Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
Escrever sobre o local onde funcionou
o escritório da empresa Air France em Natal é resgatar uma gloriosa página da
aviação clássica na nossa região, além de conhecer a ação do francês Marcel
Girard e do Comitê da França Combatente em terras potiguares durante a Segunda
Guerra Mundial.
O estado atual das edificações localizadas no endereço da Av. Tavares de Lira, 34, bairro da Ribeira, Natal, Rio Grande do Norte.
Sabemos que, na metade do ano de
1927, Natal vivia um interessante momento com as constantes passagens de aeronaves
de vários países, pilotados por pessoas audaciosas, que cruzavam o Continente
Americano, ou o Atlântico Sul, realizando seus famosos e comentados “Raids”.
Eram voos
que traziam constantes surpresas para
a população local, ao receber aviadores muitas vezes inesperados.
Em 18 de julho daquele ano, pela
primeira vez, chega à cidade uma aeronave com rodas. Era um biplano, que sem alternativa
para aterrissar tocou o solo potiguar na Praia da Redinha durante a maré seca.
Vinha pilotado pelo francês
Foto publicada originalmente no Diário de Natal, edição de sábado, 17 de julho de 1976, página 8, com a seguinte texto – Na Redinha Paul Vachet (centro) e o co-piloto Deley (direita) e o mecânico Fayard (esquerda).
Paul Vachet, acompanhado do navegador
Pierre Deley e do mecânico Fayard.
Chegaram em um modelo francês Breguet, dos mais modernos na época. Era o
período da expansão da aviação comercial e esses aviadores vinham com o intuito
de construir um campo de pouso nas imediações de Natal. Ao visitar a região e
indicado pelo Coronel Luís Tavares Guerreiro, o aviador Vachet optou como local
para a instalação do aeródromo uma planície conhecida como Tabuleiro de
Parnamirim. O proprietário do terreno na época, o português João Manuel
Machado, fez a doação da área visando o desenvolvimento regional.
O campo de pouso de Parnamirim foi implantado no dia 14 de outubro de 1927, com a aterrissagem do avião batizado como “Nungesser-et-Coli”, tripulado por Dieudonné Costes e Joseph Marie Le Brix, que haviam atravessado o Atlântico Sul desde Saint-Louis du Senegal.
Em 20 de novembro do
mesmo ano, um avião Laté-25 iniciava a linha regular, tendo como tripulantes
Gorges Pivot, Pichad e Gaffe. Um ano e dois meses depois da implantação dessa linha
regular, mais precisamente no dia 24 de dezembro de 1928, é inaugurada em Natal
a sede da Compagnie Générale Aéropostale (CGA), na Avenida Tavares de Lira,
número 34.
Os franceses utilizavam aeronaves
terrestres no trajeto Paris até Dacar, na antiga África Ocidental Francesa, no
atual Senegal, onde entregavam os fardos com as correspondências aos chamados
“Avisos Rápidos”. Esses eram navios pequenos e bastante velozes, que singravam
o Atlântico Sul entre a costa africana e Natal; as aeronaves levavam essas correspondências
até Buenos Aires. No final do percurso a correspondência da Europa até
Argentina demorava, aproximadamente, oito dias, dos quais quatro a cinco eram gastos
na travessia do Atlântico pelos Avisos Rápidos.
Mas era um grande avanço em relação
ao transporte exclusivamente marítimo, que chegava a durar quase um mês para
uma correspondência ser entregue.
A crise econômica mundial do início
da década de 1930 não poupou a aviação comercial. O governo francês decidiu
então realizar a fusão de várias companhias aéreas que operavam no país e em 7
de outubro de 1933 foi criada a empresa Air France. Em pouco tempo foi alterado
o nome da fachada do prédio da Tavares de Lira, 34.
Esse local servia para a venda de
passagem para os mais abonados, apoiava as operações e as tripulações no aeródromo
de Parnamirim e na base do Rio Potengi, na área do Réfoles, onde atualmente se
localiza a Base Naval de Natal, e manter ligações com as autoridades locais.
Sentada Maryse Bastie concede uma entrevista. Marcel Roland Girard está logo atrás da aviadora, de gravata escura.
Enquanto as operações da Air France seguiam, chega a Natal o francês Marcel Roland Girard. Não sabemos quando isso aconteceu, mas sabemos, por meio do livro Asas sobre Natal – Pioneiros da aviação no Rio Grande do Norte, de João Alves de Melo, que na página 197 existe a informação de Marcel Girard ter apoiado a chegada da aviadora francesa Maryse Bastie em 29 de dezembro de 1936.
Jornal dos Estados Unidos noticiando a cheda de Bastie a Natal. Essa aviadora é homenageada pelo povo natalense através de uma rua batizada com seu nome e localizada no bairro do Lagoa Nova.
Essa heroína da aviação realizou, na época, um voo que quebrou o recorde mundial de velocidade feminina para a travessia do Atlântico Sul: fantásticas doze horas e cinco minutos.
Hitler em Paris em 1940.
Mesmo com o início da Segunda Guerra
Mundial, em 1º de setembro de 1939, e da invasão da França por tropas nazistas
em 10 de maio de 1940, a linha aérea da Air France ligando a França ao Brasil e
a outras nações sul-americanas continuou a operar. Mas a partir de 25 de junho,
quando os exércitos franceses se renderam aos invasores alemães, o tráfego com
a Europa foi interrompido. Entretanto, descobrimos, na 1ª página da edição de
22 de agosto de 1940 do jornal natalense A Ordem, a informação que o
Presidente Getúlio Vargas concedeu ao Sr. Marcel Roland Girard a devida licença
para ele exercer a função legal de agente consular de seu país em Natal. Com
esse ato a agência da Air France na Tavares de Lira continuou aberta, com a
bandeira tricolor hasteada no seu frontão.
Mesmo sem ter nenhuma função
específica para a aviação comercial do seu país, o fato da agência da Air France
em Natal manter suas portas abertas e a atuação de Marcel Girard como
representante oficial da França na cidade, provavelmente foi algo que gerou um
clima de animosidade entre esse francês e os cidadãos da Alemanha e da Itália
que aqui viviam. Além desses, não podemos esquecer de toda uma legião de
moradores da cidade que apoiavam as ditaduras totalitárias nazifascistas, sendo
que muitos desses fizeram parte em terras potiguares do Integralismo de Plínio
Salgado. Nessa guerra de surda belicosidade pelas ruas da Ribeira, a situação
deve ter ficado ainda mais complicada quando Marcel Girard criou em Natal o
Comitê da França Combatente.
Segundo o trabalho intitulado De
Gaulle et L’Amérique Latine, de Maurice Vaïsse, publicado em 2014 pela Editora Presses
universitaires, de Rennes, França, em meados de 1942, mais de 40 desses comitês
foram criados em todo o mundo, sem contar 412 subcomissões. Nas Américas, onde
viviam mais de 270.000 cidadãos franceses, esses comitês surgem espontaneamente
e no Brasil mais de 95% dos franceses que aqui viviam aderem a França Livre do
General Charles de Gaulle.
A sede do Comitê da França Combatente em Natal ficava no mesmo endereço do consulado francês e da Air France. Nos jornais natalenses A Ordem e A República da época é possível encontrar várias notícias da atuação desse Comitê, como irradiações de mensagens patrióticas, a execução de La Marseillaise, o Hino Nacional da França, na Rádio Educadora de Natal e a recepção a líderes da França Livre na cidade. Uma dessas visitas foi a de Albert Guerin, Presidente do Comitê da França Combatente na Argentina, que foi homenageado com um jantar no Grande Hotel. Um dos que discursaram em honra ao visitante foi o político potiguar Elói de Souza (Ver A Ordem, Natal, 29/11/1943, pág. 1).
Pelo seu trabalho na resistência do
seu país contra o totalitarismo nazifascista e sua atuação em Natal, Marcel Roland
Girard foi agraciado em dezembro de 1948 com a Medalha de Reconhecimento da
França.
Em 10 de maio de 1944, no meio da Segunda Guerra Mundial, um avião anfíbio PBY-Catalina americano em um voo de rotina de Belém para Recife caiu do céu perto de um pequeno povoado no sertão do Rio Grande do Norte. Todos os dez membros da tripulação, marinheiros dos EUA ligados ao esquadrão de patrulha marítima da Marinha VP-45, morreram no acidente. Residentes locais na área – famílias simples, agricultores pobres e trabalhadores – testemunharam o acidente e foram os primeiros a responder à tragédia. Eles revistaram os destroços, pegaram os restos da tripulação, carregaram-nos de carroça puxada por cavalos e os enterraram no cemitério da cidade de Riachuelo.
Em
10 de maio de 2019 – setenta e cinco anos de hoje – o prefeito de Riachuelo
convidou o cônsul geral John Barrett para a inauguração de uma placa no parque
municipal para lembrar os nomes dos soldados americanos mortos e homenagear a
comunidade que os visitava. ajuda, mesmo na morte. Centenas de residentes da
Riachuelo, representantes do 3º Distrito Naval do Brasil e dignitários
estaduais e locais ouviram as observações do Cônsul Geral: “Os Estados Unidos e
o Brasil compartilham uma parceria robusta baseada em quatro pilares
importantes: parceria econômica, segurança mútua e ideais e valores
democráticos – os mesmos valores de humanidade compartilhada e generosidade que
as pessoas dessa área demonstraram quando vieram em auxílio de uma aeronave
caída dos EUA em 1944. ”
O
evento também destaca os 204 anos de história compartilhada e estreita
cooperação entre o Consulado Geral dos EUA em Recife e no Brasil. Hoje, como
exemplificado pela visita do Presidente Jair Bolsonaro em março ao encontro do
Presidente Trump em Washington D.C., a Missão dos EUA no Brasil está
fortalecendo nossos laços já profundos, expandindo o comércio, o engajamento de
pessoas e a cooperação policial e de segurança.
O
movimento de solidariedade de Riachuelo com os Estados Unidos foi inspirado
pelo trabalho do historiador de Natal Rostand Medeiros que descobriu novos
detalhes do trágico acidente e histórias pessoais de moradores locais enquanto
pesquisava um livro sobre o papel do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra
Mundial. Medeiros contou histórias de moradores como Seu Lourenço Filho, que
aos 90 anos é o último testemunho vivo do acidente. Lourenço Filho falou com o
Cônsul Geral com clareza sobre sua memória de ouvir o som estridente dos
motores em perigo e ver a descida final do avião. Os líderes da cidade
homenagearam Lourenço Filho com um lugar de honra na cerimônia cercada pela
família.
Para enfatizar a
importância de preservar nossa história compartilhada para as futuras gerações,
o Cônsul Geral anunciou um concurso de redação, em colaboração com a Secretaria
Municipal de Educação da Riachuelo, para alunos do ensino fundamental e médio
sobre o tema da cerimônia e a rica história da Segunda Guerra Mundial. Os
membros do consulado retornarão em agosto para entregar os prêmios aos vencedores.
Rostand Medeiros – Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN
Através
de um convite feito pela Secretaria de Turismo do Estado do Rio Grande do Norte
– SETUR, eu estive hoje no prédio histórico da RAMPA para acompanhar a visita
do Sr. Willian W. Popp, encarregado de negócios da
Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, o segundo no escalão dessa
representação diplomática.
Foto – Charles Franklin de Freitas Góis
Como os Estados Unidos ainda não indicaram quem vai ser o titular
do cargo de Embaixador em nosso país, o Sr. Popp é o atual responsável pelo
comando do posto.
Foto – Charles Franklin de Freitas Góis
Estiveram
acompanhando essa visita os membros do Consulado dos Estados Unidos em Recife o
diplomata Daniel A. Stewart
e Stuart Alan Beechler, funcionário
desse consulado.
Com Daniel A. Stewart e Stuart Alan Beechler – Foto – Charles Franklin de Freitas Góis
Daniel e Stuart são dois bons amigos, que juntamente
com o Cônsul Geral dos Estados Unidos em Recife, o Sr. John Barret, acompanham
com atenção e possuem enorme interesse em nossa história comum.
Foto – Charles Franklin de Freitas Góis
Uma história que une durante a Segunda Guerra
Mundial a antiga estação de hidroaviões da Rampa, juntamente com Parnamirim
Field, Natal, o Rio Grande do Norte, o Brasil e os Estados Unidos.
Foto – Charles Franklin de Freitas Góis
Recentemente estive junto com Daniel, Stuart e
o Sr. Barret no trabalho de resgate histórico e homenagens aos aviadores da
Marinha dos Estados Unidos que pereceram em 10 de maio de 1944, na área rural
do município potiguar de Riachuelo, em um acidente com um hidroavião
Consolidated PBY-5A Catalina.
Mais detalhes sobre os eventos acontecidos em
Riachuelo, veja esses links:
Carlos Ribeiro Dantas explicando o projeto – Foto – Charles Franklin de Freitas Góis
Coube ao arquiteto da
SETUR Carlos Ribeiro Dantas, que trabalha com denodo e especial atenção na
recuperação desse patrimônio histórico, conduzir os visitantes.
Foto – Charles Franklin de Freitas Góis
Carlos apresentou os
serviços que estão sendo realizados e apontou as necessidades para a conclusão da
obra. Posso testemunhar que os trabalhos estão sendo muito bem conduzidos e a
entrega desse patrimônio ao povo potiguar se dará em breve.
Foto – Charles Franklin de Freitas Góis
Também esteve nessa
visita Ana Paula Andrade, da comunicação da SETUR, bem como Hyvirng Ferreira, a
Vivi, minha amiga da bela cidade de Patu e assessora técnica da EMPROTUR.
Foto – Charles Franklin de Freitas Góis
A minha participação nessa
visita foi apoiar, quando necessário, os visitantes e os membros da SETUR com
informações históricas.
Foto – Charles Franklin de Freitas Góis
Nessa visita, que durou
quase duas horas, muito me chamou a atenção o fato do Sr. Willian Popp buscar informações sempre detalhadas sobre os aspectos
técnicos da obra. Ele igualmente buscou conhecer as informações de caráter histórico
sobre a utilização do prédio da Rampa pela aviação comercial dos Estados Unidos
antes da Segunda Guerra e pelos militares da marinha do seu país durante o
conflito.
Foto – Charles Franklin de Freitas Góis
O Sr. Popp comentou ser
um fato que a existência do complexo militar americano no Rio Grande do Norte durante
a Segunda Guerra é praticamente desconhecido nos Estados Unidos, bem como sobre
os episódios aqui ocorridos. Mas informou que a história aqui existente é muito
rica e interessante para o povo norte-americano e que a atuação conjunta da
representação diplomática do seu país no Brasil e do Governo do Estado do Rio
Grande do Norte pode ampliar essa informação e o conhecimento sobre Natal na
Guerra.
Foto – Charles Franklin de Freitas Góis
Da minha parte recebi dos
membros da SETUR total liberdade para expor ao Sr. Willian Popp meus
pensamentos sobre esse período histórico.
Foto – Charles Franklin de Freitas Góis
Enalteci a importância histórica,
social e cultural dos eventos aqui ocorridos, o fato dessa história comum ser
algo que permeia todas as camadas da nossa sociedade, que em minha opinião os
potiguares gostam e desejam aprender mais sobre esses fatos e outros aspectos
que considerei pertinente.
Foto – Charles Franklin de Freitas Góis
Sob todos os aspectos foi
um momento extremamente positivo e que possa gerar bons frutos para o turismo e
para o conhecimento da história potiguar pelo seu povo.
Antes de chegar ao Brasil
o diplomata William Popp foi conselheiro político da Embaixada dos Estados
Unidos em Nairóbi, no Quênia, e atuou ainda em missões na Colômbia, Angola e
Nicarágua.
Possui mestrado em
Estratégia de Segurança Nacional pela Escola Superior de Guerra dos Estados
Unidos, em Washington, mestrado em Artes em Assuntos
Internacionais, pela Universidade George Washington, e bacharelado em Estudos
Internacionais e Ciências Políticas pelo Westminster College.
Um verdadeiro ícone do período da Segunda Guerra Mundial em Natal – Foto – Rostand Medeiros.
ROSTAND MEDEIROS – INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE -IHGRN
Antes mesmo de Natal se consolidar na segunda metade da década de 1920 como um importante ponto para a aviação mundial, o governador Juvenal Lamartine de Faria, que exerceu seu mandato entre 1928 a 1930, percebeu a necessidade de construir um hotel amplo e moderno, que atendesse as intensas transformações que o transporte aéreo projetava para o Rio Grande do Norte.
Planta original do Grande Hotel.
Na
edição do jornal Diário de Natal, de
25 de novembro de 1948, na segunda página, encontramos um interessante relato da
história do Grande Hotel, onde soubemos que o governador Lamartine chegou mesmo
a adquirir um terreno na Ribeira para a construção de um hotel. Mas a sua
deposição, como parte dos desdobramentos da Revolução de 1930 no Rio Grande do
Norte, abortou essa ideia. Coube então ao Interventor Mário Leopoldo Pereira da
Câmara a compra de um outro terreno. Este era localizado na esquina das
Avenidas Duque de Caxias com Tavares de Lira, sendo fechado o negócio no dia 15
de outubro de 1935, quatorze dias antes desse político deixar o poder executivo
estadual. O novo governador Rafael Fernandes de Gurjão deu prosseguimento a
esse projeto. Vale ressaltar que por essa época algumas empresas aéreas já
utilizavam a capital potiguar como escala em suas viagens ligando a Europa e os
Estados Unidos até a América do Sul. Sendo constantes os pousos de hidroaviões
no estuário do Rio Potengi e no Campo de Parnamirim, a vinte quilômetros do
centro de Natal.
A
partir de 1935 o arquiteto francês Georges Henry Mournier realizou os estudos e
o projeto do Grande Hotel de Natal. Mournier chegou ao Brasil no dia 26 de outubro de 1927
e marcou sua carreira com inúmeras obras pelo Nordeste. Além do nosso Grande
Hotel, esse francês foi o responsável em 1939 pelo projeto arquitetônico da
Catedral Metropolitana de Fortaleza e do Cineteatro Pax, de Mossoró, construído
no estilo Art déco. Coube a ele o projeto do Grande Hotel de Recife, do prédio
da Prefeitura de Campina Grande, da urbanização do Parque Sólon de Lucena em
João Pessoa, do Seminário de Garanhuns e outros mais[1].
Projeto da Escola de Aplicação do Instituto de Educação, em João Pessoa, Paraíba. Autoria de Georges Henry Mournier: Fonte – Revista O Cruzeiro, edição de 10 de dezembro de 1938, página 61.
Através
do Decreto estadual nº 431, de 22 de fevereiro de 1938, o governador Rafael
Fernandes contraiu um empréstimo para a conclusão da obra e o prédio foi
inaugurado em maio de 1939. O total gasto na obra, segundo Itamar de Souza, foi
de “1.607.856,500”. Mas o empreendimento só começou efetivamente a funcionar em
setembro daquele ano[2].
Antes
da eclosão da Segunda Guerra Mundial, o bairro comercial mais importante de
Natal era a Ribeira. Era nessa região que se concentravam os principais órgãos
de governo, onde estavam as estações ferroviárias e o porto. As avenidas Duque
de Caxias, Tavares de Lira, largas e arborizadas e as praças José da Penha e
Augusto Severo compunham o quadro, que mudou radicalmente com a inauguração do
Grande Hotel.
O
hotel, que possuía 76 apartamentos, foi então arrendado ao comerciante
Theodorico Bezerra, proprietário da empresa Theodorico Bezerra & Cia., e
membro da Associação Comercial. Segundo relatos da época Theodorico era uma das
pessoas que mais entendia de hotelaria em Natal. Em uma reportagem do Diário de Natal de 23 de janeiro de 1985,
página 3, ao rememorar quase 50 anos de atividade do Grande Hotel, Theodorico
Bezerra informou que fora proprietário do Hotel dos Leões, do Hotel
Independência, do Palace Hotel e do Hotel Internacional.
Theodorico Bezerra no Congresso Nacional, quando exercia o cargo de deputado federal na década de 1950.
Na
edição de 1938 do Almanak administrativo,
mercantil, e industrial do Rio de Janeiro, ou Almanak Laemmert, um ano antes da inauguração do Grande
Hotel, na sua página 762, encontramos a informação que Natal possuía nessa
época oito estabelecimentos de hospedagem. Eram estes o Hotel Avenida (Rua
Nísia Floresta, 223), o Hotel Internacional (de propriedade do Sr. David
França, localizado na Avenida Tavares de Lira, 115), o Palace Hotel, (também de
David França, na Rua Chile, 106), a Pensão Brasil (na Rua Senador José Bonifácio,
ou Rua das Virgens, nº 168), a Pensão
Familiar (de Maria Cabral, na Rua Junqueira Aires, 417), a Pensão Moderna (na
Rua Senador José Bonifácio), Pensão Rio Branco (de Olívio Gonçalves Guerra,
Avenida Rio Branco, 456) e a Pensão Natal (Avenida Rio Branco).
Em
1942 Newton Tornaghi, então oficial da Marinha do Brasil com o posto de
Capitão-tenente e imediato da corveta Jaceguai, publicou na edição de 05 de
maio do Jornal do Brasil um
interessante texto sobre a Natal que ele conheceu antes e durante a Guerra.
Mesmo com a localização privilegiada, Tornaghi apontou que já na época de sua
inauguração surgiram dúvidas entre os natalenses do sucesso do Grande Hotel.
Achavam que o movimento do porto e das aeronaves que por Natal passavam “não
comportavam tão avançado empreendimento”. O oficial naval percebeu o hotel como
“bem organizado, com construção moderna”, mas “um pouquinho menor que o nome
apontava e um pouquinho maior do que a cidade se acostumou a vê-lo”.
Esse
relato do Capitão Tornaghi foi confirmado em 1970 pelo jornalista Djair Dantas,
que publicou em uma interessante reportagem a decadência do Grande Hotel
naquele período. Ao entrevistar o antigo funcionário José Santana Sobrinho esse
narrou que os dois primeiros anos foram difíceis, pois “o homem do interior,
por exemplo, não queria nunca hospedar-se aqui”[3].
Mas
tudo mudou quando os primeiros norte-americanos chegaram à cidade. Estes foram os
técnicos da ADP, com a função especifica de trabalhar no desenvolvimento de
Parnamirim Field e foi para o Grande Hotel que eles se dirigiram em busca de
algum conforto. Para Newton Tornaghi, com a chegada da guerra o Grande Hotel
transformou-se em um local interessante, onde “falava-se todos os idiomas”.
E o movimento no local era intenso. Em
um artigo sem autor conhecido, encontramos o comentário que diante do
surpreendente movimento de estrangeiros na cidade, o “Grande Hotel hoje deveria
ser em duplica, ou triplicata, para atender aos hóspedes”. Logo o inglês,
depois do português, passou a ser o idioma mais falado nas dependências do
hotel, bem como nos bares, restaurantes, boates e no comércio local[4]. Para
Lenine Pinto o lugar era o “Espelho da Ribeira”. Do seu mezanino, que se abria
sobre o restaurante, uma pequena orquestra tocava valsinhas na hora das
refeições. Além dos estrangeiros, grandes figuras de projeção nacional e da
máquina governamental de Getúlio Vargas se hospedavam no Grande Hotel,
inclusive altas autoridades militares como os Generais Eurico Gaspar Dutra e João
Batista Mascarenhas de Morais. O Almirante Ary Parreiras, construtor da Base
Naval de Natal, só se hospedava com a família e o General Gustavo Cordeiro de
Farias ficava sempre no quarto 216[5].
Ao rememorar no Diário de Natal de 23 de janeiro de 1985 seus momentos no Grande Hotel, Theodorico lembrou que instalou no hotel um cassino “com todo tipo de jogo” e cravou que foi “nessa época que ganhei mais dinheiro aqui no hotel”. José Santana Sobrinho comentou a Djair Dantas que o nome da casa era Casino Natal e que para abrir esse negócio Theodorico fez uma parceria com um “italiano chamado Bianchi”. Esse não era outro se não Alberto Quatrini Bianchi, descendente de italianos nascido em Rio Claro, São Paulo, proprietário, ou arrendatário, de casinos e hotéis no Rio de Janeiro, Guarujá, Recife, Poços de Caldas, Ouro Preto, São Luís do Maranhão, Niterói e outros lugares. Para o ex-fotógrafo da Marinha dos Estados Unidos John R. Harrison, em seu livro Fairwing Brazil – Tales of South Atlantic in World War Two (Schiffer Publishing, 2014, Atglen, PA, USA) , na página 200, o Grande Hotel estava sempre cheio e seu proprietário utilizou de considerável perspicácia política para obter uma licença que permitisse o funcionamento de um cassino naquele local. Provavelmente foi Bianchi que conseguiu essa liberação junto aos políticos, pois conhecia bem “o caminho das pedras” entre essas pessoas.
Para Clyde Smith o hoteleiro
Theodorico Bezerra quase perdeu a concessão que possuía para gerir o principal
hotel de Natal. E a investida partiu do General Antônio Fernandes Dantas,
caicoense de nascimento, que substituíra Rafael Fernandes à frente do executivo
potiguar em 9 de junho de 1943, mas Clyde não explica a razão. Esse autor
norte-americano comentou que realmente Theodorico ganhou muito dinheiro com os
militares do seu país naqueles anos e, apesar do Observador Naval da Marinha
dos Estados Unidos haver conseguido informações que apontavam tendências
pró-germânicas por parte de Theodorico, os norte-americanos sempre foram tratados
corretamente naquele estabelecimento[6].
Uma visita que verdadeiramente marcou
o Casino Natal foi a do ator hollywoodiano Humphrey
Bogart. Ele passou por Natal entre novembro e dezembro de 1943 e esteve
no casino na noite de 30 de novembro, uma terça-feira, na companhia de um
coronel chamado Wallace Ford e outras autoridades americanas[7].
Santana lembrou que no Cassino Natal o pianista Paulinho
Lyra dedilhava um piano novo em folha, que foi comprado ao médico Januário
Cicco.
Protásio Melo comentou que ao redor do Grande Hotel, que ele denominava “Quartel
General dos americanos”, podia-se ver todo tipo de comércio improvisado,
vendendo todo tipo de coisa aos estrangeiros. Havia desde saguis, papagaios,
corujas, periquitos, rendas do Ceará, facas de ponta vindas de Campina Grande e
toda uma “cavalaria” de alimárias para serem alugados para passeios e fotos.
Protásio narrou também que viu nas mesinhas do bar do hotel artistas cinematográficos
como Joel McCrea, Buster Crabbe, Bruce Cabot e Martha Raye, nomes famosos de
Hollywood nas décadas de 1930 e 1940[8].
Para José Santana Sobrinho o Grande
Hotel era uma das grandes referências para os visitantes da cidade, se não a
principal. Pessoas ilustres, mesmo sem se hospedarem, por ali passavam para tomar
uma bebida. Foi o caso da Madame Chiang Kai-Shek, ou de Oswaldo Aranha, então
Ministro das Relações Exteriores do Brasil.
Por viver lotado, Santana lembrou que
teve gente como o famoso jornalista David Nasser, ou Paschoal Carlos Magno,
então diretor de teatro e futuro Chefe de Gabinete do Presidente Juscelino
Kubitschek, que foram obrigados a dormir mal acomodados em sofás, ou embaixo de
escadas, quando estiveram no Grande Hotel.
Devido a lotação Theodorico Bezerra, que ficou conhecido no Rio Grande do Norte como “o majó”, alugou apartamentos nas proximidades, principalmente nos Edifícios Bila e Varela, na Avenida Duque de Caxias. Para José Santana Sobrinho, devido a sua categoria, não dava para o Grande Hotel hospedar náufragos de navios torpedeados que apareciam “nus da cintura para cima” e eles eram enviados para esses anexos. Nesses locais também ficavam os passageiros dos hidroaviões Boeing 314 Clipper, da Pan American Airways, que pernoitavam em Natal, seguindo viagem para ou sul do Brasil, ou em direção aos Estados Unidos.
Os passageiros dos hidroaviões Boeing 314 Clipper, da Pan American Airways que pernoitavam em Natal se hospedavam no Grande Hotel, ou em seus anexos.
Se a vinda dos militares
norte-americanos trouxe reais benefícios a membros da elite social natalense,
seguramente um destes, ou o principal, foi Theodorico Bezerra.
Após o fim da Segunda Guerra, mesmo com o declínio econômico e financeiro que Natal sentiu com a saída das tropas estrangeiras, a projeção e referência do Grande Hotel na vida do povo natalense atingiu níveis interessantes. Um desses casos é o da praça diante do estabelecimento, que se tornou durante muitos anos uma espécie de rodoviária informal da cidade. Chamada de Praça José da Penha, antiga Leão XIII, era um local de muito movimento e central em relação ao comércio da época. Ali se concentravam pelo menos quatro linhas de ônibus para o interior. De quarta aos sábados, a partir das cinco da manhã, partia um veículo para Caicó. Já para Macaíba havia duas viagens por dia, todos os dias da semana. No caso de Nova Cruz a linha funcionava de quarta aos domingos, a partir de duas da tarde. Já para Ceará-Mirim tinha ônibus todos os dias às quatro da tarde[9].
Theodorico Bezerra continuou como
arrendatário por 48 anos, até 1987, quando não apenas seu antigo hotel, mas
todo o bairro da Ribeira já viviam um franco declínio.
Nos dias atuais o prédio do Grande Hotel é utilizado pelo Juizado Especial Central da Comarca de Natal, antes conhecido como Juizado de Pequenas Causas. Mas existe a informação que em um futuro breve a justiça potiguar deixar de utilizar esse local.
Um hidroavião Consolidated PBY-5 Catalina e grande parte dos oficiais e subalternos do esquadrão VP-45, antes de sua transferência para Belém do Pará. Foi uma aeronave similar a essa que caiu na área da antiga fazenda Lagoa Nova, município de Riachuelo, Rio Grande do Norte. Fonte: National Archives and Records Administration – NARA
Rostand Medeiros – Historiador, escritor e membro do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN
Publicado originalmente no livro Sobrevoo – Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte, de Rostand Medeiros, Natal-RN:Editora Caravelas, 2019, págs. 283 a 305.
Seu
nome era Francisco Inácio, estava na meia idade, era conhecido na região de São
Paulo do Potengi como um homem sério e trabalhador[1]. Seu Chico Inácio, como
todos o chamavam, possuía uma pequena propriedade rural no agreste do Rio
Grande do Norte conhecida como Fazendinha, que teria meros 50 hectares. Essa
diminuta gleba ficava próximo a um arruado chamado Lagoa dos Paus e fazia
fronteira com a grande e poderosa fazenda Lagoa Nova, um latifúndio com cerca
de 11 mil hectares pertencente ao ex-governador potiguar Juvenal Lamartine de
Faria, com quem aquele homem simples mantinha uma boa relação.
No dia
10 de maio de 1944, uma quarta-feira, aquele pequeno produtor rural percorria
sua gleba realizando as tarefas comuns aos potiguares que viviam da terra e do
gado. Cavalgava sua pequena alimária envergando a tradicional roupa de couro,
buscando os animais soltos no pasto. Realizava sua tarefa com muito
contentamento e alegria, pois naqueles dias a região estava sendo contemplada
com muita chuva, verdadeira bênção de Deus. Uma grande fartura depois de dois
anos de uma seca braba que queimou a terra e deixou tudo que era bicho e gente
passando fome[2].
É quase certo que o vaqueiro Chico Inácio estivesse vestido dessa forma no dia do acidente. Fonte: Arquivo Nacional.
Por
volta das duas da tarde o tempo se encontrava nublado, friozinho. Certamente o
vaqueiro pensou que à noite novas chuvas molhariam a terra e relâmpagos
cortariam o firmamento. Foi quando ele escutou o som de motores e viu uma
aeronave. Mas, diferente de outros raríssimos aparelhos que ele havia
presenciado cruzando os céus por ali, Seu Chico Inácio percebeu que a máquina
voadora parecia estar com problemas, pois soltava fumaça e o ronco dos seus
motores era estranho. Logo viu aquele negócio despencando para o chão e
descobriu que não era apenas chuva que caía dos céus.
A
máquina bateu com força no solo, em um ponto já nas terras do Dr. Juvenal, não
muito longe de onde ele se encontrava. Para seu espanto, uma grande bola de
fogo surgiu, seguida de uma fumaça bem preta que marcou o local do impacto e se
elevou a grande altura. Prontamente o vaqueiro esporeou seu animal e seguiu
para o lugar do desastre.
Área da queda do Catalina da US Navy. Foto: Aílton Freitas.
O que
Seu Chico Inácio viu certamente foi muito marcante em sua existência, pois os
que o conheceram em vida guardaram na memória a narrativa bem detalhada que ele
fez do triste espetáculo.
A
máquina aérea tinha aberto um amplo buraco no chão. Tudo ao redor estava
queimado, completamente calcinado. Pedaços de metal retorcido se espalhavam por
toda a parte, junto com papéis e roupas que saíam de bolsas de viagem abertas
pelo impacto. Mas o pior foi ver que aqui e ali apareciam pedaços de corpos
humanos mutilados e queimados e sentir o forte cheiro de carne queimada. De uma
árvore pendia um corpo sem a cabeça, de outra só a parte superior do tronco era
visível, noutro canto uma parte de uma perna. Uma verdadeira tristeza.
O hidroavião caiu em uma região próximo onde anos depois foi construído um açude, que é conhecido até hoje como “Açude do Avião” . Foto: Aílton Freitas.
Não
sabemos, mas é provável que Seu Chico Inácio tenha se perguntado interiormente
de onde vinha aquela máquina e quem eram aqueles pobres filhos de Deus que
encontraram o fim de sua existência de maneira tão terrível e violenta.
Do Alasca para Belém
Para
respondermos a essa pergunta, temos de lembrar que quase três anos antes, após
o ataque japonês às ilhas havaianas em 7 de dezembro de 1941, os nipônicos
passaram a realizar ataques coordenadamente em vários pontos no território
asiático e no extenso Oceano Pacífico. Logo são dominados a Malásia, Hong Kong,
Birmânia (atual Mianmar), Filipinas, Singapura e outros locais. Entre dezembro
de 1941 e junho de 1942 várias foram as vitórias japonesas e eles mantiveram a
iniciativa do confronto até a grande batalha aeronaval de Midway. Ocorrida
entre os dias 4 e 7 de junho, esse combate resultou em uma grande derrota para
o Japão, com quatro porta-aviões dessa nação afundados pela Marinha dos Estados
Unidos. Mas um ponto pouco conhecido e ligado a essa batalha foi o envio de uma
força naval japonesa para as Ilhas Aleutas, no Alasca, em 3 de junho. Essas
ilhas frias e sem árvores se erguem do Oceano Pacífico como pontos rochosos em
um mundo de cinza, sendo cumes de uma cordilheira vulcânica submersa, formando
um extenso e estratégico arquipélago em forma de arco, verdadeira extensão do
gelado território do Alasca que adentra o Pacífico. O objetivo nipônico ao
invadir esse gélido local era tentar atrair as forças militares americanas que
se concentravam na região da Ilha Midway e dividir a Frota dos Estados Unidos
do Pacífico. Os nipônicos atacaram as Aleutas bombardeando a base de Dutch
Harbor e capturando as Ilhas de Attu e Kiska. Entretanto, essa ação
diversionista japonesa não surtiu o efeito desejado.
Um avião norte-americano C-47 pousado em Attu, Ilhas Aleutas, Alasca. Fonte: National Archives and Records Administration – NARA ,
Somente onze meses depois, em 11 de maio de 1943, as forças militares americanas iniciaram uma operação para recapturar Attu. Entre as forças de apoio a esta invasão estava um esquadrão aéreo da Marinha americana, batizado como VP-45. Este havia sido criado meses antes e contava como força de combate seis hidroaviões Consolidated PBY-5 Catalina.
Após a
total reconquista de Attu, o VP-45 recebeu diretamente da fábrica da
Consolidated mais seis PBY-5 e continuou atuando na região realizando
principalmente patrulhas marítimas.
Em 10 de julho de 1943, quatro Catalinas desse esquadrão decolaram de Attu e seguiram em direção ao Japão, onde o grupo realizou um bombardeio noturno à Ilha de Paramushiru, a segunda maior ilha do arquipélago das Ilhas Curilas, ao norte do território metropolitano japonês e hoje ocupado pelos russos.
PBY-5 Catalina do VP-45 na base de Attu, Alasca. Fonte:National Archives and Records Administration –NARA
Para alguns pesquisadores americanos, essa ação colocaria o VP-45 como o primeiro esquadrão da Marinha dos Estados Unidos a atacar diretamente o território das ilhas japonesas. Mas existem controvérsias sobre essa missão, pois as bombas foram lançadas à noite através do uso do radar, com tempo nublado e resultados desconhecidos.
Logo após o Ano Novo de 1944, mais precisamente no dia 3 de
janeiro, o esquadrão recebeu o capitão Calder Atkinson como seu novo
comandante. Este era um jovem de 29 anos, nascido na cidade de Wilmington, no
estado da Carolina do Norte, que estudou na New Hanover High School e se formou
em Engenharia Mecânica em 1936 na Universidade da Carolina do Norte (UNC), em
Chapel Hill. O comandante Atkinson então recebeu ordens de partir da gélida
Ilha Attu com seus hidroaviões e suas tripulações em direção aos Estados Unidos
a partir de março de 1944. Receberam doze novos hidroaviões Catalina do modelo
PBY-5A e passaram algum tempo treinando e patrulhando as águas da Flórida. Em
29 de abril de 1944, novas ordens informavam a transferência do VP-45 para a
caliente Belém, no estado do Pará, Brasil.
PBY-5 Catalina em zona tropical. Fonte:National Archives and Records Administration –NARA
Por essa época, a ação dos submarinos nazistas na costa
brasileira e no Atlântico Sul era já bem reduzida. Iam longe os chamados “Dias
Felizes”, quando as tripulações dos submersíveis alemães haviam implantado o
terror, a morte e a destruição nas rotas de navios cargueiros Aliados com ações
bélicas verdadeiramente tenazes e audaciosas. Mas a guerra ainda continuava e
os militares americanos tinham uma missão a cumprir. Para melhor cobrir sua
área de patrulha antissubmarino, o comandante Atkinson deslocou Catalinas do
VP-45 para destacamentos avançados no Amapá e em São Luiz, Maranhão.
Calder Atkinson, comandante do VP-45 no Brasil. Aqui em uma foto antes do início da segunda Guerra.
No Brasil, o comandante Atkinson está sob o controle operacional
da Fleet Air
Wing 16(FAW-16), unidade
que comandava as operações aéreas da Four Fleet, a chamada 4ª Frota da Marinha
dos Estados Unidos operando no Atlântico Sul. Em nosso país essas organizações
militares americanas tinham sede em Recife, estavam sob o comando do almirante
Jonas Howard Ingram e trabalhavam em conjunto com a Marinha do Brasil para a
proteção das nossas costas e do tráfego comercial marítimo.
Símbolo, ou “bolacha”, do VP-45 durante a Segunda Guerra Mundial. Fonte: Jornal local não identificado.
Onze dias após a chegada ao nosso país, às sete da manhã do dia 10 de maio, vamos encontrar o comandante Calder Atkinson sentado na cabine de comando de um PBY-5A, preparando-se para decolar do Campo de Val de Cans com destino a Recife. Atkinson e sua equipe deveriam se apresentar ao comandante da FAW-16, Rossmore D. Lyon, e obter material necessário para o bom funcionamento do seu esquadrão. Era apenas um voo administrativo, no qual além do comandante Atkinson estavam a bordo outros nove militares, entre estes dois oficiais fuzileiros navais. Aparentemente seu copiloto era o tenente John Weaver Shoyer, de Wynnewood, Filadélfia, que havia sido executivo de uma companhia de seguros e se alistou em junho de 1942.
O “Draft”, ou ficha de alistamento do tenente John Weaver Shoyer. Fonte:National Archives and Records Administration –NARA
O voo decolou normalmente e seguiu sem maiores alterações até
Fortaleza. Ao meio-dia e cinquenta e dois minutos passou por um ponto a cerca
de dezesseis quilômetros a oeste da capital cearense, onde manteve um último
contato. Neste momento foi relatado pelo Catalina do VP-45 que as condições
meteorológicas eram de chuvas, muitas nuvens e ventos fortes.
Então o hidroavião do comandante Calder Atkinson sumiu!
No outro dia, logo pela manhã, decolaram de Belém três Catalinas
do VP-45, comandados pelos tenentes R. A. Evans, R. F. Watts e J. D. Logan, que
iniciaram buscas aéreas, refazendo o mesmo plano de voo anteriormente definido
pelo comandante Atkinson. Voaram todo o dia, mas o resultado foi negativo.
Aviões da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos participaram das buscas,
mas o resultado foi igualmente infrutífero.
Somente no outro dia chegou ao conhecimento dos americanos do
VP-45 que os restos do avião do comandante Atkinson se encontravam em um local
a cerca de oitenta quilômetros a oeste de Natal.
Corpos no carro de bois
Através do inestimável apoio
da Prefeitura Municipal de Riachuelo, na pessoa de Ailton de Freitas Macedo,
Secretário de Administração local, que prontamente percorreu os locais
envolvendo essa história e apresentou os guardiões da memória de sua comunidade,
conheci José Lourenço Filho. Prestes há completar 90 anos, o seridoense de Florânia e ex-vaqueiro nunca se
esqueceu daquela tarde de 10 de maio de 1944,
quando ele estava junto com seu pai na sede da fazenda Lagoa Nova.
Rostand Medeiros, José Lourenço e Aírton Freitas, Secretário de Administração de Riachuelo e grande batalhador pela história de sua comunidade – Foto: José Correia Torres Neto.
Seu José Lourenço, como todos os conhecem na cidade potiguar de Riachuelo, fala com emoção da Lagoa Nova, onde seu pai, José Lourenço da Silva, era trabalhador e homem de confiança do Dr. Juvenal Lamartine. Ele havia sido responsável pela construção da anteriormente imponente casa grande dessa propriedade e do enorme açude que ainda existe por lá.
A antes suntuosa fazenda Lagoa Nova havia pertencido ao médico e
ex-deputado estadual José Calistrato Carrilho de Vasconcelos, bem como a
propriedade vizinha, denominada Quintururé. Anos depois da morte do Dr.
Calistrato, ocorrida em 22 de outubro de 1930, as duas fazendas foram
adquiridas por Juvenal Lamartine, que as uniu sob a denominação de Lagoa Nova e
a transformou em um dos maiores latifúndios existentes em terras potiguares. Em
1948, além dos seus pretensos 11 mil hectares, a fazenda Lagoa Nova possuía
seis açudes, 18 casas de tijolos e 34 de taipa para os trabalhadores rurais e
seus familiares, e sua grande casa grande tinha dois pavimentos e uma piscina
com 24 metros. Os moradores trabalhavam com gado e principalmente com algodão,
que era beneficiado em uma usina equipada com uma caldeira e um motor de 80
H.P. Existia igualmente uma casa de beneficiamento de farinha de mandioca[3].
Antiga sede da Fazenda Lagoa Nova, que pertenceu ao ex-governador potiguar Juvenal Lamartine . Foto: José Correia Torres Neto.
No dia do inusitado acontecimento, Seu José Lourenço, então com
15 anos de idade, estava próximo à casa grande quando escutou o ruído de
motores, olhou para o céu e viu uma aeronave que seguia aparentemente no rumo
de Natal. Não era comum ver aviões sobrevoando a sua região, mas o jovem logo
suspeitou que aquele aparelho que passava devia ser usado na guerra, nos
combates que aconteciam no mar. Seu José Lourenço não sabia o porquê dessa
briga, mas sabia que o Brasil estava em guerra contra os alemães de Hitler,
pois eles haviam afundado vários navios brasileiros e provocado a morte de
muitas pessoas. Sabia também que na capital potiguar os americanos, amigos dos
brasileiros, estavam construindo uma grande base para aviões e gastando muito
dinheiro nessa atividade. Ele até conhecia gente que tinha ido trabalhar nessas
construções, principalmente durante a última seca de 1942 e 43.
Foi quando viu aquela aeronave começar subitamente a cair. Na sequência, ele e todos que se encontravam na sede da Lagoa Nova escutaram um barulho abafado e distante e logo uma nuvem negra se elevou no horizonte para os lados da comunidade rural de Riacho dos Paus. O jovem e outras pessoas que lá se encontravam se agitaram para ir ver onde ocorreu o acidente, mas seu pai lhe proibiu de seguir para o local. Obedientemente, Seu Lourenço acatou a ordem do genitor. Seu pai foi ao local e voltou triste com o que viu, narrando que os corpos ficaram despedaçados e queimados[4].
Local da queda do Catalina, entre os municípios potiguares de Riachuelo e Bento Fernandes, a cerca de 80 km de Natal. Fonte: Divisão de Cartografia do Exército Brasileiro.
Em maio de 1944, a maior localidade existente nas proximidades
do local do desastre é a atual cidade de Riachuelo, na época um povoado
pertencente a São Gonçalo do Amarante. Nesse tempo havia cerca de 120 famílias
no lugarejo e uma pessoa chamada Chico Bilro, que vendia pão entre os povoados
da região, foi o primeiro a trazer a notícia da queda de um avião nas matas da
Lagoa Nova[5].
Muita gente começou a aparecer no local e um vaqueiro chamado
Olintho Ignácio, que trabalhava para o Dr. Juvenal e era uma pessoa muito
ligada a seu filho, Oswaldo Lamartine de Faria, tomou a iniciativa de recolher
as mãos dos aviadores mortos para saber quantas pessoas tinham dentro daquele
negócio todo queimado e destroçado no meio da caatinga. Como os pedaços
dos corpos estavam com suas cabeças mutiladas, era difícil para eles saberem com
exatidão quantos ali pereceram. No primeiro momento o vaqueiro juntou 18 mãos e
todos imaginaram que ali era o local da morte trágica de nove homens. Consta
que Oswaldo Lamartine também estava na fazenda e seguiu a cavalo para o local[6].
Uma colher com símbolo da US Navy, encontrada no local da queda do Catalina. Foto: Charles Franklin de Freitas Gois.
Segundo Seu José Lourenço, no dia seguinte à queda, Olintho e um homem chamado Absalão, morador da fazenda Serra Azul, do agropecuarista Ulisses Medeiros, juntaram os pedaços dos tripulantes e os colocaram em um carro de bois. Oswaldo Lamartine também ajudou nessa complicada tarefa. O condutor então tocou seus animais com o que sobrou dos americanos para serem enterrados no pequeno cemitério de Riachuelo. Absalão levou todo um dia tangendo seus animais por uma simples vereda que cortava a caatinga, em meio ao ranger das rodas do seu tradicional veículo e ao cheiro de decomposição de corpos humanos. O escritor José Cândido Vasconcelos, autor do livro História de Riachuelo – Sabença do povo, informou que em 1944 era criança na pequena localidade de apenas uma rua. Foi por essa via que Absalão passou por volta das oito da noite, a hora conhecida pelos sertanejos como “Boca da noite”, com a sua lúgubre carga, chamando atenção de todos e deixando no ar o registro da terrível morte daqueles homens. Consta que Absalão passou a noite enterrando os restos dos americanos em uma vala comum.
O Sr. Daniel A. Stewart , do Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife, visitando o Cemitério Municipal de Riachuelo e o local onde os restos mortais dos aviadores da US Army ficaram enterrados. Foto: Charles Franklin de Freitas Gois.
Alumínio, anéis, panos, dólares e memória
Diante do fato consumado e certamente premidos pela ignorância
gerada pelo analfabetismo reinante e a pobreza de dois anos de seca braba,
várias pessoas passaram a levar dos restos do Catalina VP-45 todo tipo de
objeto que tinha alguma utilidade.
Em seu interessante livro, José Cândido Vasconcelos informou que até mesmo as janelas que recobriam a cabine e as bolhas de observação nas laterais da aeronave, feitas de um material chamado “Plexiglass”, se transformaram em anéis que as mulheres pobres da região ostentavam. Outros pegaram nas várias bolsas de viagem muitas fardas militares e logo estas se transformaram em peças de vestuários dos sertanejos. Ficaram conhecidas como as roupas feitas com os “Panos do avião”. Sobre isso Seu José Lourenço comentou que os tecidos eram da mesma cor cáqui utilizada nos uniformes da Força Pública do Estado na época, mas feitos de um material de muito melhor qualidade. O autor Cândido Vasconcelos informou que o Dr. Juvenal enviou homens de sua confiança para guardar o que sobrou da aeronave, mas quando estes chegaram ao local pouco havia de valor para ser levado.
Documento original da US Navy sobre o acidente e a lista dos falecidos. Fonte: National Archives and Records Administration – NARA
Artesãos locais utilizando suas destrezas criaram cabos de
peixeiras e coronhas de espingardas do tipo “Bate bucha” revestidas de
alumínio, materiais que eles não tinham praticamente acesso na época. Seu José
Lourenço Filho me narrou que o alumínio do Catalina foi de muita utilidade para
seu pai, pois ele confeccionou várias fichas de contagem de cargas com esse
material. Nosso entrevistado lembrou que naquele tempo, antes dos tratores de
terraplanagem se espalharem pelos sertões, os jumentos eram primordiais na
construção dos açudes, onde eram utilizados muitos desses animais. Funcionava
assim: os donos dos jumentos retiravam das proximidades materiais como areia,
barro ou pedras, e estes eram transportados em seus animais até a parede da
barragem. Após despejarem a carga, eles recebiam fichas por cada viagem
realizada, que eram trocadas por dinheiro no final da jornada de trabalho.
Ficaram conhecidas como “As fichas do avião”[7].
O interessante livro de José Cândido de Cavalcante sobre a história de Riachuelo e com muitas informações relacionados com o acidente de 1944. Foto: José Correia Torres Neto.
Além das fardas e outros materiais, constam na tradição oral de
Riachuelo muitas histórias e lendas de dinheiro estrangeiro recuperado nos
restos calcinados do Catalina. Narrações que vão falam de caixas com grande
numerário em dólares, e os descobridores dessa grana, ricos do dia para a
noite, desapareceram da região sem deixar rastro. Outros teriam encontrado o
dinheiro dos americanos, deslocaram-se até Natal para trocar por cruzeiros, mas
foram enganados e ficaram sem nada. Um dos que teriam enriquecido subitamente
foi o vaqueiro Chico Inácio, o primeiro que chegou ao local.
Eu acredito que uma parte dessa história não tem o menor fundamento, pois como o comandante Calder Atkinson seguia com seus homens para a sede da FAW–16 em Recife, se essa pretensa grana existiu mesmo, é mais fácil acreditar que ela estaria no Catalina no retorno a Belém, quem sabe para pagamento de pessoal. Mas parece existir algo de real na passagem da história da queda do Catalina do VP-45 no agreste potiguar.
Entrevista com o Sr. Francisco de Assis Teixeira. Foto: José Correia Torres Neto .
O Senhor Francisco de Assis Teixeira, mais conhecido como “Seu
Til”, nasceu no Seridó em 1936 e chegou à região de Riachuelo com vinte anos de
idade, onde soube através do relato de várias pessoas dos acontecimentos nas
proximidades da localidade de Riacho dos Paus em 1944. Conviveu com Chico
Inácio e me afirmou que se ele realmente pegou os dólares pretensamente
existentes nos restos da aeronave não fez nada com esse dinheiro, pois sempre o
conheceu como um homem pobre e de poucos recursos, mesmo sendo proprietário de
uma pequena terrinha. Comentou, entretanto, que muitas pessoas que viviam
próximas da área da queda do Catalina falaram sobre um tal de Zé Lajeiro, pobre
trabalhador rural que sumiu dias após o desastre e se especulou que ele teria
levado os “dólares do avião”.
Chama atenção como, mesmo desconhecendo completamente muitos
aspectos do caso, a história da queda deste Catalina se preservou em Riachuelo,
inclusive entre os mais jovens.
Colhendo informações sobre o episódio de 1944 na localidade de Riacho dos Paus. Foto: José Correia Torres Neto
Interessantes são as referências que consegui sobre o caso –
tudo relacionado à tragédia de 10 de maio de 1944 é apontado como sendo “do
avião”. Nos dias atuais a pequena comunidade rural de Riacho dos Paus não
possui mais do que 40 casas, uma escolinha e uma pequena capela no meio de sua
única rua. Pertence administrativamente ao município de Santa Maria, mas devido
à distância, os muitos problemas da pequena comunidade são resolvidos mesmo na
cidade de Bento Fernandes. Lá soubemos que o local da queda do Consolidated
PBY-5A Catalina fica a cerca de dois quilômetros a sudeste de Riacho dos Paus,
onde o buraco criado pelo impacto é conhecido como “Baixa do avião”. Anos
depois, próximo ao local do sinistro, foi criado um açude que é conhecido como
“Açude do avião”.
Uma “Dog tag” é encontrada
No seu livro, José Cândido Vasconcelos comentou que na manhã de
um domingo, dois meses depois do desastre, chegaram à pequena Riachuelo dois
caminhões militares com vários homens. Todos foram até a casa do Senhor João
Basílio, liderança do lugarejo, e lhe pediram ajuda para indicar alguém que
pudesse retirar os corpos dos americanos para serem transportados a Natal e
sepultados no Cemitério do Alecrim, local onde eram enterrados todos os
militares americanos que morreram em solo potiguar. Para a difícil faina foram
chamados Severino Grande e Antônio Sabino, que realizaram a tarefa e receberam
uma boa paga pelo serviço, como me confirmou o Senhor Francisco de Assis
Teixeira, amigo de Severino.
Foto do Diário de Pernambuco de 1945, onde vemos na parte mais abaixo a lápide que existiu no Cemitério do Alecrim, em Natal, onde os dez mortos do Catalina que caiu próximo a Riachuelo ficaram enterrados até 1947, antes de serem transladados para os Estados Unidos. O caso do major Artur Mills comentado na nota foi publicado anteriormente no blog TOK DE HISTÓRIA. Veja neste link – https://tokdehistoria.com.br/2017/03/31/1943-um-dia-diferente-em-ponta-negra/
Cruzando esta informação com os documentos originais produzidos
na época pelo pessoal do VP-52, da Marinha dos Estados Unidos, sabemos que o
tenente R. A. Evans esteve em Riachuelo. Certamente foi ele quem pagou aos
coveiros e, conforme relatou Oswaldo Lamartine, deve ter sido esse oficial que
foi ao local do desastre. Ali Evans ordenou a queima de alguns papéis que
encontrou, bem como restos de roupas, e mandou dinamitar os dois motores do
Catalina. Nem o tenente R. A. Evans e nem os relatórios da Marinha americana
apontaram as causas da queda do hidroavião.
Segundo nos conta Oswaldo Lamartine no livro Alpendres d’ Acauã,
organizado pela falecida escritora cearense Natércia Campos, os americanos lhe
presentearam com a sucata da aeronave, que ele vendeu ao comerciante Joaquim
Guilherme, conhecido como Joquinha. Oswaldo Lamartine aparentemente conseguiu
um bom lucro com os restos da aeronave, pois afirmou que com esse dinheiro teve
condições de se casar[8].
Quando ocorreu a visita dos membros do Consulado dos Estados Unidos de Recife a cidade de Riachuelo em maio de 2019. Da esquerda para a direita vemos os Srs. Stuart Alan Beechler e Daniel A. Stewart , do Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife, seguido de Rostand Medeiros , escrito e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e o Capitão de Mar e Guerra Fuzileiro Naval (R.R.) Edison Nonato de Faria. Foto: Charles Franklin de Freitas Gois.
Ainda em seu depoimento Oswaldo Lamartine informou que se houve
alguém que realmente encontrou algo mais sobre esse episódio foi seu amigo
Olintho Ignácio.
Consta que alguns dias após a ocorrência o respeitado e querido
vaqueiro se deparou com mais uma mão, elevando o total de mortos no desastre
para dez aviadores. Além da mão inchada e apodrecida, Olintho encontrou uma
plaquetinha de alumínio que era utilizada pelos militares americanos para
identificar o seu proprietário e era conhecida como “Dog tag”. Era um material
muito útil para casos como o do acidente do Catalina nas proximidades de
Riachuelo.
O vaqueiro entregou o achado a Oswaldo Lamartine. Estava escrito
na placa de identificação “Calder Atkinson 77858 – BT – 1 – 25 – 43 USN”. Esse
insigne escritor e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras a quem tive
a honra de entrevistar antes de sua morte guardou com cuidado durante décadas a
preciosa “Dog tag”.
Um reencontro nos Estados Unidos
Tal como foram enterrados em Riachuelo e Natal, a tripulação do Catalina se encontram todos reunidos na ilha de Rock Island, no Rock Island County National Cemetery, Moline, Illinois, centro-oeste dos Estados Unidos. Créditos – Facebook.
Enquanto tudo isso acontecia, após o acidente do Catalina assumiu administrativamente o VP-52 o comandante H. B. Scott. Em outubro de 1944 esse esquadrão teve a sua designação alterada para VPB-45 e continuou desempenhando suas atividades no Brasil, atuando em outras bases aéreas até o dia 22 de maio de 1945, quando retornaram para os Estados Unidos. Durante a permanência desse grupo em nosso país outros dois Catalinas foram perdidos em patrulhas marítimas e seus integrantes não conseguiram afundar nenhum submarino inimigo durante a Segunda Guerra Mundial.
Em 11 de abril de 1947 um navio especial do Exército dos Estados Unidos aportou em Natal, na chamada “Operação Glória”, quando foi realizada a transferência de 214 restos mortais de militares americanos enterrados em solo potiguar, entre esses os dez mortos no acidente de 10 de maio de 1944.
Em 10 de maio de 2019, ocorreu em Riachuelo o descerramento de uma placa em memória dos aviadores do Catalina mortos e do gesto honrado dos habitantes da pequena comunidade em enterrar os norte-americanos. O evento contou com a presença do Sr. John Barrett, Cônsul Geral dos Estados Unidos em Recife. Foto: Rostand Medeiros.
Na atualidade o comandante Calder Atkinson se encontra sepultado junto com toda sua tripulação no Rock Island County National Cemetery, em Rock Island, uma ilha no Rio Mississippi pertencente administrativamente à cidade de Moline, no estado de Illinois, centro-oeste dos Estados Unidos.
E esse poderia ser o ponto final dessa história, não fosse a plaquinha descoberta pelo vaqueiro Olintho Ignácio, pois com o passar dos anos a história foi sendo esquecida em certos círculos, mas não em Riachuelo.
O Cônsul John Barrett e a Prefeita de Riachuelo, a Sra. Mara Cavalcanti, descerrando a placa. Foto: Gersonny Silva.
Certa vez, não me lembro se foi através das páginas de um
jornal, artigo de algum livro ou entrevista a alguma emissora de TV de Natal,
que Oswaldo Lamartine comentou que o avião que caiu na propriedade de seu pai
seria uma mítica. B-17, a conhecida “Fortaleza Voadora”. Creio que esse erro se
deveu ao fato do número de mortos no acidente de 10 de maio de 1944 ser
idêntico ao número de homens que compunham a tripulação do mais famoso
bombardeiro quadrimotor dos Estados Unidos na Segunda Guerra.
O Cônsul John Barrett conhecendo o Srt. José Lourenço.Foto: Gersonny Silva.
Mas se por acaso Oswaldo Lamartine possuía dúvidas sobre os
fatos envolvendo esse caso, certamente elas se encerraram no primeiro ano do
novo milênio.
Em 28 de fevereiro de 2000, Rômulo Peixoto Figueiredo, oficial
da reserva da Força Aérea Brasileira e pesquisador da Segunda Guerra Mundial,
enviou um e-mail para a associação de veteranos do VP-45. Ele explicou que
tinha em sua posse a cópia de uma carta do então comandante americano do
Campo de Parnamirim, datada de 8 de junho de 1944, em que ele agradecia às
pessoas da fazenda Lagoa Nova que ajudaram no apoio aos mortos do
acidente. Rômulo informou que a carta foi enviada pelo comandante americano
para um parente de sua esposa, Oswaldo Lamartine, que estava vivo em 2000 e
tinha sob sua guarda uma das placas com marcas de identificação do comandante
Calder Atkinson. Rômulo Peixoto, falecido em julho de 2013, desejava saber se o
pessoal da associação poderia fornecer mais detalhes do ocorrido[9].
O evento contou com o apoio do 3º Distrito Naval, que enviou uma guarnição de oficiais e praças da Marinha do Brasil.
O oficial da reserva da FAB continuou o contato com a associação
e, com a anuência de Oswaldo, enviou a plaquinha para que os membros desse
grupo encontrassem algum parente sobrevivente do comandante nos Estados Unidos.
Prontamente Thomas V. Golder, então presidente da associação de veteranos
do VP-45, enviou a Oswaldo Lamartine de Faria um certificado de agradecimento
pelo seu empenho em relação ao resgate da memória do antigo comandante do
esquadrão.
Outra presença marcante no evento foi a da Banda de Fuzileiros Navais.
Descobriram que antes de participar do conflito, o comandante
Calder Atkinson se casara, mas a pesquisa mostrou que a viúva também falecera e
não havia filhos vivos dessa relação. Tudo terminava em um beco sem saída.
Então várias instituições civis e militares ligadas à memória dos veteranos de
guerra daquele país participaram das buscas. Finalmente, depois de seis meses
de trabalho árduo, descobriu-se que o comandante Atkinson era filho de Willian
Mayo e Mary Fullerton Atkinson e tinha um irmão chamado Willian Mayo Atkinson
Junior. Foi por meio dos descendentes do seu irmão que os membros da associação
de veteranos do VP-45 descobriram que Charles Caldwell, um oficial naval da
reserva da Marinha americana que vive na Califórnia, era sobrinho do comandante
Atkinson.
No dia 13 de agosto de 2002, uma segunda-feira, quase 60 anos
após a sua morte nas caatingas da fazenda Lagoa Nova, o comandante Calder
Atkinson teve uma espécie de regresso à sua casa.
Nesse dia amigos e familiares se reuniram no cemitério de Oakdale, em Wilmington, sua cidade natal, na Carolina do Norte. Consta que seus familiares imaginavam, devido à falta de informações na época sobre a morte de Atkinson, que ele tinha perecido em um tipo de voo de espionagem, ou alguma missão secreta. Foi com certo alívio que descobriram que sua morte foi em um voo administrativo, para cumprir as funções de seu novo comando. Mesmo sem os restos mortais, uma lápide foi colocada no local com o propósito de homenagear o piloto. Margaret Segal-Atkinson veio da Suíça para homenagear o tio que conheceu muito jovem, bem como vários amigos que foram seus contemporâneos na escola secundária e na universidade[10].
A Prefeita Mara e o Cônsul Barret.
E toda essa reunião só ocorreu nos Estados Unidos porque um típico vaqueiro nordestino, que morreu de catapora em 1946, encontrou e entregou essa plaqueta de identificação a um dos mais sábios homens de letras que o Rio Grande do Norte já produziu. Este, por sua vez, preservou o achado e no momento certo entregou o material histórico a um antigo oficial da FAB, que, utilizando dos modernos recursos da internet, fez a placa de identificação chegar aos familiares do comandante Calder Atkinson.
A TRIPULAÇÃO DO CATALINA DO VP-45 QUE FALECERAM NO AGRESTE POTIGUAR EM 10- DE MAIO DE 1944
Ezra Clyde Wagner, AMM3c, U.S. Navy, Serial No. 376 67 49. Hayward, Califórnia.
Arthur John Ford, AMM2c, U.S.
Navy, Serial No. 244 23 79. Chester, Pennsylvania.
BenL.Davis, AOM3c,
V-6, U.S.N. Reserve, Serial No. 671 53 24. Oklahoma City,
Oklahoma.
Vernon Clayton Beck, ARM2c, V-6,
U.S.N. Reserve, Serial No. 622 75 53. Napoleon, Ohio.
Robert Irvin Joy, ARM3c, V-6,
U.S.N. Reserve, Serial No. 305 73 24. Beloit, Wisconsin.
NOTAS
[1] Sobre a personalidade e características pessoais do produtor Francisco Inácio, já falecido, elas nos foram transmitidas pelas pessoas da região entrevistadas durante nossa pesquisa para criação deste capítulo em agosto de 2018, quando estive na região com o amigo José Correia Torres Neto, editor deste livro.
[2] Provavelmente
Seu Chico Inácio não sabia, mas
naquela segunda semana de maio de 1944 as chuvas eram abundantes em toda a
Região Nordeste do Brasil. Em Recife, desde a segunda-feira, 7 de maio, grandes
chuvaradas dificultaram o tráfego de bondes e de veículos de praça, provocaram
atoleiros nas ruas da cidade, muitas lojas do comércio não abriram e o açude de
Apipucos, conhecido como Porta D’água, arrombou, causando estragos. Já em Natal
as chuvas não foram tão intensas como na capital pernambucana, mas foram
suficientes para adiar a tradicional festa religiosa da Santa Cruz da Bica, no
Baldo, e o jogo de basquete entre o América F.C. e o Alecrim F.C., que
participavam do “Campeonato Relâmpago de Basquetebol”. Este jogo deveria ter
sido realizado na quadra aberta e iluminada que existia na Praça Pedro Velho e
teria como cronometrista oficial Djalma Maranhão, futuro prefeito de Natal.
Sobre as chuvas que ocorriam na segunda semana de maio no Nordeste, ver o
Diário de Pernambuco, Recife.
[3] Ver os
jornais A Republica,
Natal-RN, edição de 23 de outubro de 1930, pág. 4, e A Ordem, Natal-RN,
edição de 24 de abril de 1948, pág. 4.
[4] Em
1998, grande parte da antiga fazenda Lagoa Nova transformou-se em um
assentamento da reforma agrária. Recebi a informação que nesse ano a
propriedade teria então mais de 200 casas de moradores.
[5] Ver o
livro História de Riachuelo – Sabença
do povo, de José Cândido Vasconcelos (Edição do autor, Natal, 2008,
pág. 153). Esse interessante trabalho possui várias informações sobre o
episódio.
[6] Ver Alpendres d’ Acauã: Uma
conversa com Oswaldo Lamartine. Páginas 47 e 48. Fortaleza:
Imprensa Universitária/UFC; Natal: Fundação José Augusto, 2001.
[7] Segundo
Aílton de Freitas Macedo, atual Secretário de Administração da Prefeitura de
Riachuelo e que muito me ajudou nessa pesquisa, o açude Lagoa Nova é
considerado o primeiro grande açude particular construído no Rio Grande do
Norte.
[8] Existe
uma discrepância entre os relatos de Oswaldo Lamartine de Faria e José Cândido
Vasconcelos, pois o primeiro afirma que os americanos estiveram na região de
Riachuelo dois dias após o desastre e o segundo dois meses depois do acidente.
[9] Sobre
os contatos de Rômulo Peixoto Figueiredo junto à associação dos veteranos do
VP-52, ver o livro de Douglas E. CampbellVP
Navy! USN,
USMC, USCG and NATS Patrol Aircraft Lost or Damaged During World War II, páginas 255 e 256. Edição Syneca Research
Group Inc., 642 páginas, 2018.
A
queda Catalina PBY-5A de uso da Marinha dos Estados Unidos em Riachuelo, nos
anos 1940, é apenas um episódio dentre muitos marcantes e curiosos sobre a
Segunda Guerra, nas pequenas cidades do Rio Grande do Norte. O historiador
Rostand Medeiros reuniu boa parte delas no livro “Sobrevoo: Episódios da
Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”, Por conta da pesquisa os
diplomatas americanos Daniel Stewart e Stuart Beechler, vieram ao RN conhecer
essas e outras histórias ocorridas há 75 anos
Ramon
Ribeiro repórter.
Publicado
originalmente no jornal TRIBUNA DO NORTE, no Caderno VIVER, primeira página.
Em 1944 não era comum se ver aviões no céu de Riachuelo,
no agreste potiguar. Na época a cidade pertencia ao município de São Paulo do
Potengi. O número de habitantes era pequeno e os moradores viviam nas fazendas
espalhadas pela região. O vaqueiro Chico Inácio era um deles. No dia 10 de maio
daquele ano, esse trabalhador realizava as atividades habituais em suas terras
quando avistou uma aeronave cruzar o céu. A novidade chamou sua atenção, mas
havia algo estranho. A aeronave – um hidroavião PBY-5A de uso da Marinha dos
Estados unidos soltava fumaça. O vaqueiro não só notou que havia algum problema
como assistiu subitamente a aeronave vir ao chão, um pouco mais à frente de
onde estava, levantando uma bola de fogo. Chico Inácio cavalgou até o local do
acidente. Foi o primeiro a chegar. E o que encontrou o marcou para sempre.
Um Catalina sobrevivente da Segunda Guerra, em um museu da Flórida, Estados Unidos.
O acidente deixou dez mortos, todos americanos e
integrantes do Esquadrão de Patrulha VP-45, da Marinha dos EUA. Com a explosão
da aeronave os corpos dos oficiais ficaram aos pedaços. Mas os moradores da
região tiveram a sensibilidade de reunir as partes das vítimas e dar o devido
sepultamento no cemitério da cidade, onde lá permaneceram até 1947, quando
houve a transferência para os EUA dos restos mortais dos 214 militares americanos
enterrados em solo potiguar.
A história da queda do Catalina em Riachuelo foi
resgatada com detalhes pelo historiador Rostand Medeiros no seu mais novo
livro: “Sobrevoo: Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”.
A obra integra a coleção “A participação do Rio Grande do Norte na Segunda
Guerra Mundial” lançada na semana passada pela editora Caravela Selo Cultural.
O Senhor José Lourenço comprimenta os visitantes norte-americanos para narrar fatos sobre o acidente.
Em razão da pesquisa do historiador potiguar, os
diplomatas americanos Daniel Stewart e Stuart Beechler, do Consulado Geral dos
Estados Unidos em Recife, foram até Riachuelo para conhecer as histórias locais
sobre o acidente. A visita aconteceu no final de março e na ocasião ficou
acertada com a Prefeitura do município a realização de um evento de caráter educativo
em memória dos militares mortos e em homenagem aos riachuelenses pela sensibilidade
de enterrar seus corpos.
Com membros do Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife visitando a área da queda da aeronave.
Segundo Rostand, o evento irá ocorrer no próximo dia 10
de maio, exatamente 75 anos depois da tragédia. Além de representante do consulado
americano, estará presente a Banda de Música do Corpo de Fuzileiros Navais da
Marinha do Brasil. Na ocasião será feito o descerramento de uma placa com o
nome dos dez militares mortos.
Região do desastre.
“O pessoal da cidade teve uma boa atitude em relação aos
que morreram. Foi o que mais chamou a atenção dos americanos, a forma como
aquele povo humilde cuidou da situação. Por isso eles querem vir à Riachuelo
enaltecer esse fato”, diz Rostand em entrevista ao VIVER. “Riachuelo era uma
cidade muito pequena, com poucos habitantes. Mas a população se uniu para
encontrar os pedaços dos corpos e levar até o cemitério percorrendo uma
distância de 20 km de carro de boi, para dar um enterro digno à tripulação”.
Segunda
Guerra para além da capital potiguar
Por ter assistido aqueda do avião e ter sido o primeiro
a chegar no local da tragédia, o vaqueiro Chico Inácio foi durante muito tempo
uma das principais fontes de informação sobre o fato. Mas, já falecido, suas
memorias são contadas pelos riachuelenses que nunca deixaram essa história ser
esquecida.
No entanto, ainda há na cidade testemunhas vivas do
acidente, como Seu José Lourenço Filho, de 90 anos. Foi uma das fontes
principais da pesquisa de Rostand, que ainda contou com fontes bibliográficas e
acesso a documentos oficiais da Marinha Americana.
Documentos originais da Marinha dos Estados Unidos foram utilizados na pesquisa.
De acordo com o historiador potiguar, a história
referente a participação potiguar na Segunda Guerra Mundial é muito centrada em
Natal e em Parnamirim. Nesse sentido ele buscou com o livro narrar fatos que
aconteceram nas cidades do interior.
Uma das funções principais do hidroavião Catalina durante a Segunda Guerra era a caça e destruição de submarinos inimigos.
“Quedas de aviões aconteceram várias. Uma notória foi em
Ipanguaçu, com um avião inglês, em que morreram três pessoas. No local do
acidente a população colocou um cruzeiro que até hoje existe. Mas é fato que a
maioria das quedas era no mar. Na praia de Muriú, por exemplo, caiu uma B-17”,
lembra Rostand, que atenta para como cada localidade trata dessas memórias. “Em
Natal e Parnamirim, como são cidades que se desenvolveram muito, essas
histórias perderam um pouco de força. No interior, não. Você indo lá você vê
que elas permanecem e são lembradas até pelos jovens”.
Nas 366 páginas de “Sobrevoo: Episódios da Segunda Guerra
Mundial no Rio Grande do Norte”, o leitor vai se deparar com vários outros
tipos de histórias. O autor detalha o fim da guerra a partir da ótica dos mossoroenses;
traça o perfil do motorista do presidente Roosevelt em visita à Natal; descreve
as manifestações políticas durante o período da Guerra. “As manifestações de
rua eram muito expressivas. Luiz Maranhão era um dos mais inflamados”, diz
Rostand. Outra história, uma das mais curiosas, é a de “Jock”, um papagaio
potiguar adotado como mascote pelos americanos, chegando inclusive a voar nos
combates nos céus da Europa. “Sobrevoo: Episódios da Segunda Guerra Mundial no
Rio Grande do Norte” está a venda na livraria Cooperativa Cultural, na UFRN, e
pode ser encontrado no valor de R$ 60,00.
Documentos,
fotos e novos capítulos sobre a participação do RN na história do conflito mundial
estão em coleção de livros da Caravela Cultural. Uma dessas informações
inéditas está em “Sobrevoo – Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande
do Norte”, do historiador Rostand Medeiros, que resgata a história de uma queda
de avião no Seridó. A série faz parte de edital lançado pelo SEBRAE
Yuno
Silva – Repórter
Publicado no jornal Tribuna do Norte, edição de quartafeira, 27 de março de 2019, na primeira paginado Caderno Viver.
“A participação do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra
Mundial” ainda rende, e muito! A cada remexida em arquivos e documentos, surgem
novas memórias, detalhes e curiosidades sobre esse período importante para a
história mundial e que as cidades de Natal e Parnamirim ainda não souberam
preservar e nem tiara nenhum proveito turístico e/ou museógrafo. Foi aqui,
nessa esquina continental, no início da década de 1940, onde mascaram o
primeiro chiclete, beberam o primeiro chope de máquina, vestiram a primeira
caça jeans e jogaram a primeira partida de fliperama da América do Sul.
Parnamirim, por sua vez, abrigou um dos maiores
entrepostos comerciais do planeta na época do conflito; só aqui no RN era possível
compara meia calça de nylon – no restante dos países, todo o estoque do tecido
sintético criado em 1935 já tinha virado material para fabricação de
paraquedas.
A Segunda Guerra se estendeu entre 1939 e 1945, o Brasil
se envolveu oficialmente a partir de agosto de 1942, e perceber o que restou do
legado norte-americano em terras potiguares exige um olhar atento.
É nesse momento, da necessidade do “olhar atento”, que
entram em cena três novos motivos para revisitar aquele momento de efervescência
urbana, cultural e social que sacudiram Natal e Parnamirim a editora Caravela
Selo Cultural lança no próximo dia 2 de abril, às 11 horas, na sede do
SEBRAE-RN, os três livros que integram a coleção “A participação do Rio Grande
do Norte na Segunda Guerra Mundial”.
São três obras independentes, com abordagens diferentes,
que se complementam e acrescentam mais “molho” no que já se sabe. “São livros
diferentes sobre a mesma temática, e que trazem informações inéditas sobre o
assunto”, assegurou o jornalista, engenheiro civil e pesquisador Leonardo
Dantas de Oliveira, coautor do livro “A engenharia norte-americana em Natal na
Segunda Guerra Mundial”, que ele assina junto com Osvaldo Pires de Souza e
Giovanni Maciel de Araújo Silva.
Completam a coleção uma coletânea “Observações sobre a
Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”, reunindo artigos científicos e
organizados pelo escritor e editor da Caravela José Correia Torres Neto; e o
livro “Sobrevoo – Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”,
do pesquisador e historiador Rostand Medeiros.
A coletânea, explicou José Correia, reúne textos atuais
produzidos por especialistas e estudiosos da UFRN e de outras universidades de
outros estados. “Boa parte do material que estamos publicando já vinha sendo
organizado e catalogado pelos autores, e quando decidi editar a coleção tivemos
seis meses para deixar tudo pronto para impressão”, lembrou o editor, que
aproveitou o edital Economia Criativa 2018 do SEBRAE-RN para viabilizar o projeto.
“O lançamento da coleção no SEBRAE-RN vai coincidir com
o lançamento da edição 2019 do edital”, avisou Correia.
Papagaio
de guerra
O volume da coletânea organizado pelo editor da Caravela
Selo Cultural traz oito artigos científicos e pelos títulos percebe-se que as
abordagens buscam ir além do lugar comum.
Entre os textos publicados destaque para “Cabarés de
Natal: do esplendor do Cabaré de Maria Boa ao ostracismo do Beco da Quarentena
(1942 – 1950)”, escrito por Jéssica Freire Dalcin, Monique Maia de Lima e
Yasmênia Evelyn de Barros.
Outros artigos buscam ir mais fundo para instigar a
reflexão, como “A busca de um tesouro perdido: o desejo das elites de Natal
(RN) em torná-la uma cidade moderna no século 20”, de Giovana Paiva de
Oliveira; e “Uma cidade marcada por perdas e sonhos: a Natal da Segunda Guerra
Mundial”, de Giovana Paiva de Oliveira em parceria com Ângela Lúcia Ferreira e
Yuri Simonini.
Já o livro de Rostand Medeiros faz, literalmente, um
“sobrevoo” sobre o momento histórico com textos curtos recheados por
curiosidades, detalhes e passagens que ainda não tinham sido revelados.
Relatos e depoimentos se misturam a uma narrativa
alicerçada por documentos que comprovam cada afirmação. Medeiros aborda desde a
“Influência das tripulações alemãs em Natal”; casos de espionagem; o resgate
das primeiras vítimas da guerra em Rio do Fogo, litoral norte do RN, em 1941; e
a presença de “Parnamirim Field” na imprensa internacional.
Os autores Leonardo Dantas, José Correia Torres Neto e Rostand Medeiros, junto ao jornalista Yuno Silva, da Tribuna do Norte.
No tocante às curiosidades, destaque para “A pitoresca
história de um papagaio que voou em combate nos céus da Europa”; e a queda de
um avião de guerra modelo Catalina na cidade de Riachuelo, agreste potiguar. O
papagaio “Jock”, inclusive foi notícia em vários jornais e Rostand Medeiros comprova
a história emplumada com fac-símile de uma manchete publicada no jornal carioca
A Noite em 19 de janeiro de 1944 – naquele momento, de acordo com o jornal, “Jock”
acumulava 50 horas de voo e havia sido indicado para receber medalha do
Exército americano.
“Muitas das informações são inéditas, extraídas de
documentos e diários que só foram liberados recentemente”, disse Leonardo
Dantas, que buscou no diário de obras dos batalhões de engenharia notas sobre o
legado deixado pelos norte-americanos na infraestrutura urbana: “Avenidas que
hoje são importantes vias que cortam a capital do RN foram construídas naquela
época. A primeira ‘pista’ de asfalto do Estado foi construída pelos soldados, e
ia do Colégio Ateneu até a base de Parnamirim”.
Nesses diários, também foram colhidos relatos sobre a
alimentação e de como era a hora de descanso dos trabalhadores braçais que
prestaram serviço para o Exército dos Estados Unidos. “Veio gente de outros
estados para trabalhar, pois não tinham mais quem contratar aqui em Natal e
Parnamirim para fazer o que eles precisavam”, completou Leonardo.
Coleção “A participação do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial”
SERVIÇO
Lançamento
da coleção “A participação do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial”,
dia 2 de abril, às 11 da manhã, na sede do SEBRAE-RN em Lagoa Nova. Após o dia
de lançamento, os livros estarão disponíveis na livraria da Cooperativa
Cultural da UFRN.