NÃO É FÁCIL SER VERDE – OS CARROS DO BRASIL FUNCIONAM COM “COMBUSTÍVEL VERDE” HÁ UM SÉCULO, MAS ISSO NÃO VEM SEM CUSTOS

Autora – Jennifer Eaglin é professora assistente de história ambiental/sustentabilidade na Ohio State University e autora de Sweet Fuel: A Political and Environmental History of Brazilian Ethanol (Oxford University Press, 2022).

Fonte – https://www.historytoday.com/archive/history-matters/its-not-easy-being-green

Afastar-se dos veículos movidos a gasolina é possível, como o Brasil provou. A história da produção sucroalcooleira do país fornece uma visão inspiradora de como pode existir uma rápida mudança do petróleo e uma história de advertência sobre os custos que a acompanham. O investimento do Brasil em açúcar-etanol transformou um importante produto agrícola nacional em uma opção energética nacional, mas também produziu grandes custos ambientais e sociais que o país ainda luta para enfrentar até hoje.

Anúncio de venda de tratores movidos a álcool no Brasil em 1922.

O etanol, ou álcool etílico, pode ser destilado de qualquer produto agrícola amiláceo, como batata, uva, milho ou cana-de-açúcar, que o Brasil utiliza. A tecnologia para usar o etanol como combustível existe desde a invenção do motor de combustão interna. Os primeiros apoiadores dessa ideia incluíam Henry Ford e Thomas Edison. 

O governo brasileiro começou a financiar pesquisas sobre as possibilidades de uso do etanol em carros desde a década de 1920. Como um país sem grandes reservas de petróleo, o etanol a partir do açúcar apresentou uma oportunidade para criar uma alternativa doméstica e “dar um impulso à nossa indústria açucareira”, como observou o presidente Epitácio Pessoa em 1922. Pesquisadores brasileiros descobriram que o etanol poderia ser misturado com a gasolina em até 25% e não necessitaria ajustar os motores a gasolina existentes. Em 1931, portanto, o governo determinou uma mistura de 5% de etanol no abastecimento nacional de combustível para automóveis. 

Propaganda de 1980 de uma fábrica de tratores, relembrando o início da utilização do álcool combustível no Brasil na década de 1920. de

Ainda assim, não foi até a crise mundial do petróleo de 1973 que o governo deu maior ênfase ao etanol. 

Em 1975, o governo militar criou o Programa Nacional de Etanol (Proálcool), que utilizou incentivos e decisões governamentais para reformar a infraestrutura de combustíveis do país. Além de investimentos pesados ​​na produção de açúcar e destilarias, o programa lançou em 1979 carros movidos a etanol desenvolvidos internamente. Com a ajuda de amplos subsídios, eles rapidamente dominaram o mercado, representando 95% de todos os carros novos vendidos no país em 1985. 

No entanto, a ascensão do etanol trouxe repercussões ambientais e sociais significativas. 

Ao longo de sua primeira década, o Proálcool expandiria a produção de etanol de pouco mais de meio bilhão de litros de etanol por ano em 1975 para três bilhões de litros por ano em 1979 e mais de dez bilhões de litros em 1985. Essa expansão rápida trouxe uma transformação dramática da zona rural. A produção de açúcar foi a causa do desmatamento extensivo no estado produtor de açúcar de São Paulo. A cana-de-açúcar foi empurrada para outras regiões à medida que a produção agroindustrial se expandiu.

Produção e armazenamento de álcool no Brasil em 1980.

A produção de etanol também gerou um subproduto adicional, a vinhaça, que transformou a produção sucroalcooleira em uma das indústrias mais poluidoras do país no final do século 20. Também conhecida como vinhoto, tiborna ou restilo, representa o resíduo pastoso e malcheiroso que sobra após a destilação fracionada do caldo de cana-de-açúcar (garapa) fermentado, para a obtenção do etanol (álcool etílico). Líquido altamente ácido, a vinhaça é produzida na proporção de dez a 16 litros para cada litro de etanol. Os produtores o descartavam em cursos d’água, criando florações de algas que destruíram a flora e a fauna, deterioraram a qualidade da água potável e aumentaram os riscos à saúde pública. 

Fiat 147, apresentado como o primeiro veículo de produção industrial, movido 100 % a álcool no Brasil.

A indignação pública pressionou a regulamentação do governo para reduzir o despejo de vinhaça na década de 1950, mas os produtores muitas vezes não cumpriram porque era mais barato despejá-lo em cursos d’água locais. Problemas contínuos com o despejo de vinhaça prejudicaram a imagem ambiental da indústria sucroalcooleira, mesmo quando especialistas encorajaram o reaproveitamento do subproduto com alto teor de nitrogênio como fertilizante. 

Plantação de cana-de-açúcar no Brasil – Fonte – https://blog.chbagro.com.br/cana-de-acucar-plantio-colheita-e-gestao

Ao mesmo tempo, a expansão da produção açucareira dependia de práticas trabalhistas de exploração que ligavam o açúcar ao passado colonial do Brasil; a cana-de-açúcar havia impulsionado a economia escravista do Brasil colonial por séculos. Nas décadas de 1970 e 1980, o crescimento da indústria exigiu um influxo de centenas de milhares de trabalhadores, em sua maioria temporários, para trabalhar nos campos de açúcar em expansão. Eles trabalhavam em condições notoriamente exploradoras, com salários baixos e muitas vezes morando no que a Federação dos Trabalhadores Agrícolas de São Paulo chamava de “senzalas modernas”. Os trabalhadores tiveram que lutar por direitos trabalhistas básicos, mesmo quando a produção de açúcar se expandiu agressivamente para acomodar motoristas de carros a etanol em grandes centros urbanos em todo o país. 

Caravana que percorreu o país com carros movidos a álcool em 1980

O etanol brasileiro ganhou sua imagem como uma alternativa ‘verde’ ao petróleo nas décadas de 1980 e 1990. Em meados da década de 1980, pesquisas sobre o impacto dos carros movidos a etanol na qualidade do ar nas cidades brasileiras descobriram que, em média, os carros a etanol emitem emissões de carbono significativamente menores do que os carros a gasolina. A partir daí, os benefícios ambientais do etanol foram promovidos. “Com o carro a etanol, você ajuda a despoluir o ar da sua cidade”, dizia um anúncio. O Proálcool também foi apresentado “como um modelo útil para a preservação do meio ambiente” e um “programa único que funcionou”. Enfatizar com sucesso as baixas emissões de carbono do etanol silenciou sua complicada história de poluição e exploração. 

Esse novo enquadramento verde sustentou o apoio doméstico e atraiu o interesse internacional no século XXI. Embora os carros a etanol tenham perdido o mercado brasileiro na década de 1990, o lançamento dos carros flex-fuel, que funcionam com qualquer mistura de etanol e gasolina, revolucionou novamente o mercado automobilístico do país e solidificou o lugar do etanol em sua infraestrutura de combustíveis nos anos 2000. Hoje os carros flex fuel dominam as estradas brasileiras e o país possui uma das mais diversas infraestruturas energéticas do mundo. Os slogans das campanhas governamentais continuam promovendo o “Brasil: País da energia limpa!” e o programa RenovaBio 2017 busca cumprir os compromissos do Brasil sob os Acordos Climáticos de Paris 2012 em grande parte por meio do uso do etanol no setor de transportes. 

O Brasil é hoje o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo. A área cultivada atinge aproximadamente 5,5 milhões de hectares, de acordo com estimativas do Sistema IBGE na Plataforma Digital de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – Fonte – https://blog.buscarrural.com/agricultura/brasil-e-o-maior-produtor-de-cana-de-acucar-do-mundo/

À medida que o mundo busca alternativas ao combustível à base de petróleo, o compromisso contínuo do Brasil com o etanol inspira esperança de que cenários futuros com baixo carbono sejam possíveis. 

A indústria brasileira de etanol representa hoje mais de 15% do consumo anual de energia do país. No entanto, entender os custos históricos que vieram com isso nos lembra que as opções de baixo carbono também trarão seus próprios problemas no futuro.

1964 – A REVOLTA DOS MARINHEIROS E FUZILEIROS NAVAIS E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Marinheiros e fuzileiros navais sublevados no interior do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, sendo cercados por tropas do Exército Brasileiro. Essa manifestação militar foi um dos estopins da Revolução de 1964, que implantou o regime ditatorial no Brasil por vários anos.

A Revolta dos Marinheiros ocorreu entre os dias 25 a 27 de março de 1964, no Rio de Janeiro e foi um conflito entre as altas autoridades da Marinha do Brasil e a Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB).

Momento em que os fuzileiros navais foram enviados para desalojar seus colegas de farda. Mas…

No Brasil, a primeira metade na década de 1960 foi um período de grande mobilização de grupos como “estudantes, sindicalistas, políticos, artistas, camponeses organizados, comunistas e outros. Como parte dessa agitação social e vinculados às demais forças, surgiram movimentos nos membros formadores dos grupos de baixa patente nas Forças Armadas, como sargentos, cabos e soldados. Eles eram tipicamente esquerdistas, com ideologia nacionalista e reformista. Foram organizados em associações de classe, incluindo a Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil,

vários deles aderiram ao movimentro e largaram suas armas!

A AMFNB fez parte dos movimentos dos militares de baixa patente no início da década de 1960, onde também figura a revolta dos sargentos do Exército e da Marinha em 1963, da qual participaram muitos de seus integrantes. Era uma associação de classe para uma categoria pobre, com condições de trabalho difíceis, privada de direitos como o voto e o casamento, e marcada pela extrema diferença social em relação aos oficiais das Forças Armadas, situação que inclusive perdura até hoje!

A AMFNB foi fundada 25 de março de 1962 por marinheiros e fuzileiros navais e em 1964 seu presidente era José Anselmo dos Santos, o conhecido “Cabo Anselmo”.

Plenária dos marinheiros e fuzileiros navais durante o movimento. Ao microfone uma das principais lideranças, o marinheiro José Anselmo dos Santos.

Nesses dois anos essa associação conquistou milhares de membros e uma liderança mais combativa, aproximando-se do presidente João Melchior Marques Goulart, o Jango, e de organizações de esquerda, além de se interessar por questões externas à corporação, como as reformas de base.

A entidade encontrou hostilidade por parte dos oficiais da Marinha sobre a questão da indisciplina militar. Sua politização não foi tolerada, ao contrário das atividades políticas do funcionalismo.

Ocupação da sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro pelos marinheiros e fuzileiros navais.

O aniversário de dois anos da Associação, no dia 25, foi comemorado no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, na Rua Ana Neri, 152, bairro de Benfica. Cerca de dois mil marinheiros estavam no local, quando o então ministro da Marinha, Sílvio Mota, ordenou a prisão dos 40 organizadores do evento, por declaração proferida no dia 20. Em reação, os marinheiros se recusaram a abandonar o local até o cumprimento de uma série de demandas.

O ministro da Marinha, Silvio Mota, decretou prontidão estrita, o que exigia a presença de marinheiros em suas unidades, mas eles desobedeceram e ficaram na sede do Sindicato.

Tropas da Polícia do Exército na hora do almoço, ou rancho, agaurdando o desfecho das negociações.

Essa desobediência não constituiu um movimento armado. No dia 26, o ministro queria invadir o sindicato com fuzileiros navais reforçados por tropas do exército.

Vinte e cinco soldados da tropa enviada pelo ministro para desmobilizar o protesto resolveram depor as armas e aderir ao motim. O comandante dos fuzileiros navais, almirante Cândido Aragão, foi exonerado por sua recusa de realizar o ataque. Vale ressaltar que a esquerda em geral era a favor dos rebeldes, enquanto a oficialidade era contra. Uma segunda operação de retirada dos amotinados, mas foi cancelada.

As mulheres dos amotinados apoiaram intensamente seus companheiros, até porque uma das reivindicações desses militares era a possibilidade dos praças das Forças Armadas contrairem matrimônio.

O presidente João Goulart voltou às pressas de São Borja para o Rio de Janeiro, nomeou Paulo Mário da Cunha Rodrigues como novo ministro no lugar de Sílvio Mota, e assumiu as negociações. Na manhã do dia 27, ele acertou a saída dos amotinados e, à tarde, declarou a anistia dos marujos.

O motim saía vitorioso e as Forças Armadas afrontadas. A ação de Goulart foi duramente criticada pela oposição e visto pelas autoridades como conivente com a quebra da disciplina militar.

Na rua outras tropas bem armadas aguardam o desfecho da situação.

Além disso a revolta dos marinheiros unificou muitos militares contra Goulart, fragilizou o governo e forneceu às lideranças que conspiravam contra Jango o pretexto para sustentarem a denúncia de ilegalidade do presidente. Enquanto isso, o horizonte do golpe ficava perigosamente mais próximo e no final do mês de março os militares derrubaram Jango.

Fim do movimento e a retirada dos marinheiros e fuzileiros em viaturas do Exército.

O episódio da revolta dos marinheiros no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro está relacionado com a Revolta de Chibata de 1910, como se sentiu na época, e foi seguida da punição dos envolvidos. Outras consequências foi que muitos dos punidos participaram da luta armada contra a ditadura militar. Entretanto, a longo prazo, ocorreu o aperfeiçoamento das condições dos praças da Marinha.

Poucos dias depois do fim do movimento dos marinheiros e fuzileiros navais, novamente as viaturas militares deixaram os quartéis para ajudarem na deflagração do Golpe de Estado de 31 de março de 1964.

A revolta é frequentemente acusada de ser obra de agentes provocadores (especialmente o “Cabo Anselmo”) a serviço dos golpistas que derrubaram Goulart, o que tem sido contestado por historiadores.

José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, é ainda hoje o mais conhecido informante a serviço da Marinha e da CIA durante a Ditadura Militar.

Fonte – https://riomemorias.com.br/memoria/revolta-dos-marinheiros/