Há 75 anos, o ganhador do Prêmio Nobel de Física Enrico Fermi fez uma pergunta simples que os pesquisadores ainda não conseguem responder hoje: “Onde estão todos eles?”
Autora – Tanja Banner
O chamado “Paradoxo de Fermi” celebra seu 75º aniversário este ano. Em 1950, durante um almoço com colegas no centro de pesquisa de Los Alamos, o físico vencedor do Prêmio Nobel Enrico Fermi levantou uma questão aparentemente simples que a ciência ainda não conseguiu responder de forma conclusiva: “Onde estão todos eles?”.
Fermi se referia às civilizações extraterrestres, que, dado o enorme tamanho do universo, estatisticamente deveriam existir. Mas por que ainda não fizemos contato com elas?
A astronomia fez enormes progressos nas últimas décadas. David Charbonneau, do Centro de Astrofísica da Universidade Harvard & Smithsonian, destaca esse salto no conhecimento em um comunicado à imprensa: Embora na época de Fermi não se conhecesse um único planeta fora do nosso sistema solar, a situação mudou fundamentalmente. “Agora sabemos que pelo menos uma em cada quatro estrelas tem um planeta do mesmo tamanho que a Terra, é rochoso e tem a mesma temperatura que a Terra — em outras palavras, um planeta na zona habitável. Essas são conclusões muito confiáveis”, afirma o pesquisador.
Os dados observacionais mais recentes do Telescópio Espacial James Webb também mostraram que muitos desses planetas potencialmente habitáveis podem conter recursos hídricos — outro pré-requisito importante para a vida como a conhecemos. O próximo marco na busca por vida extraterrestre seria a detecção de bioassinaturas — compostos químicos em atmosferas planetárias que indicam processos biológicos. Particularmente promissoras são as combinações de gases que não poderiam existir de forma estável sem atividade biológica.
O telescópio espacial James Webb na pesquisa do espaço profundo. — Foto: Nasa.
Busca por Exoplanetas Habitáveis – Existe Vida Lá?
No entanto, a geração atual de telescópios está atingindo seus limites. Mesmo o Telescópio Espacial James Webb, de última geração, só consegue realizar análises espectroscópicas limitadas de atmosferas de exoplanetas. Pesquisadores já estão trabalhando em conceitos para instrumentos ainda mais potentes, que poderão ser implantados na década de 2030.
No entanto, uma questão fundamental permanece sem resposta: com que frequência a vida surge em condições favoráveis ? Charbonneau formula o dilema da seguinte forma: pode ser que a vida surja em qualquer planeta habitável com água, oxigênio, nitrogênio e fósforo após cerca de um bilhão de anos — ou essas condições podem levar ao nada. Ele enfatiza a importância estatística dos estudos iniciais de planetas em zonas habitáveis: “Se você observar o primeiro e não encontrar vida, já aprendeu do ponto de vista estatístico, que não há garantia de que a vida se formará.”
“Não Devemos Varrer as Anomalias Para Debaixo do Tapete”
Avi Loeb, professor da Universidade Harvard e fundador do Projeto Galileo, defende uma abordagem mais ampla para a busca por civilizações extraterrestres. Sua equipe está investigando tanto fenômenos aéreos não identificados na Terra quanto objetos que poderiam ter origem em outros sistemas solares.
Loeb causou comoção na comunidade científica em 2018 ao levantar a hipótese de que Oumuamua — o primeiro objeto interestelar conhecido em nosso sistema solar — poderia ser uma vela de luz alienígena ou destroços de uma nave espacial alienígena. Apesar das críticas consideráveis a essa teoria, Loeb agora enfatiza: “Não devemos varrer anomalias para debaixo do tapete, mas sim coletar dados para obter certeza.”
O radiotelescópio de 26 metros no Observatório de Mount Pleasant, Tasmânia, Austrália – Foto – wikimedia.org
Será que estamos sozinhos no universo ou somos apenas mais comunicativos que os alienígenas?
Para Charbonneau, as chances de encontrar um “parceiro cósmico” no espaço são bastante reduzidas. Mesmo que nossa estrela vizinha mais próxima, Proxima Centauri, abrigasse vida inteligente com tecnologia de rádio, uma única mensagem de ida e volta levaria quase uma década.
Ele também oferece uma perspectiva interessante: “Se você observar a Terra, verá que existem muitos organismos que não demonstram interesse em tecnologia ou comunicação. Nós, humanos, adoramos nos comunicar e nos conectar — mas talvez isso não seja uma propriedade universal da vida, mas sim algo exclusivamente humano.”
Esse raciocínio poderia explicar por que, apesar de inúmeros mundos potencialmente habitáveis, a humanidade ainda não recebeu nenhum sinal de civilizações extraterrestres. Talvez sejamos a espécie mais comunicativa em nossa vizinhança cósmica — ou a única que existe.
Existe uma falsa ideia que na época dos nossos avós e bisavós a única droga que existia era o álcool, com preferência no Brasil para a cachaça.
Isso é um engano!’
Quem desejava utilizar cocaína em Natal e em outras cidades brasileiras na metade da década de 1920, nem precisava comprar essa droga em algum lugar sombrio (algo que hoje é conhecido como “boca”), ou negociar com gente perigosa e inescrupulosa (os atuais traficantes). Para “abrir as portas da percepção”, como foi dito metaforicamente pelo escritor inglês Aldous Huxley, a situação nessa época era muito mais tranquila.
Bastava ir a alguma farmácia na Rua Dr. Barata, no bairro da Ribeira, ou na Avenida Rio Branco, na Cidade Alta, pois a cocaína era vendida basicamente em estado líquido e em pequenos frascos. E a cocaína nessa condição e nessa época chegou até mesmo ao sertão potiguar, mais precisamente em Caicó, conforme podemos ver nas propagandas abaixo.
Não sei como começou esse consumo de maneira mais forte, mas imagino até a cena – Um dia, certamente em outras freguesias (até porque Natal jamais foi moderninha a esse ponto), alguém foi medicado com algum preparado de cocaína. Aí o doente achou legal o efeito daquele remédio e, certamente impaciente antes da próxima colherada, a figura entornou o frasco goela abaixo e ficou muito doido. Pronto, começou a desgraça!
Como notícia do que não presta corre mais rápido que as boas novas, provavelmente toda rapaziada descolada e moderninha da época partiu célere para uma “bad trip” líquida e transparente nas boticas e farmácias pelo mundo afora. E a cocaína passou a ser consumida como alucinógeno desde a segunda metade do século XIX, passando pela “Belle Èpoque” e chegando a louquíssima década de 1920. Alguns de seus consumidores desse período vinham sempre com seus vistosos bigodes, elegantes ternos, camisas de colarinho duro, gravatinhas borboleta, bengalas de madeira nobre, chapéus cocos, ou de palhinha e lenços coloridos nas lapelas.
Não tenho detalhes quando e como a galera de Natal começou a consumir cocaína, mas uma pequena nota jornalística aponta que em Maceió, capital das Alagoas, o desmantelo rolava principalmente nas “pensões”[1]. Aí vale uma explicação – Nos jornais antigos esse termo muitas vezes não designava apenas um local de repouso temporário, como uma pousada, mas era também utilizado para descrever locais conhecidos como prostibulo, meretrício, cabaré e por aí vai!!!
Conforme podemos ver na foto que abre esse texto, a polícia em Natal não reprimia a venda. Mas os homens da lei não podiam realizar seu trabalho porque a cocaína era um produto liberado, utilizado em toda parte, receitada por médicos e farmacêuticos para vários males, além de ser fabricada por respeitadíssimas indústrias farmacêuticas. Até Sigmund Freud usou!
O Decreto Nº 14.969, de 3 de setembro de 1921, assinado pelo Presidente da República Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa não criava maiores restrições para a venda, mas regulamentava a entrada no país das substancias tóxicas, onde as penalidades impostas aos contraventores eram apenas multas e nada de cadeia. Para os consumidores essa Lei criou no Rio de Janeiro o “Sanatorio para toxicômanos – um estabelecimento para ministrar tratamento medico e correccional, pelo trabalho, aos intoxicados pelo alcool ou substancias inebriantes ou entorpecentes”.
Mas como esse produto se tornou um grande problema na década de 1920 em Natal e em outras partes do Brasil?
Uma Droga Antiga
Na atualidade, basicamente conhecemos a cocaína como um estimulante, sendo atualmente considerada uma droga ilegal. É extraída a partir das folhas da planta da coca, vegetal da família Erythroxylaceae, cujo nome científico é Erythroxylum coca. Possui porte arbustivo, pode ficar frondosa e suas flores são amarelo-alvacentas.
Cientistas acreditam que a cerca de 4.000 ou 5.000 anos que a coca vem sendo utilizada como um remédio e estimulante no que hoje é a Colômbia, Peru e Bolívia. a partir do século XVI viajantes europeus descreveram a prática dos povos sul americanos de mascar uma mistura de tabaco e folhas de coca. Esse consumo tradicional da coca pelos povos andinos possui certas características que o distinguem nitidamente do consumo da cocaína. Ao introduzir a folha de coca oralmente, suas propriedades psicoativas são absorvidas lentamente através do sistema digestivo, sem causar efeitos nocivos.
Visitantes ilustres que já estiveram na Bolívia, incluindo o Papa João Paulo II e a princesa Anne da Inglaterra beberam chá de coca (mate de coca), pois é a maneira tradicional na região andina para evitar a doença da altitude (hipóxia). Investigações imparciais e científicas demonstraram que o uso regular da folha de coca não é prejudicial.
No início do século XIX pesquisadores europeus começaram a fazer experiências para descobrir os segredos da planta mágica, mas foi o cientista alemão Albert Niemann, da Universidade de Gottingen, que em 1859 isolou com sucesso o alcaloide da planta de coca responsável por seu efeito estimulante.
Início do Uso Comercial
Em 1860, Ângelo Mariani introduziu o Vin Mariani, um vinho tinto com a nova droga na sua composição. Mariani acumulou uma fortuna a partir desta bebida, com a venda sendo divulgada por pessoas notáveis, como a atriz francesa Sarah Bernhardt, a rainha Vitória da Inglaterra, o inventor americano Thomas Edison e até o Papa Leão XIII.
Não demorou para empresas farmacêuticas americanas começassem a explorar a folha de coca e em pouco tempo os Estados Unidos se tornaram o maior importador e principal mercado legal de cocaína no planeta.
Por volta de 1880 a cocaína na terra do Tio Sam era receitada livremente pelos médicos em doenças como a exaustão, depressão e estava disponível em muitos medicamentos patenteados. Como a cocaína era amplamente disponível neste país, não é difícil de entender porque o xarope da primitiva Coca-Cola continha aproximadamente 4,5 mg/180 ml de cocaína até os primeiros anos do século XX.
John S. Pemberton
A História desta famosa bebida tem início indireto em 1879, quando a cocaína foi usada até mesmo para tratar o vício da morfina. Após o fim da Guerra Civil Americana, um veterano chamado John S. Pemberton começou a usar morfina para diminuir a dor dos seus ferimentos e ele rapidamente tornou-se viciado. Ele leu em uma revista médica que a cocaína poderia ajudar a curar o “morfinismo” e passou a produzir seu próprio tônico à base de vinho que continha cocaína. Quando o Estado da Geórgia impôs a proibição do consumo de álcool, ele começou a misturar cocaína com extrato de noz de cola e água de soda. Depois comercializou o produto e este se tornou um sucesso instantâneo. Pemberton vendeu sua fórmula a outro farmacêutico, que fundou a Coca-Cola Company em 1892.
Uso Médico
A cocaína foi introduzida como um anestésico em 1884 pelo Dr. Karl Koller. Este era um estagiário de oftalmologia no Hospital Geral de Viena e em um experimento público, ele aplicou no seu próprio olho uma solução de cocaína e depois, para espanto da plateia, o picou com alfinetes sem problemas.
Karl Koller – Fonte – Wikipédia.com
O Dr. Koller escreveu sobre as propriedades anestésicas da cocaína e pouco tempo depois esse medicamento foi manchete em todo o mundo e os médicos começaram a prescrevê-la em larga escala. A fabricação do medicamento envolvia um processamento onde entrava na composição um determinado número de outras substâncias químicas, formando um pó branco vulgarmente conhecido como cloridrato de cocaína. Como fármaco os efeitos da dosagem podiam variar significativamente. A cocaína foi considerada primeiramente um estimulante seguro e um ótimo tônico para os nervos.
Freud publicou em 1884 o tratado “Über Coca”, sobre a droga – Fonte – afkra.blogspot.com
Consta que nessa época Sigmund Freud, o pai da psicanalise, usou cocaína em seus pacientes e através da auto experimentação escreveu um tratado sobre o tema. Freud era conhecido por levar cocaína para suas idas ao teatro, locais de danças, esportes e passeios. Ele se tornou um viciado contumaz até que finalmente parou de usar cocaína em 1886. Apesar do uso da cocaína, Freud acabou por morrer de uma overdose intencional de morfina em 1939, atormentado pelas dores de um câncer.
Não demorou muito para os usuários e os médicos começassem a perceber que as propriedades da cocaína causavam dependência e logo vários regulamentos limitantes ao uso foram introduzidos. Um dos primeiros, o Food and Drug Act americano (Lei Federal sobre Alimentos e Drogas), de 1906, ainda não instituía a proibição, mas regulamentava a produção e venda, inaugurando a intervenção governamental no tema.
No Nosso Brasil Tropical
Eu não sei quando a cocaína chegou ao Brasil, mas sei que ela já estava no país nos trinta anos finais do século XIX.
Cocaína vendida como bebida em Juiz de Fora – MG, na década de 1880.
Encontramos em antigos jornais da década de 1880, ainda no período do Império, a propaganda de um armazém de secos e molhados da cidade mineira de Juiz de Fora, Minas Gerais, onde na sua parte destinada a bebidas, vemos que ali aparentemente se vendia uma bebida à base de cocaína. Seria uma percursora da famosa Coca-Cola, ou do Vin Mariani?
Além da importação como bebida, a cocaína evidentemente também aportou no Brasil como um medicamento.
Em 1890, na Rua dos Ourives, atual Rua Miguel Couto, no Centro do Rio de Janeiro, que na época era a Capital Federal, havia a “Pharmacia Central do Brazil”, que vendia medicamentos manipulados. Conforme a foto que segue, a mistureba de produtos medicamentosos parece mais uma receita de algum caldeirão de bruxa.
Pastilhas de cocaína vendidas no Rio em 1890
Entre os ditos medicamentos encontramos as “Pastilhas de Clorato de Potássio e Cocaína”, que serviam para as moléstias bucais e da laringe.
Interessante esta ideia de pastilhas com cocaína e clorato de potássio, pois até onde eu sei esta última substância foi um ingrediente utilizado nas antigas espoletas de armas de fogo, chamado então de clorato de potassa e quando misturado com outros materiais, pode gerar explosivos de forte potência.
A chegada cocaína ao Brasil não ficou restrita apenas a região centro sul do país. A droga extraída da folha de coca também chegou ao caloroso Nordeste.
Venda de cocaína em Recife em 1900.
Em um jornal pernambucano de 1900 temos na Rua Barão da Vitória, número 51, atual Rua Nova, no tradicional bairro de Santo Antônio, no centro de Recife, a antiga botica do Sr. Idelfonso de Azevedo, que vendia cocaína misturada com salsa, caroba, elixir de antipirina e esmaltina. Podendo o cliente escolher esta mistura liquida ou em pó.
Bem, mesmo sem ser farmacêutico, realizando uma rápida pesquisa, descobri algo interessante sobre este medicamento. O sumo de salsa (em dosagem dupla, como diz o anúncio) é rico em vitaminas B e C e a sua celulose ajuda o movimento intestinal. Já a planta caroba (também conhecido como caroba-do-mato, marupá, simauba-falsa, caraúca, carabussú, caruba, curoba, marupauba e parapará) é o que podemos chamar de um santo remédio, pois suas propriedades medicinais são adstringente, aperiente, cicatrizante, depurativo, diurético, emético, laxante, sudorífera, tônico. As indicações da caroba são para as afecções da pele, artritismo, blenorragia, cancro, catarro crônico da bexiga e uretra, coriza, dispepsia, dor (reumática, muscular), estômago, febre, gases, inflamação (próstata, rins, garganta), picada de insetos, mau hálito, sífilis, úlcera estomacal e até no combate as vermes.
Bem, junto a misturada de salsa e caroba vinha o elixir de Antipirina, que é uma substância medicamentosa usada como antitérmico e um sedativo utilizado para identificar o efeito de outras drogas. No meio desta mistura o Sr. Idelfonso de Azevedo acrescentava esmaltina, que é um mineral de cor cinza claro, uma combinação de cobalto e arsênico, utilizado na fabricação de esmaltes azuis. No final de tudo isso vinha a cocaína.
As duas próximas propagandas são respectivamente de 1900 e 1901. Originalmente publicadas em jornais baianos, estão bem explicativas na composição e servem para se conhecer o uso medicinal da cocaína no Brasil. O interessante nestas duas propagandas é que estes remédios à base de cocaína vinham da França.
Arrancar Dente Com Cocaína Era Normal
O leitor pode perceber que a cocaína chegou ao grande país tropical e simplesmente não havia restrições a sua importação, manipulação e venda. Era tudo liberado. Daí para começar o consumo no sentido alucinógeno foi um passo. Correto? Aparentemente não!
No início do século XX vemos as notícias antigas se referindo basicamente a cocaína como um produto ligado a área médica. Praticamente não se encontra uma utilização ilícita do seu uso. Se havia era algo privado, talvez restrito a determinados ambientes (cabarés, prostíbulos, lupanares, etc.), sem aparentemente afetar o dia a dia da sociedade, sem atrapalhar a vida das comunidades, principalmente nas maiores áreas urbanizadas do país.
Logo um outro tipo de profissional brasileiro passou a utilizar a cocaína; os dentistas. Voltando um pouco no tempo, sabemos que em 1884 a cocaína foi inicialmente utilizada em cirurgias oftalmológicas pelo Dr. Karl Koller Consta que neste mesmo ano um médico chamado R. J. Hall solicitou ao seu dentista que utilizasse cocaína como um anestésico para tratá-lo e aparentemente funcionou.
Na virada do século, por volta de 1903, a cocaína foi misturada com epinefrina, de modo a melhorar a sua eficácia clínica e ser utilizada para amortecer as gengivas. Mas devido a várias mortes ligadas à combinação de cocaína e epinefrina, este foi descartado por volta de 1924. No entanto, a cocaína continuou a ser utilizada e considerada uma droga útil para anestesia tópica na região do ouvidos, nariz e garganta.
Interessante lista de preços de atendimento odontológico no início do séc. XX, A cocaína era anestésico.
Na imagem que apresentamos acima temos uma propaganda do dentista Paulo (ou Paul) Kieffer, que coincidentemente atendia na mesma área onde estava estabelecida a Pharmacia Central do Brazil, na Rua dos Ourives, atual Rua Miguel Couto, no Centro do Rio de Janeiro. O Dr. Kieffer aplicava anestesia local com cocaína, ou “nevarnina” (talvez um subproduto), ao preço de 2$000 réis.
Morrer Com Cocaína Era Moda…
Mas observando os jornais antigos das décadas de 1900 e 1910, é claramente perceptível que nesse período começou a existir o consumo de cocaína, tanto para aqueles que desejavam criar seus próprios “paraísos artificiais”, mas principalmente para se matar!
Nos periódicos brasileiros do limiar do século XX, o que não faltam são inúmeras notícias de homens e mulheres, que utilizavam a cocaína pura, ou misturada com todo tipo de material, para simplesmente darem fim as suas vidas. E a imprensa da época era de uma sutileza de fazer dó e piedade. Nas páginas antigas lemos que estes desesperados eram os “decaídos”, os “desgraçados”, os “transloucados” (isso quando eram pobres), que buscavam no suicídio o fim a uma vida sem perspectivas. Este tipo de notícia era um “ótimo” incentivo para quem estava em depressão.
Nos jornais das décadas de 1900 e 1910 percebemos que a quantidade de suicídios chegou a um ponto tal, que virou uma espécie de “moda” se matar com cocaína.
As mulheres eram o grupo majoritário que recorriam a cocaína para dar cabo de suas vidas. Não podemos esquecer o quanto era terrível a situação das mulheres nesta época. Criadas para serem exemplares donas de casa, servir aos maridos, trabalharem pesado pelos filhos e pela casa, em uma sociedade onde trabalhar fora, ou ser separada, era uma distância mínima para serem consideradas vulgares, ou algo pior. A perda da virgindade sem que houvesse a consumação do casamento, ou um filho indesejado, era um verdadeiro suplício, principalmente para as mulheres mais pobres. Para muitas o suicídio era a solução dos seus problemas.
Em relação à maneira de morrer com cocaína, chama atenção o fato dos jornais comentarem que os suicidas faleciam ingerindo quantidades que poucas vezes ultrapassam cinco gramas da droga. Não tenho base de conhecimento para saber se na atualidade esta quantidade de cocaína é capaz de matar uma pessoa, mas no passado era normal misturar a cocaína com outros produtos, até mesmo benzina, um líquido obtido na destilação fracionada do petróleo e utilizado, entre outras aplicações, como solvente.
Pelo que pude compreender não havia a figura clássica do traficante. O comércio era exercido pelos funcionários das farmácias, ou por algum um farmacêutico, certamente com a anuência e o beneplácito do proprietário.
Tudo leva a crer que de um pseudo modismo para se alcançar a morte, restrito aos ambientes privados, logo o consumo de cocaína no Rio de Janeiro passou a ser algo que passou a chamar atenção do dia a dia da sociedade carioca.
Venda e Consumo da Cocaína no Rio de Janeiro
Em 4 de janeiro de 1913, jornalistas do periódico carioca A Noite, em um interessante trabalho investigativo, apresentaram os processos do consumo de cocaína na primeira metade da década de 1910 na cidade do Rio de Janeiro. Foram noticiados que vários jornalistas compraram em meia hora 37 gramas de cocaína sem maiores problemas, sem nenhum estabelecimento farmacêutico exigir uma receita médica.
Consta na reportagem o preço dos frascos variou de 1$000 a 2$500 réis (um mil a dois mil e quinhentos réis). Para efeitos de comparação, no mesmo exemplar de A Noite encontramos o anúncio da Cervejaria Tolle, instalada na Rua Riachuelo, 92, onde cada garrafa da cerveja neozelandesa “Bismarck Brown” custava $300 réis (trezentos réis).
Ou seja, pelo preço médio de um frasco com uma grama de cocaína, podia se comprar de três garrafas de cerveja importadas da Nova Zelândia. Talvez isso explique porque era tão fácil morrer com cocaína.
Típica farmácia, ou drogaria, nos Estados Unidos em 1905. No Brasil elas não eram muito diferentes – Fonte – Wikipédia.org
Para os jornalistas, só “uns 20 %” do pessoal das farmácias trabalhavam corretamente. O resto vendia cocaína aos cariocas sem problemas. As notícias apontaram que junto aos profissionais dos estabelecimentos farmacêuticos trabalhavam os “rápidos”, ou seja, as figuras que entregavam rapidamente a cocaína, daí o nome!
A reportagem escancarou geral. Deu nome das farmácias que venderam as drogas e quem não vendeu. Foram publicados os endereços dos estabelecimentos, as quantidades vendidas em cada local e, num verdadeiro escândalo, até uma criança na Rua do Estácio comprou cocaína sem nenhum problema a pedido dos jornalistas. Um atendente afirmou que vendia de setenta a cem gramas da droga por dia.
As matérias de “A Noite” foram bem denunciativas, mas parece que não obteve maiores resultados.
Ampliação e Declínio do Uso da Cocaína
Nesta história toda descobri que a repressão não era tanto pelo lado policial, mas praticada pelo pessoal da Saúde Pública. Eram os funcionários desta repartição que fiscalizavam os estabelecimentos farmacêuticos e a atuação dos funcionários destes locais.
A polícia participava quando havia denúncias de venda e consequente morte de alguém, mas era difícil provar a participação deste pessoal nesse tráfico. Quem comprava cocaína para se matar e por um erro na aplicação sobrevivesse, tinha pouco interesse em denunciar seus fornecedores diante da vergonha do seu ato. Normalmente estes suicidas, conforme já foi dito aqui, eram das classes mais humildes da sociedade carioca e ninguém os escutava. Se morressem eram enterrados e ficava por isso mesmo!
Provavelmente como um resultado paralelo da investigação jornalística de A Noite contra o consumo de cocaína, foram publicadas algumas cartas denunciando o uso de cocaína em locais públicos. No dia 12 de abril de 1913 esse jornal trouxe na sua segunda página o relato enviado por um leitor, que apontava a condição degradante das mulheres viciadas em cocaína, que se prostituíam pela droga nas praças do centro do Rio de Janeiro, como elas eram aliciadas e como se encontravam em franca decadência física e moral.
Uma carta denúncia de 1913, incomodamente atual.
Concluía o leitor pedindo aos jornalistas que realizassem um trabalho investigativo.
O relato desta denúncia é bastante similar ao que ocorre atualmente com as jovens que se prostituem para consumir cocaína e o seu nefasto “filhote”, o crack.
Percebemos através da leitura dos jornais antigos que entre as décadas de 1910 e 1920 passou a existir uma maior preocupação, um maior debate, até mesmo uma maior repressão a compra e venda de cocaína no Brasil.
No início da década de 1920 o consumo de cocaína começou a diminuir no Brasil. Mas não foi por campanhas governamentais, ou pelo endurecimento da repressão e combate ao consumo da droga. A farra diminuiu porque simplesmente o produto foi escasseando no mercado externo.
Para os pesquisadores do tema os fatores deste declínio estavam no surgimento de leis restritivas e punitivas que baniram a cocaína e a heroína do mercado livre em vários países, principalmente nos Estados Unidos. Maior controle da importação e exportação desta droga, perseguição aos médicos que prescreviam tais substâncias indiscriminadamente, além do surgimento na Europa de medidas socioeducativas e de saúde pública, visando à prevenção e ao tratamento desses pacientes. O próprio advento da depressão econômica, com a quebra da Bolsa de Nova York em 1929, deixou o mundo com menos dinheiro para gastos supérfluos. E por fim, o surgimento das anfetaminas em 1932, como um novo e potente estimulante de longa duração, ajudou em certo ostracismo da cocaína.
Mas aparentemente estas situações não significaram o fim total da vinda e do consumo da cocaína no Brasil antes da Segunda Guerra Mundial. Tanto assim que o popular cantor Francisco Alves intitulou a sua música para o carnaval de 1937 como “Cocaína”.
Não Baixem a Guarda, esta Epidemia Está Aí e Não vai Acabar tão Cedo e Nem Existe Vacina
Sabemos que foi na convenção internacional realizada pela Organização das Nações Unidas em 1961, que estabeleceram regras que pautariam as políticas sobre drogas em vários países entre o final do século XX e os dias atuais. O critério principal foi proibir drogas que não tinha uso médico e essas substâncias passaram a ter um maior controle e repressão. Na sequência os Estados Unidos assumiram a dianteira da cruzada antidrogas, fortalecendo o combate ao tráfico, com operações internacionais de alcance cada vez maior e impondo aos demais países na Europa e nas Américas Latina e do Sul convenções que dariam origem à chamada “guerra às drogas”, que foi declarada pelo presidente americano Richard Nixon em 1972.
Combate a fabricação de cocaína na Colômbia.
Nesse meio tempo a cocaína voltou à cena como estimulante em um mercado de trabalho cada vez mais frenético. A economia do tráfico, então, assumiu um novo circuito. Tradicionais regiões de plantação de coca na Bolívia e Peru aumentaram sua produção para o mercado ilícito; a pasta produzida era repassada a principalmente a vendedores colombianos, que era encaminhada aos centros consumidores nos Estados Unidos e Europa. Países como o Brasil serviam apenas de entreposto logístico da droga e eram centros de consumo de menor importância. Mas com o crescimento econômico do país, deixou de ser apenas um corredor para o tráfico internacional de drogas, mas como um grande mercado consumidor.
Os jovens com poucas oportunidades de educação e trabalho dignos foram atraídos pelo poder e dinheiro dos traficantes de cocaína, crack e armas. Muitos foram (e ainda são) assassinados em guerras de gangues que se seguiram e que conhecemos bem dos jornais.
Amigos e amigas queiram vocês ou não, as drogas como a cocaína, crack, heroína, anfetaminas, maconha, lança perfume, álcool e outras desgraças estão nas ruas, nas portas das escolas, nas casas de espetáculo, na porta da sua casa, nos locais de trabalho e por aí vai. Não conheço outra maneira de livrar nossos filhos deste problema do que sendo seus maiores amigos, confidentes, tendo tempo para estar ao lado deles.
E não custa nada conhecer o que são estas drogas através de leituras e de outras formas de informação, assim é possível debater melhor sobre os malefícios que estes produtos geram.
Não baixem a guarda, esta epidemia está nas ruas tanto quanto o COVID-19. Mas para o COVID já existem vacinas e para as drogas não e seu consumo não vai acabar tão cedo!
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NOTA
[1] Não era apenas a cocaína que preocupava as autoridades, mas a morfina também estava na alça de mira. Descoberta pelo farmacêutico alemão Friedrich Wilhelm Adam Sertürner em 1817, a morfina é um analgésico processado quimicamente a partir do látex seco obtido das cápsulas das sementes de uma planta chamada papoula (Lachryma papaveris), sendo e desse látex conhecido como ópio.
Envolvimento do país no conflito é pouco conhecido, mas digno de um bom enredo, que começa com o afundamento de navios brasileiros por submarinos alemães e termina com a participação na criação da Liga das Nações.
A Grande Guerra ou Primeira Guerra Mundial começou em agosto de 1914 e terminou em novembro de 1918. Tal evento dramático aglutinou, inicialmente, as forças aliadas da chamada Tríplice Entente, composta pelo reino da Grã-Bretanha, os impérios da Rússia e do Japão e a República da França, contra as forças da Tríplice Aliança, composta pelos impérios centrais da Alemanha e da Áustria Hungria, o império Turco-Otomano e o reino da Itália. No desenrolar do conflito, ambos os lados sofreram alterações em sua composição: a própria Itália entrou efetivamente na guerra ao lado da Tríplice Entente e não da Tríplice Aliança, e o Império Russo retirou-se da guerra em 1917 devido a graves problemas internos, ocupando seu lugar na Entente os Estados Unidos. A princípio neutro diante do conflito, o Brasil revogou a neutralidade em favor da França, Rússia, Grã- Bretanha, Japão, Portugal e Itália em junho de 1917, reconheceu o estado de guerra em novembro seguinte e enviou uma Divisão Naval em Operações de Guerra em maio de 1918.
As preocupações com uma guerra generalizada na Europa mostraram-se frequentes já no final do século XIX. Um sinal da iminência da guerra foi a corrida armamentista que se acelerou no início do século XX, conduzida em grande medida pela situação internacional que lançou as nações em uma acirrada competição. A Europa dividiu-se gradualmente em dois blocos, derivados do surgimento no cenário europeu de um Império Alemão unificado, através de alianças e contra alianças. Tais blocos, fortalecidos por planos de estratégia e mobilização, tornaram-se mais rígidos, arrastando todo o continente europeu para a guerra através de uma série de crises internacionais.
A crise final veio em 1914, com o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando da Áustria quando se encontrava em visita a Sarajevo.
Quando eclodiu a guerra na Europa, o Brasil matinha relações bastante cordiais com os principais países beligerantes, como a Alemanha, que era seu principal parceiro comercial, seguida pela Inglaterra e depois França. Outro setor onde se fazia notar a influência alemã era o militar. Desde a ascensão do marechal Hermes da Fonseca ao Ministério da Guerra em 1906, o Exército brasileiro seria profundamente influenciado pela organização militar alemã, com o envio inclusive de jovens oficiais para servirem no Exercito alemão, considerado o mais bem organizado da época.
Deflagrado o conflito, o governo brasileiro adotou a completa neutralidade, fixando regras para sua observação. Ao optar pela neutralidade, o Brasil sofreu com uma série de restrições comerciais impostas pelos países beligerantes aos países neutros. Um exemplo de tal ação foi a imposição pelos países aliados da statutory list, ou lista negra, uma relação de empresas em países neutros com as quais estava proibido o comércio por manterem relação com a Alemanha. A aplicação da lista negra provocou violentos protestos contra a Inglaterra, pois as consequências foram desastrosas para a economia brasileira. Tais protestos, dirigidos ao Itamaraty ou diretamente ao presidente da República, vinham principalmente de associações comercias que contavam com capitais alemães, como por exemplo, firmas exportadoras de café, que foram incluídas na lista negra e exigiam a interferência constante do Itamaraty junto aos cônsules ingleses. A dificuldade de comércio com a Europa abriu amplas oportunidades para a entrada de produtos norte-americanos, possibilitando o crescimento dos Estados Unidos como principal parceiro econômico das nações latino-americanas, especialmente do Brasil. Outra implicação da guerra que afetou negativamente a economia brasileira do período foi a crise dos transportes marítimos, devido à falta crescente de navios de comércio e aos riscos da navegação para o exterior, o que dificultou ainda mais a exportação do café, limitando seus mercados consumidores.
O teórico militar prussiano Carl von Clausewitz escreveu uma vez que “a guerra é uma continuação da política por outros meios”, e sendo isso verdade, então, para entender a Grande Guerra é preciso começar com a política da Europa. No final do conflito quatro impérios já não mais existiam e a contagem final de baixas militares e civis é estimada em mais de 37 milhões de seres humanos. Nesta imagem, um oficial francês é atingido por disparos de uma metralhadora durante um contra-ataque em Verdun, 1916 – Fonte – https://io9.gizmodo.com/11-intriguing-ways-world-war-i-could-have-turned-out-di-1652195903
“ALIADÓFILOS”, “NEUTRAIS” E “GERMANÓFILOS”
O posicionamento do Brasil no conflito mundial, além de problemas comerciais, suscitou um intenso debate que dividiu a opinião de intelectuais e políticos entre “aliadófilos”, “neutrais” e “germanófilos”. Eram evidentes, todavia, as simpatias pelos Aliados. A própria invasão da Bélgica pelos alemães em agosto de 1914, logo no início da guerra, provocou uma moção apresentada à Câmara dos Deputados pelo parlamentar Irineu Machado na qual o Brasil se colocava contrário à ação alemã, por tratar-se de clara violação de tratados e desconsideração das leis internacionais. A fundação, no ano seguinte, da Liga Brasileira pelos Aliados marcou claramente a preferência pela causa das nações da Entente. Para presidente da entidade foi escolhido Rui Barbosa, e para vice, o ensaísta e crítico literário José Veríssimo. Também integravam a Liga Graça Aranha, Barbosa Lima, Olavo Bilac e Manuel Bonfim.
Entre os simpatizantes dos impérios centrais, a voz mais ativa era do deputado Dunshee de Abranches, que, quando do início do conflito, ocupava o posto de presidente da Comissão de Diplomacia da Câmara. Na visão de Abranches, a origem do conflito era puramente comercial e econômica, e tinha como objetivo a destruição da prosperidade nacional da Alemanha. Abranches criticou a ingenuidade dos aliadófilos que acreditavam no discurso inglês de defesa da civilização contra a barbárie, considerando fruto da propaganda britânica as denúncias de violências praticadas nas invasões alemãs à Bélgica e França. Tal postura acabou levando à sua renúncia à posição de presidente da Comissão de Diplomacia.
Quanto aos que defendiam uma posição neutra, seu principal argumento residia no fato de que a posição “aliadófila” significava um alinhamento automático aos Estados Unidos, o que colocava o Brasil em uma posição de dependência em relação àquele país. A manutenção da neutralidade também foi defendida pela imprensa carioca no início do conflito, justificada pela tradição pacifista nacionalista, e contava com figuras de destaque na opinião pública, como Assis Chateaubriand, Vicente de Carvalho, Jackson de Figueiredo, Azevedo Amaral, Carlos Laet e Alberto Torres.
A aviação obteve um grande desenvolvimento com a Primeira Guerra – Fonte – Mrs. Warner’s 4th Grade Classroom
INTEGRIDADE DAS AMÉRICAS
À medida que o conflito se expandia pela Europa, propostas de alianças diplomáticas surgiram entre as nações americanas, como a ideia de um Tratado Pan-Americano, sugerida pelo presidente norte americano Woodrow Wilson com o objetivo de garantir a independência política e a integridade territorial de todos os países das Américas. Outra iniciativa foi a realização da Conferência Pan-Americana em Washington, com o objetivo de discutir uma reação hemisférica em caso de ameaça de ataques de submarinos alemães.
As negociações diplomáticas não prosseguiram, e a realização da conferência em Washington tornou-se inviável com o decorrer da guerra; já o Tratado Pan-Americano enfrentou dificuldades, como o posicionamento do ministro brasileiro Lauro Müller, que defendia a continuidade da neutralidade brasileira, embora a opinião pública nacional se inclinasse à adesão às forças da Entente.
Soldados franceses em Verdun – Fonte Getty Images
Em janeiro de 1917, o quadro ficou mais complicado, quando o governo alemão resolveu declarar guerra submarina irrestrita com a finalidade de bloquear o comércio aliado. O governo brasileiro protestou, declarando não aceitar o bloqueio; já o governo norte americano rompeu relações diplomáticas com a Alemanha. A ruptura de relações diplomáticas dos Estados Unidos foi seguida de um convite do presidente norte-americano Woodrow Wilson às nações neutras para que estas acompanhassem tal atitude e também rompessem relações com a Alemanha. O Brasil não aceitou o convite, e por isso enfrentou severas críticas da imprensa brasileira, que exigia a mudança de posição do país no conflito.
Alguns meses depois, os Estados Unidos declararam guerra à Alemanha, no mesmo momento em que o Brasil, após o torpedeamento do vapor brasileiro Paraná por submarinos alemães, decidiu romper relações diplomáticas e comerciais com a Alemanha, em 11 de abril de 1917. A ação brasileira incluiu também declarar sem efeito os exequatur de todos os funcionários consulares alemães.
Notícia do afundamento do navio brasileiro Acary.
Após o afundamento do Paraná, o ministro Lauro Müller ficou em uma situação difícil. O rompimento de relações com a Alemanha não era suficiente, e crescia a pressão para a entrada do Brasil na guerra. A ascendência germânica do ministro e a oposição da opinião pública à sua atuação no ministério levaram à sua saída da pasta em 3 de maio de 1917.
Dois dias após assumiu o ministério Nilo Peçanha, admirador do aliadófilo Rui Barbosa. A entrada do novo ministro foi decisiva para a mudança da posição brasileira, para a qual contribuiu também o torpedeamento dos vapores brasileiros Tijuca e Lapa por submarinos alemães.
BRASIL EM GUERRA
Após as agressões alemãs, o governo brasileiro pediu e obteve do Congresso autorização para declarar sem efeito o decreto que estabelecia a neutralidade brasileira na guerra dos Estados Unidos contra o Império Alemão e para utilizar os 46 navios mercantes alemães ancorados em portos nacionais.
O presidente da República Venceslau Brás declara guerra contra o Império Alemão e seus aliados. Ao seu lado, o ex-presidente da República e ministro interino das Relações Exteriores, Nilo Peçanha, e o presidente de Minas Gerais e futuro presidente da República, Delfim Moreira – Fonte – https://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil_na_Primeira_Guerra_Mundial
O posicionamento ao lado dos Estados Unidos ficou claro, ressaltado na mensagem de Nilo Peçanha enviada em 2 de junho aos governos estrangeiros, justificando a revogação da neutralidade pelas práticas de solidariedade continental características da política externa brasileira. Também foram utilizadas como justificativa a Doutrina Monroe e a amizade tradicional com os Estados Unidos. A revogação da neutralidade em favor da França, Rússia, Grã-Bretanha, Japão, Portugal e Itália foi decretada ainda em junho de 1917 e apontou como justificava a reincidência de ataques de submarinos alemães a vapores brasileiros.
O reconhecimento do estado de guerra com o Império Alemão se deu após o torpedeamento do vapor brasileiro Macau e do aprisionamento de seu comandante. A lei de guerra foi sancionada em 16 de novembro de 1917, e proibiu aos alemães no Brasil todo comércio com o exterior, bem como o transporte de carga inimiga em navios nacionais e a remessa de fundos para o exterior. Foram cassadas também as licenças para o funcionamento de companhias de seguro e bancos alemães.
A entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial como nação beligerante colocou-o em um seleto grupo junto com os Estados Unidos e as repúblicas centro-americanas, uma vez que Uruguai, Peru, Equador e Bolívia apenas romperam relações diplomáticas com a Alemanha, e Argentina, Chile, México, Venezuela e Paraguai mantiveram-se neutros.
Já como nação beligerante, o Brasil participou da Conferência Interaliada em Paris, realizada de 30 de novembro a 3 de dezembro de 1917, tendo como representante Olinto de Magalhães, ministro plenipotenciário junto ao governo francês. Nesse momento, o governo brasileiro resolveu participar efetivamente do conflito, através do envio de forças de guerra.
DNOG
A participação brasileira na Primeira Guerra ao lado das forças aliadas consistiu no envio de uma divisão naval composta dos scouts Rio Grande do Sul e Bahia, dos destroyers Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí e Santa Catarina, e do transporte de guerra Belmonte.
Sob o nome de Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG), e sob o comando geral do contra-almirante Pedro Max de Frontin, a divisão partiu com destino à Europa em 16 de maio de 1918. Outras providências tomadas pelo governo brasileiro foram o envio de nove oficiais aviadores da Marinha e do Exército para auxiliar nos combates aéreos, e de uma missão chefiada pelo deputado e médico Nabuco de Gouveia à França, composta de médicos-cirurgiões que, auxiliados por um corpo de estudantes e de soldados do Exército, constituíram o Hospital do Brasil para o tratamento de feridos de guerra. A instituição continuou prestando assistência aos feridos mesmo depois de encerrado o conflito.
Após muitas dificuldades técnicas, a Divisão Naval brasileira chegou a Dacar, onde a guarnição brasileira foi vítima de uma epidemia de gripe espanhola. Apenas parte da esquadra conseguiu seguir viagem e chegar a seu destino, o porto de Gibraltar, um dia antes do armistício (11 de novembro de 1918) que encerrou a Primeira Guerra Mundial.
Além das operações navais, participação brasileira ocorreu com envio de uma missão médica para frente europeia
Apesar de uma atuação inexpressiva militarmente, o Brasil foi o único país da América do Sul a participar do conflito, o que garantiu sua presença na Conferência de Paz, que seria realizada em 1919 em Versalhes, e na organização da Liga das Nações.
Implicações importantes da Primeira Guerra Mundial no Brasil foram a consolidação da política externa brasileira voltada para os Estados Unidos e a desilusão com civilização Belle Époque que marcou o pós-guerra, anunciando o declínio da cultura europeia e a aurora do novo mundo representado pela América.
FONTES: BARRETO, F. Sucessores; BUENO, C. Política; GARAMBONE, S.
A PRESENÇA DE NAVIOS DE GUERRA ALEMÃES NAS NOSSAS PRAIAS DURANTE A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
Em janeiro de 1917, a Primeira Guerra Mundial iria completar três anos de um banho de sangue que assombrava todo o Mundo.
De um lado temos os Aliados, formados pelo Império Britânico, França, Japão, Rússia, Bélgica, Montenegro e Sérvia. Todos contra os Impérios Alemão, Austro-húngaro e Otomano. Na sequência mais de vinte países vão se envolver no conflito.
As marinhas aliadas organizam um forte bloqueio naval, onde a ideia é simplesmente fazer a Alemanha cair de fome. Mas seus comandantes navais criam um plano ousado para um tipo de guerra no mar diferente, onde a mente e a capacidade da tripulação de um navio corsário trabalhava melhor que a força bruta de um encouraçado com várias baterias de canhões.
Pintura mostrando um combate naval na Primeira Guerra Mundial
Navios civis alemães foram armados e batizados pomposamente como “Cruzadores Auxiliares” e despachados pelos mares com a intenção de destruir quantas naves de carga dos aliados fosse possível. Era a chamada “Guerra de Corso”.
Como estes “Cruzadores Auxiliares” possuíam a aparência de pacíficos navios de carga, onde seus canhões eram camuflados atrás de chapas e paredes falsas e ostentavam bandeiras de outros países, a sua letalidade só era descoberta no último momento.
Este atacante, que geralmente navegava mais rápido, se aproximava de sua indefesa vítima, onde mandava uma mensagem, ou abria fogo a frente da proa (parte dianteira dos navios), dando um aviso de parada. Na sequência o navio corsário mandava um sinal e enviava um grupo armado para a abordagem, onde retiravam da presa o que desejavam.
Frota naval alemã em 1914. O navio corsário sempre seguia sozinho
Buscavam normalmente documentos navais, armas, água potável, comida, combustível e outras necessidades. Depois a tripulação capturada saía geralmente só com a roupa do corpo, indo direto para os porões do navio atacante. O navio capturado ou era afundado com dinamite. Igualmente podiam colocar uma pequena guarnição a bordo, que seguia com a nave aprisionada como butim de guerra para a Alemanha.
Não podemos esquecer que esta era uma época onde nem todos os navios possuíam radiocomunicação. Já coisas como radar, imagens de fotografia feitas por satélites girando ao redor da Terra, computadores, e sinais de localização através de GPS, certamente só existiam na cabeça de H. G. Wells.
Com esta situação, um capitão com forte espirito de liderança e uma tripulação bem preparada, poderiam fazer misérias e causar um forte prejuízo a navegação comercial inimiga pelos mares do Mundo.
Uma Babel Flutuante
Em janeiro de 1917 o Brasil ainda se encontrava neutro, mas os tambores de guerra já se faziam sentir próximo as nossas praias.
Primeiramente os jornais brasileiros haviam dado muito destaque a grande batalha das Falklands, as mesmas ilhas reivindicadas pelos argentinos e por eles chamadas de Malvinas. Em dezembro de 1914 ali aconteceu uma fragorosa derrota de unidades navais alemãs, contra navios da esquadra inglesa comandados pelo almirante Sturdee e que ocasionou a morte do almirante alemão, o Conde Maximilian Von Spee.
Tempos depois foi noticiado que o navio “Karslruhe” estava vagando pelo mar, onde teria inclusive se aproximado da costa potiguar e afundado navios aliados. Mas a marinha inglesa havia dado cabo deste intruso.
Nesta época, onde o transporte de carga e passageiros por navios era o principal meio de ligação entre as capitais brasileiras, onde os horários de partida e chegada dos navios era notícia de destaque nos jornais e assunto corrente nas avenidas e ruas, tudo que dizia respeito a navegação chamava atenção. Mais ainda em meio a um conflito em escala mundial, onde o afundamento de navios civis era um meio de se alcançar a vitória.
Por isso foi uma enorme surpresa em Recife, quando às quatro horas da tarde da segunda feira, 15 de janeiro de 1917, um estranho e inesperado navio chegou ao ancoradouro externo do porto da capital pernambucana.
Logo o já obsoleto Cruzador Torpedeiro “Tymbira”, da Marinha do Brasil, saiu ao encontro do navio desconhecido. Em pouco tempo chegava a notícia que o estranho barco queria aportar, pois a bordo trazia muitos sobreviventes de navios atacados por um corsário alemão.
O prático do porto, Francisco Costa, o representante da Alfândega, Hilário de Souza, e outras autoridades portuárias foram ao encontro da estranha nave, que ostentava a bandeira do Sol Nascente. Era o navio “Hudson Maru”, da empresa Tatsuma Kisen Goshi Kaisha, da cidade de Kobe, sendo este o primeiro navio japonês a ancorar em Recife.
E não era mentira. Dentro do navio com pouco mais de 100 metros de comprimento, havia mais de 300 homens. O capitão T. Takeshima informou que seu navio havia sido capturado no dia 4, a cerca de 350 milhas náuticas da costa brasileira. Durante oito dias o “Hudson Maru” foi controlado pelos alemães e obrigado a acompanhar o corsário na captura de outros cargueiros.
No dia 7 de janeiro foi a vez do mercante inglês “Radnorshire” (afundado a 110 milhas de Pernambuco) e no dia 9 foram capturados os também ingleses “Minieh” e “Netherby Hall”. No dia 12 o capitão Takeshima recebeu a bordo mais de 300 homens e lhe foi ordenado que seguisse diretamente para Recife, onde chegou três dias depois.
Inteligentemente os alemães deixaram a dispensa do “Hudson Maru” praticamente vazia, onde a melhor alternativa era seguir para a capital pernambucana.
Segundo a edição do dia 16 de janeiro do jornal “Diário de Pernambuco”, aquela babel flutuante era formada por tripulantes de dezoito navios atacados. Havia principalmente ingleses e franceses, mas se encontravam alguns noruegueses, americanos, indianos, mexicanos e pessoas de outras nacionalidades.
Os ”Turistas” em Recife
Os cônsules dos países que estavam a bordo se fizeram presente no navio japonês, junto com as autoridades navais brasileiras e providenciaram primeiramente água e comida, que já havia acabado.
Destaque que a imprensa pernambucana deu ao caso do corsário alemão
O jornal informa que a fedentina era a terrível, a moral estava baixa entre os homens, as condições de higiene um caos e as roupas dos antigos prisioneiros estavam já bem sujas.
No outro dia o “Hudson Maru” aportou e Recife recebeu um contingente com mais de 300 “turistas”.
As representações diplomáticas na cidade, principalmente as da Inglaterra e da França, se transformaram em um tumulto. Tripulantes relatavam o que aconteceu no mar, relatórios eram despachados para os países informando o ocorrido, hotéis e hospedarias eram procurados para acomodar a todos.
Os recifenses ajudavam como podiam, onde roupas eram distribuídas e os marítimos recebiam o carinho da população da capital pernambucana.
O “Jornal Pequeno” informou que os tripulantes andavam pelas ruas entre atordoados e felizes pelo desfecho daquele episódio. Outra informação deste periódico dava conta que os lupanares próximos ao cais estavam abarrotados. Prostitutas locais davam carinho e aconchego aos sobreviventes, onde certamente muitos deles já eram velhos conhecidos. Já o pagamento da “função”, mais do que necessária naquele momento tortuoso, era deixado no “prego”, pois a maioria estava sem dinheiro.
O mais importante era que de Recife saíram notícias para todo o Mundo. Havia informações que o navio corsário se chamava “Vineta”, mas outros sobreviventes diziam ser o “Möwe”. Mas o certo era que este navio estava fazendo um grande estrago.
O Corsário
Pelo Brasil afora a notícia causou sensação, pois muitos dos navios afundados eram habitualmente vistos em nossos portos. No Rio de Janeiro a informação foi profusamente comentada, onde não faltavam preciosos detalhes das abordagens e afundamentos.
Se a nacionalidade do corsário era ponto passivo, faltava saber qual seria o nome do navio atacante? De onde veio e, principalmente, para onde havia seguido?
O navio era chamado Möwe (Gaivota), sendo comandado pelo aristocrático e inteligente Koverttenkapitän Nicholas Burggraf, Conde de Dohna-Schlodien. Este comandante, tido como nobre e democrático, estava na marinha desde 1896, sendo nomeado tenente em 1902.
Koverttenkapitän Nicholas Burggraf, Conde de Dohna-Schlodien
Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, a Marinha Imperial Alemã requisitou da empresa “Fruchtkompanie Afrikanische”, de Munique, o seu cargueiro de transporte de frutas “Pungo”, devido à sua velocidade e do grande tamanho de seus porões e o transformou no Cruzador Auxiliar “S.M.S. Möwe”.
O Conde de Dohna-Schlodien começa o seu serviço nesta nave no dia 1 de novembro de 1915.
De dezembro a março de 1916, o “Möwe” vai realizar uma missão pelo Atlântico. De saída foram colocadas 262 minas explosivas, em condições climáticas desfavoráveis, no Estrito de Pentlant, perto da grande base naval inglesa de Scapa Flow, onde um encouraçado foi a pique devido esta ação.
O “Möwe” em nada se parecia com um navio de guerra
O corsário segue pelo Atlântico onde consegue o extraordinário resultado de vinte e um navios afundados ou capturados.
A forma de ataque desfechado pelo corsário, disfarçado como um navio de carga neutra para poder chegar perto de suas presas, causou forte repreensão por parte dos inimigos. Talvez para compensar, uma marca do Conde de Dohna-Schlodien era que ele sempre fazia questão de resgatar todos os sobreviventes de qualquer navio atacado.
No retorno a pátria os tripulantes do “Möwe” receberam um tratamento digno dos grandes heróis. Toda a tripulação foi condecorada pelo Kaiser.
Entre junho e agosto de 1916 realizam uma patrulha no Mar Báltico, mas só afundam um cargueiro inglês.
Em 23 de novembro de 1916 partem do porto alemão de Wilhelmshaven e seguem para o Atlântico Sul, onde suas vitórias vão tornar a história deste navio uma verdadeira lenda.
A caçada se inicia com a destruição do cargueiro inglês “Voltaire”, no dia 2 de dezembro.
A Marinha Inglesa Caça os Alemães na Costa Nordestina
Cinco dias depois da chegada do “Hudson Maru”, entrava às cinco e meia da manhã no porto um velho conhecido dos recifenses. Era o cruzador inglês “H.M.S. Glasgow”, sob o comando do capitão Aubrey Smith. O comandante recebeu as visitas brasileiras de praxe, entre estas o governador pernambucano, Manoel Antônio Pereira Borba. Mas a principal visita foi o pessoal do consulado ingles, que certamente trouxe os relatos dos homens que desembarcaram do cargueiro japonês.
Abastecido e bem informado, logo e de forma discreta, o “Glasgow” deixou Recife a caça do corsário alemão.
Esta nave seguiu ao encontro do Cruzador Auxiliar “Amethist”, dos Cruzadores Ligeiros “Macedonia”, “Edimburg Castle” e “Orama”, todos com poder de fogo suficiente para enviar o “Möwe” para uma viagem sem volta do fundo do mar.
O “Glasgow” em Recife
Para corroborar esta ideia, notícias procedentes do Rio de Janeiro e publicadas no “Diário de Pernambuco” e o periódico natalense “A Republica”, davam conta que o “Amethist” havia zarpado de Salvador no dia 18 de janeiro. Já o “Edimburg Castle” teria partido do Rio de Janeiro no dia 21, de forma rápida, e seguiu em direção norte.
Mais navios no mar para caçar o corsário alemão
Se algo haveria de ocorrer no alto mar, seria através da ação dos vasos de guerra da Marinha Real da Inglaterra, a conhecida “Royal Navy”.
Na Costa Potiguar?
Após a partida do cruzador inglês “Glasgow”, estoura nas páginas da imprensa brasileira uma estranha notícia.
Ela dava conta que um telegrama vindo da cidade potiguar de Macau para o Rio de Janeiro, informava que um grupo de cinco navios estava ancorado diante do canal da povoação de Jacaré, perto da cidade de Touros. O informe publicado nas notas de “Última Hora” comentava que não se sabia a nacionalidade das naves e que esta era a terceira vez que tais navios eram vistos nesta região pouco habitada da costa potiguar. A nota não trazia o nome do, ou dos informantes.
Estranha notícia
Logo o então Ministro da Marinha, almirante Alexandrino Faria de Alencar, era cobrado pelos jornais cariocas sobre a presença da nossa força naval no meio de toda esta confusão.
A autoridade informou pelos jornais que estava enviando o Cruzador “Rio Grande do Sul” e o já caquético Encouraçado Guarda Costa “Deodoro”, para patrulharem uma área que abrangia desde o Arquipélago de Fernando de Noronha e a costa entre o Rio Grande do Norte e Pernambuco. Não que o “Deodoro” fosse tão velho assim, pois ainda não tinha nem vinte anos de mar e era a nau capitânia da “Força Naval do Norte”. Mas era completamente obsoleto e despreparado para o conflito que ocorria.
O nosso obsoleto “Deodoro” Fonte – http://www.naviosbrasileiros.com.br Reprodução do livro A Marinha por Marc Ferrez – 1880-1910 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil – 1986, Editora Index – VEROLME.
É bem verdade que a Marinha do Brasil nesta época contava com algumas respeitáveis naves de guerra, mas a maioria dos seus melhores navios estavam concentrados no Rio de Janeiro. Além do mais, diante de uma costa verdadeiramente continental como no caso do Brasil, a nossa desaparelhada marinha de guerra, por mais que se esforçasse em “mostrar a nossa bandeira”, pouco poderia fazer.
Navio suspeito
Outra notícia, novamente emanada do Rio de Janeiro, e publicada no “Diário de Pernambuco”, edição de 23 de janeiro, informava que cinco corsários alemães haviam sido vistos entre “os lugares Cajueiro e Rio do Fogo, se mantendo a sota-vento e aproveitando os recifes existentes na costa como abrigo”.
Logo outra nota, publicada em “A Republica”, informava que um navio de quatro chaminés fora visto na costa do Rio Grande do Norte.
Poderia ser o Mowe?
Era possível, pois os tripulantes deste corsário poderiam alterar seu formato, acrescentando falsas chaminés e mastros, além da mudança de cores e inclusão de outros materiais visuais. Mas não havia maiores informações.
Novas informações
Outra informação veio do vapor brasileiro “Maranhão”, em viagem para Recife informou ter avistado um navio suspeito em nossas praias, mas sem maiores detalhes.
Logo estas notícias foram destaque na imprensa mundial, sendo estampada em diversos jornais europeus e norte-americanos. Como podemos ver aqui na reprodução da edição de 22 de janeiro de 1917, do “Washington Post”.
Notícia que chamou atenção da imprensa internacional
Mas era o jornal “Diário de Pernambuco” que alertava para um possível encontro destes navios beligerantes e um provável confronto na costa potiguar, apostando que isso ocorreria mais facilmente na altura de Macau. O articulista do “Diário de Pernambuco” apontava para as possíveis consequências desta pretensa batalha naval, diante da neutralidade brasileira em meio ao sangrento conflito.
Mas Onde Estava o “Möwe”?
As notícias sobre a presença do “Möwe” na costa potiguar eram totalmente falsas.
Após o desembarque dos prisioneiros do “Hudson Maru” no porto de Recife, o “Möwe” procurou sair de perto da costa do Nordeste do Brasil. O navio passou praticamente um mês navegando de forma lenta, atravessando o Atlântico Sul em direção a costa sul africana, onde cruzou ao sul da Ilha de Santa Helena, procurando não chamar atenção e sem atacar nenhum cargueiro aliado.
No dia 15 de fevereiro o corsário alemão voltava a se aproximar novamente do Brasil, onde afundou o cargueiro inglês “Brecknockshire”, a 490 milhas a leste de Cabo Frio, no Rio de Janeiro. No dia seguinte, na mesma região, mais duas vítimas inglesas entravam nas estatísticas.
A partir deste ataque, o “Möwe” começa a retornar a Alemanha.Mas continuava caçando, capturando e destruindo navios mercantes aliados.
Outros seis navios serão destruídos até a chegada ao porto de Kiel, na Alemanha, em 22 de março de 1917, onde outra grande leva de tripulantes aliados capturados foi colocada em um campo de prisioneiros até o fim da guerra.
A missão de combate do “Möwe” foi um retumbante sucesso. Vinte e oito navios foram destruídos, totalizando 123.265 toneladas de meios flutuantes aliados que foram para o fundo do mar.
Mas o melhor resultado foi o medo imposto entre os meios de navegação dos inimigos e a necessidade do deslocamento de navios de guerra para buscarem este solitário corsário alemão, tirando-os de outras missões de combate.
Conclusão
No meu entendimento, as falsas notícias supostamente transmitidas de Macau e recebidas pelas agências de notícias do Rio de Janeiro, informando que o “Möwe” se encontrava próximo a costa potiguar, é uma possível mostra de como a espionagem alemã estava atuante no Brasil durante a Primeira Guerra Mundial.
Além de espiões, havia no próprio governo brasileiro pessoas que defendiam o Império Alemão, como o ministro das Relações Exteriores Lauro Müller, de origem germânica e que poderiam influenciar a publicação deste tipo de notícia.
O autor deste blog na região do litoral potiguar onde pretensamente o corsário “Möwe” teria sido visto. Até hoje uma área pouco habitada
Diante da repercussão na imprensa internacional, chama atenção a falta de informações mais apuradas por parte dos jornais potiguares, que diante das notícias emanadas das agências do Rio de Janeiro, não buscaram maiores esclarecimentos através de contatos com as autoridades municipais em Macau ou Touros. Não se pode esquecer que nesta época estas cidades já possuíam agências telegráficas.
Já os membros do governo potiguar, tendo a frente o governador Joaquim Ferreira Chaves, não se pronunciaram de forma alguma sobre o episódio, pelo menos através da imprensa potiguar.
Não sabemos se o ardil serviu para desviar as belonaves inglesas para esta parte despovoada da costa potiguar, enquanto o “Möwe” seguia para a costa africana. Mas o certo é que o corsário alemão escapou.
O “Möwe” não voltou mais a combater no mar. Para os alemães seria uma péssima propaganda de guerra a sua destruição ou captura por forças aliadas e a nave foi desarmada.
O “Möwe” na mãos dos ingleses após o fim da guerra Fonte – http://smsmoewe.com
Depois da guerra o navio foi enviado para a Inglaterra como reparações de guerra e ali convertido em um cargueiro chamado “Greenbrier”. Em 1933 o antigo “Möwe” retornou a Alemanha e foi batizado com “Oldenburg” e serviu como navio de carga durante praticamente toda a Segunda guerra Mundial.
Foi torpedeado perto da localidade norueguesa de Vadheim em 7 de abril de 1945.
Já o Conde de Dohna-Schlodien deixou a marinha depois do fim da Primeira Guerra Mundial, trabalhando em uma empresa de Hamburgo.
Devido ao seu comportamento correto em relação aos seus prisioneiros, e o seu distanciamento em relação aos nazistas, quando as tropas aliadas invadiram a área da Baviera em 1945, a família do Conde Dohna-Schlodien, através de instruções especiais emitidas pelo comando aliado, foi respeitosamente tratada e puderam permanecer em sua casa sem restrições.
O Conde morreu de um ataque cardíaco aos 77 anos.
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