1903 – O FIM DE UM COCO DE ZAMBÊ NA PRAÇA PEDRO VELHO?

Rostand Medeiros – Escritor e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Onde até recentemente estava instalado o Colégio da Imaculada Conceição, na Av. Deodoro da Fonseca, número 540, no atual bairro da Cidade Alta, era o fim das residências da Natal dos primeiros anos do século XX. Uma cidade que contava nesta época com apenas dezesseis mil habitantes.

De onde está localizado o tradicional colégio da elite natalense, em direção ao mar e as dunas mais altas, tudo era mato, área sem maiores atrativos para uma parte da população. Havia algumas picadas que levavam as casa dos pescadores nas Praias do Morcego e de Areia Preta. Esta região era então conhecida como Belo Monte, Belmonte, ou simplesmente Monte.

Área da Praça Pedro Velho-Fonte-Livro 380 anos de história foto-gráfica da cidade de Natal 1599-1979

Câmara Cascudo, no seu livro “História da Cidade de Natal” (1999, pág. 351), informa que nesta época ainda havia gente caçando aos domingos.

Os mais abastados da cidade, buscando outros ares, se dirigiram para esta área, onde construíram suas chácaras para descanso e veraneio. Estas propriedades tinham nomes diferenciados, tais como “Betânia”, “Solidão”, “Senegal”, “Pretória”, “Covadonga”, “Quinta dos Cajuais” e outros.

Um destes proprietários era o ex-governador e líder político Pedro Velho, que denominava a região como Cidade Nova e sonhava com a expansão de Natal nesta direção.

A Cidade Nova

Quem realmente deu o pontapé inicial para o crescimento desta região foi o então Presidente do Conselho de Intendência Municipal, cargo atualmente equivalente ao de prefeito, Joaquim Manoel de Teixeira Moura.

Chamada de uma das muitas resoluções publicadas pela Intendência de Natal nos primeiros anos do século XX

Através da Resolução número 55, publicada no dia 30 de dezembro de 1901, o bairro de Cidade Nova foi criado, ao menos no papel, sendo este o terceiro da cidade. No livro “Nova história de Natal” (2008, pág. 383), do professor Itamar de Souza mostra que nesta resolução, no bairro de Cidade Nova, existiriam quatro avenidas, cortadas por seis ruas e duas praças, sendo uma delas a Praça Pedro Velho.

Área da Praça Pedro Velho-Fonte-Livro 380 anos de história foto-gráfica da cidade de Natal 1599-1979.

Segundo o documento, no seu inciso segundo, havia terrenos que poderiam ser dados em concessão, mas que não podiam passar de trinta metros de frente.

O problema era que na nova área de expansão da elite natalense, que vivia o auge da sua “Belle Epoque”, já existiam moradores. Eram os representantes das camadas sociais mais pobres da cidade. Gente que havia fugido das secas no interior e estavam na “periferia”, nos ”matos do Belo Monte”, talvez para não se misturar com o que Natal tinha de “bom”, seja lá o que fosse.

Para a região eram levados os excluídos de Natal. Pessoas que sofriam de doenças como varíola e só contavam com a ajuda do quase santo Padre João Maria para sobreviver.

Mas a cidade precisava crescer. Cabia a maior autoridade municipal seguir nos planos e os “mocambos”, “casinholas” e “ranchos” teriam de sair.

O Fim de um “Samba”

O jornal “A Republica” da época, órgão oficial do governo estadual, que neste período estava nas mãos de Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão, muito pouco divulgou do drama que ocorreu na região. Mas aqui e acolá é possível perceber que a coisa não foi tão simples.

Naquele longínquo ano, a Praça Pedro Velho era um grande espaço aberto, muito maior do que conhecemos atualmente. Praticamente sem nenhuma estrutura e ainda existiam casas humildes na área destinada ao espaço público.

Na edição de 8 de julho de 1903, uma quarta feira, temos uma notícia sobre um “samba” na Praça Pedro Velho.

Jornal “A Republica”, edição de 8 de julho de 1903

Em uma das casas que, segundo o jornal, era “um casebre em ruínas” e “uma ameaça a segurança e higiene públicas”, se reuniu de “sábado até a manhã do dia 3 de julho”, uma “súcia de vadios”, que promoveram um “samba”, com “gritos infernais”.

Afirma a nota que o problema não era novo e o local era utilizado para “Práticas imorais”.

Se o tal “samba” já vinha perturbando anteriormente, não consegui apurar, mas a nota do dia 8 solicita, em uma linguagem incisiva, que os seus usuários “deveriam respeitar o ato da Intendência Municipal”.

Não consegui apurar o que ocorreu com este local nas páginas do jornal.

Mas Afinal de Contas o que Seria esse Local de “Práticas imorais”?

Uma coisa é certa, o termo “Samba” utilizado pelo jornal, não tinha nenhuma relação com o ritmo musical que tanto sucesso faz no carnaval do Rio de Janeiro. Nessa época esse termo utilizado era, muito comum nas páginas deste periódico. Era como normalmente a elite natalense designava um lugar onde pessoas, normalmente pobres e negras, se divertiam na provinciana Natal do início do século XX. O tal “Samba” seria um baile de gente simples, equivalente a uma função, um pagode, arrasta-pé, ou um forrobodó.

Mas cruzando esta nota de 8 de julho de 1903, com os textos contidos no livro “O Ritual Umbandista”, de autoria de Renato Sérgio Santiago de Melo e publicado em 1973, encontramos uma interessante informação.

Na sua página 16, lemos que nas “Campinas do Camboim”, local atualmente situado na região da Rua Professor Fontes Galvão (a mesma que se inicia defronte ao portão principal do Colégio Marista, no bairro do Tirol), morava um preto velho, antigo escravo, nascido na África, conhecido como Paulo Africano.

Segundo Sérgio Santiago, através de informações conseguidas com a neta de Paulo Africano, Alzira de Oliveira, encontrada pelo pesquisador no início da década de 1970 e vivendo no Bairro de Lagoa Seca, seu avô tinha uma casa onde se dançava o mais puro Coco de Zambê.

O nome deste homem era Paulo José de Oliveira, sendo considerado “bem quisto” e “bom pai de família”. O livro afirma que Paulo Africano havia se identificado tanto com o Coco de Zambê, a ponto de fazer desta manifestação cultural “uma espécie de religião”.

Sérgio Santiago informa que seu próprio sogro, Lupicínio Ramos, morador do Bairro da Ribeira, fazia questão de ir com alguns amigos, sempre aos sábados, para assistir o Zambê que acontecia na casa de Mestre Paulo.

Apesar do Coco de Zambê apresentado na casa de Paulo Africano ser tido pela sociedade local como uma festa, era na verdade uma manifestação do sincretismo afro-brasileiro, distorcida pela ação policial que existia.

Para o autor de “O Ritual Umbandista”, o Coco de Zambê era uma dança africana de significação religiosa. Esta tese foi originalmente proposta pelo médico alagoano e antropólogo Arthur Ramos de Araújo Pereira.

Conclusão

Sabendo a localização aproximada da vivenda de Mestre Paulo e tendo o conhecimento que a mesma estava a menos de um quilômetro da região da Praça Pedro Velho, é possível deduzir que o tal “Samba” ameaçado pelo poder público não seria de Paulo Africano?

Se não, então de quem seria?

E o que era tocado neste “casebre em ruínas”, tão depreciado na nota de “A Republica” de 8 de julho de 1903? Seria mais um local de apresentação do tradicional Coco de Zambê?

Coco de Zambê. Na atualidade esta dança praticamente não é mais executada em Natal

O motivo da perseguição do “Samba” da Praça Pedro Velho, era a música ou a religiosidade afro-brasileira?

Não temos as respostas, mas neste artigo vemos como naquela época a necessidade de espaço, exigido pela elite de Natal, fez com que as classes menos providas de recursos fossem “empurradas” de suas áreas tradicionais, sem o devido respeito, nem as suas tradições e manifestações culturais.

Ainda segundo o livro do professor Itamar de Souza, no relatório que Joaquim Manoel Teixeira de Moura apresentou ao Conselho Municipal em 1905, afirmou que “perto de trezentas casinholas e ranchos foram indenizados e removidos do trajeto das ruas do referido bairro”.

Mas as arbitrariedades praticadas contra a população pobre da Cidade Nova foram tantas, que o ferrenho oposicionista do governo da época, o jornalista Elias Souto, rebatizou a região como “Cidade das Lágrimas”.

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