EXCLUSIVO – QUEM FOI O BRASILEIRO QUE MORREU NO “DIA D” PILOTANDO UM CAÇA MUSTANG?  

Filho de Pai Inglês e de Mãe Pernambucana – Nasceu e Viveu em Recife até o Começo da Segunda Guerra – De Sargento da RAF, ele Chegou a Oficial de Voo de Um P-51 Mustang – Participou do Dia D, Foi Abatido Por Fogo Amigo e Morreu na Praia de Sword – Anos Depois o seu Irmão era Oficial da FAB e Morreu no Acidente de uma B-17 em Recife.

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Em Recife existe o tradicional bairro de Santo Amaro, um lugar com muita história, onde na primeira metade do século XVII existiram salinas e uma casa grande que pertenceu ao major Luís do Rego Barros. Na época das invasões holandesas esse setor foi um importante ponto estratégico para os estrangeiros e para a resistência dos pernambucanos, que fustigavam os invasores com ações de guerrilha.

Com a derrocada holandesa em 1654 essa parte do Recife, então um dos extremos da cidade, foi sendo ocupada lenta e gradativamente. Era tão desabitado e longe que em 1814 foi ali construído o Cemitério dos Ingleses. Como a presença desses estrangeiros cresciam em número na capital pernambucana, mas quando faleciam não podiam ser enterrados no interior das igrejas por não serem católicos, o jeito foi pedir ao Presidente da Província um terreno exclusivo para isso. Seguindo essa tendência, no governo de Francisco do Rego Barros, o Conde da Boa Vista, foi inaugurado em 1851 o Cemitério de Santo Amaro.

Igreja de Santo Amaro das Salina, de 1681, um dos marcos mais antigos do bairro de Santo Amaro, em Recife – Fonte – Google Street View.

A região crescia com seus cemitérios, muitas áreas abertas e casas de famílias tradicionais. Na década de 1910 morava na Rua do Capitão Lima, ou Rua do Lima, número 244[1], o comendador José Abílio de Barros. De família tradicional da região de Palmares, sul do estado. Abílio era filho de Manoel d’Albuquerque Barros Cavalcanti (que faleceu em 15-07-1888) e de Ursulina de Castro Barreto Barros (falecimento em 15-05-1903).

Abílio era um respeitado comerciante de açúcar em Recife, com ponto comercial na prestigiada Rua do Apolo, 69[2], mas faleceu aos 52 anos, no ano de 1902[3]. Sua esposa, Belmira Duarte Barros, era nascida na mesma região de Palmares e com a viuvez ficou cuidando de treze filhos, sendo sete mulheres[4].

Mulher de fibra e coragem, Dona Belmira organizou a vida de sua família, cuidou rigidamente da educação dos filhos, formou os estudiosos, botou para trabalhar os menos letrados e foi casando as filhas com “gente de posição”. Apesar de tudo nessa mulher apontar para uma pessoa rígida, típica de uma época de valores duros e bem definidos socialmente, Dona Belmira concedia a suas filhas uma certa liberdade para o desenvolvimento intelectual e cultural.

Cândida Duarte Barros foi uma das redatoras do jornal feminino O Lyrio, uma revista literária exclusivamente feminina, organizada em 1902, que defendia a educação das mulheres, a igualdade de direitos e circulou por três anos[5]. Sua irmã mais nova Corina Duarte Barros, também conhecida como Cora, possuía uma boa voz e participava de corais em Recife. Em 6 de setembro de 1912 ela fez parte de uma apresentação no respeitado Teatro Santa Isabel, na obra A Ressureição de Cristo. O espetáculo foi em honra da Independência do Brasil e contou com a presença do general Dantas Barreto, governador do estado[6].

Outra situação diferenciada em relação às filhas de Dona Belmira, foi que essa matrona não tinha problemas em que elas casassem com estrangeiros, tendo três delas se unido a ingleses que moravam em Recife.

Maria Amélia Duarte Barros casou com Archibald Otto Charles Fell, engenheiro da empresa Western Telegraphic Company, falecido em 1911 no Rio[7]. Já a beletrista Cândida Duarte Barros foi casada com James Chalmers, engenheiro da Estrada de Ferro Leopoldina e falecido no Rio de Janeiro em novembro de 1943[8]. Finalmente havia a cantora Corina Duarte Barros, que se uniu a Harold Ernest Barnard.

Documentação de Harold Ernest Barnard.

Harold desembarcou em Recife no dia 18 de julho de 1913, para trabalhar como contador na agência recifense do Bank of London and South America Limited, um banco britânico que operou na América do Sul entre 1923 e 1971. Ele tinha nessa época 24 anos de idade, havia nascido em 18 de julho de 1889, na cidade de Leyton, a leste de Londres, sendo filho de Ebenezer Alfred Barnard e de Sarah Phoebe Fisher Barnard. Em setembro de 1916 encontramos a notícia de que Harold Barnard e Corina Duarte Barros haviam proclamado que em breve casariam[9].

Segundo os documentos que consegui sobre a família de Harold Barnard e Corina, temos a informação que ele foi transferido para a agência do Bank of London em Maceió, Alagoas, onde morou na Avenida Tomás Espínola, 128, no bairro do Farol, e continuou nesse cargo durante anos.

Documentação original de Harold Barnard, grande fonte de informações.

O casal teve quatro filhos – Stanley Harry Barnard (nascido em 1921, ou 1922), Percy Alan Barnard (10/09/1918), Gladys Mary Barnard (25/07/1923) e Iris May Barnard (15/11/1927). Não sei se Harold, sua esposa e filhos passaram a morar juntos em Maceió, mas tudo indica que pelo menos o primogênito Stanley continuou em Recife, com uma forte ligação com a Rua do Lima, o bairro de Santo Amaro e talvez morando com a sua avó, que faleceu em 1936 e cujo cortejo fúnebre saiu de sua casa[10]. Percebi na minha pesquisa que a relação desse jovem com a família materna era tão forte que na época de sua morte os jornais recifenses dão seu nome como sendo “Stanley Barros Barnard”[11].

Não encontrei indicações que o jovem Stanley tenha ido estudar, ou morou algum tempo na Inglaterra. É provável que com a presença do pai e de dois tios ingleses por perto, esse jovem teve uma relação muito forte com a cultura anglo-saxônica, enquanto convivia intensamente com a família de sua mãe e absolvia muito da cultura pernambucana.

Podemos dizer que o jovem Stanley Barnard era uma positiva mistura de gim tônica e bolo de rolo!

Lutando em um Mustang da RAF

Eu não descobri quando o recifense da Rua do Lima seguiu para a terra de Sua Majestade, mas temos a informação que entre a primavera e o verão de 1941, ele se alistou na Royal Air Force, a famosa RAF, ou Força Aérea Britânica. Tinha apenas 19 anos.[12]

Na foto vemos um posto de observação do Royal Observer Corps (ROC) durante a Batalha da Inglaterra, na Segunda Guerra Mundial. Na foto vemos a direita, usando um telefone de peito, P.C. “Lofty” Austin, um ex-representante comercial e ex-jogador de futebol do Tottenham Hotspur, que relata aos seus superiores as informações coletadas por seu colega C.E. “Smudge” Smith, que trabalha em um instrumento de plotagem em Kings Langley, Hertfordshire, Inglaterra – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Dowding_system#/media/File:The_Royal_Observer_Corps,_1939-1945._CH8215.jpg

É provável que a entrada de Stanley na arma aérea da Grã-Bretanha tenha muito haver com a enxurrada de notícias que foram veiculadas em todo mundo, igualmente nos principais jornais recifenses, sobre o desenrolar da mítica Batalha da Inglaterra.

Essa importante série de combates aéreos entre as forças aéreas da Grã-Bretanha e da Alemanha, pôs fim às retumbantes vitórias relâmpagos dos nazistas na Europa e marcou uma fase decisiva no curso da Segunda Guerra Mundial. A Luftwaffe, a força aérea alemã, apoiada pela arma aérea da Itália, realizou uma intensa campanha para destruir a RAF com muitos bombardeios para acabar com a produção de aeronaves britânicas, acabar com a infraestrutura dos aeroportos e ataques a várias cidades, entre elas Coventry e Londres, para assim permitir que o exército alemão invadisse a Grã-Bretanha. Outro objetivo desses ataques foi o de aterrorizar a população britânica e pressionar seu governo a fazer a paz com a Alemanha de Hitler. Mas os britânicos não se dobraram e a RAF foi a ponta de lança dessa resistência.

Barnard ascendeu ao posto de sargento, tinha o número 1387812 e continuava seu caminho dentro da RAF para tornar-se oficial de voo. Enquanto ele aprendia muitas tarefas para participar da guerra, na base da RAF de Snailwell, perto da cidade de Cambridge, leste da Inglaterra, no dia 15 de junho de 1942 foi criado o Esquadrão 168, uma unidade aérea que se tornou operacional para missões de reconhecimento e ações de combate no território inimigo.

Símbolo do Esquadrão 168.

Não demorou e esse grupo estava realizando ataques contra navios e alvos costeiros, mas principalmente trabalhando em estreita cooperação com o Exército Britânico. Os pilotos desta unidade vieram dos países da Comunidade Britânica, de países ocupados pelos nazistas e, porque não, um descendente de ingleses nascido no Nordeste do Brasil.

Mustang da RAF sobre a França ocupada.

Em 20 de fevereiro de 1943 o pernambucano Stanley Barnard foi promovido a oficial aviador, tendo sido designado para o Esquadrão 168, que nessa época atuava na base de Odiham, em Hampshire, sudeste da Inglaterra[13]. Ali a unidade utilizou aeronaves de caça Mustang Mk. Ia, uma variação do famoso avião de combate americano P-51 Mustang, projetado pela North American Aviation e vários foram entregues aos britânicos por um sistema de empréstimos financeiros. A base de Odiham era dividida com o Esquadrão 268, também de reconhecimento.

O Mustang Mk. Ia era uma aeronave excepcional[14]. Possuía um motor Allison V 1710-87, com 1.250 HP de potência, com 12 cilindros em V, proporcionando um excelente desempenho que podia levar essa versátil aeronave a uma velocidade máxima de quase 600 quilômetros por hora. E a alta velocidade era importante para as missões de reconhecimento estratégico, principalmente no quesito de sobrevivência dos pilotos[15].

Câmeras oblíquas K24.

Os Mustangs de reconhecimento da RAF eram equipados com uma ou duas modernas câmeras oblíquas K24, montadas no encosto de cabeça do piloto e que tinha uma ótima capacidade de fotografar alvos estratégicos. As missões de reconhecimento fotográfico de baixo nível e de curto alcance eram chamadas de “Popular”. Já as câmeras eram controladas pelo piloto e sua operação era automática.

Rasante de um Mustang de reconhecimento da RAF.

As aeronaves de reconhecimento da RAF voaram centenas de perigosas missões, muitas delas em nível ultra baixo, para garantir que as defesas alemãs e o interior da Normandia não tivessem segredos. Qualquer coisa de importância que eles viram em suas missões, como a localização e detalhes de tanques, artilharia, sítios antiaéreos, estacionamentos de veículos, concentração de tropas e quaisquer novas construções eram fotografados e registrados em documentos escritos.

No destaque vemos dois, dos quatro potentes canhões Hispano Suiza de 20 milímetros de um Mustang do Esquadrão 168 da RAF.

Além disso, essas aeronaves estavam equipadas com uma câmera acoplada às suas armas, no caso quatro potentes canhões Hispano Suiza de 20 milímetros, dois em cada asa. Após suas missões de reconhecimento fotográfico, os Mustangs da RAF podiam aproveitar e disparar contra alvos de oportunidade, tais como locomotivas, barcaças, veículos militares de transporte motorizado e aeronaves inimigas no solo. Em 1944 esses esquadrões se tornaram especialistas neste tipo de operações[16].

Missões Difíceis

Essas missões de reconhecimento eram extremamente perigosas e seus esquadrões possuíam um alto índice de baixas.

Mustang do Esquadrão 168 sobre o Canal da Mancha.

Sabemos que pouco menos de um mês antes da chegada de Stanley Barnard, o Esquadrão 168 sofreu duas baixas em um único dia. Às uma e cinco da tarde de 23 de janeiro de 1943 dois Mustangs decolaram de Odiham para sortidas na região de Pas de Calais, na França. As aeronaves eram pilotadas pelo australiano Bernard Wilson Kearny e o neozelandês Ian G. Grant e foram derrubados por artilharia antiaérea na área de St. Etienne-au-Mont, às margens do Canal da Mancha. Uma testemunha informou que no começo da tarde as duas aeronaves voavam a baixa altitude e foram derrubadas, com o piloto australiano sendo mortalmente ferido e Grant sobrevivendo, mas sendo aprisionado e mantido até o final da guerra no campo Stalag Luft III, na Polônia[17].

Em julho de 1943 o Esquadrão 168 começou a fazer parte da 2ª Força Aérea Tática (2nd Tactical Air Force), a contribuição da RAF para a frota aérea maciça que estava sendo preparada para os desembarques do Dia D[18].

As missões foram se sucedendo, bem como as perdas.

Imagem de um FW-190 do mesmo esquadrão que abateu o oficial Bainard em 25 de julho de 1943.

As cinco da tarde do dia 25 de julho de 1943 os oficiais A. J. F. Young e William A. Bainard decolaram com seus Mustangs para a região de Ouistreham, na Normandia. Quando começavam uma corrida para fotografar seus alvos, surgiram dois caças alemães Focke-Wulf FW-190 A5, do III/JG 2 (III Staffeln / Jagdgeschwader 2), que atacaram os Mustangs. Estes buscaram fugir em direção ao Canal da Mancha, mas a 12 milhas a noroeste de La Havre e a cerca de 450 metros de altitude, o oberleutnant Jakob Schmidt acertou o motor do Mustang de Brenard. O caça inglês caiu no mar, mas o piloto sobreviveu e foi salvo por um hidroavião no outro dia. O oficial Young conseguiu retornar para a base do Esquadrão 168 na Inglaterra[19]

Mustang Mk I da RAF, com as listras utilizadas para visualização no Dia D.

Após o incidente envolvendo os oficiais Young e Bainard e durante praticamente todo um ano, as aeronaves de reconhecimento Mustang do Esquadrão 168 continuaram suas missões em preparação ao Dia D. Durante esse período, oito aeronaves e sete pilotos do esquadrão foram perdidos em operações de combates. Outros mais morreriam no futuro.

Não sabemos maiores detalhes das missões, escala de voos, ou possíveis combates que o pernambucano Stanley Henry Barnard tenha participado durante sua permanência de um ano e quatro meses no Esquadrão 168. Mas sabemos que ele estava lá e era um piloto de combate!

Mustang do Esquadrão 168.

Os pilotos de reconhecimento da RAF não sabiam a data exata do Dia D, mas percebiam que se aproximava o momento conforme aumentavam exponencialmente o número de voos de reconhecimento, através dos pedidos feitos pelos comandantes do Exército e da Marinha.

Um outro indício que a hora estava chegando foi quando as asas dos Mustangs foram pintadas com largas listras preto e branco. Era uma tentativa para que os nervosos atiradores antiaéreos Aliados não os confundissem com aeronaves inimigas. A maioria dos aviões que participaram do Dia D receberam essas marcações.

Foto colorida de Mustangs da RAF.

O Dia D

Baseado em escritos deixados por outros aviadores dos esquadrões de reconhecimento da RAF, provavelmente no começo da noite de 5 de junho de 1944 todos os pilotos do Esquadrão 168 foram chamados para uma reunião, ou “briefing”, com a presença do S/L (Squadron Leader) Percy Walter Mason, então comandante geral do esquadrão[20].

S/L (Squadron Leader) Percy Walter Mason, comandante geral do Esquadrão 168.

Mason informou aos pilotos que a invasão começaria à meia-noite, com as primeiras ondas de forças aerotransportadas passando sobre suas cabeças e que a invasão marítima desembarcaria nas praias francesas nas primeiras luzes da manhã seguinte. Provavelmente Stanley Barnard e todo o pessoal ficou confinado na base, em meio a uma noite atípica, com o constante ronco dos motores dos aviões de transporte sobre suas cabeças, que levavam milhares de paraquedistas e seguiam a caminho da França.

Paraquedistas americanos prontos para combater no Dia D.

Talvez o pernambucano nem tenha pregado o olho em meio a tanta tensão da espera. E se dormiu foi por pouco tempo, pois o café da manhã começou a ser servido às três e meia, onde depois foram detalhadas novas informações das missões e as áreas a serem fotografadas, ou onde as aeronaves deveriam se posicionar para apoiar os disparos dos grandes canhões navais. No Esquadrão 268 os pilotos decolaram de sua base em Gatwick antes das cinco da manhã. No Esquadrão 168 não deve ter sido muito diferente e uma das primeiras aeronaves a decolar foi o Mustang com o código AM225, pilotado por Stanley Barnard.

Não demorou muito para o pernambucano sobrevoar o Canal da Mancha naquele memorável 6 de junho de 1944, uma terça-feira. Ele visualizava um dos maiores eventos ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial, com milhares de barcos atravessando as águas frias do canal e outros milhares de aviões roncando em direção à França.

Desembarque em Sword Beach, fotografado por aviões de reconhecimento da RAF.

Inicialmente alguns Mustangs do Esquadrão 168[21] e de outros grupos foram encarregados de conduzir reconhecimento tático sobre a chamada Sword Beach, ou Praia da Espada, trazendo de volta algumas das primeiras e melhores imagens da invasão. Outras aeronaves de reconhecimento foram designadas para o apoio visual aos tiros navais realizados pela frota britânica, que bombardearam alvos alemães e facilitaram o trabalho das forças de desembarque.

Mapa com a disposição, direção de tiro, localização dos alvos e nome das naves britânicas que atacaram Sword Beach em 6 de junho de 1944.

Abaixo do Mustang de Stanley Bernard, flutuando nas águas frias do canal, estavam os navios britânicos da “Force S”. Pontualmente às cinco da manhã de 6 de junho, o veterano encouraçado Warspite, que participou da Primeira Guerra, foi o primeiro navio deste grupo a disparar seus poderosos canhões de 380 mm contra a costa francesa. O alvo foi a bateria alemã em Villerville, para apoiar os desembarques da 3ª Divisão britânica em Sword Beach. Outro veterano da Primeira Guerra que estava lá foi o encouraçado Ramillies, que mirou na bateria alemã em Benerville-sur-Mer[22]. Além desses faziam parte da “Force S” os cruzadores Mauritius, Arethusa, Frobisher, Dragon, Danae e Scylla, o monitor Roberts e o navio cargueiro Largs, que servia como comando daquela força naval. Além dessas naves, estavam nesse setor treze destróieres.

Veterano encouraçado Warspite, que combateu na Primeira Guerra, disparando seus poderosos canhões de 380 mm contra a bateria alemã de Villerville.

Certamente foi inigualável o “espetáculo” visto do alto por Stanley Barnard no cockpit do seu Mustang. Poderosos disparos dos navios de guerra contra a costa, o revide das baterias alemãs, o avanço das naves de desembarque e a chegada dos soldados nas praias. O problema foi que o local onde ele e seu avião se encontravam começou a se tornar perigoso.

Apesar das listras pretas e brancas pintadas nas aeronaves, existem relatos que a maioria dos pilotos dos Mustangs experimentou intenso, preciso e pesado disparos de artilharia antiaérea sobre a área de invasão, grande parte dela vinda dos navios britânicos abaixo deles. Logo começaram as perdas.

O oficial Eric Woodward, piloto do Mustang FD495, do Esquadrão 268, não retornou de uma missão de observação de tiros navais sobre a área de invasão e pode ter sido uma vítima do fogo antiaéreo naval dos Aliados.

Outro que infelizmente teve o mesmo destino foi Stanley Barnard.

Esquecimento em Lion-Sur-Mer

Em algum momento por volta das seis da manhã o seu Mustang AM225 foi atingido pelos nervosos artilheiros antiaéreos de algumas das naves inglesas. Consta que ele voava sobre a área de Ouistreharn, quase no final de Sword Beach.

Não existem detalhes de quem o atingiu e do que houve com o pernambucano Barnard. Mas existe a informação que sua aeronave se estatelou na área da comuna litorânea de Lion-Sur-Mer. Pode parecer estranho essa falta de informações, mas quando sabemos o que ocorreu naquele setor de Sword, é possível compreender a razão dessa carência de dados.

Vista atual de Lion-Sur-Mer.

Naquele 6 de junho, a comuna de Lion-Sur-Mer foi atacada por elementos do 41º Comando Real dos Fuzileiros Navais (No.41 Royal Marine Command), composto por 450 homens, liderados pelo tenente-coronel Thomas Malcolm Gray. Os Fuzileiros Navais sofreram pesadas baixas na praia, pois os soldados alemães do Widerstandnest 21, ou Ninho de Resistência 21, só entregaram sua posição depois de uma sangrenta luta. Consta que os britânicos perderam mais de 140 homens naquele dia.

Se no Dia D pouca gente se ligou com a destruição de um Mustang de reconhecimento que caiu na área de Lion-Sur-Mer, nos dias seguintes ao desembarque foi que ninguém se importou mesmo, pois logo o avanço britânico em Lion-sur-Mer foi bloqueado por elementos da 21ª Divisão Panzer, cujos efetivos chegaram à costa por volta das sete da noite. Na manhã seguinte, quarta-feira, 7 de junho, aviões alemães bombardearam o posto de comando do 41º Comando Real dos Fuzileiros Navais, ferindo o comandante Grey. No meio da tarde os Fuzileiros Navais finalmente alcançaram seu objetivo e se juntaram a outras forças britânicas[23].

Tropas britânicas em Sword Beach.

Para aumentar o esquecimento sobre o que aconteceu ao pernambucano e seu Mustang, a catorze quilômetros da praia de Sword fica a cidade francesa de Caen, que na época tinha uns 40.000 habitantes. O plano original era que os britânicos deveriam conquistar essa cidade no mesmo dia dos desembarques, mas só faltaram combinar isso com os alemães, pois estes resistiram assustadoramente e Caen só se rendeu um mês depois. A coisa toda foi tão complicada, que essa cidade foi praticamente destruída pelos bombardeios aéreos Aliados e sofreu danos igualmente extensos devido aos combates terrestres. Houve milhares de mortos entre a população civil francesa e após a batalha pouco restou da cidade original, tanto que a sua reconstrução só foi completada em 1962.

Os restos do pernambucano Stanley Harry Barnard e do seu Mustang ficaram enterrados nas areias de Lion-Sur-Mer e foram esquecidos. Certamente se esse avião e o que sobrou do seu piloto tivessem sido encontrados, os franceses daquela região há muito tempo teriam construído algum tipo de monumento em sua homenagem, pois esses marcos de memória relativos ao Dia D existem ali em grande quantidade[24].

Barnard é homenageado no painel número 204, no Runnymed Air Forces Memorial, em Englefield Green, perto de Egham, oeste de Londres. Ali estão os nomes de 20.456 membros das forças de aviação da Grã-Bretanha mortos na Segunda Guerra[25].

A notícia da morte de Stanley Barnard chegou aos seus familiares no Recife através do Foreign Office, ou Ministério das Relações Exteriores da Grã-Bretanha. Houve algumas publicações em jornais recifenses e cariocas sobre sua morte e só.

Mas logo outro membro do clã Barnard estava envergando o uniforme de uma outra força aérea.

Percy Barnard, Tenente da FAB

Não sabemos nem quando e como Percy Alan Barnard, irmão de Stanley, entrou na Força Aérea Brasileira, mas em setembro de 1945 ele possuía a patente de segundo tenente e foi classificado por necessidade do serviço para cursar a Escola de Especialistas da Aeronáutica, que nessa época funcionava no Galeão, Rio de Janeiro[26]. Três anos depois ele foi promovido a primeiro tenente[27] e a formatura da sua turma aconteceu em dezembro daquele mesmo ano[28].

O oficial da FAB Percy Alan Barnard.

Em 1951 encontrei a notícia que o primeiro tenente Percy Barnard estava lotado na Base Aérea de Fortaleza e havia sido transferido para o Centro de Treinamento de Quadrimotores, mais conhecido como CTQ, uma unidade criada pelo Ministro Armando Trompowsky em 24 de janeiro daquele ano, através da Portaria 39-G-2, destinada a treinar os membros da FAB para utilização dos famosos Boeing B-17 Flying Fortress, ou Fortaleza Voadora. Estas aeronaves ficaram lotadas no Recife, sede da 2ª Força Aérea, mais especificamente no Campo do Ibura, onde funcionou inicialmente o CTQ, que no futuro se transformaria no 6º Grupo de Aviação (6º GAV) [29].

SB-17G de busca e salvamento. Reparem que este avião transportava um pequeno barco que podia ser lançado ao mar no socorro aos náufragos.

Mas afinal, como o Brasil utilizava os míticos quadrimotores B-17 na década de 1950?

Com o final da Segunda Guerra a grande maioria dessas aeronaves foram desativadas e muitas se transformaram em sucatas. Outras foram convertidas para uso em reconhecimento aéreo, transporte de carga e busca e salvamento (SAR – Search and Rescue).

Segundo o site http://darozhistoriamilitar.blogspot.com.br/2009/11/missao-pernambuco-b-17-fortaleza.html , as B-17 destinadas a FAB foram utilizadas para o serviço de busca e salvamento, adaptadas a partir de aeronaves originalmente construídas do modelo G, com suas denominações alteradas nos Estados Unidos para SB-17G[30].

O primeiro tenente Percy Barnard seguia nas suas funções no CTQ, quando no dia 23 de julho de 1952, uma quarta-feira, ele se apresentou para um voo de treinamento a bordo do B-17 matrícula 5579. Um avião recém chegado dos Estados Unidos, que ainda possuía marcações da USAF (United States Air Force).

Pilotando a máquina estava o major Maurício José de Assis Jatahy, comandante do CTQ, tendo como seu copiloto o capitão Francisco Eduardo Muller Botelho. A bordo estavam os primeiros tenentes Santos Flávio de Sião, Gil Saint Yves e Sérvola. Acompanhavam os oficiais o primeiro sargento Amadeu Luiz Avighi, os segundos sargentos Dilson Lopes Guimarães e Jair Coimbra, além do soldado Francisco Bezerra. Consta que o tenente Percy Barnard estava a bordo do quadrimotor para servir de tradutor junto ao capitão Robert Earl Metzer, da USAF, oficial aviador norte-americano que trabalhava no treinamento e adaptação dos brasileiros ao B-17.

O treinamento tinha como objetivo o lançamento de alguns tripulantes do quadrimotor de paraquedas, que flutuariam até o mar. Na sequência seria feito o lançamento do bote salva-vidas, que demonstraria de forma prática como aquela aeronave poderia realizar um salvamento marítimo. O exercício seria executado na área entre as praias do Pina e Boa Viagem, à vista de todos que estavam no litoral de Recife. Acompanhava a grande aeronave um monomotor North American T-6 com dois integrantes. O piloto era o primeiro tenente Ailton Lopes de Oliveira, tendo a companhia do terceiro sargento José Inácio dos Santos, que fotografava toda a operação. 

Pedaço da asa do B-17, ainda com marcação da USAF.

Entre dez e meia e onze da manhã as aeronaves se posicionaram. Primeiramente saltaram da B-17 o tenente Sérvola e o soldado Francisco Bezerra, que abriram seus paraquedas sem alterações e chegaram tranquilos na água. Na sequência o bote salva-vidas foi lançado, mas bateu na asa do T-6, que estava muito perto do quadrimotor. O pequeno avião perdeu a estabilidade e foi para cima do B-17. Com o choque o T-6 perdeu suas asas e foi direto para a água. Foi visto que um dos seus tripulantes se atirou no mar sem paraquedas, mas nenhum deles se salvou.

Já na B-17 o major Maurício José de Assis Jatahy tentou durante dois ou três minutos manter o controle do avião. Consta que ele sobrevoou um trecho da praia do Pina cheio de casebres e conhecido como “Areal”. Após passar rasante por esse local ele levou o B-17 por cerca de 400 metros mar adentro, quando perdeu o aileron e fez uma curva acentuada para a direita, chocando-se violentamente com a água e afundando. Logo vários pescadores partiram com suas jangadas para tentar ajudar. Foram resgatados com vida o capitão Francisco Eduardo Muller Botelho e o primeiro sargento Amadeu Luiz Avighi. Todos os outros morreram.

Um dos trens de aterrissagem do B-17 acidentado em Recife.

Quem testemunhou todo o drama do ar foi o piloto Rubens Solha, do quadro de instrutores do Aeroclube de Pernambuco, que sobrevoava a região em um monomotor “Fairchild” de treinamento avançado. Solha foi inclusive chamado para testemunhar no inquérito aberto pela FAB para investigar o acidente[31].

Segundo o livro Base Aérea do Recife – Primórdios e envolvimento na 2ª Guerra Mundial, do falecido escritor Fernando Hippólyto da Costa (INCAER, Rio de Janeiro, 1999), informa na página 375 que a causa do acidente foi uma imprudência do primeiro tenente Ailton Lopes de Oliveira, piloto do T-6, que não manteve a altitude e distância que lhe havia sido ordenado para o exercício.

Percy Barnard era casado com Lêda de Amorim Barnard e sua filha se chamava Lorna May Barnard.

Final

A partir desse ponto da história temos poucas informações sobre o que aconteceu com a família Barnard. Apenas que Harold Barnard faleceu em 1977, mas nessa época ele já era viúvo.

Do pouco que consegui sobre Stanley e Percy Barnard, só posso concluir que ambos adoravam o que faziam.

NOTAS


[1] Nesse endereço atualmente se encontra a sede da TV e Rádio Jornal do Comércio e do SBT em Recife.

[2] Ver Jornal de Recife, 23 de outubro de 1897, sábado, P. 2.

[3] Sobre o falecimento de José Abílio de Barros ver Diário de Pernambuco, Recife, 28 de novembro de 1902, sexta-feira, P. 2. Sobre um ano do falecimento ver Jornal de Recife, 27 de novembro de 1903, sexta-feira, P. 3.

[4] FILHOS DO CASAL JOSÉ ABÍLIO DE BARROS E BELMIRA DUARTE DE BARROS: 

F.1-         Júlia Duarte de Barros.

F.2-         Theodomiro Duarte de Barros – Industrial em São Paulo e, aparentemente em 1944 é chefe de uma firma chamada Cunha & Companhia, talvez em Recife. A notícia de jornal em 1944 o apresenta como Theodomiro Martins de Barros, mas deve ser um provável erro.

F.3-         Cândida Duarte de Barros – Nome de casada era Cândida Barros Chalmers, esposa do engenheiro James Chalmers, funcionário da Estrada de Ferro Leopoldina.

F.4-         Afonso Duarte de Barros – Funcionário do Ministério da Justiça.

F.5-         Armando Duarte de Barros – Comerciante em Recife e em 1944 é apresentado como Gerente do Clube Náutico Capibaribe.

F.6-         Oscar Duarte de Barros – Agente Fiscal de Consumo em Recife.

F.7-         Maria Amélia Duarte de Barros – Casada com Archibald Otto Charles Fell, engenheiro em Recife e seu nome de casada era Maria Amélia de Barros Fell.

F.8-         Belmira Duarte de Barros.

F.9-         Adalgisa Duarte de Barros.

F.10-       Alice Duarte de Barros – Viúva em 1936 do Dr. Merval Gomes Veras, advogado em Teresina-PI. Seu nome de casada era Alice de Barros Veras.

F.11-       Josete Duarte de Barros.

F.12-       Corina Duarte de Barros – Comentada no texto.

F.13-       Eugenio Duarte de Barros.

F.14-    Clarice Duarte de Barros – Esposa do advogado Arnaldo Lopes, cujo nome de casada era Clarice de Barros Lopes.

[5] Além de Cândida, se destacaram em O Lyrio, Amélia de Freitas Bevilaqua, Ana Nogueira Batista e Maria Augusta Meira de Vasconcelos Freire. Ver SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital. Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade biográfico e ilustrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, Pág. 54.

[6] Ver Jornal Pequeno, Recife, 6 de setembro de 1911, sexta-feira, P. 1.

[7] Sobre Archibald Fell ver Jornal Pequeno, Recife, 13 de novembro de 1911, segunda-feira, P. 2.

[8] Ver Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 11 de setembro de 1943, sábado, P. 7.

[9] Ver Diário de Pernambuco, Recife, 28 de novembro de 1902, sexta-feira, P. 2.

[10] Ver Diário de Pernambuco, Recife, 05 de março de 1936, quinta-feira, P. 4.

[11] Ver Diário de Pernambuco, Recife, 13 de junho de 1944, terça-feira, P. 3.

[12] Sobre a entrada de Stanley H. Barnard na RAF ver http://www.rafcommands.com/forum/showthread.php?13124-F-O-Stanley-Harry-BARNARD-(144187)

[13] Sobre a história dessa base aérea ver https://www.airshowspresent.com/raf-odiham—from-biplanes-to-helicopters.html e https://www.valka.cz/168-perut-RAF-1942-1945-t189682

[14] Ver http://enfernormand.free.fr/mustangp51.htm

[15] Ver http://mustangp51.e-monsite.com/pages/en-operation-in-operation.html

[16] Ver https://erenow.net/ww/mustang-thoroughbred-stallion-of-the-air/8.php

[17] Sobre esse caso ver https://aviationmuseumwa.org.au/afcraaf-roll/kearney-bernard-joseph-405387/

[18] Nesse período a RAF utilizava cinco esquadrões de Mustang Mk 1/1A, três esquadrões de Supermarine Spitfire PR XI e um esquadrão de bimotores De Haviland Mosquito.

[19] Sobre esse combate aéreo ver – 2nd Tactical Air Force, Volume 1, Spartan to Normandy – June 1943 to June 1944. SHORES, C. & CHRIS, T. Ian Allan Printing Ltd, Hersham, Surrey, England, 2004, Pág. 24.

https://www.aircrewremembered.com/KrackerDatabase/?s=200&q=SCHMIDThttp://www.venturapublications.com/news/publish/iiijg2.shtmlhttps://www.wikiwand.com/en/Focke-Wulf_Fw_190_operational_history#Media/File:Fw190A-3_JG2_Gr.Ko.Hahn42_kl96.jpg  Aparentemente os oficiais Brenard e Young conseguiram reagir a Schmidt e seu colega, pois Schmidt foi ferido em um acidente nesse mesmo 25 de julho de 1943, quando capotou seu FW-190 durante uma tentativa de pouso forçado perto de Lisieux. Aparentemente esse Mustang foi o único avião que Schmidt abateu durante a guerra.

[20] Sobre o comandante Mason, ver https://www.iwm.org.uk/collections/item/object/205449398

[21] Após a invasão do Dia D e a morte de Stanley Barnard, o Esquadrão 168 se mudou para a França e realizou missões de reconhecimento tático avançando nesse país e depois na Holanda. Em outubro de 1944, os Mustangs foram substituídos por caças Typhoons e iniciou missões de reconhecimento armadas sobre a própria Alemanha, além de fornecerem escolta aos bombardeios diurnos. O Esquadrão 168 voou em torno de 3.200 missões e até derrubaram quatro aeronaves da Luftwaffe. Mas o esquadrão perdeu dezenove pilotos em combate, dois em circunstâncias de não combate, e três se tornaram prisioneiros ou guerras. Por causa de suas altas perdas, o esquadrão foi dissolvido oficialmente em 26 de fevereiro de 1945, tornando-se a única unidade de caças Typhoon a ser desativada antes do final da guerra.

[22] Ainda naquele dia intenso, três perigosos e ágeis barcos torpedeiros alemães partiram de Le Havre para atacar os navios da “Force S”. Mesmo levando disparos dos navios ingleses, os barcos alemães conseguiram lançar quinze torpedos de longa distância e escapar. Dois torpedos passaram entre os encouraçados Warspite e o Ramillies e depois atingiram o destroier norueguês Svenner, que afundou.

[23] Sobre os combates em Lion-Sur-Mer ver https://www.normandie44lamemoire.com/2014/10/30/lion-sur-mer-2/ ,

[24] Sobre esses monumentos ver https://www.normandie44lamemoire.com/2014/10/30/lion-sur-mer-2/

[25] Sobre esse memorial ver https://www.cwgc.org/visit-us/find-cemeteries-memorials/cemetery-details/109600/runnymede-memorial/ e https://en.wikipedia.org/wiki/Air_Forces_Memorial

[26] Ver Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1º de setembro de 1945, sábado, P. 5.

[27] Ver Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1948, sábado, P. 6.

[28] Ver O Jornal, Rio de Janeiro, 14 de dezembro de 1949, quarta-feira, P. 9.

[29] Ver Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 7 de outubro de 1951, sábado, P. 11.

[30] No início da década de 1950, a Força Aérea Brasileira precisava formar uma unidade de busca e salvamento marítimo e outras especialidades. Para isso foram adquiridas 13 desses modelos especiais de B-17 e utilizadas entre 1951 e 1968.

[31] Sobre essa tragédia de 1952 ver Diário de Pernambuco, Recife, 24 de julho de 1952, quinta-feira, Ps. 1 e 2.

CASO PARASAR – O “NÃO” DO CAPITÃO SÉRGIO CARVALHO!

A Indisciplina do Capitão Sérgio Carvalho, o Conhecido “Sérgio Macaco”, Ao Negar Cumprir Uma Ordem de Um Superior Hierárquico, Lhe Custou Muito Caro. Mas Certamente Evitou Muitas Mortes no Rio de Janeiro Durante o Período da Ditadura Militar.

1968 foi sobretudo o ano em que o Brasil constatou definitivamente que a radicalização e o terrorismo de esquerda e de direita criavam um cenário que afligiria a nação nos anos seguintes e resultaria numa crescente onda de violência política.

Corpo do estudante secundarista paraense Edson Luís de Lima Souto, morto no Rio de Janeiro em 28 de março de 1968, quando a Polícia militar carioca invadiu o restaurante Calabouço. Durante a invasão, o comandante da tropa da PM, aspirante Aloísio Raposo, atirou e matou o secundarista Edson Luís com um tiro a queima roupa no peit0 – Foto – Arquivo Nacional.

No começo de abril daquele ano, o Rio de Janeiro ainda amargava o impacto da morte do estudante paraense Edson Luís de Lima Souto, de 18 anos, foi baleado num confronto entre manifestantes e policiais nas imediações do restaurante do Calabouço. Na sequência o enterro do estudante foi um acontecimento que parou a cidade. Mais de 60 mil pessoas acompanharam o cortejo desde a Cinelândia até o Cemitério de São João Batista. Quando a multidão chegou à Praia do Flamengo, um veículo da Força Aérea Brasileira foi virado e incendiado.

Em meio a toda essa manifestação, um grupo de militares altamente especializados acompanhavam discretamente a movimentação que cortava as ruas do Centro do Rio.

Cortejo fúnebre do estudante Edson Luís. Os homens do PARA-SAR acompanharam essa movimentação – Foto – Arquivo Nacional.

Naquele dia tenso aqueles homens foram recrutados para uma ação repressiva, onde teriam de infiltrar-se no meio do povão em grupos localizados no Largo da Carioca, Cinelândia e Candelária. Todos estavam vestidos à paisana, tinham ordens para colaborar com o pessoal do Exército na prisão de manifestantes, vigiar o alto dos edifícios e atirar para matar contra quem arremessasse objetos sobre os policiais. Isso tudo utilizando identidades falsas, armas com os números de identificação raspados, granadas defensivas e punhais.

O problema é que nessa época a missão primária desses militares estava muto distante dos brutais esquemas repressivos existentes na Ditadura Militar brasileira. Eles eram os membros da 1ª Esquadrilha Aeroterrestre de Salvamento (EAS), mais conhecido como PARA-SAR (“PARA” de paraquedistas, “SAR” do inglês Search and Rescue, “busca e salvamento”), um esquadrão de elite formado por paraquedistas altamente treinados para a realização de buscas e resgates aéreos.

Repressão policial no Rio de janeiro. Essa não era a missão dos homens do PARA-SAR da Força Aérea Brasileira – Foto – Arquivo Nacional.

Os homens do PARA-SAR efetivamente agiram durante os distúrbios ocorridos a 4 de abril, mas o grupo deliberadamente decidiu nada fazer e não se envolveu em prisões, ou mortes.

Mas a participação daquele pessoal naquela manifestação, como comumente se diz dentro dos quartéis no Brasil, “só podia dar m#%&@”.

E deu!

Mudança de doutrina

Exatamente no dia da missão, o capitão intendente Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, conhecido na Força Aérea Brasileira como “Sérgio Macaco”, estava de férias em Manaus e o capitão-médico Rubens Marques dos Santos, conhecido como “Doc”, estava em uma missão na região do Xingu.

Sérgio e “Doc” eram dois dos oficiais mais respeitados no PARA-SAR, dividindo essa respeitabilidade com o capitão Roberto Câmara Lima Ipiranga dos Guaranys, o único dos três a testemunhar os incidentes de 4 de abril.

Um helicóptero SH-1D faz evoluções sobre um hidroavião Grumman SA-16A Albatroz, ambos utilizados pela Força Aérea Brasileira para buscas e salvamentos – Fonte – Arquivo Nacional.

O capitão Sérgio soube do fato através do major Gil Lessa de Carvalho, então comandante do PARA-SAR, que, segundo a reportagem da revista Veja (edição de 26 de junho de 1985, págs. 50 a 59), estava de acordo com as ordens recebidas e a mudança de doutrina que aparentemente estava sendo imposta ao PARA-SAR.

Ao tomar conhecimento do caso, o capitão Sérgio se apresentou ao brigadeiro Geraldo Labarte Labre, então comandante da Escola de Aeronáutica, no Campo dos Afonsos, em Marechal Hermes, na Zona Norte do Rio, onde ficava a sede do PARA-SAR.

Depois de conversar com o comandante dos Afonsos, o capitão Sérgio foi à subdiretoria deProteção ao Voo, na época dirigido pelo brigadeiro Mário Paglioli de Lucena, onde informou o que ocorrera. Lucena então se comunicou com o coronel Pedro Vercílio, chefe do Estado-Maior da 3ª Zona Aérea (atual 3º Comando Aéreo Regional), pedindo informações sobre como o PARA-SAR tinha sido empregado naquele tipo de atividade, sem o conhecimento da Diretoria de Rotas Aéreas, ao qual a unidade de elite estava diretamente vinculada. Vercílio informou que havia atendido a um pedido do major Nereu Peixoto, da 2ª Seção de Informações da 3ª Zona Aérea, ou seja, os “agentes secretos” daquele setor da Força Aérea Brasileira

O brigadeiro Burnier – Foto – Arquivo Nacional.

Nessa mesma época voltou de uma missão no Panamá o brigadeiro João Paulo Moreira Burnier, que assumiu interinamente o cargo de chefe de gabinete do ministro da Aeronáutica. Vale ressaltar que nesse tempo não havia um Comandante da Aeronáutica, que respondia a um Ministro da Defesa, que nem sequer existia. O comandante da Força Aérea Brasileira era o ministro da Aeronáutica, com amplos poderes sobre tudo que voava no Brasil e muito mais. Em 1968 estava comandando esse segmento das Forças Armadas o marechal-do-ar Márcio de Sousa Mello, que era muito próximo ao brigadeiro Burnier.

“Costa e Silva, não. Bosta e Silva”

Na matéria da revista Veja de 1985, Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho afirmou que após chegar ao Rio o brigadeiro Burnier não só aprovou a missão de repressão confiada ao PARA-SAR, como resolveu ampliá-la.

Ao saber da posição contrária do capitão Sérgio, Burnier promoveu a partir de junho, três encontros que o subordinado definiu como “sessões de doutrinação”.

Um helicóptero Sikorsky H-19D, utilizado em missões de busca e salvamento (SAR) e evacuação aeromédica, em uma praia carioca e sendo sobrevoado por dois aviões Noth American T-6 – Foto – Arquivo Nacional.

Nessas reuniões o brigadeiro Burnier afirmou que o PARA-SAR seria “a peça-chave para salvar o Brasil do comunismo”. A missão seria entregue aquela unidade militar de elite por eles terem “vastíssimo poder de fogo — toneladas de explosivos plásticos — e extraordinário grau de capacidade operacional”.

O oficial general teria então sugerido a execução de uma escalada de atos terroristas, que seriam atribuídos aos extremistas de esquerda.

Os homens do PARA-SAR fariam o papel de detonadores de um processo histórico. Inicialmente seriam realizados pequenos atentados à extinta loja de departamento Sears, no bairro de Botafogo. Logo o outro alvo seria a embaixada norte-americana no Rio e depois uma agência do Citibank na capital carioca. Tudo com a utilização de pequenas cargas de explosivas e — segundo Burnier — com “reduzido número de vítimas fatais”.

A operação teria um teor de escalada. Cada ato seguinte seria mais forte e desembocaria na explosão do Gasômetro de São Cristóvão, um formidável complexo de três reservatórios de gás, com capacidade total para 235.000 metros cúbicos, destinados a abastecer toda a cidade.

Modelo Bell SH-1D, de busca e salvamento – Foto – Arquivo Nacional.

Localizado a curta distância da estação rodoviária, de um depósito de combustível e próximo à zona portuária, as explosões do Gasômetro certamente iriam gerar incêndios em série, com elevado nível de destruição e mortos. Além desse ataque um outro alvo a ser destruído no mesmo dia seria a hidrelétrica de Ribeirão das Lages — localizada a 78 quilômetros do centro do Rio.

Esses dois atentados deixariam a cidade sem luz e sem água, às voltas com milhares de mortos e feridos, em meio a um caos total.

Então, teria dito Burnier, “seria dado um basta aos comunistas”. Para ele a cidade do Rio exigiria “a caçada dos comunistas a pauladas e eles seriam eliminados em no máximo seis meses.”

Em outra reunião Burnier teria detalhado com maior ênfase e convicção as suas ideias, além de ter exposto um plano para a eliminação de “quarenta líderes políticos ou militares”. Segundo o capitão Sérgio, Burnier revelou que a lista seria anunciada aos encarregados dos assassinatos em lotes de cinco nomes, sempre verbalmente.

A bordo de um helicóptero Sikorsky H-19D, em trajes civis, podemos ver a esquerda Jânio Quadros e a direita Juscelino Kubitscheck, ladeados por dois oficiais generais. Em 1968 ambos eram ex-presidentes e estavam marcados para morrer na pretensa operação que desejava utilizar o PARA-SAR para assassinatos de políticos – Foto – Arquivo Nacional.

Os primeiros seriam os ex-presidentes Juscelino Kubitscheck e Jânio Quadros, o ex-governador Carlos Lacerda, o então arcebispo de Olinda eRecife, dom Hélder Câmara, além do general Olímpio Mourão Filho, um dos líderes do movimento militar de 1964.

Na revista Fatos (edição de 1º de julho de 1985, págs. 38 a 45), existe a informação que o brigadeiro Burnier revelou um plano suplementar ao capitão Sérgio.

O brigadeiro pegaria alguns militares considerados de esquerda, colocaria todos eles dentro de um avião, que seria pilotado pessoalmente por ele e pelo brigadeiro Roberto Hipólito da Costa, e “os comunistas da Aeronáutica seriam lançados ao mar”. Burnier disse: “Vamos pegar os comunistas da Força Aérea Brasileira, o Teixeira, o Anísio, o Malta, e jogar no mar.” Ele chegou a perguntar ao capitão Sérgio se “a pessoa atirada de um avião morria durante a queda, ou só quando o corpo batesse contra a água”.

O general Artur da Costa e Silva – Foto – Arquivo Nacional.

Ainda na reportagem da revista Fatos o capitão Sérgio ponderou em 1968 que o chefe do governo era um marechal do Exército, o marechal Costa e Silva. Mas Burnier de pronto o corrigiu: “Costa e Silva, não. Bosta e Silva.” Segundo o brigadeiro, o presidente era um homem fraco no trato com os comunistas. Disse que já estava tudo planejado. Os comunistas não teriam fronteiras de apoio e os americanos dominariam o Atlântico Sul.

De acordo com Burnier, mesmo que os comunistas reagissem desesperadamente, a luta teria duração de no máximo seis meses. Em compensação ”nós ficaríamos eternamente livres dos comunistas”. Respondi ao brigadeiro Burnier dizendo que “a condução para um estado de guerra quentenão parecia um ato de sabedoria, um ato patriótico, ou de interesse nacional”.

Como em todo mundo, as missões de busca e salvamento aéreo sempre foram vistas de maneira muito positiva pela população brasileira – Foto – Arquivo Nacional.

Sérgio decidiu comentar o caso com os capitães “Doc” Santos e Guaranys, além do brigadeiro Mário Pagliole de Lucena, pedindo-lhe que ele retransmitisse seu relato ao brigadeiro Itamar Rocha, diretor geral da Diretoria de Rotas Aéreas, à qual o PARA-SAR estava diretamente subordinado.

O capitão Sérgio afirmou a Veja em 1985 que no terceiro encontro com Burnier, este fez “o elogio do método de lotar um avião com comunistas e jogá-los no mar”. No final da conversa, ainda segundo o capitão, ao constatar que não conquistara o interlocutor para suas teses, o brigadeiro Burnier teria se irritado.

Consta que Burnier não poderia realizar aquelas reuniões sem consultar o brigadeiro Itamar Rocha, que além de chefiar o órgão ao qual estava subordinado o PARA-SAR, era um oficial general de três estrelas, enquanto Burnier só tinha duas.

A direita vemos o brigadeiro Burnier e o marechal do ar Souza e Mello (de óculos) – Foto – Arquivo Nacional.

A questão é que por trás de Burnier estava o marechal-do-ar de cinco estrelas Márcio de Sousa Mello, o ministro da Aeronáutica e o homem que mandava em toda a Força Aérea Brasileira.

Mas não parou por aí!!!

“Quem aqui já matou gente?”

Diante da resistência tácita do capitão Sérgio, o brigadeiro Burnier ordenou que no dia 14 de junho de 1968, uma quarta feira, fosse realizada uma derradeira reunião no seu gabinete e com a presença de todos os homens do PARASAR.

Dela participaram 36 dos 41 homens da 1ª Esquadrilha Aeroterrestre de Salvamento. Um ônibus da Aeronáutica estacionou no Campo dos Afonsos para recolher os integrantes do grupo de elite, onde seguiram desde oficiais, sargentos e cabos. Eles foram levados ao antigo prédio do Ministério da Aeronáutica, na Avenida Marechal Câmara, 233, Centro do Rio de Janeiro.

Foto – Arquivo Nacional.

Para muitos dos integrantes da comitiva, a reunião serviria para definir quem iria representar a Força Aérea Brasileira em um evento de paraquedismo que logo se realizaria em Portugal. Mas não foi nada disso!

O então terceiro sargento Gilson Tardivo Gonçalves contou a reportagem da Veja em 1985 que “a reunião começou de maneira muito estranha, com o brigadeiro dando voltas pela sala e dando socos na mão, sem dizer nada”. Depois de alguns minutos de silêncio, Burnier ponderou que achava “muito difícil começar certos assuntos”. Enfim, inaugurou a sessão com uma pergunta “Quem aqui já matou gente?”.

Depois desse início um tanto bombástico, o brigadeiro Burnier começou um monólogo verdadeiramente aterrorizante – “Ninguém, não é? E quem aqui garante que será capaz dematar alguém? Ninguém, não é? E, claro que, para matar em tempo de guerra, é preciso ter treinamento para matar em tempo de paz. A pessoa precisa ter certeza de que a mão não vai tremer na hora da verdade. Há anecessidade de sentir na boca o gosto de sangue.” Os oficiais e sargentos, assustados, ouviram em silêncio.

Missão digna e honrada a do PARA-SAR – Foto – Arquivo Nacional.

Em seguida, o brigadeiro sustentou que alguns políticos, a começar por Carlos Lacerda, “deveriam estar mortos há muito tempo”. Enfim, Burnier defendeu explicitamente a execução de assassinatos políticos por parte dos integrantes do PARA-SAR.

Afirmou que ele próprio daria as ordens e exigiria que fossem aplicadamente cumpridas. No princípio, admitiu, haveria constrangimentos. “Mas uma vez cumprida a primeira ordem”, argumentou, “as demais seriam banalidades.”

Encerrada a exposição, o anfitrião quis saber o que pensava cada um dos convidados. Três homens disseram que estavam de acordo — o major Lessa (apesar de anteriormente afirmar para o capitão Sérgio que seu superior estava “louco”), o capitão Loris Areias Cordovil e, para espanto e decepção de Sérgio, o capitão Guaranys, seu amigo, confidente e defensor entusiasmado da pureza do PARA-SAR. Aquele posicionamento foi o fim de uma velha amizade!

Segundo a reportagem da revista Veja (edição de 26 de junho de 1985, págs. 50 a 59), quem primeiro disse “não” foi o capitão Sérgio de Carvalho.

Foto – Arquivo Nacional.

— E o senhor, concorda ou não? — perguntou Burnier, num tom de voz mais elevado.

— Não — disse Sérgio no mesmo tom.

Em seguida, o capitão afirmou que a tese do brigadeiro lhe parecia imoral e indigna de um militar de carreira.

— Cale-se! — berrou Burnier — Não se estenda em considerações!

— Não, não me calo! — berrou também o capitão Sérgio — E isso não acontecerá enquanto eu for vivo. O ministro ficará sabendo do que houve aqui.

Testemunha da tensa reunião, o sargento Alédio de Souza Gago afirma que um quarto homem concordou com Burnier antes do nãodo capitão Sérgio: o tenente João Batista Magalhães. Mas em 1985 esse oficial negou até mesmo ter comparecido ao encontro.

Foto – Arquivo Nacional.

Alédio também informou ter ouvido a ameaça que Burnier fez ao capitão que o desafiara, antes de voltar as costas ao grupo e deixar a sala – “o Burnier disse ao Sérgio Macaco que, dali em diante, ele sentiria todo o peso de suas duas estrelas”.

Em 1985 o sargento Gilson Tardivo Gonçalves confessou ter ficado estarrecido com a cena que presenciou. “Eu me perguntei como é que um brigadeiro podia ter dito tudo aquilo numa reunião formal e com tanta gente?”. Gonçalves concluiu que “que aquele homem era uma besta.”

Após a reunião, o capitão Sérgio determinou que os homens do PARA-SAR não esperassem o elevador. Estavam no 11° andar do antigo prédio do Ministério da Aeronáutica e todos desceram pela escada.

“O Funcionamento Básico Dessa Esquadrilha é Salvar e Não Matar”

O pequeno e versátil Bell H-13 foi também utilizado em missões de salvamento pela Força Aérea Brasileira – Fonte – Arquivo Nacional.

A Veja de 1985 afirmou que o capitão Sérgio tinha muita coisa para conversar com o marechal Souza Mello, mas o ministro estava em Portugal. Já o brigadeiro Itamar Rocha se encontrava em Tóquio. Também estavam fora do Rio no dia 14 de junho o capitão “Doc” Santos, o cabo enfermeiro Herly Cabral, conhecido como Cabralzinho, e o Sargento Pedro Klein. Logo os três saberiam do problema.

Klein comentou em 1985 que o major Gil Lessa informou que “o chefe de gabinete do ministro, em reunião com quase toda a esquadrilha, havia dado ordens para fazermos missões especiais, inclusive matar, sem deixar a mão tremer e com gosto de sangue na boca”. E completou dizendo que o major Lessa ameaçou – “quem não estivesse satisfeito, deve entregar oboné.” Cabralzinho estava presente nessa reunião e confirmou que “Doc” Santos tratou de deixar claro de que lado estava e que “ofuncionamento básico dessa esquadrilha é salvar e não matar”.

Em outra reunião, testemunhada por Cabralzinho, o comandante Lessa e vários integrantes do PARA-SAR bateram boca.

Lessa foi contestado abertamente pelo sargento Gilson Tardivo Gonçalves, que apartir daí passou aser considerado “líder dos sargentos rebelados” por seus superiores fiéis a Burnier. “Viemos para cá com ideais humanitários”, ponderou Gonçalves, “se for para ficar aqui e ser usado como polícia, ou agente secreto, vou entregar meu boné.”

O capitão “Doc” Santos entendeu que chegara a hora de deixar o PARA-SAR e pediu transferência para o Hospital Geral da Aeronáutica. Ele afirmou em 1985 que “fui com o Sérgio ao hospital para uma conversa com o diretor, que era o Brigadeiro Georges Guimarães, a quem contamos toda a história”. Mas para a surpresa dos dois capitães, esse oficial superior começou a esbravejar, de dedo em riste, dizendo que “Burnier tinha razão e que comunista tinha mesmo de ser metralhado”. Os dois saíram do lugar estupefatos.

Esse Senhor idoso nessa foto, desde muito tempo compreendeu muito bem o que significava “Sacrifício pela Pátria”, principalmente quando lembramos das areias da praia de Copacabana, sujas de sangue em 5 de julho de 1922. Eduardo Gomes era uma verdadeira lenda viva dentro da Força Aérea Brasileira e abraçou a causa em busca de justiça contra o descalabro que o capitão Sérgio e seus amigos sofreram no caso PARA-SAR. Mas seus apelos foram deliberadamnente ignorados por um grupo de oficiais generais que distorceram profundamente o significado de dever e honra na sua amada Força Aérea Brasileira. Até hoje, e no futuro, o nome de Eduardo Gomes vai nos lembrar sempre de valores positivos e preciosos. Já aos oficiais generais que participaram desse caso, só restara o esgoto da História – Fonte – Arquivo Nacional.

O capitão Sérgio decidiu então recorrer ao , um dos principais líderes da Aeronáutica e futuro ministro no governo João Figueiredo. Délio, depois de ouvir seu relato, concluiu: “Só há um homem capaz de segurar este abacaxi: o brigadeiro Eduardo Gomes”.

Um dos dois sobreviventes, junto com Siqueira Campos, do massacre dos “18 do Forte de Copacabana” em 1922, Eduardo Gomes era uma verdadeira lenda viva dentro da Força Aérea Brasileira, uma espécie de patriarca da Aeronáutica, criador do Correio Aéreo Nacional e duas vezes candidato à Presidência da República pela UDN, a opinião do velho e respeitado brigadeiro tinha muito peso.

Informado do ocorrido por Délio e Sérgio naquele mesmo dia, Eduardo Gomes ficou perplexo. Teve ter sido muito difícil para aquele homem de uma vida tão honrosamente dedicada a Força Aérea Brasileira, tomar conhecimento do nível complicado que o oficialato daquela instituição militar tinha chagado em 1968!

Folha de uma das consultas que o brigadeiro Itamar Rocha fez aos homens do PARA-SAR, que estiveram na missão de rua na época da morte do estudante Edson Luís e na reunião do gabinete do brigadeiro Bournier. No caso da foto é sobre a atuação do tenente tenente João Batista Magalhães na missão nas ruas do Rio – Fonte – Arquivo Nacional.

O brigadeiro pediu que os dois voltassem na manhã seguinte, acompanhados do brigadeiro Itamar Rocha. Nessa reunião, Eduardo Gomes recomendou que Itamar promovesse uma “sindicância rigorosa”. Este por sua vez endereçou consultas rigorosas aos integrantes do PARA-SAR sobre como se deu a reunião de 14 de junho. Apenas quatro deles, precisamente os oficiais que haviam dito sim a Burnier, negaram veracidade à história contada por Sérgio — todos os outros a confirmaram.

Semanas mais tarde, Itamar encaminhou um minucioso relatório ao ministro, descrevendo o que ocorrera. O relatório provocou reação oposta à que se esperava. Em 11 de setembro de 1968 o ministro Souza Mello respondeu ao brigadeiro Itamar com um documento que fazia largos elogios aBurnier e atacava asperamente seus críticos. Dias depois, as represálias se intensificaram. E, enquanto se sucediam transferências arbitrárias e prisões, oficiais fiéis a Burnier, como Lessa e Guaranys, pressionavam sargentos para que modificassem os depoimentos que haviam concedido a Itamar Rocha.

O episódio do caso PARA-SAR foi uma vergonha para História da Força Aérea Brasileira, que apenas 23 anos antes se cobriu de glória nos céus da Itália. Na foto vemos o Presidente Vargas recebendo os orgulhosos aviadores do 1º Grupo de Aviação de Caça, após o fim da Segunda Guerra Mundial Foto – Arquivo Nacional.

Tudo isso se transformou em uma verdadeira palhaçada, uma esculhambação e um grandioso escárnio para com a História de uma instituição chamada Força Aérea Brasileira, que se cobriu de glórias durante a Segunda Guerra Mundial, com a atuação da 1ª Grupo de Aviação de Caça nos céus da Itália!

“É a palavra de cabos e sargentos contra a de oficiais”

Mas nada do que aconteceu adiantou e as perseguições só cresceram!

Sérgio de Carvalho foi transferido para o Recife, “Doc” Santos para Campo Grande, Gilson Tardivo Gonçalves para Lagoa Santa, em Minas Gerais. Todos sofreram penas de prisão, aplicadas também a outros sete sargentos. Nenhum membro do grupo que se opôs a Burnier escapou a algum tipo de sanção. Até o brigadeiro Itamar Rocha foi afastado da Diretoria de Rotas Aéreas e submetido a quatro dias de prisão domiciliar.

Foto – Arquivo Nacional.

O brigadeiro Itamar comentou de maneira correta na revista Fatos (edição de 1º de julho de 1985, págs. 38 a 45), que “os homens do PARA-SAR sofreram demais”. Foram humilhados e mostrados come se fossem criminosos, quando eram homens imbuídos do espírito de salvar vidas.

Mas ninguém, entretanto, sofreria de maneira tão brutal quanto o capitão Sérgio de Carvalho. Ele foi reformado pelo Ato Institucional Número 5, o famigerado AI-5, perdendo a patente e o meio de vida.

Apaixonado pela profissão que exercia na Força Aérea Brasileira, ele viajava em média 240 dias por ano e aos 37 anos, quando foi colhido pela guilhotina do AI-5, realizara centenas de missões e mais de 800 saltos. Era o que sabia fazer, era o que gostava de fazer — mas nunca mais voltaria a exercer essa atividade. Na mesma época, o capitão Sérgio foi processado por falsidade ideológica, sendo absolvido em primeira instância por quatro votos a um e, no Superior Tribunal Militar, por quinze votos a zero. 

O capitão intendente Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho – Fonte – http://www.arqanalagoa.ufscar.br/pdf/recortes/R04927.pdf

Empurrado para a vida civil, foi convidado a assumir a presidência de honra de um aeroclube do Recife — mas ele não tardou a constatar que não poderia ser instrutor de salto, nem mesmo saltar. O convite colidiu com uma portaria reservada do Ministério da Aeronáutica, segundo a qual militares cassados “não podem manter adestramento aeroterrestre”.

Um emprego que conseguiu na revista Manchete durou o tempo suficiente para que Burnier soubesse de onde vinha seu salário e logo foi demitido dali também. Depois, Sérgio escreveu roteiros para um programa de televisão. Em 1971, os ventos afinal pareceram soprar a favor, pois ele fez 13 pontos na Loteria Esportiva e, com o dinheiro do prêmio, fundou uma empresa de propaganda, a Podium. Dois anos mais tarde, assolada pela alta dos preços do papel, a empresa sucumbiu, e Sérgio tornou-se vendedor.

Documento que mostra a vigilância do Serviço Nacional de Informações, o SNI, sobre a vida do capitão-médico Rubens Marques dos Santos, conhecido como “Doc” – Fonte – Arquivo Nacional.

Em 1979, à luta pela sobrevivência financeira somou-se a luta pela vida. Vítima de leishmaniose visceral, uma doença tropical que contraíra em consequência de suas missões na selva e que ficara incubada por dez anos em seu organismo, agora o afetava severamente a sua circulação linfática. Sérgio permaneceu 130 dias internado no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro. Seu peso desceu a 49 quilos, inquietantes para um homem de 1,76 metro de altura. Mas salvou-se.

O capitão Sérgio de Carvalho realizou uma luta solitária e obstinada para sua reintegração a Força Aérea Brasileira. Contou com a ajuda de dois grandes aliados — o brigadeiro Eduardo Gomes e o marechal Oswaldo Cordeiro de Farias. Pouco antes de morrer, em 1981, Eduardo Gomes repetia a amigos que levaria para o túmulo o desgosto de não ter obtido a reparação da injustiça sofrida pelo jovem amigo.

Eduardo Gomes visitando Sérgio Carvalho no hospital – Fonte – http://www.arqanalagoa.ufscar.br/pdf/recortes/R04928.pdf.

Em maio de 1974, numa carta ao então presidente Ernesto Geisel, Gomes fez uma ardente defesa do capitão Sérgio. “Se ele não tivesse procedido como procedeu”, argumentou o brigadeiro, “a revolução ter-se-ia perdido, irremissivelmente desmoralizada, chafurdada em ignomínia,afogada num turbilhão de sangue de pessoas inocentes.” Em dezembro de 1977, Eduardo Gomes redigiu outra carta de teor semelhante, mas não chegou a remetê-la ao presidente.

Durante a permanência de Sérgio no Hospital Samaritano, o velho e respeitado brigadeiro Eduardo Gomes o visitou e fez questão de posar a seu lado para os fotógrafos. Para o grande herói da História da Força Aérea Brasileira, o problema envolvendo o capitão Sérgio se tornou uma das grandes frustrações da vida do legendário aviador.

Outro que procurou ajudar o capitão Sérgio e seus amigos, foi o marechal Oswaldo Cordeiro de Farias. Outra grande figura história do Brasil, Cordeiro de Farias participou de lutas e episódios que vão desde a Coluna Prestes a ser o comandante da artilharia da Força Expedicionária Brasileira, passando por governar o Rio Grande do Sul e Pernambuco. Mas como aconteceu com Eduardo Gomes, foi ignorado. Na foto ele presta homenagem aos pracinhas mortos no Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Rio – Fonte – O Globo.

Mesmo após o escândalo, o brigadeiro Burnier permaneceu à frente de operações secretas da Aeronáutica. Em 1970, já no governo Médici, é premiado com o comando da 3ª Zona Aérea, área de chefia que abrangia a Base Aérea do Galeão e onde no ano seguinte ele se envolveu no episódio da tortura e morte do guerrilheiro Stuart Angel Jones. A pressão pública exercida por Zuzu Angel em razão do assassinato de seu filho, acabaria por provocar a queda do ministro Souza Mello. Seu sucessor foi o brigadeiro Joelmir de Araripe Macedo, que removeu Burnier do comando da 3ª Zona, transferindo-o para um cargo burocrático na Diretoria de Documentação Histórica da Aeronáutica. Logo foi afastado da lista de promoções em 1972, sendo obrigado a passar para a reserva. 

Até a sua morte, ocorrida em 13 de junho de 2000, Burnier negou o envolvimento no caso PARA-SAR, protestando contra sua divulgação na imprensa e solicitando diversas vezes que o processo militar fosse reaberto, não obtendo sucesso. Apesar disso, o passar dos anos não arrefeceu o apoio que recebera de Souza Mello; ao ser entrevistado em 1988 por Zuenir Ventura para seu livro 1968: o Ano que Não Terminou, o ex-ministro declarou que o capitão Sérgio, “ele sim, é que tinha esse plano” – posição que manteve mesmo confrontado com a evidência da confirmação feita por mais de 30 testemunhas militares. Diante dessa situação, Souza Mello preferiu fazer uso de um argumento muito utilizado por oficiais militares, quando se veem diante de questões problemáticas no âmbito de suas instituições – hierarquizar o debate: “É a palavra de cabos e sargentos contra a de oficiais”.

O capitão Sérgio quando falou sobre o caso em Campinas, São Paulo – Fonte – Arquivo Nacional.

Herói

Em 1985 o antigo capitão “Doc” Santos afirmou que a resistência dos integrantes do PARA-SAR mudou o curso da história do Brasil. “Se não tivéssemos reagido, este país teria virado uma republiqueta. Onde já se viu combater terrorismo com ações de super terrorismo?”, pergunta o antigo militar. “Seria uma coisa de louco, sem paradeiro.”

Somente em 12 de junho de 1985, Sérgio Miranda Ribeiro Carvalho recebeu a primeira homenagem pública desde que foi cassado, sendo-lhe outorgado o título de “Cidadão Benemérito do Rio de Janeiro”. Ele envolveu-se na política, tendo assumido como suplente o mandato de deputado federal pelo PDT do Rio de Janeiro durante três ocasiões da legislatura de 1987 a 1991.

Sérgio Carvalho e sua esposa – Foto – Arquivo Nacional.

Em 1992, o Supremo Tribunal Federal reconheceu os direitos do capitão Sérgio, estabelecendo que ele deveria ser promovido a brigadeiro – posto que teria alcançado se tivesse permanecido na Força Aérea Brasileira. O então ministro da Aeronáutica, o brigadeiro Lélio Viana Lobo, ignorou a decisão da corte, sendo o STF obrigado a mandar um ofício exigindo o cumprimento da lei. Lobo novamente se recusou a cumprir a determinação judicial, transferindo o problema para o presidente Itamar Franco.

Esse político, que ocupou o cargo de maneira interina e não queria problemas com a classe fardada, protelou a decisão até cinco dias após a morte de Sérgio Carvalho, ocorrida em 5 de fevereiro de 1994, devido a um câncer no estomago. O valente capitão morreu no Rio de Janeiro, não viu sua patente ser restabelecida, ou receber a promoção a que tinha direito. Somente em 1997, o governo federal, baseado na decisão do STF, indenizou a família de Sérgio com o valor relativo às vantagens e soldos que ele deixou de receber entre os anos de 1969 e 1994.

Sempre que comento essa história com outras pessoas, eu acho interessante como a figura histórica de Sérgio Miranda Ribeiro Carvalho consegue criar discursões acaloradas, intermináveis e estéreis…

Foto – Arquivo Nacional.

Para os seguidores da direita brasileira e dos saudosistas da Ditadura Militar, o capitão Sérgio é no mínimo um “traidor”, um homem que “se virou contra o sistema”, que “cuspiu no prato que comeu” e que “não ajudou a acabar de vez com a esquerda no Brasil”. Já para a esquerda, que muitas vezes consegue ser tão sectária em certos pontos de vista que fica difícil entendê-los, Sérgio Carvalho não merece nenhum tipo de elogio, de reconhecimento e consideração, pois foi um “golpista de 31 de março de 1964”, que “apoiou o sistema repressor”, “vestia farda” e “desfilava no 7 de setembro”.

Tudo isso é muito triste, pois ao dizer “não”, Sérgio Miranda Ribeiro Carvalho se tornou um grande herói!

Ele teve coragem de dizer “não” a um superior, em um sistema baseado na ordem hierárquica e pagou um preço muito alto por isso.

Seu exemplo foi seguido por outros companheiros, tão honrados como ele. Diferentemente de outros colegas de carreira, que desejosos de conquistarem as benesses do superior hierárquico e do sistema, mostraram que poderiam executar ações terroristas horríveis, que ocasionaria uma série de catástrofes inigualáveis na cidade maravilhosa, resultando na morte de sei lá quantas mil pessoas.  

Eu sempre me pergunto onde iria parar a Ditadura Militar no Brasil se Sérgio Carvalho tivesse aceitado o que queria seu superior e executasse a planejada hecatombe no Rio de Janeiro?

Quantos mais iriam morrer no Brasil se isso tivesse acontecido? E quanto tempo mais a Ditadura iria permanecer no poder?

Não tenho todas as respostas. Mas de saída creio que aqui teriam morrido muito mais pessoas que na ditadura da vizinha Argentina, cujo número de por lá teria sido de 30.000 vítimas. Também acredito que a nossa Ditadura teria permanecido mais uns 20 anos no poder, só terminando em 2005. E, mesmo que em algum momento voltássemos a respirar a liberdade, diante de qualquer alteração política que não agradasse os fardados, certamente os tanques rolariam pelas ruas com uma facilidade imensa e o terror recomeçaria.

Por isso repito – ao dizer “não”, Sérgio Miranda Ribeiro Carvalho se tornou um herói!

BARREIRA DO INFERNO – QUANDO NATAL ERA A CAPITAL ESPACIAL DO BRASIL

A Boa Localização Para Disparar Foguetes – A Doação de 2.000 Hectares na beira da Praia – O Início da Construção – Primeiro Disparo – O Foguetório – O Dia Que os Russos Espionaram a Barreira do Inferno – Futuro Incerto – Memórias Inesquecíveis Para o Povo de Natal

Rostand Medeiros – IHGRN

Efetivamente a ideia galgar o espaço exterior se inicia com o desenvolvimento dos processos tecnológicos de lançamento de foguetes pelos países vencedores da Segunda Guerra Mundial. Com a ideia de não perder o “bonde da história” e diante das perspectivas altamente estratégicas que a conquista do espaço criava para uma nação com dimensões continentais como o Brasil, apontou para a necessidade do desenvolvimento de um projeto de programa espacial nacional. Logo a criação de instituições como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em 1950, e o surgimento do Centro Técnico de Aeronáutica, hoje o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), como órgão científico e técnico do Ministério da Aeronáutica, apontou os caminhos a serem seguidos.

Preparação de um foguete para disparo na Barreira do Inferno na década de 1970 – Fonte – Biblioteca Nacional.

Nesse desejo da nação brasileira de alçar o espaço sideral ficou evidente que um dos caminhos a ser seguido era a criação da primeira base de lançamento de foguetes no país. E foi no Rio Grande do Norte que o Governo Brasileiro decidiu desenvolver esse local.

E porque razão fomos escolhidos?

Primeiramente o fator posição geográfica foi decisivo para que a terra potiguar participasse desse projeto de alto interesse para a nação. Natal está distante apenas 5 graus da linha do Equador e essa proximidade muito facilita o lançamento de foguetes ao espaço, pois quanto mais próximo desse marco geográfico, utiliza-se uma menor quantidade de combustível para a ascensão desses equipamentos. De certa forma repetiu-se o mesmo que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial, quando militares norte-americanos construíram a base aérea que eles denominaram de Parnamirim Field, pela excepcional posição estratégica de Natal para o desenvolvimento do transporte aéreo militar dos Aliados durante o conflito.

Desenvolvimento de foguetes nos Estados Unidos – Fonte – NASA

Outro fator estava na existência de um tipo de “anomalia magnética” sobre o Rio Grande do Norte e outros estados nordestinos. Ocorre que nessa região as linhas do campo magnético da Terra formam uma espécie de “funil” e essa situação facilita as medições espaciais com foguetes, que não necessitam se elevar a grandes altitudes para cumprir suas missões, diminuindo o custo dos lançamentos.

Outros fatores que pesaram favoravelmente na decisão de construção dessa base de lançamento de foguetes na área metropolitana de Natal foram o clima estável da nossa região, a proximidade com a capital potiguar, proximidade do porto no Rio Potengi e a pouca distância da Base Aérea de Parnamirim.

A Doação do Terreno de Fernando Pedroza

Ficou decidido que o local para implantação da base ocorreria em um terreno de quase 2.000 hectares, localizado as margens do Oceano Atlântico, próximo a praia de Ponta Negra. Era um lugar abandonado, cercado de altas dunas de areia, aquinze quilômetros do centro de Natal, no caminho para a região das praias do litoral sul e conhecida como Barreira do Inferno.

Falésias da Barreira do Inferno – Fonte – https://www.praiasdenatal.com.br/barreira-do-inferno/

Para alguns a denominação nativa evocava a coloração avermelhada das altas falésias de arenito ali existentes. Para outros o nome era uma lembrança das trágicas mortes de jangadeiros nas águas turbulentas daquela região, provocadas pelas fortes correntezas marinhas e rochas que dificultavam a navegação. O certo é que essas condições sempre limitaram a ocupação da área por populações de pescadores.

O terreno pertencia a Fernando Gomes Pedroza, que morava no Rio de Janeiro mas era membro de uma tradicional família potiguar. Logo, em 7 de agosto de 1964, os quase 2.000 hectares foram integralmente doados para o então Ministério da Aeronáutica.

Aos olhos de hoje, diante da intensa especulação imobiliária existente no belo litoral potiguar, pode parecer estranho alguém doar um terreno daquelas dimensões ao Governo Federal. Mas alguns fatores talvez possam explicar essa decisão.

Instalações da Barreira do Inferno – Fonte – Arquivo Nacional.

Como comentamos anteriormente Pedroza morava no Rio, onde ele certamente tinha seus interesses, objetivos e investimentos e naquele início da década de 1960, dentro da realidade do paupérrimo Rio Grande do Norte, dificilmente Fernando Pedroza poderia usufruir pecuniariamente daquele local a curto prazo. Consta que Aluízio Alves, então governador potiguar e com ligações pessoais com Pedroza, intercedeu para a doação da área, mostrando o quanto seria proveitoso para o Estado a implantação daquela base. Não sei se também pesou na decisão de Fernando Pedroza o fato de ser complicado para ele se colocar contrário aos objetivos estratégicos da classe fardada naquele período, poucos meses após os militares deflagrarem a revolução de 31 de março de 1964.

Em todo caso o terreno foi entregue e tempos depois, certamente pelos seus “sentimentos de brasilidade e patriotismo”, o antigo proprietário foi agraciado pela Força Aérea Brasileira (FAB) com a medalha do Mérito Aeronáutico.

Instalações da Barreira do Inferno – Fonte – Arquivo Nacional.

Início das Obras e Primeiros Lançamentos

As obras foram iniciadas em 5 de outubro de 1964, com parte delas sendo executadas pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte, que na época tinha recrutado quinze presidiários para trabalharem no desmatamento da área, em troca de benefícios nas penas. Consta que sem o apoio do governo Aluízio Alves para o desenvolvimento da Barreira do Inferno, a base de lançamento de foguetes poderia ter ido para Aracati, no Ceará, ou para o Arquipélago de Fernando de Noronha, administrado por Pernambuco.

Quem primeiro noticiou a construção da nova base foi o jornalista Paulo Macedo, recentemente falecido, em sua coluna da segunda página do Diário de Natal (Ed. 09/10/1964).

Casamata blindada da Barreira do Inferno – Fonte – Arquivo Nacional.

Em meio as dunas logo surgiu todo um complexo de estradas pavimentadas, garagens, prédios, abrigos, depósitos, rampas, antenas e radares. Foram construídas a casamata blindada para os técnicos acompanharem os lançamentos de foguetes a curta distância e as várias rampas de disparo. Estradas pavimentadas ligavam estas rampas aos depósitos e hangares onde ficam abrigados os foguetes, antes de serem preparados para ir aos céus. Outras estradas interligavam esses depósitos aos centros de rastreio e telemetria, instalados em prédios próprios, e aos prédios administrativos.

Nascia assim o CLFBI – Centro de Lançamento de Foguetes da Barreira do Inferno, um local que sem dúvida alguma encheu de orgulho os potiguares, ao ponto dos radialistas locais designarem Natal como “Capital Espacial do Brasil”.

Instalações da Barreira do Inferno – Fonte – Arquivo Nacional.

Nos jornais natalenses da época existe a informação que alguns foguetes de teste foram disparados em abril, ou junho, de 1965. Mas oficialmente o primeiro lançamento de um foguete aconteceu em dezembro daquele ano, em um evento que contou com a presença do brigadeiro Eduardo Gomes, então Ministro da Aeronáutica. Nessa ocasião foi disparado um foguete de dois estágios denominado Nike-Apache, utilizado para sondagens, de fabricação norte-americana e capaz de atingir quase 200 km de altitude. O foguete subiu ao espaço exatamente as 16 horas e 28 minutos de 15 de dezembro de 1965.

Em tempo – A Barreira do Inferno não é a primeira base de lançamento de foguetes da América Latina. A honra cabe a Base de Santo Tomás, em Pampa de Achala, Província de Córdoba, Argentina, onde em fevereiro de 1961 foi lançado um foguete tipo Apex A1-02 Alfa-Centauro, que alcançou 2.170 metros de altitude. Esse foi o primeiro artefato desse tipo lançado nessa parte do Planeta. Inclusive alguns acreditam, mesmo sem apresentar provas, que muito do desenvolvimento da Barreira do Inferno por parte do Governo Brasileiro se deveu ao positivo andamento do programa espacial argentino.

Atividade dos técnicos nas instalações da Barreira do Inferno – Fonte – Arquivo Nacional.

Desenvolvimento

Bem antes da Barreira do Inferno lançar seus primeiros foguetes, o pessoal do Grupo Executivo de Trabalho e Estudos de Projetos Espaciais (GETEPE), do Ministério da Aeronáutica, providenciava junto a NASA, nos Estados Unidos, o treinamento do pessoal técnico necessário às operações de lançamento e para se familiarizarem com esses artefatos. Logo, cerca de dez norte-americanos desembarcaram em Natal para instruir a equipe da Barreira do Inferno no uso de uma série de equipamentos cedidos ao Brasil.

Nos anos seguintes a Barreira do Inferno foi palco do lançamento de centenas de foguetes.

Disparo de foguete – Fonte – Arquivo Nacional.

Aquilo visto nos céus potiguares foi um verdadeiro foguetório de fazer inveja em festa de São João no interior. Chegou um momento que de tão comuns, os rastros dos foguetes já nem chamavam mais a atenção das pessoas na cidade. De toda maneira o espetáculo enchia de orgulho o povo de nossa terra, sendo referência no Brasil. Até o grande sanfoneiro Luiz Gonzaga colocou na sua música “Nordeste prá frente“ o seguinte refrão;

“Caruaru tem sua universidade

Campina Grande tem até televisão

Jaboatão fabrica jipe à vontade

Lá de Natal já tá subindo foguetão…”

Fonte – Arquivo Nacional.

Desde os brasileiríssimos Sondas I, II e III, onde esse último alcançava mais de 500 quilômetros de altitude, a foguetes estrangeiros como os Nike Tomahawk, Nike Cajun, Aerobee, Black Brant, Javelin, Arcas e Hasp, foram disparados da Barreira do Inferno. Alguns foguetes superaram os 1.000 quilómetros de altitude e outros foram lançados como parte de importantes programas de pesquisas nacionais e estrangeiros.

Além de técnicos norte-americanos, passaram pela Barreira do Inferno técnicos franceses, canadenses e alemães. E a presença desses últimos por aqui, vindos do Max Planck Institute, acabou gerando um incidente internacional.

Preparação para disparo na década de 1970 – Fonte – Arquivo Nacional.

Foguetório Teuto-Brasileiro

De dezembro de 1965 a março de 1972 a Barreira do Inferno já havia disparado um total de 381 foguetes. O lançamento de número 382 estava previsto para ocorrer no dia 7 de março de 1972 e este seria um modelo Black Brant 5C, fabricado pela empresa canadense Bristol Aerospace e vendido para os alemães desenvolverem seus projetos de pesquisa espacial.

Esta operação era parte do Projeto Aeros, onde o custo de um milhão de dólares do disparo era totalmente financiado pelo estado germânico e trazia algumas novidades em relação aos lançamentos anteriores. A sua carga útil de componentes eletrônicos de medição, pesando 98 quilos, seria recuperada a cerca de 145 milhas náuticas (268 km) de distância da base, o Black Brant 5C atingiria a altitude máxima de 230 km e após o fim do combustível cairia livremente até 4.500 metros de altitude, quando seria acionado seus paraquedas e a carga desceria tranquilamente no oceano. Essa carga seria recuperada com o trabalho conjunto de uma corveta do Grupamento Naval do Nordeste da Marinha do Brasil e dois helicópteros SAR (do inglês: Search And Rescue – busca e salvamento) da Força Aérea Brasileira.

Fonte – Arquivo Nacional.

Até então normalmente eram disparados foguetes cuja área de recuperação de sua carga útil atingia em média de 40 milhas náuticas (74 km) e metade da altitude do Black Brant alemão. Diante da situação a FAB e a Marinha criaram uma área de exclusão ao redor da Barreira do Inferno de 60 milhas náuticas (111 km), onde todo o tráfego aéreo e marítimo foi expressamente proibido por razões de segurança. 

Durante a operação a corveta da Marinha ficaria permanentemente em alto mar e caberia também a sua tripulação a missão de informar a Barreira do Inferno, cinco horas antes do lançamento, as condições do tempo, velocidade do vento, visibilidade e cobertura das nuvens.

Fonte – Arquivo Nacional.

Ainda em relação a meteorologia o monitoramento também era realizado pelo então Centro Meteorológico do Instituto de Atividades Espaciais, com sede em São José dos Campos, São Paulo, que utilizava informações vindas do satélite meteorológico americano ESSA-8. Todo este cuidado era importante, pois naquele início de março de 1972 estava ocorrendo chuvas na costa potiguar.

O evento era coberto de extrema segurança e contava com a presença do então Ministro da Aeronáutica, o brigadeiro José Campos de Araripe Macedo, toda a cúpula da FAB, do setor técnico aeroespacial brasileiro e do pessoal diplomático e técnico alemão.

Para manter a cobertura aérea segura a FAB disponibilizou duas aeronaves de patrulha Lockheed P-15 Neptune, pertencentes ao Primeiro Esquadrão do Sétimo Grupo de Aviação (1º/7º GAv), o conhecido Esquadrão Orungan, sediado em Salvador, na Bahia.

E foram os membros deste esquadrão que localizaram em alto mar, às dez horas da manhã do dia 1 de março, um penetra no foguetório teuto-brasileiro.

O Intruso Vermelho

As aeronaves de patrulha da FAB eram equipadas com radares de busca, podiam voar horas sobre o mar e segundo os jornais da época teriam detectado um forte sinal que aparentava ser de um navio de grande porte e agindo de maneira suspeita em águas territoriais brasileiras. Prontamente eles foram investigar.

Os tripulantes se depararam com um grande navio pintado em cor clara, equipado com enormes antenas parabólicas, navegando lentamente a cerca de 144 milhas náuticas (266 km) da costa de Natal. Os dados mostraram que o tal navio estava 56 milhas náuticas (103 km) dentro de águas territoriais brasileiras, em clara violação das nossas leis. Não demorou e os tripulantes viram a bandeira vermelha, com a foice e o martelo estampados em dourado, mostrando que aquele era um navio da União das Repúblicas Socialista Soviética.

O Iuri Gagarin e sua inconfundível silhueta – Fonte – Wikipédia

Vale frisar que nesta época a União Soviética, atual Federação Russa, não reconhecia o mar territorial brasileiro como tendo 200 milhas náuticas. O decreto ampliando a nossa faixa marítima havia sido instituído apenas em 1970 e, além dos soviéticos, os arquivos do Itamaraty registraram notas de protesto, ou de não reconhecimento, ou de reservas quanto ao ato unilateral de ampliação do nosso mar territorial, vindos de países como a Bélgica, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Japão, Noruega, Reino Unido, República Federal da Alemanha e Suécia.

Mas para os aviadores do P-15 Neptune os soviéticos e seu grande navio estavam sim em nossas águas territoriais e ou caíam fora, ou poderiam sofrer alguma consequência. E lá embaixo não estava um “barquinho” qualquer, era o grande e recém-lançado navio soviético de monitoramento espacial Cosmonauta Iuri Gagarin.

Desenho do P-15 da FAB – Fonte – wp.scn.ru

Um verdadeiro monstro com 230 metros de comprimento, autonomia de 24.000 milhas náuticas (44.448 km) e uma tripulação de 180 pessoas, onde entre estes se encontravam alguns dos mais especializados técnicos de monitoramento e rastreamento eletrônico da extinta União Soviética. Em operação desde dezembro de 1971, a silhueta do navio Cosmonauta Iuri Gagarin se caracterizava pela existência de quatro grandes antenas parabólicas e elas serviam para monitorar tudo que fosse interessante e relativo a área espacial produzida pelos países ocidentais.

Apesar de vivermos um período de extrema censura jornalística durante a ditadura militar brasileira, o interessante neste caso foi que os militares não negaram aos jornais praticamente nenhuma informação sobre a presença em nossas águas deste “intruso vermelho”. Desejavam mostrar que as nossas Forças Armadas estavam atentas a movimentação daquele barco carregado de alta tecnologia russa e em clara missão de espionagem tecnológica.

Navio Cosmonauta Iuri Gagarin – Fonte – Wikipédia

Raspando as Antenas e o Mastro do Navio Soviético

E não podemos negar que o pessoal do Esquadrão Orungan estava realizando corretamente seu trabalho. Segundo o então comandante da operação de lançamento do foguete Black Brant 5C, o coronel aviador Paulo Henrique Correia do Amarante, não havia dúvidas que o navio Cosmonauta Iuri Gagarin estava no mar territorial brasileiro para monitorar e rastrear o lançamento do foguete adquirido pelos alemães.

Ele afirmou que após a localização visual do navio, ocorreu uma primeira passagem para fotografias e depois os P-15 Neptune da FAB realizaram voos rasantes “raspando as antenas e o mastro do navio soviético”. A tripulação do Iuri Gagarin prontamente acelerou as máquinas e deslocou a nave para fora de nossas águas territoriais, em uma direção que o conduzia a região do Arquipélago de Fernando de Noronha. O coronel Paulo Henrique chegou mesmo a apresentar fotografias do navio espião à imprensa.

Foi divulgado que no dia 6 de março os P-15 Neptune retornaram a missão de buscas ao navio Cosmonauta Iuri Gagarin, em uma operação que durou mais de cinco horas, alcançando uma área de 900 milhas náuticas de patrulha, incluindo Fernando de Noronha. Foi utilizado constante busca por radar, seguiram a bordo cinegrafistas para registar a presença da nave, mas o grande navio não voltou a ser localizado.

Para os militares brasileiros o lançamento do foguete Black Brant 5C e a parceria teuto-brasileira não tinha nada de secreto. Tanto que as atividades na Barreira do Inferno eram amplamente divulgadas, até como forma de mostrar que o governo militar era atuante e tecnologicamente moderno. Deduziu-se que a presença do navio Cosmonauta Iuri Gagarin, violando as novas águas territoriais brasileiras e arriscando um possível problema diplomático, era um claro aviso aos alemães que os soviéticos estavam plenamente atentos as suas atividades aeroespaciais, ocorressem elas onde ocorressem.

Fonte – Arquivo Nacional.

Esta situação de bisbilhotagem eletrônica entre a extinta União Soviética e os países ocidentais eram ações mais do que corriqueiras durante a chamada Guerra Fria. Eles se xeretavam mutuamente na tentativa de descobrir os avanços tecnológicos dos inimigos e muitas vezes estas ações serviam para mostrar ao adversário que o outro lado estava atento e alerta.

Nós brasileiros é que não estávamos acostumados com este tipo de coisa.

A Visita das Baleias

Serguei Mikhailov, o então embaixador soviético no Brasil na época, negou qualquer declaração à imprensa por parte daquela representação diplomática e não sei se o Itamaraty chegou a emitir alguma nota de desagravo. Desconheço se o caso teve maiores desdobramentos diplomáticos.

Apesar de alguns atrasos devido à chuva, exatamente as 7h32m53s da manhã do dia 8 de março de 1972, o foguete Black Brant 5C foi lançado da Barreira do Inferno em direção ao sol.

O artefato alcançou 230 km de altitude e precisamente 10 minutos e 15 segundos após o lançamento, a sua carga útil de equipamentos eletrônicos de medição tocou o Oceano Atlântico a 15 milhas náuticas (28 km) da corveta da Marinha. Já os P-15 Neptune da FAB localizaram visualmente a cápsula no mar e apoiaram a chegada do navio da marinha brasileira.

Fonte – Arquivo Nacional.

Os militares da FAB não avistaram o navio Cosmonauta Iuri Gagarin novamente, mas informaram que foram visualizadas duas graciosas e grandes baleias próximas ao artefato aeroespacial. Consta que os cetáceos se mostraram completamente indiferentes com a presença humana no seu território, com as tolas diferenças ideológicas dos homens e com seus brinquedinhos tecnológicos.

Dias Atuais

Ao longo dos anos a Barreira do Inferno continuou a exercer com dignidade a sua missão, mas o crescimento de Natal ligou o sinal de alerta para os militares brasileiros. Um acidente com um foguete que por ventura caísse na área urbana da capital potiguar, carregado de combustível altamente inflamável, seria uma catástrofe. Nesse sentido os militares passaram a desenvolver uma base de lançamento na região do município maranhense de Alcântara, onde continuam as pesquisas espaciais do nosso país.

Fonte – Arquivo Nacional.

Já faz tempo que o povo de Natal não olha mais para o céu e observa interessantes rastros espiralados de fumaça branca, que muitas vezes marcavam grandes extensões do firmamento, as rádios locais já não transmitem o bordão “Capital Espacial do Brasil” e tudo isso ficou na memória dos natalenses. Hoje é tudo tão ligado a memória, que até um museu foi criado próximo a entrada da Barreira do Inferno.

As últimas notícias que tive em relação a essa base informam que muito do pessoal ali lotado foi transferido para a Base Aérea de Parnamirim e não se sabe o que exatamente a FAB fará com aquele local.

Mas uma coisa é certa, seja lá o destino que a Barreira do Inferno venha a ter, esse local jamais vai deixar de fazer parte da história potiguar e quem viu aqueles foguetes nos céus de Natal jamais esquecerá aqueles momentos.

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