O PAI DE ARIANO SUASSUNA – QUEM FOI JOÃO SUASSUNA, COMO SE DEU A SUA MORTE E COMO ESTE FATO INFLUENCIOU A VIDA E A OBRA DO SEU FILHO ARIANO

Rostand Medeiros – Escritor e pesquisador

Quando o escritor Ariano Suassuna faleceu em 23 de julho de 2014, muito de sua vida foi trazida ao conhecimento de milhares de brasileiros. Entre os muitos aspectos da biografia deste paraibano que marcou a história do Nordeste, um dos principais pontos abordados foi a importância da figura de seu pai, João Suassuna, em sua vida.

João Suassuna, pai de Ariano

Em inúmeros textos foi comentado, normalmente de maneira bem básica, que João Suassuna havia sido governador da Paraíba e que ele foi assassinado no ano de 1930, em meio às repercussões ocasionadas pela morte de João Pessoa e os acontecimentos políticos daquele período tumultuado da história do Brasil. Mas ao observamos com mais detalhes a figura do pai do grande escritor, que morreu quando Ariano tinha apenas três anos de idade, descobrimos uma história muito intensa, interessante e trágica!

Ariano Suassuna 1927 – 2014

O BACHAREL SERTANEJO

Há dez anos eu dei início a uma inacabada pesquisa por quatro estados nordestinos sobre a vida e morte do cangaceiro paraibano Chico Pereira. Esta motivação vinha do fato de ser imputado a este cangaceiro e seu bando, em fevereiro de 1927, o assalto a fazenda Rajada, em Acari, na região do Seridó Potiguar. Na época esta fazenda pertencia a Joaquim Paulino de Medeiros, meu bisavô e durante grande parte da minha juventude escutei inúmeras vezes os relatos deste episódio através de vários parentes queridos.

Fazenda Volta, zona rural de Catolé do Rocha, lugar onde viveram os primeiros membros da família Suassuna.

No desenrolar das pesquisas vi que a história de Francisco Pereira Dantas, o verdadeiro nome de Chico Pereira, possuía ligações com a trajetória política de João Suassuna. Até mesmo a sua morte, ocorrida em 1928 na zona rural de Currais Novos, em um rumoroso caso de violência estatal, que manchou a biografia do então governador potiguar Juvenal Lamartine de Farias, também possui ligações com o pai de Ariano.

Mas de maneira totalmente independente do fato de João Suassuna ser pai do autor de “Auto da Compadecida”, busquei conhecer mais sobre sua vida.

João Suassuna no início de sua carreira

Nascido João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassuna, veio ao mundo em Catolé do Rocha, Paraíba, no dia 16 de janeiro de 1886. Anos depois estudou na conceituada e tradicional Faculdade de Direito de Recife, onde se bacharelou em 1909. O início de sua carreira como advogado foi em Mossoró, no Rio Grande do Norte. Depois João Suassuna assumiu o posto de juiz nas cidades de Umbuzeiro e Campina Grande, ambas na Paraíba. Na sequência foi Procurador da Fazenda Nacional no seu estado natal.

Em 1 de dezembro de 1913, quando tinha 27 anos, casou com Rita de Cássia Vilar Suassuna, então com 17 anos, a quem chamava carinhosamente de Ritinha. Quando Castro Pinto esteve a frente do executivo paraibano (1912-1915), João Suassuna assumiu cargos de importância na máquina governamental.

Casa onde nasceu João Suassuna em Catolé do Rocha, que na época da foto era o Grupo Escolar Antônio Soares. Atualmente essa antiga casa não existe mais, foi demolida para a construção da nova sede da prefeitura dessa cidade paraibana.

Em 1917, após este período de governo, voltou a ser juiz, desta vez na cidade de Monteiro (PB). Foi nesta época que João Suassuna adquiriu uma propriedade chamada “Malhada da onça”, pra onde seguia ocasionalmente. A fazenda ficava em Desterro, local de nascimento de sua mulher, na época uma comunidade pertencente à cidade paraibana de Teixeira. Em 1919 deixou a magistratura e foi trabalhar no antigo Instituto Federal de Obras Contra as Secas – IFOCS e nesta época adquiriu a Fazenda Acauã, na época localizada na zona rural de cidade de Sousa[1].

Fazenda Acauã na atualidade – Fonte – http://artenapedrapolida.blogspot.com.br/

No começo da década de 1920, João Suassuna foi convidado pelo então governador Sólon de Lucena para assumir a Inspetoria do Tesouro do Estado, depois foi eleito deputado federal. Estava no exercício do mandato parlamentar no Rio de Janeiro, então Capital Federal, quando foi eleito “Presidente da Parahyba”, o que corresponde hoje ao cargo de governador.

O mandato de João Suassuna se caracterizou em grande parte por uma valorização das ações desenvolvidas pelos grandes latifundiários de terras do interior, possuidores de grandes riquezas baseadas no cultivo do algodão e na pecuária. Estes “coronéis” atuavam através de uma estrutura política arcaica, que se valia entre outras coisas do mandonismo, da utilização de grupo de jagunços armados, da conivência com grupos de cangaceiros e outras ações.

Foi nesta época, no palácio do governo da Paraíba, que servia de residência oficial do chefe do executivo daquele estado, mais precisamente no dia 16 de junho de 1927, que nasceu um dos nove filhos do casal João e Rita. Foi batizado como Ariano.

João Pessoa

João Suassuna entregou o cargo em 22 de outubro de 1928 a João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque e assumiu novamente uma das vagas de deputado federal pela Paraíba.

PROBLEMAS À VISTA!

João Pessoa discordava da forma como o grupo político que o elegera conduzia a política do seu estado e logo surgiram sérias divergências com os latifundiários. Um dos maiores embates estava na cobrança de taxas de exportação do algodão. Por esta época os coronéis exportavam o produto principalmente através do porto de Recife, provocando enormes perdas de divisas tributárias para a Paraíba. Procurando evitar esta sangria financeira e efetivamente cobrar os coronéis, João Pessoa implantou diversos postos de fiscalização nas fronteiras da Paraíba, irritando de tal forma estes caudilhos, que pejorativamente passaram a chamar o governador de “João Cancela”.

Os embates políticos entre o governador e os coronéis foram crescendo. A maior liderança entre estes poderosos foi sem dúvida o coronel José Pereira Lima. Verdadeiro imperador da região oeste da Paraíba, na área da fronteira com Pernambuco, tendo como base, a cidade de Princesa e este discordava com veemência das ações de João Pessoa. Do embate entre estes dois homens, resultou um dos maiores conflitos armados do Brasil Republicano.

Foto de 1930 – Sentado vemos Marcolino Florentino Diniz (conhecido como Marcolino Pereira Diniz, um dos líderes de Princesa, que era sobrinho e cunhado do coronel José Pereira. Em pé, da esquerda para direita, temos Pedro Inácio (proprietário de terras em Pernambuco), João Pereira e Pacífico Lopes (proprietários rurais), Joaquim Inácio (grande proprietário de terras no município pernambucano de Triunfo) e Chôcho (proprietário rural na localidade de Irerê, município de Princesa). Agradeço a atenção e participação de Natércia Suassuna Dutra, sobrinha-neta de João Suassuna, que enviou as informações aqui colocadas.

A contenda teve início em 28 de fevereiro de 1930, quando ocorreu a invasão da cidade de Teixeira por parte da polícia paraibana, com o aprisionamento dos membros da conceituada família Dantas, ligada por profundos laços de parentescos e interesses ao coronel José Pereira. Apesar de governador João Pessoa não contar com o apoio do Palácio do Catete, onde o titular, Washington Luís não viabilizou uma efetiva ajuda às forças policiais paraibanas, o governador paraibano foi à luta.

Em meio aos conflitos da chamada “Guerra de Princesa”, no dia 26 de julho de 1930, um sábado, João Pessoa estava na Confeitaria Glória, em Recife, quando foi atingido por dois disparos desfechados pelo advogado paraibano João Duarte Dantas.

Da mesma família Dantas da região de Teixeira, consta que após realizar uma viagem João Dantas encontrou seu escritório na capital paraibana violado. Entre os objetos roubados estavam cartas e poemas eróticos, além de fotografias sensuais, trocados com a sua amante, a poetisa Anayde Beiriz. Estes materiais teriam sido roubados por membros da polícia paraibana, sob as ordens de João Pessoa, sendo publicados e colocados em locais públicos. Diante dessa exibição João Dantas foi à confeitaria vingar a sua privacidade violada[2].

João Duarte Dantas

Após o crime, João Pessoa se tornou um grande herói para o povo paraibano e seu assassinato foi o estopim da conhecida Revolução de 1930. Neste meio tempo cresceu descontroladamente o radicalismo na Paraíba e muito sangue correu[3].

A PARTIDA

Por ser João Suassuna casado com uma prima de João Dantas, ter sido eleito deputado federal com o apoio dos Dantas da cidade de Teixeira e do coronel José Pereira, o pai de Ariano ficou na mira dos familiares, amigos e correligionários do falecido João Pessoa.

No dia da morte do então governador paraibano na Confeitaria Gloria, João Suassuna se encontrava no Recife. Já sua família, inclusive o menino Ariano de três anos, estava na capital paraibana, em uma casa alugada ao Dr. Mariano Falcão, na Rua das Trincheiras. Diante do aumento da tensão na capital, Rita Suassuna e seus nove filhos vão se refugiar no 22º Batalhão de Caçadores, ou 22º BC, atual 15º Batalhão de Infantaria Motorizada. Em pouco tempo João Suassuna conseguiu apoio do rico empresário Frederico João Lundgren e consegue apoio do Exército para trazer sua família para uma casa mobiliada, pertencente a este empresário e localizada na cidade pernambucana de Paulista. Um dado interessante foi que a escolta da família Suassuna era comandada pelo tenente Agildo Barata[4].  

João Pessoa morto

O deputado João Suassuna recebeu a comunicação que havia sido denunciado como cúmplice no assassinato de João Pessoa e teria que ir ao Rio de Janeiro para se defender na Câmara dos Deputados. No Porto do Recife ele embarcou no paquete “Zelândia” e lá estava toda a sua família para as despedidas. Mesmo tendo naquela ocasião apenas três anos de idade, Ariano Vilar Suassuna sempre relatou ao longo de sua vida que jamais esqueceu a partida do seu pai para a Capital Federal, pois aquela foi a última ocasião que o viu com vida. 

João Suassuna chegou a Capital Federal no dia 22 de outubro de 1930, se apresentou a Câmara Federal. Lá soube que tramitava na comissão de constituição e justiça um pedido do deputado pernambucano João Paes de Carvalho Barros, para que fosse concedida uma licença para abrir uma investigação sobre a participação de Suassuna como cúmplice no assassinato de João Pessoa. Logo o pedido foi indeferido pelo presidente da casa, o deputado federal João Santos[5].

TEMPO DE REVOLTA

Não tarda e a convulsão política eclode. A conhecida Revolução de 1930 teve seu início em 03 de outubro de 1930, uma sexta feira, com movimentos sincronizados que foram levados a efeito no Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais e Paraíba.

João Suassuna (com papéis e na mão), tendo ao seu lado esquerdo Washington Luís no Porto de Cabedelo, Paraíba.

Mesmo diante desta situação, o deputado João Suassuna se coloca ao lado do presidente Washington Luís, junto com mais de uma centena de políticos. Todos se encontraram na tarde do dia 4 de outubro no Palácio da Guanabara, atual sede do Governo do Estado do Rio de Janeiro, onde morava o mandatário que em breve seria deposto[6].

Os dias seguiam com mais notícias preocupantes vindas da Paraíba e de Pernambuco. Na capital paraibana, na madrugada do dia 4 de outubro, poucas horas após o movimento ter-se iniciado, os revolucionários atacaram o 22º BC e ali morreu o general legalista Alberto Lavenère Wanderley, comandante da 7ª Região Militar. Já o 23º BC da cidade de Sousa, opôs resistência aos revolucionários. Logo em seguida sublevaram-se o 25º BC de Teresina, o 24º BC de São Luís e o 29º BC de Natal.

Revolucionários de 1930 – Fonte – ultimosegundo.ig.com.br

Em Recife o movimento encontrou uma resistência maior por parte das forças legalistas, que haviam se colocado de prontidão ao surgirem notícias da revolução. A vitória dos revolucionários, contudo, foi garantida pelo apoio popular à insurreição, tendo ocorrido, inclusive, distribuição de armas aos populares. Já na manhã do dia 5 de outubro, o movimento havia triunfado em Pernambuco, antes mesmo que os reforços provenientes da Paraíba chegassem a Recife. No dia seguinte a posição dos revoltosos se consolidou quando o presidente do estado, Estácio Coimbra, abandonou o governo[7].

TIRO MORTAL

Enquanto as notícias das sublevações e lutas pelo Brasil afora preocupavam os cariocas e o governo Washington Luís seguia para seus últimos dias, João Suassuna se dividia entre saber notícias de sua família e a atividade parlamentar.

Nesta época o deputado paraibano morava no quarto 63, do Novo Hotel Belo Horizonte, localizado na Rua Riachuelo, 130, no bairro da Lapa.

Rua Riachuelo, em Botafogo, Rio de Janeiro – Fonte – http://www.rioquepassou.com.br

Suassuna tinha o hábito de sempre descer ao “hall” principal para ler os jornais ainda pela manhã. Naquela quinta feira, 9 de outubro de 1930, ele estava nesta atividade quando apareceu uma visita. Era o farmacêutico paraibano Caio Gusmão, que há quatro meses residia no Rio. Eram cerca de oito e quarenta da manhã, quando o deputado decidiu seguir junto com seu visitante para o Palácio Tiradentes, sede da Câmara Federal. Estava vestido de paletó de casimira cinza e sapatos pretos.

Os dois caminharam um bom trecho pela Rua Riachuelo, quando Suassuna  olhou para o céu e comentou…

 – Parece que vai chover e vou buscar minha capa no hotel!

Deu meia volta, avançou alguns passos, mas nesse momento foi atingido por um disparo de arma de fogo. Suassuna tentou sacar um revólver “Colt” que conduzia, mas caiu no chão já morto por apenas aquele único tiro. O fato ocorreu na altura do número 111, próximo a esquina com a Rua dos Inválidos[9].

Caio Gusmão nada pode fazer, o corpo ficou em decúbito dorsal, com o revólver do falecido ao lado e a sua mão manchada de sangue[10].

Logo encheu de gente. Rapidinho se espalhou a notícia sobre quem havia sofrido aquele atentado e o espanto dos transeuntes foi geral. Populares chamaram a “Assistência”, o SAMU da época, que logo chegou, mas nada puderam fazer em favor de João Suassuna.

Em pouco tempo o delegado do 12º Distrito Policial, o Dr. Eunápio Hardman Castello Branco, em companhia do comissário Antônio Pizarro de Morais, chegou ao local e depois vieram várias outras autoridades policiais. Das primeiras investigações descobriram que o assassino fugiu pela Rua Paula Matos, em direção ao Morro de Santa Tereza. Foi comentado aos policiais que o atirador possuía estatura mediana, vestia paletó branco, usava boné de casimira negra e calçava “tennis”[11].

Desde os primeiros momentos que os jornais cariocas apontavam que a razão do assassinato de João Suassuna era vingança pela morte de Joao Pessoa e mesmo com revoltas pipocando no país, os revolucionários de 1930 ainda não tinham conquistado a Capital Federal. Começou então a caçada ao assassino.

Inicialmente em uma vila, um policial encontrou um revólver de grosso calibre do tipo “buldogue” e uma pistola modelo “Liberty”. Além de toda a roupa utilizada pelo pistoleiro na hora do crime. Logo os investigadores perceberam pelas pistas deixadas que um cúmplice estava dando apoio ao matador.

Fosse pela importância de João Suassuna, ou por eficiência (ou uma soma destes dois fatores), o certo é que ás onze e meia da noite do dia 9 de outubro, policiais da 2ª Delegacia Auxiliar capturaram o assassino.

Este se chamava Miguel Alves de Souza e havia sido preso no grande sobrado que pertencia ao engenheiro Joaquim de Souza Leão, localizado na Rua São Clemente, 261, bairro de Botafogo, a poucos metros da tradicional Igreja e Colégio Santo Inácio. Assim foi preso Miguel Alves confessou o crime[12].

Este era paraibano de Alagoa Grande, tinha 30 anos, havia chegado ao Rio pelo vapor “Itapuy” no dia 18 de julho de 1929, trabalhava como tratador de cavalos de cavalos e depois se tornou empregado do engenheiro Joaquim de Souza Leão.

Em uma entrevista concedida ao jornalista Ricardo Farias, publicada no caderno especial do jornal paraibano “A União”, edição de 12 de fevereiro de 2013, página 3, Ariano Suassuna comentou que o assassino de seu pai foi preso na casa do concunhado de João Pessoa[13].

Provavelmente os algozes de João Suassuna tinham a ideia que a polícia carioca jamais concluiria que na casa de gente tão graúda, como a Dr. Joaquim de Souza Leão, encontrariam um elemento que havia matado covardemente um homem pelas costas.

TRAMA ASSASSINA

No dia 10 de outubro, enquanto as autoridades “apertavam” Miguel para ele dar conta do assassinato, no Senado Federal, para onde seguiu o corpo de João Suassuna, ocorreram várias homenagens.

O ex-governador potiguar, então senador, José Augusto Bezerra de Medeiros, proferiu um interessante discurso sobre a vida do falecido político paraibano. Houve uma missa de corpo presente, várias autoridades estiveram no velório e foram colocadas muitas coroas de flores. João Suassuna foi enterrado no túmulo número 611, no cemitério São João Batista, em Botafogo. Mas nem sua mulher e nenhum de seus nove filhos estiveram presentes!

Enquanto isso na delegacia, Miguel Alves de Souza confessou que recebeu o apoio de outro paraibano chamado Antônio Granjeiro. Este era carteiro dos Correios e Telégrafos no Rio, lhe forneceu as armas e apoiou na sua fuga. Granjeiro foi logo preso[14].

Os dois comparsas entregaram então Otacílio de Lucena Montenegro, um funcionário do Tribunal de Contas, como a pessoa que procurou Granjeiro, lhe deu o dinheiro para a compra das armas do crime e a ordem para procurar alguém disposto a apertar o gatilho.

E quem era Otacílio de Lucena Montenegro?

Na mesma entrevista concedida ao jornalista Ricardo Farias, do jornal paraibano “A União”, em fevereiro de 2013, Ariano Suassuna comentou que foi Otacílio quem intermediou junto a Granjeiro o assassinato de seu pai e que Otacílio era sobrinho do então coronel do Exército Aristarco Pessoa, irmão de João Pessoa[15].

Demorou mais alguns dias para prenderem Otacílio, mas ele foi finalmente detido na Tijuca. Para dirimir dúvidas, o investigador Silvio Terra fez uma acareação na 2ª Delegacia Auxiliar entre Otacílio, Granjeiro e Miguel Alves e para o policial ficou patente a participação de Otacílio. Mas este negou peremptoriamente quaqlquer envolvimento.

Para os policiais Antônio Granjeiro, homem pobre e com numerosa família (tinha onze filhos), era considerado “doentio e muito sugestionável” e as preleções de Otacílio, que entre outras coisas dizia “-Será que não existe um paraibano que seja capaz de vingar a morte de João Pessoa?” surtiram efeito desejado. Granjeiro foi atrás de Miguel e o crime ocorreu.

Entre outras acusações Granjeiro foi apontado como o homem que seguiu João Suassuna, conheceu sua rotina, comprou as duas armas usadas no crime e chegou a enviá-las para um armeiro quando foram detectadas defeitos nelas. Foi ele quem adquiriu a munição e no dia 7 de outubro, dois dias antes do crime, foi com Miguel Alves praticar tiro ao alvo nas margens da hoje superpovoada lagoa Rodrigo de Freitas, próximo ao Jóquei Clube do Rio.

Os três acusados, entre estes um carteiro e um tratador de animais, foram defendidos pelo ninguém menos que advogado Clóvis Dunshee de Abranches, considerado um dos maiores criminalistas do Brasil na época e famoso pelo rumoroso caso Sylvia Seraphin Thibau[16].

Mas nesta época nem foi tão necessário a participação de um jurista tão renomado para defender estes homens, pois logo os revolucionários chegaram ao Rio de Janeiro, depuseram o presidente e assumiram o poder. No vácuo institucional, em meio às alegrias da vitória, os três homens responsáveis pela morte de João Suassuna foram soltos[17].

EM BUSCA DE JUSTIÇA

Foi Rita Suassuna que não deixou a morte de seu marido cair no esquecimento.

Tempos depois ela enviou uma carta extremamente intensa e emocionada ao então Presidente Getúlio Vargas e este mandou reabrir o caso. Em pouco tempo a morte de João Suassuna voltou às páginas dos periódicos cariocas.

Antônio Granjeiro, esposa e filhos em 1933.

Foram decretadas as prisões de Antônio Granjeiro e Miguel Alves. O primeiro foi preso em casa, no Rio. O segundo foi capturado na Paraíba e recambiado de navio para a Capital Federal[18].

Já os autos do processo simplesmente haviam sumido. Para completar o quadro os jornais noticiaram que novos depoimentos alteraram a situação de Octacílio de Lucena Montenegro e ele sequer prestou mais algum depoimento[19].

O promotor Francisco Belizário Velloso Rabello se preparou para o julgamento acusando os réus de “assassinato premeditado e sem direito a defesa”. Apoiando a promotoria, a pedido de Rita Suassuna, estava o advogado e ex-senador paraibano José Gaudêncio[20].

Já o advogado Clóvis Dunshee de Abranches apresentou em favor dos réus a alegação que o crime por eles cometido “ocorreu em um período de intensa perturbação política devido à morte de João Pessoa” e isso gerou nos assassinos de João Suassuna “uma forte perturbação dos sentidos e da inteligência”[21].

O advogado Clovis Dunshee de Abranches.

Visando reforçar a defesa, o advogado Dunshee de Abranches conseguiu do “Centro Paraybano” no Rio de Janeiro, entidade de apoio aos paraibanos que viviam na Capital Federal, mas também servia de local de encontros políticos, uma carta em defesa dos réus. Produzida por Arthur Victor, presidente da instituição, a carta é uma longa peça acusatória contra João Suassuna, que mostra bem os processos da política radical daqueles tempos.

Entre outras coisas está descrito que Irineu José do Nascimento, padrasto de Miguel Alves, e um 1º sargento reformado da polícia paraibana, havia sido fuzilado “por ordem de João Suassuna”, deixando sua mãe e três irmãos no desamparo. Sua família foi obrigada a fugir para Pernambuco, onde sofreram “sérias perseguições” por parte de Estácio Coimbra, então governador daquele estado.

Já Antônio Granjeiro nasceu em 1888, chegou ao Rio em 1912, entrou nos Correios e Telégrafos e foi transferido para Diamantina (MG). Depois de retornar para o Rio começou a participar das atividades do “Centro Paraybano” e na época que iniciou os movimentos políticos contra o governo Washington Luís, o destemido Granjeiro era uma espécie de segurança e forte entusiasta pela causa liberal.

A carta do presidente do “Centro Paraybano” menciona um episódio envolvendo Granjeiro, na época que o corpo de João Pessoa chegou para ser enterrado ao Rio de Janeiro. Quando da passagem do féretro por uma grande avenida, em meio à multidão, o carteiro gritou a pleno pulmões um “De joelhos!” e docilmente se ajoelhou diante do caixão do governador assassinado e seu gesto seguido por muitos presentes. Aparentemente isso o tornou uma figura de destaque do “Centro Paraybano”[22].

O julgamento começou ao meio dia de uma quarta feira, 18 de novembro de 1931, sob a presidência do juiz Nelson Hungria. O corpo de jurados era formado por sete homens e, apesar da atenção que aquele júri despertava entre os cariocas, tudo ocorreu de forma rápida e os dois réus foram absolvidos por 5 a 2 e a promotoria recorreu[23].

NOVO JULGAMENTO

Em 8 de janeiro de 1933 houve um novo julgamento, desta vez sendo presidido pelo juiz Antônio Eugênio Magarinos Torres, tendo como promotor Rufino de Loy e novamente a frente da defesa o competente Clóvis Dunshee de Abranches. Percebemos que, tal como o julgamento ocorrido em 1931, este segundo embate jurídico atraiu a atenção dos cariocas, sendo francamente noticiado na imprensa local.

O juiz Arthur Eugênio Magarinos Torres Filho. Nasceu em Campos (RJ) em 16 de janeiro de 1889 e faleceu em 8 de julho de 1960 – Fonte – http://autorescampistas.blogspot.com.br/

O promotor Rufino fez uma longa acusação. Já o advogado de defesa, com enorme desenvoltura, busca destruir todos os argumentos da promotoria. Mostrou com extrema eloquência a sofrida história de vida dos réus, apontando-os como “nordestinos pobres”. Trás para o tribunal o clima de revolta e instabilidade política de outubro de 1930, torna a ler a carta do “Centro Paraybano” e coloca os réus fora da classe dos “criminosos vulgares”. Cita vários juristas, psiquiatras e médicos para explicar como as emoções políticas tinha haver com o assassinato de João Suassuna. Ele relembrou a epopeia dos “18 do Forte”, fazendo uma relação deste caso para justificar o clima emocional dos réus diante da morte de João Pessoa[24].

Dunshee de Abranches fez até mesmo considerações para o crime de regicídio. Em determinada hora, como era praxe no tribunal no Rio, houve a parada para o “chá”[25].

Depois do retorno e finalização dos debates, os jurados se recolheram para decidir o futuro dos réus. Em 30 minutos trouxeram para o juiz Magarinos Torres o “Veredictum”, condenando Miguel Aves de Souza há seis anos e Antônio Granjeiro a quatro anos de detenção[26].

O julgamento teve outros desdobramentos. A família Pessoa, através do filho de João Pessoa, o jornalista Epitácio Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, abriu fogo com suas baterias jurídicas, processando o promotor Rufino de Loy. Entre outras coisas consideradas um acinte pela família e ditas pelo promotor na tribuna, estava que os réus “eram conhecidos da família Pessoa”. Não sei o resultado deste processo.

A TROCA

Evidentemente que para Rita Suassuna o resultado do julgamento foi decepcionante, uma verdadeira lástima. Mas o pior foi a viúva de João Suassuna saber que Antônio Granjeiro passou pouco mais de um ano na cadeia e ainda conseguiu que os seus “serviços” pela causa liberal fossem “plenamente recompensados” com a sua liberdade. Mesmo condenado no tribunal, este verdadeiro “alpinista político”, que queria ascensão com o sangue alheio, foi reincorporado aos Correios e Telégrafos em junho de 1934 e voltou a sua primitiva função de carteiro no Rio de Janeiro.

Já o assassino Miguel Alves de Souza se perdeu no “oco do mundo”!

Na época a família Pessoa foi muito eficaz em criar em torno da morte de João Pessoa, toda uma condição de perpetuação da memória desta família na Paraíba. Começa que a atual denominação da capital paraibana é “João Pessoa”, fato único entre as capitais estaduais brasileiras. Depois basta fazer uma pequena pesquisa no Google e se percebe o alto número de ruas e logradouros com nomes e sobrenomes ligados a família do governador morto na Confeitaria Glória.

Foto provavelmente da década de 1960, onde mostr Rita Suassuna e seus filhos, da esquerda para direita, Ariano, Saulo, João, Lucas e Marcos.

Já Rita Suassuna, depois de várias mudanças e provações, levou seus filhos para a cidade de Taperoá, no sertão paraibano. Ali, em uma região onde isso era a praxe, lutou para que seus cinco filhos homens jamais partissem para vingar a morte do pai. Entretanto a família de João Suassuna sempre perpetuou a sua memória e isso se incorporou no jovem Ariano, mesmo com tão pouca idade na ocasião da morte de seu pai.

Mesmo sem saber mensurar o quanto o peso da morte de João Suassuna contribuiu para moldar o Ariano Suassuna escritor, eu creio que de certa maneira ele realizou a sua “vingança” através dos seus escritos.

Se a família Pessoa buscou se perpetuar em nomes de ruas e logradouros na Paraíba, certamente Ariano se imortalizou na mente e nos corações de milhões de paraibanos, nordestinos e brasileiros com as suas obras. O autor deste trabalho acredita que por muitas décadas e séculos no futuro, o nome e as obras de Ariano Suassuna serão obrigatórios para o entendimento do Nordeste.

Contudo, eu tenho certeza que ele, Ariano Vilar Suassuna, trocaria tudo o que conseguiu com as letras para ter tido a oportunidade de ter visto seu pai conhecer seus filhos, ter acompanhado a sua vida e estar ao lado de João Suassuna no dia de sua morte. 

VEJA NO TOK DE HISTÓRIA OUTRAS HISTÓRIAS SOBRE A PARAÍBA DAS DÉCADAS DE 1920 E 1930 

A REPERCUSSÃO DOS ATAQUES DO CANGACEIRO SINHÔ PEREIRA A PARAÍBA E A INFORMAÇÃO SE LAMPIÃO ESTEVE EM TERRAS POTIGUARES EM 1922 – https://tokdehistoria.com.br/2013/03/15/noticia-ruim-chega-ligeiro/

A HISTÓRIA DO TIROTEIO NO SÍTIO TATAÍRA E A INCRÍVEL RESISTÊNCIA DO CANGACEIRO MEIA-NOITE –https://tokdehistoria.com.br/2013/08/14/a-historia-do-tiroteio-no-sitio-tataira-e-a-incrivel-resistencia-do-cangaceiro-meia-noite/

A BATALHA DO CASARÃO DOS PATOS – https://tokdehistoria.com.br/2011/06/07/a-batalha-do-casarao-dos-patos/

BENTO QUIRINO, A VIOLÊNCIA NO SERTÃO DE OUTRORA E A BUSCA PELA HISTÓRIA

NOTAS  

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[1] Em 1945 o antigo IFOCS passou a se chamar Departamento Nacional de Obras Contras as Secas – DNOCS. A Fazenda Acauã é um importante patrimônio histórico rural paraibano. Com 300 anos de história, é a mais antiga fazenda de gado e algodão do Sertão da Paraíba. Está localizado a 409 quilômetros da capital, atualmente se localiza na zona rural da cidade de Aparecida. Ariano Suassuna morou no casarão, durante parte de sua infância, e se inspirou em Acauã para escrever suas obras. Ver http://sednemmendes.blogspot.com.br/2013/05/visitando-o-sitio-historico-da-fazenda.html

[2] Segundo material existente no site www.http//pb1.com.br , o vereador Fernando Milanez, sobrinho-neto de João Pessoa, afirmou que a versão de que o assassinato teria sido um crime passional é um “absurdo”, porque, segundo ele, João Pessoa nem conhecia João Duarte Dantas. Para a família de João Pessoa, o ex-presidente foi vítima de ambição e mentira, e a causa do assassinato teria sido política. Independente do motivo, João Dantas, junto ao seu cunhado, Augusto Caldas, que não havia participado do crime, foram presos na Casa de Detenção do Recife. Em 6 de outubro de 1930, nos primeiros dias da Revolução de 1930, os dois teriam sido assassinados. A versão oficial indicou suicídio. Ver – http://pb1.com.br/noticias_dentro.php?pt1=898

[3] No início de 1929 ainda estava em vigência a conhecida “política do café com leite”, em que políticos de Minas Gerais e de São Paulo se alternavam na presidência da república. O então Presidente Washington Luís, indicou o governador São Paulo, Júlio Prestes, como seu sucessor. Apenas três estados negaram o apoio a Prestes: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. Os três se uniram a políticos de oposição de diversos estados e formaram, em agosto de 1929, um grupo de oposição denominado Aliança Liberal. No dia 20 de setembro do mesmo ano foram anunciados os candidatos oposicionistas às eleições presidenciais. Getúlio Vargas seria candidato a Presidente do Brasil e João Pessoa seria o candidato a vice-presidente. Após perder as eleições, que foram realizadas em março de 1930, a Aliança Liberal alegou que a vitória de Prestes era decorrente de fraudes. Ver – http://pb1.com.br/noticias_dentro.php?pt1=898

[4] O empresário pernambucano Frederico João Lundgren (1879-1946) foi uma espécie de desbravador em seu tempo. Tratado como coronel, gerou 22 filhos, teve várias mulheres e se tornou uma espécie de lenda do comércio ao levar tecidos e outras mercadorias a dezenas de pequenas cidades do interior do país. Herdeiro de uma tecelagem, Lundgren teve, em 1908, a ideia de criar uma cadeia de varejo pela qual pudesse vender seus produtos. Era o começo das conhecidas Casas Pernambucanas. Ver – http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0726/noticias/a-sobrevivente-m0053283 e https://tokdehistoria.com.br/2014/05/12/oxente-hitler-arquivos-e-documentos-mostram-que-os-nazistas-estiveram-na-paraiba/

[5] Ver jornal “O Paiz”, Rio de Janeiro, edição de 4 de outubro de 1930, página 4.

[6] Ver jornal “O Paiz”, Rio de Janeiro, edição de 5 de outubro de 1930, na 1ª página. Apesar do Palácio do Catete ser a antiga residência dos Presidentes da República, quando tomou posse Washington Luís decidiu residir no Palácio da Guanabara.

[7] Ver – http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_de_1930

[9] Este local fica bem próximo a atual sede da renomada Editora Folha Dirigida.

[10] Os jornais listam que além de sua aliança, de 200 mil réis em dinheiro, um relógio e abotoaduras de ouro, João Suassuna levava a licença para portar sua arma e alguns papéis. Entre estes uma carta fechada para a esposa.

[11] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 9 de outubro de 1930, 1ª página e o jornal “O Paiz”, Rio de Janeiro, edição de 10 de outubro de 1930, página 2. Desde os primeiros momentos as investigações ficaram a cargo do investigador Silvio Terra, figura lendária da polícia investigativa carioca, cujo nome atualmente batiza a Academia de Polícia Civil do Rio de Janeiro.

[12] Joaquim Souza Leão era um puro exemplo de um membro oriundo da mais alta elite agrária açucareira pernambucana. Era sobrinho de desembargador, de senador do Império, do Visconde de Campo Alegre e filho de Antônio de Souza Leão, rico fazendeiro pernambucano da região de Moreno e que havia recebido do Imperador Pedro II o título de Barão de Morenos. Um de seus filhos foi embaixador. Ver – http://morenoengenho.blogspot.com.br/

[13] Ver – http://issuu.com/auniao/docs/caderno_especial_parte_1

[14] Ver o jornal “O Paiz”, Rio de Janeiro, edição de 11 de outubro de 1930, página 2 e o jornal “Diário carioca”, Rio de Janeiro, edição de 7 de janeiro de 1933, 1ª página.

[15] Segundo Ariano Suassuna, na década de 1950, quando ele entrou na Faculdade de Direito de Recife, conheceu o filho do Joaquim Pessoa Cavalcante de Albuquerque, irmão de João Pessoa, que isentou o pai da morte de João Suassuna. Mas não o tio Aristarco Pessoa e nem a participação de Octacílio de Lucena Montenegro no crime. Ver – http://issuu.com/auniao/docs/caderno_especial_parte_1

[16] Sylvia Seraphin Thibau era uma jornalista, escritora e poetisa, era casada com o médico João Thibau Júnior e mãe de dois filhos. Sylvia foi acusada pelo jornal carioca “A Crítica” de ter traído o marido, mantendo um caso com o também médico Manuel Dias de Abreu, mais tarde inventor da abreugrafia. Irritada, ela foi à redação do jornal armada, para matar o editor, Mario Rodrigues, no dia 26 de novembro de 1929. Como Mário não estava no jornal, Sylvia acabou atirando no filho dele, o também jornalista Roberto. No local, assistindo ao crime, estava o irmão da vítima, Nelson Rodrigues, então com 17 anos. O processo criminal foi acompanhado por uma feroz campanha promovida pelo jornal, que chamava a ré de “literata do Mangue” e “cadela das pernas felpudas”. Seu julgamento foi o primeiro no Brasil a ser transmitido ao vivo pelo rádio. O advogado Clovis Dunshee de Abranches alegou que Sylvia havia se descontrolado por ter sido caluniada e conseguiu a sua absolvição. Ela suicidou-se em 1936, depois de abandonada por um tenente-aviador por quem havia se apaixonado. Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADlvia_Serafim_Thibau

[17] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 4 de novembro de 1930, página 9. Neste jornal temos uma longa declaração de Silvio Terra, se defendendo de acusações feitas por Octacílio de Lucena Montenegro através dos jornais. As acusações de Octávio apontam que este havia sido torturado pelos policiais para confessar sua participação na morte de Ariano Suassuna. Não encontrei a edição de jornal com a publicação de Octávio contra Silvio Terra. Mas encontrei a carta de defesa do investigador aos seus superiores e publicada nos jornais do Rio. Este investigador é muito claro, direto e contundente em suas afirmativas, além de negar veementemente o uso de tortura contra os detidos. O então coronel Bertoldo Klinger, líder revolucionário, elogiou o posicionamento do policial. Ver também “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 11 de julho de 1931, página 3.

[18] Miguel Alves estava incluso no crime previsto no Artigo 294, parágrafo 1º, com agravantes do Artigo 39, parágrafos 2º, 7º, 8º e 13º. Já Granjeiro era acusado nos mesmos artigos, acrescentando o artigo 18, parágrafo 3º. Lembrar que estas acusações faziam parte Código Penal anterior ao que atualmente está em vigência. Ver jornal “Diário de Notícias”, Rio de Janeiro, edição de 7 de janeiro de 1933, 1ª página.

[19] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 11 de julho de 1931, página 3. Os jornais da época não informam quem, quando e onde ocorreram estes depoimentos que livraram Octacílio de Lucena Montenegro deste processo. Nem comentam nada mais sobre o sumiço dos autos e sequer é mais comentado por qualquer razão o nome do Joaquim de Souza Leão como presumidamente envolvido no crime. Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 11 de julho de 1931, página 3.

[20] Ver jornal “A Esquerda”, Rio de Janeiro, edição de 21 de setembro de 1931, página 4.

[21] Ver jornal “Diário de Notícias”, Rio de Janeiro, edição de 19 de agosto de 1931, página 2.

[22] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 11 de setembro de 1931, página 3. Por mais estranha que esta história de ficar de joelhos diante do caixão de João Pessoa possa parecer, naquela época, naquelas circunstâncias, isso aconteceu de verdade. Na capital paraibana o nível de fanatismo em 1930 era tal, que se alguém tocasse em um local público uma certa música criada para homenagear o morto ilustre, e alguém gritasse um sonoro “De joelhos!”, aí de quem não cumprisse a ordem. Ou era surrado, ou preso! Em outros estados também ocorreram muitas manifestações radicais. No Rio Grande do Norte, como consequência direta das mudanças das mudanças políticas da Revolução de 1930, a campanha estadual de 1934 foi uma das mais violentas da história política potiguar, com vários mortos em meio a inúmeras arbitrariedades.

[23] Ver jornal “Diário Carioca”, Rio de Janeiro, edição de 19 de novembro de 1931, página 3. É interessante comentar sobre o juiz Nelson Hungria Hoffbauer. Este nasceu em Além Paraíba, Minas Gerais, em 1891, iniciou sua vida pública como promotor de Rio Pomba, em seu estado natal. Nomeado juiz em 1924, foi magistrado por 46 anos, tendo sido nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal em 1951, do qual chegou à presidência e se aposentou em 1961. Hungria é tido como um dos luminares de nossa cultura jurídico-penal, onde deixou escrito 17 obras e 150 monografias. Foi considerado o líder intelectual da redação do Código Penal de 1940, além de ter participado da elaboração do Código de Processo Penal, da Lei de Contravenções Penais e ainda da Lei de Economia Popular. Seus Comentários ao Código Penal (8 volumes) influenciaram gerações de juristas brasileiros e constituíram referência obrigatória para a compreensão de nosso sistema jurídico penal. Ver –  http://www.memorial.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=114

[24] A Revolta dos 18 do Forte de Copacabana foi uma revolta tenentista ocorrida na cidade do Rio de Janeiro em 5 de julho de 1922. Foi a primeira revolta tenentista da República Velha. Teve a participação de 17 militares e um civil. Suas causas principais estão no descontentamento dos tenentes com o monopólio político do poder no Brasil por parte das oligarquias (principalmente ricos fazendeiros) de Minas Gerais e São Paulo. Embora o movimento tivesse sido planejado em várias unidades militares, somente o Forte de Copacabana e a Escola Militar se levantaram no dia 5 de julho de 1922. O forte foi bombardeado e a rendição dos rebeldes foi exigida.  O tenente Siqueira Campos e um grupo de militares rebeldes pegaram armas e marcharam pelas ruas em direção ao Palácio do Catete (sede do governo federal na época). Durante a marcha alguns militares desistiram, ficando apenas 17 que receberam o apoio na rua de um civil, totalizando 18. Os rebeldes foram cercados pela tropa do Governo Federal. Após forte tiroteio em frente ao posto 3 da praia de Copacabana, somente Siqueira Campos e Eduardo Gomes sobreviveram e foram presos. Os outros dezesseis integrantes do movimento foram mortos no combate.

[25] Regicídio é o assassinato de um rei, seu consorte, de um príncipe herdeiro ou de outras formas de regentes, como presidentes e primeiro ministros. Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Regic%C3%ADdio

[26] Ver o periódico “Diário de Notícias”, Rio de Janeiro, nas edições de 7 e 8 de janeiro de 1933, sempre nas 1ª páginas. Igualmente ver o jornal “Diário Carioca”, Rio de Janeiro, edição de 7 de janeiro de 1933, 1ª e 5º páginas.

O DESCANSO DE UM GUERREIRO NORDESTINO NO RIACHO DA PRATA

A HISTÓRIA DE UM HOMEM QUE LUTOU MAIS DE VINTE VEZES

CONTRA LAMPIÃO E A SUA BUSCA PELA PAZ

Autor – Rostand Medeiros

Nas ocasiões em que viajei pelo sertão do Nordeste em busca de conhecer mais sobre o cangaço, sempre esbarrava em muitas histórias de violentas lutas, valentia, covardia, honra, ódio, dor, sangue e algumas figuras que pareciam saídas de contos medievais, de verdadeiras gestas épicas.

Clementino José Furtado, o Clementino Quelé

Um destes personagens é o pernambucano Clementino José Furtado, mais conhecido como Clementino Quelé.

Este sertanejo foi cangaceiro, andou ao lado de Lampião, se desentendeu com ele, foi perseguido, perdeu quase toda a família na luta contra este grande chefe cangaceiro e se tornou policial, onde ficou conhecido como um dos mais esforçados perseguidores do “Rei do Cangaço”.

Lampião

Afirmava ter travado mais de vinte confrontos contra Lampião e seu bando. Depois participou de uma guerra no meio do sertão e finalmente procurou a paz no Cariri Paraibano, em uma cidade chamada Prata, próximo a cidade de Monteiro e da fronteira com Pernambuco.

Um Lugar Tranquilo

A origem do nome se deve a uma fonte de água descoberta por uma moradora, cujas águas eram extremamente límpidas e saborosas. Logo o local ficou conhecido na região como “Poço da Água de Prata” e ficava próximo a um riacho com a mesma denominação.

Prata, Paraíba

Neste local fui extremamente bem recebido e tive uma daquelas maravilhosas oportunidades de encontrar pessoas com tantos anos de vida e muita lucidez, que puderam narrar muitos episódios interessantes sobre Clementino Quelé.

Zoroastro Bezerra da Silva nasceu na Prata, no dia 14 de junho de 1916 e Pedro Elias da Silva, este último mais conhecido como “Seu Pedrosa” veio ao mundo no dia 16 de julho de 1917, em uma localidade pernambucana conhecida como “Beira” e nos conta que sua família se mudou para a Prata ainda na década de 1920.

Pedro Elias da Silva

Seu Pedrosa, que gosta muito de história, narra que o arruado do Riacho da Prata, ou simplesmente Prata, era um lugarejo que crescia como ponto de passagem e parada de tropeiros que seguiam da Paraíba em direção a Recife, e de comerciantes pernambucanos, principalmente das cidades de Flores, Afogados da Ingazeira e São José do Egito, que seguiam em direção ao comércio da cidade paraibana de Campina Grande.

Entre os anos de 1905 e 1906, teve início uma feira semanal e o número de habitantes começou a crescer.

Entrada a partir da BR-412

Lendo o pesquisador Pedro Nunes Filho, autor do livro “Guerreiro Togado – Fatos Históricos de Monteiro” (Ed. Universitária, UFPE, 1997, pág. 62), a Prata fazia parte do território de Alagoa do Monteiro, atualmente apenas Monteiro, que no início do século XX era o município com maior extensão territorial da Paraíba. A Prata era então, junto com as localidades de São Sebastião do Umbuzeiro, São Thomé, Camalaú, São João do Tigre e Boi Velho, um dos distritos daquela importante cidade fronteiriça com Pernambuco.

O local era tranquilo, mas a região onde se localiza esta comunidade sentiu o peso das espingardas na primeira década do século XX.

“A Guerra do Dotô Santa Cruz”

Nas proximidades da Prata existe uma propriedade denominada Areal. Em 1911 estas terras pertenciam ao advogado Augusto de Santa Cruz Oliveira, cuja família tinha forte influência política na região.

Augusto de Santa Cruz Oliveira Fonte-Livro “Guerreiro Togado”

Pessoa importante, rica e conhecida por todos, ocasionalmente o “Dotô” Santa Cruz se fazia presente na pequena feira da Prata, que ocorria sempre as quarta feira.

Pedro Nunes Filho em seu trabalho (op. cit.) informa que durante o mandato do governador João Lopes Machado (1908 – 1912) este buscou diminuir a força política da família Santa Cruz em Alagoa do Monteiro através de vários ardis.

Casa grande da Fazenda Areal Fonte-http://asleyravel.blogspot.com

Valente e voluntarioso, um verdadeiro líder, Augusto Santa Cruz reagiu a esta perda de espaço político através do uso da força. Ele protagonizou uma série de episódios violentos entre os anos de 1910 a 1912, onde não faltaram perseguições, espancamentos, invasões de vilas, tiroteios e mortes. Pronunciado, decidiu cercar Alagoa do Monteiro em maio de 1911, tendo sob o seu comando 130 homens armados, que destruiram a cadeia pública, libertaram os presos e ele deixou seus “cabras” saquearem lojas e bens dos desafetos.

Ao final da invasão, que teve forte repercussão em todo o Nordeste, o advogado Santa Cruz, para muitos apenas um “Cangaceiro Togado”, tomou várias pessoas em Monteiro como reféns e preparou-se para a reação do governo. Poucos depois, tropas da polícia paraibana e pernambucana atacaram a propriedade Areal e obrigaram Santa Cruz e seus homens a fugirem.

Alagoa do Monteiro, início do século XX. Fonte- Livro “Guerreiro Togado”

O resumo da ópera foi que Santa Cruz uniu forças a outro líder do interior paraibano, Franklin Dantas, da cidade de Teixeira, que igualmente se sentia perseguido pelo governador Machado.

Com esta união os dois chefes juntam mais de 300 homens em armas e partem para a invasão de várias localidades, entre elas a cidade de Patos, causando enormes transtornos e estragos. Depois seguiram em direção ao Ceará. Mas conforme avançam para o estado vizinho, os líderes desta coluna perceberam que não possuíam muito apoio de outras lideranças e viram que a sua “guerra” não teria nenhuma possibilidade de alterar a situação política. Tempos depois Santa Cruz fugiu para Pernambuco. Processado em Alagoa do Monteiro, foi julgado a revelia e absolvido.

Homens de Augusto Santa Cruz Fonte-Livro “Guerreiro Togado”

Ocorre que entre os homens de Augusto Santa Cruz estavam muitos dos seus empregados, fugitivos da justiça, antigos cangaceiros, amigos, parentes e várias destas pessoas viviam na pequena localidade da Prata.

Passado este momento difícil, que Seu Pedrosa chama “-Da época de 12”, a Prata vai crescendo devagar, mas tranquila.

Ele comentou que naquela época, na história do lugar não existiam maiores registros de envolvimento e confrontos entre seus habitantes e cangaceiros. Mas logo uma pessoa que havia sido muito ligada a Lampião chegaria ao lugar.

O “Tamanduá Vermelho”

Clementino Quelé é descrito como um homem forte, tido como baixo, com certa obesidade, de tez branca, que quando ficava agitado, a sua pele assumia um tom avermelhado. Daí o apelido “Tamanduá Vermelho”, dado pelo próprio Lampião.

Para o pesquisador Frederico Pernambucano de Mello (in “Guerreiros do Sol”, 2004, págs. 220 a 225), Quelé era natural da Ribeira do Navio, onde seguiu jovem para Alagoas, afastando-se de Pernambuco por questões de disputa familiar. No retorno a sua família segue para a região da bela cidade de Triunfo, no sítio Conceição.

Esta seria a possível casa onde Quelé e seus familiares travaram dois grandes tiroteios contra Lampião e seu bando. Santa Cruz da Baixa Verde, Pernambuco

Clementino Quelé era o chefe de sua família, tinha como irmãos Pedro, Quintino, Antônio, José e Manuel (Nezinho), todos considerados homens dispostos e valentes.

Envolvido em problemas políticos, que ocasionam perseguições a si e a membros do seu clã, Quelé e parte de seus familiares se juntam ao bando de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e passam a praticar a rapinagem pelos sertões.

Logo desavenças vão surgir e estas vão gerar uma forte inimizade com o famoso chefe cangaceiro. Como consequência, no início de 1924, Quelé e seus familiares sofrem dois grandes ataques do bando de Lampião no sítio Conceição, onde muitos são mortos.

Edição do jornal recifense “A Notícia”, de 14 de janeiro de 1924, existente na hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco, informando erroneamente sobre a ação da polícia, durante o segundo ataque de Lampião contra Quelé

Em busca de vingança, Clementino Quelé entra na polícia paraibana, onde recebe as divisas de sargento, apesar do analfabetismo. Contra Lampião valia mais a pena uma pessoa “alfabetizada” no cano da espingarda.

O sargento Quelé era a valentia em pessoa e extremamente calejado nas lutas do sertão. Logo monta uma volante que se tornou conhecida como “Coluna Pente Fino” e que também ficou famosa na história do cangaço pela selvageria como combatia os inimigos e infligia o terror aos que apoiavam os bandos de cangaceiros. Muitos dos seus parentes fizeram parte do grupo.

Se não faltam relatos de valentia do seu pessoal, infelizmente não faltam informações que inúmeros inocentes sofreram nas mãos dos homens de Quelé, além de vários atos de pura rapinagem.

Caminhos do sertão

De toda maneira o “investimento” do governo da Paraíba em Quelé não foi em vão. Três anos e meio depois dos combates no sítio Conceição, no dia 14 de junho de 1927, ele e seus homens eram a primeira força policial a adentrar em Mossoró, após a fracassada tentativa de Lampião para conquistar a maior cidade do interior potiguar.

Durante a chamada Revolta ou Sedição de Princesa, na Paraíba, Clementino Quelé esteve lutando ao lado das tropas do governador João Pessoa, contra os homens do chefe político de Princesa, o coronel José Pereira. Foram sérios combates, com muitas mortes e atos de verdadeira selvageria.

Para conhecer maiores detalhes destes episódios ver –http://www.triunfob.com/2010/09/um-fato-da-historia-do-cangaco-na.html e https://tokdehistoria.wordpress.com/2011/06/07/a-batalha-do-casarao-dos-patos/

A Chegada na Prata

Para seu Zoroastro, cujo pai era o barbeiro da cidade, consta que em Alagoa do Monteiro, onde o famoso guerreiro nordestino estava destacado, ele conheceu uma mulher com quem passou a ter um relacionamento e Quelé passou a permanecer mais tempo no Cariri Paraibano.

Seu Pedrosa informa que o ano da chegada do sargento Clementino Quelé a Prata foi em 1933 e ela teria acontecido devido um crime que ocorreu na região no ano anterior. Este problema foi uma invasão de propriedade, seguido do roubo de ração para o gado. O proprietário deu parte e foi aberto um inquérito. Tempos depois o sargento Quelé chegou ao pequeno distrito com outros militares e trazendo ordens do juiz de Monteiro para conduzir os invasores para a prisão.

Matriz de Nossa Senhora do Rosário, Prata, Paraíba

Apesar de chegar ao lugarejo para cumprir a lei, Seu Pedrosa informa que o sargento Quelé foi muito bem recebido pelo fazendeiro Ananiano Ramos Galvão, líder político do lugar. O sargento soube que a Prata estava crescendo e que havia uma pequena delegacia, mas não havia alguém com a sua patente para comandar o diminuto destacamento de dois soldados, um deles conhecido como “Mané Soldado”.

Logo a cidade soube que um novo sargento fora para lá designado e quando eles receberam a notícia de quem era o indicado, a comunidade se alvoroçou, pois o nome do sargento Clementino Quelé imprimia medo e terror em todo o sertão.

O sargento era sempre lembrado entre os habitantes locais pela forma violenta como sua volante agia, as inúmeras mortes cometidas por ele e seus homens, os vários combates contra Lampião e outras histórias que acompanhavam o “Tamanduá Vermelho” para onde ele seguia.

Evidentemente que a comunidade tinha medo do que aquele homem, que a nada temia, poderia passar a fazer contra eles devido a sua posição.

E afinal, porque este militar iria deixar um posto em Alagoa do Monteiro, uma cidade maior, para trabalhar em um lugarejo diminuto e pobre?

Além do mais na Prata os problemas que o valente Quelé iria enfrentar estavam bem longe da guerrilha que era o cangaço e das batalhas que ocorreram na Guerra de Princesa. No lugarejo o que mais perturbava a ordem eram as brigas de família, bebedeiras, pequenos roubos e coisas consideradas leves.

Seu Pedrosa informa que em pouco tempo o sargento Clementino Quelé chegou com seus “teréns” na carroceria de um caminhão, acompanhado de sua mulher chamada Alice e seus filhos. Em meio ao espanto geral ele alugou uma casinha e assumiu a função de delegado.

Um Bravo Que Desejava Ficar em Paz

Logo todo o sertão do Cariri Paraibano comentava que na Prata estava morando o sargento Quelé. O mesmo que era cantado em verso e prosa como “O valente que mais vezes brigou com Lampião”.

Não obstante a desconfiança inicial, além do fato de Quelé ser caladão e taciturno, a vida continuou. Mas o povo da Prata mantinha “Um olho no peixe e outro no gato” em relação ao novo delegado.

Até porque, na visão de Seu Pedrosa, sua figura como policial era um tanto aparatosa e ostensiva, para uma cidade onde os cachaceiros eram o maior problema. Nas horas em que estava de serviço, segundo as palavras do nosso entrevistado;

“-Quelé estava sempre com sua farda Kaki, quepe policial, um punhal atravessado no cós da calça, um vistoso e grande “Parabellum” pendurado na cartucheira e um rifle na mão.

Logo todos perceberam que apesar de sua sisudez, seu jeito fechado e caladão, seu comportamento junto aos moradores da Prata era extremamente tranquilo e suas atitudes controladas.

Para os entrevistados Quelé era muito “sabido”, pois buscava sempre “ajeitar” as situações com a conversa. Quando havia algum problema, alguma questão, ele utilizava de sua autoridade como policial e resolvia as querelas entre as pessoas da comunidade de forma equilibrada. Além da autoridade do uniforme, evidentemente havia o respeito pelo seu passado de lutas contra Lampião.

Gradativamente ele foi sendo bem aceito.

Não praticava o extermínio frio de bandidos, mas era conhecido pela moral e honestidade, além de ser considerado muito justo na sua atitude como policial, em uma forma de agir bem diferente dos tempos do cangaço. Os entrevistado afirmaram que durante o tempo em que lá esteve, não existe informações que Quelé recebia propina, tanto que morreu pobre.

Mas também não aceitava o furto e o roubo de animais de forma alguma. Se algum ladrão sem vergonha caísse na sua mão com estes crimes, segundo Seu Pedrosa;

“-Se fosse pro lado do furto de coisas e bichos, ele não dava cobertura e a peia (surra) era grande”.

Casa de Clementino Quelé na Prata

Sem ter muito problemas policiais para resolver, Clementino Quelé foi comprou uma pequena gleba de terra. Trabalhava nas horas vagas como agricultor e vendia sua pequena produção de milho e feijão na feira semanal. Era considerado um homem muito esforçado. Esta propriedade era perto do antigo sítio de Manoel Lindoso, a quem Seu Pedrosa considera o fundador da localidade.

Consta que para dar um “corretivo” nos presos, normalmente pinguços que enchiam a cara de cachaça nos bares, Quelé os levava para a sua terrinha, entregava uma enxada e mandava os detidos brocarem o terreno. Mas ficava ali do lado com o “Parabellum” no cinto.

O sargento não era visto com uma garrafa de pinga na sua frente e não andava bêbado pelas ruas.

Logo todos na Prata perceberam que o velho combatente queria ficar em paz no seu lugar. Paz para estar ao lado de sua Alice e de seus filhos.

Consta que Quelé havia sido casado com uma Senhora conhecida como “Toinha” e desta união nasceu uma filha e um filho chamado Zacarias. Depois, em Alagoa do Monteiro, ele se uniu a Alice e vieram mais três filhas.

Novo Encontro com Cangaceiros e Quem Era Lampião para Quelé

Naquele tempo Quelé, em algumas ocasiões e por ordem do Poder Judiciário, saiu da cidade para atuar em funções policiais. Mas em 1936 o sargento foi convocado para perseguir um grupo de cangaceiros que atacou a região próxima a Monteiro.

Jornal natalense “A Republica”, 23 de maio de 1936

Os nossos entrevistados não esquecem o desassombro e o impacto que causou no lugarejo a passagem deste bando que era comandado pelo chefe alcunhado “Moderno”, cujo nome real era Virgínio Fortunato da Silva. Este havia sido cunhado de Lampião, andava com ele a anos e era pessoa de sua extrema confiança.

Apesar de todo este medo e apreensão, os cangaceiros não passaram pela Prata e não consta que Quelé tenha novamente mantido algum combate contra Virgínio.

Fui informado que o assalto do bando de Virgínio foi extremamente rentável, mas que após a região do atual município de Camalaú, ponto máximo alcançado pelo grupo de cangaceiros em 1936, havia interessantes e ricas propriedades, principalmente nas proximidades da atual cidade paraibana de Barra de São Miguel. As testemunhas acreditam que este cangaceiro não seguiu adiante na sua rapinagem, justamente porque Virgínio sabia que ali perto se encontrava “um velho conhecido”.

Se isso é verdade eu não pude apurar e somente uma pesquisa específica para checar a veracidade desta informação.

Seu Pedrosa comenta que não tinha maior aproximação com Quelé, mas nunca deixou de ficar por perto quando o velho combatente conversava com os amigos da cidade sobre seu passado de lutas.

Fim de Lampião

Uma situação interessante foi no dia 28 de julho de 1938, quando Lampião e seu bando foram massacrados na Grota do Angico, várias pessoas da pequena urbe vieram até o sargento Quelé para narrar o acontecido. O espanto foi a sua quase total ausência de emoção. Apenas balançou a cabeça e nada falou.

Mas Seu Pedrosa comentou que nas palestras que ouviu de Quelé, escutou uma ocasião em que ele descreveu Lampião como sendo “-Um valente”. Para quem conheceu o sargento, este demonstrava um enorme ódio do “Rei do Cangaço”, mas também muito respeito.

Uma coisa que chamou atenção dos entrevistados foi que Clementino Quelé nunca negou que esteve lado a lado com Lampião no seu bando e que, devido às desavenças com este chefe cangaceiro, pagou um preço muito alto com a morte de vários familiares.

Sobre os familiares sobreviventes, soube que para a Prata vieram viver dois irmãos de Quelé, mas em circunstâncias bem diferenciadas do sargento que protegia a localidade.

Havia um deles, de nome José, mas conhecido como Zé Quelé, que era soldado da polícia paraibana e servia para os lados da região de Mãe D’Água, onde praticou um crime de morte. Ele busca então apoio no irmão Clementino, que não nega ajuda. Zé Quelé ficou homiziado nas proximidades, mas não vinha a feira, algumas vezes dormia nos matos e logo toda a cidade da Prata sabia daquela situação. Mas ninguém o denunciou.

Evidentemente que havia medo nesta conta, mas também houve um acordo tácito entre a comunidade e o delegado Clementino. Além disso ele era Clementino Quelé e não valia a pena uma inimizade com este homem.

Já o outro irmão era conhecido como Nezinho, também policial, mas tido como pistoleiro. Entretanto não criou nenhum problema na Prata.

Respeito

Um fato interessante ocorreu quando Quelé já estava aposentado. Então veio para ser o delegado na pequena localidade um sargento jovem e cheio de disposição. Este vendo Clementino Quelé andar ostensivamente armado, começou a comentar entre as pessoas que;

“-Aquele sargento véio não é mais da Força. Vou desarmar ele”.

Quando Quelé soube não fez nada. Apenas disse;

“-Tô esperando”.

Aparentemente o novo sargento foi mais bem informado quem era o idoso e já um tanto gordo ex-policial. Foi aconselhado que o melhor que tinha a fazer era deixar aquele homem em paz. Quelé nunca foi desarmado por ninguém.

Uma das facetas do valente sargento era sempre receber os chefes municipais e os políticos da região, tanto os de prestígio estadual e até mesmo pessoas de forte presença no cenário político nacional da época.

Nestas ocasiões, mesmo com pouca instrução, o velho perseguidor de Lampião sempre se apresentava bem uniformizado, sendo reconhecido por muitos destes homens do poder, que igualmente o tratavam com deferência.

Inácio Mariano e Walfrido Siqueira, homens fortes de São José do Egito e Jacinto Dantas, do lugar Ouro Velho, eram todos seus amigos e o visitavam quando estavam de passagem pela Prata.

João Agripino de Vasconcelos Maia Filho, de Catolé do Rocha, que foi deputado federal, senador e governador paraibano, quando ainda um jovem politico, fez questão de parar na Prata para conversar com o velho combatente.

José Américo de Almeida Fonte-http://www.onordeste.com

Em 1951, depois de haver realizado um comício em Sumé, o então candidato ao governo paraibano, José Américo de Almeida, veio a Prata em campanha eleitoral. Não era nenhuma surpresa a presença de políticos em campanha pela pequena cidade para pedir votos. Mas surpresa mesmo para muita gente foi quando o grande político e formidável homem de letras paraibano, autor de “A Bagaceira”, pediu para se encontrar com o sargento Clementino Quelé.

Os mais jovens não sabiam, mas José Américo havia sido um dos comandantes das forças legalistas do governador João Pessoa contra as tropas do coronel José Pereira, da cidade de Princesa, e o sargento Quelé foi um dos seus comandados. Houve um encontro de velhos conhecidos, cercado de alegria e abraços.

Paz no Fim da Vida

Uma coisa animava Clementino Quelé, visitar o coronel Manuel Benício, antigo caçador de cangaceiros e oficial da Polícia Militar da Paraíba. Segundo Seu Pedrosa, o coronel Benício morava em Pombal e ocasionalmente estes sertanejos afeitos as armas se encontravam nesta cidade para rememorar e conversar.

Outro local onde Quelé ocasionalmente visitava, era a região de Triunfo e Santa Cruz da Baixa Verde, em Pernambuco. Ali ele viveu momentos de muita tensão, mas não deixava de visitar amigos e parentes.

Conforme os anos foram passando o velho combatente ficou mais a vontade na cidade, frequentava bastante a igreja de Nossa Senhora do Rosário, passou a ser mais falante, mais tranquilo, mais alegre. Não tinha nenhum problema de narrar, como assim fez com várias pessoas, sobre suas andanças no cangaço, a entrada na polícia, a perseguição a cangaceiros e tinha um extremo orgulho em dizer que combateu Lampião em mais de 20 ocasiões distintas. Seu Zoroastro comentou que perdeu as contas em que o velho sargento vinha à casa de seu pai e narrava os episódios do passado. Quelé só não gostava de comentar sobre a “Guerra de Princesa”.

O problema é que suas histórias, para os ouvidos incautos, eram tão mirabolantes, tão incríveis, tão fantásticas, que muitos comentavam, principalmente os mais jovens, que o sargento Clementino Quelé era “mentiroso”. Já os mais velhos, que tinham escutado muito cantador de feira declamar em verso e prosa as peripécias daquele homem e diziam a moçada que tomassem cuidado, pois aquelas histórias eram totalmente reais. Tanto assim que ninguém nunca chegou na frente de Quelé para perguntar se o que ele falava era verdade ou não.

Uma situação que ele gostava de comentar e que tinha muito orgulho, foi o fato do seu filho Zacarias ter se tornado um alfaiate renomado na cidade e suas filhas não lhe darem problemas. Falava que sua família  “-Podia ser pobre, mas eram pessoas de bem e não se meteram em questões”.

Possível túmulo de Quelé

Clementino Furtado, segundo Seu Pedrosa, faleceu em 1955, ainda lúcido. Até o fim nunca deixou de andar com uma arma na cintura e tem certeza que ele morreu em paz.

Para as pessoas com quem conversei, ele era um homem normal, não deixava transparecer as perturbadoras experiências que viveu. Na opinião dos velhos moradores da Prata, que na época eram jovens, admiravam o antigo caçador de cangaceiros e ficavam extasiados com a memória das velhas lutas daquele valente, o grande fator de sua mudança foi a mulher Alice, verdadeiro porto de paz e tranquilidade em sua vida.

No dia do seu falecimento a cidade parou. Veio gente de toda a região e várias autoridades foram ao velório. Para nossos entrevistados todos sentiram a sua morte.

Seu filho Zacarias, suas filhas e o irmão Nezinho foram com o tempo para Campina Grande. Já Zé Quelé, apesar do seu problema com a justiça, nunca foi preso e ficou mesmo pela Prata.

Aqui o amigo Ary Prata, professor e escritor, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Cariri Paraibano. Um agradecimento especial pelo apoio na sua simpática cidade

Tentei encontrar seu atestado de óbito, ou alguma informação da data de seu falecimento no cemitério local, mas nada consegui.

As pessoas da região me apontaram um túmulo recentemente pintado, mas sem nenhuma indicação que ali seria o local de seu repouso eterno. Fotografei o local, mas sem uma comprovação eficiente, afora a palavra das pessoas desta simpática cidade.

Mas ocorre uma situação interessante.

Fiquei intrigado, pois sabia não haver mais familiares de Quelé na Prata, então quem conservava seu tumulo?

Comentaram-me que pelo respeito a sua pessoa, a sua história tão marcada pelas inúmeras lutas e pelos bons serviços que o velho combatente realizou na cidade, seu antigo túmulo é conservado pela comunidade.

MAIS UMA VEZ AGRADEÇO AO AMIGO ARY PRATA E AO ADVOGADO ANTÔNIO ELIAS DA SILVA, MAIS CONHECIDO COMO “TÔTA”. MEMBROS DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO CARIRI PARAIBANO . MUITO OBRIGADO PELO APOIO E ATENÇÃO.

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