HENRY FONDA EM NATAL – O DIA EM QUE O ASTRO DO CINEMA NORTE-AMERICANO, PAI DE PETER E JANE FONDA, PASSOU PELA CAPITAL DO RN

HENRY FONDA EM NATAL

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Na metade do século XX, o ator norte-americano Henry Fonda (1905-1982) era um dos maiores astros de cidema dos Estados Unidos, intérprete de heróis inesquecíveis. E no auge dessa carreira estrelada em Hollywood, ele resolveu aliviar o clima de estresse que aumentava de acordo com a tensão que rondava a China e a Europa, com o seu país sempre em alerta. Decidiu, então, desembarcar em um local interessante e calmo, algo como o exótico Brasil. E foi nesse percurso que Natal, capital do Rio Grande do Norte, entrou no seu roteiro.

Esse texto foi originalmente publicado na Revista BZZZ, número 107, edição de nov. 2023 a jan. de 2024.

Esse momento passa pelo período de janeiro a abril de 1939, quando o ator tinha concluído três filmes e estava bastante cansado, somado aos conflitos que cobravam um alto preço em sangue na China, nuvens negras da guerra se aproximavam cada vez mais da Europa e ameaçavam englobar o Velho Mundo em um grande entrevero.

Aderbal de França e a Melhor Notícia

A sede do jornal natalense “A República” estava bastante agitada na manhã do do dia 13 de maio de 1939, devido à inauguração das obras de saneamento de Natal, que iriam acontecer às oito horas na Praça 7 de Setembro, em frente ao Palácio do Governo. Para o interventor federal Rafael Fernandes Gurjão aquela era uma das principais obras da sua gestão e custou a fortuna de quase cinco milhões e meio de contos de réis.

Aderbal de França.

A movimentação entre autoridades e políticos foi muito intensa e todo mundo que “era gente” em Natal se fez presente. Veio até o interventor da Paraíba, Argemiro de Figueiredo, e entre os que estavam lá, encontrava-se o muito satisfeito Francisco Saturnino de Britto Filho, cujo Escritório de Engenharia Civil e Sanitária Francisco Saturnino de Britto, com sede no Rio de Janeiro, foi o responsável pelo planejamento e execução da obra.

Entretanto, um dos mais importantes jornalistas de “A República” parece que pouco se importou com toda aquela movimentação política e tudo indica que ele nem sequer esteve naquele evento, pois não escreveu uma só linha sobre a festa. Mas isso não era problema, pois Aderbal de França, depois de quase onze anos publicando a mais importante e lida coluna social do principal jornal do Rio Grande do Norte, tinha cacife e prestígio suficientes para faltar ao evento na Praça 7 de Setembro.

O Sikorsky S-43 Baby Clipper.

E tudo indica que Aderbal estava naquele sábado com sua atenção voltada para o terminal de passageiros da empresa aérea Panair, uma subsidiária no Brasil da empresa de aviação norte-americana Pan American World Airways, uma das maiores do mundo naqueles tempos.

No dia anterior, Aderbal havia recebido um telefonema de Arlindo Moura, o agente da Panair em Natal, cujo escritório ficava no primeiro andar de um edifício na ladeira da Rua Sachet, 79, na Ribeira. Arlindo lhe informou que no dia seguinte, por volta das duas da tarde, chegaria uma aeronave do tipo “Baby Clipper” procedente dos Estados Unidos, trazendo a bordo o ator de cinema Henry Fonda e ele desembarcaria em Natal.

Realmente aquela notícia era bem mais interessante que a inauguração das obras de saneamento.

Em Natal

Aderbal de França, que assinava sua coluna com o pseudônimo de Danilo, escreveu que foi para o terminal de passageiros da Panair e ficou “com os olhos pregados no horizonte” esperando a aeronave. Essa havia partido de Miami, Flórida, tinha atravessado o Mar do Caribe, parou em Belém do Pará para pernoite e seguiu sem escalas para Natal. Essa ideia de pernoite era porque o bimotor “Baby Clipper” nem chegava a 300km/h de velocidade máxima.

Enfim, a aeronave anfíbia prateada surgiu no horizonte. Sobrevoou os sítios e fazendas onde atualmente existem os bairros da Zona Norte de Natal e passou sobre a ponte metálica de Igapó, que ainda estava completa. Fez uma volta sobre as poucas residências na região das Quintas, depois sobre o proletário bairro do Alecrim, e começou a diminuir de altitude. Voou sobre a igreja de São Pedro, o velho Cemitério do Alecrim, e logo amerissou no calmo Rio Potengi. De forma lenta e tranquila, o piloto se dirigiu até o flutuante da Panair, onde os hidroaviões dessa empresa atracavam.

Em 1939 Natal recebia uma média de três voos semanais de empresas aéreas alemãs, italianas, francesas e norte-americanas, que utilizavam ou o campo de pouso em Parnamirim, ou as águas do Potengi, mas mesmo esse terminal da Panair estando às margens do rio ele era chamado de “aeroporto”. E lá já se concentrava um certo número de fãs para olhar o astro de Hollywood e tentar conseguir um autógrafo.

Fonda desceu da aeronave por último, acompanhado de sua segunda esposa, a loiríssima Frances Ford Seymour, uma socialite canadense, oriunda de uma família de classe média alta e mãe do casal Jane e Peter Fonda, futuros astros de Hollywood. Eles caminharam com calma e tranquilos pela passarela de acesso ao terminal de passageiros e pareciam cansados. Fonda acendeu um cigarro para sua esposa, comentou alguma coisa sobre a paisagem e o fotógrafo João Alves de Melo começou a clicar o casal.

Após algum tempo, Aderbal começou um diálogo com Fonda e sua esposa, sendo traduzido por Franklin Willian Knabb, de 18 anos, um natalense filho de um casal de americanos que há anos viviam na cidade. Ao jornalista de “A República”, o casal comentou que a viagem estava sendo “Magnífica”, principalmente naquele sábado, onde tudo seguia corretamente. Disseram que “Gostaram imensamente desse aeroporto”, com seu calmo rio e a pequena cidade de casinhas claras.

Houve um momento de descontração quando Aderbal informou que no Cinema Royal, na Cidade Alta, estava reprisando naquele dia o filme “Idílio Cigano”, que Fonda havia rodado na Inglaterra no final de 1936 e atuou com a atriz francesa Annabella. Vale ressaltar que naquele mês de maio de 1939, acabava de estrear no Brasil o faroeste “Jesse James”, que demoraria um tempo para chegar nos cinemas da capital potiguar. Nesse filme Henry Fonda contracenou ao lado de Tyrone Power, que anos depois também passaria por Natal.

Apesar de Aderbal de França não comentar em sua coluna, os fãs e jornalistas de Belém, Recife e Rio de Janeiro se impressionaram com a altura do ator, o fato dele estar com cabelos considerados grandes, desalinhados e a barba por fazer. O que eles não sabiam era que Fonda estava se preparando para seu próximo filme – “O Jovem Abraham Lincoln” – e até penteava o cabelo da mesma maneira como fazia o antigo presidente dos Estados Unidos.

Foto da época que Henry Fonda veio ao Brasil.

Todos observaram a forma displicente do ator hollywoodiano se vestir. Numa época onde as roupas masculinas eram basicamente monocromáticas, ele andava “com excesso de cores”. Ao ponto de um jornal do Rio de Janeiro comentar que ele desembarcou no Brasil “Colorido e descabelado, com paletó cor de palha, gravata cinzenta, calça marrom, mulher loira…”

Ao final, Aderbal de França perguntou a Frances Seymour se ela era também atriz em Hollywood. Espontaneamente e com um sorriso no rosto de satisfação, ela respondeu:

– Apenas Mrs. Fonda.

Grandes Mudanças

O casal Fonda pernoitou naquele mesmo dia em Recife e logo pela manhã seguiu para o Rio de Janeiro.

Na então Capital Federal, o ator Henry Fonda chamou atenção pelo jeito sincero, desleixado e tranquilo. Nem parecia os outros artistas de Hollywood que haviam passado pela cidade e deixado uma péssima recordação com suas afetações e chiliques.

Foto autografada de Henry Fonda, entregue para uma sortuda fã no Rio de Janeiro.

Passeou pela cidade, deu autógrafos, falou no programa radiofônico “A Voz do Brasil” em cadeia nacional e até arriscou enviar uma mensagem aos ouvintes em português. Depois passou alguns dias na bela e então pouco habitada Ilha de Paquetá, na Baía da Guanabara, a convite do empresário Darke Bhering de Oliveira Mattos, e depois partiu para Buenos Aires.

A história de Henry

Nascido em 16 de maio de 1905, na pequena cidade de Grand Island, estado norte-americano de Nebraska, Henry Fonda era filho do impressor William Brace Fonda e Henryne Jaynes. Os biógrafos apontam que a sua família era muito unida e que o apoiou muito durante sua vida.

Na escola, Henry se mostrou um menino tímido, reservado, que tendia a evitar as meninas, exceto suas irmãs. Mas era tido como um bom patinador, nadador e corredor. Tempos depois, o jovem passou a trabalhar meio período na gráfica de seu pai e desde cedo manifestou o interesse em ser jornalista. Anos depois conseguiu até frequentar o curso de jornalismo na Universidade de Minnesota, mas por razões financeiras desistiu. Em 1925, conseguiu um emprego temporário em um teatro comunitário chamado “Omaha Community Playhouse”.

Henry Fonda, um dos maiores astros da História de Hollywood – Fonte – Wikipédia.

Trabalhava como assistente de direção e pintor de palco, mas Dorothy Brando, diretora do teatro e mãe do futuro ator Marlon Brando, reconheceu imediatamente o seu talento e trouxe Henry Fonda para o palco. O jovem percebeu a beleza de atuar nessa profissão e pelos três anos seguintes desempenhou pequenos papéis e tudo mudou em sua vida. Em 1928, Fonda decidiu ir para o leste dos Estados Unidos em busca de fortuna. 

Acabou em Nova York, onde conseguiu seus primeiros papéis na Broadway e dividiu um quarto barato com seu colega James Stewart, onde formaram uma amizade para toda a vida. Henry se juntou aos “University Players”, um grupo de jovens atores que incluía Margaret Sullivan, sua primeira esposa de um casamento de curta duração.

Durante os anos na Broadway ele se manteve à tona com pequenos papéis e como cenógrafo, antes de ser descoberto e conseguir em 1935 a sua primeira chance em Hollywood. Foi protagonista de uma comédia romântica intitulada no Brasil de “Amor Singelo”, uma adaptação cinematográfica da 20th Century Fox para a peça de teatro “The Farmer Takes a Wife”, onde atuou ao lado da atriz Janet Gaynor. 

Fonda impressionou imediatamente a crítica e o público. De repente estava convivendo com as grandes estrelas de Hollywood, atuando com diretores renomados, ganhando cerca de 12.000 dólares por mês e nos anos seguintes seria guindado ao patamar de estrela global. 

Nenhum outro ator personificava o tipo de americano honesto, tão direto e carismático quanto Henry Fonda. Isso se devia ao seu físico especial: 1,85 m de altura e olhos azuis. Mas havia também o andar ligeiramente cambaleante e o leve cansaço. Parece que, mesmo no início dos seus filmes, seus personagens estão exaustos pelas justas lutas que os aguardam.

Henry Fonda interpretando o pistoleiro Frank James, no filme “Jesse James”, de 1939

Da sua estreia até os primeiros meses de 1939, Henry Fonda protagonizou dezoito filmes, entre eles “Eu Sonho Demais” (1935), onde fez par romântico com Carole Lombard. Esteve no faroeste “A Trilha do Pinheiro Solitário” (1936), trabalhando com o ator Fredy MacMurray. Depois veio “Você Só Vive Uma Vez” (1937), cuja direção ficou a cargo do alemão Fritz Lang. Houve também o clássico “Jezebel” (1938), onde contracenou ao lado da grande atriz Bette Davis. Fonda considerou esse filme um dos mais importantes que até então ele tinha realizado e Davis a sua companheira de atuação mais profissional e preparada.

Em 1940, Henry Fonda conseguiu o papel no filme “As Vinhas da Ira”, de John Ford, sendo considerado por muitos como seu melhor papel, que fez dele um dos grandes atores de sua geração e lhe rendeu uma indicação ao Oscar. Mas logo a Segunda Guerra Mundial fez tudo mudar.

Fonda se alistou aos 37 anos na Marinha dos Estados Unidos e entre 1942 e 45 interrompeu sua proeminente carreira como ator de cinema para servir ao seu país. Inicialmente esteve a bordo do destróier USS Satterlee como um simples marujo intendente de 3ª classe, cuidando do estoque de materiais do navio.

Tenente Henry Fonda– Foto US Navy.

Mais tarde foi comissionado como tenente na Inteligência de Combate Aéreo no Pacífico Central, a bordo do navio de apoio de hidroaviões USS Curttis, na área do Atol de Kwajalein. As funções de Fonda centravam-se nas operações aéreas, especificamente na interpretação e avaliação de grande quantidade de material fotográfico e outros materiais de inteligência necessários para levar adiante a invasão do Arquipélago das Marianas e mais tarde da Ilha de Iwo Jima.

Em dezembro de 1944, o USS Curttis estava na Ilha de Saipan, quando a rádio japonesa transmitiu abertamente que sabia onde estava o navio, que o ator de cinema Henry Fonda estava a bordo e que a Marinha Japonesa iria afundá-lo. Por essa razão a nave foi retirada da área.

USS Curttis – Foto – US Navy

Por seu trabalho, Fonda recebeu a Medalha Estrela de Bronze e a Menção de Unidade Presidencial da Marinha.

Oscar no Último Filme

Com sua aura de compostura e incorruptibilidade, ele também interpretou advogados, senadores, governadores – e um total de cinco personagens presidenciais. Fonda também realizou quase vinte faroestes e foi em um filme com essa temática que sua personalidade na tela foi quebrada pela primeira vez.

Os filmes de faroeste produzidos nos Estados Unidos já haviam ultrapassado o seu apogeu na década de 1960, quando a Europa foi inundada pelos chamados “Westerns Spaghetti”, a maioria produzidos por italianos, a baixo custo e quase todos rodados na ensolarada região de Almeria, sul da Espanha. Apenas alguns se destacaram na produção em massa e “Era Uma Vez no Oeste” se tornou um clássico do gênero. A questão é que nesse filme Fonda interpreta um frio assassino e ele lembraria mais tarde – “Na minha primeira cena eu e meus comparsas assassinamos toda uma família de fazendeiros a sangue frio, mas a câmara só mostrou meu rosto e meus olhos azuis de bebê depois do massacre. O diretor Sergio Leone queria que as pessoas dissessem: Meu Deus, esse é Henry Fonda!”

Henry Fonda na película de Sergio Leone “Era Uma Vez no Oeste”.

O único prêmio Oscar que recebeu por atuação em toda a sua longa carreira foi pelo seu último filme – “Num Lago Dourado”. Lançado no final de 1981, ele atuou ao lado de Katharine Hepburn e de sua filha Jane Fonda, sendo um sucesso. O filme recebeu outros dois Oscars, sendo um para Hepburn como melhor atriz e outro para melhor roteiro adaptado.

Enfermo e com insuficiência cardíaca, Henry Fonda não pôde receber a honraria mais que merecida e poucos meses depois, em 12 de agosto de 1982, faleceu aos 77 anos, em um hospital de Los Angeles.

A HISTÓRIA DO BRASIL PELA ARTE DE DEBRET

Detalhes do cotidiano brasileiro situados nas primeiras décadas do Século XIX teriam sido varridos pelo tempo não fosse o trabalho paciente do pintor, desenhista e gravador Jean-Baptiste Debret, um francês que integrou a missão de artistas do seu país no Brasil, que viveu em um estado de paixão por nossa terra, nossa gente e nossa história.

A Caminho do Brasil

Debret nasceu em Paris no dia 18 de abril de 1768, foi aluno da Ecole des Beaux-Arts e teve uma forte formação clássica. Primo de Jacques-Louis David, ele era especialista em pintura histórica e recebeu o Prix de Rome em 1791, além de encomendas de retratos e pinturas históricas de reis e nobres. Em 1798 passou a colaborar na decoração de edifícios públicos e residências particulares. Nesse mesmo ano expôs a tela Aristodemo liberto por uma moça, que recebeu Segundo Prêmio de pintura e lhe valeu muitos elogios. 

Rodolfo Amoedo – Retrato do pintor Jean Baptiste Debret.

Participou do Salão de Paris até 1814, mas a queda de Napoleão no ano seguinte, que lhe tirou o principal pilar que lhe sustentava – financeira e ideologicamente – na França, somado à morte de seu único filho, levaram Debret a paralisar suas atividades.

Em 1816, Debret recebeu duas propostas de retornar à vida artística. Uma delas veio da fria Rússia, diretamente do czar Alexandre I, que desejava levar um pintor e um arquiteto franceses para São Petersburgo. Foram respectivamente escolhidos Debret e Grandjean de Montigny. A outra proposta foi feita por Joachim Lebreton e tinha como destino o desconhecido e exótico Brasil. Debret declinou do frio russo e escolheu vir para a grande colônia portuguesa dos trópicos. 

Jean Baptiste DebretPartida de Carlota Joaquina do Brasil.

Quando a Corte portuguesa se mudou para o Rio de Janeiro em 1808, a expressão artística brasileira era essencialmente voltada para o domínio religioso e ainda se vivia sob o regime das corporações de artesãos.

Dom João então tinha o desejo de estabelecer uma Escola de Belas Artes na antiga colônia, agora elevada à categoria de reino, a par de Portugal e dos Algarves. Mas seu sonho só começou a tomar forma quando foi restabelecida a estabilidade política na Europa, após os sangrentos conflitos napoleônicos.

Jean Baptiste DebretFuncionário Público Saindo casa com a família e seus escravos.

O Conde de la Barca, solicitou em nome do príncipe regente Dom João VI que o Marquês de Marialva, seu representante em Paris, conseguisse reunir artistas franceses para vir ao Brasil. É importante lembrar que Portugal não tinha tais instituições na Europa, mas a presença desses artistas no Brasil permitiria ajudar a desenvolver uma cultura visual impregnada da tradição clássica europeia, com repertórios iconográficos imperiais, em pleno coração dos trópicos.

Jean Baptiste DebretAlimentos levado aos prisioneiros.

Na França, com a ajuda de Joachim Lebreton, secretário da Academia de Belas Artes daquele país, recentemente demitido por questões políticas, foi possível reunir em um mesmo grupo o pintor acadêmico Nicolas-Antoine Taunay, seu irmão escultor Auguste, o pintor Jean Baptiste Debret, o arquiteto Auguste-Henri-Victor Grandjean de Montigny, o gravador Charles Simon Pradier, acompanhado por engenheiros, técnicos e artesãos, entre eles Pierre Dillon, futuro braço direito de Lebreton para a futura Escola de Belas Artes, François Ovide (artes mecânicas), Charles Levavasseur, assistentes Louis Meunier e François Bonrepos.

Jean Baptiste DebretNegros serradores.

Tendo viajado por conta própria, ao que parece ajudado pelo comerciante carioca Fernando Carneiro Leão, o grupo de artistas desembarcou no Rio em 26 de março de 1816. Em 12 de agosto, foram assinados os contratos oficiais de pensão e a criação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, ao qual se juntarão também alguns recém-chegados, como o músico Sigismund Neukomm, e os escultores Marc e Zéphyrin Ferrez.

Esses artistas, em meio a muitas intrigas da Corte, conseguiram definir aos poucos os contornos de um projeto de criação de uma Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. 

Jean Baptiste Debret – Os refrescos da tarde no largo do palácio.

Se o prédio da Academia foi erguido em 1822 (projetada por Grandjean de Montigny), sua inauguração só ocorreu em 1826, dez anos após a chegada do grupo. Naquela época, Jean-Baptiste Debret ocupou a cátedra de pintura histórica e o cargo de diretor da instituição de 1828 a 1831.

Muitos acreditam que para o desenvolvimento do ensino muito contribuiu o esforço corajoso e sistemático de Debret, trabalhando e organizando exposições de obras dos alunos, reclamando local para as aulas e exigindo condições regulamentares adequadas.

No final das contas, aquele centro de desenvolvimento artístico ficou com o nome de Academia Imperial de Belas Artes, título claramente distinto do projeto da escola de artes e ofícios inicialmente previstos

Cena de Carnaval

Jean Baptiste Debret – Aclamação de Dom João VI no Rio de Janeiro.

No Rio, Debret foi um dos artistas encarregados da ornamentação da cidade para os festejos da aclamação de Dom João VI, onde elaborou imagens e símbolos destinados a atestar a legitimidade da monarquia e afirmar politicamente a nação. Também se dedicou à pintura de cenas urbanas do Rio de Janeiro. 

O artista produziu uma grande série de imagens que tratam do cotidiano da capital. Relações de poder, trabalho, presença essencial de escravos africanos e comunidades indígenas são alguns dos grandes conjuntos de ilustrações que ele faz.

Jean Baptiste DebretCortejo de batismo da da Princesa Real Dona Maria da Glória.

Esses pequenos formatos que mal ultrapassavam os trinta centímetros de largura eram, para ele, a oportunidade de aplicar as técnicas do desenho e da aquarela para conseguir transpor em forma de histórias o cotidiano desta parte dos trópicos.

Cronologicamente, coube a Debret a primeira fixação gráfica do antigo entrudo, o nosso atual carnaval.

Jean Baptiste Debret – Cena de Carnaval.

É bem conhecida a sua Cena de Carnaval, que reproduz um episódio de rua, à porta de uma venda, instalada como de costume numa esquina. Uma negra sacrifica tudo ao equilíbrio de seu cesto, já repleto de provisões para seus senhores, enquanto um moleque, de seringa de lata na mão, joga contra ela um jato de água, que a inunda. Sentada à porta da venda, uma negra mais velha, vendedora de limões e polvilho, já lambuzada, com seu tabuleiro nos joelhos, segura o dinheiro que recebeu adiantadamente pela venda dos limões, que estão sendo escolhidos por um campeão entusiasta das lutas em perspectivas, um negrinho, tatuado voluntariamente com barro amarelo. Perto deste e da porta pequena da venda, outro negro, orgulhoso da linha vermelha que exibe traçada na testa, adquire um pacote de polvilho e um pequeno vendedor de nove a dez anos; uma negra, à esquerda, dispõe-se a arremessar um limão contra quem lhe recobriu a face e parte do olho com um punhado de polvilho; ao lado da porta, outro negro, grotescamente tatuado, está de tocaia. O vendedor, tendo retirado precipitadamente todos os comestíveis que de costume expunha à sua porta, deixou apenas garrafas cobertas de palha trançada, abanadores e vassouras. No fundo do quadro, é possível visualizar famílias tomadas da loucura do momento, uma vendedora de limões, negros lutando, e um pacífico cidadão, escondido atrás de seu guarda-chuva aberto, a circular entre restos de limões-de-cheiro. Só o toque da Ave-Maria imporia uma trégua a tão violenta brincadeira, e a paz só se implantaria com a presença de policiais de ronda.

Jean Baptiste DebretExploração de uma pedrira de granito.

A Viagem pitoresca e histórica ao Brasil

Debret também viajou pelo país. Em 1825 vamos encontrá-lo em Pelotas, Rio Grande do Sul, grande centro produtor de carne de charque e onde viviam milhares de escravos negros vindos da África. Presenciou e deixou registrado o trabalho e os castigos sofridos por homens e animais. Em uma de suas aquarelas mostrou como um cavaleiro desjarretava o boi, ou seja, seccionou o tendão do animal com a alabarda, uma lança com a lâmina em forma de meia-lua na ponta. Quando a rês ia caindo, aparecia um escravo de faca em punho e lhe perfura a jugular.

Jean Baptiste DebretCharqueada em Pelotas, Rio Grande do Sul.

No Rio, Debret inclui quatro aspectos do Palácio de São Cristóvão, numa análise de sua transformação de simples casa de campo em mansão imperial. Segundo seu depoimento, o Príncipe Regente e sua filha mais velha, Maria Teresa, preferiam aí residir, incumbindo-se um arquiteto inglês de construir novos aposentos destinados ao futuro Rei.

Jean Baptiste DebretPalácio de São Cristovão.

Entre os melhoramentos, projeta a edificação de quatro grandes pavilhões, em estilo gótico, um em cada canto do prédio. Na época da sua chegada ao Rio de Janeiro, afirma Debret que já encontrara concluído o primeiro pavilhão, com o profissional britânico de partida, interrompendo desta forma seu plano de trabalhos para a Casa Real.

Na década seguinte, em 1829, realizou a primeira exposição de arte do país com trabalhos de professores e alunos da Academia Imperial de Belas Artes.

Jean Baptiste Debret – Loja de Sapateiro.

Em 1831, depois de organizar mais uma exposição, voltou a Paris, onde publicou, em três volumes, uma edição limitada a 200 exemplares de Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Nesta edição foram publicadas 153 de suas aquarelas e as transformou em litografias, cuidando da operação técnica. Foram apresentadas reproduções de personalidades, paisagens, cenas populares e históricas presenciadas por ele naqueles quinze anos.

Aquelas eram imagens de um Brasil em plena expansão e em adequação com a presença da corte portuguesa, e as relacionadas com um imaginário revelador de um território selvagem e virgem. Jean-Baptiste Debret também foi responsável pela análise textual da sociedade brasileira. Não foi uma viagem qualquer, mas uma viagem que, contada pelas suas próprias palavras, assumiu um tom pitoresco e histórico: manteve-se o contraste entre Europa e América, sublinhando particularismos locais dignos de “pintar”.

Jean Baptiste DebretEscravo sofrendo castigo.

Quando deixou o Brasil em 1831, saiu de um país que tinha um império independente do governo português, chefiado por Dom Pedro I, então pronto para retornar a Portugal e abdicar em favor de seu filho, Pedro II. 

Nesses quinze anos, a política brasileira nasceu sob o olhar do pintor, ansioso por observar o desenvolvimento de uma civilização. Em seu livro, Jean-Baptiste Debret tenta dar conta de um processo de “ocidentalização” do Brasil. Como qualquer tentativa, era impossível não sublinhar, ou mesmo demonstrar por imagem, os aspectos que não se enquadravam no modelo de sociedade civilizada, tal como ele a conhecia na França.

Jean Baptiste Debret – Desembargadores Chegando ao Palácio da Justiça.

Em 1837 o governo brasileiro lhe concedeu uma pensão em reconhecimento dos serviços prestados. Morreu em Paris em 28 de junho de 1848.

Legado

Se ainda há discussões hoje no Brasil contestando o status de “missão” para esse grupo de artistas franceses, ou lamentando a orientação neoclássica que deram à arte oficial da fase imperial, não há como negar que sua permanência acabará impondo sua marca em vários aspectos.

Jean Baptiste DebretOficial da Corte chegando ao palácio.

Além disso, muitos desses artistas e artesãos acabaram se estabelecendo no Brasil ou deixaram descendentes ou discípulos por aqui.

É o caso da família Taunay, cujo Adrien, depois de se juntar à equipe comandada por Louis de Freycinet como desenhista, morrerá nas águas do Guaporé durante a expedição de Langsdorff em 1828. Seu irmão Félix Émile seria tutor do futuro Dom Pedro II, antes de ser nomeado diretor da Academia Brasileira de 1843 a 1851. Seu filho era Alfredo d’Escragnolle Taunay – que participou da campanha militar contra o Paraguai e ficou famoso como escritor: A Retirada da Laguna (1871), Inocência (1872).

Jean Baptiste DebretVendedor de tabaco.

Para o neto Afonso d’Escragnolle Taunay caberá a função de biógrafo de seu bisavô e historiador da missão dos artistas franceses. Já Marc Ferrez, filho de Zéphyrin, se destaca como fotógrafo, arte pela qual o imperador demonstrou grande interesse. Finalmente, o grande discípulo de Debret, Manuel de Araújo Porto Alegre, assumiu as rédeas da Academia de 1854 a 1857 e forneceu, em sintonia com seus mestres, uma ampla e decisiva contribuição para a vida cultural brasileira desse período.

O FLAGELO E A BATALHA CONTRA O AEDES AEGYPTI – UM OLHAR ESTRANGEIRO

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Os trabalhadores da saúde em um bairro de Recife – Foto – Tomás Munita

O fotógrafo chileno Tomás Munita, trabalhando para a National Geographic, capturou a luta diária contra os mosquitos Aedes aegypti em Recife.

Baseado no texto produzido por – Becky Little

Fotografias de Tomás Munita

Fontes – http://news.nationalgeographic.com/2016/02/160225-zika-virus-brazil-mosquitoes-microcephaly-pictures/

http://proof.nationalgeographic.com/2016/03/04/how-to-photograph-an-invisible-subject/

Como fotografar o invisível?

Como você pode fotografar o que não pode ver?

Esse foi o obstáculo que o fotógrafo chileno Tomás Munita encarou ao seguir para as favelas do Recife, Brasil, para buscar fotografar a história do vírus Zika.

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João Batista conforta a filha, Alice, que tem microcefalia, em sua casa no Jordão Baixo, Recife. Alice tem um mínimo de quatro ataques epilépticos por dia, além de danos ao seu sistema nervoso, que tem causado rigidez nos braços e cabeça. Ela toma 28 medicamentos diferentes e sem nenhuma ajuda por parte do governo – Foto – Tomás Munita

O mosquito Aedes aegypti, principal vetor para a proliferação do Zika, vírus suspeito de causar microcefalia em crianças nascidas de mães infectadas, que também carrega os vírus da dengue e chikungunya, não foi fotografado.

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As crianças brincam no Coelho, Recife. Bairros pobres como este, com lixo em vários locais, são terreno fértil para a proliferação dos mosquitos Aedes aegypti – Foto – Tomás Munita

Ao contrário de outras histórias que Munita clicou, o personagem principal ficou escondido em poças de água e qualquer tipo de objeto que acumule água. Muitos destes objetos são ignorados nas ruas.

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Todos os oito membros da família de Regina Kelly Siqueira tiveram dengue e chikungunya, e podem ter tido Zika também. Ela e seus seis filhos vivem em um bairro pobre chamado Coelho, em Recife – Foto – Tomás Munita

Munita, no entanto, descobriu que a ira ao inseto era visível nas pessoas que ele conheceu e cujas vidas foram viradas de cabeça para baixo pelo Zika.

Suas fotografias buscam contar a história dessas pessoas, sua ambivalência, sua luta e, em última análise, sua perseverança.

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Soldados do Exército Brasileiro alinham-se no início da manhã antes de ir de porta em porta entregando folhetos com conselhos para combater mosquitos – Foto – Tomás Munita

Mas para Munita “É quase impossível de controlar a epidemia do mosquito Aedes aegypti”.

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Oito membros da família desta menina tiveram chikungunya e dengue, doenças nascidas a partir do mesmo mosquito que transmite o vírus Zika – Fonte – Tomás Munita

Como você pode parar dos mosquitos portadores de doenças de se multiplicarem? Essa é a pergunta que assola o governo brasileiro, que enviou contingentes de soldados do exército de porta em porta, em uma missão contra o vírus Zika.

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Soldados conversam com uma mulher no bairro Alto José Bonifácio, em Recife, sobre como conter a reprodução do mosquito Aedes aegypti. Durante o dia os soldados entregam às pessoas folhetos, inspecionam quintais e aplicado larvicidas em recipientes com água. Foto – Tomás Munita

“Eles estão dando folhetos, dizendo que você tem que manter seu quintal limpo de lixo”, diz o fotógrafo Munita, que documentou estas ações em Recife, a capital do estado nordestino de Pernambuco, cidade com uma população em torno de 3,7 milhões de pessoas.

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Um trabalhador de saúde em uma favela na cidade de Recife, Brasil. Fumigação é um dos esforços do governo para evitar a propagação de Zika. Foto – Tomás Munita

O flagelo mosquito vai muito além desses bairros apertados. O Aedes aegypti tem sido incrivelmente difícil de ser erradicado desde que chegou à América Latina através do tráfico de escravos da África.

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Soldados do Exército Brasileiro inspecionam uma casa no bairro Alto José Bonifácio, em Recife, como parte de sua campanha para parar a propagação do vírus Zika – Foto – Tomás Munita

Muitos países da região desenvolveram enormes programas de erradicação na década de 1950, com algum sucesso em vários locais, apenas para ver a praga ressurgir na década de 1970 e 80.

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Um trabalhador de saúde fumegando em um bairro de Recife. Munita diz que as pessoas são muitas vezes surpreendidas ao ver fumigadores em suas ruas. Alguns fecham suas portas contra o spray, enquanto outros fazem o contrário para ajudar a matar os mosquitos em suas casas. – Foto – Tomás Munita

Marcelo Castro, ministro da saúde no país, tem sido citado como tendo dito que o Brasil está “perdendo a batalha” contra os mosquitos. Agora, o governo está tentando interromper quimicamente a reprodução do mosquito por fumigação de ruas e colocando larvicidas em tanques de água. Mas segundo relata a agência de notícias Reuters, logo o país vai tentar algo muito mais extremo: a criação de mosquitos machos em cativeiro, esterilizando-os com raios gama.

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Um bebê de quatro meses de idade, nascido com microcefalia é fotografado em sua casa no bairro de Ibura, Recife – Foto – Tomás Munita

Mas em favelas do Brasil, ou bairros pobres, Munita comentou que é difícil imaginar que a campanha de informação do governo, ou qualquer outra, poderá ter muito efeito sem outras ações por parte das autoridades.

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Uma fisioterapeuta trabalha com crianças com microcefalia que vieram com suas mães para um hospital infantil em Recife – Foto – Tomás Munita

“É quase impossível controlar algo assim nesse tipo de lugar”, diz ele. Muitas casas nas favelas são barracos de papelão e chapas de metal descartado. Além disso, estas áreas possuem limitado acesso à água potável e coleta de lixo. O resultado é a existência de muitos locais que podem armazenar água, criando um terreno fértil para a proliferação dos mosquitos.

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Um soldado distribui panfletos em uma comunidade – Foto – Tomás Munita

Enquanto isso, aqueles que vivem nas camadas mais pobres da Recife devem decidir se vale a pena gastar o seu tempo para seguir os conselhos do governo sobre como prevenir a propagação de mosquitos. Muitos sentem que isso é apenas um fato da vida.

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Bairro do Coque – Foto – Tomás Munita

“O mosquito está em toda parte”, diz Munita. “Realmente, não há muito que podem fazer além de manter sua própria casa limpa. Mas se a do seu vizinho não é limpa, em seguida, toda a vizinhança terá mosquitos e novos casos da doença”.

ADENDO DO TOK DE HISTÓRIA – E JÁ FAZ MUITO TEMPO QUE LUTAMOS CONTRA MOSQUITOS….

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REVISTA O MALHO, RIO DE JANEIRO, 17 DE JUNHO DE 1911

 

ENTRE O CLIQUE E A MORTE – ROBERT CAPA, O FOTÓGRAFO QUE ODIAVA A GUERRA

Robert Capa
Robert Capa

Testemunha dos principais conflitos bélicos do século XX, o fotojornalista Robert Capa ajudou a construir o imaginário visual de guerra contemporâneo.

Autora – Eliza Casadei

“A guerra era como uma atriz que envelhece”, definiu o fotojornalista Robert Capa (1913-1954), em um texto publicado na revista Life, em 1944. Para ele, que morreu aos 41 anos cobrindo um conflito bélico, a guerra era “cada vez menos fotogênica e cada vez mais perigosa”. Conhecido por suas fotografias brilhantes e pelo estilo de vida pouco usual, o fotógrafo foi responsável por grande parte do imaginário visual da guerra que temos atualmente.

Testemunha dos principais conflitos do século XX, Capa não era reconhecido pela beleza das composições em suas fotografias, mas sim, por colocar a sua própria vida em risco com o objetivo de estar o mais próximo possível dos acontecimentos.

Capa fotografou o desembarque nas praias francesas da Normandia, no dia 6 de junho de 1944
Capa fotografou o desembarque nas praias francesas da Normandia, no dia 6 de junho de 1944

Entre as suas coberturas fotográficas estão a Guerra Civil Espanhola, a Segunda Guerra Mundial (cujas imagens da batalha da praia de Omaha serviram de base para a reconstrução do filme O resgate do soldado Ryan), a Guerra Sino-Japonesa e a Guerra da Indochina, seu último e fatal conflito.

Sobre seu trabalho na praia de Omaha, Capa escreveu certa vez que “eu diria que o correspondente de guerra consegue mais drinques, mais garotas, um salário melhor e mais liberdade para escolher onde ficar e poder ser um covarde.

Outra imagem de Capa durante o "Dia D"
Outra imagem de Capa durante o “Dia D”

 

O correspondente de guerra tem as suas apostas – sua vida – nas próprias mãos e pode preferir esse ou aquele cavalo, ou então resolver ficar na sua no último minuto”. Mesmo assim, “eu sou um jogador. E decidi partir com a primeira leva”. Por essa postura, Capa acabou transformando-se na personificação do fotojornalismo, em imagens que misturam a crueza da violência com o fascínio que sentimos por ela.

Robert Capa, contudo, não nasceu como Robert Capa: o seu nome de batismo era Endre Friedmann. O nome artístico surge apenas depois de ele trocar a sua cidade natal, Budapeste, por Paris e, após vários meses de dificuldade financeira, decidir que um nome norte-americano o faria conseguir um pagamento melhor por suas fotografias.

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O início da carreira como fotógrafo freelancer não havia sido muito gentil com Capa e conta-se que, em 1934, aos 21 anos, era comum encontrá-lo em casas de penhores do Quartier Latin, onde ele negociava a sua preciosa Leica em troca de alguns trocados. De acordo com um de seus biógrafos, o jornalista Alex Kershaw, a câmera passava três semanas penhorada para cada semana que ficava nas mãos de Friedmann.

Foi justamente a dificuldade em conseguir trabalho que fez com que Capa mudasse de nome. Em uma de suas entrevistas, para a rede radiofônica WNBC, em 1947, o fotojornalista dizia que Capa nasceu como um fotógrafo inventado, imaginado como “um famoso fotógrafo americano que veio para a Europa e não queria se aborrecer os editores franceses por não pagarem o suficiente”. E assim, “simplesmente fui chegando com a minha pequena Leica, tirei algumas fotos e escrevi em cima Bob Capa, conseguindo vendê-las pelo dobro do preço”.

No instante da morte

Embora isso o tenha ajudado a conseguir um pouco de dinheiro, a fama chega para Capa junto com a Guerra Civil Espanhola e com uma das mais polêmicas fotos da história do jornalismo, O soldado caído.

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A versão oficial de Capa de que a foto retratava um homem no instante de sua morte iminente, no exato momento em que ele era alvejado por um tiro, é contestada por muitos outros que afirmam que a foto não retratava mais do que um homem simplesmente caindo. A fotografia suscitou as mais curiosas teorias da conspiração, desde que se tratava de um treinamento militar (e não de um combate) até a especulação de que a foto nem ao menos teria sido tirada por Capa (e sim por sua namorada Gerda Taro que, muitas vezes antes de tornar-se famosa, publicava suas fotografias com a assinatura de Robert Capa para conseguir um pagamento maior). O próprio Capa contribuiu para as polêmicas em torno da foto, tendo contado diferentes versões do fato em ocasiões diversas.

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Na citada entrevista para a WNBC, ao comentar sobre O soldado caído, Capa chegara a afirmar que “a foto rara nasce da imaginação dos editores e do público que a vê”. Tendo se tornado famoso aos 24 anos, Capa demonstra em seus trabalhos posteriores a excelência de seu estilo fotojornalístico, em que a força da cena representada se encontra na proximidade do momento retratado. A beleza plástica de composição, em Capa, não se apoia nas técnicas da arte, mas na própria crueza dos acontecimentos, mesmo que as fotos pudessem estar ligeiramente fora de foco, como é o título de seu mais famoso livro.

A intensidade do trabalho de Capa se espelhava em sua vida pessoal: apesar de sua fama ter lhe trazido bastante dinheiro, ele era conhecido por perder grandes quantias ao jogar cartas com soldados, artistas e milionários e por beber muito. Dizia-se que ele extremamente atraente e charmoso, tendo namorado atrizes e modelos famosas como Ingrid Bergman (na época, casada com Petter Lindstrom), Hedy Lamarr e Jemmy Hammond.

Capa registrou aqui um soldado de um grupo de reconhecimento, atuando perto de Troina, na Sicília, Itália, em 4 ee agosto de 1943
Capa registrou aqui um soldado de um grupo de reconhecimento, atuando perto de Troina, na Sicília, Itália, em 4 ee agosto de 1943

Ele também foi um dos fundadores da agência Magnum, que mudou a forma como os fotojornalistas se relacionavam com os seus empregadores. Para ele, um fotojornalista que não tivesse controle sobre os seus negativos, estava perdido e, por isso, ele se empenhou em construir um lugar onde as relações de trabalho fossem mais vantajosas para os fotógrafos.

Em um depoimento publicado pela Popular Photograpgy, o escritor americano John Steinbeck disse que “realmente me parece que Capa demonstrou sem sombra de dúvida que a câmera não precisa ser um instrumento mecânico frio. Como a pena, ela tem as qualidades daquele que a usa. Pode ser a extensão da mente e do coração”. Para também fotógrafo Cartier-Bresson, Capa “envergava o traje deslumbrante do toureiro, mas nunca investiu contra o bicho para matar de verdade; grande jogador, ele lutava por si mesmo e pelos outros num turbilhão. Mas o destino tinha decidido que ele fosse abatido no auge da glória”.

Robert Capa, durante a cobertura da Guerra Civil Espanhola, em 1937 – Foto - Gerda Taro / Wikimedia
Robert Capa, durante a cobertura da Guerra Civil Espanhola, em 1937 – Foto – Gerda Taro / Wikimedia

Um de seus biógrafos, Alex Kershaw, conta uma história que talvez resuma a importância de Capa para o fotojornalismo: ao ser perguntada por Eve Arnold sobre o que achava das fotografias de Capa, a editora da revista New Yorker, Janet Flanner, teria respondido que “bem, não acho que sejam muito bem concebidas”. Nisso, a outra respondeu de imediato: “minha cara, a história também não é bem concebida”. 

Eliza Casadei é professora de fotojornalismo da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Fonte – http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/entre-o-clique-e-a-morte

O LIVRO DO FOTÓGRAFO JAECI GALVÃO

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Para aqueles que gostam da história da capital potiguar (e creio que para grande parte da minha geração) certamente a maior referência quando se desejava conhecer como era Natal no passado, sempre foi contemplar o maravilhoso trabalho do fotógrafo Jaeci Galvão.

Não quero dizer que os trabalhos de Bruno Bougard, Manuel Dantas, João Alves de Melo e outros fotógrafos que clicaram a terra potiguar não merecem respeito e consideração. Longe disso. Apenas quero dizer que para mim, foi vendo o trabalho de Jaeci, que sonhei com uma Natal que não existe mais e não conheci.

O trabalho deste homem é de tal forma uma referência, que ao observarmos muitas das fotos antigas que ele realizou, contemplamos com maior nitidez a nossa história.

Agora o trabalho e a vida de Jaeci Galvão está em um maravilhoso livro, realizado pelo seu filho, o igualmente talentoso Fred Galvão.  Intitulado “JAECI, O DIVINO DA FOTOGRAFIA”, a obra possui 278 páginas, com muitas fotos do trabalho de Jaeci Galvão junto a nossa sociedade, fotos históricas da cidade de Natal e instantâneos que mostram toda a vida de um homem que trabalhou buscando o melhor ângulo de uma cidade chamada Natal.

O lançamento de “JAECI, O DIVINO DA FOTOGRAFIA” ocorre nesta quarta feira, dia 21 de agosto de 2013, ás seis da noite, no tradicional Iate Clube de Natal. O valor do livro é de R$ 50,00.

Parabéns ao amigo Fred Galvão por “JAECI, O DIVINO DA FOTOGRAFIA”!