MONTE DAS TABOCAS – O COMEÇO DA DERROTA DOS HOLANDESES NO BRASIL

Autor – Hermes Leôneo Menna Barreto Laranja Gonçalves*

Fonte – Revista BELLUM

Resumo: Este artigo versa sobre a Batalha do Monte das Tabocas, travada entre milícias portuguesas, compostas por elementos nascidos nos domínios portugueses e locais, e tropas regulares holandesas, da Companhia das Índias Ocidentais (WIC), em 3 de agosto de 1645, no interior de Pernambuco, no Brasil. O texto começa com um breve resumo da evolução do conflito, situado no Nordeste da então possessão portuguesa do Brasil, e destacando, inclusive, o caráter local, e peculiar, da resistência apresentada pelos portugueses, e nativos, aos agressores estrangeiros. Tais invasores, antigos parceiros comerciais dos portugueses, em face da absorção pela Espanha, seus inimigos, de Portugal, em 1580, decidiram pela ocupação das principais zonas produtoras de açúcar no Brasil, o que foi efetivado a partir de 1630. A seguir, já após a Restauração de Portugal, ocorrida 1640, a narrativa passa a tratar das providências portuguesas, mesmo que de forma clandestina, haja vista a paz aparente entre Portugal e Holanda, para recuperar os territórios ocupados pelos holandeses. Dentre elas, está o apoio velado, em homens e armas, à sublevação, sobretudo de Pernambuco, contra os invasores estrangeiros. A partir daí o texto discorre sobre os eventos ocorridos logo após a eclosão da revolta ostensiva contra os holandeses, em meados de junho de 1645, culminando com a batalha, vencida de forma inesperada, pelos patriotas apoiados nas alturas do chamado Monte das Tabocas. Longe de despreparados militarmente, as milícias de Tabocas, adestradas pelo militar português Antônio Dias Cardoso, haviam se preparados por meses para apresentar valor militar suficiente para enfrentar as bem adestradas tropas holandesas. Finalizando, o artigo passa então a tratar das consequências imediatas do combate nas Tabocas, destacando que foi o começo de uma longa série de vitórias das milícias locais, que, anos depois, já com apoio aberto da Coroa portuguesa, culminaram na rendição dos holandeses, na Campina do Taborda, então nos arredores do Recife, em Pernambuco.

De Formião, filósofo elegante, vereis como Anibal escarnecia, quando das artes bélicas, diante dele, com larga voz tratava e lia. A disciplina militar prestante não se aprende, Senhor, na fantasia, sonhando, imaginando ou estudando, senão vendo, tratando e pelejando (Os Lusíadas, Canto X, estrofe 153)

Conforme descrito na estrofe de Camões que abre este artigo, o ideal seria sempre buscar o conhecimento militar por meio da coleta oportuna de ensinamentos práticos no campo de batalha. Em tempo de paz, na (grata) impossibilidade de realizar essa tarefa com as duras experiências bélicas reais, entre outras possibilidades, os pesquisadores na área militar não devem esquecer-se de outro campo fecundo de ensinamentos doutrinários: a história militar.

Neste ponto, é sempre bom destacar que grandes chefes militares, como Napoleão Bonaparte, sempre instigavam seus principais oficiais a ler, e reler, os grandes clássicos militares em busca da exata noção dos princípios imutáveis da guerra.

Luís de Camões – Fonte – httpswww.cnc.pt450-anos-da-publicacao-de-os-lusiadas

Assim sendo, um dos conflitos militares de grande valor para o estudo da Arte da Guerra, em um ambiente operacional dentro do Brasil, vêm sendo as chamadas “Guerra Brasílicas”, ocorridas entre 1624 e 1654. Nesse longo conflito, dentre outras, as batalhas dos Guararapes (abril de 1648 e fevereiro de 1649) vêm sendo destacadas por historiadores militares, brasileiros e portugueses, por sua grande importância para a vitória da Restauração de Portugal (1640-1668), após a conturbada União Ibérica (1580-1640).

Contudo, tais vitórias não foram concretizadas nem rápida nem facilmente, tendo demandado uma longa preparação por parte dos patriotas portugueses empenhados, pelo menos, desde 1645, na libertação do Nordeste do Brasil do jugo holandês.

O longo conflito entre as Províncias Unidas dos Países Baixos (Holanda), representadas pela Companhia das Índias Ocidentais, e Portugal, em terras brasileiras, uma verdadeira “Guerra dos 30 anos no Brasil”, teve suas origens remotas quando os portugueses, após o desastre militar ocorrido em Alcácer-Quibir (1578), acabaram caindo sob o jugo espanhol. A Espanha, após a União Ibérica, e então sob a dinastia dos Habsburgos, tornou-se um verdadeiro império global, com inimigos diversos, dentre eles a República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos (1581-1795), entidade política hoje conhecida como Países Baixos, ou, mais simplesmente, a Holanda.

Filipe II de Espanha, Filipe I de Portugal em 1570 – Fonte -Philip_II_by_Alonso_Sánchez_Coello

Esta, em face da sua antiga inimizade com a Espanha, acabou por iniciar hostilidades com Portugal, agora submetida à Coroa de Espanha. Nessa lógica, em termos práticos, os portugueses, e seus vastos territórios ultramarinos, em especial o Brasil, ficaram proibidos de comerciar com os holandeses, antigos aliados e parceiros comerciais de longa data, o que lhes acarretou enormes prejuízos.

Dentre o vasto leque de parcerias comerciais frustradas pela união das coroas espanhola e portuguesa, destacou-se a da comercialização do açúcar de cana produzido por engenhos por todo o Brasil, com destaque para os da sua região Nordeste. Estes, por terem sido originalmente financiados pelo capital holandês, foram um exemplo do arranjo econômico mutuamente satisfatório que havia entre Portugal e Holanda – até 1594, ano em que os holandeses começam a cobiçar abertamente as riquezas do Brasil – em especial o açúcar e o pau-brasil (Simonsen, 2005).

Mapa ilustrado das antigas refeituras holandesas de Pernambuco e Itamaracá, durante a ocupação holandesa do Nordeste do Brasil (1630-1654). Ano de 1662. Fonte: Atlas of Mutual Heritage.

Não obstante, os holandeses, ao se verem privados dos lucros que tradicionalmente obtinham com sua antiga parceria açucareira, e às turras com os novos senhores de Portugal, planejaram uma série de ações hostis contra a zona açucareira do Brasil: inicialmente, sem sucesso, na Bahia e, com algum lapso, invadindo um setor, até então, menos defendido, a Capitania de Pernambuco (Daróz, 2010). Cabe mencionar que as ações hostis levadas a cabo, foram realizadas por um braço comercial das Províncias Unidas, chamado Companhia das Índias Ocidentais (WIC), criada na esteira de um empreendimento similar (a Companhia das Índias Orientais), que foi usado, com sucesso por comerciantes holandeses para incursões militares contra territórios hispano-portugueses no Oriente (Ilhas Molucas, Java e outras antigas possessões ibéricas).

É interessante também notar que, desde a primeira incursão holandesa (1624-1625), o ataque à praça-forte de Salvador, já haviam ocorrido menções a uma forte resistência aos invasores por meio de uso de táticas de fustigação (ataques inesperados, desgastantes e mortíferos) pelos habitantes locais (Varnhagen, 1872). Tal estado de coisas privou aos invasores a possibilidade de firmarem o domínio sobre a Zona do Recôncavo, ou seja, as áreas de produção de alimentos para a subsistência no entorno da então cidade-fortaleza e capital do Brasil seiscentista.

Enfraquecidos pela resistência montada pelos habitantes locais, as forças holandesas mantiveram posição enquanto puderam ser reabastecidos por via marítima, o que permaneceu inalterado, até que uma forte armada de naus portuguesas, espanholas e napolitanas, a comando de D. Fadrique de Toledo, proveniente da Europa, nos primeiros meses de 1625, iniciou um bloqueio total a Salvador, forçando os holandeses à rendição (Ibid.).

Bandeira da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais ou Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais (em neerlandês: West-Indische Compagnie ou WIC)- Fonte – Wikipédia.

Apesar dessa derrota inicial, os holandeses não desistiram, e, financiados com recursos obtidos por meio de incursões corsárias contra os transportes de prata espanhóis na região do Caribe, logo voltaram a atacar. Em 1630, mais experimentada, e em maior número, a WIC tentou nova incursão, desta feita na já referida Capitania de Pernambuco. Para tal ofensiva, organizaram uma força militar com 54 navios de guerra, e entre 6.200 e 7.200 militares, com os quais desembarcaram, sem muita resistência inicial, na praia do Pau Amarelo (situada a cerca de 16 quilômetros ao norte de Olinda). Rapidamente, ocuparam Olinda e, posteriormente, o porto do Recife, mais ao sul (Freire, 1675 e Jesus, 1679).

Mais importante, sem perda de tempo, e, sem dúvida, tentando evitar o impasse surgido na ocupação de Salvador, as forças holandesas ampliaram a sua área de ocupação para o interior, buscando: dominar a região dos engenhos de açúcar (a chamada Zona da Mata) e garantir fontes de abastecimento alimentar para suas posições litorâneas.

Apesar do sucesso inicial avassalador, a resistência ibérica se fez notar por meio de diversas ações do mestre de campo general (tenente-general) de Pernambuco, Mathias de Albuquerque, com destaque para o incêndio dos depósitos de açúcar do Recife. Além disso, conseguiu manter vívida a reação local ao invasor, sobretudo por meio das chamadas “companhias de emboscada” ou “companhias de assalto” (Barroso, 2019, p. 16).

Olinda na época dos holandeses no Nordeste do Brasil – Fonte – John Ogilby’s atlas America Being the Latest, and Most Accurate Description of the New World, London, 1671, p. 504

Como visto acima, essas pequenas unidades de guerra irregular tiveram sua origem imediata na defesa popular apresentada anteriormente em Salvador, sendo novamente ativadas por Mathias de Albuquerque no famoso Arraial Velho do Bom Jesus – cujas fundações estão hoje situadas nos arredores do Recife – e que mantém em suspenso a vitória completa dos holandeses (Vianna, 1948).

Tais companhias de emboscadas, durante cerca de cinco anos, em que pese suas limitações de efetivos e de meios, conseguiram manter o invasor em constante sobressalto, impedindo seu livre trânsito pelas estradas, atacando patrulhas, destacamentos e comboios inimigos, impedindo assim a pacificação do território (Freire, 1675).

Esses grupamentos de milicianos locais e portugueses, reforçados por indígenas e negros escravos (libertos ou não), utilizaram ao máximo táticas de guerrilhas ancestrais do Velho Mundo, mescladas com táticas de uso corrente pelos indígenas brasileiros. Aliaram, ainda, um elevado conhecimento do terreno, e do clima tropical, para maximizar o efeito de suas ações de interdição e atrito contra o invasor.

Recife no tempo dos holandeses no Nordeste do Brasil – Fonte – Rerum in Brasilia et alibi gestarum by Caspar Barlaeus

Mesmo assim, sem apoio da metrópole, e sitiado por forças holandesas superiores, o Arraial Velho, cercado, rendeu-se em 1635, tendo Mathias de Albuquerque escapado com parte significativa dos habitantes originais de Pernambuco (cerca de 7.000 pessoas) para a Capitania Real da Bahia. No caminho, cercaram e ocuparam o forte de Porto Calvo, tendo então capturado, julgado e executado Domingos Fernandes Calabar, responsável pela traição que gerou a derrocada portuguesa naquele ano.

Deste momento em diante, até 1645, os holandeses conseguiram um arranjo político e militar que lhes permitiu obter vários anos de estabilidade na região (governo de Maurício de Nassau). Com isso, inclusive e gradualmente, ampliaram seu controle territorial sobre a região nordeste brasileira, culminando com uma nova incursão a Salvador (1638) e a breve ocupação do Maranhão (1641 a 1643).

No ano de 1645, contudo, já com o domínio holandês politicamente bastante desgastado, um grupo de patriotas nascidos dentro e fora do antigo Estado do Brasil, em plena Guerra de Restauração entre Portugal e Espanha (travada entre 1640 e 1668), decidiram reacender a luta contra os invasores holandeses no nordeste brasileiro. Essa luta, acesa desde 1624, pelo menos, haveria de se arrastar por quase mais uma década, tendo demonstrado o elevado valor militar dos combatentes portugueses, nascidos, ou não, em Portugal.

Antônio Dias Cardoso, Cavaleiro da Ordem de Cristo,foi um dos principais líderes contra os holandeses, em detalhe do quadro de Victor Meirelles – Fonte – Wikipédia.

Contudo, mesmo com a Restauração de Portugal, efetivada em 1640, o Reino liberto tentou aos poucos retomar a autonomia que perdera por 60 anos. Na realidade, de imediato, não teve condições políticas, nem, especialmente, financeiras, de lutar abertamente por suas territorialidades perdidas enquanto sob jugo espanhol.

Mesmo assim, de forma velada, as autoridades portuguesas em Salvador buscaram manter vivo o espírito de resistência pernambucano, o que fizeram por meio do envio clandestino de recursos, suprimentos e homens de armas, como, por exemplo, um destacado militar chamado Antônio Dias Cardoso.

Segundo assentamentos existentes, o mestre de campo Antônio Dias Cardoso, Cavaleiro da Ordem de Cristo, teria nascido no Porto, por volta da virada do século XVII, filho de pais com origem fora da nobreza, tendo vindo jovem para o Brasil para tentar a sorte nas lides castrenses (Bento, 2013). Por relato de cartas-patentes de 1648 e 1656, existentes no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (situado em Lisboa), temos que esse renomado militar português teria servido no Brasil, de forma contínua e sempre de armas na mão desde 1624.

Carta-patente de promoção a mestre de campo concedida por El Rei de Portugal em 4 de maio de 1656. Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

Ao longo desse longo período, foi sendo sucessivamente promovido a alferes, ajudante, capitão, sargento mor e, finalmente, mestre de campo, sempre por meritórios serviços na guerra contra os holandeses. Nesse documento, há referências a seus destacados serviços, provavelmente, sob o comando de Matias de Albuquerque, “em varios asaltos, emboscadas e recontros que se lhe ofereçerão junto da villa de Olimda nas fortificações do Reçife e outras estançias adonde proçedeo com vallor conhecido” (sic) (Lisboa, 1648), e depois, sob João Fernandes Vieira e Francisco Barreto, quando “procedendo nellas (pelejas e batalhas) cô valor conhecido signalandosse nas mais das ditas ocasioens recebendo nellas feridas de que sua vida correo grande perigo e na aclamação da liberdade daquelas Capitanias […] que demais trabalhou” (Lisboa, 1656).

Por essa destacada folha de serviços, ainda servindo no Brasil, em dezembro de 1644, ou começo de 1645, foi designado pelo Governador do Brasil, então sediado em Salvador, para se infiltrar na Capitania de Pernambuco, “acompanhado por 60 homens escolhidos”, a fim de prover apoio militar, ainda que de forma velada, aos patriotas que então começavam a querer se insurgir contra o domínio holandês (Netscher, 1942, p. 223).

A partir dessa histórica infiltração, Antônio Dias Cardoso e seus homens começaram a instruir, nas matas que cercavam alguns engenhos na Zona da Mata pernambucana, o que pode ser considerado como o núcleo militar dos patriotas em armas para a libertação de Pernambuco e das demais capitanias subjugadas pelo invasor estrangeiro. Em paralelo, em meados de 1645, a paz relativa nas áreas ocupadas pelos holandeses, rapidamente caminhou para o conflito militar aberto.

João Fernandes Vieira – Fonte – Wikipédia.

O ponto inicial dessa conflagração começou justamente quando as forças patriotas, comandadas por João Fernandes Vieira (natural da ilha da Madeira) e pelo já referido sargento mor Antônio Dias Cardoso, conseguiram atrair um considerável contingente holandês para um combate nos termos desejados pelas forças locais. Tal atração se deu justamente pela constatação dos holandeses acerca da presença de uma força insurgente significativa, nos arredores do Recife, o que levou a uma ofensiva militar.

Em 3 de agosto de 1645, uma força holandesa com cerca de 1.500 holandeses e indígenas tapuias, comandados pelo coronel Hendrik van Haus, avançou sobre posições dos chamados “rebeldes” na região hoje conhecida por Monte das Tabocas, sendo surpreendidos pelo terreno (que desconheciam) e pelo número, ímpeto e audácia das milícias patriotas que realizaram seguidas emboscadas desmoralizantes sobre suas tropas (Jesus, 1679).

Esquema gráfico mostrando movimentos militares holandeses e as posições portuguesas anteriores ao confronto de 3 de agosto de 1645. Fonte: Google Earth, com esquemas esboçados pelo autor.

Segundo o historiador brasileiro, coronel Claudio Rosty, em Tabocas, dos cerca de 1.200 patriotas em presença, somente cerca de 200 teriam armamento de fogo, estando os demais “armados” de forma improvisada (flechas, piques com pontas tostadas, terçados e mesmo pedras) (Rosty, 2002). Por outro lado, aparentemente, os cerca de 700 holandeses, e mais outros tantos indígenas aliados, estavam muito mais bem armados e equipados, do que os patriotas, muito embora Nestscher alegue que essa tropa era a última unidade móvel, fora das fortificações, e carecesse de pagamentos e o mínimo suprimento bélico (inclusive munições) (Netscher, 1942).

Conforme o frei Rafael de Jesus, na época da batalha o Monte das Tabocas, situado a cerca de 40 quilômetros do centro do Recife, tinha uma configuração vegetal que lhe deu o nome: cheio de tabocas, ou seja, renques de bambu grossos, em linhas sucessivas, com passagens limitadas para o prosseguimento rumo ao topo (Jesus, 1679). A primeira linha de tabocas então distaria cerca de 1.000 metros do curso do rio Tapacurá, após uma campina, e, segundo Santiago, acompanharia a trilha em aclive para o alto do monte (Santiago, 1984).

Vista recente do Rio Tapacurá, a montante do local de travessia holandês, onde hoje existe um pequeno açude. Fonte: Instituto Histórico e Geográfico de Vitória de Santo Antão.

Passado este primeiro tabocal, depois de um descampado de menor extensão, haveria um segundo renque que ascendia quase ao topo do monte. Por sinal, o cimo, à época estava com densa cobertura de árvores e, em sua orla, mais um renque dos já citados tabocais (Jesus, 1679).

No caminho para a presa, que julgavam certa, os holandeses avançaram meio que temerariamente, tendo, ao cruzar o rio caudaloso, provavelmente diminuído consideravelmente (por ação da umidade) sua pretensa superioridade de fogos. Além disso, com fardas e apetrechos molhados, o solo úmido e barrento (pesado), deve ter atritado bastante a necessária coesão das linhas batavas.

Tanto Santiago como Jesus apontaram que os patriotas fizeram uma emboscada inicial na transposição do curso d´água, o que só tornou mais instintiva a reação dos holandeses ao que se mostrou ser uma isca para as emboscadas principais que transcorreram mais adiante (Santiago, 1984).

Primeiras emboscadas da Batalha do Monte das Tabocas. Ilustração de Alcebíades Miranda Júnior.
Fonte: História do Exército Brasileiro, Estado-Maior do Exército Brasileiro, 1ª edição, 1972.

Com isso, após o rio, e depois de um provável dificultoso avanço pela campina barrenta, quase na primeira linha de tabocas, os atacantes foram acometidos por sucessivas emboscadas, de variados pontos (provavelmente por uma mescla de fogos, flechas e mesmo pedras). Tendo então reduzida a capacidade de fogos, após uma provável pausa para reajuste de seus dispositivos, os homens de Van Haus avançaram pelas poucas passagens disponíveis na primeira linha de tabocais, rumo ao segundo descampado, já diante de aclive considerável.

Esquema da Batalha do dia 3 de agosto de 1645, no Monte das Tabocas, onde se destaca: o avanço holandês (vermelho), as emboscadas portuguesas e o contra-ataque de João Fernades Vieira (azul). No canto superior direito, detalhe com a visão do monte a partir do leste.
Fonte: Google Earth, com esquemas esboçados pelo autor.

A partir daí, os holandeses sofreram novas emboscadas de desarticulação, persistindo na subida monte acima, com suas linhas bastante desarticuladas, quando então foram contra-atacados pelos defensores, provenientes do alto do monte. Estes se lançaram num decidido combate corpo-a-corpo com a tropa holandesa, já desequilibrada, que acabou por recuar.

É narrado que o destemido coronel Van Haus repetiu por mais três vezes o assalto inicial. Na quarta, e última, tentativa, já no lusco-fusco (e tendo sido o tempo inteiro fustigado por novas emboscadas), mesmo assim, quase tomou o cume. Contudo, nessa altura, a tropa estrangeira, com o moral abalado por insucessos contínuos ao longo da jornada, se desmoralizou, e começou a abandonar o campo de batalha, cruzando de volta o rio para longe dos resolutos defensores (Daróz, 2016).

Quando a noite caiu, os defensores mantiveram, e melhoraram, suas posições no campo de batalha, se preparando para os eventuais novos ataques que poderiam vir no dia seguinte. Nesse ponto, João Fernandes Vieira, mandou patrulhas percorrerem os arredores de onde transcorrera o centro da batalha, tendo os portugueses “achado 50 olandeses, que davão guarda a mais de quatrocentos feridos, que desmayados pella falta de sangue, & pello trabalho da marcha, não poderão passar avante na conserva dos seus” (Jesus, 1679, p. 305-306).

Com o raiar do dia e com a confirmação do abandono do campo pelos holandeses, ficou patente a vitória dos locais (Ibid.), com o que, com o sucesso confirmado, os patriotas, senhores do campo de batalha, capturaram grandes quantidades de mosquetes, arcabuzes, espadas, outros armamentos e, sobretudo, pólvoras e munições (Daróz, 2016).

A partir deste e de outros reveses inesperados (com destaque para o combate da Casa Forte de Rita Gomes), e até as batalhas dos Guararapes, os holandeses praticamente deixaram de atuar no interior do Nordeste brasileiro, tendo ficado restritos a algumas cidades e fortes litorâneos, com destaque para as localidades de Olinda, Recife e Itamaracá.

Após as batalhas dos Guararapes, entre 1649 e 1654, as forças patriotas sitiaram o centro de gravidade político holandês na região, ou seja, o binômio Olinda-Recife, sufocando essas de serem reabastecidas de víveres e outros insumos, salvo pelo mar.

Desse modo, surgiu um impasse, pois graças à hegemonia naval holandesa no mesmo período e sem artilharia de sítio (pesada), não havia como as forças patriotas, sem armamentos e equipamentos adequados, investirem essas cidades fortificadas. Segundo Castro (2022), isso perdurou até que uma frota portuguesa conseguiu cortar as comunicações holandesas, levando à rendição do esquema defensivo montado pela Companhia das Índias Ocidentais, na Campina do Taborda, em 1654.

Vista aérea recente, de norte para sul, do cume do Monte das Tabocas. Fonte: Imagem aérea de Djalma Andrade.

Voltando ao Monte das Tabocas, no que tange às inovações táticas apresentadas pelos patriotas no episódio, pode-se dizer que elas surgiram tanto das circunstâncias (exército de patriotas sem recursos) quanto da natureza do ambiente operacional (clima quente, úmido e coberto de florestas, campinas e zonas alagadiças) que os envolvia. Além disso, aquele núcleo inicial de combatentes aproveitou o melhor conhecimento geográfico e a maior resistência de seus integrantes a um clima tropical do que seu inimigo europeu, apesar do apoio prestado por índios tapuias e potiguaras ao holandês.

Vista aérea do Monte das Tabocas, com a seta indicando a direção do ataque principal holandês, sobre a várzea do Rio Tapacurá, em 3 de agosto de 1645. Fonte: Imagem aérea de Djalma Andrade.

Enquanto os holandeses, mais por hábito do que por adestramento, combatiam, quase que atavicamente emassados no seu típico batalhão seiscentista, os luso-brasileiros, até por conta da carência de armamentos de ponta, foram forçados a combater em ordem aberta. Era observação comum pelos holandeses que a tática patriota era romper os “quadrados” holandeses e, a partir daí, partir para a luta corpo-a-corpo na qual a tropa local tinha grande vantagem, até mesmo pelo pouco equipamento em face das agruras do clima (Rosty, 2002).

Outra observação holandesa reveladora é que a artilharia holandesa quase sempre era inútil nas refregas, em menor ou maior escala (tornado-se assim um estorvo), haja visto que as peças visavam molestar linhas de soldados em ordem cerrada, coisa que raramente viam os patriotas perfazer em campo aberto (Netscher, 1942).

Mais uma vez é razoável presumir que tal superioridade organizacional, em que pese a penúria dos patriotas, possa ter prestado um desserviço ao invasor, ao menos naquele momento. Senão vejamos: segundo Jesus (1679), o tempo na época da batalha estava muito instável e chuvoso, com o que o caudal do rio Tapacurá, normalmente vadeável, estava bastante forte e elevado. Segundo consta, a tropa holandesa provinha da vila de São Lourenço, distante pelo menos 20 quilômetros à nordeste do Monte das Tabocas, tendo avançado, decididamente, para esmagar os patriotas, cujas posições estimavam estar no chamado Engenho do Covas. Não os encontrando ali, foram atraídos para a nova posição, distante cerca de 15 km mais adiante (Jesus, 1679).

Vista recente da várzea entre o Rio Tapacurá e o sopé do Monte das Tabocas, palco principal dos combates de 03 de agosto de 1645. Fonte: Foto de Jones Pinheiro

Dos variados relatos dessa batalha, podemos destacar alguns princípios da guerra ali utilizados que, com ligeiras variações, também estarão presentes, igualmente, nas 1ª e 2ª batalhas dos Guararapes, como por exemplo: surpresa, ofensiva, segurança e unidade de comando. Além disso, os patriotas empregaram um judicioso uso do terreno (para forçar o combate), agressividade nas ações ofensivas, amplo emprego de operações de inteligência e psicológicas, exploração das agruras do clima local, sem esquecer a notável ação de comando e capacidade de liderança evidenciadas pelos comandantes, em todos os níveis (Rosty, 2002).

Em face do acima exposto, de forma bem resumida, cabendo até maiores aprofundamentos, é lícito dizer que foi no Monte das Tabocas o ponto de partida para o processo que culminou nas chamadas batalhas dos Guararapes (já no contexto do comando militar vitorioso de Francisco Barreto de Menezes, o Conde do Rio Grande).

É certo que a formação dessa força militar efetiva, cujo cerne surgiu no Monte das Tabocas, baseou-se em um longo processo de aclimatação local de uma estratégia tão antiga como a guerra: a aproximação indireta. Esta, como bem é sabido da história militar, quase sempre foi o padrão histórico de resposta a agressores externos com grande capacidade militar frente a defensores menos preparados.

Vista da capela de Nossa Senhora de Nazaré, erguida nos anos 1960, conforme desejo nunca realizado de João Fernandes Vieira, líder da Insurreição Pernambucana (1645-1654).
Fonte: Instituto Histórico e Geográfico de Vitória de Santo Antão.

Logo, nos Guararapes consolidou-se uma doutrina autóctone, que traduziu para a geografia o clima e a personalidade dos locais, os grandes avanços doutrinários da chamada Guerra dos 30 Anos, na Europa. Por outro lado, podemos dizer que nas Tabocas, por sua vez, é que teria surgido o primeiro esboço dessa futura reação militar.

É que, como vimos, foi lá que o grande artífice do chamado “Exército Libertador”, o mestre de campo Antônio Dias Cardoso, testemunhou suas tropas improvisadas aplicarem, vitoriosamente, as técnicas de emboscada, guerrilha e “de matar”, que treinaram por meses, sob toda a sorte de dificuldades, homiziados contra a repressão holandesa nas chamadas matas do “pau brasil” (Bento, 2018).

Nessas verdadeiras oficinas doutrinárias naturais, Dias Cardoso trouxe para o aprendizado inicial das táticas, técnicas e procedimentos necessários para a vitória: capatazes, ferreiros, mascates, comerciantes, escravos libertos, índios, além de um bom número de milicianos portugueses.

Tal núcleo de insurgentes, aliás, que foi fundamental para a vitória no Monte das Tabocas, é considerado, igualmente, hoje em dia, pelos historiadores militares brasileiros, como “a célula mater do Exército Brasileiro, no solo hoje defendido pelo moderno Comando Militar do Nordeste” (Bento, 2013).

Hoje, passados quase quatro séculos daquelas históricas jornadas militares, o Exército Brasileiro, além de outros vultos históricos daquele período, vem buscando homenagear o heroísmo, a coragem, a abnegação e o conhecimento profissional, demonstrados pelo mestre de campo Antônio Dias Cardoso. Isto vem sendo executado por modos diversos, mas inclusive pela atribuição do nome, e da memória, desse personagem histórico como patrono do 1º Batalhão de Forças Especiais – “Batalhão Antônio Dias Cardoso” –, atualmente sediado em Goiânia, capital do estado brasileiro de Goiás.

BIBLIOGRAFIA

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VARNHAGEN. Francisco Adolpho. Historia das lutas com os hollandezes no Brazil: desde 1624 a 1654. Lisboa: Typographia de Castro Irmão. 1872. Disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/518737. Acesso em 06 jun. 2023.

VIANNA, Helio. Estudos de História Colonial. São Paulo: Companhia Editora Nacional,1948.

*Hermes Leôneo Menna Barreto Laranja Gonçalves é coronel de Engenharia do Exército Brasileiro. Formado na Academia Militar das Agulhas Negras, cursou a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, onde concluiu o Curso de Comando e Estado-Maior, e, em paralelo, o Mestrado Acadêmico em Ciências Militares, este pelo Instituto Meira Mattos. Atuou como Oficial de Ligação para Assuntos Culturais e Doutrinários junto ao Exército Português entre julho de 2022 e junho de 2024. Atualmente exerce o cargo de chefe do Gabinete da Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército.

UM POUCO DA HISTÓRIA DO BRASIL NAS COPAS DO MUNDO

Ruas enfeitadas, festas por todos os lados, emoção à flor da pele, demonstrações de “patriotismo”: no Brasil e em muitos países, a cada quatro anos, vemos repetir-se a força de mobilização de uma Copa do Mundo de Futebol, cujas finais, que atualmente contam com 32 seleções nacionais, envolvem mais público, movimentam mais recursos e angariam mais prestígio do que os Jogos Olímpicos, outro grande evento esportivo que reúne mais de 20 modalidades.

As primeiras ideias de organizar uma competição mundial de futebol surgiram em 1905, em um cenário em que havia muitas iniciativas de criação de movimentos internacionais (escotismo, esperanto, Cruz Vermelha, jogos olímpicos, entre outros). As iniciativas, todavia, não chegaram a se concretizar por questões operacionais ou políticas, como a Primeira Guerra Mundial.

O 4º gol da seleção Uruguai x Argentina marcado por Héctor Castro – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/1930_fifa_world_cup_final#/media/file:uruguay_goal_v_argentina_1930.jpg

Somente a partir da década de 1920, quando a FIFA (Federação Internacional de Futebol Association, órgão máximo da modalidade, criada em 1904) era dirigida por Jules Rimet, houve esforços mais sistemáticos no sentido de operacionalizar a proposta, que culminaram com a organização da primeira Copa do Mundo, em 1930, no Uruguai, graças em grande parte ao desempenho da diplomacia do país-sede.

Ao contrário dos Jogos Olímpicos, organizados por cidades, as Copas do Mundo sempre foram promovidas por países. Do primeiro torneio, apenas 14 equipes nacionais participaram, sendo nove do continente americano e cinco do europeu.

Naquela ocasião, provavelmente não se imaginava que a competição iria crescer de tal forma que envolveria praticamente todos os países do mundo. Vale citar que a FIFA possui mais associados do que a Organização das Nações Unidas (ONU). Também no Brasil, essa primeira edição não teve grande impacto, inclusive pelo fato de a equipe representativa ser fruto de uma cisão entre paulistas e cariocas.

A seleção brasileira obteve um modesto sexto lugar. O Uruguai foi o campeão, o que não surpreendeu por sua condição de bicampeão olímpico (1924 e 1928) e país-sede. 

Jogadores da Alemanha Nazista realizando a sua saudação tradicional na Copa do Mundo de 1938 – Fonte – https://www.history.com/news/world-cup-nazi-germany-forced-austrian-players-lost

A segunda edição do evento foi realizada em 1934, na Itália. A competição começava a tornar-se mais popular, tendo sido inscritas 32 seleções para 16 vagas, tornando necessária a organização de eliminatórias. Tal Copa coincide com o avanço do fascismo na Itália, bem como de regimes autoritários na Alemanha, na Espanha e Portugal.  Foi concebida por Mussolini como uma forma de provar ossupostos avanços possibilitados pelo novo regime. Até mesmo facilitou-se a naturalização de estrangeiros, a fim de fortalecer a seleção italiana. Curiosamente, um brasileiro, Anfilogino Guarisi, foi campeão jogando pela equipe da casa.

Os torcedores brasileiros somente se empolgaram com a Copa do Mundo a partir de 1938, realizada na França. Com os problemas de organização no futebol nacional bastante amenizados, em função da intervenção governamental (já em pleno Estado Novo), enviou-se uma equipe forte, que contou com grande apoio popular. O Brasil conquistou o terceiro lugar, tendo uma participação bastante destacada: perdeu a semifinal para a Itália, um jogo bastante controverso por problemas de arbitragem. Leônidas da Silva foi o artilheiro da competição.

Selo comemorativo da Copa do Mundo de 1950 no BHr5asil – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/1950_FIFA_World_Cup

Deve-se ter em conta que, no cenário brasileiro, o futebol começava a ser mais comumente mobilizado como elemento discursivo na construção de uma identidade nacional, inclusive por uma reabilitação dos fenômenos culturais considerados mestiços, momento que tem como uma importante marca a difusão das ideias de Gilberto Freyre.

Algo que contribuiu e foi mesmo fundamental para o crescimento da popularidade do futebol e das Copas foi a atuação dos meios de comunicação. No Brasil, se em 1930 os torcedores tinham de esperar pelas notícias nas redações dos jornais, em 1938 já era possível acompanhar os jogos pelo rádio e também se podia assistir posteriormente às partidas nos cinemas.

Waldir Pereira, o Didi, bicampeão mundial de futebol em 1958 e 1962, apertando a mão do Presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira – Fonte – Arquivo Nacional.

Em 1958, os jogos já podiam ser acompanhados pela televisão, sempre alguns dias depois de sua realização. Ao vivo, isso somente se tornou possível a partir da Copa de 1970. Nessa ocasião, fora introduzido o recurso do replay e, no decorrer do tempo, cada vez mais inovações tecnológicas marcariam as coberturas esportivas. A transmissão dos jogos tornou-se um verdadeiro espetáculo, transmitido por muitas emissoras de todo o mundo, que pagam direitos caríssimos e buscam a todo custo conquistar o público.

A Copa do Mundo é o evento líder mundial de audiência televisiva. Na última edição do evento, realizada no Brasil, em 2014, estima-se que houve cerca de 4,5 milhões de espectadores por partida, média superior à obtida na África do Sul.

Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, conversando com Manoel Francisco dos Santos, o Garrincha – Fonte – Arquivo Nacional.

Vários recordes mundiais foram também quebrados nos outros meios de comunicação, inclusive na internet.

Aproximadamente 1 bilhão de torcedores acompanharam on-line os jogos pelo site da FIFA No Brasil, se em 1938 o interesse foi grande, a Copa do Mundo tornou-se mesmo uma febre quando o país organizou a edição de 1950, construindo para tal o que na época seria o maior estádio do mundo e que ainda hoje, já bastante modificado por reformas recentes é uma das grandes referências do futebol mundial: o Maracanã.

O Preseidente da República João Melchior Marques Goulart abraçando o goleiro bicampeão mundial Gilmar dos Santos Neves – Fonte – Arquivo Nacional.

Depois de duas goleadas na fase final, ninguém esperava que o Uruguai fosse sair vitorioso na partida decisiva contra a seleção brasileira. A derrota por 2 × 1 foi uma das maiores tristezas do esporte brasileiro, para alguns foi mesmo encarada como uma marca das debilidades da nação.

Na ocasião, a competição era retomada depois do fim da Segunda Grande Guerra, e o Brasil, com a organização do evento, vislumbrava demonstrar seu protagonismo no novo tabuleiro internacional. Essa postura tornou-se comum no decorrer do século, inclusive em função da Guerra Fria: os blocos socialista e capitalista transferiram parte de seus conflitos e enfrentamentos para as instalações e competições esportivas.

O general Castelo Branco apertando a mão de Garrincha. Ao lado do militar vemos o então presidente da Confederação Brasilira de Desportos, CBD, Jean-Marie Faustin Goedefroid Havelange – Fonte – Arquivo Nacional.

Depois do fracasso na Copa de 1950, repetido na edição de 1954, realizada na Suíça, o país finalmente sagrou-se campeão em 1958, na Suécia, em um torneio que ficou marcado pela aparição internacional de uma das maiores estrelas da história do futebol e do esporte do século: Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, na época com 17 anos.

A seleção brasileira voltaria a se sagrar campeã em 1962, na Copa do Chile, onde o grande destaque foi Garrincha, não se saindo bem em 1966, na Inglaterra, uma edição marcada pela violência e pela benevolência dos árbitros com a equipe da casa, que se sagrou vitoriosa em uma final extremamente polêmica com o time nacional da Alemanha.

Pelé – Fonte – Arquivo Nacional.

Em 1970, no México, a equipe nacional tornou-se a primeira tricampeã da competição, após uma fase da preparação marcada por conflitos internos, com o técnico João Saldanha sendo substituído por Zagalo, mas também por grandes investimentos no treinamento. Nunca antes uma seleção brasileira fora tão bem preparada, com tanta antecedência.

Muitos autores sugerem que esses investimentos estariam ligados à vontade dos militares, que comandavam o regime de exceção em vigor no país, de provarem o quanto eram adequadas suas propostas para o país. Além disso, estariam relacionados com uma estratégia de dispersão e distração da população brasileira. Tais hipóteses têm sido muito contestadas. Independentemente das polêmicas, não se pode negar a ampliação da atenção ao esporte a partir de então, bem como o forte clima de patriotismo que cercou a participação da seleção brasileira no México.

A Seleção Brasileira de Futebol que participou da Copa do Mundo de 1974, na Alemanha Ocidental. Ao centro da foto, de paletó preto, está o general Ernesto Geisel, tendo ao seu lado esquerdo o potiguar Francisco das Chagas Marinho, o Marinhgo Chagas – Fonte – Arquivo Nacional.

As Copas de 1974 (Alemanha), 1978 (Argentina, uma edição muito polêmica em função de o país-sede viver um período ditatorial, liderado por militares, que cometiam constantes desrespeitos aos direitos humanos), e 1982 (ao contrário da anterior, marcada pelo processo de redemocratização da Espanha) foram marcadas por muitas mudanças, uma tentativa de a FIFA se sintonizar com o novo cenário internacional, algo que imediatamente repercutiu no aumento do número de participantes nas finais do evento e numa maior atenção para as equipes asiáticas e africanas.

Além disso, melhor se estruturavam as estratégias de negócios ao redor do futebol. Em 1982, pela primeira vez foi introduzido o conceito de “patrocinador oficial”. Se as primeiras propagandas apareceram de forma muito embrionária já na Copa de 1934, a partir da Espanha essa relação comercial tornou-se cada vez mais intensa. Basta lembrar que, no Brasil, o personagem “Pacheco”, parte da propaganda de uma empresa de lâmina de barbear, tornou-se um dos mais populares até hoje.

Arthur Antunes Coimbra, o Zico- Fonte – Arquivo Nacional.

Por trás dessas mudanças, deve-se citar o nome de João Havelange, que desde 1974 assumira a FIFA e veio a tornando uma das mais poderosas instituições do mundo. O dirigente tornou o futebol em um grande negócio global. As Copas do Mundo passaram a ser um dos principais palcos de lançamento de novidades, de estratégias comerciais e de badalação, a faceta mais conhecida de um dos esportes mais influentes e populares.

Se essas mudanças definitivamente projetaram o futebol, também trouxeram muitos problemas. Muitas têm sido as denúncias de que o aspecto esportivo está sendo abandonado em função dos lucros e do benefício dos investidores, para além de problemas de falcatruas financeiras diversas.

Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, o Dr. Sócrates – Arquivo Nacional.

A Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, foi o momento auge desses problemas, uma expressão das ambiguidades que cercam o evento. Se de um lado alcançou popularidade e impacto jamais visto, foi marcada também por manifestações e insatisfação da população com os gastos públicos excessivos e com a interferência da FIFA na governança nacional. Se de um lado, observou-se um dos melhores resultados técnicos, foram também descobertas ilegalidades nos negócios que cercam a competição.

Somente no futuro será possível melhor precisar o impacto dessas ocorrências, mas provavelmente durante muitos anos ainda persistirá a articulação entre governos instituídos e mercado na promoção das Copas do Mundo. As próximas edições já têm sido marcadas por polêmicas em função das características autoritárias do governo de Putin, cuja Copa de 2018 ocorreu na Rússia e da compra de votos na escolha da sede de 2022 (Qatar), denúncia ainda não confirmada, que está sendo apreciada pela FIFA, que
também tem sido compelida a adotar posturas mais transparentes em função de escândalos financeiros que cercam o mundo futebolístico.

Neymar da Silva Santos Júnior, considerado por muitos o maior craque da atual Seleção Brasileira de Futebol- Fonte – https://esportes.r7.com/prisma/copa-2018/cosme-rimoli/o-mal-que-neymar-faz-para-a-selecao-brasileira-10072018 – REUTERS/DAVID GRAY – 02.JUL.2018

Fonte

Livro – Enciclopédia de guerras e revolução, Volume 1, 1901 a 1919, páginas 338 a 342. Organizadores – FRANCISCO CARLOS TEIXEIRA DA SILVA, SABRINA EVANGELISTA MEDEIROS e ALEXANDER MARTINS VIANNA.

Referências

HELAL, Ronaldo, CABO, Álvaro do. Copas do Mundo: comunicação e identidade cultural no país do futebol. Rio de Janeiro: EdUerj, 2014.

HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque de; MELO, Victor Andrade de (orgs.). O esporte na imprensa e a imprensa esportiva no Brasil. Rio de Janeiro: 7Letras, 2012.

MASCARENHAS, Gilmar, BIENENSTEIN, Glauco, SANCHEZ, Fernanda (orgs.). O jogo continua: megaeventos esportivos e cidades. Rio de Janeiro: EdUerj, 2011.

PRIORE, Mary Del; MELO, Victor Andrade de (orgs.). História do Esporte no Brasil: da colônia aos dias atuais. São Paulo: Editora Unesp, 2009.

PRECONCEITO E RACISMO CONTRA NORDESTINOS – FATO ANTIGO

ATÉ MÁRIO DE ANDRADE JÁ SE POSICIONOU CONTRA ISSO

Autor – Rostand Medeiros

Existe muita coisa de boa e de ruim do ser humano, mas certamente uma das piores é o preconceito e o racismo em relação as suas origens. E você só sabe como funciona este tipo de situação, e o quanto isso é perverso, apenas no dia que sente.

Em relação a este assunto, existe um movimento ocorrendo em São Paulo, terra maravilhosa e de muita gente boa, que revela uma situação triste e complicada.

Há um ano teve início um abaixo assinado divulgado na internet, do chamado “Movimento São Paulo para paulistas” http://tudoporsaopaulo2010.blogspot.com/

Sou uma pessoa que se impressiona muito com o preconceito e com o racismo, pois durante mais de dez anos trabalhei como Guia de Turismo em Natal, onde conheci e fui alvo de preconceito e racismo pelo fato de ser nordestino.

Ser nordestino, viver no Nordeste, me causa muito orgulho. Neste sentido os fatos que infelizmente tive o desprazer de presenciar foram mais amargos ainda, pois ocorreram na minha própria terra.

Lembro-me que, talvez devido ao fato de ter a pele clara, sempre me diziam que eu “-Não parecia com um nordestino!”. Na mesma hora eu respondia; “-Mas para você, como se parece um nordestino?”.  Daí, primeiramente, vinha a cara de surpresa, o risinho torto e sem graça, os olhos procurando algo perdido no espaço e as respostas mais ouvidas foram “-Ah, sei lá!”.

Quando havia alguma coisa errada na rua, como por exemplo, uma pessoa que jogava um papel na calçada, não faltava a sentença; “-Mas como nordestino faz besteira!”.

Outra coisa triste eram as comparações. Nunca consegui compreender como alguém gasta tanta grana para viajar, vem para outras cidades e, ao invés de curtir, fica ridiculamente fazendo comparações desairosas e negativas sobre o lugar visitado.

Ouvi muitas vezes a máxima que na nossa terra “só havia gente feia”. Afirmavam que sua região de origem do turista era diferente, pois lá o povo não era tão “misturado”. Misturado?

E por aí seguia.

Não vale nem a pena rememorar tais episódios de forma específica. Nem listar de forma ridícula “de qual estado vem os turistas mais racistas”, pois durante todo este tempo de luta no turismo, estes fatos negativos foram poucos.

Essa é a nossa unica imagem quando se fala em Nordeste?

Mas, infelizmente ocorreram e o ruim é que dá uma raiva difícil de esquecer!

Coisa Antiga

Mas voltando ao caso do triste e vergonhoso movimento paulista. O pior é que este tipo de preconceito, de racismo contra os nordestinos, não é novidade.

Anteriormente, principalmente para fugir da seca, o pobre sertanejo da nossa região seguia para o norte do país, para a Amazônia em busca do sonho da borracha e da terra cheia de florestas e rios. Mas houve o momento em que o destino mudou e no final da década de 1920 teve início o movimento de migração de nordestinos em direção a São Paulo. Logo começaram as críticas contra a chegada destas pessoas.

Em 1929 havia a ideia que nordestinos “desocupados e preguiçosos” eram trazidos para São Paulo para “vadiarem” na grande metrópole. Mas ouve vozes em contrário. Uma delas veio de um paulista de renome, ninguém menos que Mário de Andrade.

Em um artigo originalmente publicado em março de 1929, no jornal paulista “Diário Nacional”, tendo sido reproduzido integralmente no jornal natalense “A Republica”, no dia 7 de abril de 1929, o autor de “Turista Aprendiz”, mesmo iniciando o artigo afirmando que não iria “entrar nessa discussão sobre imigração nordestina”, faz uma defesa do trabalhador da nossa região que estava no seu estado.

Mário de Andrade

TRABALHADOR NORDESTINO

Mário de Andrade

Não pretendo entrar nessa discussão sobre imigração nordestina, que anda ascendendo ardores por aí. Discussão que deu lugar a patriotismos regionalistas muito detestáveis. Antipatrióticos.  E me parece que mal colocada. Excetuada alguma nota rara de visão exata (Amadeu Amaral, Antonio Bento de Araújo Lima), o problema foi tratado debaixo de uma mentalidade capitalista e não propriamente econômica.

Ainda outra coisa que ninguém distinguiu foi entre “proletário” nordestino e “desocupado” nordestino. Homem do campo. Homem da cidade. Em todas as cidades deste mundo se ajunta sempre uma população mariposa. A cidade atrai. Uma gente fraca, e o que é pior, dotada de todas as “habilidades” que a fraqueza engendra, vem chamada por esta atração. E fica por aí, na barra da saia da cidade, mariposando, vivendo de expedientes, na folga dos biscates. De fato essa gente vadia. E “vadeia” que no Nordeste significa brincar, cantar, dançar, se divertir.

E essa psicologia romântica do verbo “vadiar” nos da bem um elemento pra aquilatar da capacidade do homem do povo nordestino. Não se pode chamar de “vadiação” ao caso do individuo que vai pra city das cidades, a espera e trabalho. Muito menos ao fato do sertanejo na seca, rodeado pelo gado, estar esperando a hora de queimar o xiquexique pra criação comer. Esse mesmo homem é capaz de agüentar léguas a pé e tem capacidade física formidável. Basta ver o que é um samba ( ), um coco violento, durando a noite, para saber do que são capazes fisicamente os homens e mulheres nordestinos. A própria condição da vida nordestina em certas zonas, a do gado, a da carnaúba, é que obriga a longas estiagens de trabalho econômico. Porem, no vale do Assu, (carnaúba) pór exemplo, se diz que não tem noite sem samba. O proletário exerce nas noites a atividade que não teve por onde exercer durante o dia. E por isso o verbo “vadiar” mudou de sentido lá. Significa o brinquedo: o exercício às vezes duma fadiga inclemente, prodígio de esforço físico e habilidade. Ora o brinquedo é sempre uma transposição de atividades que não podem ser exercidas.

Porem não quero negar a existência do desocupado urbano nordestino. Existe como existe em S. Paulo, em Montevidéu, em Paris. E a psicologia do desocupado, do homem… da fuzarca, é a mesma por toda parte. Os agentes em busca de colonos pras fazendas não se dão ao trabalho de dias inteiros através do sertão, arrebanhando gente. Chegam nos portos e pegam as mariposas do biscate. Está claro que virá muito colono ruim assim. Mariposa não se transforma em proletário do dia pra noite Mas também sei de fazendeiro que coloniza a propriedade só com nordestinos. Porem não fia em agente. Manda, mas é o próprio sertanejo nordestino que já tem na fazenda, trabalhador, colono excelente, buscar os conhecidos dele, lá de Catolé do Rocha, de Martins, do Seridó, gente boa.

Descendente de índio ou africano o proletário nordestino conserva disso a psicologia de quem foi muito dominado e abatido. É manso. É bem mandado. É de uma obediência servil. Vive no Nordeste uma diferenciação de classes que me chocou. Às vezes me feriu mesmo. Não é a toa que nos últimos tempos está se dando uma recrudescência no emprego da expressão “senhor de engenho”. No geral iniciativa do proletário é circunscrita ao mínimo possível pelo “seu doutor”, que significa homem de gravata. Também pra explicar a psicologia do cangaceiro nordestino, o argumento dele se revoltar contra as injustiças da justiça me parece fácil por demais. Há sem duvida no cangaceiro um fundamento mais secular de revolta contra a injustiça social das classes. E contra a escravidão que, se perdeu a base de compra e venda, não perdeu o sentido de obediência e mando.

Quanto ao argumento que o proletário nordestino raro enriquece aqui, é argumento capitalista e não econômico.

Malfadado por uma terra que acumula omissões, o homem do povo nordestino se rege pelo “primo vivere”. É a psicologia da fome, mais dramática que condenável. Quando vem pro sul ganha fácil. Então se deslumbra. Vê tudo fácil, gasta, não amontoa. Fenômeno perfeitamente explicável em quem atinge terras de aventura capitalista. Se deu na Califórnia e no Alasca. No sul da África. Na Argentina e Brasil. Em S. Paulo, terra de aventura, tem centenas de estrangeiros que fazem o mesmo. Antes e depois de ricos. Porque a riqueza não justifica, os luxos rastaqüeras. Mas nós não censuramos o senhor conde Matarazo que esbanja um trust num monumento tumular ridículo. Porem por causa do proletário nordestino não se adaptar desde logo a mania de ajuntar ouros… a Prefeitura abre portãozinho  para quanto ricaço esbanje chique. Pelo menos que soubesse abrir portões maravilhosos, que nem os que a gente encontra em cemitérios nordestinos, o de Arez, o de Goianinha, o de Augusto Severo, por exemplo. Portões que nordestino fez. Mas os nossos problemas não tratam de civilização, de cultura, de economia. Se resumem a cócegas de capitalização.

O mais engraçado é que todos acabaram reconhecendo que o proletário é excelente. Porquê e praquê tanta birra então? Nós vivemos no geral suspeitos às franjas dos problemas brasileiros. Em vez de atacarmos diretamente os problemas, vivemos desbastando as superfícies dum instrumento malfeito. É o que o caracteriza, desde a Monarquia, a desídia nossa.

(Do “Diário Nacional”, de São Paulo)

O Conhecimento de Mário de Andrade Sobre o Nordeste

Percebemos que os apontamentos do escritor Mário de Andrade neste artigo certamente surgiram a partir das experiências do autor nas suas duas viagens pelo Norte e Nordeste do Brasil. Nestas aventuras etnográficas, Mário desejava conhecer o Brasil e o povo brasileiro. Elege o Norte e o Nordeste como regiões privilegiadas do que deveria visitar e realiza seus objetivos em duas distintas viagens de estudo e pesquisa.

Mário pesquisando o Brasil

Na sua segunda viagem ele demora-se no Nordeste em trabalho de coleta de documentos musicais, conhecendo músicas de “feitiçaria”, cocos, danças dramáticas, romances, cantos de trabalho. Quando esteve no Rio Grande do Norte no final de 1928, conheceu muita coisa na companhia de intelectuais locais, registrou em fotos as paisagens, a arquitetura, o sertão e a população dos locais visitados.

Mário de Andrade passa a escrever no jornal “Diário Nacional” a partir de 1927, onde publica a maior parte de sua produção, entre críticas, contos, crônicas e poemas, até 1932, quando o jornal é fechado. O “Diário Nacional” era o órgão noticioso do Partido Democrático, agremiação política a qual Mário de Andrade era filiado. Respondia pela redação do periódico Sérgio Milliet, Antônio Carlos Couto de Barros e Amadeu Amaral.

É Combatido

Percebo que este preconceito, este racismo regionalista existente no Brasil, só tende a crescer na medida em que crescem as nossas eternas e futuras crises econômicas, políticas, sociais, morais, éticas, etc., etc. É como uma espécie de válvula de escape para superar as frustrações de um momento.

Ainda bem que vivemos em uma democracia, onde todos tem o direito de manifestarem as suas ideias e por sorte existem pessoas que não se conformam com as ações preconceituosas e racistas, como a realizada pelo “Movimento São Paulo para paulistas”. Uma manifestação interessante sobre este movimento veio do jornalista Paulo Henrique Amorim, que mostra de forma clara e inteligente o que pensa quem cria este tipo de coisa.

Veja o link; http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2010/11/08/o-que-pensa-quem-quer-sp-so-para-paulistas/

Ainda bem que depois de um ano ativo, pelo menos até a manhã de 24 de maio de 2011, o triste movimento “Movimento São Paulo para paulistas”, possuía 1849 assinaturas.

E, infelizmente, Também Existe Aqui

Como já senti o preconceito e o racismo pelo simples fato de ser de onde sou, é inevitável que dentre todas estas ações preconceituosas e racistas existentes por aí,  a que me chama mais a minha atenção é o que ocorre contra estrangeiros.

No passado muitos imigrantes vindos de outros países sofreram inúmeras formas de racismo ao desembarcarem no “grande país tropical”.

Assim ocorreu quando japoneses chegaram a mais de 100 anos e se tornaram alvo de fortes críticas e perseguições. Ou como aconteceu com os sírios e libaneses, que aqui eram chamados pejorativamente de “Turcos”. Ou com os “branquelos” alemães. No topo da lista não podemos esquecer os portugueses, que vinha da “terrinha” para serem alvos de eternas piadas.

Mesmo a distante China, que nem tinha tantos imigrantes no Brasil em épocas passadas, ficou conhecido como o país onde tudo que não prestava era mandado para lá. Era o famoso “Vai prá China!”, que tinha o mesmo significado de “Vai para aonde o diabo te carregue”.

Afora que, tudo que é mal feito em termos de produtos manufaturados vem do Paraguai e também da China.

E por aí vai.

Mas o irônico é que as piadas com os portugueses e a mania de se mandar tudo que não presta para a China diminuíram na medida que estes países ganharam mais prestígio no cenário mundial.

Será que estas manifestações de preconceito e racismo é algo inerente ao DNA de todos os seres humanos que vivem na Terra?

Não sei, mas como existem quase 2.000 pessoas que assinam este tipo de manifesto público, infelizmente, em nossa querida Natal, igualmente existe preconceito e racismo.

No caso potiguar, os preconceitos e os racismos são múltiplos. Focados muitas vezes em quem tem mais que outros, na cor da pele, onde mora, qual seu sobrenome, a sua família, de onde se vem e outros mais.

Por aqui eu percebo que uma das coisas que mais incomoda muita gente é a miscigenação dos estrangeiros na “Capital Espacial do Brasil”.

Devido ao fato dos estrangeiros se casarem com potiguares morenas, de origem humilde, oriundas do interior, ou da Zona Norte de Natal, se diz que eles “só gostam de negas”.

Se você que está lendo este artigo e, por acaso, acha que não existe preconceito e racismo em Natal, é porque você é igual aos que participam do “Movimento São Paulo para paulistas” e devia assinar o manifesto.

Siga estas ideias

P.S.- Segundo site http://preconceitoouracismo.zip.net/, a diferença entre preconceito e racismo é a seguinte;

Preconceito: Atitude discriminatória que baseia conhecimentos surgidos em determinado momento como se revelassem verdades sobre pessoas ou lugares determinados. Costuma indicar desconhecimento pejorativo de alguém ao que lhe é diferente.

Racismo: É a tendência do pensamento, ou do modo de pensar em que se dá grande importância à noção da existência de raças humanas distintas e superiores umas às outras. Onde existe a convicção de que alguns indivíduos e sua relação entre características físicas hereditárias, e determinados traços de caráter e inteligência ou manifestações culturais, são superiores a outros.

Mas para mim é tudo terrível e sofremos da mesma maneira.

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