1941 – SÓ UM VOLTOU… E PASSOU PELO RIO, RECIFE E NATAL

A Interessante História do Piloto da Luftwaffe Franz von Werra, o Único Prisioneiro de Guerra Alemão Que Conseguiu Voltar Para a Sua Pátria. E no Caminho Dele Estava o Brasil. Uma Vitória da Espionagem Nazifascista em Nosso País e Como Eles Enganaram a Polícia de Getúlio Vargas..

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Franz von Werra, cujo nome original era François Gustave von Werra, nasceu em Leuk, no cantão suíço de Valais, em 13 de julho de 1914. Era filho do Barão Leo von Werra, um nobre empobrecido devido a decadência econômica dos seus negócios.

Quando a família perdeu as finanças, seu pai confiou a educação de Franz e de sua irmã Emma à família da Baronesa von Haber, uma representante autorizada da aristocracia alemã. Eles cresceram na casa Haber e o menino mudou seu nome, tornando-se Franz von Werra.

Franz von Werra

Em 1936, após a sua formatura, Werra alistou-se na Luftwaffe, a Força Aérea da Alemanha de Hitler. Obteve sua licença de piloto em 1938 e foi designado para um esquadrão de caça. Com a eclosão da Segunda Guerra, Werra e a sua unidade participam da conquista da França e em maio de 1940 ele derruba sozinho dois bombardeiros franceses e é condecorado com a Cruz de Ferro. Consta que teria destruído mais duas aeronaves inimigas.

Desenho com o esquema de cores do caça Messerschmitt ME 109 do tenente Werra.

A Autopromoção de Um Piloto de Caça.

Durante a Batalha da Inglaterra, quando os pilotos alemães se bateram contra os aviadores da Força Aérea Real, ou Royal Air Force (a famosa RAF), Werra alegou que derrotou e destruiu nove aviões ingleses, quatro no ar e cinco em terra. No entanto, por falta de testemunhas, seus superiores creditaram apenas quatro aeronaves abatidas em voo e ele recebeu uma segunda condecoração.

Werra e o filhote de leão.

Ambicioso, o tenente Franz von Werra logo percebeu que para ter uma carreira de sucesso na Luftwaffe não bastava apenas conquistar vitórias no ar, era necessário realizar muita autopromoção. Ele começou a usar regularmente o título de “Barão” e em uma ocasião, quando um grupo de jornalistas visitou a sua esquadrilha para uma sessão de fotos e entrevistas, o tenente Werra apareceu com um pequeno leão vindo de um zoológico alemão. O animal era chamado de Simba e o piloto disse aos visitantes que ele era “o mascote da unidade”. Como era uma mascote bem diferente, os fotógrafos fizeram a festa. A série resultante de fotografias mostrava Werra posando no cockpit de seu caça Messerschmitt ME 109, usando o boné de oficial e segurando Simba para a câmera. As imagens do piloto e do leãozinho apareceram nas mais populares revistas da Alemanha.

Em 5 de setembro de 1940, caças ME 109 decolaram de Calais, França, em direção à Inglaterra, como parte de uma escolta para um ataque de bombardeiros, sendo um dos caças pilotado por Werra. No retorno da missão eles foram atacados por vários aviões de caça Spitfire e a aeronave de Werra foi atingida. Ele então realizou um pouso de emergência bem sucedido em uma área de plantação. Depois que a nuvem de poeira baixou, o piloto do Messerschmitt danificado levantou o capô e saiu do cockpit ileso. Percebeu que não tinha como fugir e ficou ao lado da aeronave. Seus captores o encontraram queimando calmamente seus documentos de voo.

O caça Messerschmitt ME 109 de Werra nas mãos dos ingleses.

O Cativeiro e as Fugas.

Franz von Werra foi levado pelos militares para interrogatório. Ocorre que os ingleses sabiam do gosto daquele alemão pelos holofotes e lhe dedicaram uma atenção especial.

Os oficiais dos serviços de informação lhe questionaram várias vezes, usando seus melhores meios disponíveis para fazê-lo falar. Segundo Werra explicou em seu relatório, produzido após ele conseguir retornar para Berlim e que depois foi transformado em um livro (Einer kam durch. Fluchtbericht des Fliegerleutnants Franz von Werra / Um conseguiu passar –  Relatório de fuga do Tenente Franz von Werra), ele resistiu e nunca perdeu a calma, fechando-se em um silêncio quase absoluto.

Depois de vinte dias de infrutíferos interrogatórios, os britânicos o transferiram para um campo de prisioneiros em uma antiga casa chamada Grizedale Hall, localizada em um pântano a 30 quilômetros do Mar da Irlanda, no noroeste da Inglaterra.

Grizedale Hall.

O piloto alemão estava determinado a escapar e logo estudou as características daquela prisão. Em 7 de outubro, com a cooperação dos outros prisioneiros, Werra realizou a sua fuga. Durante uma caminhada diurna fora do acampamento, quando os ingleses ordenaram uma parada para descanso, o piloto alemão deslizou sobre um muro de pedra seca e ganhou o campo. Após descobrirem que ele fugira, os guardas alertaram os agricultores locais. Werra conseguiu ficar escondido durante três dias, mas no quarto foi localizado por dois soldados da Home Guard, a força de vigilância interna da Inglaterra na época. Estava em uma cabana de materiais agrícolas, mas percebeu a chegada dos seus captores e novamente conseguiu escapar. Em 12 de outubro ele foi visto por agricultores, que informaram as autoridades e a área onde se encontrava foi cercada. Finalmente Werra foi achado em uma depressão lamacenta no chão completamente exausto. Foi levado de volta para Grizedal Hall, onde passou 21 dias de confinamento na solitária.

Local da prisão em Swanwick, o casarão “The Hayes”.

Mais tarde o piloto alemão foi transferido para Swanwick, região de Derbyshire, centro da Inglaterra, onde foi encarcerado em uma grande casa construída na década de 1860. Chamada “The Hayes”, essa velha residência foi denominada na Segunda Guerra como “Campo 13” e apesar das medidas de alta segurança desse local, Werra começou a estudar a possibilidade de uma nova fuga.

Werra conseguiu desenvolver um plano com outros quatro companheiros e começou a construir um túnel subterrâneo. Trabalharam por cerca de um mês e mesmo com um colapso parcial do teto da galeria e o risco constante de serem capturados, os cinco presos fugiram na noite de 20 para 21 de dezembro de 1940.

O túnel aberto por Werra e seus companheiros no subsolo do casarão “The Hayes” ainda existe.

Segundo Werra comentou em seu relatório, o plano era um tanto simples, como imprudente: ele iria até uma base aérea dos ingleses, se apresentaria na porta da frente como um capitão da aviação holandesa e tentaria na base da conversa se apossar de uma aeronave.

Nessa época a Holanda havia sido ocupada pelos alemães e muitos dos seus pilotos voavam agora em esquadrilhas britânicas. Ele deu um jeito de fazer junto com seus companheiros de prisão um traje de voo improvável e uma identidade falsa. Mas as suas principais armas eram o seu talento e a sua audácia para inventar histórias.

Aviadores holandeses na Inglaterra, sendo fotografados em um caça Spitfire.

Aproveitando-se de seu bom conhecimento de inglês, o jovem tenente chegou a uma base aérea da RAF chamada Codnor Park Station, onde convenceu os guardas que era o “capitão van Lott” e entrou. Disse então a um funcionário local que seu avião teve que fazer um pouso forçado ao retornar de uma missão sobre a Dinamarca e que ele telefonasse para a base de Hucknall pedindo que fosse buscá-lo. Esperando o carro, a polícia submeteu o piloto a algumas perguntas sobre a sua história, concluindo que aquele estranho dizia a verdade. O carro chegou e ele partiu.

Base de Hucknall.

Na base de Hucknall sua história foi ainda verificada por um oficial de plantão, que telefonou para uma base, a qual o holandês disse que pertencia. Nesse meio tempo Von Werra pediu para ir ao banheiro e deixou a sala, caminhou até o hangar e, com a ajuda involuntária de um mecânico, entrou na cabine de um avião de caça Hurricane. Enquanto tentava freneticamente ligar a aeronave, o oficial de serviço saltou sobre a asa com a arma na mão e o prendeu. Os ingleses ficaram impressionados, pois até então ninguém tinha sido capaz de entrar em uma base aérea pelo portão da frente e quase se apossar de uma aeronave para fugir. O audacioso piloto alemão foi enviado de volta para o campo Swanwick.

Os ingleses já estavam fartos dele e decidiram enviá-lo em janeiro de 1941 para o distante Canadá, junto com outros 1.050 prisioneiros alemães.

A Fuga do Navio.

Ele cruzou o Oceano Atlântico no navio Dusshes of York e a bordo começou a arquitetar uma nova fuga.

Navio Dusshes of York.

Werra conheceu entre os prisioneiros alguns oficiais de submarinos alemães e descobriu que se o navio fosse tomado à força, seria possível conseguir apoio dos submarinos germânicos espalhados pelo Atlântico Norte e chegar até a costa da França dominada pelos alemães.

Mas havia um empecilho: o Dusshes of York transportava 1.050 alemães prisioneiros e 1.500 soldados britânicos armados, que iriam para a África do Norte lutar contra as tropas do Afrika Korps, comandado pelo famoso general Erwin Rommel. Aí realmente complicou para um possível motim a bordo.

Prisioneiros alemães desembarcando no Canadá.

Mas o endiabrado piloto da Luftwaffe não parou. Logo ele deu um jeito de roubar os documentos, dinheiro e um uniforme do contramestre Arthur Wood, um dos tripulantes do navio. Preparou-se corretamente e escapuliu quando a nave atracou no porto da cidade canadense de Halifax. Demorou mais de três horas para os ingleses e canadenses descobrirem a sua fuga e começaram uma busca pela cidade.

Apesar de ter conseguido com esse roubo certa quantidade de libras esterlinas, a moeda da Inglaterra, Werra descobriu amargamente que o comércio local estava proibido de transacionar com dinheiro estrangeiro devido ao estado de guerra. Continuou então a circular feito um vagabundo pelos próximos dias. Chegou a ver a sua foto em um cartaz de procura-se e tratou de ser ainda mais cauteloso. Por onde passou em Halifax se apresentou como um marinheiro inglês em busca de trabalho. Chegou a dormir no relento e conseguiu alguma comida.

Docas de Halifax em 1941.

Espertamente ele lembrou que próximo aos portos de todo mundo, sempre existiram pessoas para as quais as regras e as leis normalmente são burladas. Ele encontrou essa pessoa na figura de um chinês, que tinha um bar perto do cais. Era um lugar de péssima fama, que aparentemente também servia de prostíbulo, mas o proprietário do estabelecimento não teve problemas em trocar o dinheiro inglês por dólares canadenses e conseguiu para ele um quarto verdadeiramente imundo, mas com uma cama grande e alguma comida.

Marinheiros na região do Porto de Halifax durante a Segunda Guerra Mundial 

Mas a Real Polícia Montada do Canadá continuava procurando Werra em toda Halifax e eles fizeram uma verdadeira operação pente fino na área do porto. Não demorou quando dois homens da lei chegaram até o seu quarto e procuraram saber quem ele era. Em um primeiro momento os policiais até acreditaram na sua conversa de homem do mar desempregado e em busca de trabalho. Só que um deles desconfiou do linguajar refinado daquele homem, bem diferente do rude e típico palavreado dos marinheiros ingleses, normalmente cheio de palavrões. Werra continuou tentando levá-los na conversa, mas acabou novamente preso.

Nessa ocasião, por um ato de rebeldia ao se negar a colocar algemas com a alegação que era um oficial da Luftwaffe, levou foi uma boa surra dos policiais canadenses!

Cruzando a Fronteira e Se Tornando Uma Estrela.

Ele foi colocado em um trem com os mesmos prisioneiros que conhecera no Dusshes of York e, sem nenhuma novidade, começou a planejar uma nova fuga.

Soube que o trem estava seguindo para um lugar chamado Schreiber, no Lago Superior, na província de Ontário, onde os oficiais alemães seriam alojados no chamado “Campo W” e que o trajeto levaria três dias para ser completado.

Para a sorte de Werra, os canadenses colocaram cerca de 200 homens da Guarda de Veteranos Canadenses, que já haviam servido na Primeira Guerra Mundial. Aquilo para alguém com o currículo de Franz von Werra era uma situação muito positiva.

Não demorou e ele conseguiu saltar do seu vagão quando a composição fazia uma curva e diminuiu a velocidade. Só que a ação foi à noite, com uma temperatura de menos 20 graus célsius, a neve com mais de um metro de profundidade e um céu magnificamente estrelado.

Werra novamente deu muita sorte, pois a fuga só foi descoberta na manhã seguinte. Sete outros prisioneiros tentaram escapar do mesmo trem, mas foram logo recapturados.

Já o fugitivo solitário alcançou a pé a fronteira com os Estados Unidos, delimitada pelo Rio São Lourenço, que na época estava congelado. Ele tentou atravessar o rio caminhando sobre o gelo, mas então encontrou um canal aberto e foi obrigado a desistir. Voltou então para a região canadense, tomou posse de um barco a remos e conseguiu chegar ao território dos Estados Unidos.

Nessa época esse país mantinha-se neutro em relação à guerra na Europa, mas o clima interno era completamente a favor dos ingleses.

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Foto do tenente Werra em jornais americanos.

O fugitivo conseguiu chegar à cidade americana de Ogdensbur, no estado de Nova York, e entregou-se à polícia. Quando encontrou um guarda caminhando na rua, ele levantou os braços e disse “- Eu me rendo!”.

As autoridades de imigração o acusaram de entrar ilegalmente no país e foi arbitrada uma fiança de 5.000 dólares. No outro dia o advogado do consulado alemão de Nova York chegou à cidade e pagou a fiança. O juiz local encerrou o processo e Franz von Werra estava novamente livre. Naquela mesma noite ele viajou para Nova York, onde a colônia alemã o recebeu com entusiasmo.

No outro dia após a sua chegada, esteve com o Cônsul Geral Dr. Hans Borchers e o General Friedrich von Bötticher, adido militar da Embaixada da Alemanha em Washington. Diante da situação, o consulado alemão lhe deu dinheiro, e crédito para ele comprar ternos caros das melhores lojas de roupas masculinas da Quinta Avenida.

Logo ele começou a sair pelas ruas da “Big City” americana e se apresentar a todos como o “Barão von Werra”. As qualidades de autopromoção de Werra o fizeram rapidamente se tornar famoso em todo o país, enquanto a história de sua fuga se espalhava por todo o mundo.

A chegada de Werra em um joprnal americano.

Ele se deixou fotografar com mulheres bonitas, visitou os teatros da Broadway e as pequenas e intimistas casas noturnas da Times Square. Quase sempre estava acompanhado por uma legião de admiradores. Deu entrevistas e, sem nenhuma surpresa, começou a se gabar por se considerar “um estrangeiro ilegal nos Estados Unidos”. Aos jornalistas, Werra deu uma versão muito embelezada de sua história.

Nesse meio tempo o governo canadense passou a exigir a sua extradição como um reles ladrão, pois ele havia roubado um barco para escapar pelo Rio São Lourenço. Essa era uma forma de contornar a extradição ilegal de um prisioneiro de guerra de um país neutro. O Cônsul Geral Borchers ofereceu-se para enviar aos canadenses um cheque de 35 dólares — o valor que o barco havia custado. Os canadenses recusaram. Eles queriam Werra, não o cheque.

Em 1º de fevereiro, um tribunal federal em Albany, capital do estado de Nova York, julgou o imigrante ilegal Franz von Werra. O tribunal não conseguiu chegar a um veredito final, sendo a audiência adiada e a sua fiança foi arbitrada em 10.000 dólares (algumas fontes afirmam que foram 15.000). Mas o Cônsul Geral Borchers pagou sem pestanejar.

Werra e sua fuga foram noticiados em jornais de todo o mundo.

Nos bastidores, uma batalha feroz por Werra se desenrolava.

Enquanto o público americano estava, em geral, bastante satisfeito com o fugitivo e suas aventuras, as relações entre os Estados Unidos e a Alemanha Nazista pioravam a cada dia e se tornou óbvio que aquele fugitivo era um problema complicado.

Já para o governo inglês, além de Werra ter se tornado um sério aborrecimento pelas muitas fugas empreendidas, havia algo muito pior. Aquele piloto havia se tornado um perigo para a segurança militar, pois testemunhara as técnicas de interrogatório durante a sua prisão e, se conseguisse retornar a Alemanha, levaria para os nazistas toda a sua experiência. Algo que futuramente poderia ser utilizado contra os ingleses.

Nova York em 1941.

Em meio a toda essa confusão, na noite de 24 de março de 1941, Franz von Werra partiu de Nova York sem que as autoridades americanas percebessem.

Ele então embarcou em sua última grande jornada, que o levaria a percorrer metade do mundo, com passagem pelo Brasil.

Rumo ao Sul Caliente.

Passando por uma longa série de mudanças de trem, táxis, ou carros particulares, Werra chegou à cidade de El Paso, no Texas, onde ele poderia misturar-se a uma verdadeira legião de humildes trabalhadores mexicanos, que cruzavam a fronteira do seu país com os Estados Unidos em busca de trabalho nas lavouras texanas.

Cartão postal de El Paso, no Texas, em 1941.

O fugitivo ultrapassou a fronteira em meio aos que retornavam dos Estados Unidos e conseguiu chegar à estação ferroviária de Ciudad Juárez, onde comprou uma passagem de trem destinada à Cidade do México.

Werra viajou na terceira classe, a mais barata, reservada apenas para os mexicanos mais pobres. Mas ele tinha certeza que os funcionários da alfândega mexicana deixariam em paz aqueles que utilizavam aquela parte do trem. E acertou, pois ninguém lhe perturbou naquela longa viagem através do território mexicano.

Trabalhadores mexicanos em uma lavoura nos Estados Unidos na década de 1940.

O alemão sentou-se espremido entre fazendeiros, operários, trabalhadores do campo, moças de pele escura, velhas de cabelos brancos emaranhados e crianças chorando. Em seu relatório afirmou que “Os mexicanos tagarelaram da manhã à noite”. Mas eram pessoas de boa índole, que lhe ofereceram um pouco da sua comida e lhe estenderam jarras de barro com água e vinho. Ele tentou se comunicar com muitos gestos, mas os nativos não entenderam absolutamente nada.

Depois de dois dias e meio viajando 1.970 quilômetro no compartimento superlotado e quente, ele não precisava mais se preocupar em ser reconhecido. Estava suado, com o terno amassado, sujo, coberto com a poeira cor vermelha-tijolo daquele país e que constantemente entrava pelas janelas abertas do vagão.

Estação Central da Cidade do México.

Na noite de 28 de março, Werra chegou à Cidade do México, na Estação Central. A embaixada alemã havia recebido a informação que o fugitivo era esperado naquele dia. Quando a multidão se dispersou, Werra foi até o pátio da estação e viu um grande Mercedes-Benz preto, com o motorista examinando as pessoas que saíam. Ele não prestou atenção alguma a Werra em seu traje mexicano. O piloto então ficou na sua frente e lhe disse sorrindo: “Grüß gott!” (Bom dia!). O motorista o encarou e então compreendeu a situação. Com uma risada larga, abriu a porta do carro, bateu discretamente os calcanhares e disse “Seja bem-vindo à Cidade do México tenente Werra”.

Na embaixada alemã, Franz von Werra se transformou no estudante “Bernd Natus”, o nome que constava em um passaporte falso, que incluía vistos de trânsito para o Peru, a Bolívia e o Brasil.

Consulado da Alemanha Nazista no México em 1940.

Evidentemente tudo foi tratado de maneira muito discreta, sem recepções à imprensa, entrevistas ou celebrações públicas no México. Werra conta que passou o fim de semana recluso na propriedade do cônsul alemão em Cuernavaca e chegou até a fazer algumas compras para sua noiva Elfi, e ainda lhe escreveu contando suas aventuras. Werra visitou vários monumentos astecas e ficou maravilhado diante dessas testemunhas do grande passado do México.

A Fuga Durante a Semana Santa.

Voou do México para o Peru em 1º de abril. Após três dias deixou Lima, onde havia se hospedado com o cônsul alemão, e seguiu em um avião de transporte trimotor Junkers Ju 52 para a Bolívia. Passou uma noite na capital La Paz, e em 9 de abril voou para o território brasileiro em uma aeronave do Lloyd Aéreo Boliviano, pertencente a empresários alemães. Chegou sem problemas a Corumbá, Mato Grosso.

Aquele era um tempo onde viajar de avião no Brasil era para muito poucos e os jornais da época registravam os que tinham esse privilégio. Era normalmente divulgadas as listas de passageiros, que também não eram muitos. Assim é possível compreender a operação de apoio ao tenente Werra no Brasil.

O hidroavião JU-52 Maipó, do Sindicato Condor.

Os jornais informaram que no dia 8 de abril de 1941, partiu do Rio de Janeiro o hidroavião Junkers Ju 52, batizado como “Maipó”, e pertencente à empresa aérea Sindicato Condor. Essa era uma subsidiária da Deutsche Lufthansa, que operava em todo o Brasil. A aeronave tinha como destino Cuiabá, com escala em Corumbá, e transportava onze passageiros, entre eles o engenheiro alemão Gustav Albert Salz, que desembarcou em Cuiabá. Consta então nos jornais que Salz retornou para o Rio um dia após a sua chegada à capital mato-grossense, utilizando o mesmo hidroavião “Maipó” e que na escala de Corumbá embarcou um certo elemento de nome Bruno Krause. Eles dois estavam entre os quatro passageiros que desembarcaram no Rio no dia 10 de abril, que Werra afirma em seu relatório ter sido a data de sua chegada à então Capital Federal.

Seria então Bruno Krause uma nova e falsa identidade de Franz von Werra?

Notícia publicada após a passagem do tenente Werra pela América do Sul, mostrando a rota da sua fuga.

Meses depois que esse piloto alemão passou pela América do Sul e conseguiu chegar ao seu país, jornais cariocas publicaram uma nota vinda da agência de notícias norte-americana United Press, que basicamente resumiu parte da trajetória do fugitivo pelos países sul-americanos e informou que ele vinha com nome falso. Isso pode apontar que os americanos da OSS que estavam no encalço de Werra, tenham perdido a sua pista na capital peruana por ele utilizar os nomes falsos de Bernd Natus e Bruno Krause. Em tempo, a OSS era a sigla em inglês para o antigo Office of Strategic Services, ou Escritório de Serviços Estratégicos, o serviço de inteligência dos Estados Unidos na época da Segunda Guerra e que hoje é conhecido como CIA.

E qual foi à razão do engenheiro alemão Salz realizar essa viagem tão longa e de maneira tão rápida? Seria para ele dar apoio e cobertura a Werra? Não sabemos!

Mas temos conhecimento que o engenheiro Salz havia inicialmente chegado ao Brasil em 29 de maio de 1940, vindo do Peru, passando depois pela Bolívia e utilizando a mesma rota aérea que o “Maipó” percorreu em 10 de abril de 1941 para chegar ao Rio. Outra informação aponta que ele morava no 8º andar de um prédio na Avenida Rio Branco, 128, Centro do Rio. Guardem o endereço!

Rua Paissandu, no bairro do Flamengo, onde ficava a sede da Embaixada Alemã no Brasil em 1941.

Em seu relatório Werra não informa, mas como ele fez isso no México e no Peru, é muito provável que após a sua chegada ele tenha se dirigido a Embaixada da Alemanha, que nessa época ficava na bela e arborizada Rua Paissandu, número 53, no bairro do Flamengo.

Se em seu relatório Werra não comenta nenhuma visita a embaixada do seu país no Rio, entretanto afirma que esteve na sede da empresa LATI, ou Linee Aeree Transcontinentali Italiane. Essa era uma empresa de aviação e também um verdadeiro valhacouto de espiões do Eixo atuando no Brasil. Sua sede ficava no térreo de um edifício na Avenida Rio Branco, 104, Centro do Rio, a poucos metros de onde morava o engenheiro alemão Gustav Albert Salz.

Propaganda da empresa LATI no Rio, com seu endereço.

Seria apenas coincidência?

Independente dessa questão, temos que observar a astúcia das autoridades alemãs que atuaram na fuga do piloto da Luftwaffe, que culminou com a sua chegada ao Rio em plena Quinta Feira Santa. Em um país que nessa época era majoritariamente católico, o feriado da Semana Santa era o melhor momento para qualquer fugitivo estar circulando tranquilamente por aqui.

Mas qual seria a melhor maneira de continuar essa fuga e voltar ileso para a Alemanha?

Uma Empresa Complicada.

Certamente o avião era o melhor transporte para Werra e naquele momento no Brasil só os italianos da LATI poderiam resolver a questão.

Chegada de avião da LATI no Rio – Fonte – Arquivo Time-Life.

A LATI foi oficialmente fundada em 11 de setembro de 1939, dez dias após o início da Segunda Guerra Mundial, como uma empresa aérea destinada a atuar em uma rota que buscava ligar a Itália à América do Sul em menos de 48 horas.

Os voos experimentais foram então iniciados em 3 de outubro de 1939 e a empresa contava com apoio do governo italiano. Tanto que o seu diretor era simplesmente Bruno Mussolini, filho do ditador Benito Mussolini. Com esse aporte a organização da empresa e dos seus voos seguiu bem rápido e em 22 de dezembro ocorreu o voo inaugural partindo do Brasil para a Itália.

Chegada de avião da LATI no Rio – Fonte – Arquivo Time-Life.

Os italianos utilizaram nesta rota da LATI os confiáveis e resistentes aviões trimotores Savoia Marchetti SM.75, SM.76, SM.82 e SM.83. Até 19 de junho de 1940, essas aeronaves conseguiram realizar quase 60 travessias atlânticas, levando principalmente correspondência, a uma média de 260 a 330 kg de malotes por voo, além de alguns passageiros adicionais.

A linha previa uma viagem semanal nas duas direções, com a rota partindo de Roma (Itália), depois Sevilha (Espanha), Lisboa (Portugal), Villa Cisneros (atual cidade de Dakhla, no Saara Ocidental, na época uma possessão espanhola), Ilha do Sal (no Cabo Verde, então colônia portuguesa), Natal, Recife e Rio de Janeiro.

Chegada de avião da LATI no Rio – Fonte – Arquivo Time-Life.

Com o tempo, os voos regulares entre o Brasil e a Europa passaram a transportar importantes figuras nacionais e estrangeiras, além de correios especiais dos diplomatas alemães e italianos, que não podiam ser violados. Muitos desses diplomatas eram na verdade espiões nazifascistas disfarçados. Já nos voos de retorno a Europa seguiram materiais raros e estratégicos, como diamantes, platina, mica, substâncias químicas, livros e filmes de propaganda dos Aliados. Um verdadeiro “buraco” no bloqueio militar e econômico efetuado pelos ingleses contra a Alemanha e a Itália.

Mas tinha mais. O historiador norte-americano Stanley E. Hilton, em seu livro Hitler’s Secret War In South America, 1939-1945: German Military Espionage and Allied Counterespionage in Brazil informou que membros da embaixada americana no Brasil transmitiram aos britânicos que durante as travessias no Oceano Atlântico, os pilotos da LATI estavam visualizando navios britânicos, marcando suas posições em mapas e informando os alemães para enviar seus submarinos e afundá-los.

Mas os voos da LATI não seguiam sem problemas e houve um bem sério!

Em 15 de janeiro de 1941, um SM.75C com a matrícula I-BAYR, partiu de Natal para a ilha do Sal com dez tripulantes e passageiros. Ao se aproximarem de Fernando de Noronha o motor central nº 2 perdeu potência e o piloto foi forçado a descer a aeronave no mar. Ninguém que estava a bordo foi encontrado com vida. Existiu na época a informação que esse acidente poderia ter ocorrido pela sobrecarga de minerais estratégicos sendo contrabandeados para o aliado alemão, ou por uma bem montada operação de sabotagem dos ingleses.

Houve outras situações negativas envolvendo a LATI e sua atuação no Brasil, mas agora uma de suas aeronaves serviria para uma missão diferenciada; transportar clandestinamente um combatente das forças armadas nazistas para a Alemanha. 

A Viagem Para o Nordeste do Brasil.

Como comentamos anteriormente, Franz von Werra chegou na Quinta Feira Santa ao Rio de Janeiro. Já a sua partida se deu no dia 13 de abril de 1941, Domingo de Páscoa. E o que ele fez no Rio enquanto ali esteve? Não sabemos, pois nada deixou escrito em seu relatório.

Provavelmente ele ficou mesmo escondido na embaixada, ou na casa de algum funcionário. Até porque a espionagem britânica atuava então fortemente no Brasil e recapturar Werra, ou mesmo matá-lo, seria algo bastante desejado.

Campo do Ibura durante a Segunda Guerra Mundial.

Nos jornais cariocas não existe nenhuma informação da partida de alguma aeronave da LATI para o Nordeste do Brasil no dia 13. Mas no Diário de Pernambuco, encontrei uma nota (abaixo) que comenta sobre a aterrissagem da aeronave Savoia Marchetti SM.83, prefixo I-ASSO, no Campo do Ibura, Recife. Eram 13h50min do domingo e a bordo vinha um único passageiro – Berd Notus.

Após desembarcar e diante de sua situação, seria de esperar que esse único passageiro agisse de maneira discreta e sem chamar a atenção. Mas foi tudo exatamente o contrário.

Notus (Werra) não resistiu e começou a dar declarações ao encontrar o jornalista do Diário de Pernambuco que estava de plantão no Ibura e acompanhava os pousos e as decolagens das aeronaves. Apresentou-se como “estudante” e “filho do ministro da Alemanha no México” e chegou ao cúmulo de afirmar que “vai à Alemanha alistar-se na Luftwaffe” e que “esperava lutar ainda esse ano”. Só faltou dizer que era um “Barão”!

Era uma total falta de senso de segurança, muita irresponsabilidade e, certamente, um extremo excesso de arrogância. Aparentemente o tenente alemão nem se importou com a presença de Gino Portesi, um capitão da Regia Aeronáutica, a força aérea fascista, que além de ter sido o piloto do avião que trouxe Werra do Rio, era o subdiretor no Brasil da Ala Littoria, a companhia aérea nacional italiana e controladora do capital da LATI.

Através de um documento (acima) da Delegacia de Ordem Política e Social, DOPS, de Recife, produzido em 5 de maio de 1942, descobrimos que realmente o piloto alemão quase colocou tudo a perder no Campo do Ibura. Nesse documento, produzido um ano depois da passagem de Franz von Werra pela capital pernambucana, existe a informação que um inspetor da Polícia Marítima desconfiou do jovem falastrão que se dizia “estudante” e apresentou o passaporte nº 298. Mas ficou só nisso.

A verdade é que Werra passou pelo Brasil e a polícia do ditador Getúlio Vargas nem se deu conta e nem tomou conhecimento. Isso se ele não recebeu algum tipo de ajuda de alguma autoridade brasileira. Situação que não duvido, dado o grande número de simpatizantes nazifascistas em nosso país.

Esquema de cores de um trimotor SM.82 da empresa LATI.

Na mesma tarde o fugitivo embarcou em um moderno Savoia Marchetti SM.82 de prefixo I-BATO. Era uma aeronave recém-construída, que transportava dez passageiros, possuía um piloto automático, banheiro, rádios aprimorados e dois tanques de combustível adicionais. Além da tripulação, o I-BATO transportava oito passageiros, sendo cinco alemães e três italianos, entre eles Werra e Portesi. A aeronave decolou do Ibura utilizando a potência máxima de seus três poderosos motores Alfa Romeo 128RC e chegou a Natal cerca de uma hora depois.

No Campo de Parnamirim.

A pista era longa, mas de terra batida. Entretanto era boa, bem preparada, com 700 metros de extensão, 40 de largura e o SM.82 aterrissou sem problemas no chamado Campo de Parnamirim. Sabemos que Natal entrou na rota de retorno da LATI porque Recife não possuía em seu campo de pouso uma pista longa o suficiente para permitir a decolagem das aeronaves completamente carregadas.

A aeronave chegou pilotada por Guido Pavia, com Bruno Palermo como copiloto, Michele de Toma como radiotelegrafista e Alfredo Piacentini como mecânico. Foi informado que transportava “grande quantidade de mercadoria e malas postais”.

No antigo jornal natalense O Diário, futuro Diário de Natal, encontrei a informação que normalmente o avião da LATI vinha para a capital potiguar na sexta feira, mas aquele chegou em pleno Domingo de Páscoa e isso aparentemente não foi visto como estranho ou anormal.  

Os tripulantes e passageiros foram então acomodados no que era conhecido como “Hotel da LATI”, próximo do hangar da empresa. Não existem maiores informações sobre esse local, mas tudo indica que era tipo uma estalagem, sem maiores confortos, servindo apenas para acomodar os que embarcariam na manhã seguinte para a travessia do Atlântico Sul.

Situação atual da antiga casa de apoio construida para os aviadores franceses no Campo de Parnamirim.

Próximo ao hangar dos italianos existia outros dois Hangares, uma casa de apoio, uma estação de rádio e outras infraestruturas. Elas pertenciam aos franceses da Air France e algumas delas estavam ali desde o início da década anterior. Inclusive a casa de apoio havia servido em algumas ocasiões ao mítico piloto francês Jean Mermoz, quando das suas passagens por Natal. Não era sem razão que nos primeiros tempos de sua utilização, aquele local era conhecido como o “Campo dos Franceses”.

Não sabemos de nenhuma outra movimentação específica no Campo de Parnamirim naquela tarde e início da noite de 13 de abril de 1941, mas sabemos que nessa época o aeroporto estava com uma boa movimentação de estrangeiros, com vários deles circulando por Natal e as regiões Norte e Nordeste. Segundo os jornais natalenses, poucos dias antes de Werra desembarcar no Campo de Parnamirim, em 5 de abril, esteve em Natal uma “missão comercial japonesa” com quatro membros. Eles viajavam em um hidroavião do Sindicato Condor batizado como “Curupira”, que depois de Natal seguiu para Belém do Pará.

Situação atual do antigo hangar da LATI no Campo de Parnamirim.

E após a chegada do fugitivo Werra ao Rio Grande do Norte, ele teria vindo para Natal? Acho difícil!

Era algo que chamaria bastante a atenção para alguém com um passado que, se não era muito conhecido pela população local, certamente era conhecido de muitos estrangeiros que circulavam na cidade, a grande maioria deles de países contrários aos interesses da Alemanha, Itália e Japão, os países do Eixo. E em caso de Werra ser reconhecido, coisa que poderia acontecer com a sua terrível e constante indiscrição, logo os ingleses estariam no seu encalço.

Além do mais, se havia alguma coisa interessante naquela parte do Brasil para ser vista por um piloto da Luftwaffe, estava no próprio Campo de Parnamirim onde ele havia desembarcado. Pois dali era possível ver como o dinheiro do governo americano alterava drasticamente aquele lugar.

A grande base de Parnamirim Field durante a Segunda Guerra Mundial.

Desde novembro de 1940 que o governo de Franklin Delano Roosevelt, utilizando a fachada de uma das empresas de aviação do país, estava construindo vários aeroportos em todo o Brasil, sendo o maior o de Parnamirim. Pelo mesmo motivo, estes eram empreendimentos destinados à aviação civil. Mas que sem muitas alterações poderia acomodar centenas de aeronaves militares e com diversas finalidades.

Diante daquela situação e da oportunidade, acredito que dificilmente Werra e os outros ocupantes deixaram de dar uma espiadinha no que estava acontecendo naquela grande obra e levar essa informação aos seus superiores em Roma e Berlim. E se assim fizeram, certamente visualizaram a partir do hangar da LATI e com a utilização de binóculos, pois as construções estavam a 1.700 metros de distância.

Aeronave da companhia aérea LATI – Este tipo de aeronave opera voos entre Roma e Rio de Janeiro – Fonte – http://www.spmodelismo.com.br/howto/ac/lati.php

No outro dia, por volta das cinco da manhã, o Savoia Marchetti SM.82 de prefixo I-BATO decolou de Natal.

O Fim da Sua Sorte.

A estrela da sorte brilhou mais uma vez para Franz von Werra.

A aeronave italiana cruzou o Atlântico Sul sem problemas. Na sequência aterrissou em Barcelona e Werra trocou de avião pela última vez. Na quinta-feira, 17 de abril de 1941, ele chegou a Roma, desembarcando no Aeroporto de Guidonia, pisando em solo do Eixo pela primeira vez em mais de meio ano.

Werra estava livre e sua fuga foi bem-sucedida. Ele voou para a Alemanha a bordo de um bimotor Junkers Ju 90 e finalmente chegou em Berlim, no Aeroporto de Tempelhof, onde sua noiva Elfi e os amigos lhe esperavam.

Haviam decorrido exatamente 32 semanas desde a derrubada do seu avião de caça e sob todos os aspectos, a sua audaciosa fuga foi realmente prodigiosa.

Foi algo que o levou desde os campos de prisioneiros da Inglaterra, através do Atlântico, até chegar ao Canadá. Depois atravessou o congelado Rio São Lourenço e entrou clandestinamente nos Estados Unidos. Mesmo em meio a muita divulgação, ele conseguiu burlar as autoridades daquele país e atravessou sua larga extensão até o México, circulando completamente incógnito. Finalmente chegou à América do Sul, passou sem problemas pelo Brasil e em poucos dias atravessou o Atlântico Sul até a Europa.

O agora capitão Franz von Werra.

Rapidamente Franz von Werra tornou-se um herói em toda a Alemanha.

Houve um encontro com Adolf Hitler, que lhe concedeu uma alta condecoração.

Já Joseph Goebbels, o Ministro da Propaganda do Reich alemão, celebrou freneticamente o jovem Werra, que adorava ser o centro das atenções. Foi Goebbels que afirmou que durante o curso de sua fuga, Werra escreveu regularmente cartões postais para a sua irmã e nunca se esqueceu de enviar postais para os oficiais ingleses que haviam lhe interrogado.

O intrépido aviador foi promovido a capitão e chegou a ser recebido pelo obeso Hermann Goering, o todo poderoso chefe da força aérea alemã. Nesse meio tempo von Werra se casou com a sua noiva, na melhor tradição da pompa nazista.

O antigo prisioneiro relatou ao comando alemão sobre seu tratamento como um prisioneiro de guerra e com base em sua própria experiência esses relatos ajudaram a melhorar as técnicas para os pilotos alemães capturados atrapalharem ao máximo os britânicos no momento dos interrogatórios. Inclusive consta que esses relatos ajudaram a melhorar o tratamento dos prisioneiros de guerra dos países aliados presos na Alemanha.

O agora capitão Franz von Werra retornou então à luta e foi inicialmente enviado para frente russa. Nesse front de guerra ele elevou até julho de 1941 o seu registro para 21 vitórias aéreas. Quando sua esquadrilha foi retirada da Rússia, ele passou a voar em patrulhas sobre o Mar do Norte.

Em 25 de outubro de 1941, apenas sete meses depois de seu retorno à Alemanha, Werra estava realizando um voo de rotina, em mais um patrulhamento solitário, quando a sua sorte acabou. Ele desapareceu sobre o Mar do Norte, nas proximidades da cidade holandesa de Vlissingen. Provavelmente foi uma falha no motor da aeronave que o levou ao desastre e seu corpo nunca foi encontrado. Ele viveu apenas 27 anos.

O ator alemão Hardy Krüger no papel do tenente Werra.

Em 1957 a história de Werra foi tema de um filme chamado The One That Got Away, estrelado pelo alemão Hardy Krüger no papel principal. Consta que a película produzida pelo cinema inglês conseguiu uma grande bilheteria na Europa, principalmente na Alemanha.

Atualmente o avião com o qual ele caiu na Inglaterra, está em exposição no Museu da Força Aérea Real em Folkestown, Kent, sul do país.

OS SETE MITOS DA CONQUISTA DA AMÉRICA PELOS ESPANHÓIS

Fonte - pt.slideshare.net
Fonte – pt.slideshare.net

Como poucas centenas de espanhóis submeteram milhões de índios, alguns tão desenvolvidos quanto as mais avançadas civilizações europeias?

Beto Gomes – http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/sete-mitos-conquista-america-434016.shtml?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_avhistoria

Nem bem o sol iluminou o lago Texcoco, no imenso Vale do México, os dois maiores líderes do Novo Mundo colocaram-se frente a frente. Era 8 de novembro de 1519 e havia anos que espanhóis e nativos se pegavam em violentas batalhas nas terras recém-descobertas da América. De um lado, Hernán Cortez personificava a figura do conquistador europeu como ninguém. Do outro, o todo-poderoso imperador asteca Montezuma II permanecia impassível. Apesar da expectativa de um encontro amigável, a tensão era tão óbvia quanto inevitável. Espanhóis e astecas trocavam olhares, até que Montezuma desceu de sua pequena tenda e foi em direção aos invasores. Cortez repetiu o gesto. Saltou do cavalo e seguiu ao encontro do imperador. A tensão aumentava a cada passo. Olhos nos olhos, eles esboçaram saudações de respeito mútuo, mas não trocaram mais do que poucas palavras, com a ajuda de um intérprete. De qualquer forma, a diplomacia prevaleceu. E, pacificamente, todos tomaram o rumo de Tenochtitlán, a capital do império asteca. Alguns meses depois, os dois lados voltariam a se encontrar. Mas, desta vez, numa sangrenta batalha que culminaria com a morte de Montezuma e faria de Cortez o homem mais poderoso do América espanhola.

Fonte - mlksestudantes.blogspot.com
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Até hoje, muitos historiadores consideram este episódio como o maior símbolo do encontro entre dois continentes. E não por acaso. Pela primeira vez, um imperador nativo acolheu em suas terras o representante de um povo que estava ali justamente para conquistá-las. Além disso, as diferenças culturais entre os dois grupos nunca estiveram tão expostas quanto naquela manhã de novembro. Estas diferenças, além das idiossincrasias do século 16, ajudaram a perpetuar pelos séculos o que o historiador americano Matthew Restall, professor da Universidade da Pensilvânia, chama de “sete mitos da conquista espanhola das Américas” em seu livro Seven Myths of the Spanish Conquest (inédito em português)

Esses mitos podem ser identificados na figura de Cortez, até hoje citado por sua genialidade militar, pela forma como usou e inovou a tecnologia disponível na época, pela maneira astuta como manipulou “índios supersticiosos” e pelo modo heroico com que levou algumas centenas de espanhóis à vitória, contra um império de milhares de guerreiros. Mas a história não foi bem assim. Desde a primeira vez que Cristóvão Colombo pisou nas ilhas do Caribe, os homens enviados para cá se encarregaram de capitalizar o feito em benefício próprio, aumentando uma coisinha aqui, inventando uma ali.

Meia dúzia de aventureiros – O mito dos homens excepcionais e seus feitos extraordinários

Cristóvão Colombo estava em algum lugar do Atlântico, em 1504, quando a rainha da Espanha enviou uma esquadra para prendê-lo e levá-lo acorrentado para a Europa. Desde sua primeira viagem pelo Novo Mundo, seu prestígio já não era o mesmo. Sua insistência na mentira de que havia achado uma nova rota para as Índias, fato que lhe rendeu títulos e status, havia deixado a coroa espanhola irritada depois que Vasco da Gama contornou o Cabo da Boa Esperança e deu aos portugueses a liderança na corrida por um caminho mais curto para o Oriente.

Fonte - ocandelabrodojhon.blogspot.com
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A fama de Colombo estava irreversivelmente abalada, ele caiu em descrédito e tornou-se um pária. Mas como, depois de morto, ele se tornaria um herói? Para Restall, a ideia de que ele foi um visionário, um homem à frente de seu tempo surgiu durante as comemorações do tricentenário da descoberta da América, num país que também acabava de nascer: os Estados Unidos. Colombo foi tomado como símbolo dessa nova terra: aventureiro, destemido, um gênio a frente de seu tempo. “Mas a coisa mais espetacular sobre a visão geográfica de Colombo era a de que estava errada. A percepção de que a Terra era redonda, fato geralmente citado para imputar-lhe a condição de visionário, por exemplo, era comum a qualquer pessoa escolarizada da época”, diz Restall.

Esse é só um exemplo do mito de que a conquista da América só foi possível graças à coragem e à genialidade de meia dúzia de conquistadores e que surgiu desde os primeiros relatos dos colonizadores enviados à Espanha. Para obter a permissão de explorar novas terras, eles precisavam provar que a colonização era rentável e, para tanto, escreviam qualquer lorota: omitiam fatos, inventavam histórias, exaltavam a si mesmos. Hernán Cortez e Francisco Pizarro, responsáveis pelos tombos dos impérios asteca e inca, respectivamente, foram especialmente beneficiados por tais relatos e elevados à categoria de heróis. Biógrafos, cronistas e religiosos que participaram das expedições ajudaram a construir esta imagem, por meio das cartas enviadas à coroa, chamadas de probanzas de mérito (ou “provas de mérito”).

Quadro de Diego Riveras: O império Asteca subjugado - Fonte - teiadosfatos.blogspot.com
Quadro de Diego Riveras: O império Asteca subjugado – Fonte – teiadosfatos.blogspot.com

Pelo menos num ponto, porém, os relatos tinham razão: a desvantagem numérica dos espanhóis – fato que os levou a derrotas frequentemente ignoradas nas tais probanzas de mérito. Como, então, os conquistadores conseguiram expandir seus domínios e subjugar milhares de nativos? A resposta não está na genialidade militar de Cortez ou Pizarro. Em nenhum momento eles apresentaram novas táticas de guerra e, na maior parte do tempo o que fizeram foi seguir rotinas adotadas em conflitos anteriores ao descobrimento. Uma das mais importantes foi a aliança com os nativos (que veremos mais adiante). Mesmo assim, eles não abriram mão de procedimentos igualmente eficientes, mas que nada tinham de inventivos: o uso da violência indiscriminada para intimidar os resistentes. Nos casos extremos, pessoas eram decepadas ou queimadas vivas em praça pública, tinham braços e mãos amputados e suas famílias recebiam seus corpos, o que costumava garantir a submissão de outros nativos.

Nem pagos, nem forçados – O mito de que os espanhóis que desembarcaram na América eram todos militares

A esquadra de Colombo mal aportou na praia da ilha de Hispaniola, no Caribe, e um grupo de soldados já estava perfilado na areia. Vestiam armaduras reluzentes, carregavam as mais potentes armas da época e aguardavam apenas a ordem de seu capitão para marchar em direção às terras do Novo Mundo. Disciplinados, estavam prontos para enfrentar o inimigo. Faziam parte de uma grande operação militar. Afinal, eram soldados. Esta cena jamais aconteceu, mas passa a ideia, constantemente repetida em filmes, ilustrações e livros, de que os conquistadores eram militares enviados pelo rei e faziam parte de uma máquina de guerra.

Mas, então, quem eram eles? Nobres aventureiros ou plebeus em busca da terra prometida? A rigor, nem uma coisa, nem outra. Em sua maioria, os espanhóis eram artesãos, comerciantes e empreendedores de pequeno porte, com menos de 30 anos de idade, alguma experiência em viagens desse tipo e sem qualquer treinamento militar. Armavam-se como podiam e entravam na primeira companhia que pudesse lhes render a quantia necessária para investir em outras expedições. Assim, poderiam acumular riquezas até receber as chamadas encomiendas – ou seja, o direito de cobrar taxas e impostos sobre a produção de uma determinada área conquistada e faturar em cima do trabalho de um grupo de nativos.

Fonte - pt.wikipedia.org
Fonte – pt.wikipedia.org

A maioria dos conquistadores não recebia ajuda financeira da coroa. Em geral, viajava por sua conta e risco em busca de status e dinheiro. Ou, no máximo, tinha um vínculo com eventuais patrocinadores, em nome dos quais as terras recém-descobertas eram exploradas. De qualquer forma, eles não eram pagos, tampouco obrigados a viajar. E muito menos soldados aptos a lutar pelos interesses da Coroa.

Guerreiros invisíveis – O mito de que poucos soldados brancos venceram milhares de guerreiros índios

Quando o conquistador Bernal Díaz de Castillo viu a capital asteca pela primeira vez, não conseguiu descrever a visão que teve do alto do Vale do México. A metrópole pontilhada de pirâmides, irrigada por canais navegáveis, engenhosamente construídos para serem a referência de outras grandes cidades do império, poderia ser comparada às maiores capitais europeias. Uma pergunta talvez lhe tenha surgido: como poucos de nós poderemos subjugá-la? Seguindo o mesmo raciocínio, como apenas centenas de europeus poderiam vencer os milhões de índios espalhados pelo continente? Nem a “genialidade” de seus líderes, a pólvora ou o aço espanhol dariam conta. Há algumas respostas para essas questões.

A primeira é que os espanhóis sempre foram minoria nos campos de batalha da América, mas jamais lutaram sozinhos. Os nativos nunca formaram uma unidade política, nem no caso de astecas e maias, que fosse imune às rivalidades e intrigas. E os conquistadores se aproveitaram, desde muito cedo, dessa desunião, conseguindo formar verdadeiros exércitos índios, dispostos a eliminar seus inimigos. Na primeira vez que Cortez chegou a Tenochtitlán, mais de 6 mil aliados davam cobertura aos espanhóis, que eram cerca de 200. Na batalha final, alguns meses depois, ele conseguiu reunir mais de 200 mil homens para tomar a capital asteca. “As pessoas tendem a imaginar que os povos americanos eram unidos em torno de uma identidade nativa. Na verdade, acontecia o contrário. Quando os espanhóis chegaram à América, encontraram várias tribos rivais, que não precisavam de mais que um empurrãozinho para entrar em conflito”, afirma Restall.

Fonte - fabiopestanaramos.blogspot.com
Fonte – fabiopestanaramos.blogspot.com

Além disso, no final do século 16, cerca de 100 mil africanos desembarcaram na América. A princípio, eles trabalhavam como serventes e auxiliares dos espanhóis, mas, sempre que necessário, recebiam armas para lutar contra os inimigos. Como recompensa, ganhavam a liberdade e logo eles também se tornavam conquistadores.

Sob a tutela do rei – O mito de que, em pouco tempo, toda a América estava sob jugo espanhol

Palavras de Cortez: “Deixei a província de Cempoala totalmente segura e pacificada, com 50 mil guerreiros e 50 cidades. Todos estes nativos têm sido e continuam sendo fiéis vassalos de Vossa Majestade. E acredito que eles sempre serão”. A carta de Cortez enviada ao rei da Espanha dá uma boa ideia de como funcionava a burocracia da conquista. Para o monarca, não bastava o conquistador encontrar uma terra e reivindicar o direito de explorá-la. Ele precisava convencê-lo de que aquela região era economicamente viável, de preferência com minas de ouro e prata, e contava com mão-de-obra para tirar dali tais riquezas. Como resultado, os líderes espanhóis não pensavam duas vezes antes de carregar seus pedidos com informações exageradas.

Essa combinação de fatores contribuiu para a criação do mito de que a conquista total dos povos americanos foi alcançada logo nos primeiros anos da presença espanhola. Muitas cidades, no entanto, resistiram à dominação durante décadas. No Peru, alguns estados independentes só foram dominados depois de 1570, após a morte de líderes como Túpac Amaru. Quando os espanhóis fundaram Mérida, em 1542, boa parte da península de Yucatán, na América Central, permaneceu sob a influência dos maias – e muitas políticas elaboradas por eles sobreviveram até 1880. A experiência espanhola na atual Flórida, nos Estados Unidos, foi ainda mais desastrosa. Pelo menos seis expedições foram enviadas para lá entre 1513 e 1560, quando a região finalmente foi controlada pelos europeus. Mas um dos exemplos mais curiosos vem da bacia do Prata, onde os fundadores de Buenos Aires, em 1520, viraram jantar de tribos canibais.

Fonte - tramandohistoria.blogspot.com
Fonte – tramandohistoria.blogspot.com

Outro aspecto que mostra que a conquista não foi total era a relativa autonomia que alguns nativos mantiveram em relação aos seus dominadores – condição sancionada pelos próprios oficiais espanhóis, que procuravam não intervir nas regras que vigoravam antes de eles chegarem. E não por acaso. Esta era mesmo a melhor forma de garantir a manutenção das fontes de trabalho e da produção agrícola. Além disso, membros da elite nativa participavam dos conselhos das cidades coloniais, onde eram tomadas as decisões mais importantes. Ou seja, além de continuar influenciando politicamente, eles mantiveram o status que tinham antes da descoberta.

As palavras de La Malinche – O mito de que a falta de comunicação levou ao massacre indígena

Foi na praça central da cidade inca de Cajamarca que Pizarro e Atahualpa se viram pela primeira vez, em 1532, numa espécie de versão peruana do encontro entre Montezuma e Cortez. Ao lado do conquistador, menos de 200 homens armados pareciam não temer os mais de 5 mil nativos leais ao imperador. E, de fato, eles não tinham porque se intimidar: a maioria dos locais não possuía uma arma sequer. O primeiro espanhol a se aproximar de Atahualpa foi um frei dominicano que segurava uma pequena cruz numa das mãos e a Bíblia na outra. Em poucos minutos, a batalha havia começado. Mas, apesar da desvantagem numérica, os invasores conseguiram dizimar um terço dos nativos. Atahualpa foi capturado.

Há várias versões sobre os motivos que causaram a briga e sobre como a batalha de Cajamarca começou. Francisco de Jerez, presente no local, escreveu que o imperador atirou a Bíblia ao chão, porque não a entendia. A blasfêmia teria sido o motivo para Pizarro dar o sinal de ataque. Na versão inca, no entanto, a ofensa partiu dos espanhóis, que teriam se recusado a tomar uma bebida sagrada oferecida por Atahualpa.

A figura de Atahualpa nos fornece outra visão sobre a conquista da América Espanhola. - Fonte - educador.brasilescola.com
A figura de Atahualpa nos fornece outra visão sobre a conquista da América Espanhola. – Fonte – educador.brasilescola.com

É praticamente impossível saber o que aconteceu de fato naquele dia, mas o encontro sangrento entre incas e espanhóis é um bom exemplo de como as supostas falhas na comunicação serviram para justificar as ações dos europeus e, por conseqüência, a própria conquista. Mas estas falhas não eram tão freqüentes assim. O diálogo entre Montezuma e Cortez, por exemplo, apesar de ter gerado diferentes interpretações, mostra que os dois lados podiam se entender muito bem. Isso graças a uma figura central durante todo o processo de colonização: os intérpretes. O papel deles foi tão importante que um dos principais procedimentos de guerra era justamente encontrar e “formar” tradutores. Alguns destes tradutores se deram tão bem que alcançaram status inimagináveis para um nativo. Receberam encomiendas e chegaram a ser citados nas cartas enviadas ao rei. O exemplo mais famoso é o de La Malinche, a amante e intérprete que acompanhou Cortez durante anos e esteve presente no encontro com Montezuma.

O fim dos índios – O mito de que a conquista só trouxe desgraça para os nativos

A derrota de Cortez era inevitável. Havia horas que ele e seus guerreiros lutavam contra a união de três exércitos inimigos na grande praça central de Tlaxcala, uma comunidade nativa aliada aos espanhóis, e a derrocada do conquistador se aproximava a cada golpe. Finalmente ele seria vencido. E foi mesmo. Ainda no chão, Cortez pôde ouvir os aplausos efusivos da platéia. Aquela encenação do dia de Corpus Christi ficou conhecida como o evento teatral mais espetacular e sofisticado do ano de 1539. Numa curiosa inversão de papéis, o conquistador interpretou o Grande Sultão da Babilônia e Tetrarca de Jerusalém. O papel dos reis da Espanha, Hungria e França ficou com os nativos da comunidade.

Fonte - www.revistadehistoria.com.br
Fonte – http://www.revistadehistoria.com.br

O Corpus Christi de Tlaxcala não foi o único festival do século 16 no Novo Mundo. A imensa maioria das colônias Mesoamericanas e dos Andes encenou, dançou e até representou as batalhas contra os espanhóis. Muitas dessas manifestações culturais sobrevivem até hoje. Mas o curioso é que o objetivo não era reconstruir a conquista como algo traumático. Ao contrário. Para os nativos, os festivais significavam uma celebração de sua integridade e vitalidade cultural. “Eram eventos que transcendiam aquele momento histórico particular e não estavam associados à lembrança de algo ruim. Até porque o sentimento de derrota não era algo comum a todos os povos nativos”, afirma Restall.

Manifestações desse tipo eram apenas uma das formas pelas quais os nativos mostravam que o impacto da conquista não foi tão traumático quanto sugere boa parte da retórica comum. Muitas comunidades mantiveram seu estilo de vida e outras tantas evoluíram rapidamente com a necessidade de se adaptar às novas tecnologias e demandas trazidas pelos espanhóis. Aprenderam novas formas de contar, construir casas, planejar cidades e, sobretudo, guerrear. Assim, houve nativos que enriqueceram com o comércio de alimentos e com o aluguel de mulas. O povo Nahua, por exemplo, depois de lutar ao lado dos espanhóis por anos, organizaram campanhas militares próprias e expandiram seus domínios para além das terras onde hoje estão Guatemala, Honduras e parte do México.

Macacos e homens – O mito da superioridade e da predestinação dos europeus

“Os espanhóis têm a governar estes bárbaros do Novo Mundo. Eles são em prudência, ingenuidade, virtude e humanidade tão inferiores aos espanhóis quanto as crianças são para os adultos, e as mulheres, para os homens”, escreveu o filósofo Juan Ginés de Sepúlveda, em 1547. O mito da superioridade espanhola é visto em todos os relatos do período colonial. Para Restall, ele vem desde as primeiras expedições e está ligado à justificativa de que os europeus tinham a aprovação divina para conquistar novas terras. Eles acreditavam que eram os escolhidos de Deus, os encarregados de levar o cristianismo a outros povos.

Fonte - www.imagick.com.br
Fonte – http://www.imagick.com.br

Existem outros fatores, no entanto, que ajudaram a perpetuar este mito. Um deles combina a crença de que os nativos seriam incapazes de evitar a invasão dos europeus porque eles (os nativos) também acreditavam que os espanhóis eram deuses. De fato, os povos americanos enxergavam os conquistadores como seres poderosos, mas em nenhum momento – nem mesmo nos relatos dos cronistas do período colonial – os nativos comparam os espanhóis a seres supremos, ou deidades. Além disso, a diferença brutal entre as armas dos dois grupos também ajudou a construir a ideia da superioridade espanhola.

Mas Deus não foi o principal aliado dos espanhóis. A expansão dos europeus só foi possível graças a três fatores. O primeiro e mais determinante foram as doenças que os estrangeiros trouxeram. Sem oferecer nenhuma resistência para varíola, sarampo e gripe, os nativos morreram tão rápido que em poucas décadas tribos inteiras foram extintas. O impacto das epidemias foi tão devastador que, um século e meio após a chegada de Colombo, a população de nativos havia caído mais de 90%. Os astecas sentiram o poder desses males. “As ruas estavam tão cheias de gente morta e doente que nossos homens caminhavam sobre corpos”, escreveu o padre Bernardino de Sahagún, quando os conquistadores tomaram Tenochtitlán.

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Fonte – fabiopestanaramos.blogspot.com

O segundo aliado foi a desunião dos nativos. A rivalidade entre diferentes grupos étnicos e intrigas entre vizinhos levou dezenas de milhares de pessoas a lutarem ao lado dos espanhóis. As armas que os conquistadores trouxeram para estas batalhas são o terceiro fator mais importante. Nas primeiras expedições, várias delas fizeram diferença. Cavalos e até cachorros acabaram entrando nos campos de batalha. Mas a mais eficiente foi mesmo a espada, mais longa e resistente que os machados dos nativos. No campo da guerra, Matthew Restall considera ainda outro fator. Os nativos lutavam em sua própria terra. Precisavam, portanto, proteger a família, defender suas casas, pensar no plantio, calcular a colheita e fazer o possível para não deixar que a guerra prejudicasse e interferisse no seu dia-a-dia. Por isso, eles sempre estiveram mais dispostos a negociar e a protelar os confrontos com os conquistadores. Já os espanhóis não tinham muito a perder. Basicamente, precisavam se preocupar apenas com suas próprias vidas. E com o que teriam de fazer para continuar conquistando novas cidades e acumulando mais riquezas.

Saiba mais

Livro

Seven Myths of Spanish Conquest, Matthew Restall, Oxford University Press, 2004 – O autor, professor da Universidade da Pensilvânia, é um dos maiores especialistas mundiais em culturas pré-colombianas. 

MAIO DE 1921 – A SUÁSTICA NAS PÁGINAS DO JORNAL POTIGUAR “A REPUBLICA”

Rostand Medeiros – Escritor e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Suástica em propaganda de gasolina

A interessante fotografia que ilustra este artigo mostra um anúncio de meia página, que se encontra no jornal natalense “A Republica”, edição de 20 de maio de 1921, onde a empresa “The Anglo Mexican Petroleum Company Limited”, que negociava produtos derivados de petróleo, anunciava através do seu representante no Rio Grande do Norte, a poderosa empresa potiguar “Wharton, Pedrosa e Comp.”, a venda do “Kerosene” da marca “Aurora” e sua gasolina da marca “Energina”, respectivamente com as cruzes vermelha e azul, para identificá-los e diferenciá-los para o publico consumidor.

A questão era que esta cruz, com suas cores distintas para distinguir os dois produtos, era uma suástica.

Seria então esta empresa uma organização empresarial ligada aos nazistas?

Entretanto a história desta empresa, sua chegada ao Brasil, não apontam nenhuma relação com a ideologia nacional-socialista.

A Comercialização de Produtos Derivados do Petróleo

Em janeiro de 1912, a primeira multinacional do petróleo a se instalar no Brasil foi a “Standart Oil Company of Brazil”, nome original da atual “Esso Brasileira do Petróleo”. Sua instalação ocorreu a partir de um ato assinado pelo então presidente da república, marechal Hermes da Fonseca. No ano seguinte a “Shell”, sob o nome “The Anglo Mexican Petroleum Products Company Limited”, foi autorizada pelo Decreto 10.168, assinado pelo mesmo presidente Hermes, a comercializar produtos derivados de petróleo.

No dia 5 de maio de 1914, a “The Anglo Mexican Petroleum Products Company Limited” inaugura o primeiro depósito de óleo combustível do Brasil, no bairro da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. A empresa começou a distribuir seus produtos através dos lombos de burros, estes poderiam ser desde óleos combustíveis industriais, o “Kerosene Aurora”, lubrificantes, óleo diesel e a Gasolina “Energina”.

Nesta época a comercialização destes produtos era feitas em latas e tambores. Podiam ser vendidos em qualquer local, desde armazéns, onde se misturavam a cereais e outras mercadorias do gênero. Nesse período, a população brasileira era em torno de 22 milhões de habitantes, a frota nacional de veículos não superava os 2.400 veículos, todos importados. O país crescia e com ele o consumo de derivados de petróleo, obrigando o surgimento dos primeiros grandes depósitos deste tipo de produto, para serem vendidos a granel.

Somente em 1922 foram inauguradas as primeiras bombas de gasolina em ruas e garagens de capitais e cidades do interior, e também ao longo de rodovias.

Buscando maiores informações sobre este anúncio encontrei um artigo do jornalista pernambucano Ronildo Maia Leite, intitulado “Até a cachorrinha da praia sabia da revolução” e publicado no site da Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco. Neste artigo o autor trata sobre a ascensão e queda do governador Estácio Coimbra a deflagração da Revolução de 1930 neste estado e a tensa situação mundial existente nesta época. Em um determinado ponto do texto, o jornalista Romildo aponta como um dos exemplos do avanço da ideologia nazista em Pernambuco, que a partir de julho de 1930, os jornais deste estado começaram a estampar anúncios da multinacional “The Anglo-Mexican Petroleum Company Limited”, onde esta empresa vendia “o óleo lubrificante Swastica e a gasolina Energina, ambos com a Suástica, a logomarca de Hitler”.

Aparentemente a propaganda dos produtos da empresa “The Anglo-Mexican Petroleum Company Limited”, utilizando uma suástica como símbolo, continuou muito tempo depois de 1921.

A Suástica

Mas afinal, de onde vem a suástica? Sua origem poderia explicar a sua utilização por esta empresa em uma propaganda, em um jornal potiguar, em 1921?

Segundo o pesquisador Elísio Gomes Filho, em um interessante artigo sobre este símbolo, aponta que a suástica ou cruz gamada, como também é conhecida, é um dos símbolos mais difundidos e antigos existentes no mundo. Qualquer que seja sua complexidade simbólica, a suástica, por seu próprio grafismo, indica manifestamente um movimento de rotação em torno do centro, imóvel, que pode ser o ego ou o pólo. É, portanto, símbolo de ação, de manifestação, de ciclo e de perpétua regeneração.

A suástica já foram encontradas em povos e culturas extremamente distintas na sua formação e localização; índios Hopi da América do Norte, Astecas da América Central, Celtas, Budistas, Gregos, Hindus, Malteses, Islâmicos etc. Os símbolos a que chamamos suástica são muitas vezes bastante distintos. Vários desenhos de suásticas usam figuras com três linhas. Outras chamadas suásticas consistem de cruzes com linhas curvas. Os símbolos islâmicos e malteses parecem mais hélices do que suásticas. A chamada suástica celta dificilmente se assemelha a uma, mas seria uma forma secundária, como tais são outras.

Na China, a suástica é o sinal do número dez mil, quer é a totalidade dos seres e da manifestação. É também a forma primitiva do caráter “fang”, que indica as quatro direções do espaço. Também poderia ter uma relação com a disposição dos números do “Lochu”, que, em qualquer caso, evoca o movimento do giro cíclico. Na Índia, considerando-se sua acepção espiritual, a suástica às vezes simplesmente substitui a roda na iconografia hindu, por exemplo, como emblema dos “nagas”. Mas é também o emblema de “Ganeça”, divindade do conhecimento e, às vezes, manifestação do princípio supremo.

Vários tipos de suásticas

Já os maçons obedecem estritamente o simbolismo cosmográfico, considerando o centro da suástica como a estrela polar e as quatro gamas que a constituem como as quatro posições cardeais da Ursa Maior.

Há ainda formas secundárias da suástica, como a forma com os braços curvos, utilizada no País Basco, que evoca com especial nitidez a figura de espiral dupla. Como também a da suástica clavígera, cujas hastes constituem-se de uma chave.

A Utilização pelos Nazistas

No caso da utilização da suástica como símbolo da ideologia nazifascista, segundo o pesquisador Elísio, no livro escrito por Adolf Hitler, “Mein Kampf”, ele explica que por volta de 1920, a liderança do então pequeno Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães via crescer cada vez mais o número de militantes de suas fileiras, mas ainda não havia uma bandeira ou um símbolo para os seus partidários. Em uma edição espanhola de 1937 do livro “Mein Kampf”, no capítulo VII, páginas 260 e 261, Hitler comentou sobre a questão de “nossa bandeira”, sobre o seu aspecto e de como o assunto preocupava os nazistas. Escreve Hitler que de todos os lados se recebiam “sugestões bem intencionadas”, porém “carentes de valor prático”. De sua parte, Hitler, pronunciou a favor da conservação das antigas cores da bandeira imperial alemã, em parte por seu efeito estético e que, melhor que qualquer outra combinação, harmonizava com seu “próprio modo de sentir”. Ele mesmo, depois de inumeráveis ensaios logrou definir uma forma definitiva, ou seja: sobre um fundo vermelho, um disco branco e no centro, a cruz gamada em negro.

Suásticas nas Olimpíadas de 1936, em Berlim.

Os nazistas empunharam pela primeira vez sua bandeira, com a suástica inclusa, no verão de 1920, as margens do lago Tegernsee, um pitoresco local rodeado de montanhas, a 50 quilômetros ao sul de Munique, onde vários chefes do partido possuíam casas de descanso.

Tal símbolo passa a ser utilizado como emblema do partido nazista e em 1935, é utilizado oficialmente como símbolo oficial do próprio estado alemão.

Provavelmente a utilização da suástica, na propaganda da “The Anglo-Mexican Petroleum Company Limited”, no jornal “A Republica” , em maio de 1921, não seguia uma orientação de apoio às idéias nazistas, podendo ser uma utilização por tudo que este símbolo representava antes da Segunda Guerra Mundial.

Creio que dificilmente a empresa que vendia estes produtos, que com o passar dos anos, passou a ser conhecida como “Shell”, utilizaria novamente este símbolo em suas peças publicitárias.

Abastecedoras de gasolina na esquina das ruas Floriano Peixoto com São Paulo, em Fortaleza, no ano de 1935. Fonte-Livro “AH Fortaleza!-1880-195o” pág. 48, 1995. Na bomba do fundo, ampliando a foto é possível ver uma suástica.