QUEM ERAM OS IRMÃOS PERNAMBUCANOS QUE MORRERAM EM COMBATE DURANTE A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL?

Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Nos últimos tempos o tema da Primeira Guerra Mundial esteve bastante presente em vários meios de comunicação e de entretenimento. Como foi o caso do prêmio Oscar 2020, onde o interessante filme “1917”, do diretor inglês Sam Mendes, mesmo sem ganhar a estatueta de melhor película chamou muita atenção para esse centenário conflito.

No meu caso, o que sempre me interessou sobre esse período diz respeito às ações dos submarinos alemães e as histórias dos combates aéreos sobre a Europa. Em relação a esse segundo tema, eu nunca fico entediado em ler algo sobre os episódios envolvendo aquelas primitivas aeronaves e todo arrojo daqueles pilotos durante os combates.

Outro dia, ao me pesquisar na internet com alguns interessantes trabalhos ingleses sobre esse tema, me debrucei com maior atenção sobre a vida do ás alemão Ernst Udet. Com sessenta e duas vitórias confirmadas, Udet foi o segundo melhor piloto de caça alemão na Primeira Guerra Mundial e o piloto desse país a sobreviver ao conflito com maior número de aviões inimigos derrubados. Ele voou ao lado do mítico piloto Manfred Von Richthofen, o famoso Barão Vermelho, o maior ás alemão da Primeira Guerra, mas que morreu em combate[1].

Ao conhecer mais sobre a atuação desse piloto de caça, me deparei com a notícia que no ano de 1917 ele derrubou um avião inglês em um combate, ocasionando a morte do adversário. Esse fato em si não trazia nenhuma novidade, mas o que me chamou atenção era o fato do falecido aviador ter nascido no Brasil. E que cinco meses antes de sua morte, o seu irmão mais velho, tenente no exército inglês, morreu em combate na Frente Ocidental, mais precisamente na Batalha de Arras.

O ás alemão Ernest Udet após a Primeira Guerra Mundial.

Primeiramente, devido à existência de um marco de memória em uma antiga igreja no nordeste da Inglaterra, esses irmãos seriam cariocas. Mas após começar a garimpar as notícias, entrar em contato com pessoas que sabem desse tema muito mais do que eu, surgiu a confirmação que eles eram naturais de Recife.

Mas quem eram esses pernambucanos?

OS INGLESES ESTÃO CHEGANDO…

Para respondermos essa pergunta é interessante conhecer uma curiosa particularidade que existiu em Pernambuco entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX – A influência e a importância da comunidade inglesa que viveu nesse estado!

Quadro que representa a chegada da corte portuguesa a Salvador – Fonte – http://jcoutinhomaimai.com.br/wp-content/uploads/2013/10/E4285.jpg

Essa história começa no dia 28 de janeiro 1808, mais precisamente na cidade de Salvador, Bahia. Nessa data o príncipe regente de Portugal, Dom João de Bragança, futuro rei Dom João VI, assinou o Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas, que literalmente abriu a grande colônia portuguesa do Brasil para o comércio exterior. Mas a verdade é que esse comércio ficou basicamente restrito aos ingleses e houve uma forte razão para isso. Apenas oito dias antes de assinar esse Decreto, praticamente toda a corte portuguesa havia desembarcado na capital baiana, fugindo das tropas francesas de Napoleão Bonaparte, que em 19 de novembro do ano anterior haviam invadido Portugal. E foram os ingleses que apoiaram a fuga dos nobres portugueses para sua enorme colônia.

Após a entrada dos franceses em território luso, Dom João de Bragança assinou uma convenção secreta com a Inglaterra, onde ficou estabelecido que esse país recorreria a ação da Royal Navy, a Marinha Real Inglesa, para a Família Real e membros do governo português chegarem sãos e salvos no Brasil. O Reino de Portugal por sua vez “compensaria” largamente os ingleses com a abertura do comércio no Brasil.

Uma charge em que Napoleão puxa a peruca do general francês Jean-Andoche Junot, por não ter conseguido capturar a Família Real portuguesa – Fonte – https://jcoutinhomaimai.com.br/do-caos-de-lisboa-rumo-ao-brasil/

Não demorou muito e os súditos do monarca inglês Jorge III, conhecido como “o rei louco que perdeu a América do Norte”, desembarcaram na caliente América Portuguesa, principalmente nas cidades do Salvador, Rio de Janeiro e Recife, onde esperavam encontrar uma boa oportunidade para expandir sua indústria e comércio e poderiam auferir grandes lucros.

Com o passar do tempo os súditos da coroa britânica criaram e mantiveram fortes laços com Pernambuco, desenvolvendo muitos negócios e empresas que tiveram grande influência não apenas nesse estado, mas em toda a região Nordeste. Foi o caso da Western Telegraph Company, da Pernambuco Transways and Power Company, da Great Western of Brazil Railway Company (que possuía ramal ferroviário até Natal), da Telephone Company of Pernambuco, do Bank of London & South America,do London & River Plate Bank,da Price Waterhouse,da Machine Cotton,White Martins e de outros mais[2].

Recife antigo.

Através da valiosa ajuda do advogado e fotógrafo pernambucano Ricardo Argm, soube com detalhes da influência que os ingleses exerceram entre a elite social pernambucana, divulgando seus hábitos, comidas, bebidas, maneirismos e seus esportes tradicionais. Ricardo é descendente de ingleses e comentou que no seu estado, bem como em todo Brasil, o esporte bretão que mais fortemente marcou foi o “foot-ball”[3].

Um dos ingleses que moravam em Recife era Thomas MacDonald Hood. Sabemos que nasceu na Inglaterra, era comerciante na última década do século XIX, se tornando depois agente na cidade da empresa J. & P. ​​Coats Limited, atual Coats Group Public Limited Company, conhecida no Brasil como Coats Corrente Ltda. Thomas Hood casou com Ellen Paton em 10 de fevereiro de 1894, na capela do consulado inglês em Recife. Sua esposa havia nascido na capital pernambucana em 1º de novembro de 1871[4].

Através de uma nota publicada em jornais sabemos que o casal vivia em Apipucos, uma área tida como suburbana, afastada nove quilômetros do centro da cidade, que entre o final do século XIX e início do século XX foi escolhido como local de residência pelos muitos ingleses que viviam em Recife[5]. A escolha se deveu, sobretudo, a natureza exuberante e aprazível que ali existia. Os ingleses introduziram o hábito de construir casarões com fartos jardins e utilizar a água como recurso paisagístico.

Segundo Gilberto Freyre, naqueles tempos as águas do hoje poluído rio Capibaribe eram recomendadas para banhos medicinais naquela região. Ainda segundo o famoso escritor pernambucano, em Apipucos havia “banhos de rio pela manhã, à tarde, jogo de cartas, à noite pastoris e danças – assim decorria a vida em Apipucos para a gente sinhá, nos grandes dias dos passatempos de festas de recifenses e de famílias vindas de casas-grandes do interior”.[6]

Uma área aparentemente muito agradável, principalmente para dois garotos de origem inglesa. Estes eram Douglas Edward Hood e Ronald Paton Hood!

DO RIO PARA A GUERRA

Foto creditada a Douglas Edward Hood.

Douglas nasceu em 26 de maio de 1896 e Ronald em 28 de junho de 1898, mas de suas juventudes não conseguimos nenhuma informação. Sabemos que a família mudou de Recife para o Rio de Janeiro, pois já em 1910 Thomas MacDonald Hood está atendendo seus clientes no centro da então Capital Federal, na Rua São Pedro, número 120, como gerente da “Machine Cottons”.[7] Três anos depois, conforme está descrito no jornal O Paiz  (19/11/1913-pág.9), Hood se torna presidente da Companhia Brasileira de Linhas. Ali encontramos uma concessão em seu nome, por parte da Prefeitura do Rio de Janeiro, para a construção de edifícios na Rua do Hospício, nos números 144, 146 e 148[8].

Após o início da Primeira Guerra Mundial só vamos ter notícias dos irmãos recifenses em janeiro de 1917, quando Douglas Hood embarca no porto do Rio para a Inglaterra, junto com um jovem de 19 anos chamado Charley Taylor, filho de um empresário, que foi servir na França como tenente da 119º Battery, da Royal Field Artillery. Seguiram de Santos, São Paulo, mais dois combatentes para a luta. Um deles era o bancário D. M. McKie e o outro um cidadão chamado E. Foy[9].

Símbolo do Regimento Bedfordshire .

Douglas Hood segue para o 1º Batalhão do Regimento de Bedfordshire (1st Battalion Bedfordshire Regiment), uma tradicional unidade de linha do exército inglês. Foi formado em 1688 pela ordem real do imperador James II, tendo ao longo de sua história lutado em inúmeras guerras que envolveram o Império Britânico. Durante toda a Primeira Guerra Mundial o Regimento de Bedfordshire esteve em atuação na Frente Ocidental, na Frente Italiana e até no Oriente Médio, tendo sido composto por vinte e um batalhões.

Membros do 1º Batalhão de Regimento de Bedfordshire.

No caso específico do 1º Batalhão, este desembarcou na França em 15 de agosto de 1914, dezoito dias após o início do conflito, como parte da Força Expedicionária Britânica original.

UM BATALHÃO QUE LUTOU DURANTE TODA A GUERRA

Entre os combates que o 1º Batalhão participou no primeiro ano da guerra estão listados em agosto as Batalhas de Mons, principalmente na área da vila belga de Wasme, lugar onde o pintor Vincent Van Gogh viveu algum tempo em 1879. Nessa ocasião, embora os britânicos tenham lutado bem e infligido baixas desproporcionais aos alemães numericamente superiores, acabaram sendo forçados a recuar devido à maior força dos inimigos. Houve ainda em agosto a Batalha de Le Cateau. Em setembro estiveram na Primeira Batalha de Marne, onde morreram cerca de 500.000 homens dos dois lados da contenda. Participaram da Primeira Batalha de Aisne, quando as trincheiras se tornaram comuns nessa guerra. Já em outubro houve os enfrentamentos da Batalha de La Bassée e da Batalha de Ypres de 1914 (também conhecida como a Primeira Batalha de Ypres).

No ano seguinte os homens do 1º Batalhão morreram e mataram seus inimigos na Segunda Batalha de Ypres, no oeste da Bélgica, onde houve o primeiro uso de gás venenoso pela Alemanha. Lutaram também na chamada Batalha da Colina 60, onde as baixas dessa unidade militar foram tantas, que ela foi duas vezes reconstruída durante a luta.

Típico combatente inglês da Primeira Guerra Mundial.

Em 1916 o 1º Batalhão do Regimento de Bedfordshire esteve envolvido em várias fases da Batalha do Somme, a maior batalha da Frente Ocidental, um verdadeiro moedor de carne humana que tragou, entre feridos ou mortos, mais de um milhão e meio de homens de ambos os lados. O Somme é algo tão grande, que muitos historiadores a definem como Ofensiva do Somme, onde se desenrolaram uma série de combates entre julho e novembro daquele ano. Especificamente o 1º Batalhão participou dos combates de High Wood, Longueval, de Guillemont (na captura da Fazenda Falfemont, de 3 a 6 de setembro) e os combates de Flers-Courcelette, Morval e Le Transloy. 

Trincheira britânica em pleno momento do combate .A guerra nas trincheiras foi uma das situações marcantes da Primeira Guerra Mundial. – Fonte – www.sahistory.org.za/sites/default/files/article_image/worldwar1somme-tl.jpg

É quando 1917 começa…

NA BATALHA DE ARRAS E NO ZOUAVE VALLEY

Sabemos que o recifense Douglas Edward Hood saiu do Brasil em janeiro de 1917 para a Inglaterra, onde realizou seu treinamento básico. A próxima notícia que temos desse jovem é de abril, onde ele recebeu a patente de segundo-tenente e se encontra no norte da França com o experiente 1º Batalhão do Regimento de Bedfordshire. Logo a unidade de Douglas Hood está envolvida na Segunda Batalha de Arras, na região de Nord-Pas-de-Calais, atualmente chamada Hauts-de-France. Aquela era uma ofensiva inglesa contra os alemães, que se desenrolou próximo a cidade de Arras, entre 9 de abril e 16 de maio. Cerca de 130.000 alemães ficaram frente a frente contra 158.000 ingleses, canadenses, sul-africanos, australianos e neozelandeses.

Canadenses combatendo em Vimy, na chamada Batalha de Vimy Ridge, como parte dos combates ocorridos em Arras.

O esforço contra os alemães foi um ataque relativamente amplo, após um longo bombardeio preparatório, que começou em alguns pontos em 20 de março e se prolongou até o início da batalha. Foram lançados incríveis 2.689.000 projéteis. O Dia Zero foi combinado para 9 de abril, com a Hora Zero às 05:30, sendo o principal ataque realizado a leste da cidade de Arras. Ali aconteceu aquela que é a parte mais cuidadosamente trabalhada de toda essa ofensiva, quando os canadenses, ao custo de 3.598 mortos, lançaram um ataque em direção a comuna de Vimy, avançando quase quatro quilômetros por uma área extremamente bem defendida. Após os ganhos territoriais dos primeiros dois dias, seguiu-se uma pausa. Pelos padrões da Frente Ocidental, com milhares de homens dos dois lados, enfurnados em estáticas trincheiras, esse ganho de quatro quilômetros foi considerado espetacular. Durante essa ofensiva, em 26 de maio, o jovem Douglas Hood completou 21 anos de idade.

Em uma vila chamada Souchez, a cerca de doze quilômetros ao norte de Arras, ocorreram outros combates.

Souchez foi uma urbe totalmente destruída durante a Primeira Guerra Mundial, com sua tragédia tendo início em outubro de 1914, quando a vila permaneceu por quase um ano nas mãos das tropas alemãs. Foi definitivamente conquistada pelos franceses em 25 de setembro de 1915. Nessa época ficou marcada uma área ao sul de Souchez, onde morreram em combate 4.207 homens de uma divisão composta majoritariamente de soldados vindos do Marrocos, então uma colônia francesa. Essas tropas eram formadas por homens oriundos do norte africano, existiram entre 1830 até 1962 e eram chamados de Zouave. O local onde a maioria desses marroquinos morreram perto de Souchez, é até hoje conhecido como Zouave Valley.

Segundo o site que preserva a história do 1º Batalhão do Regimento de Bedfordshire (http://www.bedfordregiment.org.uk/1stbn/1stbtn1917diary.html) e o livro “Visiting the Fallen: Arras: Nort” (pág. 184), do historiador inglês Peter Hughes, o 1º Batalhão se encontrava no Zouave Valley em 14 de julho de 1917, na reserva das tropas inglesas em combate. Na manhã desse dia o segundo-tenente Douglas Edward Hood estava participando da construção de uma mule track (trilha de mulas), para apoio aos homens que se encontravam nos túneis denominados Tottenham e Gevenchy-em-Gohelle. Foi quando ocorreu um intenso bombardeio e Hood foi morto, junto com outros quatro militares e dois ficaram feridos[10]. Aparentemente em sua homenagem, seus companheiros batizaram a trilha onde ele morreu de “Hood Track”.

Lápide de Douglas Edward Hood

Douglas Edward Hood está enterrado próximo de onde morreu, no Cemitério Militar de Zouave Valley[11].

Apesar dos ganhos iniciais significativos na Batalha de Arras, os ingleses e seus aliados não conseguiram mais avançar e a situação voltou ao empate tradicional. Embora os historiadores geralmente considerem essa batalha uma vitória britânica, no contexto mais amplo da Frente Ocidental, ela teve muito pouco impacto na situação estratégica ou tática[12].

O JOVEM AVIADOR PERNAMBUCANO

Foto creditada a Ronald Paton Hood, como oficial do Royal Flying Corps.

Temos informações que Ronald Paton Hood deixou o Brasil antes do início da Primeira Guerra e que ele estudou na tradicional Felsted School. Uma instituição de ensino fundada em 1564, localizada na região de Essex, leste da Inglaterra. Com a eclosão da guerra e após sair da escola em setembro de 1915, ele imediatamente se juntou a uma unidade de reserva do exército inglês, recebendo treinamento básico ne a patente de segundo-tenente. Em abril do ano seguinte foi enviado para o Royal Flying Corps, sendo incorporado no Esquadrão número 43 (Squadron Nº 43). Esse esquadrão era conhecido como “Fighter Cokcs”, os “Galos Lutadores”.

Símbolo do 43º Esquadrão.

Essa unidade aérea foi criada na cidade de Stirling, Escócia, em 15 de abril de 1916, e ficou baseado no Raploch Aerodrome, localizado na Fazenda Fallinch, cujos edifícios foram requisitados para uso militar. Hangares de madeira foram construídos para as aeronaves, enquanto os outros edifícios técnicos e as acomodações eram de lona. Ali os homens treinaram o suficiente para ir para a França e se mudaram para Frente Ocidental em janeiro de 1917, realizando missões de reconhecimento de combate usando aeronaves Sopwith 1½ Stutters. Acidentes de voo e aterrissagens foram comuns nos primeiros dias.

A Royal Air Force comemora o centenário do Raploch Aerodrome, localizado na Fazenda Fallinch, Stirling, Escócia.

Ronald Paton Hood, o jovem aviador nascido em Pernambuco, foi combater na Europa com apenas 19 anos de idade, sendo um dos integrantes da Esquadrilha B. Certamente após o dia 14 de julho Ronald deve ter recebido a notícia da morte do seu irmão Douglas no Zouave Valley, mas nada sabemos sobre sua reação.

Desenho de um Sopwith Camel F1.

Em setembro de 1917 o Esquadrão 43 recebeu aeronaves Sopwith Camel F1, armado com duas metralhadoras Vickers e mudou para missões de ataque ao solo, realizando esse tipo de atividade até o final da guerra. Essa era uma aeronave difícil e mortal nas mãos de um novato, onde muitos pilotos foram mortos enquanto aprendiam a pilotar um Camel. Mas nas mãos de um piloto habilidoso, capaz de tirar proveito de suas características temperamentais de voo, era um avião de combate extremamente capaz.

A Esquadrilha B do 43º Esquadrão, onde o segundo-tenente Hood estava lotado.

Mesmo estando na França com o Esquadrão 43 desde o começo do ano, até aquela data sabemos que Ronald Hood não tinha abatido nenhum avião em combate e na metade de 1917 fazia pouco tempo que voava no novo Sopwith Camel F1. Por maior que fosse sua impetuosidade e motivação, o segundo-tenente Hood era antes de tudo inexperiente.

ENCONTRO COM O UDET

Pouco mais de dois meses após a morte de seu irmão, no dia 28 de setembro, Ronald Hood decolou algumas vezes para atacar tropas alemãs e realizar patrulhas ofensivas. Nesse dia Hood pilotava seu Camel, com a matrícula B6209, atuando como ala do experiente capitão Thomas S. Wynn, que pilotava um Sopwith Camel F1, de matricula B2366.

Pelo final da tarde a dupla voava em patrulha ao sul da área da comunidade de Wingles e ao norte da cidade de Lens, na mesma região de Nord-Pas-de-Calais.

Ernest Udet ao lado de seu avião Albatroz.

Tal como Ronald Hood, o alemão Enest Udet era jovem, tinha apenas 21 anos de idade. Mas até aquele mesmo dia 28 de setembro ele já havia conseguido derrubar onze aeronaves inglesas e francesas em combate. O interessante foi que Udet havia conseguido suas vitórias com aeronaves tidas como inferiores as dos seus inimigos, como era o caso do avião que pilotava naquele momento, um medíocre Albatros DV. Aquela era uma aeronave de motor fraco, que deixou o próprio barão Manfred Von Richthofen particularmente decepcionado com o seu desempenho abaixo do padrão, especialmente depois que Von Richthofen foi gravemente ferido em combate pilotando um desses modelos[13]

O Albatroz DV de Enest Udet.

No entanto, os pilotos alemães voavam e lutavam com o que tinham. Mas eles podiam compensar essas deficiências utilizando o que possuíam de melhor – Suas habilidades em combate e o Spirit de corps que existia nos esquadrões de caça alemães. Nessa época Udet era membro do esquadrão de caça Jagdstafell 37, do Luftstreitkräfte, o Corpo Aéreo Imperial Alemão. Abreviado para Jasta 37, essa unidade de combate era altamente qualificada, sob o comando do seu amigo Kurt Grasshoff, que em breve indicaria Udet como seu substituto para comandar o Jasta 37.

Naquele final da tarde de 28 de setembro, Udet voava acompanhado de outro Albatros DV da sua unidade, ao norte da cidade de Lens, quando viu a patrulha de dois Sopwith Camel a 3.500 metros de altitude (10.500 pés) e logo mirou no avião que se posicionava atrás do líder. Após um longo e íngreme mergulho o alemão abriu fogo a cerca de quarenta metros do inimigo, que não ofereceu resistência. O avião de Hood caiu em chamas nas cercanias da cidade de Point-à-Vendin, área então dominada pelos alemães e sua queda foi testemunhada pela guarnição de um canhão antiaéreo inglês.  

Pintura que mostra o avião Albatroz DV de Enest Udet, atacando um avião inglês modelo Sopwith Camel.

O capitão Thomas Wynn prontamente reagiu ao ataque e colocou seu avião a pouca distância de um dos alemães e atacou com uma curta rajada de suas metralhadoras, mas não obteve sucesso. Wymm havia atacado o ala de Udet e este, com extrema habilidade, conseguiu se posicionar atrás do Camel sobrevivente e abriu fogo. Em seu relatório o capitão Wynn informou que seu avião foi atingido no motor e este parou. Ele abandonou o combate a cerca de 300 metros de altitude (1.000 pés) e começou a girar sua aeronave em direção ao solo. Depois direcionou sua máquina danificada para as linhas amigas e conseguiu sobreviver ao pouso forçado. Os alemães não seguiram o inglês em sua descida com a ideia de aniquilar o oponente. Depois Wynn descobriu que os disparos de Udet destruíram seis cilindros do seu motor e perfuraram os tanques de óleo e de combustível[14].

Ficha do segundo-tenente Ronald Paton Hood.

Após conquistar sua 12º vitória, a segunda no mesmo dia, o ás Enest Udet e seu colega retornaram para sua base[15]. Já o corpo carbonizado do jovem nascido em Pernambuco provavelmente ficou entre os destroços de sua aeronave, em meio aos seus inimigos e nunca foi encontrado pelos ingleses. Ronald Paton Hood foi abatido em um local que em média fica apenas quinze quilômetros a nordeste de onde seu irmão tombou e está enterrado.

A seta asinala o nome Hood R. P. – Ronald Paton Hood.

No memorial de guerra de Faubourg d’Amiens, em Arras, estão os nomes de quase 1.000 aviadores que morreram combatendo os alemães na Primeira Guerra Mundial e que não têm sepultura conhecida. O nome de Ronald Paton Hood está entre eles[16].

No nordeste da Inglaterra, no condado de North Yorkshire, encontramos o distrito de Hambleton, onde existe uma pequena vila chamada South Otterington, que data do século X ou XI. Neste último local existe a igreja de Saint Andrew, reconstruída em 1846 sobre um antiquíssimo templo normando, ainda dos primórdios da vila. E é na parte externa desse templo que a família Hood ergueu uma placa de memória para assinalar três de seus membros que morreram na Primeira Guerra Mundial, entre eles Douglas e Ronald Hood.

NOTAS

[1] Ernest Udet nasce em Frankfurt no dia 26 de abril de 1896, era filho de um engenheiro e uma dona de casa, criado em Hamburgo e que desde cedo deu muita atenção à aviação. Udet era um alemão bem distinto e diferenciado. Tinha uma personalidade atraente, mostrando-se bastante expansivo, alegre e de mente aberta. Dava muito valor a mulheres, vinhos e a atmosfera de luxo confortável. Após o fim do conflito esse alemão tornou-se um pioneiro no cinema aéreo, viveu nos Estados Unidos onde atuou como dublê de pilotos em películas de sucesso e ficou reconhecido internacionalmente nessa atividade. Em junho de 1935 Udet ingressou como coronel na força aérea de Adolf Hitler, a Luftwaffe, e um ano depois foi nomeado chefe do Gabinete Técnico do Ministério do Ar. Udet foi responsável pela introdução do Junkers JU-87 Stuka e do Messerschmitt Bf 109. Durante a Segunda Guerra Mundial, ele subiu ao posto de diretor de armamento aéreo. Em 1940, os pilotos começaram a reclamar que o caça inglês Spitfire era superior às aeronaves alemãs. Mais tarde Hitler e o comandante da Luftwaffe, o controverso Hermann Goering, o acusaram de ser responsável pela derrota da Luftwaffe durante a Batalha da Grã-Bretanha. Ele também foi criticado por negligenciar o desenvolvimento de novos bombardeiros pesados. Udet ficou deprimido com o desempenho e em 17 de novembro de 1941, Udet deu um tiro na cabeça enquanto estava no telefone com sua amante. Hitler ficou constrangido com a morte de Udet e emitiu uma declaração de que Udet havia sido acidentalmente morto enquanto testava uma nova arma. 

[2] Ver FREYRE, Gilberto. Ingleses no Brasil: aspectos da influência britânica sobre a vida, a paisagem e a cultura do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1977.

[3] Guilherme de Aquino Fonseca, um filho da aristocracia canavieira pernambucana que havia ido estudar na Inglaterra e adorava os esportes que viu por lá, foi quem organizou os primeiros embates futebolísticos em Recife. No seu retorno da Inglaterra o jovem Guilherme soube que em Recife vários súditos ingleses batiam uma bolinha e ele organizou em 1904 o primeiro jogo, ou “match”, contra o time da Western. No ano seguinte, em 13 de maio, Aquino fundou com a participação de brasileiros e britânicos o tradicional Sport Club do Recife. Segundo está descrito no Diário de Pernambuco, em 22 de junho de 1905 essa neófita equipe se bateu no seu primeiro jogo contra a equipe do English Eleven, um time formado pelos funcionários de companhias inglesas instaladas em Recife. O placar foi de 2 x 2. Ver LIMA e EDUARDO. (2013). Recife entra em campo: história social do futebol recifense 1905-1937. XIV Jornadas Interescuelas/Departamentos de Historia. Departamento de Historia de la Facultad de Filosofía y Letras. Universidad Nacional de Cuyo, Mendoza, páginas 10 a 18 – http://cdsa.aacademica.org/000-010/292.pdf

[4] Ver – extra.bccy.org.uk/gibson/gen_tree/default.htm?page=family-ThomasMacdonaldHoodAndEllenPaton-F00101.htm e http://www.familiagibson.org/2012/10/

[5] Ver Diário de Pernambuco, edição de 27/02/1894, pág. 3.

[6] Ver FREYRE, Gilberto. Apipucos: que há num nome? Recife: Fundaj, Ed. Massangana, 1983 e http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=352&Itemid=189

[7] Ver Almanak administrativo, mercantil, e industrial do Rio de Janeiro, edição de 1910, pág. 1425. A antiga Rua São Pedro, cujos primeiros registros de ocupantes datam de 1624, atualmente não existe mais, fazendo parte da Avenida Getúlio Vargas. Sobre sua história ver https://reficio.cc/publicacoes/memorias-para-servir-a-historia-do-reino-do-brasil/rua-sao-pedro/

[8] Atualmente essa rua se chama Buenos Aires e a região é uma área extremamente comercial, popularmente conhecida como Saara, um termo que designa a Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega.

[9] Ver Wileman’s Brazilian Review, 01/05/1917, pág. 321.

[10] Os feridos foram um soldado e o tenente Leonard Dolman, que foi atingido por estilhaços no ombro, era um antigo professor de 28 anos, originário do leste da Inglaterra e em combate na França desde outubro de 1914.

[11] Ver Diário de Pernambuco, edição de 23/04/1917, pág. 1 e Jornal Pequeno, edição de 24/04/1917, pág. 1.

[12] Ainda em 1917 o 1º Batalhão do Regimento de Bedfordshire participou dom ataque a La Coulotte e em maio na Terceira Batalha do Scarpe. Eles também estiveram envolvidos na captura de Oppy Wood em junho. Durante as Batalhas de Ypres de 1917 (conhecida também como Terceira Batalha de Ypres, ou Passchendaele), o batalhão esteve envolvido em outubro nas Batalhas de Broodseinde e Poelcapelle, bem como na Segunda Batalha de Passchendaele, nessa última entre outubro e novembro. Ainda em 1917, em dezembro, o 1º Batalhão esteve na Itália para fortalecer a resistência italiana após um recente desastre na Batalha de Caporetto e seus homens ficaram posicionados ao longo do rio Piave, na região do Vêneto, Itália setentrional. Em abril de 1918 o 1º Batalhão retornou à França e mais uma vez se envolveu em várias ações, como a Batalha de Hazebrouck, Defesa da Floresta Nieppe e as Batalhas de Albert, Bapaume, Drocourt-Queant, Epehy, do Canal du Nord e do Selle. Finalmente, em 11 de novembro de 1918, o 1º Batalhão do Regimento de Bedfordshire encerrou suas ações na Primeira Guerra em Louvignies, França. 

[13] https://science.howstuffworks.com/albatros-dva.htm

[14] http://www.theaerodrome.com/forum/showthread.php?t=65449

[15] https://science.howstuffworks.com/albatros-dva.htm

[16] http://www.theaerodrome.com/forum/showthread.php?t=68697