2016 – EXPEDIÇÃO ANGICO – QUANDO UM GRUPO DE PESQUISADORES BUSCOU COMPREENDER COMO FORAM MORTOS O CANGACEIRO LAMPIÃO, MARIA BONITA E SEUS COMPANHEIROS NA GROTA DO ANGICO

Em 2016 Um Grupo de Pesquisadores Nordestinos Pernoitou na Área da Grota do Angico, Onde Buscaram Compreender Como Aconteceu o Ataque da Polícia Contra o Último Esconderijo de Lampião.

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

As questões que envolvem a morte de Lampião, Maria Bonita e outros cangaceiros na famosa Grota do Angico, em 1938, sempre foi algo muito espinhoso entre os que estudam o tema Cangaço.

Para muitos o chefe cangaceiro Lampião foi pego de surpresa, com a guarda baixa e pagou com a vida. Para outros essa surpresa existiu porque ele e demais membros do bando foram envenenados.

Logo após as mortes em Angico começaram a surgir uma série de conjecturas, dúvidas e debates sobre como se desenrolaram os acontecimentos relativos àquele combate, as razões das mortes dos cangaceiros e muitas outras questões.

Para ter uma ideia, apresento-lhes uma das muitas narrativas existentes na Internet sobre o fim de Lampião.

Lampião, o Rei do Cangaço, em seu aparato de guerra | Crédito: Reprodução – Fonte – http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/brutal-lampiao.phtml#.WWwJ3ojyvXP

“No dia 27 de julho de 1938, o bando acampou na fazenda Angicos, situada no sertão de Sergipe, esconderijo tido por Lampião como o de maior segurança. Era noite, chovia muito e todos dormiam em suas barracas. A volante chegou tão de mansinho que nem os cães pressentiram. Por volta das 5:15 do dia 28 de julho, os cangaceiros levantaram para rezar o ofício e se preparavam para tomar café; quando um cangaceiro deu o alarme, já era tarde demais.

Não se sabe ao certo quem os traiu. Entretanto, naquele lugar mais seguro, o bando foi pego totalmente desprevenido. Quando os policiais do Tenente João Bezerra e do Sargento Aniceto Rodrigues da Silva abriram fogo com metralhadoras portáteis, os cangaceiros não puderam empreender qualquer tentativa viável de defesa.

O ataque durou uns vinte minutos e poucos conseguiram escapar ao cerco e à morte. Dos trinta e quatro cangaceiros presentes, onze morreram ali mesmo. Lampião foi um dos primeiros a morrer. Logo em seguida, Maria Bonita ficou gravemente ferida. Alguns cangaceiros, transtornados pela morte inesperada do seu líder, conseguiram escapar. Bastante eufóricos com a vitória, os policiais apreenderam os bens e mutilaram os mortos. Aprenderam todo o dinheiro, o ouro e as joias.

A força volante, de maneira bastante desumana para os dias de hoje, mas seguindo o costume da época, decepou a cabeça de Lampião. Maria Bonita ainda estava viva, apesar de bastante ferida, quando foi degolada. O mesmo ocorreu com Quinta-Feira, Mergulhão (os dois também tiveram suas cabeças arrancadas em vida), Luís Pedro, Elétrico, Enedina, Moeda, Alecrim, Colchete (2) e Macela. Um dos policiais, demonstrando ódio a Lampião, desfere um golpe de coronha de fuzil na sua cabeça, deformando-a; este detalhe contribuiu para difundir a lenda de que Lampião não havia sido morto, e escapara da emboscada, tal foi a modificação causada na fisionomia do cangaceiro.”

Sobre este texto ver – http://www.meionorte.com/blogs/josefortes/a-morte-de-lampiao-e-seu-bando-174209

Lampião, o Rei do Cangaço.

O Valor de Uma Pesquisa de Campo

Como em muitas áreas de pesquisa, as pessoas que se debruçam sobre o tema do Cangaço se dividem em dois grupos majoritários – Os que pesquisam basicamente em documentos, livros, jornais, bibliotecas e outros locais que lhes tragam informações e pouco vão a campo. Além destes temos os que buscam seguir com maior ênfase “comendo poeira” nas estradas do sertão em busca da tradição oral e dos registros existentes nas memórias coletivas das comunidades distantes do Nordeste e utilizando em menor proporção material documental.

E, como é normal neste ramo de atividade, as duas vertentes possuem bons e maus trabalhos resultantes destas pesquisas e sempre novas produções estão sendo publicadas.

Lampião, Maria Bonita e seus cangaceiros.

Mas uma nova tendência parece haver surgido nas pesquisas do Cangaço – A dos pesquisadores que se unem para passar algum tempo em locais onde os fatos mais intensos relativos a este tema aconteceram – Os locais de combate.

E o local onde, aparentemente, isso ocorreu pela primeira vez foi na controversa Grota do Angico. Um grupo de pesquisadores nordestinos realizou uma interessante empreitada de permanência neste local.

Sempre fui uma pessoa que admiro as iniciativas de pesquisadores que buscam conhecer mais a fundo aquilo que estudam e acreditam. E confesso que fico mais entusiasmado com pessoas que desenvolvem novas e interessantes iniciativas em prol do conhecimento.

Um dia após o combate na Grota do Angico, policiais e curiosos contemplam o cadáver decapitado de Maria Bonita.

Recebi informações que essa ideia surgiu por dois caminhos distintos, mas com os mesmos objetivos.

Em maio de 2016, na companhia do artista plástico Sérgio Azol, eu estive na cidade pernambucana de Floresta, onde conhecemos e fomos recepcionados pelos escritores e pesquisadores Marcos Antônio de Sá, conhecido como “Marcos De Carmelita” e Cristiano Luiz Feitosa Ferraz, que recentemente lançaram o interessante livro “As cruzes do Cangaço – Os fatos e personagens de Floresta – PE”. Durante nossa visita, Marcos me comentou que em diálogo com os irmãos Francisco e Washington Rodrigues Correa, proprietários do Restaurante Angico, às margens do Rio São Francisco, surgiu a ideia de pernoitar na Grota e ele recebeu apoio desses irmãos.

O autor desse texto em uma trilha na área da Grota do Angico.

Tanto Marcos como Cristiano são agentes da Polícia Civil do Estado de Pernambuco e atuam na área de caatinga, mostrando que pernoitar naquele local não seria algo problemático e sim muito positivo, pois existiam mais perguntas do que respostas aos chamados “Mistérios de Angico”. Marcos desejava com esta permanência contrapor informações e realizar uma pesquisa que poderia ampliar as discussões envolvendo os fatos que se deram na Grota do Angico.

Infelizmente naquela época, por problemas de saúde, não houve condições da participação de Marcos de Carmelita na empreitada.

Outro que teve o mesmo pensamento e igualmente desejou realizar uma ação nos mesmos moldes foi Sebastião Giovane Gomes de Sá, também da cidade pernambucana de Floresta.

Segundo Giovane essa ideia havia surgido anos antes, quando ele entrevistou o Senhor Manoel Cavalcanti de Souza, um antigo membro das forças volantes que perseguiram os cangaceiros e ficou conhecido como “Neco de Pautilia”.

Na época da entrevista Giovane Gomes de Sá era aluno do Curso de Licenciatura em História na Universidade Regional do Cariri, na cidade do Crato, Ceará, quando por iniciativa própria começou a entrevistar vários outros antigos perseguidores e descendentes de inimigos dos cangaceiros, principalmente daqueles que odiavam com fervor a Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, conhecido como “O Rei do Cangaço”.

Foto da ocasião em que o autor deste texto esteve na Grota do Angico e fotografou o local com as antigas cruzes.

Entre os entrevistados estavam Ângelo Gomes de Sá, conhecido como Ângelo Macário, cuja família foi vítima de Lampião e dos seus cangaceiros. Depois ouviu os irmãos gêmeos João Florentino de Carvalho e Antonio Florentino de Carvalho , cuja família se envolveu em lutas contra a família Pereira e que em 1923 participaram de um dos primeiros tiroteios entre Lampião e a família Carvalho, na Fazenda Entreserras. Giovane também entrevistou o historiador e genealogista Nivaldo Carvalho, além de João Gomes de Lira, que fez parte da lendária volante dos Nazarenos e se tornou oficial da Polícia Militar do Estado de Pernambuco.

Na época da entrevista com “Neco de Pautilia”, ele estava com 97 anos e mesmo cego ainda possuía uma memória muito ativa. O local da entrevista foi na Fazenda Passagem das Pedras, no Riacho São Domingos, zona rural do município de Serra Talhada, Pernambuco, local onde nasceu Lampião.

Durante o diálogo “Neco de Pautilia” estava bastante animado e pediu a Giovane que no futuro visitasse dois locais importantes na História do Cangaço.

O primeiro era a Fazenda Maranduba, em Poço Redondo, Sergipe, onde ele participou do combate conhecido como “Fogo da Maranduba”. Ocorrido no dia 9 de janeiro de 1932, esse foi um dos maiores tiroteios entre as volantes policias e os cangaceiros. “Neco de Pautilia” comentou a Giovane que nesse combate perdeu o tio João Cavalcanti de Albuquerque, além dos parentes e conterrâneos como Hercílio de Souza Nogueira, Adalgiso de Souza Nogueira, Antônio da Silva e outros.  

O segundo local era na Grota do Angico, onde no dia 28 de julho de 1938 tombou sem vida Lampião, Maria Bonita e nove outros cangaceiros, além do soldado Adrião Pedro de Souza, o único militar morto naquele combate.

Giovane lhe prometeu que um dia visitaria a região de Maranduba e que buscaria dormir uma noite na área da Grota do Angico, com o objetivo de ter uma ideia bem real de como se desenrolou os episódios envolvendo a morte do maior chefe cangaceiro e sair de lá com muitas respostas. Ou com muito mais perguntas!

“Neco de Pautilia” faleceu em 29 de maio de 2014, aos 101 anos de idade.

O Grupo

Entre preparativos e inúmeros contatos via Internet, nomes foram sendo incluídos e depois retirados por razões diversas. Mas ficou definido que o grupo seguiria para a Grota do Angico no dia 27 de julho de 2016, pernoitando no local e só deixando a área no dia seguinte.

Vista da Grota do Angico. Foto realizada pelo autor deste texto, em uma recente visita junto com o artista plástico Sérgio Azol.

Salvo alguma informação em contrário e que desconheço, os integrantes desse grupo teriam a honra de serem os primeiros a pernoitar na área com o objetivo de pesquisa, estando no local do combate no dia em que o episódio completava 78 anos de sua ocorrência.

Este grupo foi formado por Sálvio Siqueira (de São José do Egito, Pernambuco), Cristiano Luiz Feitosa Ferraz e Giovane Macário (ambos de Floresta, Pernambuco), José Lopes Tavares (de Verdejantes, Pernambuco, mas residente na cidade do Recife), Romilson Santos (de Aracaju, Sergipe), Vaneildo Bispo (de Canindé do São Francisco, Sergipe), Maria Oliveira (de Poço Redondo, Sergipe e a única mulher do grupo) e Richard Torres Pereira (de Serra Talhada, Pernambuco).

Da esquerda para a direita: Giovane Macário, José Lopes Tavares, Cristiano Ferraz, Richard Torres Pereira, Sálvio Siqueira, Maria Oliveira, Romilson Santos e Vaneildo Bispo.

Eles se deslocaram ao local via Poço Redondo, até a sede administrativa do Monumento Natural Grota do Angico. Esta é uma unidade de conservação criada pelo governo do Estado de Sergipe, através do Decreto número 24.992, de 21 de dezembro de 2007. Está situada no Alto Sertão Sergipano, a cerca de 200 km de Aracaju, entre os municípios de Poço Redondo e Canindé de São Francisco, às margens do conhecido “Velho Chico”. A área de preservação possui um total de 2.183 hectares, em uma região que abriga remanescentes florestais da Caatinga hiperxerófila densa e foi criado com objetivo de preservar o sítio natural da Grota do Angico e elementos culturais associados, mantendo a integridade dos ecossistemas naturais da Caatinga, para o desenvolvimento de pesquisa científica, educação ambiental, ecoturismo e visitação pública. Desde a sua criação, a unidade é administrada pela SEMARH, recebe visitantes de várias partes do Brasil e do exterior, sendo na época a única unidade de conservação estadual de Sergipe inserida do bioma caatinga.

Neste belo local, o grupo de pesquisadores deixou a sede administrativa por volta das quatro da tarde, percorrendo a trilha em cerca de quarenta minutos, sendo acompanhados pelo então guia do parque James Cardozo.

O acampamento em Angico.

Ao chegarem à Grota do Angico o grupo encontrou Cícero Rodrigues (de Maceió, Alagoas), que havia feito o roteiro através de deslocamento de barco via Entremontes (um distrito de Piranhas).

Chegada ao Local

Cristiano Ferraz assim expôs suas impressões sobre a chegada do grupo a Grota do Angico e a montagem do acampamento.

A última semana (especificamente os dias 27 a 30 de julho de 2016) foi de grande atividade para todos nós. Era chegada a hora de nos deslocar a Piranhas. Alguns dos participantes do evento planejaram pernoitar no conhecido “Coito do Angico” no município de Poço Redondo, no Estado de Sergipe. Dois grupos foram formados. Um deles se deslocaria durante o dia, via Poço Redondo e outro seguiria durante a noite, de barco, via Piranhas, Alagoas (Este segundo grupo chegou à Grota do Angico por volta das duas horas da madrugada).

Este grupo chegou à grota do Angico por volta das quatro e trinta da tarde onde encontrou o companheiro Cícero Rodrigues. Depois passamos a organizar o local do pernoite, armando as barracas e redes (cobertas com lonas) para prevenir das chuvas finas que têm caído no local este ano. Estes preparativos terminaram no início da noite quando, após comer algo (café, biscoitos, pão, etc.), decidimos descer para o local das Cruzes onde acendemos velas pelos mortos e passamos a estudar o local.

À noite, no escuro, o local dá a impressão de ser totalmente diferente do que vemos durante o dia….

Questionamentos

Por sua vez Sálvio Siqueira produziu um interessante texto onde ele faz várias análises do que viu naquela madrugada. Ele também trouxe no seu texto vários questionamentos sobre o fim do “Rei do Cangaço” em 1938.

“No dia 27 de julho de 1938, uma quarta-feira, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, está acoitado no leito do riacho Tamanduá, na fazenda Angico, fincado no município de Poço Redondo, Sergipe.
Ao romper da aurora do dia vindouro, segundo historiadores, do dia 28 de julho, ou seja, na quinta-feira, uma tropa militar, comandada pelo então tenente João Bezerra, é dividida em quatro, ou cinco frentes e ataca os cangaceiros no coito.

Após o ataque, sabe-se da morte de onze cangaceiros, dentre eles o “Rei dos Cangaceiros”, sua companheira a “Rainha dos cangaceiros”, Maria Gomes de Oliveira, conhecida como Maria Bonita, e uma baixa militar, o soldado Adrião Pedro de Sousa.

No momento do ataque, uma das colunas, a do Sargento Aniceto, perde-se, não encontrando o local previamente combinado. Com isso, abre uma rota de fuga para aqueles que estavam encurralados sob forte fogo dos soldados.

Pois bem, há duas versões, uma já nem tanto citada sobre o ocorrido, que seria a que ocorreu, com o auxílio de um coiteiro o envenenamento do grupo. A outra versão é que simplesmente a tropa chegou e mandou bala matando os cangaceiros.

Sobre o envenenamento, não há sustentáculo, pois o veneno teria atingido, se não mortalmente, parcialmente o restante do grupo. Parte de nossos estudos, na ocasião, era conhecer o local na escuridão noturna, procurar saber as dificuldades que enfrentou a tropa para se aproximarem, como conseguiram tamanha façanha sem chamarem a atenção dos cangaceiros, e qual hora, aproximadamente, conseguia-se vislumbrar a silhueta de um corpo humano dando condições de ser alvejado.

O tempo, na noite do dia 27 de julho de 2016 para o clarear do dia 28, se comparado as condições climáticas, segundo o que relatam os historiadores, estava diferente da noite do dia 27 de julho de 1938. Não choveu. Fiz uma análise de como a tropa chegaria sem ser notada até ter visão e posição para atirarem. Usamos o mesmo dia da data do embate, só diferenciando na fase do quarto da lua, da época com a atual, um foi no minguante e a outra na fase crescente. O calendário lunar nos diz que na noite do dia 27 de julho de 1938, a fase da Lua estava em Crescente. Já na noite do dia 27 de julho de 2016, a fase da Lua estava em Quarto Minguante.
(Fonte: http://www.vercalendario.info/…/portugal-mes-julho-2016.html)

O grupo durante a noite na Grota do Angico.

Essa fase da Lua ocorre quando o ângulo Terra-Lua-Sol é aproximadamente reto, de modo que vemos apenas cerca da metade do disco lunar, no período em que a parte iluminada está diminuindo progressivamente. Já a fase da Lua no Quarto Crescente ocorre quando o Sol e a Lua estão em signos que se encontram a 90° de distância entre si, formando uma quadratura. Fizemos essa pesquisa para vermos a qualidade de visão noturna, a olho nu, que tiveram mais ou menos os soldados, quando da sua aproximação ao acampamento alvo.

As cruzes dos cangaceiros durante a noite.

A coisa não foi moleza não. Hoje, com as degradações causadas pelo tempo e homem, notamos a dificuldade de locomoção. Além disso, temos as trilhas, coisa que não acreditamos que tinha naquele tempo.

Após esses fatos pesquisados, esperamos o romper do dia. Lento e preguiçoso, ele começa a clarear vagarosamente… 

Em direção ao Rio São Francisco, nós começamos a notar uma grande sombra, como se fosse um monstro deitado, dormindo. É à sombra de uma serra. Do lado contrário, ou seja, lado que se encontrava o bando acoitado, ainda não dava para divisar nada. Com o passar do tempo, começamos a vislumbrar imagens, vultos, sem termos a certeza do que seria… Mais um pouco de tempo e, aí sim, já se consegue ver bem uma pessoa. Quando registramos essas imagens, estávamos do lado, mais ou menos em que estavam os soldados que fizeram parte da coluna do tenente Bezerra.

Visão, só com a clarear do dia, pois o mato e localidade em que se encontravam aqueles que estavam dentro da grota, no leiro do riacho, ainda estavam protegidos pelas ultimas sombras da noite. E mesmo pela mata e profundidade, impedindo um clarear definido.

Quanto à linha propícia de fogo, ou para fogo, posição de tiro, que foi de cima para baixo, só se consegue ter essa posição estando bem em cima, no topo da barreira. Com 30 metros de distância da beira da barranca não se consegue ver o fundo da grota. Nem com 20 metros, nem 15 metros, nem com 10 metros. Em fim, só há essa possibilidade, posição de tiro, estando com 5 metros ou menos em cima da barreira.

78 anos depois do ataque, sem claridade ainda, tentamos nos aproximar sem fazermos barulho. Qualquer som, no silêncio da madrugada é escutado ao longe. Claro que a mata está diferente, mais para devastada, ou seja, na época do ataque, a mata era mais fechada causando mais dificuldades para se locomover dentro dela sem fazer barulho, principalmente se a pessoa estiver com bornais, facas, facões e fuzis nas mãos, aumentando o volume, é lógico que se necessita de mais espaço para se mover. Lembremos que a tropa contava com 50 praças, dividida e quatro ou cinco colunas.

1938 – Curiosos diante dos corpos dos cangaceiros.

A quantidade de cangaceiros é incerta. Não se sabe com exatidão o número dos que estavam ali acoitados.
Para saber-se da margem direita e esquerda de um rio, ou riacho, posicione-se no centro do leito e procure ficar de frente para onde as águas seguem, nessa posição, saberá a margem direita e a esquerda do rio, ou riacho, mesmo este sendo temporário.

Em nossa pesquisa, lá, no local, notamos que parte do grupo, o chefiado por Zé Sereno, ficou na margem esquerda do riacho. Fora do leito do riacho. Junto ao chefe mor só o seu Estado Maior. Dentro da grota.
A volante era composta por homens acostumados no mato, no entanto, os grupos de cangaceiros também eram formados por homens que conviviam desde que nasceram dentro do mato. Homens que tinham os sentidos muito bem aguçados, pois, dependiam deles para sobreviverem.

Caso imprevisto por nós, mas, que serviu muito bem como pesquisa, foi a chegada de seis outros pesquisadores entre 01:00 e 02:00 horas da manhã, da madrugada já do dia 28. Nosso amigo, pesquisador Richard Pereira, escutou ruídos, sons que “informavam” a aproximação de pessoas. E eles estavam longe, muito distantes do acampamento, do outro lado do riacho ainda, por onde seguiu a coluna com o tenente Bezerra. E nós não estávamos com nossos sentidos alertas, com cuidado e medo de sermos atacados por volantes.

1938 – A barraca de Lampião

Bem, mesmo não sabendo a quantidade exata dos cangaceiros, mas, que se eleva ao número de trinta pessoas, sabemos ser ilógico que todos, exatamente todos eles, tenham se embriagado, coletivamente. E a ponto de não notarem algo suspeito? Lembremos, também, que eram pessoas foragidas, o que as deixava mais cuidadosas ainda. Com seus sentidos em alerta o tempo todo, mesmo inconscientes desse sentido, sentido causado pelo medo, medo de morrer. Mesmo assim, ninguém se deu conta de nada?

Ainda tem a declaração de remanescentes que citaram que foram rezar o ofício e retornaram para as toldas. Mais uma linha de que já estavam acordados.

Bem, meus amigos, eu acredito que alguém, algum conhecido, bem chegado ao “Rei dos Cangaceiros”, tenha feito algum trato para se aproximar, e, com isso, a guarda fora totalmente baixada para que se desse a aproximação. Além de ter alguém, do próprio grupo de Lampião, tê-lo traído internamente.

Lampião

Zé Sereno, seus homens e outros estavam na parte de cima, em cima da barreira, um pouco mais recuados, em relação à posição de Lampião, com maiores possibilidades de escutarem, notarem, a aproximação da coluna que tomava chegada com o tenente Bezerra. Se acharmos que a cavidade em que se encontravam Lampião e outros cangaceiros, dificultada a propagação do som.

No entanto, partiram em oposição, e isso é mais uma prova do lugar em que estavam, em que se encontravam, contrária à correnteza e ao avanço da coluna que chegava no sentido noroeste do acampamento. E, por incrível que pareça o grupo parte em sentido sudoeste, e, é mesmo nesse sentido que o sargento Aniceto se perde com a sua coluna, deixando uma via de fuga.

Ao romper do dia, um dos pesquisadores do grupo, disparou vários tiros. Esses disparos faziam parte da pesquisa. Não se sabe de onde o tiro parte exatamente, pois, lá, naquele emaranhado de elevações e extensão do terreno, forma-se um eco constante. Não deixando ter-se, exatamente, a noção da posição exata do disparo. Lembremos que os pesquisadores que chegaram mais tarde, ao desembarcarem na margem direita do ri São Francisco, dispararam uma arma. Porém, só viemos saber quando eles chegaram e nos disseram. Mesmo no silêncio da madrugada, o tiro disparado as margens do “Velho Chico”, mesmo as águas e os contrafortes das serras produzirem um eco, o som não chegou ao acampamento onde estávamos.

Esse foi o destino da maioria dos cangceiros.

Como, então, parte do grupo tomou o rumo certo? 

O sentido exato da brecha deixada por um sargento que se perdera com seus homens?

Não falo de ouvi dizer, mais, de estar lá, naquele local, amanhecendo o dia, e escutando o eco de vários disparos as margens do riacho. A guarda do capitão foi baixada, isso é correto afirmar.

Mas, por quê?

Como cito acima, acredito que tenha vindo um pedido de aproximação, não de uma tropa militar, é claro, mas, de uma pessoa, coiteira, que o fez ficar, ou continuar, à vontade.”

No Exterior Esse Tipo de Ação é Normal

Como tudo que envolve o Cangaço e Lampião sempre existem controvérsias, eu não duvido que muitos dos que venham a ler este texto talvez torçam o nariz diante desta empreitada.

A pessoa com uniforme militar, apresentando um fuzil semiautomático Garand M1, na verdade é membro de um grupo de pesquisa e preservação histórica dos combatentes estadunidenses, das tropas pára-quedistas daquele país que participaram do famoso Dia D.

Talvez vejam como uma grande perda de tempo e de esforço madrugar no meio do mato, onde foram mortos vários bandidos. Isso tudo em um país onde na sua contemporaneidade a violência é algo associado a uma verdadeira praga.

Mas é fato que o episódio da Grota do Angico é antes de tudo História.

Nos Estados Unidos e na Europa, regiões com histórias de confrontos bélicos extremamente amplas e com inúmeros locais onde se desenrolaram terríveis combates, a presença de pesquisadores em áreas históricas é algo bem comum e aceito, inclusive pelas universidades.

Membros de um grupo de pesquisa da Guerra Civil Americana apresenta as armas utilizadas pelos exércitos do sul.

Diversos grupos ampliam suas pesquisas a ponto de existirem interessantes reencenações de episódios históricos e bélicos, com forte afluência de público desejosa de conhecer mais sobre estes conflitos.

Esses grupos, para realizar seu trabalho pesquisa e debate exaustivamente como deve desenrolar uma reencenação, ampliando muitas vezes a informação histórica.

Detalhe da reconstituição de um acampamento das tropas sulistas da Guerra Civil Americana, sendo apresentado no Texas.

Nos Estados Unidos predominam grupos que pesquisam e realizam reencenações sobre episódios da Guerra da Independência de 1812, Guerra Civil Americana e Segunda Guerra Mundial. Na Europa, principalmente na Inglaterra, Alemanha, Itália e Suécia, estes grupos episódios que abrangem historicamente fatos ligados aos conflitos entre as Legiões Romanas e os Bárbaros, até a Segunda Guerra Mundial.

Nós brasileiros somos tidos como um povo que não se importa muito com a sua História. Então só tenho a louvar a empreitada deste grupo de nordestinos.

FONTES

http://joaodesousalima.blogspot.com.br/2016/07/cariri-cangaco-de-piranhas-nos-78-anos.html

http://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2016/07/78-aniversario-da-morte-de-lampiao-e-tema-de-celebracao.html

http://www.semarh.se.gov.br/biodiversidade/modules/tinyd0/index.php?id=11

http://www.utpa.edu/news/2015/03/making-history-utpa-launches-rio-grande-valley-civil-war-trail.htm

http://www.semarh.se.gov.br/biodiversidade/modules/tinyd0/index.php?id=11

http://www.gettyimages.com/event/preparation-ahead-of-the-70th-anniversary-of-d-day-495638437#historical-dday-reenactment-enthusiast-dressed-as-an-american-soldier-picture-id495520963

BARREIRA DO INFERNO – QUANDO NATAL ERA A CAPITAL ESPACIAL DO BRASIL

A Boa Localização Para Disparar Foguetes – A Doação de 2.000 Hectares na beira da Praia – O Início da Construção – Primeiro Disparo – O Foguetório – O Dia Que os Russos Espionaram a Barreira do Inferno – Futuro Incerto – Memórias Inesquecíveis Para o Povo de Natal

Rostand Medeiros – IHGRN

Efetivamente a ideia galgar o espaço exterior se inicia com o desenvolvimento dos processos tecnológicos de lançamento de foguetes pelos países vencedores da Segunda Guerra Mundial. Com a ideia de não perder o “bonde da história” e diante das perspectivas altamente estratégicas que a conquista do espaço criava para uma nação com dimensões continentais como o Brasil, apontou para a necessidade do desenvolvimento de um projeto de programa espacial nacional. Logo a criação de instituições como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em 1950, e o surgimento do Centro Técnico de Aeronáutica, hoje o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), como órgão científico e técnico do Ministério da Aeronáutica, apontou os caminhos a serem seguidos.

Preparação de um foguete para disparo na Barreira do Inferno na década de 1970 – Fonte – Biblioteca Nacional.

Nesse desejo da nação brasileira de alçar o espaço sideral ficou evidente que um dos caminhos a ser seguido era a criação da primeira base de lançamento de foguetes no país. E foi no Rio Grande do Norte que o Governo Brasileiro decidiu desenvolver esse local.

E porque razão fomos escolhidos?

Primeiramente o fator posição geográfica foi decisivo para que a terra potiguar participasse desse projeto de alto interesse para a nação. Natal está distante apenas 5 graus da linha do Equador e essa proximidade muito facilita o lançamento de foguetes ao espaço, pois quanto mais próximo desse marco geográfico, utiliza-se uma menor quantidade de combustível para a ascensão desses equipamentos. De certa forma repetiu-se o mesmo que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial, quando militares norte-americanos construíram a base aérea que eles denominaram de Parnamirim Field, pela excepcional posição estratégica de Natal para o desenvolvimento do transporte aéreo militar dos Aliados durante o conflito.

Desenvolvimento de foguetes nos Estados Unidos – Fonte – NASA

Outro fator estava na existência de um tipo de “anomalia magnética” sobre o Rio Grande do Norte e outros estados nordestinos. Ocorre que nessa região as linhas do campo magnético da Terra formam uma espécie de “funil” e essa situação facilita as medições espaciais com foguetes, que não necessitam se elevar a grandes altitudes para cumprir suas missões, diminuindo o custo dos lançamentos.

Outros fatores que pesaram favoravelmente na decisão de construção dessa base de lançamento de foguetes na área metropolitana de Natal foram o clima estável da nossa região, a proximidade com a capital potiguar, proximidade do porto no Rio Potengi e a pouca distância da Base Aérea de Parnamirim.

A Doação do Terreno de Fernando Pedroza

Ficou decidido que o local para implantação da base ocorreria em um terreno de quase 2.000 hectares, localizado as margens do Oceano Atlântico, próximo a praia de Ponta Negra. Era um lugar abandonado, cercado de altas dunas de areia, aquinze quilômetros do centro de Natal, no caminho para a região das praias do litoral sul e conhecida como Barreira do Inferno.

Falésias da Barreira do Inferno – Fonte – https://www.praiasdenatal.com.br/barreira-do-inferno/

Para alguns a denominação nativa evocava a coloração avermelhada das altas falésias de arenito ali existentes. Para outros o nome era uma lembrança das trágicas mortes de jangadeiros nas águas turbulentas daquela região, provocadas pelas fortes correntezas marinhas e rochas que dificultavam a navegação. O certo é que essas condições sempre limitaram a ocupação da área por populações de pescadores.

O terreno pertencia a Fernando Gomes Pedroza, que morava no Rio de Janeiro mas era membro de uma tradicional família potiguar. Logo, em 7 de agosto de 1964, os quase 2.000 hectares foram integralmente doados para o então Ministério da Aeronáutica.

Aos olhos de hoje, diante da intensa especulação imobiliária existente no belo litoral potiguar, pode parecer estranho alguém doar um terreno daquelas dimensões ao Governo Federal. Mas alguns fatores talvez possam explicar essa decisão.

Instalações da Barreira do Inferno – Fonte – Arquivo Nacional.

Como comentamos anteriormente Pedroza morava no Rio, onde ele certamente tinha seus interesses, objetivos e investimentos e naquele início da década de 1960, dentro da realidade do paupérrimo Rio Grande do Norte, dificilmente Fernando Pedroza poderia usufruir pecuniariamente daquele local a curto prazo. Consta que Aluízio Alves, então governador potiguar e com ligações pessoais com Pedroza, intercedeu para a doação da área, mostrando o quanto seria proveitoso para o Estado a implantação daquela base. Não sei se também pesou na decisão de Fernando Pedroza o fato de ser complicado para ele se colocar contrário aos objetivos estratégicos da classe fardada naquele período, poucos meses após os militares deflagrarem a revolução de 31 de março de 1964.

Em todo caso o terreno foi entregue e tempos depois, certamente pelos seus “sentimentos de brasilidade e patriotismo”, o antigo proprietário foi agraciado pela Força Aérea Brasileira (FAB) com a medalha do Mérito Aeronáutico.

Instalações da Barreira do Inferno – Fonte – Arquivo Nacional.

Início das Obras e Primeiros Lançamentos

As obras foram iniciadas em 5 de outubro de 1964, com parte delas sendo executadas pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte, que na época tinha recrutado quinze presidiários para trabalharem no desmatamento da área, em troca de benefícios nas penas. Consta que sem o apoio do governo Aluízio Alves para o desenvolvimento da Barreira do Inferno, a base de lançamento de foguetes poderia ter ido para Aracati, no Ceará, ou para o Arquipélago de Fernando de Noronha, administrado por Pernambuco.

Quem primeiro noticiou a construção da nova base foi o jornalista Paulo Macedo, recentemente falecido, em sua coluna da segunda página do Diário de Natal (Ed. 09/10/1964).

Casamata blindada da Barreira do Inferno – Fonte – Arquivo Nacional.

Em meio as dunas logo surgiu todo um complexo de estradas pavimentadas, garagens, prédios, abrigos, depósitos, rampas, antenas e radares. Foram construídas a casamata blindada para os técnicos acompanharem os lançamentos de foguetes a curta distância e as várias rampas de disparo. Estradas pavimentadas ligavam estas rampas aos depósitos e hangares onde ficam abrigados os foguetes, antes de serem preparados para ir aos céus. Outras estradas interligavam esses depósitos aos centros de rastreio e telemetria, instalados em prédios próprios, e aos prédios administrativos.

Nascia assim o CLFBI – Centro de Lançamento de Foguetes da Barreira do Inferno, um local que sem dúvida alguma encheu de orgulho os potiguares, ao ponto dos radialistas locais designarem Natal como “Capital Espacial do Brasil”.

Instalações da Barreira do Inferno – Fonte – Arquivo Nacional.

Nos jornais natalenses da época existe a informação que alguns foguetes de teste foram disparados em abril, ou junho, de 1965. Mas oficialmente o primeiro lançamento de um foguete aconteceu em dezembro daquele ano, em um evento que contou com a presença do brigadeiro Eduardo Gomes, então Ministro da Aeronáutica. Nessa ocasião foi disparado um foguete de dois estágios denominado Nike-Apache, utilizado para sondagens, de fabricação norte-americana e capaz de atingir quase 200 km de altitude. O foguete subiu ao espaço exatamente as 16 horas e 28 minutos de 15 de dezembro de 1965.

Em tempo – A Barreira do Inferno não é a primeira base de lançamento de foguetes da América Latina. A honra cabe a Base de Santo Tomás, em Pampa de Achala, Província de Córdoba, Argentina, onde em fevereiro de 1961 foi lançado um foguete tipo Apex A1-02 Alfa-Centauro, que alcançou 2.170 metros de altitude. Esse foi o primeiro artefato desse tipo lançado nessa parte do Planeta. Inclusive alguns acreditam, mesmo sem apresentar provas, que muito do desenvolvimento da Barreira do Inferno por parte do Governo Brasileiro se deveu ao positivo andamento do programa espacial argentino.

Atividade dos técnicos nas instalações da Barreira do Inferno – Fonte – Arquivo Nacional.

Desenvolvimento

Bem antes da Barreira do Inferno lançar seus primeiros foguetes, o pessoal do Grupo Executivo de Trabalho e Estudos de Projetos Espaciais (GETEPE), do Ministério da Aeronáutica, providenciava junto a NASA, nos Estados Unidos, o treinamento do pessoal técnico necessário às operações de lançamento e para se familiarizarem com esses artefatos. Logo, cerca de dez norte-americanos desembarcaram em Natal para instruir a equipe da Barreira do Inferno no uso de uma série de equipamentos cedidos ao Brasil.

Nos anos seguintes a Barreira do Inferno foi palco do lançamento de centenas de foguetes.

Disparo de foguete – Fonte – Arquivo Nacional.

Aquilo visto nos céus potiguares foi um verdadeiro foguetório de fazer inveja em festa de São João no interior. Chegou um momento que de tão comuns, os rastros dos foguetes já nem chamavam mais a atenção das pessoas na cidade. De toda maneira o espetáculo enchia de orgulho o povo de nossa terra, sendo referência no Brasil. Até o grande sanfoneiro Luiz Gonzaga colocou na sua música “Nordeste prá frente“ o seguinte refrão;

“Caruaru tem sua universidade

Campina Grande tem até televisão

Jaboatão fabrica jipe à vontade

Lá de Natal já tá subindo foguetão…”

Fonte – Arquivo Nacional.

Desde os brasileiríssimos Sondas I, II e III, onde esse último alcançava mais de 500 quilômetros de altitude, a foguetes estrangeiros como os Nike Tomahawk, Nike Cajun, Aerobee, Black Brant, Javelin, Arcas e Hasp, foram disparados da Barreira do Inferno. Alguns foguetes superaram os 1.000 quilómetros de altitude e outros foram lançados como parte de importantes programas de pesquisas nacionais e estrangeiros.

Além de técnicos norte-americanos, passaram pela Barreira do Inferno técnicos franceses, canadenses e alemães. E a presença desses últimos por aqui, vindos do Max Planck Institute, acabou gerando um incidente internacional.

Preparação para disparo na década de 1970 – Fonte – Arquivo Nacional.

Foguetório Teuto-Brasileiro

De dezembro de 1965 a março de 1972 a Barreira do Inferno já havia disparado um total de 381 foguetes. O lançamento de número 382 estava previsto para ocorrer no dia 7 de março de 1972 e este seria um modelo Black Brant 5C, fabricado pela empresa canadense Bristol Aerospace e vendido para os alemães desenvolverem seus projetos de pesquisa espacial.

Esta operação era parte do Projeto Aeros, onde o custo de um milhão de dólares do disparo era totalmente financiado pelo estado germânico e trazia algumas novidades em relação aos lançamentos anteriores. A sua carga útil de componentes eletrônicos de medição, pesando 98 quilos, seria recuperada a cerca de 145 milhas náuticas (268 km) de distância da base, o Black Brant 5C atingiria a altitude máxima de 230 km e após o fim do combustível cairia livremente até 4.500 metros de altitude, quando seria acionado seus paraquedas e a carga desceria tranquilamente no oceano. Essa carga seria recuperada com o trabalho conjunto de uma corveta do Grupamento Naval do Nordeste da Marinha do Brasil e dois helicópteros SAR (do inglês: Search And Rescue – busca e salvamento) da Força Aérea Brasileira.

Fonte – Arquivo Nacional.

Até então normalmente eram disparados foguetes cuja área de recuperação de sua carga útil atingia em média de 40 milhas náuticas (74 km) e metade da altitude do Black Brant alemão. Diante da situação a FAB e a Marinha criaram uma área de exclusão ao redor da Barreira do Inferno de 60 milhas náuticas (111 km), onde todo o tráfego aéreo e marítimo foi expressamente proibido por razões de segurança. 

Durante a operação a corveta da Marinha ficaria permanentemente em alto mar e caberia também a sua tripulação a missão de informar a Barreira do Inferno, cinco horas antes do lançamento, as condições do tempo, velocidade do vento, visibilidade e cobertura das nuvens.

Fonte – Arquivo Nacional.

Ainda em relação a meteorologia o monitoramento também era realizado pelo então Centro Meteorológico do Instituto de Atividades Espaciais, com sede em São José dos Campos, São Paulo, que utilizava informações vindas do satélite meteorológico americano ESSA-8. Todo este cuidado era importante, pois naquele início de março de 1972 estava ocorrendo chuvas na costa potiguar.

O evento era coberto de extrema segurança e contava com a presença do então Ministro da Aeronáutica, o brigadeiro José Campos de Araripe Macedo, toda a cúpula da FAB, do setor técnico aeroespacial brasileiro e do pessoal diplomático e técnico alemão.

Para manter a cobertura aérea segura a FAB disponibilizou duas aeronaves de patrulha Lockheed P-15 Neptune, pertencentes ao Primeiro Esquadrão do Sétimo Grupo de Aviação (1º/7º GAv), o conhecido Esquadrão Orungan, sediado em Salvador, na Bahia.

E foram os membros deste esquadrão que localizaram em alto mar, às dez horas da manhã do dia 1 de março, um penetra no foguetório teuto-brasileiro.

O Intruso Vermelho

As aeronaves de patrulha da FAB eram equipadas com radares de busca, podiam voar horas sobre o mar e segundo os jornais da época teriam detectado um forte sinal que aparentava ser de um navio de grande porte e agindo de maneira suspeita em águas territoriais brasileiras. Prontamente eles foram investigar.

Os tripulantes se depararam com um grande navio pintado em cor clara, equipado com enormes antenas parabólicas, navegando lentamente a cerca de 144 milhas náuticas (266 km) da costa de Natal. Os dados mostraram que o tal navio estava 56 milhas náuticas (103 km) dentro de águas territoriais brasileiras, em clara violação das nossas leis. Não demorou e os tripulantes viram a bandeira vermelha, com a foice e o martelo estampados em dourado, mostrando que aquele era um navio da União das Repúblicas Socialista Soviética.

O Iuri Gagarin e sua inconfundível silhueta – Fonte – Wikipédia

Vale frisar que nesta época a União Soviética, atual Federação Russa, não reconhecia o mar territorial brasileiro como tendo 200 milhas náuticas. O decreto ampliando a nossa faixa marítima havia sido instituído apenas em 1970 e, além dos soviéticos, os arquivos do Itamaraty registraram notas de protesto, ou de não reconhecimento, ou de reservas quanto ao ato unilateral de ampliação do nosso mar territorial, vindos de países como a Bélgica, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Japão, Noruega, Reino Unido, República Federal da Alemanha e Suécia.

Mas para os aviadores do P-15 Neptune os soviéticos e seu grande navio estavam sim em nossas águas territoriais e ou caíam fora, ou poderiam sofrer alguma consequência. E lá embaixo não estava um “barquinho” qualquer, era o grande e recém-lançado navio soviético de monitoramento espacial Cosmonauta Iuri Gagarin.

Desenho do P-15 da FAB – Fonte – wp.scn.ru

Um verdadeiro monstro com 230 metros de comprimento, autonomia de 24.000 milhas náuticas (44.448 km) e uma tripulação de 180 pessoas, onde entre estes se encontravam alguns dos mais especializados técnicos de monitoramento e rastreamento eletrônico da extinta União Soviética. Em operação desde dezembro de 1971, a silhueta do navio Cosmonauta Iuri Gagarin se caracterizava pela existência de quatro grandes antenas parabólicas e elas serviam para monitorar tudo que fosse interessante e relativo a área espacial produzida pelos países ocidentais.

Apesar de vivermos um período de extrema censura jornalística durante a ditadura militar brasileira, o interessante neste caso foi que os militares não negaram aos jornais praticamente nenhuma informação sobre a presença em nossas águas deste “intruso vermelho”. Desejavam mostrar que as nossas Forças Armadas estavam atentas a movimentação daquele barco carregado de alta tecnologia russa e em clara missão de espionagem tecnológica.

Navio Cosmonauta Iuri Gagarin – Fonte – Wikipédia

Raspando as Antenas e o Mastro do Navio Soviético

E não podemos negar que o pessoal do Esquadrão Orungan estava realizando corretamente seu trabalho. Segundo o então comandante da operação de lançamento do foguete Black Brant 5C, o coronel aviador Paulo Henrique Correia do Amarante, não havia dúvidas que o navio Cosmonauta Iuri Gagarin estava no mar territorial brasileiro para monitorar e rastrear o lançamento do foguete adquirido pelos alemães.

Ele afirmou que após a localização visual do navio, ocorreu uma primeira passagem para fotografias e depois os P-15 Neptune da FAB realizaram voos rasantes “raspando as antenas e o mastro do navio soviético”. A tripulação do Iuri Gagarin prontamente acelerou as máquinas e deslocou a nave para fora de nossas águas territoriais, em uma direção que o conduzia a região do Arquipélago de Fernando de Noronha. O coronel Paulo Henrique chegou mesmo a apresentar fotografias do navio espião à imprensa.

Foi divulgado que no dia 6 de março os P-15 Neptune retornaram a missão de buscas ao navio Cosmonauta Iuri Gagarin, em uma operação que durou mais de cinco horas, alcançando uma área de 900 milhas náuticas de patrulha, incluindo Fernando de Noronha. Foi utilizado constante busca por radar, seguiram a bordo cinegrafistas para registar a presença da nave, mas o grande navio não voltou a ser localizado.

Para os militares brasileiros o lançamento do foguete Black Brant 5C e a parceria teuto-brasileira não tinha nada de secreto. Tanto que as atividades na Barreira do Inferno eram amplamente divulgadas, até como forma de mostrar que o governo militar era atuante e tecnologicamente moderno. Deduziu-se que a presença do navio Cosmonauta Iuri Gagarin, violando as novas águas territoriais brasileiras e arriscando um possível problema diplomático, era um claro aviso aos alemães que os soviéticos estavam plenamente atentos as suas atividades aeroespaciais, ocorressem elas onde ocorressem.

Fonte – Arquivo Nacional.

Esta situação de bisbilhotagem eletrônica entre a extinta União Soviética e os países ocidentais eram ações mais do que corriqueiras durante a chamada Guerra Fria. Eles se xeretavam mutuamente na tentativa de descobrir os avanços tecnológicos dos inimigos e muitas vezes estas ações serviam para mostrar ao adversário que o outro lado estava atento e alerta.

Nós brasileiros é que não estávamos acostumados com este tipo de coisa.

A Visita das Baleias

Serguei Mikhailov, o então embaixador soviético no Brasil na época, negou qualquer declaração à imprensa por parte daquela representação diplomática e não sei se o Itamaraty chegou a emitir alguma nota de desagravo. Desconheço se o caso teve maiores desdobramentos diplomáticos.

Apesar de alguns atrasos devido à chuva, exatamente as 7h32m53s da manhã do dia 8 de março de 1972, o foguete Black Brant 5C foi lançado da Barreira do Inferno em direção ao sol.

O artefato alcançou 230 km de altitude e precisamente 10 minutos e 15 segundos após o lançamento, a sua carga útil de equipamentos eletrônicos de medição tocou o Oceano Atlântico a 15 milhas náuticas (28 km) da corveta da Marinha. Já os P-15 Neptune da FAB localizaram visualmente a cápsula no mar e apoiaram a chegada do navio da marinha brasileira.

Fonte – Arquivo Nacional.

Os militares da FAB não avistaram o navio Cosmonauta Iuri Gagarin novamente, mas informaram que foram visualizadas duas graciosas e grandes baleias próximas ao artefato aeroespacial. Consta que os cetáceos se mostraram completamente indiferentes com a presença humana no seu território, com as tolas diferenças ideológicas dos homens e com seus brinquedinhos tecnológicos.

Dias Atuais

Ao longo dos anos a Barreira do Inferno continuou a exercer com dignidade a sua missão, mas o crescimento de Natal ligou o sinal de alerta para os militares brasileiros. Um acidente com um foguete que por ventura caísse na área urbana da capital potiguar, carregado de combustível altamente inflamável, seria uma catástrofe. Nesse sentido os militares passaram a desenvolver uma base de lançamento na região do município maranhense de Alcântara, onde continuam as pesquisas espaciais do nosso país.

Fonte – Arquivo Nacional.

Já faz tempo que o povo de Natal não olha mais para o céu e observa interessantes rastros espiralados de fumaça branca, que muitas vezes marcavam grandes extensões do firmamento, as rádios locais já não transmitem o bordão “Capital Espacial do Brasil” e tudo isso ficou na memória dos natalenses. Hoje é tudo tão ligado a memória, que até um museu foi criado próximo a entrada da Barreira do Inferno.

As últimas notícias que tive em relação a essa base informam que muito do pessoal ali lotado foi transferido para a Base Aérea de Parnamirim e não se sabe o que exatamente a FAB fará com aquele local.

Mas uma coisa é certa, seja lá o destino que a Barreira do Inferno venha a ter, esse local jamais vai deixar de fazer parte da história potiguar e quem viu aqueles foguetes nos céus de Natal jamais esquecerá aqueles momentos.

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