O Patrimônio Arqueológico brasileiro conta agora com um bem de valor único: o Sítio do Serrote do Letreiro, no Vale dos Dinossauros, em Sousa, sertão da Paraíba. Trata-se do primeiro sítio no mundo em que foram encontradas pegadas fossilizadas de dinossauros em afinidade com a arte rupestre de povos pré-coloniais, criada milhões de anos depois da existência daqueles animais, o que indica que essas populações reconheceram esses registros fósseis e os assimilaram em seus desenhos e sua expressão simbólica.
A descoberta foi publicada em março de 2024 na revista científica internacional Scientific Report, do portfólio Nature, em artigo dos arqueólogos Heloísa Bitú e Leonardo Troiano e dos paleontólogos Aline Chilardi e Tituo Aureliano, e levou ao recente recadastramento do sítio pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Os sítios arqueológicos já são legalmente protegidos pela Lei 3.924/61, mas a inclusão de informações sobre estes bens no Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão (SICG) é fundamental para que o Iphan tome conhecimento do bem e realize a sua gestão.
O Instituto pode tomar ações próprias para a sua preservação, como a fiscalização do bem, o monitoramento do seu estado de conservação, indicação de medidas para sua proteção e, eventualmente, sua restauração. E realizar também sua socialização, como a exploração turística e a extroversão, aproximando o bem arqueológico e a sociedade.
Nas palavras de Larissa Araújo, arqueóloga do Iphan na Paraíba, a raridade do sítio faz com que ele ocupe destaque internacional e aumenta a importância de que seja garantida sua integridade, na medida em que é um testemunho excepcional da ocupação da região do sertão paraibano e das relações culturais dos grupos entre si e com o ambiente ao redor. O Iphan zela pela proteção e pela garantia de preservação desse bem para gerações futuras. A pesquisa destaca o interesse e a apropriação de registros fósseis por aquelas populações, e isso milhares de anos antes da formação dos campos científicos da paleontologia e da arqueologia em sociedades europeias.
No Serrote do Letreiro foram registradas pegadas de dinossauros terópodes, saurópodes e ornitópodes de aproximadamente 140 milhões de anos atrás. Destes, os vestígios dos dois primeiros grupos foram encontrados lado a lado com as artes rupestres dos povos pré-coloniais, jamais sobrepostas pelos desenhos e sem que tenham sofrido qualquer alteração por parte daquela população.
Para os autores do artigo, ainda que não tivesse a compreensão do que haviam sido os dinossauros, extintos milhões de anos antes, aquele agrupamento humano percebeu tais marcas como pegadas e com elas interagiu de modo intencional, possivelmente por suas semelhanças formais com as das emas – maior ave do Brasil.
O significado das gravuras ainda é desconhecido. Os povos indígenas da região observaram essas pegadas fossilizadas e entenderam, à sua maneira, que eram importantes de alguma forma, se não, não teriam dedicado tempo, energia e recursos na criação desta arte rupestre em pleno sertão paraibano, tese reforçada pela arqueóloga pesquisadora Heloísa Bitú, da Fundação Casa Grande. Tais achados confirmam que os povos indígenas antigos produziram conhecimento a respeito dos fósseis e desconstroem a narrativa que tira a legitimidade dos saberes e das descobertas feitas pelos povos americanos pré-coloniais, tratados como não científicos.
Foi num sábado de primavera que de Natal partimos em direção ao sertão do padre Cícero Romão Batista. Na tripulação de quatro amigos (DaMata, Abimael, Homero e Antonio Medeiros), nenhum beato ou devoto do Padim Ciço.
Desde pequeno ouvimos nossos pais e avós falarem das romarias ao Juazeiro do Norte – A Meca do Nordeste. Sempre desejei fazer essa viagem assim como quem tem uma dívida com a sua cultura. Das promessas feitas e das graças alcançadas em tempos de privações e doenças por muitos familiares e amigos. Até os dias atuais essas romarias não arrefeceram e milhares de pessoas continuam fazendo a mesma peregrinação em direção ao Juazeiro onde está situado grande monumento do famoso padre do nordeste brasileiro.
A viagem ao cariri cearense foi feita via Caicó-RN, passando por Brejo do Cruz e Catolé do Rocha, na Paraíba. Terras-origens-cantadas pelos paraibanos Zé Ramalho e Chico César. Depois Sousa – terra dos Dinossauros – e, Cajazeiras. Viagem por um sertão profundo, cheio de mistérios e arcanos indecifráveis. Reserva cultural de um povo atencioso e pronto para qualquer informação. O Cariri Novo, de grandes engenhos de açúcar, beatos, cangaceiros, coronéis e rica cultura popular.
Vale dos Dinossauros, Sousa, Paraíba – Fonte – gestao.patrimoniodetodos.gov.br
O Vale dos Dinossauros
Indo ao nordeste do Brasil e passando em Sousa ( Pb), é obrigatória a visita ao Lajedo da Passagem de Pedras, onde fica situado o famoso “Vale dos Dinossauros” com as pegadas deixadas por dinossauros que habitavam essa região alagada. A visita é melhor ainda se for acompanhada pelo guia Robson Araújo Marques, o “Velho do Rio”. Robson é um norte-rio-grandense, nascido em Florânia e há 35 anos trabalhando nesse importante sítio arqueológico que precisava ser melhor preservado e estudado. Seu avô Anísio Fausto da Silva indo em busca de animais perdidos, descobriu essas importantes pegadas e denominou “Rastro do Boi e da Ema”. Analisada depois por paleontólogos descobriu-se que aqueles rastros que impregnaram os lajedos da “Passagem das Pedras” eram fabulosos rastros de gigantes dinossauros que por ali passeavam e caçavam há milhões de anos.
A Cajazeiras do Padre Rolim
Em Cajazeiras o encontro marcado com o amigo e historiador Francisco Pereira. Um grande estudioso do Cangaço e da cultura nordestina. A paixão de Pereira por esses temas o levou a colecionar e comercializar livros referentes ao Cangaço, Canudos e cultura nordestina. Conversar com o simpático amigo professor Pereira é uma viagem por essa rica cultura de beatos, coronéis e cangaceiros. Já o conhecia via internet e foi uma alegria conversar pessoalmente com ele e comprar uma dezena de livros sobre o nordeste profundo, seus costumes e crenças.
Pergunto ao Pereira sobre o filme “O Sonho de Inacim”, e ele diz que não gostou. Não gostou das liberdades do filme que poderia ser um belo documentário, e não é. Não gostou do pai do menino como cantor brega e achou – como historiador- que o filme presta um péssimo serviço à memória historiográfica nacional ao filmar o padre Rolim num colégio num colégio diferente daquele criado e mantido pelo pioneiro educador Rolim.
“O Sonho de Inacim” – O filme sobre o Padre Rolim
Duzentos anos após o nascimento do padre Ignácio de Sousa Rolim, nascido em 22 de agosto de 1800, o filme o “Sonho de Inacim” resgata a história desse “Educador do Sertão” que viveu na cidade de Cajazeiras, Pb, onde fundou um colégio. O menino Inacim sonha tendo contato com o Pe Botânico e sofre muitas discriminações. Expulso da escola vai para o psicólogo, médico, lançadora de Búzios e deixa a todos perplexos com os seus poderes para-normais. O menino vira celebridade na pequena cidade de cajazeiras já dominada por traficantes. Todas as revelações do menino Inacim são depois confirmadas pelo biógrafo do Pe Rolim, Padre Heliodoro Pires, que escreveu o importante “Padre Mestre Ignácio Rolim”, onde narra o pioneirismo do Pe Rolim no ensino da região da Paraíba. Rolim foi o melhor professor de Grego em seu tempo e a Paraíba teve que lutar para não perder o mestre para Olinda- PE.
O naturalista Pe Rolim de descendência francesa escreveu os importantes livros “Extracto de Gramática Grega” e “Noções de História Natural”, onde descreve a fauna e flora do Sertão. Do colégio fundado pelo Pe Sábio saíram alguns dos maiores sacerdotes e personalidades do Brasil: O controvertido Padre Cícero Romão Batista, o Cardeal Arcoverde (Primeiro cardeal da América Latina), Peregrino de Araújo (Governador da Paraíba 1900-1904), Irineu Joffily (historiador, jornalista e advogado Paraibano) e outros.
Um belo filme dirigido por Eliezer Filho que resgata a fundação da cidade de Cajazeiras na Paraíba (terra do diretor). A importância na nossa formação e cultura dos padres que aqui chegaram. Um belo elenco, fotografia e a música do Chico César. O som das vozes (mesmo em Dolby) não está muito bom.
José Wilker (sempre o mesmo) fez o Pe Rolim. Completa o elenco a excelente Marcelia Cartaxo, como mãe do menino Inacim (Gabriel Batistuta). E o excelente (meu voto de melhor ator) José Dumont – o Miguel do Jegue – toma uma cachaça amuada. O cantor brega Zé das Antas (Fubá) – o pai do menino – deixa a sua mãe e é suspeito de envolvimento com drogas.
Onde estão os restos mortais do padre Rolim, querem saber as autoridades da cidade para comemorar em grande estilo o seu bicentenário em 2000. Ninguém sabe. Inacim diz que o Padre está vivo. Claro, ele está sempre vendo o sacerdote professor e fala com o padre. Vê seu belo museu, etc.
Padre Ibiapina – o “Taumaturgo da Caridade”
Padre Ibiapina nasceu na cidade de Sobral (Ceará) em cinco de Agosto de 1806, seis anos após o nascimento do padre Rolim. Foi um grande peregrino do sertão nordestino e criador de inúmeras casas de caridade. Multidões seguiam seus ensinamentos de amor ao próximo, Mulheres eram acolhidas em suas 22 casas de caridades (dez só na Paraíba) deixadas por ele no Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Piauí e Ceará.
O padre Ibiapina foi o precursor de um catolicismo popular, inspirador de Antonio Conselheiro, Padre Cícero e de muitos outros padres, beatos ( Gedeões) e missionários. Um grande educador do nordeste deixou marcas profundas num séquito de fiéis seguidores, Nas casas de caridades as mulheres abrigadas aprendiam a ler, a contar, Aprendiam cozinhar, artesanar e recebiam também uma educação religiosa e moral. Quantos recém-nascidos não foram deixados na “ Roda dos Enjeitados” ou Expostos e abrigados pelas caridosas do padre educador da Paraíba e de todo nordeste brasileiro.
Padre Ibiapina realizou missões, organizou o povo humilde pólvora dos coronéis, conciliou intrigas, levantou e restaurou igrejas e capelas. Construiu em mutirões, o refrigério do nordeste: açudes, cacimbas e barragens.
O escritor e amigo Bartolomeu ganhou de herança e forneceu a um amigo uma bandeira daquelas usadas nas missões evangelizadoras do grande padre Ibiapina.
No dia 19 de fevereiro de 1883 falece o apostolo Ibiapina e seu tumulo está situado em Santa Fé, Paraíba.
Padim Ciço
O destino motivador da nossa viagem era o Juazeiro do padre Cícero Romão. Juazeiro, árvores que abriga o nordestino do sol inclemente, Já do hotel avistávamos a grande estátua do nosso Padim Ciço. A chegada ali foi coberta de grande emoção e sentimentos que amolecem o coração mais empedernido. Centenas e centenas de ônibus trazem os penitentes numa segunda feira imprensada, véspera do feriado da padroeira do Brasil. Tudo na cidade vive em função do padre Cícero e de suas pregações seguidas por uma multidão de fieis de todo o Brasil. Nordestinos eternamente pregados na cruz de uma terra seca e um sol inclemente.
Padre Cícero Romão Batista
Subimos a serra do horto cheio de penitentes e vendedores da fé, Imagens, fitas do padim Santo e velas para acender e rezar. Ouvem-se muitas rezas e loas em homenagem ao santo do nordeste.
Na casa de orações – ao lado – muitos ex-votos de madeira e fotos, A estátua do padre Cícero ao lado da beata Maria de Araújo, que em 1891 deixou a todos estupefatos quando a hóstia ficou vermelha em sua língua.
Romeiros com suas túnicas marrons, A ordem dos penitentes com seus costumes medievais e seguidores que se flagelam e entoam benditos. Tudo isso compõe um cenário de fé e de uma cultura viva, para alem das discussões acadêmicas sobre a beatitude e comportamento coronelístico do padre Cícero.
Multidões sobem as escadas para chegar mais perto da estátua do padre. Estátua que olha e abençoa o Cariri e seus devotos. Subo também e fico comovido com tanta fé e adorações. Assino meu nome no pé da estátua gigante. Muitos outros assinam formando um manto de letras e preces abençoadas pelo sacerdote nordestino.
Desço e digo para os meus amigos que ficaram em baixo que me sinto purificado. Um responde que estar cansado. Outro diz que tem sede.
É hora de voltar. Promessa cumprida. Muitos pedintes aproveitam para receber um dízimo dos beatos que rezam, pagam promessas e pedem pelos seus entes vivos e mortos.
Trilha fossilizada no Vale dos Dinossauros, no município de Sousa – Fonte – Fabio Colombini
REGISTROS DO CRETÁCEO – ALGAS AJUDARAM A PRESERVAR
PEGADAS DE DINOSSAURO NA PARAÍBA
IGOR ZOLNERKEVIC | Edição 209 – Julho de 2013 – Revista de Pesquisa da FAPESP
Para quem quiser deixar uma marca duradoura de sua existência na Terra, fica a dica: caminhe à beira de um lago, onde houver lama ou areia fina e molhada, coberta de limo. Centenas de dinossauros fizeram isso, e suas pegadas permanecem intactas, gravadas nas rochas do sertão nordestino, no município de Sousa, interior da Paraíba, graças à ação das algas verdes e azuis do limo onde pisaram há mais de 100 milhões de anos.
A conclusão é dos paleontólogos Ismar Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Giuseppe Leonardi, do Instituto Cavanis, em Kinshasa-Ngaliema, na República Democrática do Congo. Em parceria com o geólogo Leonardo Borghi, da UFRJ, eles apresentaram, em artigo publicado em maio deste ano na revista Cretaceous R esearch, a primeira prova material da importância do limo na preservação de pegadas fósseis. O filme gelatinoso criado pelos microrganismos crescendo sobre a lama pisada teria impedido que as pegadas fossem apagadas pelo vento e pela chuva, antes que ela endurecesse e fosse recoberta por uma nova camada de sedimento que a protegeria da erosão.
“É incrível como microrganismos ajudaram a registrar a vida de alguns dos maiores animais que já viveram”, comenta Leonardi, considerado um dos principais especialistas em icnologia, o estudo de marcas deixadas por animais extintos, os chamados icnofósseis, para determinar sua postura e comportamento. Foi por meio de pegadas, por exemplo, que os paleontólogos deixaram de montar incorretamente os esqueletos fósseis nos museus.
Foto realizada pelo autor do blog TOK DE HISTÓRIA em 1994
Antigamente achava-se que os dinossauros andavam como os crocodilos, arrastando o ventre e a cauda no chão. As pegadas, no entanto, mostram que as criaturas andavam com a cauda e corpo suspensos, com seu peso distribuído igualmente sobre as patas.
As pegadas de Sousa foram descritas pela primeira vez em 1924, pelo engenheiro de minas Luciano Jacques de Moraes. O estudo dessas marcas, entretanto, só começou em 1975, quando Leonardi passou um ano explorando a região. Nascido na Itália em uma família de geólogos e paleontólogos, Leonardi, 74 anos, sempre dividiu seu tempo entre a carreira de pesquisador e a de padre católico. Ele se prepara para lançar um livro sobre Sousa, escrito em colaboração com Carvalho, ao mesmo tempo que atua na educação de crianças no Congo.
As rochas de Sousa se formaram a partir de sedimentos acumulados em um vale aberto no início da separação entre a América do Sul e a África, no começo do chamado período Cretáceo. Entre 142 milhões e 130 milhões de anos atrás, o vale abrigava rios e lagos, atraindo a fauna da região. Sua lama transformada em rocha registrou a passagem de quase 400 indivíduos — dinossauros, crocodilos, sapos e tartarugas. Também há marcas de ondulações produzidas por água corrente e até pequenos buracos criados por gotas de chuva.
Cenas do passado
Não há, porém, ossadas fósseis em Sousa, ao contrário do que ocorre na bacia sedimentar vizinha do Araripe, no Ceará, local da descoberta de muitos dinossauros do Cretáceo. Leonardi explica que os sedimentos e o ambiente das bacias eram distintos. O ambiente mais ácido de Sousa corroía os ossos, enquanto no Araripe enxurradas arrastavam e soterravam rapidamente as carcaças dos animais, mantendo os ossos em condições favoráveis à petrificação.
“Em geral, os fósseis são registros da morte, enquanto as pegadas são registros da vida”, afirma Carvalho. Dificilmente as pegadas permitirão identificar a espécie do animal que as produziu. Mesmo assim, os pesquisadores conseguem classificá-las de acordo com certos grupos de dinossauros e, em locais onde há muitas delas, podem reconstruir cenas do passado.
Fonte – ARIEL MILANI MARTINE
O cotidiano dos dinossauros de Sousa lembra a vida dos grandes mamíferos das savanas africanas de hoje. Há trilhas feitas por bandos numerosos de saurópodes, imensos herbívoros quadrúpedes, semelhantes aos brontossauros. Em certo local é possível notar que um saurópode adulto diminuiu sua marcha para acompanhar o passo de um filhote. Em outros pontos, esses bandos são perseguidos por pequenos grupos de terópodes, carnívoros bípedes parecidos com tiranossauros ou velocirraptores. Mais ativos que os herbívoros, os terópodes deixaram mais pegadas registradas, apesar de provavelmente terem sido em menor número.
“Essas marcas são estruturas tão delicadas, tão fáceis de serem apagadas pelas intempéries”, diz Carvalho. “Queríamos entender como foram preservadas.” Segundo ele, os pesquisadores costumavam concordar que, para as pegadas serem preservadas, bastava que o sedimento onde estavam impressas tivesse certas características especiais. Ele deveria ser fino, úmido e plástico na medida certa, como a argila. Todos os estudos experimentais feitos até agora, porém, demonstram que isso muitas vezes não é o suficiente.
De uma década para cá, começaram a aparecer evidências de que as pegadas menos erodidas são aquelas cobertas por limo. Em 2009, por exemplo, um grupo de arqueólogos suíços observou exatamente isso ao estudar o endurecimento de pegadas humanas impressas há poucos anos na beira de lagos no Caribe e no Oriente Médio. Carvalho notou algo semelhante na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro. Outros paleontólogos começaram a suspeitar de que as chamadas esteiras microbianas que compõem o limo funcionariam como uma cola entre os grãos do sedimento, preservando os traços das pegadas, além de os protegerem contra o vento e a chuva. Os microrganismos ajudariam ainda na petrificação, acumulando o cálcio que endurece o sedimento.
Carvalho e seus colegas descobriram a primeira evidência material do fenômeno ao analisarem ao microscópio as lâminas de rochas extraídas de um poço na Fazenda Cedro, em Sousa. Encontraram várias camadas de microbialitos, um tipo de rocha formado a partir dos restos de esteiras microbianas do Cretáceo.
Outra evidência indireta é a presença em Sousa de fósseis de conchostráceos, um crustáceo protegido por duas conchas, aparentado de caranguejos e camarões. Os conchostráceos existem até hoje e quase nunca ultrapassam meio centímetro de comprimento. Uma das espécies de Sousa, porém, atinge 4,5 centímetros. Carvalho acredita que os conchostráceos de Sousa cresceram tanto por conta do ambiente de águas quentes, calmas e ricas em nutrientes que favoreceram a proliferação das esteiras microbianas nas margens dos lagos onde os dinossauros pisavam.
Foto de uma reprodução de um dinossauro. Realizada pelo autor do blog TOK DE HISTÓRIA em 1999
Mais limo, mais detalhes
As pegadas mais ricas em detalhes, que vistas bem de perto revelam de marcas de unhas a ranhuras da planta das patas e dos dedos, seriam aquelas formadas onde as esteiras teriam crescido mais. O limo teria ajudado a preservar também as rebordas que aparecem em volta de algumas pegadas. As rebordas são feitas da lama espirrada quando o animal pisou e podem informar seu peso.
Além do sedimento argiloso e das esteiras microbianas, os ciclos de deposição dos sedimentos seguindo as estações secas e chuvosas também ajudou a preservar as pegadas em Sousa. Pegadas eram gravadas e endurecidas durante a estação seca, para então serem enterradas por uma nova camada de sedimento trazida pelas chuvas. A nova camada serviria então de substrato para gravar mais pegadas na estação seca seguinte. Em um local conhecido como Passagem das Pedras, em Sousa, Leonardi escavou 25 dessas camadas com pegadas, produzidas por variações cíclicas na borda de um lago.
Carvalho, cuja pesquisa tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), espera agora examinar lâminas de rochas de outros lugares do mundo com pegadas fósseis. O maior deles fica em Sucre, na Bolívia. “Tenho quase certeza de que os microbialitos estão presentes lá”, diz.
Foto de uma das trilhas feitas pelos dinossauros em Sousa, realizada pelo autor do blog TOK DE HISTÓRIA em 1994
“As esteiras microbianas estão na moda”, comenta o paleontólogo Marcelo Adorna Fernandes, da Universidade Federal de São Carlos, cujo laboratório possui a maior coleção de icnofósseis do país, muitos deles coletados no interior paulista, principalmente em Araraquara, onde foram descobertas pegadas até em rochas das calçadas da cidade. Fernandes conta que espera analisar em breve o que ele acredita ser rastros deixados por invertebrados ao rasgarem esteiras microbianas crescendo no fundo dos lagos glaciais, que deram origem às rochas sedimentares conhecidas como os varvitos de Itu.