A HISTÓRIA DE UMA FAMÍLIA DE JUDEUS QUE FUGIU DAS PERSEGUIÇÕES EM SUA TERRA E VIERAM PARA A CIDADE DE NATAL PARA VIVER EM PAZ

E A ESTRANHA SITUAÇÃO DOS NATALENSES NO SÉCULO XXI, QUE BUSCAM AS SUAS ANTIGAS RAÍZES JUDAICAS PARA FUGIR DA ATUAL E CRESCENTE VIOLÊNCIA EM SUA TERRA

Rostand Medeiros – IHGRN

Nos últimos anos no Rio Grande do Norte é notório que várias pessoas buscam ardentemente nas histórias dos seus antepassados uma pretensa ligação com a fé judaica.

Isso é bem interessante para quem vive no Rio Grande do Norte.

Pois esse é um Estado onde é perceptível que a sua classe dirigente (de todas as orientações ideológicas) pouco se importa com os temas ligados à nossa cultura e a nossa própria história. São dirigentes que pouco sabem e pouco utilizam como ferramentas positivas para o crescimento da cidadania potiguar as nossas interessantes e ricas manifestações culturais, ou dos fatos ligados ao nosso passado. Dito isso, é inegável que essas buscas individuais por uma pretensa “Raiz judaica” chamam a minha atenção.

Percebi que esse movimento de potiguares em busca da “Estrela de Davi” se tornou tão intenso, que ao publicar algumas postagens relacionadas com esse tema no “TOK DE HISTÓRIA”, todas tiveram muita procura e intensa visibilidade.

A Estrela de Davi na mais antiga cópia completa sobrevivente do texto massorético, o Códice de Leningrado, datado de 1008 – Fonte – https://www.chabad.org/library/article_cdo/aid/788679/jewish/Star-of-David-The-Mystical-Significance.htm

Busca Da Fé?

Tal como o autor desse texto, cujos antepassados imigraram do Velho Mundo para viver em solo potiguar no início do século XVIII, muitas das pessoas que buscam suas “Raízes judaicas” possuem histórias semelhantes em relação aos seus antepassados.

Soldados romanos carregando os despojos das guerras judaicas – Fonte – http://www.bible-history.com/archaeology/rome/arch-titus-menorah-1.html.

Mesmo que já tenha se passado quase três séculos que essas pessoas aqui chegaram para povoar as terras potiguares, mesmo que não exista nenhuma ligação com terra de onde esses antigos vieram, mesmo tendo avós, bisavós e tataravós que nasceram em nosso sertão e debaixo do credo cristão, nos dias atuais muitos insistem e persistem arduamente nessa busca por essa “Estrela Perdida”.

Levado unicamente pela curiosidade, sempre que me encontro com aqueles que desejam se ligar (ou já se ligaram) ao judaísmo através das histórias dos seus antepassados, eu não perco a oportunidade de questionar a razão desse esforço e dessa busca.

Nos diálogos que tive percebi que alguns realmente acreditam nessa antiga ligação religiosa, que levam o tema a sério, estudam e pesquisam bastante os fatos. São pessoas que possuem informes orais que, segundo eles, provam essa ligação de maneira concreta e afirmam que seus antepassados realizavam em datas determinadas certos atos e ações que apontam para essa ligação com a fé judaica. Em meio a certos critérios, percebi que eles possuem pura e simplesmente a fé nessas teses. E sobre fé eu nada comento, apenas respeito!

Mas outros com quem dialoguei, vários inseridos nos setores sociais mais privilegiados da sociedade potiguar, essa busca pouco tem relação com a vontade de realmente se ligar a uma religiosidade praticada pelos antigos. Observei que para essas pessoas, a pretensa descoberta dessas ligações antigas se resume unicamente em conseguir determinados mecanismos que lhes facilitem a conquista de um passaporte estrangeiro para imigrar para outro país.

Pude notar que para esses que buscam suas “Raízes judaicas” como forma de facilitar sua saída do Brasil, várias são as razões pessoais para realizar esse tipo de projeto. Entretanto houve uma unanimidade nesses diálogos – A existência da violência urbana em Natal como principal motivador dessa mudança.

Ouvi repetidamente que “Natal está muito violenta”, que tem “Muito medo de viver em Natal”, ou medo de “Criar filhos em um lugar tão violento” e um até me disse que “Valia a pena até virar judeu para ir embora”.

E é verdade. Faz tempo que a capital potiguar deixou de ser o lugar idílico, calmo e tranquilo que conheci na minha juventude.

Protesto na Praia de Ponta Negra, em Natal, em 2017. O belo cartão postal da capital potiguar virou um “cemitério” em protesto por número de homicídios no Rio Grande do Norte naquele ano – Fonte – Reprodução/Inter TV Cabugi – https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2019/06/05/rio-grande-do-norte-tem-a-maior-taxa-de-homicidios-de-jovens-do-brasil-diz-atlas-da-violencia.ghtml

A nossa violência urbana, igualmente comum em outras grandes cidades brasileiras, por aqui avançou (e avança) de forma contundente e intensa. Muitas são as razões para esse fenômeno, sendo claro que as fortes desigualdades econômicas e sociais amplificadas nas últimas décadas, muito contribuíram para essa terrível mudança. Mas foi (e ainda é) algo tão forte, tão avassalador, que mudou totalmente nossos hábitos de convivência e de agir no dia a dia. E não posso esquecer que nas nossas periferias continuam a ser assoladas por uma matança incrível e cotidiana, onde os maiores atingidos são principalmente os jovens pobres e negros.

Pastores judeus da Bessarábia – Fonte – https://www.jewishgen.org/yizkor/pinkas_romania/rom2_00279.html

Foi quando percebi que essa situação contemporânea envolvendo potiguares, possui uma certa relação com os judeus membros das famílias Mandel, Schor, Ribenboim, Genes, Weinstein e Axelband, que devido a violência contra a fé judaica na Bessarábia, deixaram a sua terra na primeira metade do Século XX para encontrar na cidade de Natal aquilo que muitos atualmente sentem que perderam – Paz e tranquilidade para viver e crescer.   

Uma Região Intensa e Complicada

Possuindo uma área de 45.630 km², pouco menor que o estado do Espírito Santo, a Bessarábia fica localizada na Europa Oriental e na atualidade dois terços dessa região se encontram na República da Moldávia e uma pequena parte na República da Ucrânia. Mas no início do século XIX sua área era um principado vassalo aos turcos otomanos, que passou ao Império Russo através de negociações.

Em 1856, após a Guerra da Criméia, a Bessarábia fez parte de uma Moldávia independente, causando a perda do Império Russo acesso ao rio Danúbio, situação a qual não se conformaram. Através de negociações e ameaças, a região voltou para o domínio dos Czares em 1878. Mas em 1917, em meio a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa, a Bessarábia passou a fazer parte do então Reino da Romênia, cujas tropas invadiram a região em troca da passagem livre das tropas alemãs para a Ucrânia. O governa da recém criada União Soviética não se conformou com a situação e passou a considerar essa área como sua, além de se colocava politicamente favorável a retomá-la, a força se necessário. 

Até esse período, pelas idas e vindas em sua história, dá para perceber que a Bessarábia viu muita coisa acontecer, principalmente o sangue da sua gente derramado em várias guerras. E os judeus que lá viviam estavam sempre propensos a sofrerem com essa volatilidade política, mesmo vivendo nessa região ha séculos.

Os Judeus se estabeleceram na Bessarábia no século XV, formando comunidades mais ou menos numerosas. Com o tempo começaram a participar ativamente do comércio local, tornando-se conhecidos pela fabricação de bebidas alcoólicas. Um censo realizado em 1900 apontou que viviam na Bessarábia 1.935.000 pessoas, sendo 219.000 judeus. Eles dividiam esse espaço com romenos, russos, ucranianos, búlgaros, povos de origem turcas e minorias de origem grega e alemã. Provavelmente nesse período ali viviam os membros das famílias Mendel, Schor, Ribenboim, Genes, Weinstein e Axelband.

Segundo um conjunto de fichas que classificaram os estrangeiros residentes em Natal, produzidas pelo Departamento de Segurança Pública em 1937 e atualmente guardada no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Norte, descobri que dezesseis judeus, dessas seis famílias comentadas, vieram da Bessarábia e desembarcaram no Brasil entre 1912 e 1935. A maioria dessas pessoas inicialmente desembarcou em outras capitais brasileiras, para depois seguirem em momentos distintos para Natal. Eram homens e mulheres com idades variando de 61 a 19 anos, vindos das cidades de Secureni e Ataki, localizadas a nordeste da Bessarábia e distantes apenas 28 quilômetros uma da outra.

Historicamente os judeus que viviam na região de Secureni, onde consegui melhores informações, viviam do pequeno comércio, plantavam tabaco e beterraba, derrubavam e vendiam madeira, tinham moinhos de farinha e negociavam com cavalos, ovelhas, frutas e vegetais. Entre eles também haviam carpinteiros, sapateiros, peleteiros, serralheiros e outros profissionais.

Se no início do século XX essas duas cidades faziam parte da Romênia, atualmente Secureni, hoje chamada Sokyryany, fica no Condado de Chernivsti, na Ucrânia, ao lado da fronteira da República da Moldávia, onde a poucos quilômetros se encontra a antiga Ataki, atual Otaci.

Perseguições

Na primeira metade do século XIX, os judeus que viviam na Bessarábia não estavam sujeitos a perseguições dos russos. Mas em 1835, quando essa região estava gradualmente começando a perder sua autonomia e as ações de maior fortalecimento da população russa se multiplicaram, as leis antijudaicas começaram a ser aplicadas na Bessarábia, com a criação de vários decretos que tornaram a vida deles bastante complicada.

Judeus começaram a ser segregados nas grandes cidades, proibidos de estudar, impedidos de possuir propriedades e ainda exilados e isolados em pequenas aldeias espalhadas pela Europa Oriental.

As sociedades europeias da época possuíam um grande número de judeus integrados, participando até mesmo das esferas políticas, militares, econômicas e intelectuais. Apesar disso existiam fortes correntes antissemitas, de raízes religiosas ou não, na opinião pública europeia da época. Entre os cristãos europeus mais devotos, os judeus eram considerados como os “Algozes de Jesus” e outro tipo de preconceito bastante forte era o de ordem econômica. Diante desse quadro, não demorou para à situação dos judeus na Bessarábia piorar.

Macabro resultado do Primeiro Progrom de Chisinau em 1903.

Em 6 a 7 de abril de 1903, na cidade de Chisinau, atual capital da Moldávia, durante o Pessach, a Páscoa judaica, habitantes locais foram incentivados por autoridades do Império Russo para organizarem um “pogrom”, ou seja, uma série de ataques massivos, espontâneos contra os judeus, caracterizado por assassinatos, espancamentos, assédio, destruição de casas, de negócios, templos religiosos e outros ataques violentos. 

O chamado Primeiro Pogrom de Chisinau deixou 49 judeus assassinados, entre estas várias crianças. Cerca de 500 pessoas ficaram feridas, 1.500 casas e lojas judias foram parcialmente ou totalmente destruídas e 2.000 famílias judias ficaram desabrigadas.

Este pogrom abalou a população judia do Império Czarista e marcou uma virada na opinião pública judaica e mundial. Isso foi seguido por um novo aumento nas ondas de emigração de judeus da Europa Oriental para os Estados Unidos e para à Palestina.

O Presidente dos Estados Unidos Theodore Roosevelt chama a atenção do Czar da Rússia Nicolau II para o massacre de Chisinau.

Uma das consequências desse ataque foi a vinda de 267 judeus da Bessarábia, distribuídos em 37 famílias, para formar uma colônia agrícola no Brasil, que ficou conhecida como Colônia Philippson. Eles chegaram em 18 de outubro de 1904 para ocupar uma área de 4.472 hectares, na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul. 

Mas não demorou e os judeus da Bessarábia levaram uma segunda dose de violência. Entre 19 e 20 de outubro, novamente em Chisinau, ocorreu um segundo progrom, com 19 mortos. Dessa vez o número de vítimas foi menor porque os judeus resistiram em algumas áreas e chegaram a matar alguns atacantes. Já na área das cidades de Secureni e Ataki não ocorreram ataques dos russos, mas o medo passou a ser a tônica do dia a dia desses judeus, que poucos anos depois começariam a imigrar para Natal.

Monumento na Moldávia em honra aos que morreram nos progroms realizados na Bessarábia.

Logo a região da Bessarábia, conforme comentamos anteriormente, passou a ser dirigida por autoridades do atualmente extinto Reino da Romênia. Isso criou a ideia que as perseguições diminuiriam, mas não foi assim que aconteceu.

Os judeus que viviam na cidade de Secureni tinham relações estáveis ​​com seus vizinhos, mas sofriam com a atitude dos agentes do governo. No final de 1921, na véspera do Yom Kippur, judeus andando nas ruas foram presos, muitos homens, mulheres e crianças foram retirados à força de suas casas e levados para um campo fora da aldeia, onde foram vigiados por guardas armados e montados em cavalos. Depois da meia-noite, em meio a muito frio, o Chefe da Polícia, outros policiais e um médico indicado pelo governo vieram ao campo. Queriam prender dois refugiados que haviam cruzado um rio das proximidades e seriam espiões russos. Ameaçaram que no caso de não encontrar os dois homens, eles deportariam todos da aldeia. Os soldados abusaram dos judeus, mas como não encontraram os dois elementos desistiram da ação e todos voltaram para casa.

Parece que com essa perseguição (e talvez outras mais), associado a notícia da mudança de judeus da Bessarábia para o Brasil, tornou atrativa a ideia de alguns judeus das cidades de Secureni e Ataki mudarem para o nosso país. Pois a maioria dos judeus que vieram dessa região para viver em Natal, partem da Bessarábia na primeira metade da década de 1920.

Chegada ao Novo Mundo

Ao tentarmos cruzar informações disponíveis na Hemeroteca da Biblioteca Nacional, com os dados que possuímos sobre os membros das famílias Mendel, Schor, Ribenboim, Genes, Weinstein e Axelband, são poucas as informações conseguidas. Mas foi possível traçar o caminho de uma dessas famílias através do tempo e perceber, mesmo limitadamente, como se desenvolveu sua mudança para Natal e sua vida posterior.

RMS Andes – Fonte – http://www.naval-history.net

No dia 21 de junho de 1926, ao meio dia, o vapor inglês RMS Andes, da Royal Mail Steam Packet Company, conhecida no Brasil como Mala Real Inglesa, lançou âncora em frente ao farol da barra do porto de Recife. Havia zarpado 15 dias antes do porto de Southampton (Inglaterra), com escalas em Cherbourg (França), Vigo (Espanha) e Lisboa (Portugal).

Em Recife desembarcaram 22 passageiros, entre eles o jovem casal Samuel e Bertha Axelband, ele com 24 e ela com 19 anos de idade e sem filhos. Mas os tramites burocráticos do casal na alfandega só foram resolvidos um dia depois, uma terça-feira. A razão provável foi um grande bafafá ocorrido na repartição, inclusive noticiado nos jornais, em decorrência da prisão do comerciante judeu Alexander Gurewitz. Este pretendia embarcar no mesmo RMS Andes para o Rio de Janeiro, mas teve a sua partida sustada por dois oficiais de justiça e policiais, que cumpriram um mandato expedido pelo juiz Adolpho Cyriaco, a pedido da Sra. Sophia Goldel, também judia e sua credora. (Diário de Pernambuco, 22/06/1926, págs. 2 e 4).

Certamente na capital pernambucana o casal recebeu apoio da comunidade judaica, que era relativamente numerosa e atuante. Mas, por alguma razão, eles não permaneceram em Recife. Provavelmente Samuel deve ter trabalhado como mascate, profissão que abria contatos e horizontes e era a atividade muito comum entre os judeus desembarcados Brasil vindos da Europa Oriental.

Uma situação normal para todos estrangeiros e imigrantes no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial – Todos seus deslocamentos em aeronaves eram monitorados pelo DOPS. Isso ocorria independentemente de raça, origem, credo, etc. O interessante é que esse material normalmente traz boas informações de pessoas que são alvo de pesquisas históricas.

Talvez como fruto de suas andanças, vamos ter notícias dos Axelband sete anos depois de desembarcarem em Recife. Uma nota afirma que Samuel Axelband era um comerciante em São Luís, no Maranhão, e divulgava o aniversário do seu filho Aron (O Imparcial, 07/03/1933, pág. 2). Mas seja lá o tipo de comércio que Samuel tinha nessa cidade, aparentemente ele não durou muito, pois quatro anos depois seu nome consta no prestigiado Almanak Laemmert (Ed. 1937, pág. 1.376) como sendo proprietário da alfaiataria “A Carioca”, na Rua Simplício Mendes, no Centro de Teresina, Piauí, uma rua com várias alfaiatarias. Nesse negócio Samuel aparentemente tinha uma sociedade com uma pessoa de sobrenome “Luz”, mas não obtive maiores informações.

É provável que essa informação não seja totalmente correta. Não no sentido que Samuel Axelband e sua família viveram em Teresina, mas na data. Pois é conhecido que os nomes listados no Almanak Laemmert perduravam por anos nas novas edições desse almanaque, gerando informações equivocadas. Até porque a família Axelband já vivia em Natal em janeiro de 1938.

Imigrante de Sucesso

O Censo demográfico de 1940 apontou Natal com 109 judeus e, segundo Câmara Cascudo (Ver o livro História da Cidade do Natal, 1999, IHGRN, pág. 389) sua sinagoga havia sido fundada em 12 de janeiro de 1919, um domingo, quando a pandemia de Gripe Espanhola se encaminhava para seu final. É provável que a existência dessa comunidade judaica e o fato de prováveis parentes de sua esposa, cujo sobrenome de solteira era Mandel, já viverem e comerciarem em Natal, tenha influenciado Samuel Axelband a viver nessa parte do Brasil.

Não sabemos como seu deu a chegada dessa família em Natal, qual negócio Samuel montou primeiramente e nem como se deu sua relação com a comunidade judaica e com a população local. Mas sabemos que quem se destacou em sua família na cidade por essa época, foi a sua filha Riva Axelband, que começou a chamar atenção do maestro Waldemar de Almeida como exímia pianista e logo a jovem realizava apresentações para a sociedade local. Como na 19ª audição do “Curso Waldemar de Almeida”, ocorrida em 31 de janeiro de 1938 no Teatro Carlos Gomes, atual Teatro Alberto Maranhão. No seu piano marca Albert Schmölz, Riva tocou a “Mazurca” opus 24 n. 1, do polonês Frederic Chopin e nos anos seguintes outros recitais se repetiriam.

Temos a informação que Samuel Axelband fundou, em data desconhecida, uma loja chamada “Casa Glória”, especializada em artigos masculinos, no bairro da Ribeira, na Rua Dr. Barata, número 205. Ao lado da sua loja havia o comércio de um outro judeu, era a “J. Mandel & Cia”, um parente de sua esposa.

Bairro da Ribeira, em Natal, na época da Segunda Guerra.

Provavelmente Samuel percebeu claramente a grande possibilidade de negócios que ocorreria com a Segunda Guerra Mundial e a presença de tropas americanas na capital potiguar em Natal. Logo seu negócio prosperou enormemente, ao ponto de fundar na Rua Chile, número 240, em frente a atual Capitania dos Portos, uma movelaria chamada “Progresso”.

Segundo o livro Natal, Uma comunidade singular, Egon e Frieda Wolff (Pág. 53, Rio de Janeiro, 1984), 30 dias após a morte de Franklin Delano Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos, houve na sede do Centro Israelita de Natal (CEN), no centro da cidade a cerimônia dos trinta dias de falecimento, que na fé judaica se denomina Shloshim. O ato foi realizado pelo Rabino Baum e contou com a presença de militares americanos judeus. Também estiveram presentes vários judeus que moravam em Natal, entre eles Samuel Axelband. 

Após o fim da guerra, como fizeram quase todos os judeus que viviam em Natal, os Axelband partiram da cidade nordestina que lhes deu tranquilidade para viver, mas que depois da Segunda Guerra e da partida das tropas estrangeiras, tinha pouco em termos econômicos a oferecer. Samuel foi viver em Recife, onde manteve uma representação de relógios.

Não sabemos quando sua existência findou nesse plano existencial e nem o que ocorreu com a sua família, mas sua trajetória e sua história no Brasil, especialmente em Natal, apontam para uma história de sucesso de um imigrante judeu da Europa Oriental que, mesmo recebendo apoios de pessoas da mesma religião, claramente mostra como essas pessoas desse grupo minoritário podiam viver tranquilos em Natal e no Rio Grande do Norte na primeira metade do século XX, sem o perigo dos progoms e das perseguições religiosas.

Cada um tem o direito acreditar na religião que quiser. Isso é uma situação de foto íntimo. Mas não deixa de ser um tanto irônico que em Natal, na segunda década do século XXI, na era do “futuro”, vários de seus cidadãos que não nasceram judeus, se voltem para suas pretensas “Raízes judaicas” para migrar de uma violência que anualmente crescer no número de assassinatos.

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Livros – História da Cidade do Natal, Câmara Cascudo, 1999, IHGRN, pág. 389.

Natal, Uma comunidade singular, Egon e Frieda Wolff, 1984.

Internet – https://kehilalinks.jewishgen.org/philippson/index.html

https://www.apusm.com.br/2014/09/fazenda-phillipson-os-114-anos-da-imigracao-judaica-em-santa-maria/

https://www.jewishgen.org/yizkor/pinkas_romania/rom2_00382.html

https://en.wikipedia.org/wiki/Bessarabia

https://ro.wikipedia.org/wiki/Istoria_evreilor_din_Republica_Moldova

NO TOK DE HISTÓRIA PODEM SER ENCONTRADOS ESSES TEXTOS SOBRE ASSUNTOS LIGADOS A JUDEUS.

PARA NUNCA SER ESQUECIDO – AUSCHWITZ: IMAGENS DE ONTEM E DE HOJE

O MITO SOBRE A ORIGEM DE SOBRENOMES DE JUDEUS CONVERTIDOS

OS CRIPTO JUDEUS NO BRASIL

JUDEUS EM NATAL – A SAGA DOS PALATNIK

A HISTÓRIA DOS JUDEUS NO BRASIL

JUDEUS SEM SABER

LEI PODE DAR CIDADANIA A BRASILEIROS DESCENDENTES DE JUDEUS

DIÁSPORA: DESCUBRA COMO OS JUDEUS SE ESPALHARAM PELO MUNDO

https://tokdehistoria.com.br/2014/03/23/sobrenomes-de-judeus-expulsos-da-espanha-em-1492-veja-se-o-seu-esta-na-lista/

A EXPULSÃO DOS JUDEUS DE PORTUGAL

JUDEUS EM NATAL – A SAGA DOS PALATNIK

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Um Grupo de Judeus Que Começou Sua Vitoriosa Trajetória Empresarial Trabalhando Junto aos Mais Pobres de Natal 

Autor – Rostand Medeiros

A foto e o texto acima mostram o lugar onde os destinos administrativos de Natal, capital do Rio Grande do Norte, são traçados e executados desde 1922. Oficialmente conhecido como Palácio Felipe Camarão é um marco na cidade, mas o que importa mesmo nessa nota de jornal é um pequeno detalhe no final do texto. Ali ficamos sabendo que os móveis construídos na época da inauguração desta marcante edificação, que não sei se ainda estão por lá, foram executados pela firma “Tobias Palatnik & Irmãos”.

Os proprietários desta empresa, com um sobrenome tão diferenciado dos tradicionais nomes familiares de origem portuguesa existentes em Natal, eram os membros de uma família de judeus ucranianos, que em poucos anos foram considerados os membros mais proeminentes da comunidade judaica em Natal.

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3 de janeiro de 1947

Nada mal para estes imigrantes que haviam chegado apenas dez anos antes ao Brasil e tinham começado suas atividades na capital potiguar vendendo seus produtos diretamente nas casas dos moradores da pequena urbe. Trabalharam sem diferenciar classe nem cor, atendendo inclusive os mais humildes.

Em Busca de Novos Espaços

Segundo a historiadora Luciana Souza de Oliveira, através de sua monografia de mestrado em História “A fala dos passos: imigração e construção de espaços judaicos na cidade do Natal (1919-1968)”, a história dos judeus na capital potiguar começa a ser contada no ano de 1911, com a chegada ao Brasil de Tobias Palatnik e seus irmãos Adolfo, Jacob e José (este último com apenas 16 anos) e um tio Beinish (Braz) Palatnik. Eles deixaram para trás a fria região da Podólia, no sudoeste da Ucrânia e seguiram esperançosos para recomeçar a vida no grande país tropical.

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Judeus expulsos dos seus lares na Europa Oriental – Fonte – https://en.wikipedia.org

Para a historiadora este processo migratório dos judeus vai muito além de uma mera necessidade econômica. A questão judaica na Europa durante o século XIX até a primeira metade do século XX foi marcada por pressão e opressão, onde o espírito antissemita se manifestou nas esferas política, econômica e social, atingindo grande parte da população que hostilizava e culpava os judeus por toda sorte de mazelas. Deixar a Europa no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX representava para eles antes de tudo uma questão de sobrevivência.

Em calientes terras tupiniquins o Rio de Janeiro foi a primeira parada de Tobias Palatnik e seus parentes. Mas foi por um período curto e logo aqueles judeus seguiram para Salvador. Mas também a capital baiana não foi o melhor dos destinos e eles partiram para o norte, em direção à cidade do Recife, onde os Palatnik começaram a fazer sua clientela, em grande parte composta por operários.

Luciana Souza de Oliveira aponta que na cidade conhecida como “Veneza Brasileira” eles aprenderam que, além do comércio realizado de porta a porta, mesmo falando o português ainda de forma rudimentar, eles podiam comprar no atacado e com exclusividade. Neste período a cambraia bordada foi seu principal produto.

Recife certamente ajudou os irmãos Palatnik a assegurar alguns lucros, mas a concorrência comercial na cidade era um problema complicado, que contava naquele período com 80 judeus atuando como prestamistas. Segundo a autora estes judeus que já atuavam em Recife eram em sua maioria rapazes solteiros, provenientes da Bessarábia (região histórica da Europa Oriental, cujo território se encontra principalmente na atual Moldávia), Polônia e a Ucrânia, que batalhavam duro para poder concretizar um objetivo comum – o desejo de conseguir meios para poder se estabelecer na Palestina com os demais familiares que deixaram na Europa Oriental. 

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Tobias Palatnik – Fonte –

Foi então que Tobias Palatnik, o mais velho dos quatros irmãos, resolveu transferir-se para Natal objetivando fugir daquela concorrência.

Vencendo Onde os Outros nem Percebiam que Existiam Consumidores

Para a autora do texto a escolha de pegar o trem e seguir em direção a Natal foi a melhor decisão que Tobias tomou quando chegou ao Brasil. Nessa época Natal ainda era uma pequena capital com população inferior a 25.000 habitantes, com apenas 27 famílias formada por estrangeiros, três linhas de bondes elétricos, uma catedral, um cinema mudo e que estava começando a passar por intensas transformações. A cidade estava aos poucos desabrochando e vivenciando o início da modernidade tão desejada pela elite local.

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Navios no Rio Potengi, em Natal

Mas se por um lado a elite natalense se deleitava com os avanços e belezas da “Belle Époque”, uma grande parcela da sua população – os mais pobres – eram tratados de maneira verdadeiramente invisível.

Aqueles ucranianos, que sabiam bem o que significavam as violentas exclusões dos pogroms contra judeus na Europa Oriental, certamente perceberam que também havia exclusão em Natal. Mas esta era extremamente sutil, realizada de maneira covarde, praticada sem violência física contra uma massa morena, mas carregada de extrema hipocrisia. A exclusão em Natal diferenciava os seres humanos principalmente pela cor e condição socioeconômica.

Acredito que Tobias Palatnik percebeu de maneira muito correta que aquelas pessoas excluídas, mesmo com uma condição financeira mais limitada, apontavam para a possibilidade de um mercado consumidor extremamente promissor em Natal. Já a maioria dos seus concorrentes, membros de uma elite branca e racista, que praticavam intensos atos de exclusões sociais contra aquelas pessoas consideradas ralé, jamais iriam ate eles, bater nas portas dos seus “mocambos” para vender alguma coisa.

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Os conhecidos Mocambos, as moradias dos mais pobres de Natal

Tobias Palatnik se deparou com um espaço que estava pronto para ser explorado. Percebeu que a venda a prestação tinha futuro na cidade e que a oportunidade comercial era bem melhor que em Recife. Logo avisou aos seus irmãos e estes seguiram para o novo destino e começaram um novo investimento.

Percebi lendo o texto da historiadora Luciana Souza de Oliveira e os jornais de época, que para os Palatnik a diferenciação dos natalenses abonados com os “negos”, como os mais ricos da cidade pejorativamente chamavam os mais pobres (que nem precisavam ser claramente afrodescendentes para assim serem classificados), era algo que nada lhes importava.

O que importava mesmo era negociar, chegar até o cliente, atender o desejo das pessoas, independente de onde eles moravam, ou da cor da sua pele…

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As Rocas, área de atuação dos Palatnik em Natal

Logo na primeira investida Tobias Palatnik pôde observar que só nas Rocas, a região dos pescadores, onde viviam os mais pobres da cidade, ele poderia conquistar facilmente mais de 200 clientes. Outra coisa que certamente o judeu percebeu foi que aquelas pessoas, não obstante suas limitadas condições financeiras, possuíam um acentuado sentido de honra em relação a quitação de suas dívidas financeiras, onde poucos se davam ao papel de caloteiros.

Era tudo que um prestamista desejava!

Assim os produtos foram sendo oferecidos de porta em porta e logo se estabeleceram fortes laços econômicos. Mensalmente os irmãos passavam nas casas dos clientes, oferecendo novas mercadorias e estes pagavam as parcelas dos produtos que haviam sido anteriormente vendidos. Esse tipo de procedimento tornava a relação entre comerciante e cliente mais estreita, fazendo com que os anseios de consumo da sociedade local, mesmo dos mais humildes, fossem supridos de maneira pessoal. Segundo Luciana Souza de Oliveira os irmãos Palatnik foram os primeiros que trouxeram para a cidade essa nova maneira de comercializar.

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Natal no início do século XX

Com arrojo e garra, aliado ao desejo de trabalhar e de prosperar em Natal, Tobias e seus irmãos alcançaram seus objetivos iniciais em menos de seis meses, quando conseguiram conquistar cerca de mil clientes.

Boa Relação Com os Natalenses, Mas Mantendo as Tradições

A prosperidade econômica veio logo, rápida mesmo.

A historiadora Luciana Souza de Oliveira aponta que 1915 os Palatnik puderam adquirir uma fazenda com uma usina de açúcar, álcool e aguardente. Mas o forte daqueles judeus era o comércio e foi com ele que a família Palatnik escreveu uma história de prosperidade na cidade.

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Familia Palatnik – Em pé, a partir da esquerda: Adolfo Palatnik, Jacob Palatnik, Braz Palatnik, Tobias Palatnik, José Palatnik, Tobias Prinzak, Moisés Kaller e Horácio Palatnik. Sentadas: Cipora Palatnik, Dora Palatnik (com Chimonit Palatnik no colo), Rivca Palatnik, Olga Palatnik (com Ester Palatnik no colo), Sônia Palatnik, Dora Kaller e Augusta Palatnik – Fonte – LUCIANA SOUZA DE OLIVEIRA, A FALA DOS PASSOS: IMIGRAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS JUDAICOS NA CIDADE DO NATAL, (1919-1968), NATAL, 2009, UFRN.

Com a estruturação e o crescimento econômico daqueles judeus em Natal, esses jovens tiveram a oportunidade de ir à Palestina algumas vezes visitar seus parentes. Foi nessas poucas visitas que os jovens Palatnik constituíram suas famílias com as moças que residiam na chamada “Terra Santa”.

Mesmo construindo as suas vidas em Natal, mesmo aqui sendo a cidade que esses judeus escolheram para desenvolverem suas famílias, a cidade não poderia lhes oferecer alguns elementos responsáveis pela continuidade de sua identidade.

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O escritor Luís da Câmara Cascudo participou da festa do Yom Kippur junto aos judeus de Natal e descreveu a visita em um interessante artigo – Fonte – Jornal ” A República” 12/11/1933

Faltavam-lhes garotas que professasse a mesma fé e que tivesse os mesmos conceitos e valores para manter uma identidade judaica em seus lares. Vale ressaltar que aqueles jovens judeus conseguiram se relacionar muito bem com as pessoas em Natal, mesmo criando essa delimitação de não envolvimento de caráter íntimo e pessoal com aqueles que eram diferentes a sua cultura.

Ocorreram então várias uniões a partir de 1920. Com esses casamentos, muitos outros familiares, entre eles primos, irmãos, pais, tios e outros membros, decidiram deixar seus países e foram atraídos para a capital potiguar.

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Jose e Sonia Palatnik – Fonte – LUCIANA SOUZA DE OLIVEIRA, A FALA DOS PASSOS: IMIGRAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS JUDAICOS NA CIDADE DO NATAL, (1919-1968), NATAL, 2009, UFRN.

Essas ramificações e parentescos foram os elementos principais para que a família Palatnik se destacasse, tornando-se os membros proeminentes para o estabelecimento de uma comunidade judaica na cidade, pois o número de pessoas que gravitavam em torno deles crescia com o passar dos anos.

Preocupações Com Coisas da Vida e da Morte

Segundo informa o site judaismohumanista.ning.com, em 1925 foi fundado na capital potiguar o Centro Israelita, que funcionava também como uma sinagoga.

Ainda na década de 1920 os judeus natalenses foram os primeiros a construir um jardim de infância, que até aquele período não havia sido estabelecido na cidade de Natal. Esta escola para crianças começou a funcionar, junto a um programa de educação judaica complementar e uma de suas professoras foi a Sra. Sara Branitzak, que teria vindo da Palestina e, segundo a historiadora Luciana Souza de Oliveira, chegou em 1927, mas ela passou pouco tempo neste trabalho.

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Jardim de Infância Palatnik – A partir da esquerda, em pé: Eliachiv Palatnik, Sofia Kaller, Ester Palatnik, David Fassberg, Ester Palatnik (filha de Elias) e Moisés Palatnik. Sentados: Aron Horovitz, Aminadav Palatnik, professora Sarah Branitzky, Sarita Volfzon, Raquel Horovitz, Nechama Kaller e Simon Masur. Na frente: (?), Nechama Palatnik, Achadam Masur e Genita Volfzon – Fonte – LUCIANA SOUZA DE OLIVEIRA, A FALA DOS PASSOS: IMIGRAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS JUDAICOS NA CIDADE DO NATAL, (1919-1968), NATAL, 2009, UFRN.

Muitas crianças judias que nasceram em Natal participavam não apenas da vida judaica, também se relacionavam com as outras crianças da cidade sem, no entanto, esquecer que mesmo sendo Potiguares, eram acima de tudo judeus, guardando e seguindo as tradições que eram ensinadas pelos seus pais. Uma destas crianças foi Uma das crianças judias nascidas em Natal, mais precisamente em 19 de fevereiro de 1928, foi Abrahan Palatnik.[1]

Ainda segundo o site judaismohumanista.ning.com, um censo oficial da cidade de Natal em 1940 registrou um total de 54.836 habitantes e 109 eram judeus.

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Túmulo de Rosinha Palatnik no Cemitério Público do Alecrim – Foto do autor.

Com o natural crescimento da comunidade local, que passou a contar com mais de trinta famílias de judeus, logo não eram apenas os aspectos ligados a vida terrena que preocupavam esta comunidade, as questões de morte também se tornou uma preocupação.

Em 10 de janeiro de 1931, através de contatos entre os líderes da comunidade e a Prefeitura de Natal, cujo prefeito a época era o Sr. Gentil Ferreira de Souza, foi doada uma quadra murada no Cemitério Público do Alecrim para que os membros da comunidade judaica fossem enterrados mediante seus rituais tradicionais. Igualmente foi fundada uma sociedade funerária chamada Chevra Kadisha.

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Rosinha Palatnik

Até hoje existe este espaço exclusivo no Cemitério do Alecrim e entre os vários judeus natalenses enterrados está a lápide de Rosinha Palatnik. Ela faleceu no dia 7 de agosto de 1936, com apenas 20 anos de idade, depois de uma permanência no hospital de um mês e quinze dias em razão de uma apendicite. Rosinha era carioca, nascida Rosinha Tendler, filha de Boris e Anna Tendler e era casada com Horácio Palatnik (ver jornal “A República”, edição de domingo, 9 de agosto de 1936).

Crescimento dos Negócios

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O trabalho dos Palatnik prosperou ao longo dos anos e foi se diversificando.

De prestamistas eles abriram uma fábrica e uma loja de móveis chamada Casa Sion, sendo localizada a rua Dr. Barata, número 6, no bairro da Ribeira, uma das principais artérias comerciais da cidade na época.

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Braz Palatnik

Já Braz Palatnik surge com uma casa comercial na década de 1920, que inclusive era batizada com o seu nome e ficava localizada igualmente na rua Dr. Barata, nos números 204 e 205 e ali parece que ele vendia de tudo um pouco. Anúncios no jornal “A República”, o principal da cidade, mostra uma propaganda onde se oferecia guarda-chuvas, cobertas para camas, calçados para homens, tolhas, tecidos de cambraia e muitas outras coisas. Tempos depois esta loja mudou para a rua Ulisses Caldas, na esquina com a rua Felipe Camarão, no Centro da cidade, muito próximo, ou mesmo vizinho, ao Centro Israelita.

Em 1931 os irmãos Tobias e Braz Palatnik estão com uma fábrica de mosaicos na rua Extremoz e uma loja destes produtos na rua Dr. Barata, mas no número 190. Tinham também uma serraria na rua Ulisses Caldas e mantinham a Casa Sion para vender os móveis por eles fabricados.

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5 de fevereiro de 1937

Em 1936 o antigo e marcante cinema Polytheama, referência da sétima arte na história da cidade e localizado na Praça Augusto Severo, 252, se torna a Casa Palatnik. Como em outros comércios destes judeus a diversificação e a variedade de produtos é a tônica da casa comercial. Ali se vendia desde camas de ferro, passando por móveis de vime e junco e até mesmo pedras para túmulos.

Conforme os Palatnik vão prosperando, eles vão participando de atividades junto à sociedade natalense. José Palatnik, por exemplo, se torna conselheiro da Associação Comercial de Natal e do conselho fiscal do Banco Industrial Norte-rio-grandense S.A.

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25 de janeiro de 1939

Além da diversificação de negócios, pesquisando nos jornais antigos fica patente como os Palatnik investiram forte na aquisição de imóveis por toda a área de Natal. Nessa época era normal que os documentos emitidos pela prefeitura da cidade nas negociações ligadas a imóveis, com exceção de valores, fossem divulgados nos jornais locais. Neste aspecto, principalmente no início da década de 1940, os Palatnik estão sempre presentes com pagamentos de impostos referente a muitas aquisições e venda de imóveis. Provavelmente perceberam que, mesmo de forma lenta, a cidade se expandia e a compra de imóveis era outra nova oportunidade de negócios a ser trabalhada.

A Jerusalém do Brasil

O jornal Tribuna do Norte, na sua edição de 22 de novembro de 2013, informa que os irmãos Palatnik investiram na construção civil em Natal. Eles foram pioneiros na construção de conjuntos habitacionais: as primeiras casas da Ponta do Morcego (numa delas veraneava o governador Juvenal Lamartine) e a famosa Vila Palatnik, pegando a avenida Deodoro, rua Ulisses Caldas (em frente ao Colégio da Conceição) e rua coronel Cascudo.

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Região da Ponta do Morcego, em Natal

Durante a Segunda Guerra Mundial o Rio Grande do Norte sediou uma das maiores bases de aviação dos Aliados no hemisfério ocidental, a famosa Parnamirim Field. Este fato, ocorrido antes mesmo da declaração formal de guerra do Brasil contra os países do Eixo, proporcionou a chegada de muitos militares estadunidenses a Natal. Logo alguns soldados judeus servindo as forças armadas dos Estados Unidos começaram a participar e animar a vida comunitária dos judeus em Natal.

Em agosto de 1942 era o próprio Brasil que entrava na Segunda Guerra Mundial. Em Natal e a população foi chamada para participar do esforço de guerra, com ações da defesa passiva. A tradicional comunidade sírio-libanesa de Natal, tendo a frente Neif Habib Chalita e Kalil Abi Faraj, participou deste processo junto com outras colônias de estrangeiros que viviam na cidade, entre estas os judeus. Nestas atividades eles eram liderados por José Palatnik e Leon Volfzon. Não sabemos em que grau ocorreu a participação destas comunidades no processo de defesa passiva de Natal, nem como foi a interação de sírio-libaneses e judeus neste objetivo, mas tudo leva a crer que transcorreu sem maiores alterações em razão da inexistência de notícias apontando problemas.

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Participação da tradicional comunidade sírio-libanesa de Natal no processo de defesa passiva da cidade durante a Segunda Guerra Mundial, juntamente com a comunidade judaica.

Com a chegada dos estadunidenses houve um aporte financeiro muito intenso na capital potiguar. Consequentemente a cidade se encheu de forasteiros em busca dos preciosos dólares e este aumento populacional trouxe consequências para Natal. Entre estes figuram o aumento da carestia e a falta de moradias e esse ultimo fato motivou os Palatnik a abrir um novo negócio – Uma loja de material de construção para abastecer um mercado que construía novas casa.

Mas a pequena e calma cidade, que crescia a olhos vistos, já não atraia os judeus como no passado.

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Vila Palatnik

Após a Segunda Guerra Mundial tem início a migração dos judeus natalenses para outros centros urbanos como Rio de Janeiro e Recife, mas alguns seguiram para o recém-criado Estado de Israel. Assim, com o número de judeus extremamente reduzidos em Natal, as atividades do Centro Israelita foram encerradas em novembro de 1968.

Segundo a historiadora Luciana Souza de Oliveira a história da presença dos judeus em Natal foi algo expressivo. Eles foram os responsáveis por construir na capital Potiguar uma das comunidades judaicas mais atuantes do Brasil, que chegou a ser conhecida na Palestina como a Jerusalém do Brasil.

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Irmãos Palatnik

As famílias judias que se estabeleceram na cidade mudariam não apenas a história dos judeus em Natal, mas o próprio espaço urbano e cultural. Foi na capital potiguar que eles tiveram a oportunidade de (re)construir as suas vidas oferecendo a cidade o que eles tinham de melhor: o trabalho e suas mercadorias. Em contrapartida a cidade os recebeu consumindo os seus produtos importados e dando a eles uma condição de vida digna na qual puderam oferecer a suas famílias o suprimento de suas necessidades.

A imigração deste grupo de judeus para Natal representou mais que um simples evento, foi a importante inserção de um povo, de uma cultura, uma religião, uma economia, organização espacial e social, bem como a (re)construção do “seu lugar” na capital Potiguar.

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A EXPULSÃO DOS JUDEUS DE PORTUGAL

https://tokdehistoria.com.br/2015/06/08/the-first-synagogue-in-the-americas-itamaraca-1634/


REFERÊNCIAS

CASCUDO, Luís da Câmara. Yom Kippur em Natal. Jornal A República, Natal, n. 881, p.7, 12 nov. 1933.

OKSMAN. Sérgio (dir.). Irmãos de Navio: Histórias da Imigração Judaica no Brasil. São Paulo: Documenta Filmes, 1996. DVD (60 min), son., color.

ROZENCHAN, Nacy. Os judeus de Natal: Uma comunidade segundo o registro de seu fundador. Revista Herança Judaica, n. 106, abr. 2000. São Paulo: B´nai B´rith 2000.

SCHEINDLIN, R. História ilustrada do povo judeu. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

WOLFF, Egon; WOLFF, Frieda. Natal, uma comunidade singular. Rio de Janeiro: Cemitério Comunal Israelita, 1984.


NOTA

[1] Abrahan Palatnik é filho de Tobias e Olga Palatnik e com apenas quatro anos de idade imigrou de natal para a região onde, atualmente, se localiza o Estado de Israel. Entre 1942 e 1945, frequenta a Escola Técnica Montefiori, em Tel Aviv, e se especializa em motores a explosão. Só retorna ao Brasil, para o Rio de Janeiro, em 1948. Por volta de 1949, inicia estudos no campo da luz e do movimento, que resultam no Aparelho Cinecromático, exposto em 1951 na 1ª Bienal Internacional de São Paulo, onde recebe menção honrosa do júri internacional. Desenvolve a partir de 1964 os Objetos Cinéticos, um desdobramento dos cinecromáticos, mostrando o mecanismo interno de funcionamento e suprimindo a projeção de luz. O rigor matemático é uma constante em sua obra, atuando como importante recurso de ordenação do espaço. É considerado internacionalmente um dos pioneiros da arte cinética. Abraham Palatnik é consagrado pioneiro, o primeiro que explorou as conquistas tecnológicas na criação de vanguarda brasileira, tornando as máquinas aptas a gerarem obras de arte. Ver – https://www.escritoriodearte.com/artista/abraham-palatnik/

A HISTÓRIA DOS JUDEUS NO BRASIL

Autor – Rostand Medeiros

A história dos judeus no Brasil é longa e complexa, uma vez que se estende desde o início da colonização européia no novo continente. Mas antes de tudo é uma vergonhosa história de intensas perseguições religiosas.

Inicialmente os judeus sofreram com os tribunais eclesiásticos da Inquisição na Espanha a partir de 1478 e a partir de 1492, quando tem inicio às expedições colonizadoras espanholas para o Novo Mundo, é um ano que também marca o início da Segunda Diáspora, quando os judeus foram expulsos da Espanha.

Em 1497, seguindo o exemplo dos vizinhos, os portugueses baniram os judeus de seu país e muitos fugiram para um país europeus mais hospitaleiro, como a Holanda.

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Expulsão de judeus na Espanha em 1492 – Fonte – http://www.alertadigital.com/

Os que continuaram em Portugal buscaram sobreviver como “Cristãos-novos” (também conhecidos como Conversos ou Marranos, judeus obrigados a converter-se ao catolicismo romano pela coroa Portuguesa). Alguns destes Marranos, embora publicamente “convertidos”, mesmo com o risco de captura e morte pela Inquisição, assumiram o risco e continuaram secretamente a praticar o criptojudaísmo (estes eram grupos que praticavam a fé judaica e seus costumes em segredo, por receio de perseguições religiosas).

Outros que haviam concordado em desistir do Judaísmo parecem ter realmente colocado sua religião de lado para sobreviver – pelo menos exteriormente – como cristãos.

Dois anos depois da chegada de Pedro Álvares Cabral a Bahia, na condição de “cristãos-novos”, foi oficialmente sancionada e concedida a vinda de um primeiro grupo destas pessoas para se instalarem no Brasil e exportar a madeira para Portugal. Em terras tupiniquins os Marranos também desenvolveram práticas agrícolas com resultados positivos. Acredita-se que o primeiro exemplar de cana-de-açúcar foi trazida para o Brasil em 1532, por um fazendeiro judeu da Ilha da Madeira.

Conforme a colonização avançava, assumindo abertamente, ou não, a sua religião, em vários locais no Novo Mundo se desenvolveram comunidades judaicas. Além da colônia portuguesa do Brasil, existiram pequenos grupos nas colônias espanholas que se tornariam países como Colômbia, Cuba, Porto Rico, México, Peru e República Dominicana. São conhecidos grupos no Suriname e Curaçao holandês, e nas colônias inglesas da Jamaica e Barbados. Estas comunidades judaicas se desenvolveram mais fortemente nas áreas sob controle holandês e inglês, povos bem mais tolerantes em relação ao Judaísmo do que os portugueses e espanhóis. Tanto assim que em meados do século XVII, uma das maiores comunidades judaicas do Hemisfério Ocidental estava localizada no Suriname colonizado pelos holandeses.

Expulsos de Portugal

Enquanto isso em Portugal, a partir de 1536, é implantado oficialmente a Inquisição. Assim, a maioria dos Marranos portugueses evitou imigrar para o Brasil, porque também nas terras tropicais seriam perseguidos por este tribunal eclesiástico.

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Quadro do holandês. Frans Janszoon Post (Leyden, 1612 — Haarlem, 1680) mostrando o Brasil Holandês – Fonte – http://cultura.culturamix.com/arte/pinturas-de-frans-post

Muitos judeus portugueses se refugiaram em países mediterrânicos (Norte de África, Itália, Grécia) e região do Oriente Médio. Já outros emigraram ainda com mais força para países que toleravam o Judaísmo como a Inglaterra, Alemanha e a sempre presente Holanda.

Muitos judeus que chegaram ao conhecido País Baixo tinham ótimas qualificações na produção de açúcar e, em um futuro nem tão distante assim, suas habilidades seriam positivamente apreciadas por uma empresa holandesa que se instalaria a força no Nordeste do Brasil. Era a Companhia das Índias Ocidentais (West Indian Company).

No início dos anos 1600 o Brasil já possuía uma população com cerca de 50.000 europeus, alguns deles descendentes dos conversos. Em 1624 parte do Nordeste do Brasil ficou sob o domínio holandês, capitaneado pelo investimento bélico da Companhia das Índias Ocidentais.

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Recife, capital de Pernambuco, foi um grande centro judaico da América Latina – T’RECIF de PERNAMBVCO’ ca. 1630 fonte: Ilustração do livro de Johannes de Laet – 1644 – Fonte – http://bairrodorecife.blogspot.com.br/2014/02/a-rua-do-bode-dos-judeus-da-cruz-e-do.html

Esta foi uma boa notícia para a comunidade judaica no Novo e Velho Mundo, pois os holandeses eram, por assim dizer, simpáticos ao povo judeu e permitiram a imigração judaica para a região. Judeus que tinham praticado a sua religião de forma clandestina por décadas na América do Sul, celebraram tão exuberantemente sua liberdade com desfiles e marchas pela cidade de Recife, que os holandeses tiveram de lhes pedir para restringir a sua alegria e evitar conflitos com Luso-brasileiros católicos.

Os judeus do Nordeste do Brasil tornaram-se membros de uma sociedade numerosa, bem estabelecida e prosperaram economicamente. O inglês Adam Smith atribuiu grande parte do desenvolvimento da indústria de açúcar do Brasil a chegada dos judeus portugueses a região de Pernambuco.

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Rua dos Judeus, em Recife, e seu mercado de escravos. Quadro Rua dos Judeus – Slavenmarkt, de Zacharias Wagener – 1641 – Fonte – http://bairrodorecife.blogspot.com.br/2014/02/a-rua-do-bode-dos-judeus-da-cruz-e-do.html

Para o Nordeste do Brasil começaram a chegar judeus vindos da Polônia, Turquia e Hungria, bem como muitos da Espanha e de Portugal. Em 1636 no Recife, capital de Pernambuco, os judeus construíram escolas e uma sinagoga. Este é considerado o primeiro templo judaico das Américas. Em 1642, um grande grupo de judeus chegou a Recife vindos de Amsterdã, capital da Holanda. Neste grupo estavam o rabino Isaac Aboab da Fonseca e Cantor Moisés de Aguilar. Autores apontam que a população de Recife atingiu um ponto alto em 1645, respondendo por cerca de 50% da população branca da cidade.

Desenvolvimento e Expulsão do Nordeste

Os judeus que tinham se estabelecido logo no início no Brasil foram os proprietários de terra e barões do açúcar. Aqueles que chegaram mais tarde se envolveram no comércio. Judeus brasileiros formaram uma rede de comércio exterior com os judeus em Amsterdã, desenvolvendo parcerias para levar suprimentos para o Brasil. Alguns destes judeus se tornaram bem-sucedidos comerciantes de escravos.

Em 1645 foi concedida pela Companhia das Índias Ocidentais a permissão para um judeu exercer a advocacia em Recife, mas o Supremo Tribunal na Nova Holanda (em holandês Nieuw Holland, também conhecida como Brasil Holandês) se recusou a aceitar sua licença. A comunidade judaica em Amsterdã intercedeu em seu nome e ele acabou sendo autorizado a praticar a lei no Brasil.

Diante do sucesso dos comerciantes judeus, especialmente no lucrativo comércio de escravos, empresários cristãos Luso-brasileiros mais de uma vez pediram ao governo da Nova Holanda para limitar a prática de comércio judaico em Recife. O governo de ocupação recusou-se a tomar medidas para prejudicar de alguma forma os negócios dos judeus, pois o dinheiro gerado por eles era muito importante para a economia da colônia.

Os Luso-brasileiros queriam de volta seu valioso território no Nordeste do Brasil. A situação para os judeus tomou um rumo para pior em 1654, quando os portugueses, através de uma vitoriosa luta, reafirmaram sua autoridade sobre os holandeses.

Em seu tratado de rendição os holandeses haviam exigido que os judeus deveriam ser tratados da mesma maneira que outros cidadãos holandeses: eles teriam que deixar a região dentro de três meses e seriam autorizados a vender sua propriedade e negócios.

Alguns voltaram para Amsterdã, entre eles o rabino Aboab da Fonseca e Cantor De Aguilar. Um barco cheio deles, soprado fora do curso tradicional, se estabeleceu em New Amsterdam (mais tarde Nova York, Estados Unidos), sendo estes os primeiros judeus a desembarcarem e fundarem a primeira comunidade judaica neste país. Muitos partiram para outras ilhas ou colônias do Caribe, tais como Curaçao, Barbados e Suriname (mais tarde Guiana Holandesa). Apenas alguns permaneceram no Brasil.

O Esquecimento Dos Que Ficaram

Muitos dos que não conseguiram sair, fosse por razões financeiras, ou principalmente pessoais, foram mortos pelos portugueses. Para sobreviver alguns tornaram a praticar o criptojudaísmo. Estes viviam longe das autoridades, no interior do Brasil. Alguns se tornarão donos de glebas no ermo sertão nordestino, convivendo com indígenas bem diferentes dos existentes no litoral, criando bovinos, caprinos, plantando algodão, fumo e tocando a vida.

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É possível que alguns dos judeus que buscaram refúgio no interior do sertão do Nordeste do Brasil tenha construído vivendas fortificadas, como esta casa existente na região de Serra Talhada, Pernambuco, que aqui é apresentada meramente como exemplo. Foto – Rostand Medeiros

Por esse tempo, no entanto, os poucos remanescentes dos Marranos já tinham de tal forma assimilado a cultura católica brasileira que perderam grande parte do conhecimento das práticas e costumes judaicos. Conforme se deu o avanço da massa de novos colonizadores no sertão nordestino, com forte presença da autoridade da Igreja Católica, foi que este esquecimento se ampliou. Permaneceram em algumas comunidades mais distantes e isoladas no sertão nordestino algumas práticas de uma antiga cultura, pequenos sinais na verdade, que muitos desconheciam a razão e origem, mas que os diferenciavam de outros grupos que existiam em suas regiões.

Esse desconhecimento se explica, pelo menos em parte, devido às perseguições contra os judeus por parte das autoridades portuguesas. Consta que no distante ano de 1713, várias centenas de judeus foram extraditados do Brasil para Portugal por causa da Inquisição. Finalmente, em 1773, um decreto real acabou com as práticas da Inquisição no paí dos Lusos.

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A cidade potiguar de Venha Ver, no oeste do estado, teria estes sinais indicativos de uma presença judia em seu passado. Sobre este tema ver o link desta postagem no TOK DE HISTÓRIA – https://tokdehistoria.com.br/2011/06/30/a-cidade-potiguar-de-venha-ver-e-a-sua-possivel-tradicao-judaica/

Apesar deste fato, existe a informação que no final do século XVIII, alguns judeus Marranos vieram de Portugal para a região sudeste do Brasil com a intenção de trabalhar nas minas de ouro. Muitos foram presos acusados de judaísmo.

Somente em 1822, quando o Brasil se tornou independente de Portugal, começou a ocorrer mudanças.

Um Novo Recomeço No Brasil

Após a primeira constituição brasileira em 1824, que concedeu a liberdade de religião, os judeus começaram a retornar bem lentamente ao Brasil.

Muitos judeus marroquinos chegaram no século XIX, principalmente em razão do boom da borracha na Amazônia, onde seus descendentes continuam a viver por lá.

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Sinagoga Shaar Hashamaim de Belém do Pará. Foto de Moisés Unger – Fonte – http://menorahbrasil.blogspot.com.br/2014/03/judeus-no-brasil.html

A maioria das fontes afirma que a primeira sinagoga de Belém, capital do Grão-Pará, seria a Sha’ar Hashamaim (“Porta do Céu”) e teria sido fundada em 1824. Há, no entanto, controvérsias; Samuel Benchimol, autor do livro “Eretz Amazônia: Os Judeus na Amazônia”, afirma que a primeira sinagoga criada na cidade de Belém foi Eshel Avraham (“de Abraão Tamargueira”), fundada em 1823 ou 1824, enquanto a Sha’ar Hashamaim teria sido fundada em 1826 ou 1828. Independente desta questão sabe-se que a população judaica na região cresceu a ponto de ter sido estabelecido uma necrópole exclusiva para os judeus no ano de 1842.

Cerca de quarenta anos depois, principalmente a partir de 1881 e se prolongando até 1900, ocorreu um grande fluxo de imigração internacional para o Brasil. Mas a imigração judaica no período foi bastante baixa, pois muitos judeus europeus decidiram imigrar para países mais industrializados.

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Barão Maurice Hirsch Von Gereuth – Fonte – http://www.wikiwand.com/fr/Maurice_de_Hirsch

Mas em razão das condições desfavoráveis na Europa, principalmente diante de perseguições, a partir da década de 1890 os judeus daquele continente começaram a debater o estabelecimento de assentamentos agrícolas no Brasil, tendo o primeiro sido criado em 1902, na área de Itaara, no município de Santa Maria, no estado do Rio Grande do Sul.

Este empreendimento era apoiado pela Jewish Colonization Association (JCA), entidade fundada em setembro de 1891 e presidida pelo Barão Maurice Hirsch Von Gereuth, banqueiro de origem judaico alemã. O objetivo desta entidade era proporcionar aos judeus da Europa Oriental estudos agrícolas básicos, transporte para países sem restrições raciais e religiosas, lotes de terra para cultivo, equipamentos e animais para o início dos trabalhos e escolas para as crianças. Em contrapartida o imigrante se comprometia a reembolsar as suas despesas com a instituição em um prazo estipulado entre 15 a 20 anos, garantindo assim financiamento para novas famílias buscarem uma oportunidade na América.

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Antiga entrada da Fazenda Philippson, no atual município gaúcho de Itaara – Foto de Ubirajara Buddin Cruz – Fonte – http://www.panoramio.com/user/2815684?with_photo_id=87442865

O primeiro assentamento foi denominado Fazenda Philippson, aonde primeiramente 148 pessoas, de 37 famílias, vindas da Bessarábia (região histórica da Europa Oriental, localizada entre os atuais territórios da Moldávia, Ucrânia e Romênia), estavam dispostos a se estabelecer na colônia experimental. Estes receberam lotes de 25 a 30 hectares, equipados com casas de madeira, animais, instrumentos agrícolas e sementes. 

Mas a temporada de colheitas de 1904 falhou devido à inexperiência, fundos insuficientes e mau planejamento.

Em 1911 houve uma nova tentativa, quando a JCA  adquiriu a Fazenda dos Quatro Irmãos Pacheco, para transformá-la em uma colônia judaica, com uma nova leva de imigrantes. Mas a iniciativa falhou novamente.

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Nas quatro primeiras décadas do século XX, judeus do Leste Europeu e negros vindos da Bahia e da região cafeeira do Estado do Rio dividiam ruas, escolas e mesmo casas no bairro Praça Onze, em Porto Alegre. Eles vendiam mercadorias, produziam boa música e boa comida. Ao redor da praça, os judeus criaram sinagogas e escolas. Esta história quase esquecida foi contada pela jornalista e pesquisadora Beatriz Coelho Silva, no livro “Negros e Judeus na Praça Onze. A história que não ficou na memória” (Editora Bookstar) – Fonte – http://www.conib.org.br/blog/noticias/1061/negros_e_judeus_na_praa_onze_rio_de_janeiro_a_histria_que_quer_ficar_na_memria

No ano de 1910, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, diante do crescente número de judeus que vinham viver e negociar na cidade, muitos ex-colonos da Fazenda Philippson, uma escola judaica foi aberta e em 1915 foi criado um jornal em idioma iídiche, o “Di Menshhayt” (Humanidade).

Até a Primeira Guerra Mundial cerca de 7.000 judeus vieram viver no Brasil. Em 1916 a comunidade judaica do Rio de Janeiro formou um comitê de ajuda para as vítimas do conflito.

Pós Holocausto

A maioria das nações latino-americanas era relativamente aberta aos imigrantes judeus entre as décadas de 1910 e 1930. Mas durante a Grande Depressão os líderes políticos e os governos em toda a região exploraram a crise econômica para desenvolver bases populistas.

Novos governantes refletiram esta tendência política, o que incentivou o desenvolvimento de partidos antimigração ou plataformas e campanhas de imprensa fortes contra a imigração.

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Nazismo na Alemanha, terror para os judeus.

Em 1933, após a tomada do poder na Alemanha pelos nazistas, a busca de refúgio na América Latina se intensificou, bem como aumentou a resistência popular e oficial à aceitação dos judeus europeus e outros estrangeiros. Essa situação gerou a criação de leis de imigração cada vez mais rígidas em toda a América Latina no final da década de 1930.

Além disso, a simpatia de alguns latino-americanos de descendência alemã para as teorias raciais da ideologia nazista também contribuiu para o aumento do anti-semitismo. Os governos latino-americanos oficialmente permitiram a entrada de cerca de 84.000 refugiados judeus entre 1933 e 1945, menos de metade do número admitido entre 1918 e 1932.

No caso do Brasil, por exemplo, 96.000 imigrantes judeus foram admitidos no país entre 1918 e 1933, mas apenas 12.000 entre 1934 e 1941. Geralmente o governo brasileiro não cumpria a sua própria legislação de imigração.

Muitos outros judeus entraram nos países latinos através de canais ilegais.

Mesmo com estes problemas é inegável que a América Latina foi um importante destino para muitos sobreviventes do Holocausto.

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1933 – Nazistas cantando para incentivar um boicote a um loja de judeus na Alemanha – Fonte – rarehistoricalphotos.com

Mais de 20.000 judeus imigraram para a região entre 1947-1953. Seu principal destino foi a Argentina, que se tornou o lar de pelo menos 4.800 sobreviventes do Holocausto. Outros se radicaram no Brasil, Paraguai, Uruguai, Panamá, Costa Rica, entre outros países.

Uma nova constituição no Brasil, promulgada em 1945, ajudou a garantir os direitos dos cidadãos judeus, e em 1947, o Brasil lançou o seu voto favorável para a criação de um Estado judeu na recentemente criada ONU.

Novos Tempos no Brasil

Os judeus no Brasil desenvolveram fortes estruturas de apoio e oportunidades econômicas, o que atraiu a imigração judaica polaca e européia oriental. No final dos anos 1950, outra onda de imigração trouxe milhares de judeus norte-africanos. Hoje em dia as comunidades judaicas prosperam tranquilas no Brasil, onde um completo espectro de instituições sociais, religiosas, vários clubes e escolas estão em permanente atuação.

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Ficha Consular de Qualificação para entrada no Brasil do judeu de origem egípcia Armand Toueg Soriano – Fonte – https://judeusarabes.wordpress.com/

Os judeus brasileiros possuem ativo papel na política, nos esportes, no meio acadêmico, no comércio, na indústria e estão bem integrados em todas as esferas da vida brasileira. A maioria dos judeus no Brasil vivem no estado de São Paulo, mas também há comunidades consideráveis no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraná.

No início do século XXI cerca de 500.000 judeus vivem na América Latina, estando concentrados na Argentina, Brasil e México, com o primeiro pais sendo considerado o centro da população judaica nesta parte do mundo. Já o Brasil possui a nona maior comunidade judaica, com mais de 107.000 pessoas em 2010, de acordo com o censo do IBGE. Entretanto a Confederação Israelita do Brasil (CONIB) estima que existam mais de 120.000 judeus no país.

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Família de judeus marroquinos no Brasil – Fonte – http://www.coisasjudaicas.com/2013/01/os-judeus-marroquinos-no-brasil.html

De acordo com um relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos, o anti-semitismo no Brasil continua a ser raro. Mas infelizmente alguns atos e eventos anti-semitas menores ainda ocorrem. Um deles foi durante a Guerra do Líbano de 2006, com o vandalismo de cemitérios judaicos.

O Brasil condena estritamente anti-semitismo e tal ato é uma violação explícita da lei. De acordo com o Código Penal Brasileiro é ilegal escrever, editar, publicar ou vender literatura que promova o anti-semitismo ou o racismo. A lei prevê penas de até cinco anos de prisão por crimes de racismo ou intolerância religiosa e permite aos tribunais multar ou prender de dois a cinco anos quem exibir, distribuir ou transmitir material de anti-semita ou racista.

Também em 1989, o Senado brasileiro aprovou uma lei que proíbe o fabrico, comércio e distribuição de suásticas com o propósito de disseminar o nazismo. Qualquer pessoa que quebra essa lei é susceptível de servir a uma pena de prisão de dois a cinco anos (Lei n. 7.716 de 05 de janeiro de 1989).

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GUm mal que ainda persiste no Brasil – Grupo de neonazistas brasileiros presos na 77ª DP, em Icaraí, Niterói, Rio de Janeiro. Este grupo foi acusado em 2013 e aqui eles estão ao lado do material de propaganda nazista apreendido pela polícia: maioria tem tatuagens de suásticas e a cabeça raspada – Foto – Luiz Ackermann – Fonte – http://oglobo.globo.com/rio/estado-tem-pelo-menos-quatro-grupos-neonazistas-8519436

Os resultados de uma pesquisa global sobre os sentimentos anti-semitas, divulgado pela Liga Anti-Difamação, colocou o Brasil entre os países menos anti-semitas no mundo. De acordo com esta pesquisa global realizada entre julho de 2013 e fevereiro de 2014, o Brasil tem o menor “Índice de Anti-semita” (16%) na América Latina e no terceiro mais baixo em todas as Américas, atrás apenas do Canadá (14%) e Estados Unidos (9%).


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FONTES DESTA POSTAGEM

https://www.ushmm.org/wlc/en/article.php?ModuleId=10007824

http://sefarad.org/lm/010/bresil.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/Judeus_em_Portugal

http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/vjw/Brazil.html

http://www.esteditora.com.br/MemoriasdeQuatroIrmaosColonizacaojudaica

http://ensina.rtp.pt/artigo/breve-historia-da-inquisicao-em-portugal/

https://en.wikipedia.org/wiki/Jewish_Colonization_Association

http://hypescience.com/10-corajosos-diplomatas-da-segunda-guerra-mundial-que-salvaram-a-vida-de-milhares-de-judeus/

http://blog.webjudaica.com.br/santa-maria-rs-sedia-mostra-sobre-imigracao-judaica-rio-grande-sul/