O PAI DE ARIANO SUASSUNA – QUEM FOI JOÃO SUASSUNA, COMO SE DEU A SUA MORTE E COMO ESTE FATO INFLUENCIOU A VIDA E A OBRA DO SEU FILHO ARIANO

Rostand Medeiros – Escritor e pesquisador

Quando o escritor Ariano Suassuna faleceu em 23 de julho de 2014, muito de sua vida foi trazida ao conhecimento de milhares de brasileiros. Entre os muitos aspectos da biografia deste paraibano que marcou a história do Nordeste, um dos principais pontos abordados foi a importância da figura de seu pai, João Suassuna, em sua vida.

João Suassuna, pai de Ariano

Em inúmeros textos foi comentado, normalmente de maneira bem básica, que João Suassuna havia sido governador da Paraíba e que ele foi assassinado no ano de 1930, em meio às repercussões ocasionadas pela morte de João Pessoa e os acontecimentos políticos daquele período tumultuado da história do Brasil. Mas ao observamos com mais detalhes a figura do pai do grande escritor, que morreu quando Ariano tinha apenas três anos de idade, descobrimos uma história muito intensa, interessante e trágica!

Ariano Suassuna 1927 – 2014

O BACHAREL SERTANEJO

Há dez anos eu dei início a uma inacabada pesquisa por quatro estados nordestinos sobre a vida e morte do cangaceiro paraibano Chico Pereira. Esta motivação vinha do fato de ser imputado a este cangaceiro e seu bando, em fevereiro de 1927, o assalto a fazenda Rajada, em Acari, na região do Seridó Potiguar. Na época esta fazenda pertencia a Joaquim Paulino de Medeiros, meu bisavô e durante grande parte da minha juventude escutei inúmeras vezes os relatos deste episódio através de vários parentes queridos.

Fazenda Volta, zona rural de Catolé do Rocha, lugar onde viveram os primeiros membros da família Suassuna.

No desenrolar das pesquisas vi que a história de Francisco Pereira Dantas, o verdadeiro nome de Chico Pereira, possuía ligações com a trajetória política de João Suassuna. Até mesmo a sua morte, ocorrida em 1928 na zona rural de Currais Novos, em um rumoroso caso de violência estatal, que manchou a biografia do então governador potiguar Juvenal Lamartine de Farias, também possui ligações com o pai de Ariano.

Mas de maneira totalmente independente do fato de João Suassuna ser pai do autor de “Auto da Compadecida”, busquei conhecer mais sobre sua vida.

João Suassuna no início de sua carreira

Nascido João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassuna, veio ao mundo em Catolé do Rocha, Paraíba, no dia 16 de janeiro de 1886. Anos depois estudou na conceituada e tradicional Faculdade de Direito de Recife, onde se bacharelou em 1909. O início de sua carreira como advogado foi em Mossoró, no Rio Grande do Norte. Depois João Suassuna assumiu o posto de juiz nas cidades de Umbuzeiro e Campina Grande, ambas na Paraíba. Na sequência foi Procurador da Fazenda Nacional no seu estado natal.

Em 1 de dezembro de 1913, quando tinha 27 anos, casou com Rita de Cássia Vilar Suassuna, então com 17 anos, a quem chamava carinhosamente de Ritinha. Quando Castro Pinto esteve a frente do executivo paraibano (1912-1915), João Suassuna assumiu cargos de importância na máquina governamental.

Casa onde nasceu João Suassuna em Catolé do Rocha, que na época da foto era o Grupo Escolar Antônio Soares. Atualmente essa antiga casa não existe mais, foi demolida para a construção da nova sede da prefeitura dessa cidade paraibana.

Em 1917, após este período de governo, voltou a ser juiz, desta vez na cidade de Monteiro (PB). Foi nesta época que João Suassuna adquiriu uma propriedade chamada “Malhada da onça”, pra onde seguia ocasionalmente. A fazenda ficava em Desterro, local de nascimento de sua mulher, na época uma comunidade pertencente à cidade paraibana de Teixeira. Em 1919 deixou a magistratura e foi trabalhar no antigo Instituto Federal de Obras Contra as Secas – IFOCS e nesta época adquiriu a Fazenda Acauã, na época localizada na zona rural de cidade de Sousa[1].

Fazenda Acauã na atualidade – Fonte – http://artenapedrapolida.blogspot.com.br/

No começo da década de 1920, João Suassuna foi convidado pelo então governador Sólon de Lucena para assumir a Inspetoria do Tesouro do Estado, depois foi eleito deputado federal. Estava no exercício do mandato parlamentar no Rio de Janeiro, então Capital Federal, quando foi eleito “Presidente da Parahyba”, o que corresponde hoje ao cargo de governador.

O mandato de João Suassuna se caracterizou em grande parte por uma valorização das ações desenvolvidas pelos grandes latifundiários de terras do interior, possuidores de grandes riquezas baseadas no cultivo do algodão e na pecuária. Estes “coronéis” atuavam através de uma estrutura política arcaica, que se valia entre outras coisas do mandonismo, da utilização de grupo de jagunços armados, da conivência com grupos de cangaceiros e outras ações.

Foi nesta época, no palácio do governo da Paraíba, que servia de residência oficial do chefe do executivo daquele estado, mais precisamente no dia 16 de junho de 1927, que nasceu um dos nove filhos do casal João e Rita. Foi batizado como Ariano.

João Pessoa

João Suassuna entregou o cargo em 22 de outubro de 1928 a João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque e assumiu novamente uma das vagas de deputado federal pela Paraíba.

PROBLEMAS À VISTA!

João Pessoa discordava da forma como o grupo político que o elegera conduzia a política do seu estado e logo surgiram sérias divergências com os latifundiários. Um dos maiores embates estava na cobrança de taxas de exportação do algodão. Por esta época os coronéis exportavam o produto principalmente através do porto de Recife, provocando enormes perdas de divisas tributárias para a Paraíba. Procurando evitar esta sangria financeira e efetivamente cobrar os coronéis, João Pessoa implantou diversos postos de fiscalização nas fronteiras da Paraíba, irritando de tal forma estes caudilhos, que pejorativamente passaram a chamar o governador de “João Cancela”.

Os embates políticos entre o governador e os coronéis foram crescendo. A maior liderança entre estes poderosos foi sem dúvida o coronel José Pereira Lima. Verdadeiro imperador da região oeste da Paraíba, na área da fronteira com Pernambuco, tendo como base, a cidade de Princesa e este discordava com veemência das ações de João Pessoa. Do embate entre estes dois homens, resultou um dos maiores conflitos armados do Brasil Republicano.

Foto de 1930 – Sentado vemos Marcolino Florentino Diniz (conhecido como Marcolino Pereira Diniz, um dos líderes de Princesa, que era sobrinho e cunhado do coronel José Pereira. Em pé, da esquerda para direita, temos Pedro Inácio (proprietário de terras em Pernambuco), João Pereira e Pacífico Lopes (proprietários rurais), Joaquim Inácio (grande proprietário de terras no município pernambucano de Triunfo) e Chôcho (proprietário rural na localidade de Irerê, município de Princesa). Agradeço a atenção e participação de Natércia Suassuna Dutra, sobrinha-neta de João Suassuna, que enviou as informações aqui colocadas.

A contenda teve início em 28 de fevereiro de 1930, quando ocorreu a invasão da cidade de Teixeira por parte da polícia paraibana, com o aprisionamento dos membros da conceituada família Dantas, ligada por profundos laços de parentescos e interesses ao coronel José Pereira. Apesar de governador João Pessoa não contar com o apoio do Palácio do Catete, onde o titular, Washington Luís não viabilizou uma efetiva ajuda às forças policiais paraibanas, o governador paraibano foi à luta.

Em meio aos conflitos da chamada “Guerra de Princesa”, no dia 26 de julho de 1930, um sábado, João Pessoa estava na Confeitaria Glória, em Recife, quando foi atingido por dois disparos desfechados pelo advogado paraibano João Duarte Dantas.

Da mesma família Dantas da região de Teixeira, consta que após realizar uma viagem João Dantas encontrou seu escritório na capital paraibana violado. Entre os objetos roubados estavam cartas e poemas eróticos, além de fotografias sensuais, trocados com a sua amante, a poetisa Anayde Beiriz. Estes materiais teriam sido roubados por membros da polícia paraibana, sob as ordens de João Pessoa, sendo publicados e colocados em locais públicos. Diante dessa exibição João Dantas foi à confeitaria vingar a sua privacidade violada[2].

João Duarte Dantas

Após o crime, João Pessoa se tornou um grande herói para o povo paraibano e seu assassinato foi o estopim da conhecida Revolução de 1930. Neste meio tempo cresceu descontroladamente o radicalismo na Paraíba e muito sangue correu[3].

A PARTIDA

Por ser João Suassuna casado com uma prima de João Dantas, ter sido eleito deputado federal com o apoio dos Dantas da cidade de Teixeira e do coronel José Pereira, o pai de Ariano ficou na mira dos familiares, amigos e correligionários do falecido João Pessoa.

No dia da morte do então governador paraibano na Confeitaria Gloria, João Suassuna se encontrava no Recife. Já sua família, inclusive o menino Ariano de três anos, estava na capital paraibana, em uma casa alugada ao Dr. Mariano Falcão, na Rua das Trincheiras. Diante do aumento da tensão na capital, Rita Suassuna e seus nove filhos vão se refugiar no 22º Batalhão de Caçadores, ou 22º BC, atual 15º Batalhão de Infantaria Motorizada. Em pouco tempo João Suassuna conseguiu apoio do rico empresário Frederico João Lundgren e consegue apoio do Exército para trazer sua família para uma casa mobiliada, pertencente a este empresário e localizada na cidade pernambucana de Paulista. Um dado interessante foi que a escolta da família Suassuna era comandada pelo tenente Agildo Barata[4].  

João Pessoa morto

O deputado João Suassuna recebeu a comunicação que havia sido denunciado como cúmplice no assassinato de João Pessoa e teria que ir ao Rio de Janeiro para se defender na Câmara dos Deputados. No Porto do Recife ele embarcou no paquete “Zelândia” e lá estava toda a sua família para as despedidas. Mesmo tendo naquela ocasião apenas três anos de idade, Ariano Vilar Suassuna sempre relatou ao longo de sua vida que jamais esqueceu a partida do seu pai para a Capital Federal, pois aquela foi a última ocasião que o viu com vida. 

João Suassuna chegou a Capital Federal no dia 22 de outubro de 1930, se apresentou a Câmara Federal. Lá soube que tramitava na comissão de constituição e justiça um pedido do deputado pernambucano João Paes de Carvalho Barros, para que fosse concedida uma licença para abrir uma investigação sobre a participação de Suassuna como cúmplice no assassinato de João Pessoa. Logo o pedido foi indeferido pelo presidente da casa, o deputado federal João Santos[5].

TEMPO DE REVOLTA

Não tarda e a convulsão política eclode. A conhecida Revolução de 1930 teve seu início em 03 de outubro de 1930, uma sexta feira, com movimentos sincronizados que foram levados a efeito no Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais e Paraíba.

João Suassuna (com papéis e na mão), tendo ao seu lado esquerdo Washington Luís no Porto de Cabedelo, Paraíba.

Mesmo diante desta situação, o deputado João Suassuna se coloca ao lado do presidente Washington Luís, junto com mais de uma centena de políticos. Todos se encontraram na tarde do dia 4 de outubro no Palácio da Guanabara, atual sede do Governo do Estado do Rio de Janeiro, onde morava o mandatário que em breve seria deposto[6].

Os dias seguiam com mais notícias preocupantes vindas da Paraíba e de Pernambuco. Na capital paraibana, na madrugada do dia 4 de outubro, poucas horas após o movimento ter-se iniciado, os revolucionários atacaram o 22º BC e ali morreu o general legalista Alberto Lavenère Wanderley, comandante da 7ª Região Militar. Já o 23º BC da cidade de Sousa, opôs resistência aos revolucionários. Logo em seguida sublevaram-se o 25º BC de Teresina, o 24º BC de São Luís e o 29º BC de Natal.

Revolucionários de 1930 – Fonte – ultimosegundo.ig.com.br

Em Recife o movimento encontrou uma resistência maior por parte das forças legalistas, que haviam se colocado de prontidão ao surgirem notícias da revolução. A vitória dos revolucionários, contudo, foi garantida pelo apoio popular à insurreição, tendo ocorrido, inclusive, distribuição de armas aos populares. Já na manhã do dia 5 de outubro, o movimento havia triunfado em Pernambuco, antes mesmo que os reforços provenientes da Paraíba chegassem a Recife. No dia seguinte a posição dos revoltosos se consolidou quando o presidente do estado, Estácio Coimbra, abandonou o governo[7].

TIRO MORTAL

Enquanto as notícias das sublevações e lutas pelo Brasil afora preocupavam os cariocas e o governo Washington Luís seguia para seus últimos dias, João Suassuna se dividia entre saber notícias de sua família e a atividade parlamentar.

Nesta época o deputado paraibano morava no quarto 63, do Novo Hotel Belo Horizonte, localizado na Rua Riachuelo, 130, no bairro da Lapa.

Rua Riachuelo, em Botafogo, Rio de Janeiro – Fonte – http://www.rioquepassou.com.br

Suassuna tinha o hábito de sempre descer ao “hall” principal para ler os jornais ainda pela manhã. Naquela quinta feira, 9 de outubro de 1930, ele estava nesta atividade quando apareceu uma visita. Era o farmacêutico paraibano Caio Gusmão, que há quatro meses residia no Rio. Eram cerca de oito e quarenta da manhã, quando o deputado decidiu seguir junto com seu visitante para o Palácio Tiradentes, sede da Câmara Federal. Estava vestido de paletó de casimira cinza e sapatos pretos.

Os dois caminharam um bom trecho pela Rua Riachuelo, quando Suassuna  olhou para o céu e comentou…

 – Parece que vai chover e vou buscar minha capa no hotel!

Deu meia volta, avançou alguns passos, mas nesse momento foi atingido por um disparo de arma de fogo. Suassuna tentou sacar um revólver “Colt” que conduzia, mas caiu no chão já morto por apenas aquele único tiro. O fato ocorreu na altura do número 111, próximo a esquina com a Rua dos Inválidos[9].

Caio Gusmão nada pode fazer, o corpo ficou em decúbito dorsal, com o revólver do falecido ao lado e a sua mão manchada de sangue[10].

Logo encheu de gente. Rapidinho se espalhou a notícia sobre quem havia sofrido aquele atentado e o espanto dos transeuntes foi geral. Populares chamaram a “Assistência”, o SAMU da época, que logo chegou, mas nada puderam fazer em favor de João Suassuna.

Em pouco tempo o delegado do 12º Distrito Policial, o Dr. Eunápio Hardman Castello Branco, em companhia do comissário Antônio Pizarro de Morais, chegou ao local e depois vieram várias outras autoridades policiais. Das primeiras investigações descobriram que o assassino fugiu pela Rua Paula Matos, em direção ao Morro de Santa Tereza. Foi comentado aos policiais que o atirador possuía estatura mediana, vestia paletó branco, usava boné de casimira negra e calçava “tennis”[11].

Desde os primeiros momentos que os jornais cariocas apontavam que a razão do assassinato de João Suassuna era vingança pela morte de Joao Pessoa e mesmo com revoltas pipocando no país, os revolucionários de 1930 ainda não tinham conquistado a Capital Federal. Começou então a caçada ao assassino.

Inicialmente em uma vila, um policial encontrou um revólver de grosso calibre do tipo “buldogue” e uma pistola modelo “Liberty”. Além de toda a roupa utilizada pelo pistoleiro na hora do crime. Logo os investigadores perceberam pelas pistas deixadas que um cúmplice estava dando apoio ao matador.

Fosse pela importância de João Suassuna, ou por eficiência (ou uma soma destes dois fatores), o certo é que ás onze e meia da noite do dia 9 de outubro, policiais da 2ª Delegacia Auxiliar capturaram o assassino.

Este se chamava Miguel Alves de Souza e havia sido preso no grande sobrado que pertencia ao engenheiro Joaquim de Souza Leão, localizado na Rua São Clemente, 261, bairro de Botafogo, a poucos metros da tradicional Igreja e Colégio Santo Inácio. Assim foi preso Miguel Alves confessou o crime[12].

Este era paraibano de Alagoa Grande, tinha 30 anos, havia chegado ao Rio pelo vapor “Itapuy” no dia 18 de julho de 1929, trabalhava como tratador de cavalos de cavalos e depois se tornou empregado do engenheiro Joaquim de Souza Leão.

Em uma entrevista concedida ao jornalista Ricardo Farias, publicada no caderno especial do jornal paraibano “A União”, edição de 12 de fevereiro de 2013, página 3, Ariano Suassuna comentou que o assassino de seu pai foi preso na casa do concunhado de João Pessoa[13].

Provavelmente os algozes de João Suassuna tinham a ideia que a polícia carioca jamais concluiria que na casa de gente tão graúda, como a Dr. Joaquim de Souza Leão, encontrariam um elemento que havia matado covardemente um homem pelas costas.

TRAMA ASSASSINA

No dia 10 de outubro, enquanto as autoridades “apertavam” Miguel para ele dar conta do assassinato, no Senado Federal, para onde seguiu o corpo de João Suassuna, ocorreram várias homenagens.

O ex-governador potiguar, então senador, José Augusto Bezerra de Medeiros, proferiu um interessante discurso sobre a vida do falecido político paraibano. Houve uma missa de corpo presente, várias autoridades estiveram no velório e foram colocadas muitas coroas de flores. João Suassuna foi enterrado no túmulo número 611, no cemitério São João Batista, em Botafogo. Mas nem sua mulher e nenhum de seus nove filhos estiveram presentes!

Enquanto isso na delegacia, Miguel Alves de Souza confessou que recebeu o apoio de outro paraibano chamado Antônio Granjeiro. Este era carteiro dos Correios e Telégrafos no Rio, lhe forneceu as armas e apoiou na sua fuga. Granjeiro foi logo preso[14].

Os dois comparsas entregaram então Otacílio de Lucena Montenegro, um funcionário do Tribunal de Contas, como a pessoa que procurou Granjeiro, lhe deu o dinheiro para a compra das armas do crime e a ordem para procurar alguém disposto a apertar o gatilho.

E quem era Otacílio de Lucena Montenegro?

Na mesma entrevista concedida ao jornalista Ricardo Farias, do jornal paraibano “A União”, em fevereiro de 2013, Ariano Suassuna comentou que foi Otacílio quem intermediou junto a Granjeiro o assassinato de seu pai e que Otacílio era sobrinho do então coronel do Exército Aristarco Pessoa, irmão de João Pessoa[15].

Demorou mais alguns dias para prenderem Otacílio, mas ele foi finalmente detido na Tijuca. Para dirimir dúvidas, o investigador Silvio Terra fez uma acareação na 2ª Delegacia Auxiliar entre Otacílio, Granjeiro e Miguel Alves e para o policial ficou patente a participação de Otacílio. Mas este negou peremptoriamente quaqlquer envolvimento.

Para os policiais Antônio Granjeiro, homem pobre e com numerosa família (tinha onze filhos), era considerado “doentio e muito sugestionável” e as preleções de Otacílio, que entre outras coisas dizia “-Será que não existe um paraibano que seja capaz de vingar a morte de João Pessoa?” surtiram efeito desejado. Granjeiro foi atrás de Miguel e o crime ocorreu.

Entre outras acusações Granjeiro foi apontado como o homem que seguiu João Suassuna, conheceu sua rotina, comprou as duas armas usadas no crime e chegou a enviá-las para um armeiro quando foram detectadas defeitos nelas. Foi ele quem adquiriu a munição e no dia 7 de outubro, dois dias antes do crime, foi com Miguel Alves praticar tiro ao alvo nas margens da hoje superpovoada lagoa Rodrigo de Freitas, próximo ao Jóquei Clube do Rio.

Os três acusados, entre estes um carteiro e um tratador de animais, foram defendidos pelo ninguém menos que advogado Clóvis Dunshee de Abranches, considerado um dos maiores criminalistas do Brasil na época e famoso pelo rumoroso caso Sylvia Seraphin Thibau[16].

Mas nesta época nem foi tão necessário a participação de um jurista tão renomado para defender estes homens, pois logo os revolucionários chegaram ao Rio de Janeiro, depuseram o presidente e assumiram o poder. No vácuo institucional, em meio às alegrias da vitória, os três homens responsáveis pela morte de João Suassuna foram soltos[17].

EM BUSCA DE JUSTIÇA

Foi Rita Suassuna que não deixou a morte de seu marido cair no esquecimento.

Tempos depois ela enviou uma carta extremamente intensa e emocionada ao então Presidente Getúlio Vargas e este mandou reabrir o caso. Em pouco tempo a morte de João Suassuna voltou às páginas dos periódicos cariocas.

Antônio Granjeiro, esposa e filhos em 1933.

Foram decretadas as prisões de Antônio Granjeiro e Miguel Alves. O primeiro foi preso em casa, no Rio. O segundo foi capturado na Paraíba e recambiado de navio para a Capital Federal[18].

Já os autos do processo simplesmente haviam sumido. Para completar o quadro os jornais noticiaram que novos depoimentos alteraram a situação de Octacílio de Lucena Montenegro e ele sequer prestou mais algum depoimento[19].

O promotor Francisco Belizário Velloso Rabello se preparou para o julgamento acusando os réus de “assassinato premeditado e sem direito a defesa”. Apoiando a promotoria, a pedido de Rita Suassuna, estava o advogado e ex-senador paraibano José Gaudêncio[20].

Já o advogado Clóvis Dunshee de Abranches apresentou em favor dos réus a alegação que o crime por eles cometido “ocorreu em um período de intensa perturbação política devido à morte de João Pessoa” e isso gerou nos assassinos de João Suassuna “uma forte perturbação dos sentidos e da inteligência”[21].

O advogado Clovis Dunshee de Abranches.

Visando reforçar a defesa, o advogado Dunshee de Abranches conseguiu do “Centro Paraybano” no Rio de Janeiro, entidade de apoio aos paraibanos que viviam na Capital Federal, mas também servia de local de encontros políticos, uma carta em defesa dos réus. Produzida por Arthur Victor, presidente da instituição, a carta é uma longa peça acusatória contra João Suassuna, que mostra bem os processos da política radical daqueles tempos.

Entre outras coisas está descrito que Irineu José do Nascimento, padrasto de Miguel Alves, e um 1º sargento reformado da polícia paraibana, havia sido fuzilado “por ordem de João Suassuna”, deixando sua mãe e três irmãos no desamparo. Sua família foi obrigada a fugir para Pernambuco, onde sofreram “sérias perseguições” por parte de Estácio Coimbra, então governador daquele estado.

Já Antônio Granjeiro nasceu em 1888, chegou ao Rio em 1912, entrou nos Correios e Telégrafos e foi transferido para Diamantina (MG). Depois de retornar para o Rio começou a participar das atividades do “Centro Paraybano” e na época que iniciou os movimentos políticos contra o governo Washington Luís, o destemido Granjeiro era uma espécie de segurança e forte entusiasta pela causa liberal.

A carta do presidente do “Centro Paraybano” menciona um episódio envolvendo Granjeiro, na época que o corpo de João Pessoa chegou para ser enterrado ao Rio de Janeiro. Quando da passagem do féretro por uma grande avenida, em meio à multidão, o carteiro gritou a pleno pulmões um “De joelhos!” e docilmente se ajoelhou diante do caixão do governador assassinado e seu gesto seguido por muitos presentes. Aparentemente isso o tornou uma figura de destaque do “Centro Paraybano”[22].

O julgamento começou ao meio dia de uma quarta feira, 18 de novembro de 1931, sob a presidência do juiz Nelson Hungria. O corpo de jurados era formado por sete homens e, apesar da atenção que aquele júri despertava entre os cariocas, tudo ocorreu de forma rápida e os dois réus foram absolvidos por 5 a 2 e a promotoria recorreu[23].

NOVO JULGAMENTO

Em 8 de janeiro de 1933 houve um novo julgamento, desta vez sendo presidido pelo juiz Antônio Eugênio Magarinos Torres, tendo como promotor Rufino de Loy e novamente a frente da defesa o competente Clóvis Dunshee de Abranches. Percebemos que, tal como o julgamento ocorrido em 1931, este segundo embate jurídico atraiu a atenção dos cariocas, sendo francamente noticiado na imprensa local.

O juiz Arthur Eugênio Magarinos Torres Filho. Nasceu em Campos (RJ) em 16 de janeiro de 1889 e faleceu em 8 de julho de 1960 – Fonte – http://autorescampistas.blogspot.com.br/

O promotor Rufino fez uma longa acusação. Já o advogado de defesa, com enorme desenvoltura, busca destruir todos os argumentos da promotoria. Mostrou com extrema eloquência a sofrida história de vida dos réus, apontando-os como “nordestinos pobres”. Trás para o tribunal o clima de revolta e instabilidade política de outubro de 1930, torna a ler a carta do “Centro Paraybano” e coloca os réus fora da classe dos “criminosos vulgares”. Cita vários juristas, psiquiatras e médicos para explicar como as emoções políticas tinha haver com o assassinato de João Suassuna. Ele relembrou a epopeia dos “18 do Forte”, fazendo uma relação deste caso para justificar o clima emocional dos réus diante da morte de João Pessoa[24].

Dunshee de Abranches fez até mesmo considerações para o crime de regicídio. Em determinada hora, como era praxe no tribunal no Rio, houve a parada para o “chá”[25].

Depois do retorno e finalização dos debates, os jurados se recolheram para decidir o futuro dos réus. Em 30 minutos trouxeram para o juiz Magarinos Torres o “Veredictum”, condenando Miguel Aves de Souza há seis anos e Antônio Granjeiro a quatro anos de detenção[26].

O julgamento teve outros desdobramentos. A família Pessoa, através do filho de João Pessoa, o jornalista Epitácio Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, abriu fogo com suas baterias jurídicas, processando o promotor Rufino de Loy. Entre outras coisas consideradas um acinte pela família e ditas pelo promotor na tribuna, estava que os réus “eram conhecidos da família Pessoa”. Não sei o resultado deste processo.

A TROCA

Evidentemente que para Rita Suassuna o resultado do julgamento foi decepcionante, uma verdadeira lástima. Mas o pior foi a viúva de João Suassuna saber que Antônio Granjeiro passou pouco mais de um ano na cadeia e ainda conseguiu que os seus “serviços” pela causa liberal fossem “plenamente recompensados” com a sua liberdade. Mesmo condenado no tribunal, este verdadeiro “alpinista político”, que queria ascensão com o sangue alheio, foi reincorporado aos Correios e Telégrafos em junho de 1934 e voltou a sua primitiva função de carteiro no Rio de Janeiro.

Já o assassino Miguel Alves de Souza se perdeu no “oco do mundo”!

Na época a família Pessoa foi muito eficaz em criar em torno da morte de João Pessoa, toda uma condição de perpetuação da memória desta família na Paraíba. Começa que a atual denominação da capital paraibana é “João Pessoa”, fato único entre as capitais estaduais brasileiras. Depois basta fazer uma pequena pesquisa no Google e se percebe o alto número de ruas e logradouros com nomes e sobrenomes ligados a família do governador morto na Confeitaria Glória.

Foto provavelmente da década de 1960, onde mostr Rita Suassuna e seus filhos, da esquerda para direita, Ariano, Saulo, João, Lucas e Marcos.

Já Rita Suassuna, depois de várias mudanças e provações, levou seus filhos para a cidade de Taperoá, no sertão paraibano. Ali, em uma região onde isso era a praxe, lutou para que seus cinco filhos homens jamais partissem para vingar a morte do pai. Entretanto a família de João Suassuna sempre perpetuou a sua memória e isso se incorporou no jovem Ariano, mesmo com tão pouca idade na ocasião da morte de seu pai.

Mesmo sem saber mensurar o quanto o peso da morte de João Suassuna contribuiu para moldar o Ariano Suassuna escritor, eu creio que de certa maneira ele realizou a sua “vingança” através dos seus escritos.

Se a família Pessoa buscou se perpetuar em nomes de ruas e logradouros na Paraíba, certamente Ariano se imortalizou na mente e nos corações de milhões de paraibanos, nordestinos e brasileiros com as suas obras. O autor deste trabalho acredita que por muitas décadas e séculos no futuro, o nome e as obras de Ariano Suassuna serão obrigatórios para o entendimento do Nordeste.

Contudo, eu tenho certeza que ele, Ariano Vilar Suassuna, trocaria tudo o que conseguiu com as letras para ter tido a oportunidade de ter visto seu pai conhecer seus filhos, ter acompanhado a sua vida e estar ao lado de João Suassuna no dia de sua morte. 

VEJA NO TOK DE HISTÓRIA OUTRAS HISTÓRIAS SOBRE A PARAÍBA DAS DÉCADAS DE 1920 E 1930 

A REPERCUSSÃO DOS ATAQUES DO CANGACEIRO SINHÔ PEREIRA A PARAÍBA E A INFORMAÇÃO SE LAMPIÃO ESTEVE EM TERRAS POTIGUARES EM 1922 – https://tokdehistoria.com.br/2013/03/15/noticia-ruim-chega-ligeiro/

A HISTÓRIA DO TIROTEIO NO SÍTIO TATAÍRA E A INCRÍVEL RESISTÊNCIA DO CANGACEIRO MEIA-NOITE –https://tokdehistoria.com.br/2013/08/14/a-historia-do-tiroteio-no-sitio-tataira-e-a-incrivel-resistencia-do-cangaceiro-meia-noite/

A BATALHA DO CASARÃO DOS PATOS – https://tokdehistoria.com.br/2011/06/07/a-batalha-do-casarao-dos-patos/

BENTO QUIRINO, A VIOLÊNCIA NO SERTÃO DE OUTRORA E A BUSCA PELA HISTÓRIA

NOTAS  

——————————————————————————————————————–

[1] Em 1945 o antigo IFOCS passou a se chamar Departamento Nacional de Obras Contras as Secas – DNOCS. A Fazenda Acauã é um importante patrimônio histórico rural paraibano. Com 300 anos de história, é a mais antiga fazenda de gado e algodão do Sertão da Paraíba. Está localizado a 409 quilômetros da capital, atualmente se localiza na zona rural da cidade de Aparecida. Ariano Suassuna morou no casarão, durante parte de sua infância, e se inspirou em Acauã para escrever suas obras. Ver http://sednemmendes.blogspot.com.br/2013/05/visitando-o-sitio-historico-da-fazenda.html

[2] Segundo material existente no site www.http//pb1.com.br , o vereador Fernando Milanez, sobrinho-neto de João Pessoa, afirmou que a versão de que o assassinato teria sido um crime passional é um “absurdo”, porque, segundo ele, João Pessoa nem conhecia João Duarte Dantas. Para a família de João Pessoa, o ex-presidente foi vítima de ambição e mentira, e a causa do assassinato teria sido política. Independente do motivo, João Dantas, junto ao seu cunhado, Augusto Caldas, que não havia participado do crime, foram presos na Casa de Detenção do Recife. Em 6 de outubro de 1930, nos primeiros dias da Revolução de 1930, os dois teriam sido assassinados. A versão oficial indicou suicídio. Ver – http://pb1.com.br/noticias_dentro.php?pt1=898

[3] No início de 1929 ainda estava em vigência a conhecida “política do café com leite”, em que políticos de Minas Gerais e de São Paulo se alternavam na presidência da república. O então Presidente Washington Luís, indicou o governador São Paulo, Júlio Prestes, como seu sucessor. Apenas três estados negaram o apoio a Prestes: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. Os três se uniram a políticos de oposição de diversos estados e formaram, em agosto de 1929, um grupo de oposição denominado Aliança Liberal. No dia 20 de setembro do mesmo ano foram anunciados os candidatos oposicionistas às eleições presidenciais. Getúlio Vargas seria candidato a Presidente do Brasil e João Pessoa seria o candidato a vice-presidente. Após perder as eleições, que foram realizadas em março de 1930, a Aliança Liberal alegou que a vitória de Prestes era decorrente de fraudes. Ver – http://pb1.com.br/noticias_dentro.php?pt1=898

[4] O empresário pernambucano Frederico João Lundgren (1879-1946) foi uma espécie de desbravador em seu tempo. Tratado como coronel, gerou 22 filhos, teve várias mulheres e se tornou uma espécie de lenda do comércio ao levar tecidos e outras mercadorias a dezenas de pequenas cidades do interior do país. Herdeiro de uma tecelagem, Lundgren teve, em 1908, a ideia de criar uma cadeia de varejo pela qual pudesse vender seus produtos. Era o começo das conhecidas Casas Pernambucanas. Ver – http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0726/noticias/a-sobrevivente-m0053283 e https://tokdehistoria.com.br/2014/05/12/oxente-hitler-arquivos-e-documentos-mostram-que-os-nazistas-estiveram-na-paraiba/

[5] Ver jornal “O Paiz”, Rio de Janeiro, edição de 4 de outubro de 1930, página 4.

[6] Ver jornal “O Paiz”, Rio de Janeiro, edição de 5 de outubro de 1930, na 1ª página. Apesar do Palácio do Catete ser a antiga residência dos Presidentes da República, quando tomou posse Washington Luís decidiu residir no Palácio da Guanabara.

[7] Ver – http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_de_1930

[9] Este local fica bem próximo a atual sede da renomada Editora Folha Dirigida.

[10] Os jornais listam que além de sua aliança, de 200 mil réis em dinheiro, um relógio e abotoaduras de ouro, João Suassuna levava a licença para portar sua arma e alguns papéis. Entre estes uma carta fechada para a esposa.

[11] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 9 de outubro de 1930, 1ª página e o jornal “O Paiz”, Rio de Janeiro, edição de 10 de outubro de 1930, página 2. Desde os primeiros momentos as investigações ficaram a cargo do investigador Silvio Terra, figura lendária da polícia investigativa carioca, cujo nome atualmente batiza a Academia de Polícia Civil do Rio de Janeiro.

[12] Joaquim Souza Leão era um puro exemplo de um membro oriundo da mais alta elite agrária açucareira pernambucana. Era sobrinho de desembargador, de senador do Império, do Visconde de Campo Alegre e filho de Antônio de Souza Leão, rico fazendeiro pernambucano da região de Moreno e que havia recebido do Imperador Pedro II o título de Barão de Morenos. Um de seus filhos foi embaixador. Ver – http://morenoengenho.blogspot.com.br/

[13] Ver – http://issuu.com/auniao/docs/caderno_especial_parte_1

[14] Ver o jornal “O Paiz”, Rio de Janeiro, edição de 11 de outubro de 1930, página 2 e o jornal “Diário carioca”, Rio de Janeiro, edição de 7 de janeiro de 1933, 1ª página.

[15] Segundo Ariano Suassuna, na década de 1950, quando ele entrou na Faculdade de Direito de Recife, conheceu o filho do Joaquim Pessoa Cavalcante de Albuquerque, irmão de João Pessoa, que isentou o pai da morte de João Suassuna. Mas não o tio Aristarco Pessoa e nem a participação de Octacílio de Lucena Montenegro no crime. Ver – http://issuu.com/auniao/docs/caderno_especial_parte_1

[16] Sylvia Seraphin Thibau era uma jornalista, escritora e poetisa, era casada com o médico João Thibau Júnior e mãe de dois filhos. Sylvia foi acusada pelo jornal carioca “A Crítica” de ter traído o marido, mantendo um caso com o também médico Manuel Dias de Abreu, mais tarde inventor da abreugrafia. Irritada, ela foi à redação do jornal armada, para matar o editor, Mario Rodrigues, no dia 26 de novembro de 1929. Como Mário não estava no jornal, Sylvia acabou atirando no filho dele, o também jornalista Roberto. No local, assistindo ao crime, estava o irmão da vítima, Nelson Rodrigues, então com 17 anos. O processo criminal foi acompanhado por uma feroz campanha promovida pelo jornal, que chamava a ré de “literata do Mangue” e “cadela das pernas felpudas”. Seu julgamento foi o primeiro no Brasil a ser transmitido ao vivo pelo rádio. O advogado Clovis Dunshee de Abranches alegou que Sylvia havia se descontrolado por ter sido caluniada e conseguiu a sua absolvição. Ela suicidou-se em 1936, depois de abandonada por um tenente-aviador por quem havia se apaixonado. Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADlvia_Serafim_Thibau

[17] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 4 de novembro de 1930, página 9. Neste jornal temos uma longa declaração de Silvio Terra, se defendendo de acusações feitas por Octacílio de Lucena Montenegro através dos jornais. As acusações de Octávio apontam que este havia sido torturado pelos policiais para confessar sua participação na morte de Ariano Suassuna. Não encontrei a edição de jornal com a publicação de Octávio contra Silvio Terra. Mas encontrei a carta de defesa do investigador aos seus superiores e publicada nos jornais do Rio. Este investigador é muito claro, direto e contundente em suas afirmativas, além de negar veementemente o uso de tortura contra os detidos. O então coronel Bertoldo Klinger, líder revolucionário, elogiou o posicionamento do policial. Ver também “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 11 de julho de 1931, página 3.

[18] Miguel Alves estava incluso no crime previsto no Artigo 294, parágrafo 1º, com agravantes do Artigo 39, parágrafos 2º, 7º, 8º e 13º. Já Granjeiro era acusado nos mesmos artigos, acrescentando o artigo 18, parágrafo 3º. Lembrar que estas acusações faziam parte Código Penal anterior ao que atualmente está em vigência. Ver jornal “Diário de Notícias”, Rio de Janeiro, edição de 7 de janeiro de 1933, 1ª página.

[19] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 11 de julho de 1931, página 3. Os jornais da época não informam quem, quando e onde ocorreram estes depoimentos que livraram Octacílio de Lucena Montenegro deste processo. Nem comentam nada mais sobre o sumiço dos autos e sequer é mais comentado por qualquer razão o nome do Joaquim de Souza Leão como presumidamente envolvido no crime. Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 11 de julho de 1931, página 3.

[20] Ver jornal “A Esquerda”, Rio de Janeiro, edição de 21 de setembro de 1931, página 4.

[21] Ver jornal “Diário de Notícias”, Rio de Janeiro, edição de 19 de agosto de 1931, página 2.

[22] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 11 de setembro de 1931, página 3. Por mais estranha que esta história de ficar de joelhos diante do caixão de João Pessoa possa parecer, naquela época, naquelas circunstâncias, isso aconteceu de verdade. Na capital paraibana o nível de fanatismo em 1930 era tal, que se alguém tocasse em um local público uma certa música criada para homenagear o morto ilustre, e alguém gritasse um sonoro “De joelhos!”, aí de quem não cumprisse a ordem. Ou era surrado, ou preso! Em outros estados também ocorreram muitas manifestações radicais. No Rio Grande do Norte, como consequência direta das mudanças das mudanças políticas da Revolução de 1930, a campanha estadual de 1934 foi uma das mais violentas da história política potiguar, com vários mortos em meio a inúmeras arbitrariedades.

[23] Ver jornal “Diário Carioca”, Rio de Janeiro, edição de 19 de novembro de 1931, página 3. É interessante comentar sobre o juiz Nelson Hungria Hoffbauer. Este nasceu em Além Paraíba, Minas Gerais, em 1891, iniciou sua vida pública como promotor de Rio Pomba, em seu estado natal. Nomeado juiz em 1924, foi magistrado por 46 anos, tendo sido nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal em 1951, do qual chegou à presidência e se aposentou em 1961. Hungria é tido como um dos luminares de nossa cultura jurídico-penal, onde deixou escrito 17 obras e 150 monografias. Foi considerado o líder intelectual da redação do Código Penal de 1940, além de ter participado da elaboração do Código de Processo Penal, da Lei de Contravenções Penais e ainda da Lei de Economia Popular. Seus Comentários ao Código Penal (8 volumes) influenciaram gerações de juristas brasileiros e constituíram referência obrigatória para a compreensão de nosso sistema jurídico penal. Ver –  http://www.memorial.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=114

[24] A Revolta dos 18 do Forte de Copacabana foi uma revolta tenentista ocorrida na cidade do Rio de Janeiro em 5 de julho de 1922. Foi a primeira revolta tenentista da República Velha. Teve a participação de 17 militares e um civil. Suas causas principais estão no descontentamento dos tenentes com o monopólio político do poder no Brasil por parte das oligarquias (principalmente ricos fazendeiros) de Minas Gerais e São Paulo. Embora o movimento tivesse sido planejado em várias unidades militares, somente o Forte de Copacabana e a Escola Militar se levantaram no dia 5 de julho de 1922. O forte foi bombardeado e a rendição dos rebeldes foi exigida.  O tenente Siqueira Campos e um grupo de militares rebeldes pegaram armas e marcharam pelas ruas em direção ao Palácio do Catete (sede do governo federal na época). Durante a marcha alguns militares desistiram, ficando apenas 17 que receberam o apoio na rua de um civil, totalizando 18. Os rebeldes foram cercados pela tropa do Governo Federal. Após forte tiroteio em frente ao posto 3 da praia de Copacabana, somente Siqueira Campos e Eduardo Gomes sobreviveram e foram presos. Os outros dezesseis integrantes do movimento foram mortos no combate.

[25] Regicídio é o assassinato de um rei, seu consorte, de um príncipe herdeiro ou de outras formas de regentes, como presidentes e primeiro ministros. Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Regic%C3%ADdio

[26] Ver o periódico “Diário de Notícias”, Rio de Janeiro, nas edições de 7 e 8 de janeiro de 1933, sempre nas 1ª páginas. Igualmente ver o jornal “Diário Carioca”, Rio de Janeiro, edição de 7 de janeiro de 1933, 1ª e 5º páginas.

1928 – A HISTÓRIA DO PRIMEIRO VOO SOBRE O SERIDÓ E A INAUGURAÇÃO DOS CAMPOS DE POUSO DE ACARI E CAICÓ

Qual a Razão Para a Construção desses Campos de Pouso? Como Se Deu Esses Eventos? Quem Pilotou o Avião e Que Aeronave Era Essa?

Rostand Medeiros – Escritor e Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Campo dos Franceses em Parnamirim e o avião Breguet XIV AV2, matricula F-AGBV, número 306, o experiente aviador André Depecker, que levou o governador Juvenal Lamartine ao Seridó em 1928.

Eram nove e meia da manhã de uma quarta-feira ensolarada e em uma cidade do sertão potiguar uma multidão não parava de observar o céu. Estavam todos atentos ao surgimento de algo diferente daquilo que normalmente divisavam no horizonte, as desejadas nuvens de chuva.

Estamos no dia 16 de agosto de 1928, na centenária cidade de Acari, região do Seridó, onde a maioria dos seus habitantes se concentrava em uma área a alguma distância do centro da pequena urbe. Um local que até recentemente era apenas mato. Logo circulava de boca em boca no meio da multidão, que na cidade o dedicado telegrafista Mário Gonçalves de Medeiros havia recebido uma mensagem dando conta que o governador potiguar Juvenal Lamartine de Faria estava a caminho.

E os acarienses continuavam olhando para o alto, pois dessa vez aquela autoridade não chegaria de automóvel, vindo pela Rodagem, mas estaria entre seus amigos desembarcando de um moderno avião. A primeira aeronave a voar pelo interior do Rio Grande do Norte.

Aquele era o momento da inauguração do campo de pouso de Acari, um acontecimento que era visto com extremo orgulho por todos na cidade e apontava para interessantes possibilidades de progresso.

Acari era a primeira cidade potiguar a ter esse tipo de benfeitoria inaugurada pelo governador Lamartine. Sendo uma obra construída pela comunidade, com assessoria do governo do estado, tendo a frente dos trabalhos os fazendeiros Cipriano Bezerra Galvão Santa Rosa e Cipriano Pereira de Araújo. Além de Acari, ainda naquele dia 16 de agosto o governador Lamartine seguiria para Caicó, a maior e mais importante cidade da região, para inaugurar o campo de pouso local. Uma grande e detalhada reportagem do jornal natalense A República (18/08/1928), foi publicada em sua primeira página sobre a construção desses campos e como ocorreram esses eventos.

Circulavam pela pista de terra dos mais abastados aos mais humildes acarienses e seridoenses. Veio gente das povoações de Carnaúba, Cruzeta, São José e outros das vizinhas cidades de Currais Novos, Jardim do Seridó, Parelhas e até de mais distante. Homens, mulheres, crianças e idosos com seus cabelos prateados se misturavam aos vaqueiros com chapéus de couros, que orgulhosamente passeavam em seus cavalos. Estes últimos circulavam ao lado dos automóveis dos coronéis, que traziam seus familiares para ver o progresso vindo dos céus.

Em meio à agonia da espera, alguns comentaram Mário Gonçalves de Medeiros havia recebido novas informações da passagem do avião sobre as cidades de Macaíba, Santa Cruz e Currais Novos.

O Avião Está Chegando

Realmente para os potiguares da época, todo aquele movimento aviatório era um assombro. Nem fazia tanto tempo assim, quase seis anos, quando o hidroavião com Euclides Pinto Martins e alguns norte-americanos, conhecido em Natal como “Libélula de Aço”, tinham sido a primeira aeronave a sobrevoar o Rio Grande do Norte e a visitar a capital. Logo vieram outras aeronaves, como um hidroavião branco que sobrevoou Natal e depois baixou no Rio Curimataú, perto de Canguaretama, sendo pilotado por um argentino chamado Ollivieri. Na sequência a capital potiguar recebeu os hidroaviões do italiano De Pinedo, do português Sarmento de Beires e a esquadrilha de três aeronaves da aviação do exército dos Estados Unidos.

Hidroavião da esquadrilha Dargue, que esteve em Natal em 1927.

Mas o que verdadeiramente encheu os potiguares de orgulho e enlouqueceu a capital foi à chegada do hidroavião brasileiro Jahú, pintado de vermelho e pilotado pelo paulista João Ribeiro de Barros. Mesmo com todos os problemas ligados a esse “Raid”, os potiguares quase explodiram de satisfação ao saber que eram os primeiros brasileiros a receber aquele hidroavião em nosso território continental.

Não demorou a circular a notícia que os franceses estavam construindo um campo de pouso em um lugar chamado Parnamirim, não muito distante de Natal. E em outubro de 1927 aquele local foi palco de um verdadeiro prodígio – Um avião francês atravessou o Atlântico com o piloto Dieudonné Costes e seu companheiro Joseph Le Brix e aterrissou em Parnamirim, depois de terem partido de Paris apenas dois dias antes. No mês anterior ao da inauguração dos campos no Seridó, os italianos Arturo Ferrarin e Carlo Del Prete tinham descido em uma praia perto de Touros, depois partirem de Roma e voar sem escalas entre a Europa e a América do Sul.

População de Touros (RN) empurrando o avião S.64 de Ferrarin e Del Prete até a vila de pescadores.

Aquelas notícias corriam por todo Rio Grande do Norte. Mesmo com muitos sertanejos sem compreender totalmente seu significado, só o fato de saber que modernas aeronaves vindas do outro lado do mundo tinham como destino a sua terra, o seu estado, era algo que criava um clima diferente, positivo e intenso.

No caso de Acari, quando chegaram os homens do governo para elaborar a construção da pista do campo de pouso, tendo a frente o capitão-tenente aviador naval Djalma Fontes Cordovil Petit, o falatório e a curiosidade foram gerais. Agora, naquela ensolarada manhã de quarta-feira, ali no campo de pouso, todos aguardavam o governador Juvenal Lamartine para inaugurar aquela obra.

Djalma Petit e Juvenal Lamartine. Foto da Revista Cigarra. Fonte-http://peryserranegra.blogspot.com

Quando faltavam cerca de dez minutos para as dez, alguém viu ao longe um avião pintado de branco e o frêmito da multidão foi geral. Primeiramente a máquina sobrevoou algumas vezes Acari e logo, com extrema maestria e para assombro de todos os presentes no campo de pouso, o “bicho” passou baixo e roncando forte. Deu para ver o piloto acenando e umas letras pintadas de preto na lateral da máquina voadora. Aí o avião deu uma volta e passou de novo sobre a pista, como querendo observar o lugar para ter segurança para pousar. Não demorou e o piloto aterrissou seu avião com perfeição, mas levantou uma poeira danada.

Chegada do Breguet no campo de pouso de Acari em 15 de agosto de 1928.

A máquina rodou pela pista que tinha 500 metros de extensão, por 150 de largura. Foi aos poucos desacelerando e parou. Quando o governador Lamartine surgiu com um gorro de piloto, a multidão estourou em aplausos.

Juvenal e a Aviação  

Mesmo tendo nascido na cidade potiguar de Serra Negra do Norte, mais precisamente na fazenda Rolinha, Juvenal Lamartine cultivou uma relação muito próxima com Acari, terra de sua mulher Silvina Bezerra de Araújo Galvão. Ali foi juiz de direito por sete anos, tinha muitos amigos e a região era seu principal reduto eleitoral.

Festividade em Natal para os aviadores italianos Ferrarin e Del Prete. Da esquerda para direita vemos o Cônsul italiano em Recife, Arturo Ferrarin, Juvenal Lamartine, Carlo del Prete e a cientista Berta Lutz.

Homem inteligente, culto e vivaz, Lamartine certamente foi um dos primeiros potiguares a perceber as vantagens positivas que a localização do Rio Grande do Norte trazia para a incipiente indústria da aviação. Quando assumiu o governo potiguar em janeiro de 1928, Lamartine propagava um forte discurso desenvolvimentista, utilizando como exemplo a aviação em terras potiguares. Imaginava Lamartine que em pouco tempo o Rio Grande do Norte, bastante carente de ligações rodoviárias e ferroviárias, poderia ter na aviação uma maneira de ligar mais rapidamente seus extremos. 

Entre seus feitos nessa área podemos listar o total apoio às empresas aéreas estrangeiras que aqui se instalaram, a criação de um aeroclube e de uma escola de aviação em Natal e a construção de campos de pouso em cidades do interior.

Mesmo com toda sua inteligência e capacidade, Juvenal era um homem do seu tempo e do seu lugar. Não foi surpresa ele apoiar e incentivar fortemente a criação nas cidades de Acari e Caicó dos primeiros campos de pouso no sertão. No futuro aqueles locais poderiam até nem receber mais aeronaves, mas realizar aquelas inaugurações, diante de sua gente e chegando dos céus em uma aeronave estrangeira, era algo que não tinha preço.

De Cavalo de Batalha na Primeira Guerra, Para o Sucesso no Uso Civil

Já o avião biplano que transportou o governador era de fabricação francesa, chamado Breguet XIV AV2, desenvolvido inicialmente como avião militar na Primeira Guerra Mundial.

O engenheiro Louis Charles Breguet- Fonte – https://m.mgronline.com/general/detail/9610000054741

Seu idealizador foi o engenheiro Louis Charles Breguet, que no início de 1916 propôs as forças armadas francesas o desenvolvimento de um grande biplano monomotor de dois lugares, chamado Breguet AV. O protótipo AV1 voou pela primeira vez em 21 de novembro de 1916, com um motor de 250 hp e se mostrou extremamente bem sucedido. Essa aeronave podia levar uma carga de 730 kg, se elevando aos 6.500 metros de altitude em alguns minutos e atingindo a velocidade máxima de 175 km/h, feito que poucos aviões de caça da época poderiam alcançar. Breguet então decide ampliar a capacidade de motorização de sua nova aeronave para 275 hp e nasce o protótipo AV2, que incorpora dois tanques de combustível de 130 litros e um tanque de óleo (20 litros) no lado direito do motor.

Assim que os testes oficiais do AV2 foram concluídos em janeiro de 1917, ele é batizado de Breguet XIV e 508 unidades foram encomendados pelos franceses. O resultado geral é bastante positivo e a nova aeronave se torna um verdadeiro “Cavalo de batalha” da aviação francesa nos últimos anos da Primeira Guerra. Logo surge uma versão de bombardeio de dois lugares, equipada com motor V12 Renault, de 300 cv. Mais de 1.500 aeronaves são encomendadas a Louis Breguet, que também foi vendida para a aviação militar belga e para a Força Expedicionária Americana. Em abril desse ano Louis Breguet consegue entregar aos seus clientes quatro unidades dessa aeronave por dia e 2.000 aviões estão em serviço no final da guerra, com versões que incluem aviões de treinamento, bombardeiro de longo alcance, transporte de feridos e uma versão equipada com flutuadores.

Breguet XIV AV2 da aviação militar francesa – Fonte – http://wp.scn.ru/ru/ww1/b/48/21/0

Em fevereiro de 1919, Louis Breguet e outros sócios fundam a Compagnie des Messageries Aériennes (CMA), cuja linha principal liga Paris a Londres. Essa empresa aérea civil opera entre 1919 e 1923 e os aviões militares Breguet XIV A2 são usados com tanques adicionais e recipientes colocados sob as asas para transportar malas postais entre Paris, Bruxelas e Londres. O uso pela CMA desses aviões mostram suas vantagens e qualidades para a aviação civil. Logo outra empresa aérea francesa vai utilizar o mesmo avião com esse fim, principalmente do outro lado do Oceano Atlântico.

Breguet XIV AV2 da Latécoère na França.

Durante a Primeira Guerra Mundial o visionário Pierre Georges Latécoère, decidiu transformar sua fábrica de vagões em um centro de produção aeronáutica. Em 1918, com a paz restaurada e percebendo a urgência de acelerar a comunicação entre os países, Latécoère cria em 1º de setembro de 1919 uma linha aérea regular para transportar o correio entre a França e o Marrocos, cujo voo inicial foi realizado pelo piloto Didier Daurat, diretor das linhas Latécoère, em um Breguet XIV A2. Depois a linha, ou “La Ligne”, como os franceses a denominavam, chegou a Dacar, na antiga África Ocidental Francesa e hoje capital do Senegal. Na sequência Daurat recrutou pilotos como Jean Mermoz, Henri Guillaumet, Antoine Saint-Exupéry e André Depecker.

Em abril de 1927 Pierre Georges Latécoère cedeu a linha aérea à Marcel Bouillioux-Lafont, investidor francês radicado na América do Sul. A razão social da empresa passou a ser Compagnie Générale Aéropostale (CGA).

Marcel Bouilloux-Lafont

Lafont tinha planos ambiciosos, com a ideia de criar uma grande linha aérea postal de Toulouse, Casablanca, Dacar e daí para Natal, Rio de Janeiro, Buenos Aires e Santiago do Chile. Nesta ideia empreendedora, ainda em julho de 1927, vindo do Rio de Janeiro, chega a capital potiguar um avião Breguet pilotado pelo francês Paul Vachet e mais dois companheiros. Eles vêm para implantar em um descampado conhecido como Parnamirim, o primeiro aeródromo do Rio Grande do Norte. Fato que comentamos anteriormente.

Paul Vachet, terceiro a partir da esquerda, realiza o reconhecimento completo e detalhado da linha Buenos Aires até Natal – Fonte – http://sterlingnumismatic.blogspot.com/2010/05/latecoere-aeropostale-air-france.html

Em 1 de março de 1928 foi inaugurado o primeiro serviço aeropostal entre a França e a América do Sul. Nesta operação os aviões partiam de Paris até Dacar, onde os malotes com correspondências eram então embarcados em navios pequenos e bastante velozes conhecidos como “Avisos Postais”, ou “Avisos Rápidos”, que atravessavam da África até Natal. Depois eram embarcados em aviões para o sul do país.

Como no Brasil basicamente as rotas aéreas dos franceses percorriam o litoral, certamente eles jamais pousariam com alguma regularidade em Acari, Caicó ou algum outro campo de pouso que viessem a ser criado no interior do Rio Grande do Norte. Mas não era nenhum prejuízo para esses estrangeiros realizar aquele voo e satisfazer o governador Lamartine naquela viagem ao Seridó. Contanto que este continuasse colaborando com seus interesses em terras potiguares. Percebi que a Compagnie Générale Aéropostale deu muita importância no apoio àqueles eventos, pois além do piloto e Juvenal Lamartine, seguia no avião George Piron, diretor da empresa francesa em Natal.

O Primeiro Piloto a Sobrevoar o Sertão Potiguar

E para ocasião festiva em Acari e Caicó foi convocado para pilotar o Breguet XIV A2, matricula F-AGBV, número 306, o experiente aviador André Depecker, um dos melhores da Aéropostale, com anos de atuação no transporte de correio aéreo e de passageiros na Europa, África Ocidental e América do Sul. Além de tudo isso, Depecker era um dos pilotos franceses mais populares e conhecidos em Natal.

Detalhe do avião Breguet.

Realmente aquela missão tinha de contar com um piloto como Depecker. Até aquela data nenhuma aeronave havia sobrevoado o sertão do Seridó e nem aterrissado nas cidades de Acari e Caicó. Ele tinha experiência suficiente para voar com mapas simples e poucas referências, seguindo adiante basicamente no visual. É possível que Juvenal Lamartine tenha ajudado Depecker na orientação do caminho a seguir para Acari, pois no passado já havia realizado várias viagens no lombo de burros entre o Seridó e Natal, conhecia bem as referências do caminho por terra e falava fluentemente francês.

André Depecker nasceu em 1904, na cidade de Hautmont, extremo norte da França, não muito distante da fronteira com a Bélgica. Ele tinha apenas dez anos de idade quando estourou a Primeira Guerra Mundial. Não sabemos se sua família foi atingida diretamente pelo conflito, mas sabemos que sua cidade esteva na zona ocupada pelas tropas alemãs e só foi libertada pelos ingleses em novembro de 1918.

André Depecker.

Sobre aspectos de sua vida e sua entrada na aviação, nada conseguimos apurar. Mas nos antigos jornais sempre encontramos várias notas elogiosas sobre seu trabalho, atuação e caráter.

O conceituado crítico de arte Antônio Bento de Araújo Lima, que se criou na fazenda Bom Jardim, em Goianinha, Rio Grande do Norte, registrou no Diário Carioca (12/11/1935-P.6) como havia sido seu primeiro voo, seguindo a rota entre Natal e o Rio de Janeiro, cujo piloto foi André Depecker. Para Bento o voo foi fenomenal, onde ele teve a oportunidade de sobrevoar o Rio durante a noite, “fantasticamente iluminado”, em condições atmosféricas perfeitas. O passageiro classificou o piloto francês como “Forte, calmo, corajoso e ao mesmo tempo de uma prudência incomparável”.  Segundo o periódico recifense Jornal Pequeno (14/04/1930-P.1) Depecker foi condecorado em abril de 1930 pela Societé Aeronautique de France, em decorrência do apoio prestado aos aviadores italianos Ferrarin e Del Prete em Touros.

O francês parece que gostou muito do Brasil, tendo um carinho muito especial pelo Rio Grande do Norte. Em 2007 eu realizei uma entrevista com o escritor Oswaldo Lamartine de Faria, filho do governador Juvenal Lamartine e que na juventude conheceu vários pilotos franceses que estiveram em Natal, pois sua casa no bairro de Petrópolis era próxima do local que alojava esses aviadores. Oswaldo Lamartine me disse que André Depecker havia se apaixonado ardorosamente por uma jovem da cidade de São José de Mipibu. Meu entrevistado não sabia a situação anterior dessa mulher, mas sabe que o francês montou uma casa para ela, onde se encontravam quando ele aqui escalava. O fato chamou tanta atenção na provinciana e pequena cidade, que essa mulher foi apelidada de “Maria de Depecker” e até uma música de carnaval foi para ela criada.

Avião em que pereceu André Depecker.

Anos depois, em 5 de novembro de 1935, vamos encontrar André Depecker pilotando um avião Latécoère 28, prefixo F-AJIQ. Segundo o Diário Carioca (06/11/1935-P.1) junto com ele seguiam os franceses Joseph Le Duigou, operador de rádio, Auguste Morel, engenheiro de voo, e Fernand Clavere, navegador. A aeronave procedia de Buenos Aires, Argentina, com escala em Montevideo, Uruguai, pousando nos principais aeródromos ao longo da costa brasileira e tendo como destino Natal. O Latécoère 28 transportava quilos de correspondências destinadas a Europa. Após a partida de Salvador a equipe confirmou pelo rádio que tudo estava indo bem a bordo. Algum tempo depois, no que se acredita ser o litoral do atual município baiano de Conde, o avião caiu no mar em circunstâncias até hoje desconhecidas. Os destroços da aeronave e os quatro corpos foram encontrados, bem como algumas malas postais.

Juvenal Lamartine em Acari

Segundo a reportagem de A República (18/08/1928), após Juvenal Lamartine, George Piron e André Depecker desembarcarem do Breguet XIV A2 no campo de pouso de Acari, foram recebidos por várias autoridades. Entre estes se encontravam o Coronel Felinto Elísio (de Jardim do Seridó e presidente da Assembleia Legislativa), o Padre Bianor Aranha e o Dr. Eurico Montenegro (juiz de direito de Acari). Logo se sucederam vários discursos.

Na sequência foi formado um grande corso de automóveis e todos seguiram para a residência de Cipriano Pereira de Araújo, onde foi oferecido um almoço aos presentes. No final do banquete Juvenal Lamartine levantou um brinde para Terezinha, filha do seu amigo Cipriano.

Após esse almoço o grupo seguiu para a sede da Presidência da Intendência, onde foi realizada uma cerimônia de incentivo ao sufrágio feminino no Rio Grande do Norte, que contou com a presença da cientista paulista Betha Maria Julia Lutz, ativista feminina, grande incentivadora do voto feminino. Sobre esse interessante evento eu comentarei em uma futura postagem do nosso TOK DE HISTÓRIA.

Martha Maria de Medeiros

Entre os seridoenses que vieram testemunhar o fato estava Marta Maria de Medeiros, professora formada na Escola Doméstica de Natal e filha do fazendeiro Joaquim Paulino de Medeiros, conhecido por todos em sua região como Coronel Quincó da Ramada, e de Maria Florentina de Jesus. Marta vivia com os pais na Fazenda Rajada, que ficava próximo da grande e bela serra homônima e do povoado de Carnaúba, atual município de Carnaúba dos Dantas. A professora era uma admiradora do governador Lamartine, com quem sua família tinha ótimas relações. Marta havia seguido o chamamento do governador quando ele pediu que jovens senhoritas potiguares, que possuíam determinado nível de instrução, se inscrevessem para a concessão de títulos eleitorais, os primeiros da América do Sul. Ela se inscreveu oficialmente em Acari no dia 10 de dezembro de 1927, tornando-a a quarta eleitora do Rio Grande do Norte e a primeira da região do Seridó. Inclusive foi Marta Medeiros quem recebeu Bertha Lutz em Acari, conforme comentarei futuramente.

O autor dessas linhas, quando ainda era um simples estudante, teve o privilégio e a honra de ouvir Marta Maria de Medeiros, minha tia-avó, narrar a sua visão da inesquecível chegada desse avião em Acari.

Chegada em Caicó

Somente às três da tarde os tripulantes retornaram ao avião Breguet, em meio a muitos aplausos dos presentes, e partiram de Acari para Caicó,.

Após 30 minutos de voo a aeronave francesa sobrevoou Caicó e depois seu campo de pouso. A aterrissagem, segundo o jornal A República, foi dificultada pelas pequenas dimensões do campo de pouso, que teve a frente dos trabalhos de construção o Coronel Celso Dantas. Mas o pássaro de aço francês aterrissou em segurança. Segundo Antônio Luís de Medeiros, competente genealogista potiguar e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, as dimensões desse antigo campo de pouso em Caicó eram reduzidas e ficava localizado próximo da estrada que segue para Jardim do Seridó, numa área conhecida como Baixa do Arroz, não muito longe da área onde se localiza atualmente o Açude Itans.

Juvenal Lamartine, na inauguração do campo de pouso em Caicó.

Após deixarem a aeronave, tal como em Acari, começaram os discursos e aplausos. Segundo A República o empresário caicoense Renato Dantas realizou um elogio a André Depecker, comentando que o francês havia realizado uma pilotagem competente, por uma região “nunca dantes navegada”.

Eles ficaram hospedados na casa de Celso Dantas e a noite todos participaram de um evento em homenagem ao governador e a ativista Betha Lutz, que chegou a Caicó de automóvel.

Segundo o jornal natalense A República (18/08/1928), no outro dia pela manhã o Breguet decolou e pousou novamente em Acari, onde esteve na Escola Tomaz de Araújo, onde foi recebido pela professora Iracema Lopes Brandão, que pronunciou um discurso. À tarde o Breguet retornou a Natal.

AS GRUTAS DA FAZENDA COLÔNIA

Rostand Medeiros – Escritor e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Uma viagem de pesquisa sobre a vida do cangaceiro Antonio Silvino, o grande bandoleiro das caatingas.

O cangaceiro Antônio Silvino

Para quem gosta da história da região Nordeste, um convite destes é tentador e seguimos para o sertão de Pernambuco, mais precisamente na região do Pajeú, área de onde surgiram os maiores expoentes do movimento de banditismo rural, que ficaria conhecido como cangaço.

A primeira parte da nossa pesquisa buscava conhecer o local de nascimento de Manoel Batista Moraes, este o nome verdadeiro de Antonio Silvino, procurando assim conhecer suas origens e entender a sua trajetória. A informação que possuía era que o cangaceiro havia nascido em uma fazenda chamada Colônia, que estaria na zona rural da cidade pernambucana de Afogados da Ingazeira. A partir desta cidade soubemos que a fazenda Colônia se localizava próxima a um distrito chamado Ibitiranga, já em território do município de Carnaíba, ainda em Pernambuco, a apenas quatro quilômetros da fronteira com o município paraibano de Tavares.

A história do cangaceiro Antônio Silvino se inicia quando seu pai, o fazendeiro Pedro Batista Rufino de Almeida, conhecido como “Batistão”, é assassinado por Desidério José Ramos e membros de sua família, em 3 de janeiro de 1897. Meses depois, escandalosamente os assassinos de “Batistão” são absolvidos em um júri controlado por famílias poderosas que apoiavam os Ramos. A família de Antonio Silvino impetra uma apelação, os acusados são recambiados para a Casa de Detenção, em Recife. Quando os assassinos do fazendeiro são novamente trazidos escoltados para a região, para enfrentarem um novo júri, o policial que comandava o grupo facilitou a fuga de todos. Revoltado o jovem Manoel Batista de Moraes, então com 23 anos, e outro irmão, buscam fazer justiça com as próprias mãos. Eles entram no bando de cangaceiros de um parente conhecido como Silvino Aires para conseguir sua vingança.

Fazenda Colônia. Foto-Alex Gomes

Um ano depois Silvino Aires é preso e Manoel Batista assume o bando, passando a ser conhecido como Antônio Silvino. Antônio em homenagem ao santo de devoção, o mesmo da capela da fazenda Colônia e Silvino em homenagem ao parente que o adotou nas hostes cangaceiras e de quem herdou o bando em 1898, iniciando sua vida de estripulias.

Seguimos em nossa busca a vida deste homem por estradas de terra em bom estado, até Ibitiranga, onde logo encontramos uma pessoa que se colocou a disposição para nos mostrar o caminho até a fazenda Colônia. Conforme nos aproximávamos do local, já avistávamos três grandes serras de granito, uma delas chamada de Serra da Colônia.

Cobertas com farta vegetação, juntas formavam uma espécie de “ferradura”, onde na base desta se encontra a fazenda. Logo percebemos que só havia uma entrada e uma saída daquele local e observamos que quem estivesse no alto daquelas elevações teria total condição de monitorar a chegada de estranhos.

Em meio a uma paisagem muito bonita fomos seguindo e vendo surgir algumas habitações que a distância já se apresentava imponentes.

Para nossa surpresa, pensávamos encontrar uma fazenda acanhada, simples, sem maiores demonstrações de riqueza. Encontramos na verdade quatro antigas e bem preservadas edificações, que claramente nós mostrava que a origem de Manuel Batista Moraes, não era tão singela ou humilde como imaginávamos.

Na entrada da fazenda, recebendo os visitantes, tínhamos uma casa onde ainda existe uma imponente moenda puxada a bois, em madeira maciça, ainda com plena capacidade de funcionamento. A fazenda Colônia era então uma área de grande produção de cana-de-açúcar e criação de gado.

Ao lado da moenda, com grossas paredes e uma bela arquitetura colonial que impressionam a vasta casa grande. Próximo tem o que se chama no Nordeste da “casa do vaqueiro”, ou a casa do capataz, que diferente de muitas que existem por aí, esta era grande, bem construída e confortável. Acima de todas, construída no plano mais elevado do largo pátio gramado, está a simples, mas imponente capela de Santo Antonio, onde a imagem do santo, trazida de Portugal em fins do século XIX, sendo até hoje venerada por muitas pessoas na região no dia do santo padroeiro.

Jornal de época informando uma ação de Antônio Silvino

Recebidos de forma tranqüila pelos moradores do lugar, fomos levados a conhecer a igreja, a casa grande e os outros locais. Nesta visita, travamos um animado diálogo com um dos trabalhadores da fazenda, que nos comentou que os mais velhos narravam às peripécias deste cangaceiro. Daí surgiu à história que nas encostas de uma das serras existe uma gruta que foi inúmeras vezes utilizadas por Antônio Silvino e seu bando como esconderijo. O vaqueiro que nos comentou este fato falou que quem conhecia bem poderia narrar muito bem esta história eram os “irmãos Braz”, que moravam no lugar, mas não se encontravam no momento.

A informação inédita em relação à história de Silvino logo despertou o interesse de conhecer o local, mas como a pesquisa que realizava era sobre um tema específico, que não envolvia nada no sentido espeleológico, associado à falta de material para subir a serra, além do tempo exíguo, mostravam que não existiam condições de conhecer o local naquele momento.

Prometi ao pessoal do local retornar em momento oportuno, subir a serra e visitar esta cavidade que guardava lembranças da história deste cangaceiro.

Voltando a Fazenda Colônia

Nos primeiros momentos como chefe de bando, Antonio Silvino ainda tentou matar os assassinos de seu pai, buscando esta vingança inicialmente nas zonas rurais das cidades pernambucanas de Afogados da Ingazeira e Flores. Consta que nesta época, quando perseguido tenazmente pela polícia, o bando misteriosamente desaparecia de circulação, para desespero das autoridades. Uma das hipóteses dos esconderijos utilizados nestes períodos de inatividade poderia ser a caverna comentada na Serra da Colônia.

Retornando a Natal, algum tempo depois, transmiti aos companheiros da SEP-Sociedade Espeleológica Potiguar e da SEPARN-Sociedade para Pesquisas e Desenvolvimento Ambiental, Cultural e Histórico do Rio Grande do Norte, sobre as indicações deste local e a intenção de retornar para conhece as grutas. A minha ideia foi acolhida de forma positiva por todos.

Mas outros projetos e viagens tinham prioridade. Além do que as entidades espeleológicas do Rio Grande do Norte, sem vínculos governamentais, possuem fortes limitações orçamentárias. Diferentemente dos órgãos governamentais de “proteção” das cavernas, que possuem forte aporte de dinheiro da nação, para gastar em extensas diárias de viagem, produzindo pouco, ou quase nada, de prático para a preservação destes ambientes, que ainda se associam a empresas de exploração mineral, deixando este pessoal agir da forma que quiserem. Mas isto é outra história.

Igreja de Santo Antônio. Foto-Alex Gomes

Finalmente em dezembro de 2008, acompanhado de Sólon Almeida e Alex Gomes, seguimos em direção a Pernambuco, equipados e motivados para conhecer estes locais e trazer estas informações para os leitores da revista eletrônica “Lajedos” (www.lajedos.com.br).

Na fazenda Colônia o grupo foi recebido pelos afamados irmãos Antônio e Damião Braz de Araújo, aqueles que conheciam maiores detalhes sobre a utilização da gruta pelo bando de Antônio Silvino. Nascidos neste local, eles nunca se afastaram muito tempo da região. Seu Antônio comenta que desde criança ouviu muitas histórias sobre o chefe cangaceiro através de um velho vaqueiro da fazenda, que se dizia contemporâneo de Antônio Silvino, conhecido como João Adriano.

De saída os irmãos Braz informaram que não existia apenas uma gruta para visitarmos, mas quatro cavidades que João Adriano contava terem sido utilizadas pelo bando. Elas são a Gruta dos Morcegos, considerada a maior delas e a Gruta da Pedra Rajada, estando localizadas na serra que os mapas apontam como Serra da Colônia, mas é conhecida na região como Serra da Lagoa. As outras duas cavidades estão na Serra do Lava Pés, onde são conhecidas como Furna do Caboclo e Furna da Laje do Mamão. Todas localizadas dentro da área que compõem as terras da fazenda Colônia.

O altar da velha igreja.

Percebemos que dentro do nosso planejamento não havia condições de conhecer todos os locais comentados. Decidimos então visitar as Grutas dos Morcegos e a da Pedra Rajada, as mais próximas. Ainda na sede da fazenda, os irmãos Braz nos mostram ao longe os pontos onde existem duas grandes concentrações de blocos de granito, não muito distantes um do outro, são estes os nossos objetivos.

Encontrando a Gruta do Morcego

Iniciamos a subida da serra no pior horário possível; ao meio dia, com sol a pino. Para compensar a conversa rola solta, segundo seu Damião Braz, após a morte de “Batistão” e a entrada de Antônio Silvino no cangaço, a fazenda Colônia é adquirida pelo “coronel” Luís de Góis e sua mulher, conhecida como Dona Sinhá, para quem seu pai vem trabalhar na década de 1930 e a sua família passou a viver neste local desde então. Até hoje a fazenda Colônia pertence à mesma família, sendo seu atual proprietário o senhor Zeti Góis.

Ele nos conta que após a morte de Luís de Góis, quem assume a fazenda é a Dona Sinhá. Mulher altiva, valente, politicamente bem relacionada e sua voz era lei no seu feudo. Costumava proteger pessoas perseguidas por políticos e policiais da região. Era nota corrente que se uma pessoa estivesse dentro de suas terras, sob sua proteção, nenhum policial entrava em sua propriedade e ela era regiamente obedecida.

Antônio Braz diante da Gruta do Morcego. Foto-Alex Gomes.

Em meio às histórias, a caminhada prossegue por um terreno que primeiramente se mostra bem acentuada, com a trilha da serra bem marcada. Depois o trecho melhora, tornando-se de fácil locomoção. Durante o trajeto encontramos grande quantidade das interessantes “barrigudas de espinho” (Chorisia crispifolora), árvores de grande porte e atualmente rara em grande parte do Rio Grande do Norte. Possui como característica principal a parte média do tronco bem espinhoso e dilatado, dcomo caracteristica m lhe contou muitas histo como Joda Colonia,daí seu nome característico.

A subida segue até um ponto onde grandes blocos graníticos estão encobertos por cerrada vegetação típica da região. A união destes blocos rolados pelas intempéries forma a Gruta dos Morcegos. A entrada é uma fenda diagonal, onde temos que entrar “se entortando” segundo seu Damião. O local é amplo, arejado, com uma saída pela lateral esquerda, agora coberta por vegetação, mas que no passado servia como rota de fuga para outros locais da Serra da Lagoa. Apesar da toponímia, não vimos um único morcego, mesmo existindo na área uma grande quantidade de árvores frutíferas.

Os irmãos Braz comentam que ao longo dos anos várias pessoas que caçavam naquelas serras, encontraram objetos na Gruta do Morcego. Foram, talheres, estribos, estojos de munição deflagrados e moedas. Entre estes objetos eles nos mostraram pedaços de talheres e estribos, além de três modas de bronze do período colonial, onde em uma delas se lê claramente o ano de “1781”. Estas moedas não são tão raras de serem encontradas no Nordeste, mas a sua descoberta pode apontar para uma série de possibilidades, até mesmo a utilização mais antiga deste abrigo como possível esconderijo de bandoleiros.

Gruta do Morcego. Foto-Solón Almeida

No Abrigo da Pedra da Rajada

Sem querer especular mais sobre estes achados, saímos da Gruta dos Morcegos em direção ao alto da Serra da Lagoa, onde o GPS apontava uma altitude de 814 metros. Nossos guias nos mostraram um poço de água bastante cristalina, segundo eles o local até hoje é utilizado, sendo bastante antigo. O informante de seu Antônio Braz, o falecido João Adriano, comentou que os cangaceiros de Antônio Silvino se abasteciam desta água e neste dia nós igualmente utilizamos a limpa e boa água do poço.

Alto da Serra. Foto-Alex Gomes.

Próximo ao poço existe uma capa de sedimentos, formado por uma areia fina, que os agricultores locais aproveitam para plantar cereais para a sua subsistência. Estamos nas proximidades do ponto culminante da serra, onde é possível divisar toda a região, até mesmo a cidade de Afogados da Ingazeira, a quase vinte quilômetros de distância. A visão é maravilhosa, mostrando que a idéia que tínhamos ao chegarmos à fazenda era correta. Bastaria Antônio Silvino colocar um homem vigilante neste ponto e seria possível visualizar muitos quilômetros da área ao redor e saber quem estaria chegando.

Entrada da Gruta da Pedra Rajada. Foto-Solón Almeida

A partir do poço, seguimos a conhecer a Gruta da Pedra Rajada. Antes tivemos oportunidade de passar por um imenso lajedo de rocha granítica, onde existe um reservatório natural de água, conhecido na região como “tanque”, ou “piscina”, ou ainda “lagoa”, por esta razão eles chamam aqueles montes de “Serra da Lagoa”, onde a água acumulada serve para enfrentar os difíceis períodos de secas.

A caminhada para a próxima cavidade é bem mais difícil, pois mesmo o caminho sendo em declive, não existe uma trilha aberta e uma grande quantidade de árvores e cipós dificultam o acesso. Se o local foi realmente utilizado pelos cangaceiros, pela quantidade de vegetação dificultando a locomoção, é fácil deduzir que desde a época de Antônio Silvino, poucos se atreveram a chegar ao local.

Seu Antônio Braz comenta que esta gruta era um ponto que os cangaceiros utilizavam de forma temporária, esporádica, até mesmo pelas suas características. No local vemos dois grandes blocos graníticos rolados, que criam um pequeno abrigo, bem protegido, onde um pequeno grupo de homens poderia se acomodar com o intuito de buscar um esconderijo de difícil acesso a pretensos perseguidores.

Moedas e outros materiais encontrados na Gruta do Morcego. Foto Solón Almeida

Há muitos anos um caçador, amigo dos nossos guias, encontrou neste local uma alavanca de remuniciamento do famoso rifle “Winchester”, já bem enferrujada. Conhecido no Brasil como “Papo-Amarelo”, este modelo de arma era a mais utilizada pelos cangaceiros do bando de Antônio Silvino. Não tivemos oportunidade de ver esta peça, pois a mesma atualmente se encontra na casa do proprietário da fazenda Colônia, em Recife.

Conclusão da Visita

Fomos encerrar nossa caminhada às quatro da tarde, onde percorremos, segundo o GPS, três quilômetros entre subidas e descidas.

Analisando nossa visita podemos observar que estes abrigos, sob muitos aspectos, lembram os mesmos locais, bem como o mesmo modo de utilização, que fez com que o cangaceiro potiguar Jesuíno Brilhante buscasse esconderijos em cavidades localizadas na Serra do Cajueiro, na cidade de Patu, no Rio Grande do Norte.

Mesmo sabendo que as razões, período, motivações para a entrada e permanência no cangaço por parte de Jesuíno Brilhante é distinta de Antônio Silvino, vemos muitos pontos em comum na utilização destes locais.

Igualmente como o bando de Antônio Silvino, Jesuíno usava pelo menos três grutas, em áreas de altitude, com ótimos pontos de observação, interligadas por trilhas, com acesso a locais com água, que poderiam garantir a permanência do grupo nestes pontos por um tempo mais largo. Mas Jesuíno Brilhante atuou principalmente na década de 1870, quando a quantidade de estadas e caminhos eram mais limitados, tornando sua mobilidade restrita, ficando sua área de atuação centralizada na região da fronteira entre a Paraíba e o seu estado de origem. Conseqüentemente a utilização destas grutas por parte do grupo de Jesuíno Brilhante como esconderijos era mais freqüente.

Pelas informações dos moradores da fazenda Colônia, aparentemente Antônio Silvino utilizou estes locais como esconderijos secundários, alternativos a sede da fazenda de sua família.

Nota sobre o tiroteio que resultou na captura de Antônio Silvino

Depois de 1898, provavelmente com o incremento das perseguições, a existência de novos caminhos fará o bando seguir novos horizontes. Logo estará atuando principalmente na região da zona canavieira de Pernambuco, Paraíba e no Rio Grande do Norte, aonde chega próximo da zona litorânea.

Segundo informações dos moradores da fazenda Colônia, após algum tempo, Antônio Silvino deixou a região e nunca mais voltou à antiga propriedade do seu pai.

Ele continua como chefe cangaceiro até o dia 27 de novembro de 1914, quando foi ferido no lugar denominado Lagoa da Laje, então pertencente ao município pernambucano de Taquaritinga do Norte, sendo detido pela volante do Alferes Teófanes Ferraz Torres. Depois de 18 anos de cangaço, Antônio Silvino é preso, julgado e condenado a trinta e nove anos de prisão, a serem cumpridos na Casa de Detenção de Recife.

Nota sobre a prisão do famoso cangaceiro.

Durante seu tempo de reclusão foi considerado um prisioneiro calmo, uma liderança entre os apenados, que realizava trabalhos artesanais para sustentar os estudos dos filhos, onde nenhum deles seguiu seus passos no cangaço e um deles chegou a ser um membro respeitado dos quadros da Marinha do Brasil. Durante esta época, muitos estudiosos estiveram junto ao antigo chefe, entrevistando-o sobre suas andanças, entre estes o potiguar Câmara Cascudo. Somente foi libertado em fevereiro de 1937, depois de 23 anos de cárcere.

Morreu pobre, em 1944, em uma casa simples na cidade paraibana de Campina Grande.

A sua atuação no cangaço foi considerada, mais tranqüila, com menor grau de violência, sendo lembrado por muitos cantadores de viola, por repentistas e escritores como um “injustiçado”. Apesar disto, nunca conseguiu vingar a morte do seu pai.

Sem ter a mesma fama do famoso Virgulino Ferreira da Silva, o “Lampião”, Antônio Silvino é uma das figuras basilares do imaginário criado em torno do cangaço e da história nordestina. Sua vida é hoje tema de variadas teses acadêmicas de sociólogos, antropólogos e historiadores, até mesmo fora do Brasil.

Lembranças que os Medeiros da Rajada têm de Antônio Silvino

Quando criança eu escutei várias vezes a minha avó paterna, Benícia Jacob de Medeiros, narrar que na época em que ela e o meu avô Joaquim Paulino de Medeiros, conhecido como Jaco, moravam em Campina Grande, teve oportunidade de ver o idoso Antônio Silvino. Ela nunca falou com ele, mas me disse que ele era alto, não andava de cabeça baixa como se estivesse se escondendo, pelo contrário, andava empertigado, ereto e todos sabiam quem ele era. Recordou também que o velho cangaceiro tinha sempre um semblante fechado, uma cara dura, sem sorrisos e sem muita conversa.

Sofrimento para visitar as grutas esconderijo.

Mas não era a primeira vez que pessoas da minha família tinham contato com Antônio Silvino. Na nossa história oral ficou guardado o episódio que em uma das passagens do cangaceiro e seu bando por Acari, ele esteve na casa que servia de sede da fazenda Rajada, que pertencia ao meu bisavô, o fazendeiro e coronel da guarda nacional, Joaquim Paulino de Medeiros, conhecido como Coronel Quincó, ou Quincó da Rajada. Consta que Silvino não fez nenhuma alteração, deixou o bando afastado da casa, chegou tranquilo e pediu certa quantia em dinheiro, pois afirmou que “o governo não o deixava trabalhar”. O coronel o recebeu sem afrontas e lhe deu o que podia que a memória da família não guardou o valor.

Esta história está na nossa família a gerações e só posso afirmar sua veracidade dentro dos aspectos complicados que giram em torno da questão da tradição oral. Entretanto em uma ocasião ocorreu uma situação bem irônica sobre este encontro.

Certo pesquisador do tema do cangaço, ao realizar uma pesquisa sobre este cangaceiro pernambucano, soube desta história através da minha pessoa. O ilustre detetive da história procurou saber detalhes, como foi, como não foi, onde aconteceu, etc. Se mostrou educado, mas me disse com bastante segurança, que “esta história só tinha valor se fosse acompanhada de documentos comprobatórios”.

Aí eu ri por dentro e pensei o quanto tolo era aquele pesquisador.

Fiquei imaginando se ele pensava que por acaso meu bisavô se sentou em um tamborete no alpendre da fazenda Rajada, com ninguém menos que Antônio Silvino, que pacientemente esperou o velho fazendeiro preparar um documento de três laudas e depois este pediu ao cangaceiro para sapecar a sua assinatura nas três folhas que comprovavam o gasto do dinheiro dado?

O que eu achei mais engraçado é que certamente muito do que ele conseguiu em sua pesquisa foi através de história oral e quase com certeza sem documentos.

Mas assim é a humanidade.

O autor deste artigo junto a cruzes de “morte matada”. Foto-Alex Gomes
© 2010 Copyright Tok de História Todos os direitos reservados