. Onde muitas histórias são regadas a sangue, com muitos tiros, correrias e tropelias.

Em toda a região os relatos sobre estes fatos são continuamente passados as novas gerações, muitas vezes através da tradição oral, do folheto de cordel, sendo depois documentados em livros, servindo então de temas para teses acadêmicas, que contestam ou corroboram os fatos. Outras vezes o espectro é ampliado e estas sagas chegam ao teatro, a televisão e ao cinema. Mas a tônica é uma só; estes episódios são sempre conhecidos e repetidos pela região.

Localização de Patos do Irerê e Princesa Isabel no mapa da Paraíba, onde está o casarão

Neste sentido, é de se estranhar que atualmente na região ocorra um acentuado desconhecimento e uma estranha falta de informações sobre o conflito deflagrado no ano de 1930, na região da atual cidade paraibana de Princesa Isabel, próximo à fronteira com Pernambuco e conhecido como a “Guerra ou Sedição de Princesa”.

Um Cruel Momento da História Paraibana

Esta guerra (e não a nenhum exagero de assim chamá-la) foi pródiga de episódios interessantes e cruéis, onde tudo começou através de discórdias políticas e econômicas, envolvendo poderosos coronéis do interior do estado e o governador eleito da Paraíba em 1927, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque.

Governador João Pessoa

João Pessoa discordava da forma como o grupo político que o elegera conduzia a política paraibana, onde era valorizado o grande latifundiário de terras do interior, possuidores de grandes riquezas baseadas no cultivo do algodão e na pecuária. Estes “coronéis” atuavam através de uma estrutura política arcaica, que se valia entre outras coisas do mandonismo, da utilização de grupo de jagunços armados, da conivência com grupos de cangaceiros e outras ações as quais o novo governador não concordava.

Entre os embates ocorridos, podemos listar uma maior perseguição do governo estadual aos grupos de cangaceiros e a cobrança de taxas de exportação do algodão. Por esta época, os coronéis exportavam o produto principalmente através do principal porto de Pernambuco, em Recife, provocando enormes perdas de divisas tributárias para a Paraíba. Procurando evitar esta sangria financeira e efetivamente cobrar os coronéis, João Pessoa implantou diversos postos de fiscalização nas fronteiras da Paraíba, irritando de tal forma estes caudilhos, que pejorativamente passaram a chamar o governador de “João Cancela”.

O coronel José Pereira

Os embates políticos entre o governador e os coronéis foram crescendo. A maior liderança entre estes poderosos, sem dúvida foi o coronel José Pereira Lima, verdadeiro imperador da região oeste da Paraíba, na área da fronteira com Pernambuco, tendo como base, a cidade de Princesa. Do embate entre estes dois homens resultou em um dos maiores conflitos armados do Brasil Republicano.

Sertão em Armas

A contenda teve início em 28 de fevereiro de 1930, quando ocorreu a invasão da então vila do Teixeira (PB), por parte da polícia paraibana, com o aprisionamento da família Dantas, ligada por profundos laços de parentescos e interesses ao coronel José Pereira.

Apesar de governador João Pessoa não contar com o apoio do Palácio do Catete, onde o titular, Washington Luís, não viabilizou uma efetiva ajuda as forças policiais paraibanas, o mandatário paraibano foi à luta.

José Pereira e seus comandados durante a Guerra de Princesa

Com o apoio discreto, mas efetivo, do Presidente da República e dos governadores de Pernambuco, Estácio de Albuquerque Coimbra, e do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine de Faria, o coronel José Pereira decidiu criar o “Território Livre de Princesa” com absoluta autonomia, separando-se durante o período do conflito do restante do estado da Paraíba.

Princesa se tornou uma fortaleza inexpugnável, resistindo palmo a palmo ao assédio das milícias leais ao governador João Pessoa. O exército particular do coronel José Pereira era estimado em mais de 1.800 combatentes, onde diversos desses lutadores eram egressos das hostes do cangaço e muitos eram desertores da própria polícia paraibana.

No lado do presidente João Pessoa, suas tropas estavam sob o comando do Coronel Comandante da Polícia Militar da Paraíba, Elísio Sobreira, do então Delegado Geral do Estado, Severino Procópio, e do Secretário de Interior e Justiça, José Américo de Almeida. Na tentativa de desbaratar os sediciosos de Princesa, estes comandantes dividiram os efetivos policiais, compostos por cerca de 890 homens, em colunas volantes.

Como a guerra era vista no Rio de Janeiro

No povoado de Olho D’Água, então pertencente ao município de Piancó (PB), estava aquartelado o comando geral de operações da polícia paraibana, que decidiu enviar à Princesa uma de suas colunas volantes, conhecida como “Coluna Oeste”. Esta coluna era comandada pelo Tenente Raimundo Nonato, que tinha entre seus principais comandados o valente sargento Clementino Furtado, mais conhecido como Clementino Quelé, ou “Tamanduá Vermelho” (por ser branco e ficar “avermelhado” quando nervoso).

Clementino Quelé

Quelé era a valentia em pessoa, calejado nas lutas do sertão, podia se vangloriar de possuir no seu “currículo”, mais de vinte combates contra Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Foi a volante de policiais comandadas por Quelé, a primeira a entrar em Mossoró, em 13 de junho de 1927, perseguindo Lampião e seu bando, logo após este ter tentado invadir esta importante cidade potiguar.

Composta de valentes combatentes foi para a “Coluna Oeste”  que o comando designou uma missão especial.

Marcolino Diniz na época da Guerra de Princesa

Em Princesa, entre um dos mais importantes líderes das tropas locais estava o fazendeiro Marçal Florentino Diniz, poderoso e influente agropecuarista da região, que juntamente com seu filho, Marcolino Pereira Diniz, eram parentes e pessoas da inteira confiança do coronel José Pereira. O coronel Marçal Diniz possuía no então distrito de Patos de Princesa, a 18 quilômetros da cidade, uma fazenda localizada no sopé da grande serra do Pau Ferrado, o segundo ponto mais elevado da Paraíba, com cota máxima em torno de 1.120 metros de altitude e foi para esta fazenda que o comando da polícia paraibana ordenou que Clementino Quelé atacasse a casa grande do poderoso coronel.

O Assalto de Quelé

Este episódio é conhecido na região como o “Fogo ou Batalha do Casarão dos Patos”.

A ideia deste ataque visava dividir as forças do coronel José Pereira, que teria de retirar homens da frente de combate de Teixeira, para socorrer os familiares da família Diniz que estavam no casarão, bem como formar com as reféns uma espécie de cordão de isolamento, um escudo humano, que objetivava garantir a segurança dos militares. Pensavam que, agindo assim, nenhum defensor de Princesa ousaria atirar nos combatentes do governo paraibano.

A imprensa oficial potiguar e o próprio governo de Juvenal Lamartine eram contra João Pessoa e a favor de José Pereira

Outra teoria seria a de levar as mulheres como prisioneiras, ou reféns, para a cidade de Paraíba do Norte (atual João Pessoa) e forçar os comandantes de Princesa a alguma espécie de negociação.

No dia do ataque, 22 de março de 1930, Quelé e seus policiais, em número estimado entre sessenta para alguns, e entre setenta a cem homens para outros, seguiram atravessando a zona urbana da pequena vila de Alagoa Nova (atual MANAÍRA-PB) e daí subiram a grande Serra do Pau Ferrado. Ao passarem pela propriedade de Antônio Né, pessoa ligada à família Diniz, no homônimo Sítio Pau Ferrado, assassinaram um cidadão por nome Silvino, depois, desceram a serra.

Dona Xandu, imortalizada pelo grande Luís Gonzaga na música “Xandusinha”

Não havia muitos defensores pertencentes aos grupos do coronel José Pereira, ou de Marcolino Diniz e a força policial de Quelé ocupa o local sem maior oposição. Na casa estavam entre outras pessoas, às mulheres de Marcolino Diniz, Alexandrina Diniz (também conhecida como Dona Xandu, ou Xanduzinha) e a de Luís do Triângulo, Dona Mitonha. Luís do Triângulo era um dos mais valentes e destacados chefes dos combatentes de José Pereira.

Neste interregno, o grupo de combate comandando por Marcolino encontrou um soldado da polícia de nome Zeferino, o qual seguia com uma mensagem do Sargento Quelé ao Delegado Geral do Estado, Severino Procópio, informando da ação contra o casarão.

O Casarão em 2006

José Pereira e Marcolino Diniz recebem a notícia da prisão de seus familiares. Eles tomam esta ação como um acinte, uma falta de respeito e preparam o contra ataque. Ordenam que uma parte de suas tropas que combatiam as forças policiais do governador João Pessoa na região de Tavares, se deslocasse para Patos de Princesa e ordenam que os homens levem farta munição. Outros combatentes conclamam moradores da região para o ataque, enaltecendo a covardia de Quelé, que usava mulheres como escudos. Este chamamento dos líderes de Princesa e de seus homens encontra eco entre membros das comunidades de Princesa e Alagoa Nova e estes decidem seguir com o grupo que vai retomar o “Casarão dos Patos”.

A Batalha Pela Reconquista do Casarão

Na noite do segundo dia após o bem sucedido ataque de Quelé, a situação permanece inalterada. Segundo relatos dos reféns, os soldados, com raras exceções, se portaram de forma vândala e arrogante durante a ocupação.

Na minha última visita a casa já praticamente coberta pelo mato

Enquanto isso os combatentes de Princesa vão discretamente fechando o cerco ao casarão. Aparentemente, por falta de comunicação com seus comandantes, Quelé não abandonou a posição e levou seus prisioneiros. Outros acreditam que ele logo percebeu que estava cercado e esperou o inevitável.

O certo é que na manhã do terceiro dia de ocupação, o céu se apresentava nublado, os defensores do casarão estavam tranquilos, apesar da tensão existente na região. Alguns esperavam o café, outros até jogavam uma improvisada partida de futebol (possivelmente com uma bola de meia), no pátio defronte a casa. É quando o primeiro tiro é detonado em um soldado que vinha do Sítio Pedra e trazia um carneiro para abate, aí tem início um inferno no “Casarão dos Patos”.

A polícia estava cercada na casa, se defendendo como podia, o sargento Quelé vai animando seus policiais em meio a uma intensa troca de tiros e insultos entre as forças combatentes.

Lateral do casarão, mostrando a construção maciça

Marcolino Diniz, à frente dos seus homens, está com o “cão no couro”, comandando, disparando e mandando buscar cachaça nas bodegas da pequena vila de Patos de Princesa para “esquentar” seus “cabras”. Esta cachaça era trazida em sacos, distribuída francamente entre seus combatentes. Até hoje se comenta na região como os distribuidores da bebida terminaram os combates totalmente embriagados e sem dispararem um só tiro.

O tiroteio é cerrado. Colocar a cabeça muito exposta nas janelas do casarão é motivo para que algum policial se torne um alvo fácil. Já os homens de Diniz continuam disparando sem cessar. Eles estão espalhados em todo o perímetro, protegidos por árvores, pedras, pelos muros e paredes das poucas casas vizinhas.

O combate prolongou-se até às dezesseis horas do mesmo dia, quando a polícia praticamente estava sem munição e seus disparos tornam-se esparsos. É quando os homens de Marcolino, aproveitando uma forte chuva que desabava e a existência de um canavial nas imediações do casarão, partem para o assalto final.

Sótão do casarão. Neste local, segundo os moradores da região, vários soldados paraibanos foram mortos. Até algum tempo atrás ainda haviam marcas de sangue nas paredes

Durante a invasão é travado um forte combate corpo a corpo em cada uma das dependências da casa. Gritos, pancadas, socos, pontapés, dentadas, tiros, facadas e sons de lutas ocupam o ambiente. Os homens de Quelé procuram à fuga, mas estando o casarão cercado, muitos são abatidos impiedosamente pelos combatentes de Marcolino.

Alguns policiais fugiam feridos ou não, pelo mesmo canavial que serviu de abrigo para os atacantes e de lá seguiam para a serra do Pau Ferrado. Nesta fuga, muitos combatentes se cruzavam, às vezes cara a cara, dentro do canavial e tiros ou facadas eram desferidas a curta distância.

O mato é tanto, que só derrubando algumas plantas para entrar no local

Marcolino, atiçado pela bebida e já dentro do casarão, prometia aos gritos “vou sangrar todo mundo, até Xandu” que no seu entendimento de valentão do sertão, com um pensamento extremamente machista, imaginava que a sua mulher já havia sido estuprada e aí só “sangrando para limpar o corpo”. Mas Xandu e as outras mulheres estavam bem e foram preservadas por Quelé e seus homens. Todas estavam em um quarto, acompanhadas de um soldado ferido na perna, que conseguira desarmar uma bomba (ou granada?), que o sargento Quelé colocara no recinto. O soldado salvou a vida das reféns, sendo igualmente salvo pelas mulheres de ser impiedosamente sangrado por Marcolino e seus “cabras”.

Marcas do passado

Após isto, Marcolino e seus homens seguiram pelos vários recintos do “Casarão dos Patos”, chacinando os policiais que não fugiram. Dos militares que lá dentro se encontravam, não sobrou nenhum vivo, pois até o soldado que havia salvado as mulheres, morreu no mesmo dia, devido aos ferimentos, quando era transportado para a vizinha cidade pernambucana de Triunfo.

Marcas Sangrentas

Segundo relatos dos moradores da região, havia até recentemente, em alguns quartos da casa, registros de mãos ensanguentadas nas paredes, mostrando a agonia deste dia terrível.

Um esquecido oratório dentro do casarão

Quanto a Quelé, vendo-se acossado pelos homens de Marcolino e escutando o próprio caudilho dos Patos de Princesa gritando dentro do casarão que “queria pegar Clementino e matá-lo sangrado”, pulou do andar superior, juntamente com dois soldados e juntos fugiram em direção ao canavial. Já era noite quando conseguiram chegar à serra do Pau Ferrado, depois seguem para Alagoa Nova e ao encontro das forças de João Pessoa. O restante dos militares que escapou com vida embrenhou-se em território pernambucano.

Uma dispensa aberta na parede, para guardar mantimentos

Das forças de José Pereira e Marcolino Diniz houve apenas uma baixa, um senhor de nome Sinhô Salviano, possivelmente sob efeito da cachaça, desprezou as ordens e ficou sob a mira dos soldados. Para alguns pesquisadores, as forças paraibanas perderam mais da metade do efetivo, mas segundo os relatos que se perpetuam na região, contados por aqueles que participaram do conflito e transmitidos para seus descendentes, foram mortos em torno de cinquenta policiais, sendo seus corpos enterrados em uma vala comum nas proximidades do casarão. Os equipamentos bélicos dos policiais mortos foram recolhidos pelos combatentes de Princesa para reforço de arsenal.

Fato comum; morador da região com um cartucho de fuzil Mauser intacto, encontrado ao arar o terreno próximo ao casarão.

Final da Guerra de Princesa

Houve outros episódios sangrentos e terríveis na Guerra de Princesa, mas após a morte, em Recife, do governador João Pessoa e a consequente eclosão da Revolução de 30, o conflito em Princesa acabou, era o dia 26 de julho de 1930.

O coronel José Pereira Lima organizou a defesa dos seus domínios de forma impressionante, provocando baixas estrondosas à força pública paraibana durante os quatro meses e vinte e oito dias que durou sua resistência.

A partir de um caminhão foi desenvolvido em Campina Grande um veículo blindado para combater os revoltosos de Princesa

Princesa não foi conquistada pela polícia paraibana. Após a eclosão da Revolução de 30, tropas do exército, de forma tranquila, ocuparam a cidade.

O coronel José Pereira e muitos dos que lutaram com ele fugiram da região e a família Diniz se retraiu diante do novo sistema governamental imposto. O tempo dos caudilhos do sertão estava chegando ao fim, pelo menos naquele formato utilizado por José Pereira.

Com o fim da guerra, a fortuna da família Diniz ficou seriamente comprometida. O combate e, principalmente, a ira dos soldados, destruiu tudo. Canaviais, engenhos de rapadura, moendas, casas e outros bens foram alvo da vingança dos fardados, quase nada escapou.

Depois da Guerra

Mesmo com as perseguições sofridas após o fim da guerra, todos os anos Marcolino Diniz e sua gente, comemoravam o aniversário da retomada do casarão com muita festa.

Marcolino Diniz próximo a sua morte

Marcolino sempre foi um homem controverso, valente, prepotente, astuto e sagaz. Era proprietário das fazendas Saco dos Caçulas e Manga, onde diversas vezes Lampião descansava dos combates. Esta polêmica amizade entre Marcolino e Lampião é bem retratada em um episódio; em 30 de dezembro de 1923, Marcolino, juntamente com seu guarda-costas conhecido por “Tocha”, por conta de uma briga, matam o então magistrado da cidade de Triunfo (PE), o Dr. Ulisses Wanderley. Marcolino fica ferido e é feito prisioneiro na cadeia pública local. Seu pai, o coronel Marçal, recorreu aos préstimos do cangaceiro a fim de libertar o filho. Não demora muito e um grupo armado, com um número de homens estimado em torno de 100 a 150 homens, retira tranquilamente o prisioneiro ferido da cadeia.

Igreja de Patos do Irerê, onde está enterrado Marcolino Diniz

Marcolino e a sua adorável Xandu, continuaram unidos até a morte, tendo seu amor sido imortalizado em 1950, por Luís Gonzaga e Humberto Teixeira, com a música “Xanduzinha”. Marcolino nasceu em 10 de agosto de 1894 e faleceu em Irerê, em 21 de dezembro de 1980, com 86 anos, conforme está inscrito em sua lapide, na igreja deste atraente lugarejo.

Casa de Marcolino e Xandu em Patos do Irerê

Já o sargento Clementino Quelé sobreviveu à Guerra de Princesa e ainda teria fôlego para perseguir, no ano de 1936, o bando do cangaceiro Virgínio Fortunato da Silva. Conhecido como “Moderno”, foi cunhado de Lampião, homem de sua mais alta confiança, que neste ano investiu contra a região conhecida como “Tigre paraibano”, atacando várias fazendas na área próxima a cidade de Monteiro. Quelé, possivelmente pelo analfabetismo, nunca passou da patente de sargento, tendo morrido idoso na cidade paraibana de Prata. Coincidentemente, Quelé também foi lembrado em uma música de Luís Gonzaga intitulada “No Piancó”.

Quem visita atualmente a antiga Patos de Princesa, atual Irerê, município de São José de Princesa, com suas casas antigas e bem preservadas, nem imagina que o carcomido e arruinado casarão existente no fim da rua principal, foi palco de tamanho conflito.

O grande amigo Antônio Antas apontando a área onde o pessoal de Princesa atacou as tropas de Quelé. Uma verdadeira memória viva da região

Mesmo em ruínas, o casarão impressiona pela imponência da sua estrutura, pela grandiosidade da sua construção. Nele existe um andar superior, com dois sótãos independentes, vários quartos e dependências, sendo um exemplo do poder emanado pelos coronéis da região. Em meio ao silêncio atual, se o visitante puxar pela imaginação, é possível ouvir os sons da batalha ali ocorrida no longínquo ano de 1930.

Nota – Especificamente sobre o “Fogo do Casarão dos Patos”, utilizo principalmente as lembranças de várias pessoas que vivem na região de Princesa Isabel, Irerê e Manaíra. Sendo as informações do senhor Antônio Antas Dias, residente na cidade de Manaíra, as narrativas mais utilizadas. Este senhor comentou sobre este momento histórico, em uma entrevista concedida no dia 14 de agosto de 2006. O Sr. Antônio Antas tinha 61 anos na época da entrevista, onde as informações que ele prestou lhe foram transmitidas principalmente por Marcolino Diniz, de quem era parente, pelo guarda costas deste último, Manoel “Ronco Grosso” Lopes, por José Florentino Dias, seu pai, e pelo senhor Sebastião Martins, morador do atual distrito de Irerê.

Igualmente utilizei os trabalhos do amigo e professor de geografia José Romero Araújo Cardoso, lotado na UERN-Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, em Mossoró. Estes artigos são “Marcolino Pereira Diniz e Xanduzinha: Imortalizados através da arte de Luiz “Lua” Gonzaga”, no link –

http://www.turismosertanejo.com.br/?target=artigos&id=69

Outro Trabalho do professor Romero, ao qual utilizei material para a confecção deste artigo, foi uma série de interessantes entrevistas realizadas entre 1989 e 1991, com diversas testemunhas sobre episódios do cangaço e da Guerra de Princesa, que está inserido no link –http://www.marcoslacerdapb.hpg.ig.com.br/romero/cangaco.htm

 – Este artigo já havia sido anteriormente publicado e reproduzido em sites de vários de amigos por este Nordeste afora, que colocam a devida referência em relação ao autor e vários outros sites que nem se preocupam com isso. Mas decidi colocar o meu próprio blog, com novas fotos para quem gosta destas antigas histórias do nosso sertão.

Um detalhe importante. Já faz um tempo que não vou por lá, nem sei se o casarão está mais de pé, mas se tiver, visite enquanto é tempo.

 Um abraço a todos

 Rostand 

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QUANDO LAMPIÃO QUASE FOI ANIQUILADO

O COMBATE NA LAGOA DO VIEIRA

Rostand Medeiros – Escritor e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Nos primeiros meses do ano de 1924, o chefe cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o temido Lampião, mantinha junto com seu bando uma intensa atividade de pilhagens, assaltos e ataque aos seus inimigos na região fronteiriça entre os estados de Pernambuco e da Paraíba. Neste setor não eram incomuns as notícias dos cangaceiros nas cidades de Princesa (PB), Triunfo e São José de Belmonte (PE). São deste período dois grandes ataques do bando de Lampião contra o ex-companheiro de cangaço, Clementino Furtado, ou o famoso “Clementino Quelé”.

Lampião

Segundo o livro “Pernambuco no tempo do cangaço, Volume I”, de Geraldo Ferraz de Sá Torres Filho (Recife,2002), em sua página 328, informa que segundo o Boletim Geral nº 05, da Polícia Militar de Pernambuco, as primeiras horas da manhã de seis de janeiro e 1924, dia dedicado aos Santos Reis, o chefe cangaceiro atacou um sítio próximo a vila de Santa Cruz, atual cidade de Santa Cruz da Baixa Verde, a apenas seis quilômetros de Triunfo, acompanhado de um grupo de cangaceiros calculado em sessenta homens.

Durante seis horas de nutrido tiroteio, Clementino Quelé suportou juntamente com outros membros de sua família, uma terrível provação. Mesmo tão próximo a cidade de Triunfo, somente as onze daquela manhã foi que o sargento Higino Belarmino, ordenou o deslocamento de sua tropa para salvar os sitiantes. Diante do fogo dos policiais, Lampião ordenou a retirada. Na casa ficaram três mortos, sendo um deles irmão de Quelé, e um ferido.

Não satisfeito pelo fato de ter conseguido matar o ex-companheiro de bando, o chefe Lampião retorna cinco dias depois a casa de Quelé, com igual número de cangaceiros, e reinicia o ataque. Aparentemente desta vez a tropa veio em socorro dos sitiantes mais rapidamente. Entretanto, como na ocorrência anterior novamente Quelé perdeu outros parentes e amigos.

Diante da situação, Clementino Quelé o homem que suportou is ataques de Lampião, cruzou a fronteira e seguiu para a cidade de Princesa, onde através da influência do “dono” do lugar, o coronel José Pereira, sentou praça na polícia paraibana. Ele recebeu a patente de sargento e tratou logo de montar uma força volante para caçar seu maior inimigo e o seu bando.

Diante da repercussão destes combates, as forças policiais dos dois estados aumentam a pressão contra os cangaceiros. Pelos próximos dois meses circulam notícias da presença do bando na proximidade da vila de Nazaré e informações de um assalto ao sítio São Domingos. (Ferraz, op. cit. Págs. 331 e 332).

Theophanes Ferraz Torres, o notório oficial da polícia pernambucana

Entre os oficiais da polícia pernambucana que desejavam capturar, ou abater, Lampião estava o major Theophanes Torres Ferraz. Aos 30 anos de idade, este militar era considerado uma verdadeira lenda no seio da corporação em que atuava. Ferraz havia se notabilizado pela prisão do famoso cangaceiro Antônio Silvino, em novembro de 1914, após o tiroteio ocorrido no sítio Lagoa da Laje, na zona rural do atual município pernambucano de Vertentes. Há algum tempo ele estava baseado na cidade de Vila Bela, atual Serra Talhada, atuando no desbaratamento de grupos cangaceiros.

Considerado atuante, enérgico e determinado, o nome do major Ferraz é visto costumeiramente nas páginas dos antigos jornais conservados na hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco. Estes periódicos estampavam principalmente seus telegramas destinados a Eurico Souza Leão, então Chefe de Polícia de Pernambuco, cargo atualmente equivalente ao de Secretário de Segurança. Nestes relatos o major Ferraz dava conta da atuação da força policial no interior.

Em março de 1924, a frente de uma tropa de vinte e cinco policiais, o major Ferraz seguiu de Vila Bela para várias localidades da região do Pajeú pernambucano. Consta que uma das missões do major Ferraz era arregimentar o maior número de homens para formar uma grande volante destinada a combater os cangaceiros que assolavam a região.

Um dos locais para onde a tropa seguiu foi a Serra do Catolé, distante cerca de 30 quilômetros de São José de Belmonte. Este elevado maciço granítico, que possui altitudes que ultrapassam os mil metros, está fincada na região onde as fronteiras dos estados de Pernambuco, Ceará e Paraíba se encontram, tendo seu nome originado a partir da existência de uma grande quantidade de pequenas palmeiras conhecidas como coqueiro catolé. A força policial chegou à região da serra no dia 23 de março.

Na capa do jornal recifense “A Notícia”, de 26 de março de 1924,com a narrativa do combate da Lagoa do Vieira feito pelo major Ferraz.

Segundo João Gomes de Lira, ex-oficial da Polícia Militar de Pernambuco, antigo perseguidor de Lampião na década de 1930 e autor do livro “Memórias de um soldado de Volante” (Recife,1990), informa na página 129 que ao passarem pela  serra, os policiais souberam que três cangaceiros montados em alimárias haviam seguido em direção a região da fronteira da Paraíba. Provavelmente o major Ferraz recebeu a informação que entre os membros daquele pequeno grupo de bandidos estava Lampião e partiu para a perseguição.

Antônio Amaury Correa de Araújo e Vera Ferreira, autores do livro “De Virgulino a Lampião” (São Paulo,1999), na página 96, informam que o chefe cangaceiro seguia com os companheiros que tinham a alcunha de Moitinha e Juriti. Para estes autores os celerados seguiram para a região da Lagoa do Vieira, na intenção de receberem uma encomenda feita a um coiteiro da região.

Durante a nossa visita a região (dezembro de 2008) a área apontada como sendo a Lagoa Vieira estava praticamente seca-Foto Alex Gomes

Por volta das dez horas da manhã os policiais vinham cautelosos ante a aproximação dos cangaceiros. Segundo Lira (op. cit. Pág. 129), o major Ferraz determinou que habitantes da região que buscassem o rastro dos fora das lei. Nesta movimentação os policiais ouviram a aproximação de alimárias, viram os três homens montados e o tiroteio começou.

Logo o animal que transportava o chefe cangaceiro caiu varado de balas e um destes disparos igualmente atingiu o calcanhar direito de Virgulino. O cavaleiro caiu ao solo, onde na seqüência a sua montaria tombou sobre seu pé ferido e Lampião ficou momentaneamente preso. Se não fosse a ação destemida de Moitinha e Juriti, provavelmente aquele seria o dia derradeiro do “Rei do Cangaço”.

Próximo a Lagoa Vieira se encontra a famosa Pedra do Reino, palco de trágicos acontecimentos em 1838

Teria sido o próprio major Ferraz quem atingiu o chefe cangaceiro. De alguma forma Lampião se livra do peso do animal morto e mesmo ferido consegue reagir a altura da situação. Logo, segundo a nota publicada no jornal “A Noticia” ele e seus companheiros fogem em direção a uma serra, que o oficial pernambucano declara ser a “Serra da Catinga”, existente nas proximidades.

Foto-Alex Gomes

Segundo as pessoas que atualmente habitam a isolada região da Lagoa do Vieira, o local deste combate é demarcado pela existência de uma árvore do tipo “pau-ferro”, em uma parte mais baixa do terreno, próximo as margens desta lagoa. Em relação aos detalhes deste acontecimento, os atuais moradores não transmitiram muitas informações, mas foram categóricos em apontar o local do combate, através de relatos passados pelos mais velhos.

O abundante rastro de sangue mostra o caminho para onde a tropa deve seguir. Ainda segundo a nota publicada no jornal recifense, a cerca de uma légua de distância, ou seja, seis quilômetros, na altura de um lugar chamado “Barro”, outros cangaceiros vieram em socorro do chefe e montaram o ponto de disparos. Logo a tropa é violentamente atacada em uma emboscada.

Neste ponto a tropa do major Theophanes Ferraz se encontra em desvantagem, o tiroteio cresce e logo claros são abertos no lado dos militares. Em pouco tempo três policiais são feridos, sendo dois com gravidade.

As estradas da região próxima a Lagoa do Vieira são péssimas, mantendo a região ainda bastante isolada.

Em sua nota na imprensa pernambucana, o major Ferraz informa que diante da situação dos dois feridos, os praças Manoel Amaro de Souza, que havia sido atingido no olho direito e de Manoel Gomes de Sá, baleado no braço esquerdo e na coxa direita, ele decidiu se retirar do combate para buscar um local apropriado para aplicar os primeiros tratamentos, além de conseguir a remoção dos mesmos para Belmonte e Vila Bela. Ainda segundo o oficial, os homens atingidos gravemente foram transportados nas costas dos seus companheiros de farda até uma propriedade denominada Montevidéu. O soldado João Demetrio de Souza, o terceiro ferido, este sem gravidade, consegue seguir por seus próprios meios.

Nas imediações desta árvore, neste mesmo antigo caminho de barro, segundo os moradores da região, foi o local onde se deu este combate do dia 23 de março de 1924.

Da parte dos cangaceiros, o ferimento no pé de Lampião preocupa. O cangaceiro paraibano Cícero Costa de Lacerda propõem conduzir o chefe para o alto a Serra das Panelas, que ficava nas proximidades.

Vendo seu ferimento melhorar Lampião Imaginava que, juntamente com seus cangaceiros, todos estavam bem protegidos no alto da grande serra, mas logo ele teria um encontro com um dos seus mais terríveis inimigos, Clementino Quelé.

Na altitude de mil metros da Serra do Catolé, a esquerda o Ceará e a direita a Paraíba. A partir da esquerda para a direita a equipe participante, Alex Gomes, Solón Almeida Netto (Fotógrafos), os nossos guias na região Luiz Severino dos Santos (Morador do Sítio Catolé, no alto da serra e neto do cangaceiro Luís Padre, primo do mítico chefe cangaceiro Sinhô Pereira), Antônio Antas (Grande amigo e verdadeira biblioteca ambulante sobre o cangaço na região, de Manaíra-PB) e o autor deste artigo.