Autor – Rostand Medeiros
Este é um artefato que funciona como verdadeiro distintivo do Nordeste e do nordestino. Creio que talvez não existe um material com um aspecto tão forte em termos de identidade, tão representativo do nosso sertão do que o belo e tradicional chapéu de couro.
Um Material Com Fins Práticos
A pecuária, a criação de gado no interior da atual Região do Nordeste do Brasil foi o primeiro grande fator de geração de renda e permanência do homem nesta região árida. Da atividade de criar o gado se obtinha a carne para alimentação, o leite e em seguida o couro, que era utilizado de diversas maneiras nas propriedades rurais. Em algumas fazendas se desenvolveram rústicos curtumes, que serviram para transformar o couro em mais um meio de geração de renda. Certamente foi nestes locais que se iniciou a tradição da manufatura dos chapéus de couro.
Este tradicional artefato nordestino inicialmente serviu basicamente para fins práticos, principalmente como parte da indumentária de proteção dos vaqueiros.
Além de primariamente servirem para proteger a cabeça dos sertanejos do inclemente sol e das chuvas temporárias, igualmente era utilizado para proteger seus usuários das ervas espinhosas da vegetação de caatinga, juntamente com o gibão e a perneira.
Mas apesar da designação comum, os chapéus de couro não possuíam um formato único. Variavam imensamente conforme a localidade do vaqueiro, servindo até mesmo como um identificador de sua proveniência.
Muitos acreditam que o tradicional chapéu de couro nordestino foi criado pelos cangaceiros. Mas isso não é verdade!
Entretanto devemos a estes bandoleiros das caatingas a transformação deste material em uma peça característica extremamente marcante na história deste movimento. Os cangaceiros faziam questão de colocar várias moedas (talvez para mostrar o apurado dos saques?), santinhos, cruzes, estrelas e outros símbolos, criando peças únicas em termos de estética e simbologia.
Fabricação Nada Fácil
Fabricar os tradicionais chapéus de couro nordestinos não é nada fácil. Primeiramente o couro do animal é levado para o curtimento vegetal. Lá ele é tratado, onde pode permanecer cru, com ou sem pelo, ser tingido, ou não.
Na segunda parte do processo o couro é cortado, dependendo das medidas determinadas, sendo tudo geralmente produzido à mão por jovens artesões.
Depois do corte o couro é molhado para ficar mais elástico e assim ser colocado em moldes. É lá que eles ganham forma e vão para a secagem. Esse processo depende da temperatura ambiente e pode durar de duas horas ou mais. Como chove pouco no sertão nordestino, isso não é um grande problema.
Em seguida o chapéu ganha a aba que vai proteger o rosto do vaqueiro. As oficinas fazem o tamanho das abas de acordo com o gosto do comprador, mas na Paraíba elas se caracterizam por serem curtas, já em algumas regiões da Bahia ela costuma ser maior.
A última etapa é a costura. Primeiro o material vai para a máquina de costura reta receber o acabamento. Mas os desenhos e aplicações ficam por conta da máquina manual, que apesar de ser mais trabalhosa é quem vai dar riqueza de detalhes ao chapéu de couro.
Todo esse trabalho, realizado por abnegados artesões, no meu entendimento o que mais valoriza este rico material.
Identidade Cultural
No meu entendimento foi a partir do sucesso de Luís Gonzaga no Sudeste, que utilizava vários modelos de chapéu de couro em suas apresentações, como marca de sua origem nordestina, estes acessórios passaram gradativamente a ser utilizado como símbolo da vida sertaneja e do homem nordestino. Alem do Velho Lua, estas verdadeiras coroas nordestinas foram, e ainda são, utilizadas por gente do nível de Dominguinhos, Santana e tantos outros verdadeiros cantadores nordestinos.
Entretanto, artistas que atualmente se dizem “forrozeiros”, que infelizmente são oriundos do próprio Nordeste, não utilizam mais em suas apresentações estes artefatos característicos.
Que eles não queiram usar estes símbolos nos grandes palcos é problema deles. Até aí tudo bem, gosto não se discute!
Mas o que se lamenta aqui é esse pessoal, travestidos de “modernos”, menosprezarem não apenas o velho e autêntico chapéu de couro, mas toda uma secular e tradicional cultura criada na região.
No meu entendimento o pior é que estes “artistas”, junto com a sua perniciosa e maciça “indústria cultural”, tentam de todas as formas mostrar a cultura tradicional nordestina como algo decadente, ultrapassada, sem serventia e em desuso. Estes seguem propagando músicas de extremo mau gosto, baixo nível e cantadas por gente que no máximo deveria utilizar suas vozes para vender jerimum na feira (com todo respeito aos feirantes).
A coisa é tão forte e o jogo é tão sujo que cheguei a ponto de perceber que aqueles que decidem utilizar um chapéu de couro em algumas regiões do próprio sertão nordestino são vistos de forma jocosa e com um olhar que fica entre o espanto e o mais completo escárnio. Interessante que há tempos atrás eu percebia isso apenas nas capitais.
Apesar desta questão, o bom e velho chapéu de couro está firme e forte na cabeça daqueles nordestinos que valorizam a cultura tradicional de sua terra. Até mesmo como símbolo de resistência cultural.
E a melhor notícia é que a produção destes belos artefatos está tendo continuidade.
Resistência e Continuidade
Certamente que a maioria destes “artistas” não possuem capacidade mental de perceberem a beleza da arte que está por trás das tradicionais vestimentas e acessórios dos nossos vaqueiros. Verdadeiras obras de arte produzidas com maestria, por quem abraça um artesanato digno de exportação.
Não posso negar que em toda a região não são muitos os artesões envolvidos no processo de fabrico do tradicional chapéu de couro. Mas, para a sorte dos que valorizam a autêntica cultura nordestina, temos verdadeiros Mestres produzindo e ensinando a sua arte aos seus filhos e netos pelo Nordeste afora.
Este é o caso dos descendentes de Antônia Maria de Jesus, a conhecida “Totonha Marçal”, que continuam a manter a tradição no trabalho com chapéus de couro no Distrito da Ribeira, no município de Cabaceiras, Paraíba. Inclusive este município do Cariri Paraibano, situado a 180 Km de João Pessoa, capital da Paraíba, é atualmente o maior produtor de chapéus de couro do Brasil.
Temos em Salgueiro, Pernambuco, mais precisamente na Fazenda Cacimbinhas (a 14 quilômetros do centro da cidade), o exemplo de uma família que há um século perpetua o ofício de transformar pedaços de couro em peças artesanais que conquistaram personalidades do mundo artístico e da política brasileira. Tudo começou em 1909 com Mestre Luiz, depois passou o oficio para seu filho, o conhecido Zé do Mestre. Este chegou a fabricar vestimentas (só gibões) para o amigo Luiz Gonzaga, o ex-presidente Médici, o rei Juan Carlos da Espanha e até para o Papa João Paulo II, em sua última visita ao Brasil. Atualmente a arte está preservada e nas mãos de seu filho Irineu Batista, mais conhecido como Irineu do Mestre.
Já em Ouricuri, também em Pernambuco, temos o Mestre Aprígio e o seu filho Romildo, que trabalham juntos mantendo a tradição. Mestre Aprígio tem orgulho em exibir pelas paredes de sua oficina, que outro denominam acertadamente de ateliê, as fotos que contam a história do artesão que começou a trabalhar aos 24 anos de idade. Já são mais de 50 anos de profissão e criatividade produzindo chapéus de couro, gibões e bolsas personalizados.
Evidentemente que não posso esquecer de Espedito Velozo de Carvalho, o Mestre Espedito Seleiro, de Nova Olinda, no Ceará. Ele tinha oito anos de idade quando começou a ajudar o pai em sua oficina. As histórias que ouvia quando criança eram célebres: foi o pai quem criou as sandálias do cangaceiro Lampião. Com o passar dos anos Mestre Espedito só cresceu na qualidade do seu trabalho, chamando a atenção de estilistas do Sudeste do país e foi ele que assinou as peças que o ator Marcos Palmeira usou no filme “O Homem que Desafiou o Diabo”, de 2007.
Eu acho muito bonito quem, mesmo que se abra para outras culturas, tem orgulho de sua terra e de sua identidade cultural. Para mim, junto com a bondade ao próximo e a humildade, é o tipo de situação que torna um outro ser humano verdadeiramente digno de respeito.
Sendo assim, não posso negar que fico muito feliz quando vejo alguém utilizar o bom e velho chapéu de couro nordestino. Quando eu encontro uma pessoa utilizando este tipo de material, penso que a cultura da minha terra ainda resiste em meio a um mar de muita mediocridade.
Eu também tenho os meus chapéus de couro (3) e tenho muito orgulho de utilizá-los, pois tenho a sorte de ser nordestino e amar minha região.
FONTES……………………………………………………………………………………………….
INTERNET
http://sg10.com.br/noticia/colunasespeciais/2014/9/artesao-salgueirense-mantem-tradicao-secular.html
http://tecendotexto.blogspot.com.br/2010/07/chapeu-de-couro-o-capacete-do-vaqueiro.html
http://ribeiradoriotaperoa.blogspot.com.br/2012/02/o-couro-ontem-e-hoje-na-ribeira.html
http://www.lilianpacce.com.br/e-mais/espedito-seleiro/
LIVROS
FREYRE, G. Vida Social no Brasil nos Meados do Século XIX. Recife: Artenova, 1977.
PERICÁS, L. B. Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica. São Paulo: Boitempo, 2010.
VIANNA, L. C. R. Bezerra da Silva, produto do morro: trajetória e obra de um sambista que não é santo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
Prezado Rostand, meu nome é Bruno Peixoto, sou alagoano e nordestino com muito orgulho.
Temos uma confraria de cervejeiros em Maceió e organizamos encontros, treinamentos e confraternizações em torno da cultura cervejeira. Um desses eventos, é a Ôxetobefest, uma festa estilo oktoberfest, mas com um tempero nordestino, onde tentamos misturar a cultura mundial da cerveja com a cultura nordestina. Tanto que o símbolo principal do evento é o chapéu de couro.
Quero publicar um artigo no blog do evento falando sobre o chapéu de couro e convocando os participantes a levarem o seu e gastaria da sua aturoização para usar trechos deste seu artigo, dando todos os créditos, claro, e fazendo referência ao seu blog.
O que acha?
A página do evento é http://oxetoberfest.com.br. Veja a peça que já divulgamos chamando o pessoal para usar chapéu de couro durante o evento em https://www.instagram.com/p/BLhP-hgAwWL/?taken-by=beermoon.br
Ficaria muito grato e feliz se você nos desse a autorização. Vamos resgatar o rogulho de usar chapéu de couro!
Meu email é bruno@beermoon.com.br.
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Já está autorizado nobre Bruno e parabéns pelo trabalho.
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Adorei teu texto e vamos sim valorizar nossa terra. Vou usar meu chapeu de couro aqui no Rio de Janeiro! =D
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REALMENTE É MUITO TRISTE A DESVALORIZAÇÃO DA CULTURA NORDESTINA AQUI NO PRÓPRIO NORDESTE. O PODER PÚBLICO E AS MÍDIAS DEVIAM RESGATAR ISSO,MAS VEMOS QUE NÃO EXISTE INTERESSE.
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Texto muito lindo! Ao mesmo tempo em que mostra a força do nordestino e persistência em manter a nossa cultura é cheio de poesia, sentimentos, romantismo. Adorei! Parabéns, Sr. Rostrand!
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Vi um documentário que fala da origem deste chapéu, ele vem da Kipá o chapéu que os judeus usam na cabeça, é uma adaptação da Kipá, por causa dos Marranos e Anussins que se esconderam da inquisição no agreste de Pernambuco e Paraiba.
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Obrigado pelo ótimo texto!
Estou curioso sobre a origens e significados dos adornos nos chapéus que são mais popularmente conhecidos como os de “cangaceiro”, como estrelas e outras formas… Estou pesquisando o tema, algum palpite? Haha
Abraço!
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Esse chapéu tem origem nos chapéus dos próprios vaqueiros, existe até uma pintura antiga dos “encourados de Pedrão” onde tem os vaqueiros usando chapéus com um estilo de moeda no meio
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Cultura tem que ser conservada
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Adorei! Tenho um chapéu herdado da vó da minha melhor amiga, vou olhá-lo com atenção !!
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Seria interessante falar dos vaqueiros da Bahia, pois foi lá que surgiram esses vaqueiros que se vestem de couro
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Belíssimo artigo! Pena que nossa cultura e tradições estejam sendo relegadas a segundo plano. Em pleno mês de junho, as cidades nordestinas valorizam mais artistas carnavalescos que forrozeiros. Quem ama a cultura nordestina, desse povo forte, precisa resistir e cultuar suas raizes, valorizar a história do seu sangue talhado nas areias da caatinga. Sou alagoano de Maceió, mas com um pé na fazenda Caldeirão, em Pindoba. Salve minha vó D. Iracema!
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