1932 – COMO FOI O ATAQUE DOS “CANGACEIROS-OPORTUNISTAS” NO SÍTIO VACA BRAVA DE BAIXO, EM ACARI, RIO GRANDE DO NORTE

1932 – COMO FOI O ATAQUE DOS “CANGACEIROS OPORTUNISTAS” NO SÍTIO VACA BRAVA DE BAIXO, EM ACARI, RIO GRANDE DO NORTE

Um Caso Desconhecido de Violência Rural no Seridó Potiguar, Onde Encontramos Um Típico Caso de “Cangaço-Oportunismo” no Rio Grande do Norte.

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros  

Em um sábado, dia 19 de julho de 2008, junto com o amigo Solon Rodrigues Almeida Neto e sua esposa Raquel Bezerra Mosca, visitamos a região do sítio Vaca Brava de Baixo, zona rural do município de Acari, no Seridó Potiguar. Um lugar que fica a cerca de 12 quilômetros a sudoeste da cidade de São Vicente e a 30 a sudeste da sede do município de Florânia. O objetivo foi pesquisar sobre um pretenso ataque de cangaceiros ocorrido no ano de 1932.

A informação que ocasionou essa viagem surgiu ao folhearmos os antigos exemplares do jornal A República, o principal do Rio Grande do Norte na primeira metade do século XX. Foi na edição de quinta-feira, 25 de agosto de 1932, que soubemos os detalhes do caso, do qual comentaremos mais adiante.

Edição do jornal A República de quinta-feira, 25 de agosto de 1932, foi que soubemos mais detalhes do caso.

Na zona rural de Acari tivemos a oportunidade de encontrar pessoas que tinham um bom conhecimento sobre aquele triste acontecimento. Conversamos com o Senhor João Bezerra dos Santos, então com 90 anos de idade e muito lúcido, bem como com o casal Tomaz Maurício Silva e Dona Josefa Maria da Silva, que na época da entrevista tinham 79 e 64 anos de idade respectivamente. Já o Senhor João dos Santos, com quatorze anos na época dos eventos comentou que nunca esqueceu o medo que os ditos “cangaceiros” viessem a atacar a casa da sua família, que não era muito distante da casa invadida.

De maneira geral o que me contaram foi o seguinte….

Vida Difícil em 1932  

Era madrugada de quinta para a sexta feira de mais uma noite quente e sem nenhuma perspectiva de chuvas no horizonte. Na propriedade Vaca Brava de Baixo o dono Antônio Theóphilo de Carvalho Pinto continuava trabalhando arduamente com a sua família para sobreviver a mais um desastre climático que castigava a sua propriedade e toda a região.

Seca no Nordeste – Fonte – http://vereadorgilsondejesus.blogspot.com.br

Ele já havia ultrapassado os 70 anos, tinha visto várias secas, algumas bem pesadas e difíceis, como as de 1877 a 1879, que presenciou quando bem jovem. Ou a de 1915, que também alterou toda a economia local. O problema era que naquela madrugada de 30 de junho para 1 de julho de 1932 a sua idade e o cansaço natural de enfrentar tantos contratempos naquele sertão cobravam o seu preço.

Mas Antônio Theóphilo tinha ao seu lado os filhos Antônio e Diavolácio, além das filhas Theresa, Maria, Ernestina, Justina e Josefa. Também contava muito com o apoio da sua mulher Umbelina Ernestina da Silveira Torres, com quem vivia unido nos sacramentos da Santa Igreja desde o século anterior e que teve o prazer de registrar oficialmente no ano de 1902 a sua união na “Lei dos Homens”, perante o Doutor Juvenal Lamartine de Faria, então juiz de Acari, tendo como testemunha seu amigo Cipriano Bezerra Galvão Santa Rosa, da Fazenda Fortaleza[1].

Para Antônio Theóphilo era uma tristeza que a tal da “Rivulução de 30” tenha mandado o Dr. Juvenal, que foi um governador tão bom para o Rio Grande do Norte pra tão longe, exilado na Europa.

Em 23 de maio de 1932 o chamado Batalhão Esportivo desfilava pelas ruas da capital paulista.

E naquele mesmo ano, além da seca que a tudo consumia, lá para os lados de São Paulo o povo daquela terra combatia as forças do governo do Dr. Getúlio Vargas. Diziam que eles queriam se separar do Brasil, mas o que se falava na região da Vaca Brava de Baixo era que até do Rio Grande do Norte foi tropa para combater os paulistas.

Realmente a vida não estava nada fácil naquele 1932 e o que Antônio Theóphilo não sabia era que naquela madrugada tudo iria ficar pior!

O Ataque dos Homens Maus

Seu João dos Santos, homem de uma memória privilegiada na época de nossa entrevista, lembrou que o grupo de bandoleiros chegou na região na “boca da noite”, ou seja, cerca de seis horas da tarde. Aí eles se “amoitaram”, ficaram escondidos para praticar o ataque quando fosse noite fechada.

Senhor João Bezerra dos Santos, então com 90 anos de idade e muito lúcido na época.

Os entrevistados também comentaram que circulou a informação que esses bandidos vieram para a região com uma lista de três casas para serem assaltadas. Foram na primeira, de um cidadão conhecido como “Chico Dondon” ainda na tarde de 30 de junho, mas perceberam que o local se encontrava com várias pessoas e desistiram por medo de alguma reação armada.

Aparentemente foi só na madrugada que a casa do Sítio Vaca Brava de Baixo foi invadida por quatro homens armados, que diziam ser “cangaceiros” e logo começaram a praticar terríveis violências. Gritavam que queriam os 60 contos de réis que o velho Antônio Theóphilo tinha apurado em um negócio recente de terras e que o homem que se apresentava como chefe do bando sabia em detalhes.[2]

Para as pessoas que entrevistei esses bandidos não eram conhecidos na região, mas me comentaram através dos relatos das vítimas e de outras pessoas que eles repetiram várias vezes serem “cangaceiros”. Mas nem os entrevistados e nem o material sobre o crime existente nas páginas de A República informaram se esses homens tinham os materiais típicos que caracterizavam os grupos de cangaceiros errantes.

Casas da região da propriedade Vaca Brava.

Independentemente dessa questão os nossos entrevistados comentaram que as violências foram extremas. Theóphilo, Dona Umbelina, as filhas, Antônio e Diavolácio sofreram bastante. Nessa ocasião dormia na casa um irmão de Dona Umbelina, de nome João Pereira, que também sofreu várias sevícias.

Gritos, empurrões, murros, estocadas com punhais e chutes eram dados em profusão. Logo o que se colocava como chefe do bando passou a ameaçar o fazendeiro Antônio Theóphilo mais fortemente com um punhal. O acossado idoso afirmava repetidamente, mesmo diante das maldades praticadas contra seus familiares, que já não tinha mais o dinheiro em casa.

Mas isso só enfurecia mais e mais o bandoleiro de punhal na mão, que não parava de espicaçar e sangrar o velho. Diante das negativas de Theóphilo, que teimosamente resistia ao interrogatório “a ponta de punhal”, a paciência do “cangaceiro” foi chegando ao fim e logo o homem sucumbiu ao martírio que sofria.

Aquela cena aterrorizou Diavolácio, que de alguma maneira se desvencilhou dos invasores e conseguiu pegar um rifle que existia na casa. Um objeto que os bandoleiros não sabiam da existência e parece que nem se deram o trabalho de procurar.

Conversando em 2008 sobre o assalto da Vaca Brava com o casal Tomaz Maurício Silva e Dona Josefa Maria da Silva, que na época da entrevista tinham 79 e 64 anos de idade

O que consta é que o jovem de arma na mão e carregado do mais puro ódio disparou contra o chefe do grupo, atingindo-o nas costelas, tendo o projétil varado seu corpo. Segundo Seu João me relatou em 2008, Diavolácio só não matou mais gente porque seu rifle de repetição, provavelmente um Winchester, “engasgou” no meio da balaceira.

Nessa hora de confusão outro atingido mortalmente foi João Pereira, o irmão de Dona Umbelina, que estava paralisado diante de toda aquela violência e acabou recebendo um tiro que lhe varou a cabeça. Consta que encontraram essa bala dentro da gaveta de uma cômoda.

Diavolácio correu então para uma parte anexa da casa, em uma espécie de depósito onde se guardava os frutos da produção agrícola e ali encontrou um facão. No meio da escuridão do ambiente gritou “– Posso até morrer, mas ainda mato outro”. Os bandidos compreenderam muito bem a ameaça daquele valente seridoense e debandaram. O ataque chegava ao fim!

Os entrevistados me narraram que após receber o balaço de Diávolácio o chefe do grupo seguiu se esvaindo em sangue e amparado por seus companheiros. Foi conduzido até um lajedo de pedras nas redondezas, onde foi ordenado que um dos bandidos ficasse guardando o cadáver enquanto os outros buscavam os animais para fugirem. Só que os bandidos começaram a demorar e o tal vigilante do morto deixou o corpo ali mesmo e tratou de desaparecer. No final das contas essa ação funcionou positivamente para ele, pois depois policiais vindos de Acari chegarem até o local, seguindo o rastro de sangue.

Os entrevistados recordaram também que após o assalto o valente Diavolácio pegou um búzio marinho e “buzou” para pedir ajuda aos vizinhos, que prontamente responderam. Essa antiga prática de alerta no sertão, hoje esquecida, acontecia porque certas espécies de búzios marinhos possuem a capacidade de produzir fortes sons, que serviam para comunicação a distância. Eles foram utilizados para esta prática em várias partes do mundo, por vários povos, através dos séculos. No sertão nordestino, de largas paragens, a utilização de búzios era uma forma de comunicação prática entre vaqueiros que tangiam gado no meio da caatinga. Vem daí o termo “buzar”, para tocar o instrumento.

Outra casa antiga da região da propriedade Vaca Brava.

Mas enfim, quem eram aqueles homens?

De onde vieram e para onde foram?

E eram mesmo cangaceiros?

E No Jornal…

Seu João recordou que no outro dia após o crime ele esteve na residência assaltada e viu os estragos. Também presenciou seus familiares irem para o enterro do dono da fazenda e do seu cunhado João Pereira.

Como disse anteriormente o Nordeste queimava com a seca e no sul do Brasil o povo de São Paulo sangrava em meio a Revolução Constitucionalista de 1932, o que gerava muitos problemas para as autoridades policiais potiguares, mas o caso da Vaca Brava de Baixo não poderia ficar sem algum tipo de resposta.

Nessa época o Chefe de Polícia do Rio Grande do Norte era João Café Filho, futuro Presidente da República e único potiguar a alcançar esse cargo. Ele então mandou a polícia proceder as investigações para capturar os assaltantes e assassinos e até designou um delegado especial para o caso. O escolhido foi o segundo tenente Agripino Antônio de Lima.

O Senhor Tomaz Maurício Silva.

E na edição do jornal A República de quinta-feira, 25 de agosto de 1932, foi que soubemos mais detalhes do caso[3]. O curioso é que as respostas partiram de uma menina de quatorze anos de idade.

Dias antes da publicação, em 11 de agosto, a jovem Iracema Muniz de Medeiros, acompanhada do seu pai Manuel Muniz de Medeiros, ambos moradores da cidade de Flores, atual Florânia, no Seridó Potiguar, entraram na Cadeia Pública da cidade para ela prestar um depoimento ao tenente Agripino. Esse militar estava acompanhado do sargento Augusto Emílio Dantas e quem atuou como escrivão foi o cidadão João Praxedes de Medeiros.

O texto existente no jornal A República informa que Iracema era filha de uma família muito humilde, analfabeta e trabalhava como empregada doméstica na casa de um dos mais ricos e influentes homens de Florânia.

Contou que cerca de dois meses antes viu a filha do seu patrão, uma mulher casada e com 33 anos, confeccionando uma “máscara de pano preto”. Curiosa com aquilo, a jovem empregada perguntou para que servia aquele negócio e a resposta foi – “amedrontar meninos”. Iracema não ficou nem um pouco satisfeita com o que ouviu.

Fita cassete da gravação da entrevista realizada em 2008.

No mesmo dia, segundo seu depoimento, chegou na casa do seu rico patrão um indivíduo bem conhecido na comunidade, tido como “uma pessoa de bem”, que junto ao genro e a filha do seu chefe se trancaram em um quarto da casa. Para a realidade comportamental e da moral vigente naquela época, aquela atitude era muito estranha e só atiçou a curiosidade da garota.

Ela contou no depoimento que foi observar, “brechar” como se diz no dito popular, o que acontecia no quarto por uma janela. Viu a filha do seu patrão experimentando a tal máscara preta em seu marido, sob o olhar do dito “cidadão de bem”. Não demorou e um filho do seu patrão, rapaz jovem e bem disposto, também se juntou a reunião que acontecia no quarto. Iracema então viu os homens buscando em baixo da cama alguns rifles e abrindo bornais de couro de onde extraíram farta munição.

O autor e seu João Santos.

A curiosa menina também relatou ao tenente Agripino que depois do encontro no quarto, já a noite, dois outros indivíduos chegaram em possantes cavalos à casa onde trabalhava. Não demorou para que o genro e o filho do seu chefe pegarem seus animais e partirem com os recém-chegados para local ignorado. O “cidadão de bem” que participou da reunião no quarto e trouxe a munição, presenciou a saída e ficou em Florânia.

No outro dia a menina viu o genro repartir com o dito “cidadão de bem” várias moedas de prata e dinheiro em cédulas. Logo ficou sabendo de um assalto praticado por supostos cangaceiros na propriedade denominada “Pau Lagoa”, que atualmente faz parte do território do município potiguar de Cruzeta.

Iracema narrou então que na tarde do dia 29 de junho viu o “cidadão de bem” trazer um bisaco com bastante carne, farinha e rapadura e que por volta das quatro da tarde desse dia os mesmos quatro homens que anteriormente partiram de Florânia a cavalo, saíram novamente da cidade. Afirmaram que se dirigiam para um lugar chamado “Bentos”, do qual não consegui nenhuma informação sobre a sua localização.

A menina afirmou que ainda na manhã do dia 1° de julho toda a Florânia soube da orgia de violência e sangue na propriedade Vaca Brava de Baixo, mas ela nada comentou sobre o retorno e o destino das pessoas ligadas ao seu patrão. Ainda delegacia Iracema reconheceu a máscara e afirmou que algumas pessoas reconheceram que entre os materiais roubados do sítio Pau Lagoa estavam as mantas utilizadas para transportar o corpo do chefe do bando para Florânia.  

Com o casal Tomaz Maurício Silva e Dona Josefa Maria da Silva, sendo fotografado pelo amigo Solón Rodrigues Almeida Neto no dia 19 de julho de 2008.

Depois do crime circulou na região a informação, comentada por todos que entrevistei, que um irmão do bandido morto buscou demovê-lo de praticar outros atos criminosos, mas sem sucesso. Esse irmão era conhecido como “Lopinho” e morava em Florânia.

Para os entrevistados em 2008 e no depoimento de Iracema publicado em 25 de agosto de 1932, não existe nenhuma referência que o rico sogro do falecido chefe do bando soubesse da atitude transloucada do seu genro, ou da participação dos seus filhos e de outras pessoas de Florânia naquela doidice.

Para o Senhor João dos Santos e o casal Tomaz e Josefa, esse caso repercutiu muito na região e durante vários anos se falou sobre isso.

Para finalizar fui informado que o valente Diavolácio não foi preso pela morte do bandido. Ele continuou a viver na Vaca Brava de Baixo, casou com uma prima, mas um dia foi embora para o sul e os meus entrevistados nunca mais tiveram notícias dele. Já Dona Umbelina parece não ter mais desejado viver na casa onde mataram seu marido e terminou seus dias morando com uma filha em Cruzeta. Imaginei que a jovem Iracema Muniz de Medeiros tivesse sofrido alguma represália daquela família de marginais, mas ela estava viva em 1946.

Nas pesquisas que realizei nas velhas páginas do jornal A República, estranhamente não encontrei mais nenhuma nota, nenhuma notícia e aparentemente nada mais saiu sobre esse caso. Não sei sequer se alguém foi preso, processado ou condenado!

“Cangaço Oportunismo”’

Certamente que nas priscas eras outros casos como o da propriedade Vaca Brava de Baixo aconteceram pelo sertão afora. Mas confesso que não sei aonde, quando e como ocorreram. Mas não deixa de ser interessante o conhecimento desses casos, até mesmo para compreender como esse tipo de situação, que possui suas especificidades, continua a acontecer e a crescer.

Talvez no passado a proporção desses casos fosse muito menor, ou muito se abafava para evitar escândalos. Mas também é verdade que sempre escutei nas minhas andanças pelos sertões afirmações como “– Muita gente se aproveitou do cangaço para praticar atos de violência, assaltos, roubos e até assassinatos”. Mas o fato é que eu nunca tinha me debruçado com um caso tão específico e ainda mais no meu Rio Grande do Norte e no querido Seridó das minhas raízes.

Ao comentar esse caso com uma pessoa ligada a justiça em Natal, ouvi que provavelmente quem praticou esses crimes eram “pessoas sem maiores perspectivas, normalmente desqualificadas, muito pobres e sem preparo”. Para mim ou essa pessoa ou não ouviu meu relato, saiu comentando na base do chute mesmo e só faltou dizer que os meliantes eram “negros”.

Como podemos ler anteriormente os homens que praticaram o crime na propriedade Vaca Brava de Baixo eram membros da “fina flor” da sociedade do seu lugar e tidos como “Gente de bem”. Eram cidadãos aparentemente exemplares, mas que não tiveram nenhum problema de matar um velho fazendeiro por dinheiro e aterrorizar sua família. Se não fosse um rapaz valente e a existência de uma arma de fogo, a situação teria sido muito pior.

Já para quem tem um mínimo de conhecimento sobre a História do Cangaço no Nordeste, os homens que praticaram o crime na Fazenda Vaca Brava de Baixo certamente não eram cangaceiros, ou pertenciam a algum grupo errante de bandoleiros que estava circulando pela região do Seridó Potiguar em 1932. Talvez algum deles tivesse tido alguma experiência nessa área, mas é algo que creio ser muito difícil. Para mim eram apenas um grupelho mal organizado de “cangaceiros-oportunistas, cujo chefe teve o que mereceu!

Sabemos através de estudos realizados que o fenômeno do cangaço possuía características peculiares e próprias sobre como os seus muitos membros agiam. Podemos compreender melhor essa questão na página 89 do interessante livro Guerreiros do Sol, de Frederico Pernambucano de Mello (Ed. A Girafa, São Paulo – SP, 2013), onde esse autor comentou sobre as formas básicas dos que praticaram o cangaceirismo no Nordeste do Brasil –

“São em número de três essas formas básicas: o cangaço-meio de vida; o cangaço de vingança e o cangaço-refúgio. A primeira forma caracteriza-se por um sentido nitidamente existencial na atuação dos que lhe deram vida. Foi a modalidade profissional do cangaço, que teve em Lampião e Antônio Silvino os seus representantes máximos. O segundo tipo encontra no finalismo da ação guerreira de seu representante, voltada toda ela para o objetivo da vingança, o traço definidor mais forte. Foi o cangaço nobre, das gestas fascinantes de um Sinhô Pereira, um Jesuíno Brilhante ou um Luís Padre. Na terceira forma, o cangaço figura como última instância de salvação para homens perseguidos. Representava nada mais que um refúgio, um esconderijo, espécie de asilo nômade das caatingas.”

Talvez fosse interessante o ilustre pesquisador e escritor Frederico Pernambucano de Mello incluir entre as ideias de formas básicas desse movimento a do “cangaceiro-oportunista”. Gente que aproveitava para agir prioritariamente durante o recrudescimento das secas, que geravam uma total desorganização socioeconômica do sertão e, nesse caso específico, talvez aproveitando a agitação social de fundo político, como o da Revolução Constitucionalista de 1932.

Através da sugestão de dois bons amigos que vivem no Seridó Potiguar, a quem confidenciei esse caso, resolvi aqui não apresentar os nomes das pessoas envolvidas como perpetradores desse crime. Poderia gerar uma tremenda chatice com a família daqueles bandidos, ainda cheia de “brilho e cobre” em Florânia. Mas o caso está todo aí, conforme foi publicado no jornal em 25 de agosto de 1932 e como me foi dito lá na Vaca Brava em 19 de julho de 2008 pelo Senhor João Bezerra dos Santos e o casal Tomaz Maurício Silva e Dona Josefa Maria da Silva, os quais nunca mais reencontrei e nem tive notícia alguma.

Só espero que aonde eles estiverem, estejam bem e em paz!

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NOTAS


[1] Os registros sobre Antônio Theóphilo de Carvalho Pinto e seus familiares se encontram disponíveis em https://www.familysearch.org/tree/person/sources/GFQ7-1HP

[2] Aquele valor era uma verdadeira fortuna, mais ainda em uma região assolada por uma forte estiagem. Para se ter ideia do que esse volume financeiro representava naquele tempo temos na página 2 do jornal natalense A República, edição de sábado, 9 de julho de 1932, a publicação do “Balancete das despesas e recitas referente aos meses de janeiro a abril de 1932” e consta que nesse período as despesas com a Imprensa Oficial no Rio Grande do Norte, ou seja a circulação, pagamento de pessoal e manutenção do jornal A República, foi de 66.359$780, ou seja sessenta e seis contos, trezentos e cinquenta e nove mil e setecentos e oitenta réis.

[3] Quem folheia as páginas desse jornal, existente na Hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, ou no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Norte, vai perceber o detalhismo existente nesse depoimento e o extenso espaço dado pelo jornal.

NO RASTRO DAS CAVERNAS DO CANGAÇO NO SERTÃO PERNAMBUCANO

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Gruta do Morcego, Fazenda Colônia – Foto de Solon R. A. Netto.

Sólon R. A. Netto

Pesquisas históricas indicavam que na região do Sertão do Pajeú, em Pernambuco, uma grande quantidade de abrigos e possíveis cavernas formadas por blocos graníticos seriam antigos refúgios de bandoleiros famosos, que durante anos vagaram pelo sertão e hoje fazem parte do mais autêntico folclore nordestino. Aqueles locais espeleológicos associados à vida desses homens eram certamente sítios de grande importância histórica, os quais nunca foram documentados.

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Casa de Pedra de Cafundó, no Sítio Covoado, Vale do Cafundó, Flores, Pernambuco – Foto de Rostand Medeiros.

Tempos atrás percorremos em pouco mais de três dias quase dois mil quilômetros! Uma jornada puxada, com poucas horas de sono, para descobrir os esconderijos de Antônio Silvino, a gruta onde Lampião abrigara-se ferido e outro local bem interessante.

Início

Saímos altas horas da noite de Natal e seguimos para a fronteira da Paraíba, na área que esta se delimita com o Seridó Potiguar. O nosso grupo era composto por mim, Alex Gomes e Rostand Medeiros e horas depois estávamos avançando pelas últimas cidades da Paraíba e cruzando a divisa com Pernambuco. Quando as estrelas da madrugada foram ofuscadas pela alvorada, já íamos firmes ao primeiro objetivo: a Fazenda Colônia.

Esta propriedade está historicamente muito associada à cidade pernambucana de Afogados da Ingazeira, mas atualmente se localiza na zona rural do município de Carnaíba, a cerca de quatro quilômetros da fronteira com a Paraíba. Neste local nasceu o famoso chefe cangaceiro Antônio Silvino.

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Fazenda Colônia – Foto de Rostand Medeiros.

A história deste guerreiro das caatingas se inicia quando seu pai, o fazendeiro Pedro Batista Rufino de Almeida, conhecido popularmente como “Batistão”, foi assassinado por Desidério José Ramos e alguns de seus parentes em 3 de janeiro de 1897.

Meses depois os assassinos de “Batistão” são absolvidos em um júri controlado por famílias poderosas que apoiavam os seus matadores. A família de Antônio Silvino não desiste e impetra uma apelação e os acusados são recambiados à Casa de Detenção, em Recife. Quando os assassinos do fazendeiro são novamente trazidos escoltados para a região para um novo júri, o policial que comandava o grupo facilitou a fuga de todos. Revoltado, o jovem Manoel Batista de Moraes, então com 23 anos, e um irmão buscam fazer justiça com as próprias mãos. Para conseguir sua desejada vingança eles se tornam cangaceiros e entram em um bando comandado por um parente conhecido como Silvino Aires.

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Antônio Silvino.

Apenas um ano depois, em 1898, o chefe Silvino Aires é preso e Manoel Batista assume o bando, passando a ser conhecido como Antônio Silvino. O nome Antônio é uma referência ao santo de sua devoção, o mesmo da capela da Fazenda Colônia, e Silvino é uma homenagem ao parente que o recebeu nas hostes cangaceiras.

Conforme nos aproximávamos da Fazenda Colônia víamos que a geografia local consistia em elevações com trezentos metros de altura em média. Ao chegarmos a entrada da propriedade topamos com três cruzes.

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Foto de Alex Gomes.

Paramos para algumas fotos e logo um vaqueiro se aproximou. Quando indagado sobre aquele antigo marco ficamos sabendo que aquelas eram apenas algumas marcas de memória das muitas “mortes encomendadas” que já se fizeram na região. Segundo o nosso informante aquelas eram cruzes de três pessoas que foram mortas a mando de um dono de engenho, que mandou seus sicários matá-los ingerindo melaço quente. Logo à frente, surgiu um descampado central, revelando uma igreja e um imponente casario. Foi lá que conhecemos os irmãos Antônio e Damião Braz.

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Conhecendo as histórias da Fazenda Colônia com os irmãos Braz – Foto de Solon R. A. Netto.

Após os contatos iniciais e de explicações do porque viemos de tão longe para a Colônia, para nossa surpresa, os irmãos Braz informaram que não existia apenas uma gruta para visitarmos, mas quatro cavidades que os mais velhos afirmaram terem sido utilizadas pelo bando de cangaceiros do chefe Antônio Silvino.

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Vista da antiga casa sede da propriedade – Foto de Solon R. A. Netto.

Não havia condições de conhecer todos os locais comentados e decidimos, então, visitar as grutas do Morcego e a da Pedra Rajada, as mais próximas. Ambas estão localizadas em um setor da Serra da Colônia conhecido pelos moradores como Serra da Lagoa, mas dentro das terras da Fazenda Colônia.

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Iniciando o caminho para o alto da serra – Foto de Rostand Medeiros.

Passava do meio dia, quando nossos anfitriões se ofereceram para nos guiar até as cavernas que os cangaceiros de outrora haviam usado. De início, a trilha estava muito bem definida e seguíamos parando para admirar a fazenda que se perdia bem distante. Por certo ponto, a mata fechou e a subida tornou-se bem íngreme. Em meio às histórias, a caminhada alternava momentos mais íngremes com outros suaves. Chamou a atenção avistar árvores como “barrigudas de espinho” (Chorisia crispifolora), atualmente raras nos sertões potiguares.

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Nas trilhas da serra – Foto de Alex Gomes.

Ao chegar a um ponto onde alguns grandes blocos graníticos, rolados pelas intempéries, uniram-se ao longo de milênios para formar uma cavidade natural, nosso guia Damião foi logo avisando: “Essa daí é a que o povo chama de Gruta do Morcego e tem que entrar se entortando”. Vimos, então, em meio a uma cerrada vegetação típica da região, a entrada da cavidade, na forma de uma estreita fenda diagonal na junção dos matacões. Para espanto maior do grupo descobrimos que aquilo era muito mais do que um simples abrigo de grandes blocos de granito!

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Entrada da Gruta do Morcego – Foto de Rostand Medeiros.

Internamente encontramos um lugar amplo e arejado, com uma saída lateral que, no passado, certamente serviu como rota de fuga para outros locais. Os Braz comentaram que, ao longo dos anos, vários caçadores encontraram objetos na gruta e em seu entorno, inclusive estojos de munição deflagrados. Mostraram-nos talheres e estribos, além de três moedas de bronze do período colonial, sendo que, em uma delas, lê-se claramente o ano de “1781”. Encontrar tais moedas não é tão raro no Nordeste, mas as circunstâncias de sua descoberta, naquele local, podem apontar para uma série de possibilidades como, até mesmo, à utilização mais antiga do abrigo como possível esconderijo de bandoleiros.

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Gruta do Morcego, Fazenda Colônia – Foto de Solon R. A. Netto.

Saímos satisfeitos com aquela interessante cavidade e seguimos os guias em direção ao alto da serra e a Gruta da Pedra Rajada.

Nas Terras Que Viram Surgir Antônio Silvino

Segundo Antônio Braz os mais velhos narraram que os cangaceiros de Silvino se abasteciam em um antigo poço no alto da serra e ele nós levou até esse local. Atualmente nesse ponto existe uma cacimba e nós experimentamos da água cristalina e saborosa. Segundo os Braz, até hoje esse poço é utilizado pela população local. A água era realmente refrescante! Alguns goles e meia dúzia de cajus maduros nos fizeram repor a energia da subida.

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Antigo poço no alto da serra que, segundo a tradição oral local, é muito antigo e teria sido utilizado pelos cangaceiros de Antônio Silvino – Foto de Rostand Medeiros.

De lá pudemos observar uma espécie de grande piscina natural criado no solo rochoso, o tradicional “tanque” no linguajar dos sertanejos. No dia de nossa visita o local estava seco, mas segundo Damião era bastante frequentado durante os períodos de chuvas. O local é conhecido na região como “Lajedo do Tanque” ou “da Lagoa”.

Mais adiante chegamos ao ponto culminante daquela elevação, onde foi possível divisar toda a região, até mesmo a cidade de Afogados da Ingazeira, a cerca de vinte quilômetros de distância. Ficamos diante de uma bela vista da fazenda, com a igreja, pequena, parecendo uma casinha de brinquedo. A visão é maravilhosa e estratégica, mostrando que bastaria a Antônio Silvino colocar um homem vigilante naquele ponto para saber de toda a movimentação nos arredores.

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Os irmãos Braz comentaram que, ao longo dos anos, vários caçadores encontraram objetos na Gruta do Morcego e em seu entorno, inclusive estojos de munição deflagrados. Mostraram-nos talheres e estribos, além de três moedas de bronze do período colonial, sendo que, em uma delas, lê-se claramente o ano de “1781” – Foto de Alex Gomes.

Voltamos para a trilha em direção a Gruta da Pedra Rajada, porém o caminho simplesmente desapareceu em meio uma vegetação muito fechada. O trajeto era nítido aos guias, mas a nós, tudo se resumia a um contínuo esquivar-se de galhos e espinhos. Uma mata muito cerrada, escondendo o sol, e logo nos pusemos numa descida que se traduziu num escorrego brecado somente pelo cipoal. Foi desse modo que chegamos à Pedra Rajada, o segundo ponto a ser visitado, um abrigo de difícil acesso numa das encostas da serra.

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Abrigo da Pedra Rajada – Foto de Solon R. A. Netto.

Diferentemente da Gruta do Morcego, a Pedra Rajada não é uma caverna, mas apenas um abrigo granítico formado por uma das faces de um imenso bloco que se encontra com a lateral de outro matacão rolado. É bem protegido e um pequeno grupo de homens poderia se acomodar naquele local com o intuito de buscar um esconderijo de difícil acesso. Mas se aquele local foi realmente utilizado pelos cangaceiros, pela exuberância da vegetação existente atualmente, é fácil deduzir que desde a época de Silvino poucos se atreveram-se a chegar ao local.

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Capela de Santo Antônio da Fazenda Colônia. O nome Antônio é uma referência ao santo da devoção de Manoel Batista de Moraes, e Silvino é uma homenagem ao parente que o recebeu nas hostes cangaceiras. Foto de Solon R. A. Netto.

O retorno até a sede da fazenda deu-se nos mesmos moldes: uma descida medonha que, em diversos momentos, simplesmente se convertia em rolamentos ou escorregos. Era soltar o corpo, proteger o equipamento e livrar-se dos espinhos da caatinga misturada com árvores de grande porte. Coisas de serra.

Ao fim do primeiro dia, seguimos para a Paraíba, sendo recebidos na cidade de Manaíra pelo Senhor Antônio Antas Dias, nosso grande amigo e grande conhecedor das histórias dos cangaceiros na região. Ele então se juntou ao nosso grupo.

Em Busca da Serra do Catolé

No segundo dia, pela madrugada, já estávamos cruzando a fronteira da Paraíba com Pernambuco pelo barro, rumo a Santa Cruz da Baixa Verde. A meta era o município de São José do Belmonte, um dos locais mais interessantes do sertão pernambucano.

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Em São José de Belmonte visitamos a antiga morada do comerciante Luiz Gonzaga Gomes Ferraz, que em 1922 foi atacada pelo bando de Lampião, em parceria com um parente do chefe cangaceiro Sinhô Pereira, Crispim Pereira de Araújo, o “Ioiô Maroto” – Foto de Rostand Medeiros.

Inicialmente nesta cidade visitamos uma casa histórica, localizada na praça central desta cidade. Era a antiga morada do comerciante Luiz Gonzaga Gomes Ferraz, que em 1922 foi atacada pelo bando de Lampião, em parceria com um parente do chefe cangaceiro Sinhô Pereira, Crispim Pereira de Araújo, o “Ioiô Maroto”.

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Lampião – Fonte – lounge.obviousmag.org

Consta que Gonzaga mandou um oficial de polícia do Ceará, o tenente Peregrino Montenegro, e a sua tropa surrar Ioiô Maroto. Feita a desonra, Maroto jurou vingança, solicitando ajuda ao primo cangaceiro. Por essa época, Sinhô Pereira estava deixando a região para viver em Goiás e pediu para Lampião, seu antigo comandado e agora o chefe do bando, realizar a feitura “do serviço”.

Como não poderia deixar de ser, o ataque à residência de Gonzaga foi implacável. A resistência ofertada pelo proprietário e por policiais da guarnição de São José de Belmonte arrastou-se longo tempo, mas o local foi invadido e o comerciante sumariamente executado em sua própria sala.

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Distrito de Boa Esperança, São José de Belmonte – Foto de Rostand Medeiros.

Após esta visita seguimos para a zona rural de São José do Belmonte, em direção a área onde as fronteiras dos estados de Pernambuco, Ceará e Paraíba se encontram, tendo como destino o Distrito de Boa Esperança. Soubemos que ali vivia o Senhor Francisco Maciel da Silva, testemunha daqueles tempos difíceis.

Vivendo em uma casa simples do lugarejo, idoso, mostrou-se um homem de baixa estatura, lento nos gestos e utilizando um par de óculos com grossas lentes. Apesar disso, a firmeza da voz, a lucidez e o forte aperto de mão, não deixaram transparecer os noventa e sete anos de idade que ele tinha na época de nossa visita.

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Francisco Maciel da Silva, ainda fumando um cigarro de palha com quase cem anos de idade, deu uma interessante entrevista sobre o tempo do cangaço na sua região e na Serra do Catolé – Foto de Rostand Medeiros

Ele nos contou algumas histórias da época que viu os cangaceiros na sua região, que durante anos viveu no alto da Serra do Catolé e que, na sua propriedade, existia uma gruta que fora utilizada como esconderijo de cangaceiros. A cavidade é conhecida como Casa de Pedra, uma grutinha formada por grandes blocos na encosta da serra.

Já sua filha, Maria do Carmo Rodrigues da Silva, de sessenta e seis anos, informou que, quando moravam no alto da serra, muitas vezes seus filhos traziam daquela cavidade cápsulas de balas de fuzis, havendo, em uma ocasião, achado uma espécie de chave de fendas, aparentemente utilizada na manutenção de rifles. Dona Maria recordou passagens em que, noutro sítio da mesma serra, trabalhadores encontraram próximos a uma pequena gruta, dentre as rochas, “um mundo de rifles socados nas furnas”.

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Serra do Catolé – Foto de Alex Gomes.

Na época de nossa visita, devido à idade, o Senhor Maciel não pôde nos acompanhar, mas informou que um amigo por nome de Luiz Severino dos Santos, morador do Sítio Catolé, sabia muita coisa sobre os esconderijos.

Mais uma vez enfrentamos estradas quentes e poeirentas. Visto que o lugar era muito ermo e havia grande quantidade de casas abandonadas na beira do caminho, surgiu outra dificuldade: a de encontrar pessoas para prestar informações.

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Buscando informações em uma casa verdadeiramente “antenada” – Foto de Rostand Medeiros.

Seguimos mais de uma hora sem a noção exata de onde estávamos. No trajeto só casas abandonadas e portas fechadas. Pequenas passagens vicinais seguiam para lugarejos ignorados e logo ficamos perdidos. As poucas pessoas avistadas se mostravam arredias, desconfiadas com quatro estranhos em um carro. Era um jeito arisco e esquisito, tão diferente da receptividade tradicional do sertão e que talvez se explicasse pelo isolamento do local e a proximidade de três fronteiras estaduais, por onde “passa todo tipo de gente e bicho”, como nos disse um lavrador local, um dos poucos com quem conseguimos informações. Se hoje é assim, imaginemos, então, no tempo do cangaço.

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Os catolés da serra – Foto de Rostand Medeiros.

Apesar dos percalços, o horizonte fazia surgir a elevação imponente. Logo na subida, a Serra do Catolé mostrou-se mais extensa do alta, além de coberta por pequenas palmeiras conhecidas por coqueiro catolé (Syagus cromosa). Essa árvore, comum nos cerrados, é igualmente vista em praticamente toda a região Nordeste do Brasil, principalmente em locais com maior altitude.

Quando, enfim, chegamos ao cume da Serra do Catolé encontramos o Senhor José Marcos. Ele não somente nos ensinou o caminho, como também nos levou à propriedade de Luís Severino dos Santos.

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Bate papo com o Senhor Luís Severino dos Santos, no Sítio Catolé, neto do famoso chefe cangaceiro Luís Padre – Foto de Solon R. A. Netto.

Encontramos então um homem tranquilo, forte para sua idade, que nasceu e vive na serra. Desse local raramente se afasta, apenas para ir, ocasionalmente, até São José de Belmonte ou Serra Talhada. Para nossa surpresa, no começo do diálogo descobrimos que ele era neto de Luís Padre, um dos doutrinadores de Lampião, e que não havia apenas a Casa de Pedra para se conhecer, na verdade existem várias cavidades na Serra do Catolé, uma delas bem próximo de sua casa e que um dia abrigou um cangaceiro ferido.

Pedra de Dé Araújo

Segundo o Senhor Severino, a família de Luís Padre era dona do Sítio Catolé antes mesmo do início das “brigadas” contra os Carvalhos. Entre uma pausa e outra da luta, Luís Padre, Sinhô Pereira e o bando seguiam para aquele local, onde se refaziam para novos combates. Entre essas pausas, Luís Padre iniciou um relacionamento com a Ana Maria de Jesus. Desse encontro, nasceram duas filhas do célebre cangaceiro, Emília e Agostinha Pereira da Silva. A última foi a genitora do nosso informante, sendo ela quem narrou ao mesmo as peripécias e as andanças do seu pai no cangaço.

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Foto dos antepassados do Senhor Severino. O calvo a direita da foto é Luís Padre, seu avô – Foto de Rostand Medeiros.

As características de isolamento e as dificuldades naturais de acesso a serra, proporcionaram aos cangaceiros um verdadeiro local de descanso e apoio. Mas por medo da polícia descobrir esses locais, o Senhor Severino relatou que sempre a estadia do grupo era rápida e contida. Todos os caminhos eram muito vigiados, ninguém entrava ou saía sem que Luís Padre e Sinhô Pereira soubessem. Ali, estavam a somente dezoito quilômetros do Ceará e a três da Paraíba, mostrando que daquele ponto as fronteiras poderiam ser facilmente ultrapassadas, dificultando a atuação das forças estatais.

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Religiosidade sertaneja no Sítio Catolé – Foto de Solon R. A. Netto.

Em relação às cavidades, o Senhor Severino comentou sobre a existência de várias na região e que, segundo os mais velhos, os cangaceiros refugiavam-se nestes locais quando havia notícias da proximidade da polícia, ou quando algum dos cangaceiros estava ferido.

Devido ao nosso curto tempo, pedimos para conhecer alguma mais representativa e o Senhor Severino nos guiou, primeiramente, até a Pedra de Dé Araújo.

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Entrada da Gruta de Dé Araújo – Foto de Rostand Medeiros

Ele nos guiou, então, a um local que sua mãe, Agostinha da Silva, contou-lhe ter conhecido ainda criança, quando foi levada pelo pai para ver um dos companheiros de luta, que se recuperava de um balaço recebido.

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Na gruta do cangaceiro baleado – Foto de Solon R. A. Netto.

Nessa época, Dona Agostinha falou ao Senhor Severino que o cangaceiro se chamava “Dé Araújo” e que fora ferido no combate das “Piranhas”, havendo sido trazido pelos companheiros para ali ser tratado. A medicina daqueles guerreiros utilizava-se de uma erva nativa cicatrizante facilmente encontrada na serra, conhecida como “cipó de baleado”, o qual era pilado e posto sobre a ferida.

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Vista a partir da gruta – Foto de Rostand Medeiros.

A cavidade de Pedra de Dé Araújo é formada por um matacão granítico rolado e internamente bem desplacado, que se apoiara formando um vão abrigado, com vistas ao vale. No centro havia uma área arenosa e plana, onde sua mãe lhe apontou como o “leito” do cangaceiro Dé Araújo, que, mais tarde, voltaria plenamente recuperado à luta. Porém, o Senhor Severino não soube informar se o lugar onde o cangaceiro fora atingido era a referida Fazenda Piranhas, atacada pelo bando dos Pereiras em junho de 1917.

Lampião Baleado

Na sequência o Senhor Luís Severino dos Santos nos acompanhou, também, até à famosa Casa de Pedra, a alguns minutos de carro de sua propriedade.

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No ponto mais alto da Serra do Catolé, da esquerda para direita, Rostand Medeiros, Antônio Antas e Luiz Severino dos Santos – Foto de Alex Gomes

Segundo o nosso guia foi um agricultor chamado Chico Barbosa, que possuía uma pequena propriedade na Serra do Catolé e morava próximo ao Senhor Severino que revelou o momento em que chegou à região: foi na passagem do bando de Lampião pelo lugar, quando o chefe foi ferido no pé, uma dos momentos mais terríveis da vida desse líder cangaceiro.

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Salão da Gruta da Casa de Pedra, onde supostamente Lampião esteve durante alguns dias se recuperando de um ferimento – Foto de Rostand Medeiros

Chico Barbosa já faleceu, mas foi um grande amigo do Senhor Severino e lhe narrou ter sido durante algum tempo cangaceiro de Lampião. A razão da entrada no bando, de onde ele veio, ou “nome de guerra” que adotou, ou como saiu do cangaço, ele nunca declinou essas coisas ao amigo Severino e nem este lhe questionou. Ocasionalmente, quando queria, Chico Barbosa comentava ao vizinho suas andanças “nos tempos dos clavinotes”. Em um dos relatos narrou como o “Rei do Cangaço” veio parar naquela cavidade.

Os doutos estudiosos da vida de Virgulino Ferreira da Silva narram que em 23 de março de 1924, por volta das dez horas da manhã, uma volante comandada pelo major da polícia de Pernambuco, Theophanes Ferraz, teve um encontro com Lampião e outros cangaceiros nas proximidades da Lagoa do Vieira, distante cerca de cinco quilômetros da Serra do Catolé. Na luta, o cangaceiro foi seriamente atingido no pé e morta sua montaria, tombando o animal sobre sua perna. Apesar disso, o bandoleiro conseguiu fugir. Seu bando, então, seguiu para o alto de uma serra, onde o chefe iniciou sua recuperação. O boletim oficial feito pelo major Theophanes Ferraz, conta que, alguns dias após, às cinco e meia da tarde do dia 2 de abril, uma tropa do seu setor de ação atacou o acampamento dos cangaceiros e morreram dois perigosos bandidos, Lavadeira e Cícero Costa.

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Foto de Alex Gomes

Já Lampião, ao fugir, abriu o ferimento, iniciando-se uma séria hemorragia. O chefe se escondeu nas moitas, por pouco não sendo descoberto pela polícia. Durante três dias, padeceu ao relento, sem água ou alimentos, com a grave ferida aberta. Por sorte, um garoto o encontrou e chamou o pai, que começou a cuidar do cangaceiro.

Após se recuperar, Lampião mandou comunicar aos seus irmãos, cangaceiros como ele. Eles chegaram ao local com um bando calculado em cinquenta homens, dentre eles, Chico Barbosa. Nesse ínterim, a polícia sabendo do estado de saúde do cangaceiro, intensificou as buscas. Sem condições de seguir para algum local mais seguro, para um tratamento melhor, o grupo rumou em direção a Serra do Catolé. Chico Barbosa comentou que, assim, Lampião refugiou-se na gruta da Casa de Pedra.

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Foto de Alex Gomes

O que vimos a partir do ponto onde se encontra a gruta na Serra do Catolé foi era estonteante, sendo possível visualizar parte do Ceará e da Paraíba. Já a Casa de Pedra tratava-se da entrada da pequena e estreita gruta, um vão alargado no meio de dois blocos de granito, num dos cumes da serra.

Segundo o mesmo Chico Barbosa, Lampião foi transferido para outras cavidades na Serra do Catolé, como a Furna da Onça, localizada na Fazenda Ingá. Porém, foi na Casa de Pedra que ele passou mais tempo se recuperando. A razão era o isolamento do lugar e sua localização privilegiada.

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Da esquerda para direita – Alex Gomes, Solon Netto, Luiz Severino dos Santos, Antônio Antas e Rostand Medeiros.

Um mês após essa peregrinação, o chefe cangaceiro seguiu protegido por muitos homens, para a propriedade “Saco dos Caçulas”, em Princesa, na Paraíba, onde o fazendeiro Marcolino Diniz lhe deu todo o apoio. Lampião se recuperou desse grave ferimento e continuou combatendo por mais quatorze anos, até ser liquidado em julho de 1938, na Grota de Angicos, em Sergipe.

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Pedra do Reino – Foto de Rostand Medeiros.

Interessante apontar que a Casa de Pedra fica perto da famosa área histórica conhecida como Pedra do Reino, retratada no romance de Ariano Suassuna – O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta. A Pedra do Reino foi palco, em 1838, de um massacre iniciado por messiânicos que pregavam a volta do rei português Dom Sebastião, desaparecido numa antiga batalha. Para os fanáticos seguidores do sertão pernambucano, era preciso tingir os dois imensos monólitos, que lá estão dispostos, com sangue humano, para que um reino encantado se iniciasse na Terra. O desfecho dessa história foi macabro, quando, após o sacrifício de mais de cinquenta pessoas, boa parte crianças, o grupo foi dizimado pela força policial.

Porém, dali, era imprescindível, ainda, procurar pela Lagoa do Vieira, lugar onde Lampião se ferira ao confrontar a polícia de Pernambuco. Seria muito longe da caverna o local onde se deu o ferimento do cangaceiro?

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Região da Lagoa do Vieira – Foto de Rostand Medeiros.

Continuamos na estrada até que, quase pelo final da tarde, chegamos a uma pequena comunidade rural nas margens de um baixio quase seco. Muito provavelmente, o cenário modificou-se pouco da época dos combates aos dias atuais. Assim, estava lá a lagoa, apenas a alguns quilômetros da Casa de Pedra da Serra do Catolé.

Memórias do Ataque de Sabino a Triunfo

À noite, voltamos por Triunfo, uma cidade serrana construída a quase mil metros de altitude para no dia seguinte, conhecer o Museu do Cangaço. Este estabelecimento funciona em um prédio histórico, bem conservado, abrigando importante acervo sobre o cangaceirismo, além de objetos criados pela cultura regional.

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Punhal de Corisco no Museu do Cangaço de Triunfo – Foto de Rostand Medeiros.

São peças antigas da história do Nordeste, fotografias de um tempo não tão distante, mas pouco abordado pelos livros de história geral. Vale anotar que, também em Triunfo, há pequenas grutas graníticas associadas ao cangaço, mas como o tempo da expedição era muito limitado, não fomos visitá-las.

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Rostand Medeiros e o Senhor Nelson Gonçalves Siqueira Campos, e,m Triunfo – Foto de Solon R. A. Netto.

Entretanto, nas cercanias do museu, pudemos conhecer e entrevistar o Senhor Nelson Gonçalves Siqueira Campos, que, apesar dos seus noventa e oito anos de vida e da fraca audição que ele tinha na época de nossa visita, com lucidez nos contou sua rica história, que foi toda gravada.

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Prédio onde funcionou a loja do pai de Seu Nélson – Foto de Rostand Medeiros.

Em maio de 1926, a loja de seu pai, Antônio Campos, foi atacada por um grupo de cangaceiros do bando de Lampião. A desavença teve origem numa dívida com Marcolino Diniz, fazendeiro e famoso coiteiro de cangaceiros. Diniz, então, acertou o crime com Sabino, bandido de maior confiança de Lampião, para que a loja fosse saqueada e o proprietário morto.

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Notícia do ataque do cangaceiro Sabino a Triunfo, fato presenciado pelo Senhor Nélson.

A guarnição policial de Triunfo era pequena e os cangaceiros adentraram destruindo tudo no estabelecimento. O Senhor Nelson, na época um adolescente, teve a ideia de atirar ao fogo uma caixa de fogos de artifício. Os cangaceiros, ao escutarem uma sequência de tiros e estampidos, acreditando tratar-se do reforço policial, bateram em retirada. Na verdade, o que se passou foi um grande engodo e o jovem foi aclamado como o herói que livrou a cidade dos bandidos.

O Vale do Cafundó de Flores 

No regresso para o Rio Grande do Norte paramos em Flores, a quarta cidade mais antiga de Pernambuco, onde buscávamos conhecer a Casa de Pedra de Cafundó, no Sítio Covoado, onde foi construído um casebre aproveitando-se de uma reentrância escarpada em um abrigo rochoso. Esse local nada tinha haver com histórias de cangaceiros, mas valeu a visita pelo interessante cenário.

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Casa de Pedra de Cafundó, no Sítio Covoado, Vale do Cafundó, Flores, Pernambuco.

Nosso guia, Luiz Gonzaga, conduziu o grupo ao Vale do Cafundó, onde a beleza natural da região nos encheu os olhos. Ficamos acima de um vale com dezenas de metros de profundidade, que se estendiam por uma vasta área, feições que lembraram Sete Cidades, no Piauí.

Certamente, no período das chuvas, muita água passaria pela bacia e, ante os enormes paredões de arenito capazes de fazer a vista perder-se, foi impossível deixar de pensar que deveriam existir inúmeras cavernas naquela região.

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Junto a Seu Zequinha Marinheiro – Foto de Solon R. A. Netto.

Fomos então apresentados a Zequinha Marinheiro, filho do homem que construiu a morada no abrigo do Cafundó. Ele contou que, apesar de não morar mais naquela casa, ainda a utiliza para estocar alimentos e, ocasionalmente, passar a noite. Relatou que a casa foi construída por volta de 1940, havendo morado lá por toda infância.

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Vale do Cafundó, Flores, sertão pernambucano – Foto de Solon R. A. Netto

O abrigo rochoso tornou a casa mais protegida dos elementos naturais. Mesmo após edificar uma forte residência mais próxima da estrada, até hoje o Senhor Marinheiro se vale da Casa do Cafundó, vez que a utiliza como depósito para colheitas ou mesmo refugiar-se nas horas mais quentes do dia.

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Vale do Cafundó – Foto de Alex Gomes.

E na trilha para o Cafundó, confirmando nossas expectativas, encontramos nossa primeira caverninha exatamente no vale! Ensaiamos uma incursão sem equipamentos, mas havia muitas vespas, que nos impeliram a sair apressadamente.

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Caverna do Cafundó – Foto de Solon R. A. Netto

A Caverna do Cafundó – como é conhecida – aparenta somente possuir duas entradas e (provável) curto desenvolvimento. Na rápida observação, percebemos um forte desnível positivo a partir da entrada principal.

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Foto de Solon R. A. Netto.

Mais alguns passos, ali perto, descortinou-se uma situação ímpar: construída na encosta de uma formação arenítica, vimos a fachada de uma casa perdida em meio a uma imensa parede de vale, dentro de um abrigo natural. Adentramos e, apesar do intenso calor nordestino, os cômodos apresentavam temperatura amena. Dentro, alguns utensílios da rude vida sertaneja e muitos grãos.

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Foto de Solon R. A. Netto.

Do lado de fora, cercados por cajueiros, ficamos sentados admirando a paisagem do rio que dividia o vale: um vasto serpenteio de areia muito fina e branca rasgando a caatinga. Diferentemente dos outros locais vistos, a Casa de Pedra do Cafundó não estava ligada ao cangaço. Era apenas um capricho da natureza, que escavou a rocha, do qual o homem se valeu para construir, dentro, um lar, perdido num rincão isolado. Ali, após décadas de edificada, servia ao mesmo propósito: nos proteger do calor.

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Foto de Solon R. A. Netto.

Eis que o sentimento, comum a todos os que entram em cavernas, foi nos invadindo: a sensação de que estávamos protegidos, de que aquela cavidade natural denotaria sempre uma ideia de casa ao ser humano. Justamente isso a ligava às cavidades que havíamos visitado nos dias anteriores, àquelas utilizadas pelos cangaceiros.

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Foto de Alex Gomes.

O Cafundó abre-se com grande potencial espeleológico e turístico a todos os amantes da beleza natural e resume o que as cavernas pernambucanas têm de mais precioso: a singularidade.

Após noites mal dormidas e dias tão intensos, encerrava-se uma viagem com grande bagagem histórica, espeleológica, fotográfica e um serviço à nossa cultura nordestina e brasileira.

UMA CARTA DE LAMPIÃO E A HISTÓRIA DO SOLDADO VOLANTE QUE SE TORNOU AMBIENTALISTA

Rostand Medeiros – IHGRN

Em seu aparato de guerra | Crédito: Reprodução – Fonte – http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/brutal-lampiao.phtml#.WWwJ3ojyvXP

Artur Carvalho é da cidade de Floresta, sertão de Pernambuco. Recentemente o amigo Artur trouxe dois interessantes materiais históricos sobre o tema, que trago para os amigos que prestigiam o nosso “Tok de História”.

Carta de Lampião ao dono da Tabuleiro Comprido.

O primeiro material é uma das famosas cartas escritas por Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, a um fazendeiro de nome Cantidiano Valgueiro dos Santos Barros, dono da propriedade Tabuleiro Comprido, conforme podemos ver na foto que segue, extraída da página 192, do livro “Relação dos Estabelecimentos Ruraes Recenseados no Estado de Pernambuco”, de 1925.

Na carta, escrita na peculiar maneira de Lampião se expressar, ele pede a Cantidiano dois contos de réis, de forma extorsiva, a fim de serem evitados “prejuízos”.

Segundo Artur Carvalho, que utilizou os conhecimentos profissionais de um especialista em paleografia , a “tradução” é a seguinte;

Ilmo. Sr Cantidiano Valgueiro,

Eu (ou “le”) faço esta para “vc” mandar-me dois “conto dereis”, isto sem falta, não tem menos, para “vc” saber se assinar em telegrama contra mim como “vc” se assinou em um com “Gome” jurubeba. Eu ví e ainda hoje tenho ele. Sem mais, resposte logo para “envitar” muito prejuízo. Sem mais assunto.

Cap. Virgulino ferreira Lampião. [sic]

Na carta encontramos o nome do policial Gomes Jurubeba, grande inimigo de Lampião e certamente ligado a Cantidiano Valgueiro. Provavelmente esta ligação possa explicar o segundo regalo enviado pelo amigo Artur Carvalho.

Esta é uma interessante e rara foto, provavelmente da década de 1930, onde vemos três homens membros de um grupo de volantes, equipados e armados para combaterem os cangaceiros de Lampião e de outros bandos, em meio as caatingas nordestinas.

Os três soldados volantes

O grupo é formado (Da esquerda para a direita) por Geronso Calaça e Natanael Valgueiro, ambos da cidade de Floresta, e por Luiz Capuxu, de Serra Talhada.

Na imagem Natanael e Capuxu portam fuzis Mauser, mas pelas munições, na qual todos carregam em profusão, acredito que o Geronso também deveria ter este tipo de armamento. Além disso, trazem cantis, bolsas, apetrechos para dormirem no mato, punhais e outros materiais.

Podemos ver que portam armas de fogo curtas, sempre no lado esquerdo de seus cintos. Geronso e Natanael estão com o que aparentam ser duas pistolas F.N., modelo 1910, em calibre 7,65mm (.32 AUTO). Com Capuxu é possível ver um volumoso cabo de um revólver, mas sem maiores detalhes só podemos especular que era provavelmente algum modelo em calibre 32 ou 38.

Pistolas F.N., modelo 1910, em calibres 7,65 mm (.32 AUTO) e 9 mm Browning Curto (.380 ACP). Em versões “presentation”, com placas de cabo em madre-pérola, e a oxidada em negro com placas de cabo em ebonite preto Fonte – http://armasonline.org/armas-on-line/as-pistolas-browning/

Sobre as andanças de Natanael e os seus companheiros, sobre suas lutas contra cangaceiros não sei de nada.

Segundo Artur, Natanael era sobrinho e genro de Cantidiano Valgueiro, casado com sua filha Dona Zelfa Valgueiro Barros. Diante das ameaças feitas pelo “Rei do Cangaço” a seu parente, entrou em uma volante para dar combate aos cangaceiros.

Não sei se Lampião chegou a cometer algum tipo de crime contra seu parente, ou contra a propriedade Tabuleiro Comprido, mas o fato dele estar em uma volante pode apontar que esta hipótse é bastante plaussível.

Independente do que ocorreu nesta época, mais interessante foi a bela atitude que Natanael tomou em relação a sua amada Tabuleiro Comprido vários anos após o fim do cangaço.

Segundo uma matéria assinada por Josélia Menezes, em 1 de Abril de 2003, temos a interessante história.

“A história de vida e as atitudes do fazendeiro pernambucano Natanael Valgueiro Barros, 89 anos, nunca foram pautadas pelo conformismo e pelo convencional. Ainda garoto, nos anos 30, entrou nas chamadas Forças Volantes, que combatiam o Cangaço. Acabado os horrores dos combates, ele era um homem mudado, um pacifista. Desde então, em meio à luta contra a seca para salvar os rebanhos de gado, bode e ovelha, no semiárido, onde está sua fazenda, Tabuleiro Comprido, município de Floresta, ele encampou outra batalha solitária e pioneira: proteger as espécies ameaçadas da caatinga, especialmente emas. Caça e desmatamento soava como heresia aos seus ouvidos. Acabou virando o primeiro ambientalista daquelas paragens. Há 34 anos ele já cercava a fazenda, palco de confrontos sangrentos da Coluna Prestes, de olho na preservação.

Passado o tempo e reduzidas as emas a umas poucas unidades pela ação de caçadores e espertalhões, seu Valgueiro acaba de ter uma vitória significativa. O Ibama decretou recentemente a criação da primeira Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) no Vale do São Francisco em Pernambuco, com área de 285 ha, nas terras de seu Valgueiro.

O trabalho pioneiro realizado por ele sempre teve o apoio da família e foi justamente as três filhas e a nora que, diante de seu estado de saúde precário, encamparam sua luta pela criação da reserva. A ideia surgiu num momento de desespero, quando os registros do Incra apontavam a fazenda como improdutiva, passível de reforma agrária, apesar da tradicional criação de gado, ovelha e bode, dentro da filosofia de desenvolvimento sustentável, um conceito concebido só recentemente, mas já praticado na área. “Todo um longo trabalho de respeito ao meio ambiente era distorcido e em vez de premiação, éramos punidos”, observa a filha Adália. A ameaça de desapropriação chamou a atenção do grupo ambiental SOS Caatinga, que já vinha exercendo campanhas protecionistas na região, idealizador da criação da RPPN. A parceria estava formada. O grupo iniciou uma campanha de denúncia da situação junto a órgãos federais, como o Incra e Ibama, e as entidades ambientais Fundação Biodiversitas (MG) e Aspan (PE). “Os assentamentos do Incra em área de caatinga não têm muita preocupação ambiental. Seria um desastre socioambiental criar mais um justo nesta área”, observa Cláudio Novaes, membro do SOS Caatinga. Deu efeito. Relatório do escritório do Ibama em Salgueiro desaconselhou a desapropriação e comprovou o excelente estado de conservação da área, grande biodiversidade e beleza cênica.

Lampião o “Rei do Cangaço”

SOS Caatinga, Fundação Biodiversitas (MG) e Aspan (PE) formaram uma parceria para evitar um desastre ambiental e formar uma das mais importantes RPPN na área do rio São Francisco.

Através do SOS Caatinga, a família entrou com pedido de criação da reserva. “O apoio do representante federal do programa de RPPN em Pernambuco, Luiz Guilherme Façanha, foi decisivo porque ele nos orientou e estimulou o tempo todo”, revela Adália Valgueiro. O Ibama através da Portaria nº 177/02, de 31/12/2002 aprovou a criação da reserva, que leva o nome “Cantidiano Valgueiro de Carvalho Barros”, único filho homem do “seu” Valgueiro, morto há 3 anos. O órgão declarou a área como “de interesse público e em caráter de perpetuidade”.

O documento faz referência clara às agressões que a propriedade vem recebendo por parte dos caçadores. “As condutas e atividades lesivas à área reconhecida sujeitarão os infratores a sanções administrativas cabíveis, sem prejuízo de responsabilidade civil e penal”. A área preservada acaba de ser registrada no cartório de registro de imóveis. Também já se encontra em andamento a primeira pesquisa científica no local, sobre beija-flores, realizada pela mestranda em Biologia, Fabrícia Leal, pela UFPE.

A reserva de “seu” Valgueiro é a segunda em área de caatinga em Pernambuco. A primeira, chamada “Maurício Dantas”, fica no município de Betânia, criado há quatro anos pelo funcionário público Fábio Dantas, que também homenageou o filho morto em acidente.”

Ver o site Folha do Meio Ambiente http://www.folhadomeio.com.br/publix/fma/folha/2003/04/valgueiro.html

Apesar do texto anterior conter erros relativos a história da passagem da Coluna Prestes pela região, temos que dar os parabéns a Natanael (Seja neste ou em um plano superior) e a sua família pela notável ação com a criação da Reserva Particular do Patrimônio Natural Cantidio Valgueiro, na Ecoregião denominada “Depressão Sertaneja Setentrional”.

Segundo indicações do ICMBIO, a RPPN da Fazenda Taboleiro Comprido é na área da foto. No canto esquerdo o Rio Pajeú e a estrada mostrada é a PE-390. Fonte – http://www.earth.google.com/intl/pt/

Aparentemente o filho de Natanael tinha o mesmo nome do sogro e tio do seu pai e era dentista segundo eu apurei.

A preservação deste local deixa para as futuras gerações, um pedaço da caatinga próxima ao Rio Pajeú que foi autênticamente pisado tanto pela Coluna Prestes, como pelo bando de Lampião e seus perseguidores.

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AS GRUTAS DA SERRA DO CATOLÉ

ESCONDERIJO DOS GRANDES CANGACEIROS

Rostand Medeiros – Escritor e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Os fatos relacionados ao fenômeno do cangaceirismo possuem em suas variadas narrativas, locais que são referências pelos acontecimentos ali ocorridos. Pontos que se tornaram conhecidos por batalhas, ataques a cidades, assaltos e outros episódios, quase sempre associados ao sangue derramado, a valentia apresentada ou a derrota sofrida.

Serras na fronteira entre a Paraíba e Pernambuco.Foto Sólon R. A. Netto.

Na área onde as fronteiras entre os Estados de Pernambuco, da Paraíba e do Ceará se encontram, existem no lado pernambucano um destes locais. Trata-se de uma elevação natural, com altitudes que chegam a mais de 1.000 metros e conhecida como Serra do Catolé. Este ponto geográfico, localizado ao norte da cidade pernambucana de São José de Belmonte, se tornou conhecido dentro do chamado “Ciclo do Cangaço”, por ser apontado por consagrados autores, como o local onde existiam grutas que serviam de esconderijos a cangaceiros famosos, como os de Sinhô Pereira e Luís Padre, além do “aluno” do primeiro, Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Lampião.

Junto com os amigos Sólon Rodrigues Almeida Netto e Alex Gomes partimos da cidade paraibana de Manaíra, na fronteira com Pernambuco, seguimos acompanhados do amigo Antônio Antas, que estava nos ajudando na função de guia na região. Conhecedor das histórias dos cangaceiros e dos inúmeros confrontos na região do Pajeú pernambucano, além de privilegiada fonte de informações, Seu Antonio é um homem da conversa franca, aberta e prazerosa.

Nosso guia na região e verdadeira enciclopédia do cangaço, Sr. Antônio Antas. Foto-Sólon R. A. Netto.

A Saga dos Pereiras

Ele nos conta como se deu a luta dos Pereiras, hoje um verdadeiro mito na região.

Sinhô Pereira ou Sebastião Pereira e Silva nasceu em 1896, na antiga Vila Bela, atual Serra Talhada, na região do Pajeú, Pernambuco. Era sobrinho-neto de um rico fazendeiro, que possuía o titulo nobiliárquico de Barão do Pajeú.

Desde os tempos que os primeiros brancos chegaram ao Pajeú, estes viveram principalmente da criação de gado. Como a pecuária requer uma larga extensão de terras, em meio a uma região de gente valente, com a quase total ausência do Estado, não era rara a ocorrência de conflitos sanguinolentos entre famílias, que chegaram a durar décadas.

Em 1848, quase cinquenta anos antes do nascimento de Sinhô Pereira, sua família entra em desavenças políticas com a família Carvalho. Em 1907, com o endurecimento deste conflito, foi assassinado o então líder dos Pereiras, Manoel Pereira da Silva Jacobina, conhecido como Padre Pereira, que era assim conhecido por ter estudado em um seminário em Olinda, Pernambuco. Terra de bravos e com a quase total ausência do Estado, Pouco tempo depois, em resposta, um dos chefes dos Carvalhos é morto.

Três irmãos de Sinhô Pereira assumem por parte da família o combate contra os Carvalhos. Em 1916, um destes irmãos, conhecido como Né Dadu é morto no conflito e Sinhô Pereira assume seu papel no conflito fratricida.

Sinhô Pereira e Luís Padre (em pé).

O falecido Padre Pereira tinha como filho Luiz Pereira Jacobina, conhecido como Luiz Padre e primo de Sinhô Pereira. Logo os primos estarão à frente de um grupo de cangaceiros, que não vão se caracterizar pela rapinagem franca e aberta contra alvos aleatórios, mas pela missão proeminente de destruir a tudo e a todos que pertenciam, ou eram ligados aos Carvalhos. Os primos utilizavam o vilarejo de São Francisco, na época crescendo em número de habitantes, como sua principal base de apoio.

A forma de combate dos Pereiras é a guerrilha sertaneja. Para eles não existe outra opção, pois além de poderosos e bem armados, as ligações políticas dos Carvalhos com o poder constituído de Pernambuco, colocava ao lado destes a força policial.

Os fatos envolvendo estas lutas se perpetuaram na região; em uma manhã de junho de 1917, à frente de sete homens, Sinhô Pereira e Luís Padre atacaram a fazenda Piranhas, em Serra Talhada. Apesar de perderem um dos seus companheiros e terem outros feridos, o saque foi alto e a destruição intensa.

Em outro caso, o grupo dos Pereiras chegou um dia antes do casamento de um aliado dos Carvalhos, que evidentemente não ocorreu mais, onde a lua de meu do noivo foi de rifle na mão e perseguindo os Pereiras no meio da caatinga.

A perseguição das autoridades aos Pereiras era intensa, as vezes absurda. Em abril de 1919, após um combate contra o bando onde morrerem nove soldados. Os policiais pernambucanos, comandados pelo Coronel João Nunes, como forma de quebrar a resistência dos primos cangaceiros, simplesmente decidiram saquear e queimar totalmente o vilarejo de São Francisco. E assim foi feito!

Em meio a estes conflitos, os Pereiras utilizaram o apoio de fazendeiros da região para terem proteção e aproveitarem os vários esconderijos oferecidos, ou “coitos”.

Segundo o livro do jornalista cearense Nertan Macedo, intitulado “Sinhô Pereira-O comandante de Lampião” (pág. 87, Ed. Artenova, 1975), afirma que Luís Padre possuía terras na Serra do Catolé, onde o bando se escondia. Teriam eles utilizado cavernas?

Para nós que estávamos na região pesquisando, a suspeita era pertinente, pois outras publicações clássicas sobre o cangaço narram que grutas da Serra do Catolé foram utilizadas como esconderijos por Lampião e seu bando (Optato Gueiros, in “Lampeão-Memórias de um oficial de Forças Volante”, 4ª Ed., Editora Livraria Progresso, 1956, págs. 83 a 92 e Francisco Bezerra Maciel in “Lampião, seu tempo e seu reinado-Livro II-A Guerra de Guerrilhas-Fase de Vendetas”, 2ª Ed., Editora Vozes, 1987, págs. 115 a 129). Como sabemos que muito do aprendizado de Lampião e seus irmãos no cangaço foi passado por Sinhô Pereira, era bem possível que este tenha ensinado ao “Rei dos Cangaceiros”, os principais locais de esconderijo na serra?

Para tirar a dúvida, bastava ir lá.

Até o encontro com o Senhor Antonio Antas, estas eram a únicas informações que possuíamos sobre a passagem do bando dos cangaceiros pela serra. Nosso informante confirmou tudo que fora escrito nos velhos livros e acrescentou outras informações, nos animando para continuar a jornada.

Indicações

Seguimos pela bela cidade serrana de Triunfo, em direção a Serra Talhada, depois pela BR-232, até o entroncamento em direção a São José de Belmonte, percorrendo mais de 50 quilômetros de boas estradas de asfalto.

A partir de São José de Belmonte o caminho para a Serra do Catolé segue por 25 quilômetros de estradas de barro, até o distrito do Carmo. Neste aglomerado urbano, soubemos da existência do Senhor Francisco Maciel da Silva que poderia nos dar boas informações.

Carmo, em São José de Belmonte, Pernambuco. Foto-Alex Gomes.

Vivendo em uma casa simples do lugarejo, idoso, mas lúcido, o Senhor Maciel é um homem de pequena estatura, lento nos gestos e que utiliza um par de óculos com grossas lentes para poder enxergar. Apesar disto, a firmeza da sua voz, a lucidez e o forte aperto de mão, não deixam transparecer que ele possui 97 anos de idade. E comentou que durante anos viveu no alto da Serra do Catolé e que na sua propriedade existe uma gruta que foi utilizada como esconderijos de cangaceiros.

Já sua filha Maria do Carmo Rodrigues da Silva, de 66 anos, informou que quando ainda moravam no alto da serra, muitas vezes seus filhos traziam desta cavidade, cascas de balas de fuzis detonadas ou ainda intactas e em uma ocasião, um deles achou uma espécie de chave de fendas, aparentemente utilizada para manutenção rifles. Dona Maria nos informa que estes fatos não se restringiram apenas a pequenos objetos. Em anos passados, ela não recorda quando, em outro sítio existente na região da serra, em uma ocasião em que trabalhadores capinavam próximos a uma pequena gruta, foram encontrados dentro desta, segundo suas palavras; “um mundo de rifles socados nas furnas”.

Devido à idade, o Senhor Maciel não pode nos acompanhar, mas informou que um amigo por nome de Luiz Severino dos Santos, morador do Sítio Catolé, saberia muita coisa sobre estes esconderijos.

Os Caminhos para A Serra do Catolé

Seguimos então para a serra por uma estrada de péssima qualidade.

No trajeto percebemos a pequena quantidade de habitações existentes ao longo do caminho, onde a maioria delas se encontra com as portas fechadas, sendo difícil acharmos pessoas quem possa nos dar alguma informação. Vimos pequenas estradas vicinais, seguindo para pontos ignorados, onde mesmo com a ajuda do GPS, acabamos nos perdendo em algumas ocasiões.

Ao buscarmos informações com as poucas pessoas que encontramos, estes se mostraram arredios, desconfiados com quatro homens em um jipe EcoSport. Este comportamento estranho, bastante diferente do que estamos acostumados a encontrar nas nossas andanças pelo sertão nordestino, se explica pelo isolamento do local e a proximidade de três fronteiras estaduais, por onde “passa todo tipo de gente e bicho” como nos disse um lavrador local. Se hoje é assim, imaginemos então no tempo do cangaço.

Apesar dos percalços, cada vez mais a serra surgia imponente.

Subindo a Serra do Catolé. A árvore que da nome a serra são as palmeiras a direita do carro. Foto-Alex Gomes.

A Serra do Catolé possui características interessantes; além de elevada, extensa, é coberta com uma imensa quantidade de palmeiras conhecidas como coqueiro catolé (Syagus cromosa). Esta árvore, característica dos cerrados, é igualmente vista em praticamente toda a região Nordeste do Brasil, principalmente em locais com maior altitude, chega a ter em media 7 metros de altura e fornece uma amêndoa que se produz um fino óleo que é utilizado na culinária nordestina. Da sua polpa, principalmente no Ceará, se produz uma bebida chamada aluá e antigamente o sertanejo encontrava nesta caridosa árvore um palmito de gosto amargo, utilizado para temperar carne.

Entre esta verdadeira floresta de coqueiros catolé, vemos uma grande concentração de enormes blocos de granito, sendo esta outra característica desta interessante serra. Foi devido à ação da erosão, ao longo de milênios, que estes blocos rolaram ao longo dos declives da serra, e, ao se juntarem a outros blocos, formaram as cavidades naturais que os valentes cangaceiros do bando de Sinhô Pereira utilizaram em meio as suas lutas.

O “Coito” dos Pereiras e a Gruta da Pedra de Dé Araújo

Em meio a tantas pessoas com o semblante desconfiado, foi uma benção encontrar o riso aberto do Senhor Luiz Severino dos Santos. Homem tranqüilo, forte para seus 66 anos, comenta que nasceu na serra e de lá, no máximo só saiu até Serra Talhada. Para nossa surpresa, no começo do nosso diálogo, ao ser perguntado sobre estes esconderijos, ele confirma a existência das grutas e comenta que elas foram esconderijos usados pelo bando do seu avô, o próprio Luis Padre.

Surpresos diante desta declaração, passamos a conversar e buscar novas informações.

Conhecendo a história. Foto-Alex Gomes.

Segundo o Senhor Severino, a família de Luís Padre era proprietária do Sítio Catolé antes mesmo do inicio das “brigadas” contra os Carvalhos. Entre uma pausa e outra da luta, Luis Padre, Sinhô Pereira e o bando seguiam para a Serra do Catolé, onde se refaziam para novos combates. Aparentemente, entre estas pausas, Luís Padre iniciou um relacionamento com a sertaneja Ana Maria de Jesus. Logo deste encontro nasceram duas filhas do célebre cangaceiro, Emília e Agostinha Pereira da Silva, a última foi a genitora do nosso informante, sendo ela quem narrou as peripécias e as andanças do seu pai no cangaço.

As características de isolamento e as dificuldades naturais de acesso a serra, proporcionaram aos cangaceiros um verdadeiro local de descanso e apoio, mas por medo da polícia descobrir estes locais, o Senhor Severino informou que a permanência do grupo era sempre rápida e controlada. Todos os acessos eram vigiados, ninguém entrava ou saia da serra sem que Luis Padre e Sinhô Pereira soubessem. Percebemos a importância estratégica da serra e do Sítio Catolé, pois estamos a somente 18 quilômetros da fronteira cearense e a 3 da Paraíba, mostrando que a partir deste local estas fronteiras poderiam ser ultrapassadas e outros locais de apoios e de combate poderiam ser alcançados.

Em relação às cavidades, Seu Severino comenta que existem várias na região, que o grupo se escondia nelas quando havia notícias das proximidades da polícia, ou quando algum dos cangaceiros estava ferido.

No abrigo de “Dé Araújo”. Foto-Alex Gomes.

Devido ao nosso tempo curto, pedimos para conhecer a mais representativa em sua opinião. Ele escolhe para uma que sua mãe lhe contou ter ido a este local, ainda criança, levada pelo pai cangaceiro, para ver um dos seus companheiros de luta que se recuperava de um balaço recebido. Ela lhe contou que o cangaceiro se chamava “Dé Araújo”, que havia sido ferido no combate das “Piranhas”, sendo trazido nas costas dos companheiros, onde foi tratado com raízes e produtos naturais. Na medicina destes cangaceiros, eles utilizavam um cipó facilmente encontrado na serra, que chamavam “cipó de baleado”, onde o mesmo era pilado, colocado sobre a ferida da bala, que cicatrizava o ferimento.

A cavidade passou a ser conhecida na região como “Gruta da Pedra de Dé Araújo”, sendo formada por um matacão granítico rolado e internamente, no centro da cavidade existe uma área arenosa, plana, onde sua mãe lhe dizia ser o “leito” do cangaceiro “Dé Araújo”, que se recuperou plenamente e voltou a luta. O Senhor Severino não soube informar se este lugar “Piranhas”, fora a mesma fazenda Piranhas, atacada pelo bando dos Pereiras em junho de 1917.

Religiosidade do sertanejo. Foto-Sólon R. A. Netto.

Em 1919, com o endurecimento da luta, onde a vitória total era impossível, mas a honra da família estava mantida, o conflito entra em um impasse. Neste momento surge a figura do famoso Padre Cícero, da cidade de Juazeiro, Ceará. O sacerdote pede aos Pereiras que deixem a região, que sigam para “o Goiás em busca de paz”. Eles acatam o pedido do religioso e decidem partir separadamente, levando cada um deles, um número reduzido de homens, os de maior confiança. Luís Padre consegue chegar a Goiás, mas Sinhô Pereira entra em combate no Piauí e, sem conseguir ir adiante, retorna para o violento Pajeú.

Tempos depois, em 1920, um pequeno grupo de seis cangaceiros, comandado pelo caçula dos três irmãos Ferreira, de nome Virgulino, entra no bando de Sinhô Pereira. Eles buscam vingança contra um vizinho de propriedade e de um tenente da polícia alagoana que havia matado seu pai. Durante dois anos Virgulino Ferreira da Silva, seria tornaria braço direito de Sinhô Pereira e aprenderia muito com o chefe, inclusive os esconderijos da Serra do Catolé. Em agosto de 1922, atendendo a outro pedido do Padre Cícero e acometido de problemas reumáticos, Sinhô Pereira deixa o Nordeste em direção a Goiás, onde reencontra o primo e juntos vão participar de outras lutas.

A Gruta que salvou Lampião

Chico Barbosa, já falecido, foi um agricultor que possuía uma pequena propriedade na Serra do Catolé. Morava próximo ao Senhor Severino, de quem era grande amigo e lhe contou ter sido durante algum tempo, cangaceiro do bando de Lampião.

Lampião, o “Rei do Cangaço”.

A razão da entrada do bando, de onde ele veio, o “nome de guerra” que adotou no bando e como Chico Barbosa deixou o cangaço, ele nunca declinou ao amigo e nem o Senhor Severino perguntou.

Ocasionalmente, quando queria, Chico Barbosa comentava ao vizinho suas andanças “nos tempos dos clavinotes”. Em um destes relatos comentou que chegou à Serra do Catolé através da passagem do bando pelo lugar, quando Lampião foi ferido no pé.

O caso se deu assim; no dia 23 de março de 1924, por volta das dez da manhã, uma volante comandada pelo major da polícia de Pernambuco, Thoephanes Ferraz, teve um encontro com Lampião e dois cangaceiros em uma área próxima a Lagoa do Vieira, distante apenas cinco quilômetros da Serra do Catolé. Na luta, o chefe cangaceiro foi seriamente atingido no pé e sua montaria foi morta, caindo sobre a perna de Lampião. Apesar disto, o bandoleiro consegue fugir. Seu bando então segue para o alto de uma serra, onde o chefe passa por uma recuperação. Sobre este caso ver https://tokdehistoria.wordpress.com/2011/02/10/quando-lampiao-quase-foi-aniquilado/

Alguns dias depois, segundo o boletim oficial emitido pelo mesmo major Theophanes Ferraz, às cinco e meia da tarde do dia 2 de abril, uma tropa do seu setor de ação, ataca o acampamento dos cangaceiros e morrem dois perigosos bandidos, Lavadeira e Cícero Costa. Já Lampião, ao empreender fuga, abre o ferimento e tem início uma séria hemorragia.

O chefe se esconde nas moitas, por pouco não é descoberto pela polícia. Durante três dias Lampião padece no meio da caatinga sem água ou alimentos, com uma grave ferida aberta. Por sorte um garoto o encontra, este chama seu pai, que começa a tratar do cangaceiro. Após se recuperar, Lampião manda comunicar a seus irmãos, que chegam ao local com um bando calculado em cinqüenta cangaceiros, entre eles supostamente estaria Chico Barbosa. Neste ínterim, a polícia sabia do grave ferimento de Lampião e as buscas na região eram intensas. Sem condições de seguir para algum local aberto para um tratamento melhor, o grupo seguiu para a Serra do Catolé.

Gruta que salvou Lampião. Foto Alex Gomes.

Chico Barbosa comentou que primeiramente Lampião veio para a gruta da “Casa de Pedra da Boa Esperança”.

O Senhor Severino, com extrema boa vontade nos levou a esta cavidade natural. Seguimos de carro em torno de dois quilômetros, até um ponto onde subimos uma parte da serra a pé, seguindo no meio de uma plantação de milho. O que vemos a partir do ponto onde se localiza a gruta é estonteante, é possível visualizar parte do Ceará e da Paraíba.

Chico Barbosa comentou ter Lampião sido transferido para outras cavidades na Serra do Catolé, como a Furna da Onça, localizada na fazenda Ingá. Mas foi na Casa de Pedra da Boa Esperança que ele passou mais tempo se recuperando. A razão era o isolamento do lugar e sua localização privilegiada.

Um mês após esta peregrinação por cavidades, o chefe cangaceiro será protegido por ricos latifundiários da fronteira entre Pernambuco e Paraíba, aonde vai se recuperar plenamente combatendo por mais quatorze anos, até ser liquidado em julho de 1938, na Grota de Angico, em Sergipe. Durante a continuidade da sua luta, onde vão morrer todos os seus irmãos que aderiram ao cangaço, ele vai incorporar ao bando mulheres, como a sua Maria Bonita e vai participar de inúmeros combates. Apenas ocasionalmente, na região próxima a zona do rio São Francisco, e de forma ocasional, o “Rei do Cangaço” voltara a utilizar cavidades naturais como abrigo.

Conclusão

Ainda criança, Agostinha Pereira viu seu pai Luís Padre, fugir para terras distantes e dele então não teve mais notícias.

Nos anos 50, chega a Serra Talhada um jovem bem instruído, simpático, de fala tranquila e vindo do sul do país. Ele busca entrar em contato com parentes de Luiz Pereira Jacobina, o temido Luiz Padre.

Foto de Luís Padre (a direita), entregue pelo seu filho. Foto- Solón R. A. Netto.

Era o goiano Hagaús Pereira, ativo membro da sociedade da cidade goiana de Dianópolis, filho de Luiz Padre, que a seu pedido buscava entrar em contato com a família deixada na Serra do Catolé. O Senhor Severino nos conta que uma parte da sua família seguiu para Goiás. Ele foi convidado, mas na última hora as belezas da serra falaram mais alto e ele está por lá até hoje.

Luiz Padre faleceu em 1965. Do avô que não conheceu ficou uma foto.

Para os privilegiados moradores deste local, a utilização da Serra do Catolé pelos cangaceiros no passado é um momento da história que cada dia mais se perde diante da concorrência desleal da televisão, provocando o desinteresse dos jovens em ouvir dos mais velhos os “causos” do passado.

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QUANDO LAMPIÃO QUASE FOI ANIQUILADO

O COMBATE NA LAGOA DO VIEIRA

Rostand Medeiros – Escritor e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Nos primeiros meses do ano de 1924, o chefe cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o temido Lampião, mantinha junto com seu bando uma intensa atividade de pilhagens, assaltos e ataque aos seus inimigos na região fronteiriça entre os estados de Pernambuco e da Paraíba. Neste setor não eram incomuns as notícias dos cangaceiros nas cidades de Princesa (PB), Triunfo e São José de Belmonte (PE). São deste período dois grandes ataques do bando de Lampião contra o ex-companheiro de cangaço, Clementino Furtado, ou o famoso “Clementino Quelé”.

Lampião

Segundo o livro “Pernambuco no tempo do cangaço, Volume I”, de Geraldo Ferraz de Sá Torres Filho (Recife,2002), em sua página 328, informa que segundo o Boletim Geral nº 05, da Polícia Militar de Pernambuco, as primeiras horas da manhã de seis de janeiro e 1924, dia dedicado aos Santos Reis, o chefe cangaceiro atacou um sítio próximo a vila de Santa Cruz, atual cidade de Santa Cruz da Baixa Verde, a apenas seis quilômetros de Triunfo, acompanhado de um grupo de cangaceiros calculado em sessenta homens.

Durante seis horas de nutrido tiroteio, Clementino Quelé suportou juntamente com outros membros de sua família, uma terrível provação. Mesmo tão próximo a cidade de Triunfo, somente as onze daquela manhã foi que o sargento Higino Belarmino, ordenou o deslocamento de sua tropa para salvar os sitiantes. Diante do fogo dos policiais, Lampião ordenou a retirada. Na casa ficaram três mortos, sendo um deles irmão de Quelé, e um ferido.

Não satisfeito pelo fato de ter conseguido matar o ex-companheiro de bando, o chefe Lampião retorna cinco dias depois a casa de Quelé, com igual número de cangaceiros, e reinicia o ataque. Aparentemente desta vez a tropa veio em socorro dos sitiantes mais rapidamente. Entretanto, como na ocorrência anterior novamente Quelé perdeu outros parentes e amigos.

Diante da situação, Clementino Quelé o homem que suportou is ataques de Lampião, cruzou a fronteira e seguiu para a cidade de Princesa, onde através da influência do “dono” do lugar, o coronel José Pereira, sentou praça na polícia paraibana. Ele recebeu a patente de sargento e tratou logo de montar uma força volante para caçar seu maior inimigo e o seu bando.

Diante da repercussão destes combates, as forças policiais dos dois estados aumentam a pressão contra os cangaceiros. Pelos próximos dois meses circulam notícias da presença do bando na proximidade da vila de Nazaré e informações de um assalto ao sítio São Domingos. (Ferraz, op. cit. Págs. 331 e 332).

Theophanes Ferraz Torres, o notório oficial da polícia pernambucana

Entre os oficiais da polícia pernambucana que desejavam capturar, ou abater, Lampião estava o major Theophanes Torres Ferraz. Aos 30 anos de idade, este militar era considerado uma verdadeira lenda no seio da corporação em que atuava. Ferraz havia se notabilizado pela prisão do famoso cangaceiro Antônio Silvino, em novembro de 1914, após o tiroteio ocorrido no sítio Lagoa da Laje, na zona rural do atual município pernambucano de Vertentes. Há algum tempo ele estava baseado na cidade de Vila Bela, atual Serra Talhada, atuando no desbaratamento de grupos cangaceiros.

Considerado atuante, enérgico e determinado, o nome do major Ferraz é visto costumeiramente nas páginas dos antigos jornais conservados na hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco. Estes periódicos estampavam principalmente seus telegramas destinados a Eurico Souza Leão, então Chefe de Polícia de Pernambuco, cargo atualmente equivalente ao de Secretário de Segurança. Nestes relatos o major Ferraz dava conta da atuação da força policial no interior.

Em março de 1924, a frente de uma tropa de vinte e cinco policiais, o major Ferraz seguiu de Vila Bela para várias localidades da região do Pajeú pernambucano. Consta que uma das missões do major Ferraz era arregimentar o maior número de homens para formar uma grande volante destinada a combater os cangaceiros que assolavam a região.

Um dos locais para onde a tropa seguiu foi a Serra do Catolé, distante cerca de 30 quilômetros de São José de Belmonte. Este elevado maciço granítico, que possui altitudes que ultrapassam os mil metros, está fincada na região onde as fronteiras dos estados de Pernambuco, Ceará e Paraíba se encontram, tendo seu nome originado a partir da existência de uma grande quantidade de pequenas palmeiras conhecidas como coqueiro catolé. A força policial chegou à região da serra no dia 23 de março.

Na capa do jornal recifense “A Notícia”, de 26 de março de 1924,com a narrativa do combate da Lagoa do Vieira feito pelo major Ferraz.

Segundo João Gomes de Lira, ex-oficial da Polícia Militar de Pernambuco, antigo perseguidor de Lampião na década de 1930 e autor do livro “Memórias de um soldado de Volante” (Recife,1990), informa na página 129 que ao passarem pela  serra, os policiais souberam que três cangaceiros montados em alimárias haviam seguido em direção a região da fronteira da Paraíba. Provavelmente o major Ferraz recebeu a informação que entre os membros daquele pequeno grupo de bandidos estava Lampião e partiu para a perseguição.

Antônio Amaury Correa de Araújo e Vera Ferreira, autores do livro “De Virgulino a Lampião” (São Paulo,1999), na página 96, informam que o chefe cangaceiro seguia com os companheiros que tinham a alcunha de Moitinha e Juriti. Para estes autores os celerados seguiram para a região da Lagoa do Vieira, na intenção de receberem uma encomenda feita a um coiteiro da região.

Durante a nossa visita a região (dezembro de 2008) a área apontada como sendo a Lagoa Vieira estava praticamente seca-Foto Alex Gomes

Por volta das dez horas da manhã os policiais vinham cautelosos ante a aproximação dos cangaceiros. Segundo Lira (op. cit. Pág. 129), o major Ferraz determinou que habitantes da região que buscassem o rastro dos fora das lei. Nesta movimentação os policiais ouviram a aproximação de alimárias, viram os três homens montados e o tiroteio começou.

Logo o animal que transportava o chefe cangaceiro caiu varado de balas e um destes disparos igualmente atingiu o calcanhar direito de Virgulino. O cavaleiro caiu ao solo, onde na seqüência a sua montaria tombou sobre seu pé ferido e Lampião ficou momentaneamente preso. Se não fosse a ação destemida de Moitinha e Juriti, provavelmente aquele seria o dia derradeiro do “Rei do Cangaço”.

Próximo a Lagoa Vieira se encontra a famosa Pedra do Reino, palco de trágicos acontecimentos em 1838

Teria sido o próprio major Ferraz quem atingiu o chefe cangaceiro. De alguma forma Lampião se livra do peso do animal morto e mesmo ferido consegue reagir a altura da situação. Logo, segundo a nota publicada no jornal “A Noticia” ele e seus companheiros fogem em direção a uma serra, que o oficial pernambucano declara ser a “Serra da Catinga”, existente nas proximidades.

Foto-Alex Gomes

Segundo as pessoas que atualmente habitam a isolada região da Lagoa do Vieira, o local deste combate é demarcado pela existência de uma árvore do tipo “pau-ferro”, em uma parte mais baixa do terreno, próximo as margens desta lagoa. Em relação aos detalhes deste acontecimento, os atuais moradores não transmitiram muitas informações, mas foram categóricos em apontar o local do combate, através de relatos passados pelos mais velhos.

O abundante rastro de sangue mostra o caminho para onde a tropa deve seguir. Ainda segundo a nota publicada no jornal recifense, a cerca de uma légua de distância, ou seja, seis quilômetros, na altura de um lugar chamado “Barro”, outros cangaceiros vieram em socorro do chefe e montaram o ponto de disparos. Logo a tropa é violentamente atacada em uma emboscada.

Neste ponto a tropa do major Theophanes Ferraz se encontra em desvantagem, o tiroteio cresce e logo claros são abertos no lado dos militares. Em pouco tempo três policiais são feridos, sendo dois com gravidade.

As estradas da região próxima a Lagoa do Vieira são péssimas, mantendo a região ainda bastante isolada.

Em sua nota na imprensa pernambucana, o major Ferraz informa que diante da situação dos dois feridos, os praças Manoel Amaro de Souza, que havia sido atingido no olho direito e de Manoel Gomes de Sá, baleado no braço esquerdo e na coxa direita, ele decidiu se retirar do combate para buscar um local apropriado para aplicar os primeiros tratamentos, além de conseguir a remoção dos mesmos para Belmonte e Vila Bela. Ainda segundo o oficial, os homens atingidos gravemente foram transportados nas costas dos seus companheiros de farda até uma propriedade denominada Montevidéu. O soldado João Demetrio de Souza, o terceiro ferido, este sem gravidade, consegue seguir por seus próprios meios.

Nas imediações desta árvore, neste mesmo antigo caminho de barro, segundo os moradores da região, foi o local onde se deu este combate do dia 23 de março de 1924.

Da parte dos cangaceiros, o ferimento no pé de Lampião preocupa. O cangaceiro paraibano Cícero Costa de Lacerda propõem conduzir o chefe para o alto a Serra das Panelas, que ficava nas proximidades.

Vendo seu ferimento melhorar Lampião Imaginava que, juntamente com seus cangaceiros, todos estavam bem protegidos no alto da grande serra, mas logo ele teria um encontro com um dos seus mais terríveis inimigos, Clementino Quelé.

Na altitude de mil metros da Serra do Catolé, a esquerda o Ceará e a direita a Paraíba. A partir da esquerda para a direita a equipe participante, Alex Gomes, Solón Almeida Netto (Fotógrafos), os nossos guias na região Luiz Severino dos Santos (Morador do Sítio Catolé, no alto da serra e neto do cangaceiro Luís Padre, primo do mítico chefe cangaceiro Sinhô Pereira), Antônio Antas (Grande amigo e verdadeira biblioteca ambulante sobre o cangaço na região, de Manaíra-PB) e o autor deste artigo.