MARYSE BASTIÉ – A PIONEIRA DA AVIAÇÃO QUE PASSOU POR NATAL

MARYSE BASTIÉ – A PIONEIRA DA AVIAÇÃO QUE PASSOU POR NATAL Como uma Antiga Operária de uma Fábrica de Sapatos se Tornou a Mais Importante Aviadora da História da França – Voos Entre Glórias e Tristezas – Como Ela Conquistou o Atlântico Sul em Um Pequeno Avião – Quando Esteve em Natal? – Em Paris Junto ao Deputado Dioclécio Duarte e as Memórias de Natal – Nome de Rua na Capital Potiguar

Como uma Antiga Operária de uma Fábrica de Sapatos se Tornou a Mais Importante Aviadora da História da França – Voos Entre Glórias e Tristezas – Como Ela Conquistou o Atlântico Sul em Um Pequeno Avião – Quando Esteve em Natal? – Em Paris Junto ao Deputado Dioclécio Duarte e as Memórias de Natal – Nome de Rua na Capital Potiguar

Rostand Medeiros – Escritor e Pesquisador.

Na noite de segunda-feira, 23 de dezembro de 1935, rugiu sobre Natal e amerissou no Rio Potengi um grande hidroavião de desenho incomum. Tinha quatro motores colocados em uma asa que era sustentada por uma grossa estrutura onde ficava a cabine de comando, com três motores voltados para a dianteira da aeronave e um para a parte traseira. Aquele estranho pássaro metálico tinha sido construído pela empresa francesa Bleriot para transportar correio aéreo até a América do Sul e era batizado como Santos Dumont. A tripulação conseguiu atravessar o Atlântico Sul sem problemas, depois de partirem pela manhã da cidade de Dakar, a antiga capital da África Ocidental Francesa e hoje capital do Senegal.

A primeira vez que Maryse Bastié veio a Natal foi no Hidroavião Bleriot 5190 Santos Dumont.

Naquela semana de comemorações natalinas, a passagem dessas aeronaves já não era nenhuma novidade no Rio Grande do Norte, que desde 1927 recebia com crescente frequência variados tipos de aviões e hidroaviões. No começo a maioria delas se destinava a bater recordes, superar limites aéreos e transformar seus pilotos em figuras de destaque na mídia internacional, mas nos últimos anos Natal vinha assistindo um intenso tráfego de aeronaves que transportavam passageiros e, principalmente, o rentável transporte de cartas e encomendas. Na época esse era o principal negócio do avião comercial, pois vivia-se em um mundo que nem sequer imaginava algo como a internet e os e-mails.

Quem pilotava o Santos Dumont era o francês Jean Mermoz, um homem de 34 anos, alto, forte, com pinta de ator de cinema e que em 1935 era muito famoso pelos seus feitos no meio aéreo. Seguramente sua maior realização foi a primeira travessia comercial do Atlântico Sul, fato ocorrido entre os dias 12 e 13 de maio de 1930, quando Mermoz, acompanhado do copiloto Jean Dabry e do navegador Léopold Gimié, voaram os 3.200 km de distância entre Saint-Louis-du-Senegal e Natal, com 130 quilos de correspondência, em 21 horas e 30 minutos. Realizaram a proeza em um hidroavião monomotor Latécoère 28-3, pintado de vermelho, com a matrícula F-AJNQ.

Mesmo com todo esse movimento aéreo sobre os céus de Natal, que naquela época repercutia em todo o meio aeronáutico mundial, a verdade é que a chegada do hidroavião Santos Dumont, mesmo com seu piloto famoso, pouco chamou a atenção dos natalenses. A razão foi uma convulsão política que se iniciou na capital potiguar e mexeu com todo o Brasil.

Quartel da Força Policial, conhecido como “Quartel de Salgadeira”, em Natal, após ser metralhado durante a Intentona Comunista – Foto – toxina1.blogspot.com

Deflagrada exatamente um mês do Santos Dumont chegar a Natal, a chamada Intentona Comunista foi iniciada por militares do 21º Batalhão de Caçadores e deixou a comunidade local extremamente chocada com os saques, ataques, tiroteios e mortes. Depois de iniciada em Natal, os comunistas deflagraram outras ações no Recife e no Rio de Janeiro, mas todas foram controladas por forças federais legalistas em pouco tempo. Apesar da derrota dos comunistas, um mês depois as movimentações em decorrência dessa crise ainda ocorriam na cidade. No sábado e no domingo antes da chegada do hidroavião Santos Dumont, respectivamente deixaram Natal os militares do 20º Batalhão de Caçadores do Exército Brasileiro e os membros do Regimento Policial da Paraíba (A República, Natal, 22/12/1935).

Apesar de toda essa situação, uma das pessoas transportadas pelo Santos Dumont chamou atenção da imprensa natalense e nacional quando desembarcou. Era uma mulher de baixa estatura, com 37 anos de idade, esbelta, de olhos vívidos e claros, com um sorriso franco e aberto. Era a aviadora francesa Maryse Bastié, que tal como Mermoz já era famosa no final de 1935 pelos seus inúmeros feitos aeronáuticos.

Notícia da primeira chegada de Maryse Bastié a Natal.

Mas o que Mademoiselle Bastié veio ver na pequena Natal, então com cerca de 40.000 habitantes, viajando com um dos pilotos mais famosos do mundo, através de uma rota longa e perigosa?

E o mais importante, quem era Maryse Bastié?

Outra nota da primeira chegada de Maryse Bastié a Natal.

A Operária Que se Tornou Aviadora

Atualmente Maryse Bastié é seguramente a mulher mais importante e famosa na história aeronáutica francesa, sendo muito lembrada como uma das mulheres mais arrojadas e destemidas pioneiras na área da aviação. Mas o início de sua vida não foi nada fácil e sua chegada ao comando de um avião foi uma luta constante e dura, principalmente quando compreendemos a situação das mulheres nas primeiras décadas do século XX.

Nascida Marie-Louise Bombec, no dia 27 de fevereiro de 1898, na cidade de Limoges, no centro-oeste da França, a jovem era oriunda de uma família muito humilde, mas que conseguiam sobreviver com algum conforto, pois seu pai, Joseph Bombec, era um operário especializado com a função de ferreiro (outros apontam que ele seria um moleiro). Já sua mãe, Céline Filholaud, era uma mulher amorosa, dona de casa e mãe de oito filhos.

Limoges cidade natal de Maryse Bastié no início do Século XX.

Infelizmente Marie-Louise ficou órfã de seu pai em 1908, que faleceu de tuberculose, sendo sua família obrigada a deixar casa paterna para viver em um pequeno ambiente na periferia de Limoges. A menina deixou a escola e começou a trabalhar aos 13 anos como uma modesta costureira de couro, em uma fábrica de calçados.

Ela detestava o trabalho repetitivo e realizado em condições complicadas. Buscou então refúgio nos livros, lendo tudo que aparecia na sua frente, principalmente clássicos e romances. Existe a informação que em 1914 Marie-Louise passou a trabalhar como costureira em uma fábrica de roupas militares. Ainda durante a Primeira Guerra houve outra perda para a jovem operária – em 1916 seu irmão Pierre Bombec é morto nas trincheiras.

Operárias francesas no início do Século XX.

Talvez em meio a todos esses momentos extremos foi que Marie-Louise, com apenas 16 ou 17 anos, mesmo contra os conselhos de sua mãe, casou-se com o pintor de porcelanas Jean Baptiste Gourinchas, de 18 anos. Dessa união nasce um filho chamado Germain. Em meio a muitas crises, em pouco tempo ela pediu o divórcio de Gourinchas.

A partir de 1919 Marie-Louise Gourinchas trabalhou como datilografa na Companhia de Eletricidade de Limoges. É provável que nesse ponto de sua vida, aquela jovem mãe divorciada poderia ter continuado sua existência marcada unicamente pela dura luta pela sobrevivência, em meio a fortes preconceitos pela sua situação, em uma França que se recuperava dos flagelos da Primeira Guerra Mundial. Mas a mudança em sua vida ocorreu quando Marie-Louise se uniu ao ex-piloto militar Louis Bastié, um amigo que ela conseguiu através de troca de correspondências no final da Primeira Guerra Mundial.

Foi ao lado desse veterano que ela descobriu a paixão pela aviação. Mas antes de alçar voo, Marie-Louise administrou uma loja de sapatos na cidade de Cognac, certamente utilizando a experiência adquirida na fábrica de sapatos. Mais tarde, seu marido retornou ao exército francês na função de instrutor de voo em Bordeaux-Mérignac, um dos mais antigos aeroportos em atividade na França. A convivência com Louis e o meio aéreo proporcionaram à jovem Marie-Louise Bastié vários voos como passageira em pequenos biplanos de instrução.

O ambiente de hangar, com aeronaves, mecânicos e pilotos, se tornou normal para Maryse Bastié na década de 1920.

O movimento aéreo de Bordeaux-Mérignac encantou Marie-Louise e a área se torna o seu “playground”, onde passeia entre os hangares, aviões em manutenção e motores sendo consertados pelos mecânicos. Não demorou e aprendeu a voar com o instrutor Guy Bart, amigo do seu marido, obtendo sua licença de voo em 29 de setembro de 1925.

Apenas uma semana depois de conseguir esse documento, ela elabora um plano para realizar sua primeira proeza aérea e assim mostrar suas habilidades, atrair a atenção de um possível empregador nessa área e também da mídia. Nos comandos de um frágil biplano Caudron G3, Marie-Louise conseguiu passar com essa aeronave abaixo dos cabos que ligavam as duas enormes pilastras de ferro de uma ponte inacabada em Bordeaux e chamada Pont Transbordeur de Bordeaux. A jovem aviadora realizou esse voo diante de uma multidão de curiosos, sobre o Rio Garonne.

O frágil biplano Caudron G3, Marie-Louise abaixo dos cabos que ligavam as duas enormes pilastras de ferro sobre o Rio Garonne.

Bem, quem olhar a foto acima pode até pensar que esse voo não foi lá essas proezas todas em termos de dificuldades. Mas não podemos esquecer que no comando da pequena aeronave estava uma mulher, que então vivia na moderna e tão decantada França, um país onde em 1925 as mulheres nem sequer votavam e só podiam abrir um negócio com o consentimento do marido. Logo, no dia 13 de novembro, essa mesma mulher voou de Bordeaux a Paris em seis etapas. Essa foi sua primeira viagem aérea.

No ano seguinte uma nova e trágica reviravolta ocorre na vida de Marie-Louise, pois seu companheiro Louis morreu diante de seus olhos no dia 15 de outubro de 1926, durante um voo de teste.

Longe de desanimar e para ganhar dinheiro ela realizou vários voos de publicidade, participou de um rally aéreo e realizou ousadas acrobacias diante de multidões em variados eventos. É nessa época, talvez motivada por questões comerciais, que ela deixou de lado seu nome de batismo e passou a assinar Maryse Bastié.

Voos Entre Glórias e Tristezas

Com o dinheiro arrecadado em seus trabalhos aéreos, mesmo em meio a muitos sacrifícios, Maryse conseguiu adquirir em 1929, por empréstimo, um Caudron C.109 de dois lugares. Era um avião utilitário leve, com pequeno motor Salmson de 40 hp, que ela batizou de “Trotinette” (Patinete).

O Caudron C.109 que Maryse Basté batizou de “Trotinette” (Patinete).

Apesar desse avião não ser mais que um simples “teco-teco”, Maryse conseguiu realizar um recorde de voo de larga duração para mulheres em 27 de julho de 1929. Em parceria e com o apoio financeiro fornecido pelo piloto Maurice Drouhin, ela decolou de Paris e chegou até a cidade alemã de Treptow-sur-Rega, na região da Pomerânia Ocidental, cobrindo a distância de 1.058 km em 26 horas e 47 minutos. Por esta conquista, Maryse e Drouhin receberam um total de 25.000 francos. Drouhin e um mecânico morreram pouco depois, em agosto de 1928, durante um voo de teste com um avião Couzinet 27, em Paris-Le Bourget.

Ainda em 1929, Maryse Bastié realizou um voo onde circulou o Aeroporto Le Bourget de Paris por longas 26 horas e 48 minutos, quebrando o recorde de duração de voo solo para mulheres.

Pouco tempo depois Lena Bernstein, uma descendente de russos nascida em Leipzig, Alemanha, e morando na França, ficou mais tempo voando em circuito fechado que Maryse. Em 30 de setembro de 1930 a francesa deu o troco, quando voou o seu avião leve Klemm L 25, de fabricação alemã, por 37 horas e 55 minutos, estabelecendo um novo recorde de duração de voo solo feminino. Ela lutou contra o frio, a falta de sono, fumaça do escapamento do motor e quase caiu exausta. Consta que nesse voo, para ficar desperta após mais de 24 horas no ar, ela borrifou água de colônia nos olhos, que arderam enormemente, mas o sono passou na hora. Uma multidão de parisienses lhe acolheu após o pouso.

Logo Maryse retorna as primeiras páginas dos jornais em todo mundo com um voo sensacional de longa distância, estabelecendo um novo recorde internacional de voo em linha reta para aviões monopostos, pilotado de forma solitária e por uma mulher. Entre os dias 28 e 29 de junho de 1931 Maryse decolou de Paris e seguiu até o centro da antiga União Soviética, mais precisamente na localidade de Yurino, perto da cidade de Nizhny Novgorod, onde percorreu 2.976 km, em mais de 30 horas de voo, a uma velocidade média de 97 km/h.

Por esse feito Maryse Bastié recebeu do governo francês a Cruz de Cavaleiro da Legião de Honra, foi agraciada pela International League of Airmen com o International Harmon Trophy como “a melhor aviadora do mundo” (atribuído pela primeira vez a uma francesa) e foi condecorada pelo governo soviético com a Ordem da Estrela Vermelha. 

Nada mal para uma mulher nascida em um lar humilde, que foi uma operária em uma fábrica de calçados, com várias perdas pessoais ao longo de sua vida, sem títulos acadêmicos, mas com muita coragem e determinação para seguir adiante.

A partir de então, ela conseguiu viver da renda que ganhava pilotando seu próprio avião e da publicidade.

Em 1934, seu compromisso tomou um rumo mais político e militante: Maryse uniu forças com as aviadoras Hélène Boucher e Adrienne Bolland e apoiaram a associação “La femme nouvelle” (A nova mulher). Fundada em 1934 pela política, feminista, escritora e jornalista Louise Weiss, essa entidade visava o sufrágio feminino e o fortalecimento do papel da mulher na vida pública francesa. Vale lembrar que a França foi um dos primeiros países no mundo a instaurar o sufrágio universal masculino, mas um dos últimos da Europa onde as mulheres puderam escolher livremente seus representantes políticos, fato que só aconteceu em outubro de 1945, após o fim da ocupação alemã.

O ano de 1935 para Maryse Bastié se iniciou promissor e com muitos planos. Ela e o amigo piloto Guy Bart fundaram uma escola de voo na área do Aeroporto de Orly, ao sul de Paris. É quando um duro golpe do destino lhe atingiu novamente – Em 6 de junho de 1935 faleceu no hospital de Bizerte, Tunísia, seu filho Germain, que estava a serviço da marinha francesa. Tinha apenas 20 anos de idade e morreu de febre tifóide. 

Provavelmente devido a toda essa situação, o desenvolvimento da escola durou pouco. Mas foi nessa ocasião, talvez buscando dar uma nova guinada em sua vida e fugir das tristezas, que Maryse Bastié começou a planejar seu voo que a traria a Natal e ao Brasil, superando para isso o temido Atlântico Sul.

Atravessando o Vasto Oceano

Outra imagem do hidroavião Santos Dumont.

Com a ajuda do amigo Jean Mermoz, a aviadora conseguiu em 23 de dezembro de 1935 uma vaga a bordo do hidroavião Bleriot 5190 Santos Dumont, onde realizou o voo completo e aprendeu todos os detalhes existentes sobre a rota do Atlântico Sul. Mermoz já havia realizado dezenas de vezes esse mesmo trajeto e disse a Maryse que naquela viagem ela era “o terceiro piloto” da aeronave. A aviadora permaneceu em Natal até os primeiros dias de 1936 e retornou a Paris pela Air France.

O interessante sobre esse voo preliminar de Maryse Bastié a Natal é que entre os vários aviadores famosos que utilizaram a capital potiguar durante o período clássico da aviação mundial, homens e mulheres de quase duas dezenas de nações, Bastié é um dos poucos aviadores que realizou um voo preliminar atravessando o Atlântico Sul, para só então realizar seu trajeto com maior segurança.

Avião Caudron Simoun, nesse caso um modelo C630, preservado na França.

Durante o ano de 1936 Maryse Bastié vai preparando detalhadamente o seu voo que a traria novamente a Natal. O avião escolhido foi o Caudron Simoun C635, uma aeronave monomotor para quatro passageiros, trem de pouso fixo, sendo o primeiro avião de sua categoria a voar a mais de 300 km/h. Foi um sucesso instantâneo de vendas e só a Força Aérea Francesa encomendou 490 aeronaves.

Foi o Governo da França, através do Ministério do Ar, cujo titular era Pierre Cot, quem lhe cedeu a aeronave, em meio a muita papelada e burocracia. No entanto, o ministro Cot nem sempre apreciou os serviços de Maryse Bastié. Quando essa aviadora, no auge de sua fama, pediu um emprego na aviação civil, Cot lhe disse que era muito cedo para “ver em larga escala conquistas iguais na aviação para homens e mulheres!”.

O avião Caudron Simoun C635 tinha basicamente 8,70 metros de comprimento, 10,40 m. de envergadura e 2,25 m. de altura. Em termos de extensão, era mais ou menos do tamanho de um micro-ônibus comum. Possuía um motor Renault Bengali 6Q de seis cilindros em linha, refrigerado a ar, com cerca de 160 kW (220 hp) de potência contínua. Maryse ainda realizou alguns voos de testes e tudo funcionou normalmente.

A aeronave não recebeu maiores alterações para o voo sobre o Atlântico Sul. A mais significativa foi buscar internamente mais espaço para acomodar um tanque de gasolina de 890 litros e ampliar a autonomia de voo. Aí foram retirados dois assentos cobertos de couro vermelho, dos quatro normalmente existentes. 

Quando os preparativos para o seu voo estavam na reta final, Maryse Bastié e a França foram atingidos por uma nova tragédia – Jean Mermoz desapareceu no Atlântico Sul.

Hidroavião quadrimotor Latécoère 300 que desapareceu com Jean Mermoz e toda tripulação em dezembro de 1936.

Em 7 de dezembro de 1936 Mermoz partiu de Dakar para Natal com outros quatro tripulantes em um hidroavião quadrimotor Latécoère 300, que possuía o registro F-AKGF, era batizado como Croix-du-Sud (Cruzeiro do Sul) e realizava seu 25º voo cruzando o Atlântico. Sabe-se que menos de uma hora depois de sair de Dakar, a tripulação confirmou por rádio que estavam enfrentando um problema técnico com o motor traseiro direito e que retornavam, onde amerissaram sem alterações. Vários controles foram feitos nesse motor, sendo detectado um vazamento de óleo e se concluiu que aquela máquina deveria ser trocada. Como não havia um motor sobressalente disponível, a tripulação fez uma limpeza completa e decolou novamente de Dakar.

Outra imagem do Latécoère 300 que desapareceu com Jean Mermoz.

Quatro horas depois a estação de rádio recebeu uma mensagem curta em código Morse, onde foi informado que Mermoz teve de cortar a energia do motor traseiro esquerdo da aeronave. A mensagem foi interrompida abruptamente e nada mais foi recebido. Apesar das buscas realizadas, o hidroavião e os tripulantes desapareceram e nenhum vestígio foi encontrado!

O desaparecimento de Jean Mermoz é vivido na França como um desastre nacional. Certamente chocada com toda situação, Maryse decidiu batizar de Jean Mermoz seu pequeno Caudron Simoun, como uma homenagem ao seu amigo e grande aviador. Um jornal carioca informou que ela só batizou a aeronave após pedir permissão à mãe de Mermoz e a pintura com o nome do finado aviador teria ocorrido em Natal (Correio da Manhã, Rio, 13/01/1937, P. 3).

Pintura do nome de Jean Mermoz no avião de Maryse Bastié, que teria sido feito em Natal.

Apesar de toda expectativa, Maryse avança no seu intento. Em 19 de dezembro de 1936 ela chegou a Dakar e começou a preparar sua travessia.

Existe uma informação, proveniente de um documentário francês sobre Maryse Bastié, afirmando que quando estava tudo pronto para o voo, a aviadora ficou aguardando em Dakar a chegada de um hidroavião da Air France proveniente de Natal, cuja tripulação lhe transmitiu informações de última hora sobre as condições do tempo ao longo do grande trajeto. Qual foi esse hidroavião e quem eram seus tripulantes?

Bem, olhando os jornais da época, sabemos que naquela última semana de 1936 estiveram entre Natal e Dakar duas aeronaves. Uma foi o avião Farman F 2200, matrícula francesa F-AOXE, batizado como Ville de Montevideo e pilotado por Henri Guillaumet, sendo ele o único tripulante informado pelos jornais. Guillaumet foi um grande amigo de Jean Mermoz e com esse mesmo avião realizou várias buscas quando o famoso piloto sumiu no Atlântico Sul (Jornal Pequeno, Recife, 22/12/1936, P. 2). A segunda aeronave foi outro Farman F 2200, com a matrícula francesa F-AOXF, batizado como Ville de Mendoza, sendo pilotado por Fernand Rouchon, tendo como copiloto Henri Delaunay, navegador Léopold Gimié, radiotelegrafista Paul Comet e o mecânico Pichard (A Ordem, Natal, 23/12/1936, P. 3).

Não sabemos qual desses aviões chegou a Dakar, mas certamente os tripulantes transmitiram à aviadora francesa que o Atlântico Sul estava tranquilo, calmo e que ela iria ter uma travessia exitosa. Pois foi exatamente isso que aconteceu!

O Caudron Simoun C635, a simples e prática aeronave utilizada pela aviadora Maryse Bastié no seu trajeto entre Dakar a Natal.

Voo Tranquilo, Onde Comeu Alguns Damascos

Na manhã de 31 de dezembro de 1936 ela decolou o Caudron Simoun C635 prateado e com detalhes em vermelho. Afora a partida de Dakar, quando voou através de neblina e nuvens de tempestade, e na chegada ao Brasil, quando ventos fortes provocaram uma pequena alteração de rumo, o voo foi uma tranquilidade só.

Mesmo com esse desvio no final, Maryse completou o trajeto através do Atlântico Sul em doze horas e cinco minutos, tendo percorrido 3.173 quilômetros, a uma velocidade média de 264 quilômetros por hora. Para navegar no seu minúsculo avião Maryse Bastié contava apenas com uma bússola e ela foi uma hora mais rápida que o voo da bela aviadora Jean Batten, da Nova Zelândia, recordista anterior nessa travessia.

O avião original de Maryse Bastié.

Eram depois das quatro da tarde quando o Caudron Simoun C635 chegou em Natal, vindo do litoral norte e não da direção leste, do meio do Atlântico.

Ao sobrevoar a capital dos potiguares Maryse realizou algumas evoluções durante vários minutos (Correio da Manhã. Rio, 31/12/1936, P1). Mas ela não estava interessada em proporcionar aos natalenses um pequeno espetáculo das capacidades de sua aeronave. Provavelmente Maryse se apresentava para seus amigos da Air France, que tinham escritório no Bairro da Ribeira, na Avenida Tavares de Lira, número 32, mostrando que a travessia havia sido um sucesso.

Propaganda com o endereço da Air France em Natal.

Outra possibilidade para essas evoluções seria a busca visual da linha ferroviária da Great Western, que seguia em direção sul. Aquela referência era crucial para a localização do Campo dos Franceses, também conhecido como Campo de Parnamirim, e local do pouso. Vale lembrar que na primeira ocasião que Maryse veio a Natal ela desembarcou em um hidroavião no Rio Potengi e não em Parnamirim.

Situação similar já havia acontecido em 5 de julho de 1928, quando os italianos Arturo Ferrarin e Carlo Del Prete pretendiam realizar um voo direto de Roma até o Rio de Janeiro, mas só deu para chegar ao Rio Grande do Norte. Ao sobrevoarem Natal, os dois italianos viram as pessoas acenando nas ruas, mas devido ao tempo nublado eles não conseguiram localizar a linha do trem para o sul. Com o combustível acabando e o céu fechado, a dupla decidiu procurar um local para aterrissar seu belo avião Savoia-Marchetti S-64. Só encontraram um ponto adequado perto da então vila de pescadores de Touros, a 70 km ao norte de Natal, bem onde o litoral do Brasil faz uma curva de quase 90º.

Mas provavelmente para Maryse Bastié os círculos realizados com sua aeronave sobre Natal deram certo, pois ela viu o que precisava ver e desapareceu rumo ao sul.

Segundo um jornal recifense (Jornal Pequeno, 05/01/1937, P. 1), que tinha na pista do Campo de Parnamirim um correspondente chamado Dória Correia, a primeira coisa que Marysé Bastié fez após pousar foi perguntar se teria “batido o recorde de Jean Batten? “. Ao ser informada que sim, as pessoas presentes gritaram “vivas” a ela e a França. Ela estava eufórica e comentaram o extremo carinho que Maryse demonstrava pela sua aeronave. Pouco tempo depois, ainda no campo de pouso, foi aberta uma champagne para comemorar seu voo, o novo recorde e antecipar a festa de comemoração da passagem de ano. Lhe perguntaram se durante o grande trajeto ela se alimentou e a sua resposta foi “Seulement Quelques abricots” (Apenas alguns damascos).

Ao correspondente Dória ela afirmou que durante a finalização do voo, devido aos fortes ventos, ela desviou a rota entre 96 a 100 milhas para o norte, visualizando o primeiro ponto do litoral potiguar na altura do Cabo de São Roque, atualmente parte do município de Maxaranguape, 40 km ao norte de Natal. Essa situação causada pelo vento deve ter relação com as chuvas que caiam nos estados nordestinos naquele fim de 1936, pronunciando que o novo ano seria de boas chuvas. Por essa razão ela chegou à cidade vindo do litoral norte.

Maryse Bastié então passou onze dias na capital potiguar, aguardando novas ordens do Ministério do Ar da França e saber os desdobramentos sobre a sua viagem. Nessa espera, sabemos, mesmo sem maiores detalhes, que Maryse Bastié foi extremamente bem recebida e chegou a ir até as praias da cidade, onde se encantou com os coqueirais que existiam.  

Outra notícia que foi divulgada enquanto a aviadora se encontrava em terras potiguares foi que ela teria recebido ordens de “retornar a França” e que um “alto commerciante” de Natal compraria o avião.

Mas quem seria esse abonado natalense?

Bem, Manoel Machado e Fernando Pedroza (um grande amante da aviação), já tinham falecido anos antes e foram os homens daquele tempo que tinham muito dinheiro no Rio Grande do Norte. Não foi esclarecido pelos jornais quem poderia ser o nababo que pretensamente iria adquirir o Caudron Simoun C635. Pessoalmente acredito que no final das contas essa notícia era falsa. Nota especulativa para vender jornal. Um “fake”, como se diz hoje em dia.

Uma outra notícia, veiculada em um jornal carioca, mostra algo curioso e um tanto inusitado durante o período que Maryse Bastié ficou em Natal.

Quando alguns dias depois que ela desembarcou no Rio, os jornalistas notaram que seu capacete branco, no tradicional estilo colonial francês e muito utilizado naquela época pelos gauleses na África e na Ásia, se encontrava faltando um botão de metal grosso e estava cheio de buracos de balas de pequeno calibre, acompanhados de assinaturas e setas desenhadas marcando esses buracos. Evidentemente que essa situação chamou a atenção dos jornalistas cariocas, que lhe cobriram de perguntas. A resposta da aviadora foi que um dia os seus amigos da Air France em Natal resolveram utilizar seu capacete como alvo para “tiros de carabina”. Quem abria um buraco no chapéu fazia uma seta e assinava o nome, mostrando quem realizou o disparo. Como o chefe da Air France não acertou o alvo, arrancou o grosso botão que ficava no alto do capacete.

Apesar da ida às praias, da falsa notícia da venda do avião e do “tiro ao alvo no capacete”, olhando os jornais natalenses não encontramos maiores informações sobre a presença de Maryse Bastié na cidade. Isso pode caracterizar um extremo isolamento quando ela aqui esteve, talvez preocupada em se expor enquanto o governo de sua nação decidia o que fazer com ela e com o avião, em meio a um Brasil cheio de problemas políticos.

Não podemos esquecer que em 21 de março de 1936 o Presidente Getúlio Vargas havia assinado o Decreto nº 702, que colocou todo o país em “Estado de Guerra”, que conferia ao chefe de Estado poderes extraordinários, só concedidos em tempo de guerra, e que normalmente seriam prerrogativas do Legislativo. Inicialmente essa situação tinha vigência inicial de 90 dias, mas se estendeu até meados de junho de 1937.   

Autorização para o voo de Maryse Bastié, mas sem máquina fotográfica.

Certamente após acertos entre os diplomatas do seu país e o governo brasileiro, Maryse Bastié foi autorizada a seguir viagem. O governo tupiniquim liberou para que a aviadora francesa pudesse voar sobre nosso litoral, entre Natal e o Rio de Janeiro, realizando uma parada para reabastecimento e descanso em Caravelas, na Bahia, mas exigiu que ela não levasse nenhum “apparelho photographico”. E essa ordem veio diretamente do poderoso Ministério da Guerra, cujo ministro era o general Eurico Gaspar Dutra, futuro Presidente do Brasil.

Maryse Bastié no Rio.

Maryse Bastié deixou Natal em direção ao Rio no dia 11 de janeiro de 1937, decolando por volta das cinco e meia da manhã. As oito e quinze estava sobrevoando Recife e as onze e meia se encontrava sobre a cidade baiana de Caravelas, onde aterrissou e pernoitou. No dia 12, pelas seis da manhã ela decolou e seguiu direto para o Rio de Janeiro, pousando no mítico Campo dos Afonsos às nove e meia, onde foi festivamente recebida e passou vários dias na então Capital Federal.

O voo de Maryse Bastié no pequeno Caudron Simoun C635 foi um sucesso!

Maryse no Rio.

Memórias de Natal Junto Com o Deputado Dioclécio Duarte

Maryse Bastié retornou à França a bordo de uma aeronave da Air France, sendo triunfantemente recebida em casa. Ainda em 1937 ela recebeu do governo do seu país o grau de “Oficial da Legião de Honra”. Pelo governo brasileiro a aviadora recebeu a Ordem do Cruzeiro do Sul, a maior honraria concedida pelo nosso país. Maryse recebeu a medalha brasileira na antiga sede da Embaixada do Brasil na França, na Avenue Montaigne, 45, das mãos do embaixador Luiz Martins de Souza Dantas. O mesmo Souza Dantas que se notabilizaria tempos depois, durante a Segunda Guerra, por ter concedido centenas de vistos diplomáticos que salvaram a vida de inúmeros fugitivos dos nazistas, principalmente judeus, mesmo contrariando ordens do Governo Brasileiro.   

O colar que Maryse Bastie utiliza, com uma grande estrela, é a Ordem do Cruzeiro do Sul, que essa aviadora fazia questão de utilizar.

Mas voltando a Maryse Bastié, a simpática piloto não se acomodou no seu retorno à França. Logo conseguiu do governo do seu país o apoio para realizar, entre novembro de 1937 até março de 1938, uma turnê de palestras em vários países da América do Sul, utilizando um avião como meio de transporte.

Existe a informação que ela quis realizar esses voos com o mesmo avião com que conseguiu atravessar o Atlântico Sul, mas apuramos que esse valente aviãozinho deixou Natal em uma data indeterminada e seguiu provavelmente para o Rio de Janeiro, onde ficava a sede da Air France no Brasil e a Embaixada da França. De lá, por razões desconhecidas, seguiu para Montevidéu, capital do Uruguai. Consta que Maryse Bastié foi atrás da aeronave em um aeroporto uruguaio, mas o encontrou bastante deteriorado, sem condições de utilização e daí fez uso de outro avião. 

Após o seu retorno à França, as nuvens negras da Segunda Guerra Mundial surgiram no horizonte e em 1 de setembro de 1939 o conflito teve início.

Nazistas em Paris.

Maryse e outras três mulheres pilotos foram voluntárias da Força Aérea Francesa, realizando voos para levar aviões para a frente de combate, mas sem reconhecimento oficial. Somente oito meses depois, em 27 de maio de 1940, foi quando surgiu um decreto que autorizou a criação de um corpo feminino de pilotos auxiliares e Maryse recebeu a patente de segundo tenente. Mas a sua designação hierárquica na força aérea do seu país teve vida muito efêmera, pois menos de um mês depois, em 22 de junho, a França se rendeu oficialmente a Alemanha Nazista.

Na sequência Maryse ofereceu seus serviços à Cruz Vermelha, em particular aos prisioneiros franceses agrupados no Campo de Deportação de Drancy, um infame campo de concentração temporário a poucos quilômetros ao norte de Paris. Junto com suas atividades na Cruz Vermelha, ela coletava informações das atividades dos inimigos para a Resistência Francesa que lutava contra a ocupação nazista. Ainda em Drancy, em uma ocasião que um trem partiu para a Alemanha, ela é brutalmente empurrada por uma sentinela inimiga e fratura o cotovelo direito, que lhe deixou com uma deficiência permanente e Maryse não conseguiu mais pilotar.

Libertação de Paris pelas forças Aliadas.

Após a libertação de Paris em 1944, ela se juntou ao Corpo Auxiliar Feminino da Força Aérea e voltou a ocupar o posto de tenente. Em 1947 tornou-se a primeira mulher a receber o posto de Comandante da Legião de Honra e a partir de 1951, ela trabalhou para o departamento de relações públicas de um centro de voo de testes.

No sábado, 28 de junho de 1952, Maryse Bastié se reencontrou com o Brasil e, através da presença de um natalense ilustre, certamente com as memórias da sua visita a Natal e ao Rio Grande do Norte.

Nessa data, segundo uma reportagem publicada na revista O Cruzeiro (edição 09/08/1954, P. 61 a 63) ocorreram em Paris vários eventos que celebravam a figura do brasileiro Alberto Santos Dumont. Entre os eventos houve um jantar no restaurante La Coupole, no bairro de Montparnasse, um local fundado em 1927, muito popular na capital francesa e até hoje em funcionamento. O jantar foi organizado pelo governo francês e contou com a ilustre presença de Vicent Auriol, então Presidente da França, além de vários ministros, muitas autoridades e celebridades, entre elas a aviadora Maryse Bastié.

Da parte do Brasil muitas autoridades estavam presentes, entre eles o brigadeiro Nero Moura, então Ministro da Aeronáutica. Outro que estava lá era o deputado federal pelo Rio Grande do Norte Dioclécio Dantas Duarte, do Partido Social Democrático (PSD), que inclusive foi condecorado pelo Presidente Vicent Auriol com a Ordem Nacional da Legião de Honra da França.

Então, entre as fotos publicadas pela revista O Cruzeiro, vemos Maryse Bastié em um animado papo com o deputado Dioclécio Duarte, que era fluente em francês (além de inglês, alemão e italiano). A aviadora trazia ao pescoço a sua Medalha da Ordem do Cruzeiro do Sul.

Sobre o que falaram? Não sei! Mas provavelmente lembraram a passagem de Maryse por Natal entre o final de 1936 e o início de 1937, quando aqui ficou onze dias. Talvez o deputado tenha comentado como Natal havia mudado depois da presença das tropas americanas durante a Segunda Guerra, ou outros temas quaisquer. Talvez tenha sido uma noite com ótimos e interessantes momentos de memórias e recordações!

Apenas oito dias depois desse encontro, Maryse Bastié morreu carbonizada em um trágico acidente aéreo.

Ela que já havia voado milhares de quilômetros sem acidentes graves, perdeu a vida em 6 de julho de 1952, aos 54 anos, em voo no aeroporto de Lyon-Bron. Ela morreu após a queda de uma aeronave de transporte de dois motores Nord 2501 Noratlas, da Força Aérea Francesa. O avião caiu de uma altura de cerca de 200 metros e toda a tripulação de cinco pessoas também pereceu.

A famosa aviadora foi enterrada em Paris, no Cemitério de Montparnasse, onde seu túmulo permanece até hoje. Na França, muitas escolas – por exemplo, em sua cidade natal Limoges, levam o nome de Maryse Bastié. Em 1955 ela foi homenageada com seu retrato em um selo postal francês.

Natal não esqueceu de Maryse Bastié. Em janeiro de 1972 o engenheiro Ubiratan Pereira Galvão, então Prefeito de Natal, acatando um pedido do vereador Antônio Félix, que na época era o Presidente da Câmara de Vereadores de Natal, solicitou que uma rua ainda pouco habitada do bairro de Lagoa Nova se chamasse Maryse Bastié. E assim foi feito. Atualmente essa é uma das principais artérias desse bairro, um dos mais valorizados da capital potiguar.

“DE PÉ NO CHÃO TAMBÉM SE APRENDE A LER” – CONHEÇA A MAIS INTENSA E REVOLUCIONÁRIA EXPERIÊNCIA EDUCACIONAL REALIZADA NO BRASIL – E ELA ACONTECEU EM NATAL!

FONTE – DE PÉ NO CHÃO TAMBÉM SE APRENDE A LER- Uma Experiência revolucionária – Boletim da VIII SESAC – Semana de Estudos da Semana Comunitária, Natal-RN, abril de 1981, págs. 37 a 39.

NOTA – Esse texto é dedicado a Professora Claudete Lourenço Alves, que trabalhou nesse projeto, me comentou anos atrás sobre sua participação com muito orgulho e lembrava principalmente do progresso que conseguia junto as crianças com o método. Infelizmente Clau, como a minha família carinhosamente lhe chamava, não está mais nesse plano, mas jamais esqueci seu relato.

Durante três anos — de fevereiro de 1961 a abril de 1964 — Natal viveu uma das experiências mais importantes na História do Brasil em termos de educação popular. Foi a campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, iniciativa do prefeito Djalma Maranhão, o líder que morreu de saudade, exilado em Montevidéu, e cujos restos mortais estão depositados hoje no tradicional Cemitério do Alecrim.

O prefeito Djalma Maranhão discursando em novembro de 1960. A sua esquerda, posicionado um pouco mais atrás, está Miguel Arraes, então governador de Pernambuco. Também se encontram na foto Moacyr de Góes, Roberto Furtado e Aldo Tinoco. Fonte – Livro – De pé no chão também se aprende a ler (1961 – 1964) – Uma escola democrática – de Moacyr de Góes, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980.

O principal assessor de Djalma na área educacional — Moacyr de Góes — que era Secretário Municipal de Educação, Cultura e Saúde, esteve à frente dessa experiência que chegou a movimentar cerca de 17 mil alunos nos bairros natalenses,não só com aulas, mas também com debates e outras atividades culturais. A dura repressão desencadeada em 1964 conseguiu paralisar “De pé no chão também se aprende a ler”, mas não impediu que a memória daquela mobilização popular ficasse na consciência de todos os que a viveram.

A Natal dos anos de 1960 era uma cidade de 160 mil habitantes. dos quais 36 mil eleitores. O seu líder popular mais expressivo — Djalma Maranhão lá havia sido prefeito nomeado de 1956 a 1959, quando a capital era considerada “cidade base”, de acordo com a Constituição de 1946, e não podia eleger diretamente seu prefeito.

Djalma Maranhão

Em 1960. Djalma foi eleito com 66% dos votos e seu Partido – o Partido Trabalhista Nacional, PTN – fez aliança com a dissidência da UDN (União Democrática Nacional), representada por Aluízio Alves, candidato a governador: e com o PSD (Partido Social Democrático) que apresentou como candidato a vice-governador monsenhor Walfredo Gurgel. Já no plano nacional, Djalma e Luiz Gonzaga dos Santos, seu candidato a vice, deram apoio à chapa do marechal Henrique Batista Duffles Teixeira Lott, do PSD.

Foi neste contexto político que a Secretaria de Educação do município começou a campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, com dois objetivos básicos: a erradicação do analfabetismo e a execução de uma política de educação e cultura popular, definida a nível de unia proposta das classes subalternas.

Entre 1960/1964, estas classes estavam organizadas em Comités Nacionalistas ou Comités de Ruas, que se reuniam regularmente para a discussão de temas políticos — tais como o latifúndio, o imperialismo — e temas específicos dos bairros e ruas, como água, luz, esgoto e outros equipamentos comunitários.

Destes comités surgiram as convenções de bairros (uma das mais dinâmicas funcionou no Alecrim), visando fazer uma listagem dos problemas comunitários, incluindo propostas de solução. Este trabalho de base levou à convocação de uma convenção municipal, de onde foi tirada a plataforma de Djalma Maranhão.

O ponto número um nas reivindicações populares de Natal, segundo Moacyr de Góes, foi o de escola para todos. Com base neste pedido, aSecretaria de Educação partiu para a primeira fase da Campanha, com o funcionamento das escolinhas que eram, simplesmente, salas cedidas à Prefeitura para o funcionamento declasses. Eram salas de sindicatos, casas populares, clubes, associações diversas. A prefeitura entrava com as carteiras, a monitora, material escolar e merenda. No final de 1961, realizou-se uma importante reunião no Comité Nacionalista do Bairro das Rocas, importante bairro proletário da capital potiguar, cujo presidente era o pastor José Fernandes Machado, funcionário dos Correios e Telégrafos. O principal resultado do debate foi a decisão de construir acampamentos escolares, já que não havia condições financeiras para a construção de grupos de alvenaria. Em fevereiro daquele ano já estava construído o primeiro acampamento nas Rocas: era um conjunto de quatro galpões, sem paredes. cobertos com palha de coqueiro. As divisórias eram quadros murais e de giz; cada galpão tinha quatro salas de aulas e o chão era de barro batido. Ao lado dos galpões escolares, havia um outro, redondo, para as festas e debates comunitários. O conjunto também incluía horta e aviários, para enriquecimento da merenda escolar.

Salas de aula do projeto “De pé no chão também se aprende a ler”. Fonte – Livro – De pé no chão também se aprende a ler (1961 – 1964) – Uma escola democrática – de Moacyr de Góes, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980.

Enquanto as escolinhas eram organizadas nos bairros mais populares da cidade, e o primeiro acampamento começava a funcionar nas Rocas, a campanha “De pé no chão também se aprende a ler” iniciava mais uma etapa: a do ensino mútuo, com a primeira experiência também nas Rocas. O método Paulo Freire ainda não chegara ao Rio Grande do Norte e cerca de vinte secundaristas engajavam-se na tarefa de alfabetizar adultos em suas próprias casas. O coordenador da experiência foi o professor Antônio Campos e Silva. Este mesmo educador coordenava a equipe que fazia a identificação das manchas de analfabetismo na cidade de Natal pesquisando também as causas da evasão escolar.

PRAÇAS DE CULTURA

Sob a influência direta do Movimento de Cultura Popular MCP — de Recife (criado no governo de Miguel Arraes), a Prefeitura de Natal, através de sua Secretaria de Educação, partiu, em seguida, para uma nova etapa na campanha através das Praças de Cultura.

A Campanha de Pé no Chão frontalizou, politicamente, o projeto americano “Aliança para o Progresso”, financiadora do sistema educacional do Governador Aluízio Alves. Fonte – Livro – De pé no chão também se aprende a ler (1961 – 1964) – Uma escola democrática – de Moacyr de Góes, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980.

As duas maiores foram instaladas no bairro das Quintas e nas Rocas, com quadra esportiva, arquibancada de cimento, parque infantil e uma pequena biblioteca. A Praça servia tanto para jogos quanto para teatro e outros espetáculos populares, além de debates. Somente com quadra e parque, chegaram a ser implantadas dez praças. Na Praça André de Albuquerque, chamada de “Praça da Cultura”, havia também uma concha acústica, uma biblioteca, galeria de arte e um local para danças, onde o professor Gracio Barbalho fez muitas palestras sobre a música popular brasileira. “A Praça André de Albuquerque era um verdadeiro fórum aberto e democrático, de onde todos se aproximavam para participar dos debates e usufruir da cultura, lembrou anos depois Moacyr de Góes.

O POVO TECE SUA HISTÓRIA

Paralelamente, a expansão da campanha exigia a preparação do pessoal técnico e, por isso, a Secretaria decidiu criar o Centro de Formação de Professores – CFP, ligado ao Grupo de Educação Popular e à Coordenadoria Técnico-Pedagógica da instituição. A responsável pelo Centro foi Margarida de Jesus Cortez, que fizera curso, promovido nos anos de 1950, em São Paulo, pela UNESCO, sobre uma nova educação para os pises subdesenvolvidos.

Aula no projeto “De pé no chão também se aprende a ler”. Fonte – Livro – De pé no chão também se aprende a ler (1961 – 1964) – Uma escola democrática – de Moacyr de Góes, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980.

Moacyr lembrou que Margarida Cortez inovou a pedagogia do Rio Grande do Norte, com a criação de unidades de trabalho na experiência de educação popular. Eram textos mimeografados, com o objetivo de integrar conhecimentos, e distribuídas nos vários níveis da campanha.

O Centro oferecia treinamentos de três meses para os futuros monitores e também cursos de reciclagem durante as férias, além de cuidar da supervisão da campanha e manter uma escola experimental. Ele representava o grande laboratório da revolucionária experiência.

NOVA CAMPANHA

A partir da realidade básica do trabalho, os responsáveis pela campanha “De pé no chão também se aprende a ler” resolveram partir para mais uma etapa, implantando a campanha – “De pé no chão também se aprende uma profissão”.

Fonte – Livro – De pé no chão também se aprende a ler (1961 – 1964) – Uma escola democrática – de Moacyr de Góes, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980.

Em fevereiro de 1963, já funcionavam oito cursos nas Rocas: corte e costura, enfermagem de urgência, sapataria, marcenaria, barbearia, datilografia, artesanato e encadernação. Em setembro, a campanha já oferecia dezessete cursos nas regiões das Rocas, no Carrasco, Nova Descoberta, Bairro Nordeste e Quintas, atingindo a jovens e adultos.

A experiência de Paulo Freire uniu-se à de Natal em 1963 e, segundo Moacyr, chegaram a funcionar em Natal de dez a doze Círculos de Cultura, debatendo a passagem da consciência ingénua para a consciência crítica e os passos necessários para a construção de uma sociedade democrática. O próprio Paulo Freire veio a Natal preparar os monitores. Nesta fase, a campanha “De pé no chão também se aprende a ler” ampliou a sua interiorização, com a vinda de professores leigos para cursos em Natal, assinatura de convênios com instituições das cidades potiguares de São Tomé, São Paulo do Potengi, Afonso Bezerra, Assú, Currais Novos, São Gonçalo e Macau (principalmente sindicatos), além de uma importante reunião na capital com quarenta prefeitos.

Paulo Freire fala numa Praça de Cultura da Prefeitura de Natal. No palanque, entre outros, da esquerda para a direita, na primeira fila: Grimaldi Ribeiro (Secretário de Educação do Estado), Monsenhor Walfredo Gurgel (Vice-Governador do Estado), Agnelo Alves (representando o Governador Aluízio Alves), Luiz da Câmara Cascudo (Presidente da Associação Brasileira de Folclore) e o jornalista Marcelo Fernandes (em pé). Fonte – Livro – De pé no chão também se aprende a ler (1961 – 1964) – Uma escola democrática – de Moacyr de Góes, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980.

Neste encontro os prefeitos chegaram a fundar a Frente de Educação Popular do Rio Grande do Norte, que não chegou a se consolidar por causa do Golpe de 1964.

A nova fase da campanha de Djalma para que todos tivessem acesso bens culturais foi a de “uma escola brasileira construída comdinheiro brasileiro”. E a escolha deste sloganestava intimamente ligado ao quadro político estadual da época, a aliança de 1960 já estava rompida e Djalma Maranhão estava em um campo oposto ao do governador Aluízio Alves. O pomo central da discórdia era o papel do programa “Aliança para o Progresso” no Rio Grandedo Norte e no Nordeste.

A professora Vanilda Pereira Paiva contou essa história em seu livro – Paulo Freire e o nacionalismo desenvolvimentista” (Civilização Brasileira, 1950. páginas 22 e 23): “Devemos lembrar aqui que a criação da Aliança Pelo Progresso em 1961 muito deveu à situação política vivida no campo nordestino no período, especialmente à multiplicação das Ligas Camponesas. Não por casualidade que no Brasil o escritório da USAID – United States Agency of International Development (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) foi montado na cidade de Recife, logo após a criação da Aliança para o Progresso.

A merenda escolar – muitas vezes, a principal refeição do dia. Na falta de copos, as crianças se apresentavam com pequenas latas. Fonte – Livro – De pé no chão também se aprende a ler (1961 – 1964) – Uma escola democrática – de Moacyr de Góes, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980.

E sua política de “ajuda ao desenvolvimento” deixou ver, em seguida, a sua verdadeira face de “programas de impacto”, entrando o novo organismo em conflito com a SUDENE – Superintendência Para o Desenvolvimento do Nordeste, por realizar convênios diretamente com os governos estaduais considerados “receptivos” e aplicando seus recursos com base em critérios essencialmente políticos.

Segundo Riordan Roett, que trabalhou como membro da equipe da missão Aid no Nordeste, os “Estados Unidos viam a região como, um problema de segurança internacional e a assistência econômica externa como uma arma contra uma ameaça que o Brasil não reconhecia unanimemente”. Por isso, os planos de ajuda eram, em primeiro lugar, adaptados às “exigências da segurança dos Estados Unidos”, a fim de “derrotar a ameaça comunista” e, em abril de 1962, os Estados Unidos consideravam que a situação nordestina já ultrapassava o estado de que motivou a decisão inicial de oferecer ajuda econômica.

Consta que cada galpão de aulas se dividia em quatro salas. Nos turnos da manhã e da tarde estudam adolescentes e crianças. À noite a frequência era de adultos. Fonte – Livro – De pé no chão também se aprende a ler (1961 – 1964) – Uma escola democrática – de Moacyr de Góes, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980.

Do ponto de vista de Washington — dia Roett — o Problema não era mais o desenvolvimento econômico e social, mas a sobrevivência política imediata deuma sociedade não comunista no Nordeste. Ora, não apenas as Ligas Camponesas eram vistas corno ameaçadoras. Também a vitória eleitoral das Frentes com participação de forças de esquerda não somente revelava a radicalização da vida política da região, como contribuía para levá-la mais longe.

Assim, preocupava a conquista das prefeituras de Recife e Natal, mas especialmente a possibilidade dos prefeitos daquelas cidades chegarem e governos dos respectivos Estados; um dos problemas dos norte-americanos era corno contribuir para evitá-lo. A interferência nas eleições através do financiamento dos candidatos antinacionalistas não era suficiente; havia que fortalecer os políticos “receptivos”.

A Biblioteca Popular Monteiro Lobato, no bairro das Rocas. Ess pequena biblioteca e uma outra denominada e Castro Alves emprestaram, em menos de seis meses de atuação, quase 80.000 volumes. Fonte – Livro – De pé no chão também se aprende a ler (1961 – 1964) – Uma escola democrática – de Moacyr de Góes, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980.

Aluízio Alves — antigo quadro (leia LDN — não só era “receptivo”. como conjugava características ideais, por um lado ele era capaz de controlar os impulsos da radicalização das classes populares, através da prática de urna política ultramanipulatória e suficientemente ambicioso e conservador para não representar um perigo potencial de evolução para a esquerda. Por outro lado, embora aliado a algumas oligarquias tradicionais, ele representava a vitória deuma política de incentivo à industrialização no seu Estado. Tratava-se. pois, de ajudar a um governador “favorável ao progresso”.

As negociações entre Alves e a USAID começaram em agosto de 1962, mas devemos lembrar que logo que foi eleito, ele visitou Kennedy, em Washington, a convite do Departamento de Estado norte-americano, e recebeu promessa de ajuda. Esta era essencial para Alves, pois, representando a vitória de um espírito “desenvolvimentista” e travando uma dura luta contra as oligarquias udenistas, seu fortalecimento político e a realização de suas ambições ao nível federal estavam ligados à transformação económica do Estado eaos programas que ele conseguisse realizar na sua gestão.

Informação sobre o avanço do projeto no bairro das Rocas. Ai fundo podemos ver a Igreja Matriz da Sagrada Família. Fonte – Livro – De pé no chão também se aprende a ler (1961 – 1964) – Uma escola democrática – de Moacyr de Góes, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980.

A obtenção de recursos parece ter sido facilitadapela aceitação, por parte do governador, de pressões norte-americanas para que entregasse a Secretaria de Educação ao jornalista Calazans Fernandes. Os interesses ianques e os de Alves acoplaram-se bem no que concerne ao tipo de programa aser lançado: os “programas de impacto” que deixam de lado projetos de ajuda propriamente económica e se concentram emáreas “visíveis” como saúde e educação (principalmente a construção de prédios escolares), serviam para assegurar à população ointeresse norte-americano e do governo do Estado pelo seu bem-estar.

O complemento para o programa de construções escolares era urna campanha de alfabetização que aumentasse o eleitorado sob controle do líder populista, fortalecendo suas bases eleitorais e diminuindo as chances de uma futura vitória do então prefeito de Natal.

Bambelô Aza Branca (Coco de roda) – O folclore era um dos focos da política cultural da Prefeitura de Natal na época. Realmente esse tipo de ação foi bastanter negligenciada em Natal nas últimas décadas. Fonte – Livro – De pé no chão também se aprende a ler (1961 – 1964) – Uma escola democrática – de Moacyr de Góes, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980.

Djalma Maranhão nunca deixou de denunciar esta ação da Aliança para oProgresso e, segundo Moacyr de Góes, propôs “uma escola brasileira com dinheiro brasileiro”. Em vez dos dólares, ele recebeu 50 mil cruzeiros do então Ministro da Educação, Paulo de Tarso, e com esse dinheiro foram construídos o Centro de Treinamento de Professores, na região do Baldo, e algumas poucas escolas de alvenaria nos bairros.

A REPRESSÃO

Toda essarica experiência de educação c de participação popular em Natal foi interrompida pelo golpe de 31 de março de 1964. Djalma foi pressionado pela repressão para renunciar, mas não o fez. A Prefeitura foi invadida e o prefeito preso. No quadro estadual, houve centenas de prisões na área rural (sindicatos c Ligas Camponesas), Correios, estrada de ferro, meio estudantil, sindicatos urbanos e na Prefeitura natalense. Nesta última, osetor mais atingido foi a Secretaria de Educação. Entre março e abril, foram presos o secretário Moacyr de Góes, o diretor de ensino Omar Fernandes Pimenta, a chefe de documentação Mailde Ferreira de Almeida, a diretora do CFP Margarida de Jesus Cortez, o diretor do Colégio Estadual Genilberto Paiva Campos, a vice-diretora do CFP, Maria Diva da Salete Lucena, o chefe de gabinete e ex-presidente da CFP, Francisco Floripes Ginani, o responsável pela interiorização da campanha, Josemá Azevedo, opresidente do Comitê Nacionalista das Rocas e responsável pelo sistema Paulo Freire na Colónia dos Pescadores, José Fernandes Machado, oprofessor do CFP e Presidente da União Estadual dos Estudantes – UEE, João Faustino Ferreira Neto.

Muitos outros colaboradores da Campanha também foram presos: Luiz Maranhão Filho, Aldo da Fonseca Tinoco, Luiz Gonzaga dos Santos, Hélio Xavier de Vasconcelos, Evlin Medeiros, Carlos Alberto de Lima, Maria Lali Carneiro, Nei Leandro de Castro, José Arruda Fialho, Paulo Frassinetti de Oliveira, Eurico Reis, Guaracy Queiroz de Oliveira, entre outros.

Outro importante educador, Marcos José de Castro Guerra, responsável na área do Estado pela experiência Paulo Freire em Angicos, foi preso nada menos de oito vezes, entre abril e dezembro de 1964.

O interrogatório dos presos — e a investigação de “comunismo” — foram feitos por dois policiais pernambucanos, Carlos Moura de Moraes Veras e José Domingos da Silva — nomeados pelo governador Aluízio Alves, através do decreto publicado em 17 de abril de 1964, no Diário Oficial e republicado no dia 29. Segundo constava na época, os policiais haviam feito curso nos Estados Unidos no FBI, o Federal Bureau of Investigation, ou Departamento Federal de Investigação.

Com o Golpe Militar de 1964, todas as atividades da Campanha foram encerradas. Com a deposição e prisão de Djalma Maranhão, assumiu como prefeito de Natal Tertius César Pires de Lima Rebelo, um oficial da Marinha do Brasil. Na sequência foram criadas várias comissões de inquérito especificas para a Secretaria de Educação.

Outros inquéritos civis e militares foram iniciados, os líderes da Campanha indiciados e presos, e seus materiais, documentos e parte da infraestrutura foram destruídos. Desse modo, teve fim uma das mais importantes propostas de democratização da Educação formal durante o século XX em Natal. Ao ser destruída pelo Golpe Militar, a Campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler já tinha alfabetizado vinte e cinco mil crianças somente em Natal.

MAIS SOBRE A CAMPANHA “DE PÉ NO CHÃO TAMBÉM SE APRENDE A LER” VEJA NO TOK DE HISTÓRIA – https://tokdehistoria.com.br/2013/04/21/de-pe-no-chao-tambem-se-aprende-a-ler/