O MOSQUITO ANOPHELES GAMBIAE – COMO O BRASIL ABATEU UM INVASOR

A inigualável realização cientifica do Brasil — o extermínio do mortífero mosquito gambiae — salvou o continente americano de uma praga letal.

Por Lois Mattox Miller[1] – Publicado na Revista Seleções do Reader’s Digest, edição de fevereiro de 1942, págs. 62 a 66[2]. Condensado do jornal “Correio da Manhã”, Rio de Janeiro.

NOTAS COMPLEMENTARES DO BLOG TOK DE HISTÓRIA AO FINAL DO TEXTO.

Em 1930, quando poucos se preocupavam ainda com a defesa do Novo Mundo, uma pequena turma de agentes secretos, sedentos de sangue, saídos da África Ocidental, atravessou o Atlântico Sul para desembarcar em Natal. Não tardou que os efeitos dessa missão de morte se fizessem notar.

Publicado na Revista Seleções do Reader’s Digest, edição de fevereiro de 1942, págs. 62 a 66. Condensado do jornal “Correio da Manhã”, Rio de Janeiro.

Dúzias, depois centenas, e enfim milhares de pessoas adoeceram em Natal. A face se punha pálida ou cor de chumbo; o corpo torturado de sofrimento era alternadamente consumido por febres devoradoras e sacudido de arrepios atrozes. “Malária” diagnosticaram os médicos. Mas aquele não era precisamente o tipo de malária endêmica dos trópicos e regiões subtropicais da América.

Alguns sábios médicos, que já tinham visto a malária sob o seu pior aspecto em outras regiões do mundo, pensavam coisas que nem sequer ousavam dizer em voz alta. Não tardou que um caçador de mosquitos aparecesse para confirmar as mais graves de suas suspeitas.

O Dr. Raymond C. Shannon, entomologista da Fundação Rockefeller[3], adido ao Serviço de Combate à Febre Amarela no Brasil, andava perto de Natal procedendo a sua verificação habitual de águas de chuvas retidas em barricas, estradas e caminhos, quando encontrou um mosquito que lhe pareceu estranho naquela região. No laboratório, o Dr. Shannon meteu o prisioneiro sob a objetiva do microscópio, lançou lhe um rápido olhar, e não pôde reter uma exclamação de assombro.

Atuação do mosquito anófeles gambiae no Rio Grande do Norte.

Pela primeira vez na história, o gambiae — o mais mortífero de todos os mosquitos transmissores da malária, e precisamente aquele que fez da África Ocidental um inferno de doença e morte — tinha invadido o Novo Mundo!

Mas de que modo? O raio de voo do inseto gambiae limita-se a quatro quilômetros. Teria o monstro chegado no porão de um navio? Não, o gambiae é incapaz de se manter de portas adentro, ou escondido por mais de 48 horas. Nesse caso devia ter vindo pelo ar! Os aviões comerciais da nova linha aérea francesa tinham reduzido para vinte e uma horas o percurso Dakar-Natal. Era isso mesmo — o agente africano da “morte em vida” viera como passageiro clandestino[4].

O alarme foi irradiado para todas as nações da América. As autoridades sanitárias do Brasil decretaram logo um rígido controle: desde essa data, todos os aviões chegados da África deveriam ser imediatamente submetidos à inspeção e fumigação rigorosas. Mas os peritos da malária diziam: “O mal está feito! O gambiae já está aqui”.

Jornal natalense “A República”, edição de sábado, 19 de setembro de 1931, pág. 1.

A espécie ia se multiplicar com fantástica rapidez, A fêmea adulta (que se nutre de sangue e é o veículo da doença na família) é duma proliferação tremenda. Seus ovos se incubam em pouco mais de um dia e oito a nove dias depois as fêmeas recém-nascidas já começam a procriar, por sua vez, ativamente.

Além disso, o gambiae é o inseto mais sedento de sangue de todos os membros da família dos anófeles, transmissores da malária. As outras espécies podem se nutrir do sangue de animais e ficam satisfeitas com um repasto ocasional de sangue humano. A fêmea gambiae, essa, vive quase exclusivamente do sangue humano. Seu corpo funciona como um laboratório de venenos — alfobre onde se criam confortavelmente e aos milhões os parasitas da maleita. Essa combinação de hábitos faz do gambiae o mais perigoso veículo de malária que o mundo conhece.

Entre abril e junho de 1930, a cidade de Natal sofreu uma epidemia de malária, a mais intensa e violenta ainda verificada neste hemisfério. Durante a longa estação seca, de junho a fevereiro, a epidemia decresceu, para em seguida rebentar de novo e com redobrada virulência.

Lentamente, mas com precisão militar, o gambiae se espalhou para além de Natal. Os ventos dominantes arrastaram uma vanguarda do exército invasor pela costa acima e pela terra adentro, à distância de 186 quilômetros. Chegou a infectar 90 por cento da população de certas regiões e matou entre 10 e 50 por cento de suas vítimas. Minava as forças dos sobreviventes, deixando muitos demasiado débeis para trabalhar e demasiado abúlicos para se interessarem pela própria existência.

As autoridades da Saúde Pública, recordando o papel que a malária desempenhou na decadência da Grécia e da Roma antiga, olhavam com ansiedade crescente o alastramento do flagelo. O famoso malariologista americano Marshall A. Barber regressou do Brasil para lançar este aviso:

“A invasão do gambiae está ameaçando a América de uma catástrofe tal, que em comparação as pestes e mesmo as guerras, não passam de calamidades temporárias, insignificantes. O gambiae, uma vez introduzido nas veias de uma nação, pode ali ficar como um flagelo pelos séculos afora…”

Membros da unidade de controle da malária pulverizando uma área alagada.

Foi então que o Brasil teve uma destas sortes que parecem providenciais. Durante os dois anos seguintes, uma seca mais rigorosa devastou literalmente as terras invadidas pelo gambiae, ressequindo os ninhos de reprodução, e suspendendo a marcha do invasor. Essa trégua providencial deu tempo aos combatentes antimaláricos para pensar e agir[5].

O Brasil tem um verdadeiro exército científico para o fim de combater as moléstias transmitidas pelos mosquitos. Sob a direção do Dr. Barros Barreto[6], diretor geral de Saúde Pública, está fazendo o Serviço de Combate à Febre Amarela algo que o Novo Mundo — e mesmo o mundo inteiro — devia se orgulhar. Trabalhando segundo as tradições heroicas do grande higienista Dr. Oswaldo Cruz[7], que há mais de 30 anos expulsou a febre amarela do Rio de Janeiro, tem dado combate tão persistente e eficaz ao aedes aegypti, que a espécie está se tornando verdadeira raridade no Brasil[8].

“Organize-se um serviço em grande escala contra o gambiae”, clamavam alguns entomologistas daquele Serviço. “Deem-nos os fundos, o pessoal e o equipamento, e nos encarregaremos de abater essa peste estranha ao Brasil!”

O médico Fernando de Goes foi um dos que atuaram nessa luta contra a malária no Rio Grande do Norte – Fonte – Facebook – Fernando de Goes Filho.

Alguns peritos, mais moderados, declararam essa medida impossível. Tinham eliminado a febre amarela pelo combate ao pernilongo — processo de fato adequado à destruição de outras espécies. Mas o gambiae é tão prolífico e tão mortal, que o combate seria fútil. Só a exterminação daria resultado. E quem ouviu jamais dizer que fosse possível exterminar qualquer espécie de inseto? Quanto mais se tratando dos gambiae… Outros mosquitos, mais acessíveis, procriam em sítios conhecidos e fáceis de achar — em cursos d’água, canais, lagoas, pântanos.

Combatê-los é só questão de drenagem e de aplicação de larvicidas. Os combatentes dos mosquitos têm um poderoso aliado num peixinho minúsculo, o Gambusia, que se alimentam na superfície de ovos e larvas dos mosquitos que pululam nas águas. Os Gambusia se proliferam em qualquer depósito de água, grande ou pequeno, e depressa os mosquitos desaparecerão.

Mas o gambiae é perverso e astuto, despreza os cursos d’água de boas dimensões, para consagrar sua preferência às poças minúsculas — até mesmo um sulco de roda de carro ou a marca do casco dum animal na estrada servem, contanto que tenham água da chuva. Disse um dos especialistas: “Seria necessário toda vez que chove, logo em seguida secar cada poça d’água no nordeste brasileiro”.

Foi assim que o Brasil pôs suas esperanças na seca. Talvez a terra dura e ardente, batida pelo sol, se mostrasse de todo inabitável para o invasor africano.

Quando, porém, voltaram às chuvas em fevereiro de 1934, a incrível marcha do gambiae recomeçou. Durante os quatro anos seguintes prosseguiram sem descanso para o norte e o oeste. Em 1938 cidades inteiras eram prostradas pela moléstia. O trabalho era suspenso e a falta de mão de obra deixava as terras incultas. A Fundação Rockefeller informava: “Calcula-se que em resultado das devastações causadas pelo mosquito, praticamente todas as pessoas nas áreas infestadas ficarão dependentes do auxílio governamental em 1939”.

A ameaça tornava-se agora muito séria para todo o continente. Disse uma autoridade: “Se o gambiae atravessar a barreira que o separa dos vales bem irrigados do Parnaíba e do São Francisco, seria impossível evitar que se propague a uma grande parte da América, não só do Sul e Central, como talvez da própria América do Norte”.

Foi então, em janeiro de 1939, que o Brasil declarou formalmente guerra ao anofeles gambiae. Por decreto presidencial foi organizado o Serviço de Malária do Nordeste. O Dr. Barros Barreto entregou a direção dos trabalhos a um distinto higienista, o Dr. Manoel Ferreira[9]; outros eminentes médicos brasileiros, incluindo o Dr. Evandro Chagas, famoso malariologista recentemente vitimado num desastre de aviação[10], foram mobilizados para a guerra. O Governo Brasileiro aprovou um orçamento provisório de cinco mil contos de réis, e a Fundação Rockefeller contribuiu com mais 100.000 dólares. Foi abandonada a discussão sobre se o gambiae podia ou não podia ser exterminado. As ordens eram: “Descubra-se como, e depois mãos à obra!”

Dispunha-se de pouco tempo para o treino e não havia precedentes. Mas quando a estação das chuvas principiou, em fevereiro de 1939, o primeiro exército já estava em campo, sendo formado por mais de 2.000 médicos brasileiros, técnicos, inspetores e jornalistas. Durante quatro meses os gambiaes e revelou formidável inimigo. As chuvas diárias multiplicavam ao infinito os esconderijos onde ele se reproduzia. Mas o “exército anti gambiae” tomou posições por todo o território infestado, distribuindo patrulhas, mandando partidas de batedores a estabelecer postos avançados ao longo das fronteiras. Em junho, o alto comando dos exércitos contra os gambiaes anunciava que o inimigo estava cercado. Foi então quando começou a verdadeira batalha.

NATAL, BRASIL – JUNHO DE 1943: – Pulverização de um avião de transporte C-87 Liberator para controle da malária no aeroporto de Parnamirim – Foto de Ivan Dmitri/Michael Ochs Archives/Getty Images.

Cada um dos lugares de procriação era tratado com verde-paris[11]. De porta em porta iam brigadas de empregados, armados de vaporizadores, matando os mosquitos adultos nas casas, telheiros, lojas e edifícios abandonados. Essa estratégia de “terra devastada” era rigorosamente aplicada sobre cada centímetro quadrado das áreas reconhecidas como infestadas, e depois sobre uma zona de segurança de dezesseis quilômetros, para além das fronteiras do flagelo. Patrulhas sanitárias faziam parar todos os veículos que se dirigiam para a região não atacada e procedia a fumigação deles.

Mas os desapontamentos não faltaram. Os fundos para o combate ao gambiae cedo se esgotaram e o Governo Brasileiro teve que colocar mais cinco mil contos. A campanha tinha prosseguido na base da “tentativa e erro”; por vezes o gambiae dava a impressão de enfraquecer diante da guerra química dirigida contra ele. Quando tudo parecia correr o melhor possível, os anófeles reapareciam subitamente, dando lugar a novas explosões de malária a muitos quilômetros além da zona de combate, em territórios nunca antes infestados!

Perplexas, as autoridades remetiam brigadas de exploração para investigar. Depressa a resposta se fazia conhecer: num dos casos, um automóvel rodando por uma estrada abandonada no sertão, tinha passado sem a necessária fumigação; noutro caso, um bote de pesca tinha iludido a vigilância dos postos sanitários do serviço marítimo, indo assim levar o invasor a muitos quilômetros pela costa acima.

NATAL, BRASIL – JUNHO DE 1943: – Foto de Ivan Dmitri/Michael Ochs Archives/Getty Images.

Os combatentes do mosquito, porém, não desanimavam. Em 1940, obtiveram um orçamento de 22.500 contos, incluindo uma dotação de 230.000 dólares da Fundação Rockefeller. As forças de campo foram aumentadas para 4.000 homens e novas táticas foram desenvolvidas. Os combatentes declaravam, cheios de confiança: “neste ano os invasores não escaparão à morte”.

Os pertinazes gambiae, com grande espanto dos observadores cépticos, começaram a perder terreno. Em meados da estação chuvosa (e ela foi excepcionalmente chuvosa) os relatórios foram chegando das regiões, uma por uma: “Área limpa… Nenhum traço de adultos, ovos ou larvas…” Essa estação teria sido realmente grandiosa para os anófeles. Em duas áreas não controladas, demarcadas precisamente para fins de pesquisa e comparação, os mosquitos proliferavam à vontade. Mas onde quer que chegavam as brigadas químicas, fazendo o seu trabalho, o inimigo ia sendo completamente derrotado.

Os combatentes resolveram estão fazer um teste decisivo. Quando uma área era declarada limpa pelos peritos em campo, suspendiam-se todas as medidas de guerra química. Mas a “força de batedores” duplicava e a vigilância era assim constante sobre o possível reaparecimento do flagelo. Lentos, longos, ansiosos, os meses foram correndo. Mas os gambiae não reapareceram!

Lois Mattox Miller foi uma renomada jornalista investigativa e escritora norte-americana especializada na área de saúde pública – Fonte – Wiki.

Os combatentes mantinham-se cautelosos e apreensivos, pois conheciam agora intimamente o anofeles gambiae, o traiçoeiro e difícil inimigo. A verdade é que ainda levaram um grande susto, A cerca de 80 quilômetros além da última fronteira conhecida da zona infestada, descobriu-se um buraco isolado contendo gambiae. O caso nunca ficou esclarecido, mas o certo é que limparam o buraco prontamente, antes de ter-se registrado qualquer vítima.

Há mais de um ano (desde 1941), um vasto corpo de homens treinados vem patrulhando o nordeste brasileiro, sem que tenha encontrado um só anofeles gambiae. Tem-se oferecido prêmios em dinheiro aos caçadores de mosquitos, amadores ou profissionais, que apresentem um ovo, uma larva, um adulto que seja! E até agora nenhum apareceu.

Os homens de ciência do Brasil relutam em aceitar que a espécie tenha sido “exterminada” neste hemisfério. Não obstante, o êxito da sua campanha deixou a mais funda impressão entre os cientistas de todo o mundo, porque o fato se mantém, de que a espécie gambiae não tornou a ser vista no Brasil, desde novembro de 1940.

Foto – James Gathany – Fonte – http://www.cdc.gov/ncidod/dpd/parasites/malaria/default.htm

O Brasil, tendo reduzido ao nada essa ameaça para a saúde e a segurança do Novo Mundo, deu também às outras nações da América uma “lição de coisas” que daqui em diante todas as autoridades de saúde pública terão dificuldade em ignorar. A malária lavra ainda em muitas áreas do Hemisfério Ocidental; no sul dos Estados Unidos, por exemplo, causa todos os anos alguns milhões de vítimas. É certo que não se trata do tipo virulento de malária, como o que o gambiae levou ao Brasil; tão pouco os anófeles que a transmitem de um para outro indivíduo são lutadores tão resistentes, nem tão evasivos, como os anófeles gambiae. Seus hábitos são mais simples; podem ser exterminados com maior facilidade e a um custo muito menor.

O Brasil derrotou o pioneiro da malária africana, e demonstrou que ela é uma doença extirpável. Desde então, a malária é uma praga que nenhum estado, nenhuma sociedade deve temer. Onde quer que ela se encontre será de hoje em diante um motivo de vergonha nacional.

NOTAS ——————————————————————————————————-


[1] Lois Mattox Miller foi uma renomada jornalista investigativa e escritora norte-americana especializada na área de saúde pública, tendo recebido, entre outros prêmios, o Albert and Mary Lasker, em 1958, por sua história em Reader’s Digest sobre filtros de cigarro.

[2] Na história da revista norte-americana Reader’s Digest, que no Brasil ficou popularmente conhecida como Seleções, seu primeiro número publicado em terras tupiniquins é de fevereiro de 1942, vinte anos após seu lançamento nos Estados Unidos. E esse texto que o blog TOK DE HISTÓRIA reproduz, é o primeiro exclusivamente a tratar de temas ligados ao Brasil, onde Natal aparece com destaque. Neste exemplar temos a menção que a tiragem mundial era de 5.000.000 exemplares, mas não há nada sobre a tiragem no Brasil. A revista era vendida nas bancas por 2.000 réis, o mesmo valor de um quilo de pão francês na época.  

[3] A Fundação Rockefeller é uma fundação privada americana e uma organização filantrópica de pesquisa médica e financiamento de artes sediada na cidade de Nova York. A fundação foi criada em 14 de maio de 1913, pelo magnata John D. Rockefeller (“Sênior”), da Standard Oil Corporation, seu filho “Júnior” e Frederick Taylor Gates, seu principal consultor de negócios. É a segunda maior instituição filantrópica mais antiga da América (depois da Carnegie Corporation) e está classificada como a 30ª maior fundação globalmente por dotação, com ativos de mais de US$ 6,3 bilhões em 2022. Fonte – Wikipédia.

[4] Aqui a escritora norte-americana Lois Mattox Miller aponta uma informação divergente do que se convencionou pensar sobre a propagação desses insetos no Rio Grande do Norte. Para os historiadores potiguares que se debruçaram sobre o período clássico da aviação em nossa região, essa propagação ocorreu durante as operações do primeiro serviço aeropostal entre a França e a América do Sul. Esse trabalho se iniciava quando os aviões partiam de Paris e seguiam até Dacar (no atual Senegal), então os malotes com correspondências eram embarcados em navios pequenos e bastante velozes conhecidos como “Avisos Postais”, ou “Avisos Rápidos”, e então atravessavam o Atlântico Sul até Natal. Depois os malotes eram embarcados em aviões para o sul do país. Em um desses barcos o anofeles gambiae teria chegado sorrateiramente a Natal. Ou não?

[5] A autora comenta provavelmente sobre a seca de 1932 a 33.

[6] João de Barros Barreto (Rio de Janeiro, 14 de dezembro de 1890 — Rio de Janeiro, 1956) foi um médico sanitarista e professor brasileiro. Seu nome batiza o Hospital Universitário João de Barros Barreto, no Pará, referência estadual em pneumologia e infectologia.

[7] Oswaldo Gonçalves Cruz (São Luiz do Paraitinga – SP, 5 de agosto de 1872 — Petrópolis – RJ, 11 de fevereiro de 1917) foi um médico, bacteriologista, epidemiologista e sanitarista brasileiro. Pioneiro no estudo das moléstias tropicais e da microbiologia no Brasil, ingressou em 1900 como diretor técnico do Instituto Soroterápico Federal, no bairro de Manguinhos, no Rio de Janeiro, transformado em Instituto Oswaldo Cruz, hoje a Fundação Oswaldo Cruz.

[8] Infelizmente e por várias razões, o aedes aegypti ainda está presente em território brasileiro e trazendo sérios problemas para a população. É triste perceber que há oitenta anos o combate a essa praga parecia ser mais efetivo que nos dias atuais.

[9] Manoel José Ferreira (Petrópolis – RJ – 1897 / Rio de Janeiro – RJ – 1978) foi um médico sanitarista, Diretor da Faculdade Fluminense de Medicina entre 1930 e 1932, Diretor do Serviço de Obras Contra a Malária em 1938, Médico do Serviço de Malária do Nordeste de 1939 até uma data incerta, Diretor do Serviço Nacional de Malária em 1954, Fundador e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) em 1962, Diretor do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu) de 1966 a 1968 e Membro do Comitê de Especialistas em Malária da OMS.

[10] Evandro Serafim Lobo Chagas (Rio de Janeiro – RJ, 10 de agosto de 1905 – Rio de Janeiro – RJ, 8 de novembro de 1940) foi um médico e cientista brasileiro, filho primogênito do cientista Carlos Chagas com Íris Lobo. Em 1926 diploma-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e feito residência no Hospital São Francisco de Assis e no Hospital Oswaldo Cruz. Cursou paralelamente a faculdade o curso de especialização em microbiologia no Instituto Oswaldo Cruz. Realizou estudos sobre a febre amarela, malária, ancilostomose e, principalmente, sobre a leishmaniose, descobrindo os primeiros casos humanos dessa doença e realizando investigações clínicas e epidemiológicas em diversos estados do Brasil e também na Argentina. Faleceu vítima de acidente aéreo em 8 de novembro de 1940, aos trinta e cinco anos, na cidade do Rio de Janeiro. Em 1941, em sua homenagem, o Instituto Oswaldo Cruz (atual Fundação Oswaldo Cruz), nomeou o antigo Hospital Oswaldo Cruz (de 1918) como Hospital Evandro Chagas. Fonte – Wikipédia.

[11] Verde-paris é o nome trivial para um composto descoberto em 1808, designado por acetoarsenito de cobre, cuja fórmula química corresponde a 3Cu(AsO2)2.Cu(C2H3O2)2[1]. A história curiosa deste composto é que ele começou por ser comercializado em 1814 não como pesticida, mas sim como um mero pigmento para tintas, devido à cor verde intensa que apresentava. Só após se atribuir a culpa ao verde-paris pelos envenenamentos de algumas pessoas que pintavam quadros é que o composto foi completamente banido das tintas. Este veneno potente está inserido em inúmeros quadros pintados durante o século XIX. Apenas em 1867 o verde-paris foi introduzido no combate a pestes, sendo o principal inseticida para combater o escaravelho da batata. Em 1900 era usado em tão larga escala que levou o governo dos Estados Unidos da América a estabelecer a primeira legislação no país sobre o uso de inseticidas. O composto acabou por ser banido alguns anos depois, devido sua extrema toxicidade para animais mamíferos. Fonte – Wikipédia.

BBC NEWS – SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: QUANDO 600 AVIÕES DOS ESTADOS UNIDOS CAÍRAM NO HIMALAIA

(DETALHE – MUITOS DESSES AVIÕES ACIDENTADOS ESTIVERAM EM NATAL)

Autor – Soutik Biswas – Correspondente da Índia*

Fonte – https://www.bbc.com/news/world-asia-india-67633928

Um Museu Recém-inaugurado na Índia Abriga os Restos de Aviões Americanos Que Caíram no Himalaia Durante a Segunda Guerra Mundial. Soutik Biswas, da BBC, Relata Uma Operação Aérea Audaciosamente Arriscada Que Ocorreu Quando a Guerra Global Chegou à Índia.

Metralhadoras, pedaços de destroços de aeronaves, uma câmera: alguns dos artefatos recuperados no museu recém-inaugurado – Fonte – BBC NEWS.

Desde 2009, equipes indianas e norte-americanas vasculham as montanhas do estado de Arunachal Pradesh, no nordeste da Índia, em busca de destroços e restos mortais de tripulações perdidas de centenas de aviões que caíram aqui há mais de 80 anos.

Estima-se que cerca de 600 aviões de transporte americanos tenham se perdido na região remota, matando pelo menos 1.500 aviadores e passageiros durante uma notável e muitas vezes esquecida operação militar da Segunda Guerra Mundial na Índia, que durou 42 meses. Entre as vítimas estavam pilotos, operadores de rádio e soldados americanos e chineses.

Destroços de muitos aviões foram encontrados nas montanhas nos últimos anos – Fonte – BBC NEWS.

A operação sustentou uma rota de transporte aéreo vital dos estados indianos de Assam e Bengala, para apoiar as forças chinesas em Kunming e Chunking (agora chamada Chongqing).

A guerra entre as potências do Eixo (Alemanha, Itália, Japão) e os Aliados (França, Grã-Bretanha, Estados Unidos, União Soviética, China, Brasil e outros) atingiu a parte nordeste da Índia governada pelos britânicos. O corredor aéreo tornou-se uma tábua de salvação após o avanço japonês para as fronteiras da Índia, que efetivamente fechou a rota terrestre para a China através do norte de Mianmar (então conhecida como Birmânia).

Um típico aeroporto na rota dos aviões americanos – Fonte – Tok de História.

A operação militar dos Estados Unidos, iniciada em abril de 1942, transportou com sucesso 650.000 toneladas de suprimentos de guerra através da rota – um feito que reforçou significativamente a vitória dos Aliados.

Os pilotos apelidaram a perigosa rota de voo de The Hump (O Salto), uma homenagem às alturas traiçoeiras do leste do Himalaia, principalmente na atual Arunachal Pradesh, que eles tiveram que navegar.

Um bimotor de trnsporte Douglas CD-47 voa próximo a montanhas – Fonte – Tok de História.

Ao longo dos últimos quatorze anos, equipes indo-americanas compostas por montanhistas, estudantes, médicos, arqueólogos forenses e especialistas em resgate percorreram densas selvas tropicais e escalaram altitudes que atingiram 15.000 pés (4.572 m) em Arunachal Pradesh, na fronteira com Myanmar e China. Eles incluíram membros da Agência de Contabilidade de Defesa POW / MIA (POW – Prisioners Of War – Prisioneiros De Guerra / MIS – Missing In Action – Desaparecido Em Ação) dos Estados Unidos, cuja sigla é DPAA, a agência dos Estados Unidos que lida com soldados desaparecidos em combate.

Avião de transporte C-87 Liberator Express no aeroporto de Parnamirim, Natal, Brasil, como parte da rota em direção a África, Oriente Médio, India e China – Fonte – Foto de Ivan Dmitri/Michael Ochs Archives/Getty Images.

Com a ajuda de tribos locais, as suas expedições de um mês chegaram aos locais dos acidentes, localizando pelo menos vinte aviões e os restos mortais de vários aviadores desaparecidos em combate.

É um trabalho desafiador – uma caminhada de seis dias, precedida por uma viagem rodoviária de dois dias, levou à descoberta de um único local de acidente. Uma missão ficou presa nas montanhas por três semanas depois de ser atingida por uma terrível tempestade de neve.

Um bimotor de trnsporte Curttis C-46 Commando sobre o belo Taj Mahal, India – Fonte – Tok de História.

“Das planícies aluviais às montanhas, é um terreno desafiador. O clima pode ser um problema e normalmente só temos o final do outono e o início do inverno para trabalhar”, diz William Belcher, antropólogo forense envolvido nas expedições.

Abundam as descobertas: tanques de oxigênio, metralhadoras, seções de fuselagem. Crânios, ossos, sapatos e relógios foram encontrados nos escombros e amostras de DNA coletadas para identificar os mortos. A pulseira com a rubrica de um aviador desaparecido, uma relíquia comovente, trocou de mãos com um aldeão que a recuperou nos destroços. Alguns locais de acidentes foram vasculhados pelos moradores locais ao longo dos anos e o alumínio permanece vendido como sucata.

Fotografia de militar norte-americano que utiliza no ombro o símbolo do CBI – China Burma India Theatre, a designação militar dos Estados Unidos para as áreas de operações aéreas na China, Sudeste Asiático ou o setor entre a índia e a Birmânia (atual Myanmar), durante a Segunda Guerra Mundial.

Estes e outros artefatos e narrativas relacionadas com estes aviões condenados têm agora um lugar no recém-inaugurado The Hump Museum em Pasighat, uma pitoresca cidade em Arunachal Pradesh, situada no sopé do Himalaia.

O Embaixador dos Estados Unidos na Índia, Eric Garcetti, inaugurou a coleção em 29 de novembro, dizendo: “Este não é apenas um presente para Arunachal Pradesh ou para as famílias afetadas, mas um presente para a Índia e o mundo.” Oken Tayeng, diretor do museu, acrescentou: “Este é também um reconhecimento de todos os habitantes de Arunachal Pradesh que foram e ainda são parte integrante desta missão de respeitar a memória dos outros”.

Douglas C-47 acidentado em área de selva – Fonte – Tok de História.

O museu destaca claramente os perigos de voar nesta rota. Nas suas vívidas memórias da operação, o major-general William Turner, piloto da Força Aérea dos Estados Unidos, lembra-se de ter navegado com o seu avião de carga C-46 sobre aldeias em encostas íngremes, vales amplos, desfiladeiros profundos, riachos estreitos e rios castanhos escuros.

Os voos, muitas vezes realizados por pilotos jovens e recém-treinados, eram turbulentos. O clima em The Hump, de acordo com Turner, mudava “de minuto a minuto, de quilômetro a quilômetro”: uma das extremidades ficava nas selvas baixas e úmidas da Índia; o outro no planalto de quilômetros de altura do oeste da China.

C-46 sobre o Himalaia – Fonte – Tok de História.

Aviões de transporte fortemente carregados, apanhados por uma corrente descendente, podem descer rapidamente 5.000 pés e depois subir rapidamente a uma velocidade semelhante. Turner escreve sobre um avião que virou de costas depois de encontrar uma corrente descendente a 25.000 pés.

Tempestades de primavera, com ventos uivantes, granizo e granizo, representavam o maior desafio para controlar aviões com ferramentas de navegação rudimentares. Theodore White, jornalista da revista Life que voou a rota cinco vezes para uma reportagem, escreveu que o piloto de um avião que transportava soldados chineses sem paraquedas decidiu fazer uma aterragem forçada depois do seu avião ter congelado.

Um Consolidated B-24 Liberator – Fonte – Tok de História.

O copiloto e o operador de rádio conseguiram saltar e pousar em uma “grande árvore tropical e vagaram por 15 dias antes que nativos amigáveis ​​os encontrassem”. As comunidades locais em aldeias remotas muitas vezes resgataram e cuidaram dos sobreviventes feridos dos acidentes, recuperando-os. (Mais tarde soube-se que o avião pousou em segurança e nenhuma vida foi perdida.)

Não é de surpreender que o rádio estivesse cheio de pedidos de socorro. Os aviões foram lançados tão fora do curso que colidiram com montanhas que os pilotos nem sabiam que estavam a 80 quilômetros, lembrou Turner. Só uma tempestade derrubou nove aviões, matando 27 tripulantes e passageiros. “Nestas nuvens, ao longo de todo o percurso, a turbulência aumentaria com uma severidade maior do que alguma vez vi em qualquer parte do mundo, antes ou depois”, escreveu ele.

Tripulantes de um C-47 – Fonte – Tok de História.

Os pais dos aviadores desaparecidos tinham esperança de que os seus filhos ainda estivessem vivos. “Onde está meu filho? Eu adoraria que o mundo soubesse / Sua missão foi cumprida e deixou a terra abaixo? / Ele está lá em cima naquela bela terra, bebendo nas fontes, ou ele ainda é um andarilho nas selvas da Índia e montanhas?” perguntou Pearl Dunaway, mãe de um aviador desaparecido, Joseph Dunaway, em um poema de 1945.

Os aviadores desaparecidos agora são lendas. “Esses homens Hump lutam contra os japoneses, a selva, as montanhas e as monções o dia todo e a noite toda, todos os dias e todas as noites durante todo o ano. O único mundo que eles conhecem são os aviões. Eles nunca param de ouvi-los, pilotá-los, remendá-los, amaldiçoando-os. No entanto, eles nunca se cansam de ver os aviões partindo para a China”, contou White.

Um restaurante na Índia – Fonte – Tok de História.

A operação foi de fato um feito ousado de logística aérea após a guerra global que chegou à porta da Índia. “As colinas e o povo de Arunachal Pradesh foram atraídos para o drama, o heroísmo e as tragédias da Segunda Guerra Mundial pela operação Hump”, diz Tayeng. É uma história que poucos conhecem.

*Soutik é correspondente na Índia. Ele cobriu eleições no Afeganistão e no Sri Lanka, o tsunami na Índia e no Sri Lanka em 2005 e a militância na região indiana da Caxemira. Antes de ingressar na BBC, trabalhou em jornais e revistas indianos. Soutik também foi Reuters Fellow na Universidade de Oxford. Ele adora filmes, blues e jazz e acredita que Derek Trucks é o melhor e mais inovador guitarrista vivo.

MULHER DE CORAGEM – A HISTÓRIA DA ÚNICA ENFERMEIRA MILITAR AMERICANA CAPTURADA PELOS ALEMÃES

As Mulheres na Segunda Guerra – O Duro e Perigoso Ofício das Enfermeiras de voo – Ferida em um Avião Derrubado na Alemanha Nazista – A Surpresa dos Soldados de Hitler em Capturar uma Mulher Vestida Com o Uniforme de Oficial do Exército Inimigo – Repatriada Através da Suíça Pela Cruz Vermelha – Volta aos Estados Unidos e Casamento – As Injustiças e a Sua Dura Batalha Contra a Burocracia Militar Para Conseguir Seus Direitos

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Durante a Segunda Guerra Mundial normalmente os exércitos aliados não permitiam que mulheres que usavam uniformes atuassem na linha de fogo. A maior exceção foi no Exército Soviético, onde as mulheres atuaram com galhardia em várias ações de combate direto aos inimigos. Já nas forças armadas da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos e de outras nações Aliadas, a maioria das mulheres atuou principalmente nos setores da administração militar, para assim liberar mais homens para o combate nas linhas de frente. No geral, poucas foram as mulheres que serviram nesses exércitos que chegaram perto de áreas de combate e a maioria nunca levou ou recebeu tiros dos inimigos.

Mas ocorreram exceções.

Uma das aviadoras americanas do Women Airforce Service Pilots (WASP)- Fonte – NARA.

Entre elas estava a importante tarefa de pilotar aviões saídos de fábrica para serem entregues aos esquadrões da linha de frente. Um trabalho que poderia se tornar perigoso muito mais por problemas mecânicos, ou alterações do tempo, do que serem abatidas por alguma aeronave hostil, fato que nunca ocorreu. Essas mulheres faziam parte do Women Airforce Service Pilots (WASP) e será que alguma delas passou por Natal e pousou em Parnamirim Field?

Outra exceção aconteceu na Grã-Bretanha, onde os bombardeios da Luftwaffe, a força aérea nazista, cobraram um alto preço as cidades e as suas populações. Nessas ocasiões várias britânicas atuaram de forma mais direta em combates, ao operarem poderosas baterias de canhões antiaéreos que buscavam derrubar as aeronaves inimigas. Mas elas disparavam em alvos a centenas de metros de altura e não chegavam a ver “a cor dos olhos dos oponentes”, como acontecia nas pelejas corpo a corpo dos soldados da infantaria.

Mulheres artilheiras antiaéreas da Grã-Bretanha – Fonte – TR 453 Part of MINISTRY OF INFORMATION SECOND WORLD WAR COLOUR TRANSPARENCY COLLECTION Malindine E G (Lt) Tanner (Lt) War Office official photographer.

Algumas poucas mulheres atuaram no escritório de serviços estratégicos dos americanos e no serviço de operações especiais dos britânicos, chegaram a saltar de paraquedas atrás das linhas inimigas para ajudar a resistência francesa e houveram alguns raros casos de combates.

Mas foi a enfermagem a atividade que mais levou mulheres militares dos exércitos Aliados na frente oeste da Europa a ficarem próximas de áreas de combate.

Fosse no atendimento de militares feridos, ou, como aconteceu em algumas ocasiões, estando em locais de atendimento clínico que foram atacados por disparos de artilharia e por atiradores de infantaria inimigos, muitas dessas mulheres testemunharam as terríveis crueldades da guerra. Inclusive o Brasil, um dos países Aliados, enviou para a Itália entre 1944 e 45 um grupo de 73 enfermeiras que se juntaram às tropas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e da Força Aérea Brasileira (FAB), para realizar seu trabalho de forma digna e honrada.

Enfermeiras brasileiras desfilando no Rio de Janeiro no período da Segunda Guerra.

Enfermeira de voo

Mas durante a guerra, o comando militar dos Aliados achou por bem desenvolver as enfermeiras um trabalho específico, onde elas realizavam sua nobre atividade em meio a perigos reais. Foi criada então a função de “Enfermeira de voo”.

As mulheres que desejassem seguir por esse caminho teriam de se voluntariar e a rotina de treinamento desenvolvida era dura e pesada. De saída elas deveriam fazer um forte treinamento militar durante seis a nove semanas, que incluíam a utilização de mapas em áreas de combate, camuflagem de sobrevivência, habilidades no transporte de feridos em aeronaves, preparação para pousos forçados, uso de paraquedas, muita ênfase para o condicionamento físico, uso de diversas armas militares e até a participação em treinamentos que simulavam ataques inimigos em aeródromos.

Treinamento de Enfermeira de voo– Fonte – NARA.

Essas enfermeiras voaram com muito mais frequência do que outras mulheres da sua profissão e precisavam aprender a cuidar delas mesmas. O treinamento foi projetado para tornar as enfermeiras amplamente autossuficientes durante o voo. Elas foram treinadas para tratar dor, sangramento e choque, atendendo os pacientes na ausência de um médico.

A Força Aérea do Exército dos Estados Unidos criou o primeiro programa de treinamento no outono de 1942. As primeiras 39 Enfermeiras de voo foram formadas em fevereiro de 1943 e muitas mais passaram pela nova escola de evacuação aérea em Randall Field, no estado do Texas. Na Grã-Bretanha, um programa semelhante foi estabelecido com voluntárias da Força Aérea Auxiliar Feminina e a Marinha dos Estados Unidos também criou uma escola semelhante na Estação Aeronaval de Alameda, no estado da Califórnia.

Esquadrões de evacuação aero médica dos Estados Unidos foram criados e divididos em equipes compostas de um cirurgião de voo, que comandavam outras seis equipes compostas de Enfermeiras de voo e vários técnicos cirúrgicos.

As Enfermeiras de voo americanas foram autorizadas a usar em seus uniformes as asas de voo, com um “N” na cor marrom, para “Nurse”, enfermeira em inglês. Mas ao contrário das forças armadas britânicas, todas essas enfermeiras do exército americano foram comissionadas como oficiais, para, no caso de serem capturadas, serem melhor tratadas pelos inimigos.

Curtiss C-46 Commando.

Como o trabalho dessas mulheres era prioritariamente ligado à evacuação de pacientes, elas utilizavam basicamente aeronaves bimotores de transporte Douglas C-47 Dakota e Curtiss C-46 Commando, modificadas internamente para acomodar várias macas. Esses aviões eram pilotados por aviadores especialmente treinados, enquanto as Enfermeiras de voo eram as principais operadoras das atividades de saúde a bordo. Elas comandavam um ou dois técnicos cirúrgicos, onde a equipe tinha de lidar com o uso de oxigênio e qualquer emergência médica que ocorresse durante o voo, incluindo pacientes em situação de choque, hemorragias, sedação e o que houvesse mais necessidade.

Enfermeiras de voo em Guam aparecem diante de um avião quadrimotor R5D (Douglas Skymaster) em abril de 1945. (Arquivos BUMED)

Voar era em si perigoso e muitas enfermeiras de voo salvaram suas vidas e de muitos pacientes durante terríveis emergências, enquanto suas aeronaves desciam no mar ou em terra. Existem casos em que elas retiraram com sucesso pacientes para botes salva-vidas em alto mar, ou de aeronaves em chamas após um pouso forçado no norte da África. Teve o caso de um avião que recebeu disparos de artilharia antiaérea japonesa na Birmânia e uma enfermeira de voo saltou de paraquedas com sucesso.

A tenente Pauline Curry e o técnico médico sargento Lewis Marker cuidam do conforto de um paciente durante um voo de evacuação nos céus da Índia. Aproximadamente 500 enfermeiros serviram em 31 esquadrões de evacuação aérea médica durante a Segunda Guerra Mundial – Fonte – NARA.

Houve o caso de um avião que se perdeu durante um voo e acabou fazendo um pouso forçado na Albânia, atrás das linhas alemãs, sendo os tripulantes contactados e protegidos por guerrilheiros desse país. Na sequência, unidades especiais aliadas saltaram de paraquedas para ajudar esse grupo. Mesmo com as patrulhas alemãs caçando-os por dois meses em áreas montanhosas durante o inverno, todos foram salvos.

A enfermeira do Exército, segundo tenente Katherine Friedrich, atende a um paciente ferido a bordo de um avião de transporte Douglas C-47 com destino à Grã-Bretanha. O avião de evacuação decolou de Toul, na França, onde os soldados aliados feridos em combate ou doentes foram preparados para o voo– Fonte – NARA.

Apesar das histórias de heroísmo e dedicação, dezesseis Enfermeiras de voo americanas foram mortas durante a Segunda Guerra Mundial.

Atribui-se que grande parte dessas ocorrências aconteceu porque a maioria das aeronaves britânicas e americanas envolvidas em voos de evacuação médica não eram marcadas com cruzes vermelhas, sinalização internacionalmente conhecida para o trabalho e transporte de feridos. Isso aconteceu para que essas aeronaves também pudessem ser utilizadas para transportar armas, suprimentos, munições, etc. Mas é claro que isso significava que a aeronave era legalmente um alvo para os hábeis aviadores de caça, ou os precisos membros das armas de artilharia antiaérea inimigas.

Em julho de 1943, a tenente Katye Swope, enfermeira do 802º Esquadrão de Transporte de Evacuação Aéreo Médica, prepara pacientes para um voo de Agrigento, Sicília, Itália, para a Grã-Bretanha onde foram submetidos a tratamento médico adicional. As operações de evacuação aérea dos Aliados começaram durante a campanha no norte da África em fevereiro de 1943 e continuaram durante a Segunda Guerra Mundial em todos os teatros– Fonte – NARA.

Um incidente pouco conhecido foi a história da única mulher do serviço militar aliado que foi feita prisioneira pelos alemães na frente oeste.

Queda do C-47 na Alemanha Nazista

A Enfermeira de voo Reba Zitella Whittle, fotografada logo após sua libertação de um campo de prisioneiros alemão.- Fonte – NARA.

Reba Zitella Whittle nasceu em Rock Springs, Condado de Edwards, estado de Texas, e estudou no North Texas State College, antes de frequentar a escola de enfermagem do Medical and Surgical Memorial Hospital, da cidade de San Antonio. Depois de se formar, Whittle se alistou no Forte Sam Houston, no Corpo de Enfermeiras do Exército em 10 de junho de 1941. Com o posto de segundo-tenente, foi designada para o hospital da Base Aérea do Exército de Albuquerque, estado do Novo México, onde atuou como enfermeira de serviço geral, sendo posteriormente transferida para Mather Field, Sacramento, estado da Califórnia.

Em 6 de agosto de 1943, Whittle foi aceita pela Escola de Evacuação Aérea da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos, para se tornar Enfermeira de voo. Em setembro chegou à escola em Bowman Field, no estado de Kentucky.

Whittle se formou com notas excelentes e em janeiro de 1944 partiu para a Inglaterra a bordo do navio RMS Queen Mary, com outras 25 enfermeiras de voo do 813º Esquadrão de Transporte de Evacuação Aero Médica, cuja sigla em inglês era 813º MAETS. Essa unidade ficou baseada na Royal Air Force Station Grove, ou RAF Grove, uma antiga estação da Força Aérea Britânica perto da vila de Grove, Oxfordshire, Inglaterra.

Douglas C-47 Dakota.

Entre janeiro e setembro de 1944 a enfermeira Reba Whittle realizou mais de 40 missões em aviões C-47, com 500 horas no ar, incluindo 80 em momentos de combate.

Na quarta-feira, 27 de setembro de 1944, ela embarcou em um voo ligando a Inglaterra até um campo de pouso na cidade belga de Saint-Trond. Mais uma missão de rotina. Três meses antes os Aliados haviam desembarcado na Normandia e desde então ocorriam intensos combates, com um elevado número de mortos e feridos.

Além da tripulação de voo, da enfermeira Reba e de um técnico cirúrgico, o avião carregava toneladas de suprimentos e retornaria com feridos em suas macas.

A enfermeira Reba Whittle está na porta de um avião de transporte C-47 antes da partida.

Em algum momento durante o voo foi cometido um erro de navegação que colocou o C-47 cerca de 70 quilômetros fora de sua rota, quando foi atingido pela precisa artilharia antiaérea alemã.

Reba Whittle estava dormindo na parte de trás do avião, mas repentinamente foi acordada por uma detonação incrivelmente alta dos projéteis alemães explodindo ao redor do C-47. Lá fora um dos motores estava pegando fogo, enquanto o avião descia rapidamente para um difícil pouso forçado em um campo nevado. O C-47 pousou a cerca de quatro quilômetros da cidade de Aachen, a maior área urbana mais ocidental da Alemanha, junto à fronteira com a Bélgica e a Holanda, e era um lugar fortemente defendido.

O seu técnico cirúrgico, o sargento Hill, tinha ferimentos por estilhaços em um dos braços e uma das pernas. Um dos pilotos morreu, o outro ficou gravemente ferido com lesões múltiplas e a própria enfermeira Whittle sofreu uma concussão e lacerações no rosto e nas costas.

Ainda no período de treinamento vemos a Enfermeira de voo Reba Whittler na extrema esquerda da foto, com uma submetralhadora Thompson, calibre 45, em treinamento de tiro.

O C-47 estava queimando e os sobreviventes rastejam para fora dos destroços, quando viram que vários soldados se aproximavam. Inicialmente eles pensaram que eram britânicos, mas logo descobriram que eram alemães e estes ficaram vividamente surpresos ao encontrarem uma mulher com uniforme militar e a patente de oficial.

Prisioneira de Guerra

Passada a surpresa, um deles enrolou um curativo em volta da cabeça da enfermeira Whittle, que sangrava profundamente. Na sequência os feridos foram colocados em um caminhão alemão e conduzidos para a aldeia mais próxima para um tratamento médico mais adequado.

Notícia nos Estados Unidos da captura de Reba Whittle.

Depois houve então uma longa viagem a bordo de um outro frio e sujo caminhão do exército alemão, com passagens frequentes em aldeias e cidades para refeições, ou discussões sobre o que fazer com aquela prisioneira. Os alemães não tinham certeza de como tratar uma prisioneira aliada, que além de tudo era enfermeira e oficial do exército. Todo o sistema alemão de prisioneiros de guerra havia sido projetado para cativos do sexo masculino e as únicas mulheres aliadas prisioneiras eram cidadãs civis de nações inimigas, detidas em campos de internamento especiais, sendo a maioria localizados em castelos antigos.

Reba e o resto da tripulação foram enviados para Auswertestelle West (Escritório de Avaliação Oeste), o principal centro de interrogatório da Luftwaffe em Oberursel, ao norte de Frankfurt, onde todas as tripulações inimigas capturadas eram interrogadas antes de seguirem para um campo de prisioneiros.

Aviadores aliados e soldados nazistas no centro de interrogatório da Luftwaffe em Oberursel, ao norte de Frankfurt.

Após um interrogatório educado, os alemães separam Reba Whittle do resto de sua tripulação e ela ficou alojada no Hohemark Hospital, que era parte de Auswertestelle West e projetado para fornecer ajuda imediata a prisioneiros feridos.

Consta que após algum debate os alemães decidiram que a enfermeira americana poderia ser usada para ajudar os soldados aliados. Então Reba foi transferida para um hospital militar para prisioneiros de guerra, administrado por uma equipe médica britânica, sendo parte do campo de prisioneiros Stalag IX-C, perto de Bad Sulza, um lugar entre as cidades de Erfurt e Leipzig, na região da Turíngia, centro da Alemanha. Em 19 de outubro, ela foi transferida para outro hospital de prisioneiros de guerra, nas proximidades da cidade de Meiningen, onde trabalhou com pacientes queimados e no centro de reabilitação para amputados.

Trabalho de enfermeira americana na Segunda Guerra – Fonte – Wikimeda Commons.

A captura de uma mulher oficial do Exército dos Estados Unidos chamou a atenção dos representantes suíços do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, que regularmente inspecionavam os campos de prisioneiros alemães. Reba deu detalhes de sua situação e de sua patente a esse pessoal.

Os membros da Cruz Vermelha por sua vez notificaram o Departamento de Estado, como é conhecido o Ministério das Relações Exteriores dos Estados Unidos, que começou a negociar sua libertação através da troca de prisioneiros.

Para alguns pode parecer esquisito, mas durante a Segunda Guerra ocorreu regularmente entre os Aliados e os alemães a repatriação de vários prisioneiros considerados muito doentes, ou psicologicamente incapazes de serem ainda úteis para o esforço de guerra. Evidentemente que a enfermeira americana não se enquadra nesta situação, pois estava totalmente sã e lúcida, podendo retomar ao seu trabalho para o esforço de guerra dos inimigos dos alemães.

Foto de jornal mostrando a enfermeira Reba Whittle no seu retorno aos Estados Unidos.

Mas todos que se debruçaram sobre o tema são unânimes em afirmar que os alemães se sentiram muito incomodados com a presença daquela oficial e, para surpresa de muitos, preferiram mandá-la de volta.

O retorno ocorreu em 25 de janeiro de 1945, quando Reba Whittle foi transportada em um trem com um grupo de repatriados para a Suíça e de lá ela foi capaz de embarcar em um avião para a Inglaterra e depois para os Estados Unidos.

Injustiça

A Enfermeira de voo Reba Zitella Whittle recebeu várias condecorações por sua provação como prisioneira, pelas feridas recebidas no acidente, por suas 41 missões em aviões C-47 evacuando os feridos e também foi promovida ao posto de primeiro-tenente. A enfermeira recebeu um telegrama do presidente Franklin Delano Roosevelt, agradecendo a ela por seu serviço e reconhecendo sua provação como uma prisioneira de guerra dos alemães por quatro meses.

Mas a concussão que ela sofreu no acidente a deixou com problemas duradouros, principalmente fortes dores de cabeça. Mesmo assim ela retornou ao serviço ativo na Estação Número 2 de Redistribuição da Força Aérea do Exército, em Miami Beach, Flórida. Depois foi transferida para trabalhar como enfermeira em um hospital do exército na Califórnia até o final da guerra.

Em 3 de agosto de 1945 ela se casou com o tenente-coronel Stanley W. Tobiason e em seguida solicitou dispensa do serviço ativo. Ela foi dispensada com todas as honras em 13 de janeiro de 1946.

Sua vida pós-exército foi marcada por vários problemas físicos e psiquiátricos. Ela buscou uma indenização da Administração dos Veteranos e iniciou uma série de apelos para a aposentadoria médica militar. Apesar dos diagnósticos de encefalopatia pós-traumática, reação crônica de ansiedade grave e artrite lombossacral precoce, seus apelos foram negados.

Finalmente, em janeiro de 1954, o Conselho de Apelação de Deficiência Física do Exército concordou que ela foi dispensada do serviço ativo por motivo de deficiência física e, portanto, elegível para benefícios de aposentadoria. Mesmo com sua deficiência sendo classificada como “ocorrida em combate”, ela foi retroativa apenas ao momento de sua inscrição, abril de 1952, e não ao período da guerra, o que lhe gerou um grande prejuízo financeiro e emocional. Reba realizou vários apelos, mas seu processo não foi reconhecido e acabou indeferido. Alguns dos seus biógrafos acreditam que sua condição de mulher pesou nessa equivocada e injusta decisão.

Ela e o Coronel Tobiason tiveram dois filhos, um dos quais se tornou Aviador Naval e serviu na Guerra do Vietnã.

Reba Whittle Tobiason morreu de câncer em 26 de janeiro de 1981, aos 62 anos.

Em abril de 1983, o Coronel Tobiason escreveu ao Exército, afirmando que o Departamento de Defesa e a Administração dos Veteranos não conheciam nenhuma outra militar americana que tenha sido feita prisioneira pelos alemães durante a Segunda Guerra na Europa.

Em 2 de setembro de 1983, Reba Zitella Whittle finalmente recebeu o status oficial de prisioneira dos alemães, mas somente em 1997 ela foi agraciada postumamente com a Medalha dos Prisioneiros de Guerra.

FONTES

https://www.tshaonline.org/handbook/entries/tobiason-reba-zitella-whittle

https://blog.theveteranssite.greatergood.com/reba-whittle/

https://www.memorialflightclub.com/blog/c-47-dakota-za947-75th-birthday