CAICÓ DOS PRIMEIROS TEMPOS

MATERIAL DA REVISTA “RN/ECONÔMICO”, Nº 124, JUNHO/JULHO 1981, PÁGS. 12 a 16.

Segundo o pesquisador da história de Caicó, Benedito Alves dos Santos, o povoamento inicial da cidade está íntima e inseparavelmente ligado à de toda a região seridoense e à de alguns municípios do Estado da Paraíba. Entretanto, é de crer-se que os fundamentos iniciais da colonização tenham sido lançados por volta de 1700, pelos batedores paraibanos, que chegaram à região para darem caça aos índios caicós que habitavam nas proximidades da confluência do Rio Barra Nova com o Seridó.

Com a expulsão dos indígenas, vieram os plantadores de fazendas, ajudados pelo negro, continuar a obra de desbravamento, esquadrinhando o território e fazendo surgir os primeiros núcleos demográficos, fundamentalmente ligados à criação de gado bovino. A povoação era conhecida em 1748, conforme é citada através de uma carta dirigida a Dom José Tomáz de Melo, governador de Pernambuco, datada de 1787 e subscrita pelo desembargador Antônio Felipe Soares de Andrade Brederodes, defendendo a elevação da povoação ao predicamento de vila. A região pertencia à freguesia de Piancó, Paraíba.

Catedral de Santana, Caicó, em 1981.

A esse tempo já a povoação era sede de distrito administrativo, criado por alvará de 1748 e também freguesia que fora criada em 15 de abril de 1748. De par com a denominação de Seridó existia também o topónimo Caicó, que vem citado em um documento atinente à instalação da freguesia, de 1748, registrado no Livro de Tombo da Catedral de Caicó e também mencionado em uma concessão de sesmaria feita em 7 de setembro de 1736, ao capitão Inácio Gomes da Câmara.

LENDAS

São várias as lendas que se conta sobre o nascimento do município, todas de uma beleza infinita, mas a mais interessante e a mais bela de todas é a colhida por Manuel Dantas: “Quando o sertão era virgem, a tribo dos Caicós, célebre pela sua ferocidade, julgava-se invencível, porque Tupan vivia ali, incarnado num touro bravio que habitava um intrincado mufumbal, existente num local onde está hoje edificada a cidade de Caicó. Destroçada a tribo, permaneceu intacto o misterioso mufumba, morada de um Deus, mesmo selvagem.

Sertão do Seridó – Foto – Liberanilson Martins da Costa, de São José do Seridó-RN.

Certo dia, um vaqueiro inexperto, penetrando no mufumbal, viu-se de repente, atacado pelo touro sagrado, que iria, indubitavelmente, matá-lo. Rapidamente inspirado, o vaqueiro fez o voto a Nossa Senhora Santana de construir ali uma capela, se o livrasse de tamanho perigo. Como por encanto, o touro desapareceu. O vaqueiro destruiu a mata e iniciou, logo, a construção da capela. O ano era seco e a única aguada existente era a de um poço do rio Seridó. O vaqueiro fez novo voto a Santana para o poço não secar antes de concluída a construção da capela. O poço de Santana, como ficou desde então denominado, nunca mais secou.

Reza a lenda que o espírito do Deus índio, expulso do mufumbal, foi se abrigar no poço, encarnando-se no corpo de uma serpente enorme que destruirá a cidade, ou quando o poço secar, ou quando as águas do rio, numa cheia pavorosa, chegarem até o altar-mor da matriz (hoje catedral) de Caicó onde se venera a imagem da mãe de Nossa Senhora.

ORIGENS

Belezas naturais da região do seridó – Foto – Liberanilson Martins da Costa, de São José do Seridó-RN.

O conhecimento do território ou município só pôde ser feito após os índios Caicós se dispersarem pelo Seridó. Disso resultou o propósito de colonização por parte dos primeiros desbravadores. Existem algumas crônicas escritas que dão conta da existência de uma fazenda fundada em 1624 por José Francisco Rangel, porém é muito racional que se firme a data da primeira, entrada um pouco antes de 1700, já que os batedores paraibanos conquistaram definitivamente com a expulsão dos índios. Aos primeiros descobridores do Seridó não passou despercebida a riqueza da terra em pastagens e aguadas, surgindo daí a ideia das primeiras fazendas.

Requeridas as primeiras datas e espalhada a notícia da “limpeza” (o índio era empecilho ao domínio dos povoadores) de uma nova paragem propícia à criação, acorrem os caçadores de terras paraibanos, pernambucanos e até mesmo alguns portugueses de nascimento, a fim de situarem seus gados nas novas áreas dominadas. Daí surgem as primeiras fazendas e a multiplicação dos núcleos demográficos por toda a ribeira, registrando-se os nomes do capitão Inácio Gomes da Câmara, Manoel de Souza Forte, tenente José Gomes Pereira como os mais antigos povoadores conhecidos.

O Seridó – Foto – Liberanilson Martins da Costa, de São José do Seridó-RN.

O RECONHECIMENTO

predominância da antiga povoação do Seridó. que se manifestava principalmente pela opulência das fazendas de gado da região seridoense, começou a ser reconhecida pelos poderes políticos e eclesiásticos a partir de 1748, ano em que foi constituída em sede de distrito administrativo e da freguesia. A criação do município veio um pouco depois, por alvará

ou ordem governamental de 28 de abril de 1788. elevando-se a aludida povoação ao predicamento de vila, isso, ao tempo em que o Estado era governado pelo Senado da Câmara de Natal, presidido por João Barbosa de Gouveia. A instalação do município teve lugar a 31 de julho de 1788.

Centro de Caicó em 1981.

Nos primeiros tempos a região do Seridó, Caicó, inclusive, esteve sujeita ou ligada ao Estado da Paraíba, pelo menos no que se relaciona com a vida religiosa, de onde se desligou em 1748. Dentro do Estado do Rio Grande do Norte, deve ter pertencido ao município de Natal. Primitivamente, Caicó esteve ligado à Comarca da Paraíba, até 1818 quando passou a pertencer ao Rio Grande do Norte, da qual se desligou para fazer parte da Comarca de Assu (Princesa), até a criação da Comarca do Seridó, pela Lei Provincial número 365, de 19 de julho de 1858.

A designação da Comarca foi mudada para Caicó, por Decreto número 33, de 7 do julho de 1890. O João Valentino Dantas Pinagé. No tocante à divisão eclesiástica, Caicó pertenceu algum tempo à Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso, de Piancó (PB) de onde foi desmembrada em 15 de abril de 1748, por ato do visitador Manuel Machado Freire, de ordem do reverendíssimo Frei Luiz de Santa Tereza, Bispo de Pernambuco, para constituir-se Paróquia com a invocação de Nossa Senhora de Santana, na qual estavam abrangidos, além da Ribeira do Seridó, Patos e Cuité, na Paraíba. A Freguesia foi instalada pelo padre Francisco Alves Maia. cura da Freguesia, em 26 de julho do mesmo ano de 1748, abrange atualmente, apenas o município de Caicó.

FATOS MARCANTES

Uma pesquisa feita por alunos do CERES, Antônia Figueiredo, Maria Bernadete, Marly Medeiros, Francisca Neuza, Francisca Porfírio e Maria Sueli, mostra os primeiros fatos e acontecimentos importantes para a história do município.

Pórtico defronte a Catedral de Santana – Foto – Rostand Medeiros.

Segundo a pesquisa o movimento do “Quebra Quilo” aco9nteceu em 5 de dezembro de 1874 e foi contra a aceitação da introdução do novo Sistema Métrico Decimal. Caicó foi iluminada pela primeira vez em 1909, com lampiões a querosene, pelo dr. Jose Augusto Monteiro e a 21 de abril de 1925 foi inaugurada a luz elétrica, sendo na época prefeito o senhor Joel Damasceno.

Já o primeiro jornal nascido em Caicó chamou-se “O Povo” e o primeiro número circulou no dia 4 de março de 1889, pertencente a José Renaut. Tinha a direção do dr. Diógenes Santiago da Nóbrega e de Olegário Vale.

O primeiro rádio que chegou a Caicó foi em setembro de 1932 e pertencia a uma sociedade. Já o primeiro telegrama foi recebido pelo senhor Gedeão Delfino, então administrador da Mesa de Rendas. Na época as e encomendas dos Correios e Telégrafos era enviada de Natal a Caicó por meio de burros e cavalos. Mas em 1928, com a inauguração de uma linha rodoviária ligando Natal a Caicó, esse transporte passou a ser feito por ônibus de passageiros, conhecidos como “sopa”, e a agência dos Correios passou a receber a correspondência com maior rapidez e assiduidade.

O primeiro telegrafista foi José Antunes Torres, que exerceu o cargo, ininterruptamente, desde 19 de março de 1917 a 15 de agosto de 1932. O primeiro avião que sobrevoou Caicó era pilotado pelo francês André Depecker e trazia como passageiro o dr. Juvenal Lamartine, Governador do Estado e George Piron. O campo de aviação, situado no sítio “Baixa do Arroz” foi inaugurado em 19 de março de 1917. O primeiro automóvel que chegou à cidade foi durante o carnaval de 1919 e a primeira pessoa a avistar o auto foi Daniel Diniz. O proprietário era Coriolano de Medeiros, natural de Natal.

Interessante texto do historiador Luís da Câmara Cascudo escreve sobre Caicó no jornal natalense “A República” em 26 de março de 1929.

Manuel Batista Pereira foi o construtor do primeiro Mercado Público, mais ou menos em 1860, no local onde hoje está edificada a Praça da Liberdade. Na falta de uma estação de rádio, o primeiro alto-falante a transmitir informações em Caicó pertenceu ao Cel. Celso Dantas tendo sido ouvido pela primeira vez a 8 de julho de 1938. Em 1876 a cidade teve sua primeira banda de música, que foi organizada pelo maestro Tertuliano, mas a primeira retreta, realizada na avenida Seridó, realizou-se a primeiro de janeiro de 1908 e foi organizada pelo professor Manuel Fernandes.

A 24 de dezembro de 1938 chegava à cidade o primeiro “Snooker”(sinuca), trazido pelo cel. Celso Dantas. Em 1906 chegava mais uma diversão à Caicó: era o carrossel de Francisco Azevedo. Na Festa de Santana de 1910, no prédio da Prefeitura Municipal, funcionou a primeira sessão de cinema mudo. Só no dia 27 de dezembro do ano de 1936 o cel. Celso Dantas inaugurava o cinema falado moderno. No dia 22 de janeiro de 1922 acontecia o primeiro jogo oficial de futebol entre as equipes do Caicó Futebol Clube e Brasil Esporte Clube e só três anos mais tarde, a 21 de abril de 1925, jogava pela primeira vez na cidade, um time de fora.

Primeira turma de seminaristas do Seminário Diocesano de Caicó.

O dr. Washington Luiz foi o primeiro presidente a visitar a cidade. Isso aconteceu no dia 6 de agosto de 1926 e o dr. Pedro Velho foi o primeiro governador, exatamente a 5 de julho de 1901.

VILA DO PRÍNCIPE

A sede municipal teve inicialmente o nome de Seridó, passou, quando da criação do município, à denominação de Vila Nova do Príncipe, conservada pela Lei número 612, de 1868, que elevou à categoria de cidade. A velha denominação de Seridó, voltou a ser imposta pelo decreto número 12, de 1 de fevereiro de 1890 e, só em 7 de julho do mesmo ano é que recebeu o nome atual.

Castelo de Engady em foto de 2015 – Foto – Rostand Medeiros.

Caicó está edificada entre os rios Barra Nova e Seridó, que correm bem próximos, sendo caracterizados pelas seguintes coordenadas geográficas: Latitude Sul 6o 27′ 00″; Longitude W. Gr. 37° 02′ 00″. Rumo (em relação a capital) 030. Distância da Capital do Estado, em linha reta,

218 quilômetros e altitude de 157 metros e limita-se com algumas cidades desse Estado e com uma da Paraíba. São seus limites: ao Norte, Jucurutu; a Leste, Florânia, Cruzeta, Jardim do Seridó e Ouro Branco; ao Sul, Santa Luzia (PB), São João do Sabugi, e Serra Negra do Norte; a Oeste com Timbaúba dos Batistas, Jardim de Piranhas e São Fernando.

Antigo jornal de Caicó informando sobre o ataque de Lampião a Mossoró em junho de 1927.

Nenhum plano urbanístico orientou a construção da cidade e, nem tampouco existe qualquer trabalho de sistematização, a não ser o relativo cuidado com que a administração municipal orienta as novas construções. Entretanto o traçado das ruas é mais ou menos regular, apesar do acidentado terreno. As construções são na maioria do tipo colonial e de um meio termo entre colonial e moderno. Nota-se, entretanto, nas construções recentes, uma predominância

de linhas tipicamente modernas.

LIDERANÇAS

A população de Caicó, pelos seus líderes, nunca deixou de tomar parte nos acontecimentos que empolgaram a vida nacional. Em fins de 1831, formou-se em Caicó uma expedição guerreira para dar combate ao coronel de milícias Joaquim Pinto Madeira, que havia se assenhorado da Província da Paraíba.

1955 – Visita a Caicó do candidato a Presidente da República Juscelino Kubitschek.

O comando que foi composto de figuras da maior representação da zona, deu mostras de grande heroísmo, batendo-se valentemente em diversos encontros, sob a chefia do cel. José Teixeira, destacando-se pela bravura de que deram mostras o Alferes Canuto e os soldados Firmeza, Zuza da Cachoeira e Tomaz Cazumba. Quando da “Guerra do Paraguai”, formou-se também em Caicó um corpo de voluntários, a fim de combater em defesa da dignidade nacional, tendo por chefes José Bernardo e Manuel Basílio de Araújo. Esses voluntários, chegando ao Rio de Janeiro, foram dispensados de combater, regressando em seguida a terra natal. Também na Revolução Comunista, em 1935, Caicó armou um contingente de paisanos sob as ordens do senador Dinarte Mariz, Monsenhor Walfredo Gurgel e Eduardo Gurgel de Araújo, a fim de dar combate aos comunistas que haviam ingressado no interior. Esse contingente, no encontro da Serra do Doutor, conseguiu bater valentemente os revoltosos, numa emboscada estratégica, saindo plenamente vitorioso.

Governador Lavoisier Maia descerra uma placa na inauguração do 1º Batalhão de Engenharia e Construção (1º BEC) de Caicó..

Na política, floresceram vários partidos em Caicó, tanto monarquistas como republicanos, sobressaindo-se os chefes políticos locais pela preponderância que sempre exerceram no estado. Entre os grandes chefes políticos históricos, citam-se o padre Francisco Brito Guerra, José Bernardo de Medeiros, Joaquim Martiniano Pereira e Gorgônio Ambrósio da Nóbrega, José Augusto Bezerra de Medeiros e Dinarte de Medeiros Mariz.

Quando a luta pela libertação dos escravos ecoou pelo Brasil inteiro, organizou-se em Caicó uma comissão libertadora, dirigida por José Bernardo de Medeiros, Olegário Gonçalves de Medeiros Vale, Manuel Augusto Bezerra de Araújo, José Batista dos Santos Lula, padre Amaro Castor, Lindolfo Adolfo de Araújo, Salviano Batista de Araújo e outros. Esse comitê, empreendeu festas públicas em prol do movimento libertador e solenizava as cerimônias de alforria. Diz-se que ao ser decretada a Lei da Abolição da escravatura, já existiam poucos escravos em Caicó.

“Nenhum conteúdo desse site, independente da página, pode ser usado, alterado ou compartilhado (além das permitidas por meio de botões sociais e pop-ups específicos) sem a  permissão do autor, estando sujeito à Lei de Direitos Autorais n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998”.

MARTA MARIA DE MEDEIROS, A PRIMEIRA ELEITORA DO SERIDÓ

No Seridó Potiguar, mais precisamente em Acari, a professora Marta Maria de Medeiros, de 24 anos, nascida e morando na Fazenda Rajada, filha do fazendeiro e coronel nomeado da Guarda Nacional Joaquim Paulino de Medeiros e da senhora Maria Florentina de Medeiros (conhecida como Dona Maricota), buscava junto ao Juiz da cidade, João Francisco Dantas Sales, o seu alistamento eleitoral, pois preenchia todas as condições para a inscrição. O Dr. Sales era irmão do também juiz Celso Dantas Sales, pai dos Cadeais Dom Eugênio de Araújo Sales e Dom Heitor Sales. A decisão do juiz Sales, ante o pedido da professora, foi publicada oficialmente no dia 10 de dezembro de 1927, tornando-a a quarta eleitora do Rio Grande do Norte e a primeira da região do Seridó..

“O Seridoense”, edição de 23 de dezembro de 1927

“Nenhum conteúdo desse site, independente da página, pode ser usado, alterado ou compartilhado (além das permitidas por meio de botões sociais e pop-ups específicos) sem a  permissão do autor, estando sujeito à Lei de Direitos Autorais n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998”.

1921 – O ESTRANHO CASO DE UMA FAMÍLIA DO SERIDÓ POTIGUAR QUE FOI DIZIMADA POR COMER UM TOUCINHO – ENVENENAMENTO OU UMA DOENÇA MISTERIOSA? 

Fonte – Rostand Medeiros.

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros 

Em um dia comum de abril de 1921, um ano de inverno razoável, um homem que vivia na região Seridó do Rio Grande do Norte seguiu de seu sítio até a feira de uma vila próxima para comprar alimentos para seus familiares. Seu nome era Manoel Alves de Maria, conhecido como Neguinho Gonçalo e morador da propriedade Riacho de Santana, próxima a então vila de São Miguel de Jucurutu, que nessa época fazia parte do município de Caicó. 

Entre as várias bancas que havia na feira, ele encontrou uma que negociava uma bem nutrida carcaça de porco, que estava sendo repartida pelo vendedor e os pedaços eram adquiridos por várias pessoas. Manoel então escolheu uma peça de toucinho, que em sua casa seria habilidosamente preparada pela sua esposa Guilhermina Alves e se transformaria em um delicioso torrado. 

Certamente Neguinho, Dona Guilhermina e seus sete filhos aproveitaram com satisfação aquele torrado de toucinho de porco, feito com muito esmero e qualidade. Mas segundo um texto existente na primeira página do Jornal A República de Natal, edição de 2 de maio de 1921, com informações do jornal O Seridoense, assim que o almoço foi encerrado uma das filhas do casal começou a passar mal, vomitou e caiu no chão, chamando a atenção de todos e desesperando seus pais. 

Um pequeno e rustico açougue no sertão potiguar em 2022 – Foto – Rostand Medeiros

Nos próximos dias essa jovem padecerá terrivelmente de dores, vômitos e em poucos dias virá a falecer. Não demorou e todos que provaram o torrado caíram doentes e também começaram a morrer. Neguinho Gonçalo, Dona Guilhermina e mais dois filhos foram as novas vítimas e, segundo o jornal, os outros quatro filhos ficaram em um estado considerado “desesperador”. 

Segundo comentou o cidadão Aureliano de Freitas, um parente das vítimas, os sintomas apresentados começaram com “vômitos amarelos e depois azuis como anil”. Disse também que as vítimas vomitavam tudo quanto ingeriam e quando paravam de expelir o conteúdo estomacal eles morriam. Outro dado interessante e estranho informado por Aureliano foi que “até os últimos momentos de vida eles falavam, cantavam e tinham accessos em que rasgavam as vestes e se mordiam”. Além disso, em meio aos padecimentos, os membros da família de Neguinho Gonçalo consumiam pouca água. 

Foi informado em A República que da família do Sítio Riacho de Santana somente Neguinho Gonçalo e outro parente foram enterrados no cemitério de Caicó, cuja população ficou verdadeiramente impressionada com o ocorrido. Nesse tempo, segundo o Censo de 1920, Caicó tinha meros 2.550 habitantes e em todo o município viviam 25.366 pessoas, que viviam em uma área territorial muito maior que a atual. 

Misteriosa Tragédia 

O material existente em A República informou que José da Silva Pires Ferreira e Gil Braz de Araújo, os únicos médicos de Caicó nada puderam fazer para descobrir o que aconteceu com aquela família e admitiram que não dispunham de recursos suficientes para resolver esse mistério. Nem na botica do farmacêutico Homero Nóbrega existia algum unguento para ajudar aquelas vítimas. 

A família Alves era benquista na região, não tendo nada que desabonasse a conduta deles perante a sociedade caicoense. Isso gerou ainda mais estranhamento em relação aos fenômenos ocorridos, pois muitos acreditavam que aquela família tivesse sido envenenada, mas só não entendiam a razão para isso. 

Como a hipótese mais plausível então comentada era a de envenenamento, a polícia entrou no circuito. 

O tenente Ignácio Valle, de uniforme, em um casamento em Caicó – Fonte – Rostand Medeiros.

O tenente Ignácio Valle, na época Delegado Regional de Caicó, se deslocou a cavalo para a localidade de Riacho de Santana e a vila de São Miguel de Jucurutu para apurar os fatos.

O caso passou a ser muito comentado em todo Seridó e na capital, isso em uma época onde o jornal A República, o mais importante do Rio Grande do Norte, quando mostrava alguma notícia vinda do interior era basicamente para apresentar as “ações positivas” dos políticos e das elites locais, algumas raras ações do governo estadual nestes rincões e algo sobre as secas e as chuvas. Para fugir desse script básico só algum assassinato rumoroso de membros abonados das famílias interioranas, um assalto de cangaceiros, ou uma desgraça incomum como a que dizimou a família de Neguinho Gonçalo. 

Em outra edição de A República (18/05/1921, pág. 1) soubemos que dos quatro filhos de Neguinho e Guilhermina que sobreviveram em um primeiro momento, mesmo em estado “desesperador”, três faleceram e foram enterrados no pequeno cemitério de sua comunidade, tal como a maioria dos membros de sua família. Apenas um dos nove filhos do casal sobreviveu a tragédia e infelizmente os jornais nada informaram sobre essa pessoa. 

Caicó na década de 1920.

O tenente Ignácio Valle continuou suas investigações. Ele descobriu que o porco de onde veio o toucinho era um animal “cevado”, que fora comprado pelo vendedor da feira de Jucurutu ao proprietário José Bezerra de Araújo, que vivia no Sítio Baixio, uma localidade ao sul daquela vila, que fica próximo a Serra do Estreito e não muito distante da rodovia asfaltada RN-118. Valle apurou também que no dia da feira diversas pessoas compraram partes do mesmo porco e nenhum outro caso como o ocorrido com os membros da família de Neguinho Gonçalo foi relatado na região.

Coincidência, ou não, poucos dias após os trágicos episódios ocorridos no Seridó, o tenente Ignácio Valle veio de Caicó para Natal, onde sabemos que ele esteve na sede do jornal A República, mas nada mais foi comentado sobre o caso e nenhum outro jornal comentou algo sobre essa tragédia. 

E a Explicação do Vômito Azul? 

Ao buscar mais informações eu descobri que realmente o ser humano pode vomitar uma substância azulada, vindo da bílis, que é normalmente fruto de intoxicação a partir da ingestão de altas doses de cobre (Cu) no organismo. 

Consta que os sintomas agudos da intoxicação por cobre incluem sintomas gastrintestinais que podem ser graves, como náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia, hematêmese, anorexia, hipotensão, melena, coma, icterícia e desconforto gastrintestinal, podendo ainda ocorrer desidratação e choque hipovolêmico. Casos mais graves podem cursar com anemia hemolítica, hepatite aguda com necrose hepática, insuficiência cardíaca e renal, podendo evoluir com encefalopatia hepática, com alguns casos de óbito descritos.

Em um documento existente na internet (https://sappg.ufes.br/tese_drupal//tese_16314_Tese%20Filipe%2030-05-2022%20FINALIZADA.pdf), existe o relato de um caso de envenenamento por cobre e a existência de vômito azul – “relataram a morte de uma mulher que ingeriu fungicida a base de cobre. Foi encontrado vômito azul-turquesa no local e, na autópsia, material turquesa foi encontrado em todo o trato gastrointestinal. O nível de cobre no sangue post mortem foi de 500 μg/dL. A causa da morte foi determinada como “toxicidade aguda de cobre”.

Cobre – Fonte – Wikipédia.

Não sabemos se além de pequeno produtor rural, o comprador do toucinho tinha alguma outra atividade. Algo em que ele utilizasse cobre na manufatura de determinados produtos. Sem maiores dados fica difícil saber como quase toda a família de Neguinho Gonçalo morreu de uma possível ingestão desse mineral no Sítio Riacho de Santana? 

Mas segundo meu amigo Sales Felipe, profundo conhecedor da história e das coisas do sertão do Seridó, além de um grande poeta, a explicação mais provável estaria ligada ao fato do toucinho ter sido preparado em um tacho de metal, que na sua composição deveria possuir uma grande quantidade de cobre.

Segundo Sales, seridoense nascido em São Rafael, cidade que fica ao norte do atual município de Jucurutu, esses tachos eram panelas largas, muito utilizados na preparação de alimentos e em São Rafael existiam mestres ferreiros que fabricavam esse tipo de material. Ocorre que esses homens transmitiam a arte do seu ofício através da oralidade, mas que na formação de novos ferreiros poderiam ocorrer erros na utilização dos minerais para a confecção de seus produtos. No caso dos tachos a falha maior estava na quantidade de cobre que era misturada a outros metais. Se fosse mais elevada que o normal, o cobre provocaria a intoxicação dos compradores conforme eles preparavam alimentos nesses objetos.

Certamente nunca saberemos a real causa da intoxicação dos membros da família de Neguinho Gonçalo do Riacho de Santana em 1921, mas essa trágica história mostra as dificuldades enfrentadas pelos antigos habitantes do nosso Seridó.

1932 – QUANDO CAICÓ QUASE MUDOU DE NOME

Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN

Não Sei como funciona em outros estados brasileiros, ao longo da história do Rio Grande do Norte, eram comuns as mudanças de nomes originais e tradicionais de municípios e localidades. Muitas vezes ao bel prazer de figuras políticas dominantes do lugar, que desejavam angariar simpatias de outros políticos mais poderosos. Isso muitas vezes a revelia das tradições e da maneira de pensar do povo da terra.

Igreja do Rosário, em Caicó.

Em janeiro de 1932 alguém imaginou mudar o nome de Caicó para Amaro Cavalcanti era um bom negócio. Certamente quem propôs essa situação, que não descobri quem foi, pensou que era algo positivo essa mudança pela interessante biografia desse homem. Mas os caicoenses e as autoridades locais viram essa proposta de outra maneira e o caso repercutiu até no Rio de Janeiro, conforme foi publicado na imprensa da então Capital Federal. O fato é que, como bem sabemos, não houve essa mudança. Era demais mudar o nome de Caicó, mesmo Amaro Cavalcanti Soares de Brito (1849-1922) merecendo muitas homenagens.

Amaro Cavalcanti Soares de Brito – Fonte – stf.jus.br

Amaro Cavalcanti nasceu no sítio Logradouro, hoje conhecido como Três Riachos, não muito longe da sede do município de Jardim de Piranhas, e desenvolveu ao longo de sua vida uma carreira excepcional.

Estudou direito nos Estados Unidos e no retorno ao Brasil, entre outras atividades exerceu em momentos distintos os cargos de Ministro das Relações Exteriores e da Fazenda, Ministro do Supremo Tribunal Federal e de prefeito do Rio de Janeiro, onde até hoje uma grande avenida leva seu nome. 

Eu continuo achando que alterar o tradicional nome de Caicó, ou de qualquer outra localidade, para homenagear alguém é algo complicado e problemático, mas o irônico disso tudo é que atualmente a vida e a excepcional carreira do potiguar Amaro Cavalcanti é pouco conhecida no seu estado de nascimento. Uma exceção é justamente em Caicó, onde o fórum local se chama Fórum Municipal Amaro Cavalcanti, na rua Dom Adelino Dantas.

UMA REVOLUÇÃO PELO VOTO – A CAMPANHA PARA GOVERNADOR DE 1960 NO RIO GRANDE DO NORTE

Aluizio Alves
Propaganda eleitoral de Aluízio Alves – Fonte – https://juscelinofranca.blogspot.com.br/2013/05/7-anos-sem-aluizio-alves-o-homem-da.html

Rostand Medeiros – Membro da Diretoria do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

No ano de 1960 era governador no Rio Grande do Norte o caicoense Dinarte de Medeiros Mariz, da União Democrática Nacional – UDN. Neste seu último ano de mandato o governador buscava consolidar os candidatos à sua sucessão.

Dinarte Mariz discursando.

Paralelamente as bases oposicionistas, representados pelo Partido Social Democrático – PSD se organizavam para eleger o então deputado federal Aluízio Alves, tendo como vice-governador monsenhor Walfredo Dantas Gurgel.

As limitadas bases do PSD no Rio Grande do Norte começaram a apoiar a candidatura e as definições de apoio ao candidato oposicionista se avolumavam. Foi então deflagrada a campanha “Cruzada da Esperança”, com o apoio da maioria dos deputados federais potiguares, inclusive dois da UDN e o apoio de vários partidos anteriormente conflitantes que se uniram para assegurar a vitória dos candidatos da “Cruzada”.

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Aluízio Alves e Monsenhor Walfredo Gurgel na campanha de 1960 – Fonte – http://www.moradadamemoria.com.br/aluizio-alves/

Sob muitos aspectos a campanha de Aluízio Alves ao governo potiguar de 1960 foi revolucionária, onde contou, por exemplo, com a participação de um profissional que havia estudado marketing político nos Estados Unidos e até mesmo participado naquele país da vitoriosa campanha presidencial de Dwight David “Ike” Eisenhower.

Este homem era Roberto Albano e esta era uma situação até então inédita em uma campanha eleitoral no Rio Grande do Norte.

Albano havia participado em 1958 da vitoriosa campanha de governador do pernambucano Cid Sampaio e em terras potiguares ele repetiu de forma inédita por aqui o uso do sistema de pesquisas eleitorais e o uso de material propagandístico como adesivos, cartazes e foram criadas músicas que contagiavam as multidões. Uma destas músicas que chamou muita atenção durante a campanha foi a “Marcha da Esperança” e o slogan principal foi “A esperança e a fé salvarão o Estado”.

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Ponte sobre o Rio Potengi na década de 1960. Era uma época onde o Rio Grande do Norte carecia de obras estruturantes.

Logo Aluízio Alves chegou do Rio de Janeiro e a campanha “Cruzada da Esperança” começou para valer.

Começa a Campanha

Segundo o jornal Tribuna do Norte estampa, no dia 22 de maio de 1960, um domingo à noite, Aluízio desembarcou de um avião do Loyde Aéreo no extinto Aeroporto Augusto Severo. Era por volta das sete e meia da noite e Aluízio já desembarcou direto nos braços do povo. Foi realizada uma grande carreata com mais de 400 veículos até a Praça Gentil Ferreira, onde se realizou um comício que foi classificado como o primeiro grande evento de sua campanha no Rio Grande do Norte, com mais de 15.000 pessoas presentes.

No Rio Grande do Norte a campanha de Aluízio pegava fogo. Foram muitas as vigílias, passeatas de longa e de curta distância, mas sempre com muitas pessoas presentes. Foi criado o “Caminhão da Esperança”, onde os principais candidatos percorriam bairros da capital e as cidades do interior do Estado. O “Caminhão da Esperança” percorreu todos os quadrantes do Rio Grande do Norte.

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Trem da Esperança – Fonte – http://www.moradadamemoria.com.br/aluizio-alves/

Na busca para alcançar o maior número de adeptos foram utilizamos outros meios disponíveis existentes na época, como o “Trem da Esperança”. Que saiu de Natal até a cidade de Nova Cruz, realizando muitas paradas e comícios ao longo do percurso.

A convenção que homologou os nomes dos candidatos se realizou no dia 11 de agosto de 1960, uma quinta feira, dia do aniversário de Aluízio Alves. Segundo o jornal Tribuna do Norte primeiramente aconteceu pela manhã uma missa comemorativa do aniversário de Aluízio na antiga Catedral. Depois ocorreu uma reunião nos jardins da residência do empresário Rui Moreira Paiva, na Avenida Rodrigues Alves, com a presença dos principais candidatos e lideranças políticas, onde Aluízio leu o esboço do seu programa de governo.

Depois todos seguiram para a Praça André de Albuquerque, no centro da cidade, onde se realizou uma grande concentração popular, formada por pessoas de todas as partes da cidade que para lá se dirigiam em numerosas passeatas, destacando-se em número de pessoas e animação a passeata que veio do popular bairro das Rocas. Em meio a muito entusiasmo foi realizada a parte programática da convenção, onde foram homologados os nomes dos candidatos da “Cruzada da Esperança”. Foram escolhidos os seguintes candidatos.

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Campanha nas ruas. Aluízio na carroceria do “Caminhão da Esperança” – Fonte – http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/50-anos-do-governo-da-esperanca-a-campanha-da-esperanca/171456

Para governador – Aluízio Alves;

Para vice-governador – Monsenhor Walfredo Gurgel;

Para prefeito da capital – Djalma Maranhão;

Para vice-prefeito – Luiz Gonzaga dos Santos.

Em praça pública Aluízio e Djalma Maranhão anunciaram ao povo seus respectivos planos de governo.

A Campanha no Interior

Já logo no início Aluízio e o monsenhor Walfredo Gurgel seguiram para o interior do Rio Grande do Norte para levar a “Cruzada da Esperança”. Um destes casos ocorreu em uma grande movimentação política no Seridó.

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Fonte – http://www.moradadamemoria.com.br/aluizio-alves/

No dia 13 de agosto Aluízio e seus companheiros de campanha saíram de Natal, seguindo para Currais Novos, onde o candidato deu uma entrevista na Rádio Brejuí e depois o destino para a cidade de Jucurutu.

No outro dia, domingo, dia de feira em Acari, houve uma grande concentração dos aluizistas. Onde foi realizado um grande comício na antiga Praça Presidente Vargas, hoje Cipriano Pereira, diante da Igreja de Nossa Senhora do Rosário.

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Monsenhor Walfredo Gurgel em Caicó, atuando como educador, anos antes da campanha de 1960. A primeira jovem a esquerda é Dona Célia Vale, esposa do norte-americano Emil A. Petr e biografado em 2012 pelo autor deste texto.

O palanque foi o tradicional e ainda existente coreto. Ali, no começo da noite, em meio a uma multidão expressiva falaram várias lideranças. No momento de Aluízio falar ele então elencou várias metas que pretendia executar no seu governo para a Região do Seridó e, antes de encerrar o discurso, informou a multidão o apoio que recebeu para a sua candidatura do líder seridoense José Augusto Bezerra de Medeiros, ex-governador potiguar que nesta época vivia no Rio de Janeiro. A multidão aplaudiu de maneira entusiástica e ensurdecedora o teor da missiva e esse acontecimento tiveram muita repercussão em toda a região.

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Aluízio Alves em Macau – Fonte – http://www.obaudemacau.com/?page_id=30330

Um dos maiores eventos foi a caminhada da capital até a cidade de Macaíba, a maior manifestação em prol de Aluízio que ocorreu naquela campanha de 1960.

O povo seguiu seu líder a pé, chamou atenção a quantidade de pessoas, de bandeiras e todos percorrendo o velho caminho que passava pelos Guarapes. Era gente de todos os cantos da capital e dos sítios vizinhos. Havia homens, mulheres, jovens, velhos, crianças, ricos, pobres, enfim o povo potiguar se fez presente nesse dia.

As Eleições

Segundo as páginas da Tribuna do Norte e do Diário de Natal as eleições ocorreram em uma segunda-feira, 3 de outubro, onde foi decretado feriado nacional em todo o país. Tropas federais foram convocadas para conter os ânimos de uma campanha onde, infelizmente, ocorreram excessos decorrentes do radicalismo que marcou a mesma.

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Aluízio Alves e Monsenhor Walfredo Gurgel – Fonte – http://www.moradadamemoria.com.br/aluizio-alves/

Entretanto, as manifestações ocorridas na capital no sábado e no domingo antes da eleição foram intensas, mas sem problemas.

Houve muita previsão de violências, mas elas não aconteceram. Os eleitores dos dois candidatos, cada um ao seu modo, chegaram ao último momento da luta eleitoral em um clima de normalidade. Desde cedo muita gente foi para as ruas com suas bandeiras verdes dos aluizistas e vermelhas dos seguidores de Djalma Marinho. Havia em Natal um clima de verdadeiro carnaval, com a improvisação de blocos, de passeatas e de pequenos comícios, com pessoas de todas as idades participando.

Na segunda as eleições foram tranquilas, com um amplo comparecimento do eleitorado aos locais de votação e com abstenção mínima. Não se registraram maiores ocorrências nas inúmeras seções eleitoras espalhadas pelo Rio Grande do Norte. Soube que muitas destas terminaram a votação cedo devido ao comparecimento maciço de eleitores assim que as mesmas foram abertas. Às cinco da tarde encerrou-se o pleito.

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Juscelino Kubitschek e Aluízio Alves – Fonte – http://www.moradadamemoria.com.br/aluizio-alves/

O grupo aluizista em Natal manteve uma equipe bem organizada para coordenar os trabalhos da “Cruzada da Esperança” no dia da eleição. À frente estava o ex-governador Silvio Pedroza, o seu cunhado Graco Magalhães Alves e o candidato a prefeito Djalma Maranhão.

O Resultado

Naquele tempo as apurações eram mais lentas, pois eram manuais. Mas na terça-feira, 4 de outubro, já estava consolidada a vitória de Jânio Quadros em todo o país, de Aluízio Alves no Estado e de Djalma Maranhão como prefeito de Natal.

Para se tenha uma ideia da vantagem de Aluízio na eleição para governador, o jornal Tribuna do Norte aponta que em todas as urnas das 1ª e 2ª Zonas Eleitorais de Natal e em 12 urnas da 3ª Zona Eleitoral da Capital, Aluízio obteve 12.499 votos, contra 6.424 de Djalma Marinho, ou seja, o dobro da votação do candidato governista. Nas ruas o povo dizia com razão – “Aluízio ganhou na capital e Djalma perdeu no interior”.

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Discuso da vitória – Fonte – http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/50-anos-do-governo-da-esperanca-o-tempo-das-mudancas/171453

Os festejos foram muitos com o sucesso de Aluízio, mas os ecos da campanha ainda mantinham os ânimos bem acirrados. O jornal Diário de Natal de 8 de novembro de 1960 trás os detalhes de um caso que chamou a atenção no Rio Grande do Norte.

Tiros na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte

Mas a vitória de Aluízio Alves por si só não evitou o desarmamento dos ânimos bastante radicalizados pela campanha política de 1960. E isso se refletiu em todas as áreas, até dentro de locais onde o decoro exigia mais tranquilidade. 

No dia 7 de novembro, uma segunda-feira, aconteceu uma seção extremamente tensa na Assembleia Legislativa e com desdobramentos violentos. O deputado estadual Carvalho Neto, que apoiou a eleição de Aluízio, denunciou nesta sessão o deputado Moacir Duarte de forma bastante agressiva. Moacir era genro de Dinarte Mariz e líder de seu governo na Assembleia Legislativa.

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Segundo Carvalho Neto o líder udenista teria pedido uma contribuição financeira “por fora” ao empresário italiano Cornélio Giordanetti, proprietário do “Moinho Mobrasa”, na Ribeira. O dinheiro seria uma contribuição para ser utilizada na campanha política daquele ano.

Na mesma hora Moacir repeliu a insinuação e exigiu provas das acusações contra ele, na sequência foi para frente da tribuna e perguntou a Carvalho Neto se realmente era sobre ele que o deputado estava falando. Diante da resposta positiva Moacir Duarte partiu para cima do seu acusador tomando o microfone e o conflito começou.

Moacir então puxou um revólver e disparou contra Carvalho Neto, que aparentemente percebeu o que iria ocorrer tentou se baixar, mas escorregou e caiu. Se não fosse essa sua ação teria levado dois tiros, que inclusive vararam a tribuna feita de madeira de lei.

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Aí, segundo a versão estampada no jornal,  mesmo caído no chão Carvalho Neto puxou a sua arma e atirou.

De cinco a seis tiros foram disparados, mas logo a sua arma engasgou. Inclusive uma das balas atingiu uma janela do velho Palácio Amaro Cavalcanti, onde a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte tinha a sua sede e hoje se encontra o Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte.

O Deputado Garibaldi Alves, irmão de Aluízio Alves, ao buscar apaziguar os ânimos entre os dois deputados levou um tiro na perna. Quem desarmou Carvalho Neto foi o deputado Valdemar Veras, então 1° Secretário da Mesa, que lhe tomou uma pistola calibre 45.

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Foi quando José Varela, então Presidente da Assembleia Legislativa e vice-governador, entrou na confusão aos gritos e de revólver na mão. Mandou de maneira forte que os dois deputados que se agrediram baixar as armas, se não “Quem atirava neles dois era ele”.

Varela desarmou a todos e pôs ordem na casa. Em seguida Garibaldi foi levado ao Hospital Miguel Couto, atual Hospital Universitário Onofre Lopes e depois seguiu para Recife.

Essa situação extrema na Assembleia Legislativa mostrou um dos aspectos negativos resultantes desta campanha política e do acirramento do clima entre a classe política do Rio Grande do Norte na década de 1960.

A PRIMEIRA ELEITORA DO SERIDÓ POTIGUAR

ROSTAND MEDEIROS – SÓCIO EFETIVO DO INSTITTO HISTÓRICO DO RIO GRANDA DO NORTE

O ano de 1927 seria marcante, extremamente interessante na história potiguar. Em meio à chegada de primitivos aviões que atravessavam o Atlântico, a passagem de Lampião e seus cangaceiros atacando Mossoró, ocorria em nosso estado uma forte campanha para ser concedido legalmente o direito das mulheres terem o direito ao sufrágio universal, fato este que tornaria estas mulheres às primeiras eleitoras a votar no Brasil e na América do Sul.

Nos final dos anos 20 do século passado, crescia fortemente no país a idéia do voto feminino, mas estas idéias não alcançavam a devida atenção das classes dominantes.

Bertha Maria Júlia Lutz

As mulheres partiam para a luta, com a criação de entidades de apoio à causa do sufrágio feminino, uma destas entidades era a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que através da sua Presidente, a cientista brasileira Bertha Maria Júlia Lutz, buscava deputados federais que apoiassem a criação de um projeto de lei dando vez ao voto das mulheres.

A Luta pelo Voto Feminino

No Senado Federal, o senador potiguar Juvenal Lamartine de Faria apoiava a intenção à idéia do voto feminino, mas encontrava pouco apoio dos seus pares. Quando este deputado, membro da elite dominante da política potiguar entre os anos de 1910 e 1930, teve o seu nome apontado para a sucessão de José Augusto Bezerra de Medeiros, já pleiteava pioneiramente em seu programa de governo, lançado em 9 de abril de 1927, a idéia das mulheres terem o direito a votar e serem votadas em território potiguar.

Ainda em 1926, estava sendo revista à lei eleitoral do Rio Grande do Norte, quando a redação final estava quase pronta, Juvenal Lamartine manda um telegrama do Rio de Janeiro mandando acrescentar um artigo que abria uma real possibilidade para a efetivação do voto feminino.

Oficialmente, em 27 de outubro de 1925, era sancionada a lei nº 660 que “Regula o Serviço Eleitoral do Estado”, onde no artigo 77 das Disposições Gerais estava escrito “No Rio Grande do Norte poderão votar e ser votados, SEM DISTINÇÃO DE SEXO, todos os cidadãos que reunirem condições segundo a lei”. A lei foi sancionada pelo Governador José Augusto e referendada pelo então Secretário Geral, Anfilóquio Carlos Soares da Câmara.

Em poucos dias esta lei repercutia fortemente na Capital Federal, mais precisamente na Câmara dos Deputados, provocando acalorados debates, onde os deputados potiguares, principalmente Dioclécio Duarte, defendiam a iniciativa. Em pouco tempo na notícia corria todo o Mundo, sendo aclamado em vários jornais feministas.

Para votar, as mulheres necessitariam ser maior de 21 anos, ter uma profissão que lhes garantisse renda, não ser analfabeta, nem estar vivendo na mendicância e não ser religiosa com voto de obediência.

Os jornais potiguares todos os dias traziam novas notícias sobre os debates em relação ao voto feminino em várias partes de país.

As Primeiras Eleitoras

Com a vigência da lei, logo algumas mulheres buscaram o seu alistamento e começou uma espécie de corrida para saber quem seria a primeira.

Celina Guimarães Vianna

Coube a Mossoró a honra de ter a primeira mulher oficialmente alistada e a primeira a receber um título eleitoral na América do Sul. Coube a professora Celina Guimarães Vianna, com 29 anos, que teve seu alistamento eleitoral publicado no Diário Oficial, em 25 de novembro 1927. A jovem professora foi notícia em todo Brasil e teve seu nome registrado em vários jornais pelo Mundo afora.

Logo depois, na Argentina, mais precisamente na província de Santa Fé, movimento igual ao ocorrido em terras potiguares se repetiria, tornando a nação platina à segunda no continente a sufragar o direito do voto feminino.

Mas voltando ao Rio Grande do Norte, no dia 29 de novembro de 1927, Beatriz Leite de Morais, também de Mossoró, teria a publicação do seu alistamento estampada no Diário Oficial e se tornaria segunda eleitora inscrita.

Júlia Alvs e o juiz Montenegro

Em Natal, a professora Julia Alves Barbosa requereu seu alistamento no dia 24 de novembro, mas entre o parecer do juiz eleitoral da capital, J. Manuel Xavier Montenegro e a publicação no Diário Oficial, em 1 de dezembro, transcorreram nove dias e a eleitora da capital se tornava a terceira se alistar corretamente.

As congratulações do políticos a primeira eleitora de Natal

Enquanto isto no Seridó, mais precisamente em Acari, a professora Marta Maria de Medeiros, de 24 anos, nascida e morando na Fazenda Rajada, filha do fazendeiro e coronel nomeado da Guarda Nacional Joaquim Paulino de Medeiros e da senhora Maria Florentina de Medeiros (conhecida como Dona Maricota), buscava junto ao Juiz da cidade, João Francisco Dantas Sales, o seu alistamento eleitoral, pois preenchia todas as condições para a inscrição. O Dr. Sales era irmão do também juiz Celso Dantas Sales, pai dos Cadeais Dom Eugênio de Araújo Sales e Dom Heitor Sales.

Marta Maria de Medeiros

A decisão do juiz Sales, ante o pedido da professora, foi publicada oficialmente no dia 10 de dezembro de 1927, tornando-a a quarta eleitora do Rio Grande do Norte e a primeira da região do Seridó.

Vitória

Em um documento pontuado por diversas razões de ordem histórica para argumentar sua decisão, o juiz aponta que “Não há motivo para se recusar à mulher o direito a voto. A história de todos os povos e de épocas, lida atenciosamente encerra em cada página a eloqüência de um vulto feminino. A mulher foi sempre à inspiradora do homem: teve sempre uma influência incontestável nos assuntos políticos e sociais”. (Mais adiante neste artigo temos a íntegra da decisão do juiz Sales, mantida na grafia original).

Mas este seria apenas a primeira batalha, faltava a votação. Esta viria a ocorrer quase quatro meses depois, na vaga aberta para o Senado Federal, com a eleição de Juvenal Lamartine para Governador. Era o momento das mulheres sufragarem seu direito.

Grupo de eleitoras. Marta Medeiros seria a primeira que está sentada, a esquerda do grupo. Foto da revista “A Cigarra”

O candidato único ao Senado, como era praxe naquele período de eleições com uma conotação partidária distinta, foi o ex-governador José Augusto. Era na prática, uma troca entre correligionários.

Independente do sistema eleitoral em vigor neste período, no dia 5 de abril de 1928, das vinte eleitoras inscritas em todo Rio Grande do Norte, quinze exerceram pela primeira vez no Brasil o direito do sufrágio político.

Julia Medeiros votando em Caicó

Tempos depois Marta Medeiros teve a oportunidade de conhecer Bertha Lutz, quando a mesma visitou o interior do Rio Grande do Norte e recebeu a líder sufragista em Acari. Vale ressaltar que Marta foi à primeira eleitora oficial do Seridó. Contudo, a primeira mulher a efetivamente realizar o gesto de colocar um voto em uma urna eleitoral na região, diante dos representantes dos partidos, do juiz e ter este fato registrado fotograficamente, foi a caicoense Julia Medeiros. A foto que mostra esta ocasião é a que ilustra este artigo.

Página do primeiro número da revista “A Cigarra”, de 1928, mostrando a ação das mulheres que batalhavam pelo voto

Para a poetisa Palmyra Wanderlei, o comparecimento das mulheres as urnas foi chamado por ela de “os votos de páscoa”, pela coincidência das eleições de 5 de abril serem realizadas próximas a Semana Santa de 1928. A poetisa escreveu em “A Republica”, de 13 de abril, que o sufrágio feminino “Chegou com a Aleluia. E cheira a rosa fresca de uma madrugada de um dia de Ressurreição”.

Reações ao Voto Feminino no Rio Grande do Norte e a Primeira Prefeita da América do Sul

Estas mulheres poderiam comemorar esta votação tão importante, mas logo viria a já esperada reação. Em 18 de maio, a toda poderosa Comissão de Poderes do Senado, exclui os votos femininos da eleição de José Augusto, mas mesmo assim proclama-o senador pelo Rio Grande do Norte.

Elas foram às primeiras eleitoras da América do Sul a votar e as primeiras a terem os votos anulados.

Julia Alves Barbosa

Mas nem tudo eram flores. A eleitora Julia Alves Barbosa, assinando um artigo com suas iniciais “JAB”, na segunda página da edição de domingo, 15 de abril de 1928, do jornal “A Republica”, fazia uma severa crítica a falta de vontade das próprias mulheres potiguares em se alistar. Dizia “Porque tanta timidez quando se trata de alistamento eleitora?”. Julia apontava que havia as que não participavam e ainda criticavam o movimento feminista. “As mulheres, no Rio Grande do Norte, sem entusiasmo, muitas até ridicularizado o movimento emancipador, não vem com bons olhos suas vinte ou trinta companheiras interessadas na campanha feminista. Indagando a causa, vejo, com pesar, outra não ser, senão o tal preconceito social”. Para ela a raiz deste “preconceito social” estaria no fato de muitas não desejarem “desgostar seus maridos, noivos, irmãos, etc”.

O artigo apontava que dentro dos lares e nas rodas sociais, as críticas as feministas eram extremamente severas e preconceituosas. Para Julia era conveniente aos homens que as mulheres fossem “suas inferiores-escravas humildes, nas senzalas de seus lares”.

A manchetes sobre o voto feminino era quase diárias em Natal

Independente desta questão, a luta continuou e novas conquistas vieram. Como a lei 660 dava o direito a votar e ser votado, em 1929, a Senhora Alzira Soriano venceu o pleito eleitoral para prefeitura da cidade potiguar de Lages, obtendo 60% dos votos e derrotando o Senhor Sérvulo Pinheiro Neto Galvão. Tornando-se a primeira prefeita eleita da América do Sul.

Como as eleitoras que tiveram os títulos anulados, Alzira Soriano viria a ostentar o negativo título de primeira prefeita cassada por uma revolução. Isso ocorreria no movimento revolucionário de 1930, que a depôs, juntamente com o governador Juvenal Lamartine.

Mas a semente fora lançada e cada vez mais as mulheres conquistariam seus direitos eleitorais neste país.

Orgulho

A inscrição de Marta Medeiros foi um motivo de extremo orgulho para sua família. Uma das razões que muito ajudou a jovem professora a se alistar foi apoio do seu irmão mais velho, Joaquim Paulino de Medeiros Filho, meu avô, mais conhecido como Jaco. Este era um homem de muita cultura e de espírito extremamente rebelde. Jaco havia abandonado, por divergências políticas junto a seus professores, a Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Mesmo sendo filho de um fazendeiro importante na sua região, era simpatizante do Partido Comunista, tendo atuado junto à causa e sido preso e condenado pela sua participação na Intentona Comunista de 1935.

“O Seridoense”, edição de 23 de dezembro de 1927

A única cópia existente e integral da sentença do despacho do Juiz João Francisco Dantas Sales, está em um exemplar do jornal “O Seridoense”, publicado em Caicó, na edição de 23 de dezembro de 1927. O mesmo se encontra na coleção de jornais antigos do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

JURISPRUDÊNCIA

Juiz de Direito da Comarca de Acary

Alistamento eleitoral. A Senhorita Martha de Medeiros, diplomada pela Escola Domestica de Natal, requer sua inclusão no alistamento eleitoral do município de Acary.

Despacho-Vistos, etc. – A Senhorita Martha Maria de Medeiros, com 24 annos de idade, natural deste Estado, filha legitima de Joaquim Paulino de Medeiros, solteira, professora particular, residente no sítio “Rajada”, deste Município, exhibindo os documentos flas. a (ilegível) requer a sua inclusão no alistamento eleitoral.

O sufrágio feminino tem agitado a imprensa e os parlamentos dos povos mais cultos do mundo. E já foi adoptado pela legislação de quasi todas as nações civilisadas. As mulheres exercem direitos eleitoraes em trinta e nove paízes.

Na Europa, quem primeiro agitou no seio de uma assembléa legislativa o voto das mulheres foi o grande Stuatt Mill, que, pleiteando essa medida, exclamara em pleno parlamento inglez: “É necessario dar a essas escravas uma protecção legal, porque nos sabemos muito bem qual a protecção que os escravos podem esperar quando as leis são feitas pelos seus senhores.”

Para os antigos a missão da mulher era toda obediência, passividade, sacrifício.

Era a submissão incondicional, era um ente secundario e cujo unico destino se encarnava na maternidade. A mulher não tinha direitos. Era um animal inferior e despresivel, tendo apenas deveres, os mais rudes, os mais dolorosos, os mais humilhantes.

Actualmente, porem, a mulher desempenha dentro das repartições, dos ministérios, as mesmas funcções dos homens.

A lei eleitoral veda acesso politico às mulheres, pergunta Augusto de Lima, deputado federal pelo Estado de Minas Gerais.

Absolutamente não, responde o mesmo deputado, se o vedasse, infrigeria a Constituição, que não o veda, nem o poderia vedar, porque é uma Constituição democrática.

Alei eleitoral, copiando a Constituição, concede o direito ao voto aos “cidadões brasileiros, maiores de 21 annos, exceptuados: 1º os analfabetos; 2º os mendigos; 3º as praças; 4º os religiosos de ordens monásticas e outros, sujeitos a votos de obediencia ou outra qualquer renuncia ou restricção da liberdade.”

Os cidadãos brasileiros, portanto, maiores de 21 annos, que não estiverem capitulados nestas restricções prohibitivas, são alistáveis, como eleitores, e juiz nenhum pode, sem prevaricar, denegar-lhes o direito de incricção, diz Augusto Lima.

As mulheres são cidadãos brasileiros? Pergunta o mesmo deputado.

Se não fossem, seriam extrangeiros, mas pertencentes a que paíz, interroga Augusto Lima.

Constituição é clara e explicita; São considerados cidadãos brasileiros: a) os nascidos no Brasil.

A mulheres nascidas no Brasil são, pois, cidadão brasileiros: e, desde que não estejam incluídas em nenhuma das excepções que privam os cidadãos brasileiros do exercício do voto, não se pode deixar de reconhecer-lhe o direito de alistar-se como eleitor.

Ouçamos, agora, a opinião do Dr. Tito Fulgencio.

Este escritor em seu livro “Carteirinha o Alistando e do Eleitor” assim se expressa: “O que é da verdade mais verdadeira é que o direito de se inscreverem as mulheres entre os que formam o corpo de eleitores do paíz está regiamente garantido no texto expresso da Constituição: cidadãos são ellas, e está escrito no Artigo 69 da Constituição tanto que exercem direitos políticos, participando aos olhos de toda gente, no exercicio de funcções publicas, e desde que saibam ler e escrever, e não sejam mendigas, nem de ordem religiosa com voto de obediencia, eleitores são, e assim o diz o artigo 70 da Le Fundamental. O juiz brasileiro, continua Tito Fulgencio, que em verdade o queira ser, não exclue, não cercêa, não restringe direitos, senão quando isso lhe é soado aos ouvidos pelo teor da lei, pela sua expressão verbal.

Por argumentos, por subtilezas, por conveniencias… isso não, que é forma especifica de denegação de justiça”.

“Si a lei quizesse excluir a mulher do sulfragio politico, o teria expressado do mesmo modo que expressou quanto aos analfabetos, as praças, aos mendigos, aos religiosos”.

Demais é principio immutavel de interpretação juridica que em direito não se restringe por inducção, conforme affirma o senador Juvenal Lamartine, em sua “Plataforma” e mesmo porque “UBI LEX NON DISTINGUIT. NEC INTERPRES DISTIGUERE DEBET”. (Do latim – Quando a lei não distingue, tampouco o intérprete deve distinguir).

Não ha motivo para se recusar á mulher o direito do voto.

A historia de todos os povos e epoca, lida atenciosamente, encerra, em cada pagina, a eloquencia de um vulto feminino. A mulher foi sempre a inspiradora do homem: teve sempre uma influencia incontestavel nos assunptos políticos e sociaes.

Desde Catharina Paraguaçu, auxiliando com efficiencia a aproximação de duas raças: Clara Camarão e Dona Maria de Souza, as protagonistas da restauração de Pernambuco: Barbara Heliodora, que tudo sacrificou pelo dever e pela virtude, tomando parte saliente na Conjuração Mineira: Anita Garibaldi, do Rio Grande do Sul, fazendo quase toda a campanha da “Guerra dos Farrapos”: Dona Anna Nery, a valorosa baiana constituindo-se enfermeira nos campos de batalha da guerra do Paraguay: Dona Rosa da Fonseca, içando a bandeira nacional na frente de sua casa para festejar a victoria de Itororó, na qual succumbira seu filho Eduardo, até Bertha Lutz, que representa no Brasil a mais alta expressão o feminismo, batendo-se desassombradamente pela emancipação politica do sexo feminino, a mulher tem dado provas irrefragáveis de seu valor intellectual no seio da sociedade brasileira, onde tem sido representada com brilhantismo no magisterio, na litteratura, no jornalismo, no commercio, na lavoura, na burocracia, na medicina, na engenharia, na advocacia, na pintura e na musica.

Num regimem democratico como é o nosso, diz o senador Juvenal Lamartine, é absurdo que se prive metade da população brasileira de exceser de seus direitos políticos, quando a mulher vem collaborando em todas as resoluções do paíz, agindo pela palavra, pela penna, em seu esforço constante e dedicado, para que se effective as grandes aspirações collectivas.

Isto posto é:

Considerando que o artigo 77, da lei 660, de 25 de outubro do corrente anno, que regula o serviço eleitoral do Estado, (ilegível) que “No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem distincção de sexo, todos os cidadãos que reunirem condições exigidas por lei.”

Considerando que, segundo prescreve o artigo (ilegível), do Decreto nº (ilegível), de (ilegível) de Novembro de 192(ilegível), o requerimento para o fim de alistamento eleitoral deve ser instruído com a prova de edade maior de 21 annos, renda que assegure a subsistencia e residencia no Municipio pelo praso de quatro meses ininterruptos.

Considerando que a requerente prova a edade de 21 annos com a certidão extrahida do registro civil e exibida as fls…, a renda e residencia com as fls. a fls. Estando as firmas dos mesmos devidamente reconhecida por tabellião pubblico, conforme exige o inciso 42, letra D, do artigo (ilegível) do referido decreto:

Considerando que fica expendido e (ilegível) dos autos:

Defiro o requerimento de Dona Martha Maria de Medeiros, e mando que se lhe insira o nome no alistamento eleitoral deste Municipio, expendindo-lhe o competente titulo.

Sem custas.

Acary, 10 de dezembro de 1927.

João Francisco Dantas Sales.                  

Conclusão

Marta Maria de Medeiros era tia do meu pai, mas todos a nós a chamávamos de “Tia Marta”. Era uma mulher forte, mas percebi que o preconceito que ela sofreu ao longo da sua vida, pela sua decisão de se tornar eleitora, a transformou em uma pessoa severa consigo mesma e muito sofrida. Outros reveses, como o brutal assassinato do seu irmão Jaco, crime que abalou Acari em 1952, a tornariam muito reservada a estranhos.

Nunca casou e nem teve filhos. Era extremamente católica, muito educada e, apesar de todos os reveses, era comunicativa com os amigos e os membros da família.

Por toda a vida se orgulhava de ter sido a primeira eleitora de sua amada região e isso eu a vi comentar várias vezes. Era um dos poucos momento que me recordo de ver o seu sorriso. Faleceu aos 81 anos, no dia 12 de setembro de 1984.

Três anos antes de sua morte, na época em que minha família tinha uma casa de veraneio na praia de Búzios, a cerca de 30 quilometros ao sul de Natal, aconteceu para mim algo muito especial. Eu me lembro bem que por por pura diversão e sem maiores intenções, gravei em antigas fitas K7 um longo papo que tive com Tia Marta.

Neste diálogo ela me contou praticamente toda sua vida. Desde a infância na “Rajada”, sobre seus pais, a pequena Carnaúba dos Dantas, sobre Acari, sua formatura na Escola Doméstica, o assalto dos cangaceiros de Chico Pereira a Fazenda Rajada (em fevereiro de 1927), a luta pelo voto, o rompimento político com a família Lamartine, a adesão a Mário Câmara, a prisão do irmão na Intentona de 1935, o assassinato do meu avô e as consequencias desta tragédia para nossa família.

Creio que grande parte da minha paixão pela história venha destas fitas que guardo com muito carinho.

Toda a luta de Tia Marta pelo seu voto causa imenso orgulho para a nossa família, sendo tudo isso muito positivo. Entretanto, apesar da falta que ela faz, fico feliz que ela não veja o quanto o título eleitoral, pelo qual tanto lutou, tenha perdido o seu valor em meio a tanta picaretagem política.

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