WHISKY EM NATAL

Quando Essa Bebida Chegou ao Brasil – Chegou Com os Britânicos – As Primeiras Informações do Whisky em Natal – Vendas em Recife – Marcas Vendidas – Famosos e o Whisky

Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Basicamente o whisky é um licor alcoólico destilado de um mosto fermentado de grãos, como cevada, centeio ou milho, geralmente contendo de 43 a 50 % de álcool. Mas independente do que ele é, ou de suas regras de produção, se você bebe whisky, seja muito ou pouco, então você está na companhia de algumas das melhores mentes e personagens do mundo. Gente importante e influente que admirava a bebida, ou desfrutou de um trago ao longo de suas vidas e não tiveram reservas em falar publicamente sobre o assunto.

Mas antes de comentar sobre quando o whisky e Natal interagem, é interessante saber desde quando essa bebida chega ao Brasil…

Chegou No Brasil Com os Britânicos

Basta pesquisar na internet para logo encontrar a informação que foi em 1850 que pela primeira vez alguém bebeu whisky em terras tupiniquins e o felizardo foi ninguém menos que o Imperador Pedro II.

Isso é pura lorota!

Vai ver que quem criou essa afirmação já tinha passado da oitava dose, ou não sabe pesquisar, ou apenas quis dar um ar de “superioridade” a essa bebida, colocando o primeiro copo de whisky nos nobres lábios de Sua Alteza Real.

Provavelmente essa história começa 42 anos antes, mais precisamente na cidade de Salvador, Bahia, no dia 28 de janeiro de 1808.

Em quadro de 1802, de Domingos Sequeira, vemos Dom João de Bragança, futuro Dom João VI – Fonte – https://readtiger.com/wkp/en/John_VI_of_Portugal

Nessa data o príncipe regente de Portugal, Dom João de Bragança, futuro rei Dom João VI, assinou o Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas, que literalmente abriu a grande colônia portuguesa do Brasil para o comércio exterior. Mas a verdade é que esse comércio ficou basicamente restrito aos britânicos e houve uma forte razão para isso. Apenas oito dias antes de assinar esse documento, praticamente toda a corte portuguesa havia desembarcado na capital baiana, fugindo das tropas francesas de Napoleão Bonaparte, que em 19 de novembro do ano anterior haviam invadido Portugal. E foram os britânicos que apoiaram a fuga dos nobres portugueses para sua enorme colônia. Após a entrada dos franceses em território luso, Dom João de Bragança assinou uma convenção secreta com os britãnicos, onde ficou estabelecido que esse país recorreria a ação da Royal Navy, a Marinha Real Britânica, para a Família Real e membros do governo português chegarem sãos e salvos no Brasil. O Reino de Portugal por sua vez “compensaria” largamente os britânicos com a abertura do comércio no Brasil.

E o que tem isso com o whisky?

Como os britânicos estavam com passe livre em terras brasileiras, é difícil de acreditar que já no primeiro dia que eles aqui desembarcaram, não trouxeram seus barris e garrafas de gim, brandy, whisky ou outra bebida qualquer.

Se apenas temos uma ideia de quando se iniciou o consumo de whisky no Brasil, na Hemeroteca da Biblioteca Nacional encontramos um interessante registro do comércio e do consumo dessa bebida.

Na segunda página do exemplar do Jornal do Commércio publicado no Rio de Janeiro, edição de sexta-feira, 21 de agosto de 1835 (15 anos antes de 1850), podemos ler na coluna intitulada “Parte Comercial”, que no dia 17 daquele mês um cidadão estrangeiro chamado “Diego Birckhead”, manifestou oficialmente junto a Alfândega do Rio que a galera norte-americana “Nova Orleans”, registrada no porto de Nova York, trazia várias mercadorias em seus porões, entre estas “145 barris de whisky”.

Mesmo sem termos a ideia do tamanho e de quantos litros caberia nesses barris, evidentemente que ninguém desembarcaria tal quantidade de bebidas em algum lugar que não tivesse quem as consumisse. 

“Minha Esperança”  

Eu não consegui descobrir quando o whisky chegou em Natal. Mas ao menos descobri uma notícia de quem aparentemente foi o primeiro vendedor dessa bebida por aqui, ou pelo menos quem primeiro anunciou sua venda para os papudinhos da capital potiguar.

Antiga Rua 13 de maio, atual Frei Miguelinho – Fonte – Coleção Eduardo Alexandre Garcia

No tradicional bairro da Ribeira existe a Rua Frei Miguelinho, paralela à Rua Chile, sendo uma das mais antigas ruas do mais tradicional bairro de Natal. No ano de 1891 essa rua se chamava 13 de maio, em homenagem a data que a princesa Isabel assinou a lei Áurea que aboliu a escravidão no Brasil, e no número 26 existiu uma loja chamada “Minha Esperança”.

Para os olhos de hoje podemos dizer que esse estabelecimento comercial tem algo que mistura aquelas bodegas do interior que vendem todo tipo de bugigangas, misturado com muitos produtos importados de qualidade e materiais importantes para a realização de uma boa festa – instrumentos musicais e bebidas. 

Para facilitar para você leitor, coloco aqui alguns anúncios da loja “Minha Esperança” e assim vocês poderão conhecer a variedade de produtos que ali eram comercializados em 1891. 

Temos um outro anúncio que é bem específico sobre as bebidas vendidas nesta loja, onde podemos ver que a rapaziada de Natal apreciava produtos de primeira qualidade.

De saída vemos que a “Minha Esperança” tinha garrafas de Fernet Branca. Esse é um aperitivo amargo e aromático, feito com mais de 40 ervas e especiarias, incluindo mirra, ruibarbo, camomila, cardamomo e açafrão, com uma base de álcool de uva. A receita é um segredo e foi criada como um remédio no ano de 1845, na cidade italiana de Milão. A Fernet Branca ainda é produzida em Milão pela empresa Fratelli Branca, que atribuiu a invenção ao farmacêutico Bernardino Branca e ao seu colaborador, um médico sueco chamado Fernet e cujos sobrenomes batizaram a bebida. Ela é geralmente servida como digestivo após uma refeição, mas também pode ser degustada com café, ou puro à temperatura ambiente e ainda com gelo. É muito popular na Argentina, onde eles bebem com Coca-Cola e é uma das bebidas mais apreciadas pelos nossos vizinhos.

Outras bebidas que se encontravam na “Minha Esperança” eram vermutes, vinhos da região francesa de Bordeaux, o fortíssimo absinto, conhaques, os “vinhos de cheiro de uva pura” e whisky. Talvez em razão do nosso clima eu não vi entre as bebidas a cerveja. Em todo caso a rapaziada de Natal naquele final de Século XIX estava até que bem equipada para cair na farra.

Apesar da simplicidade da urbe natalense, os jornais daquele período trazem várias referências de festas, soirées, quermesses, eventos de sociedades organizadas, grêmios literários e clubes de encontros sociais, entre eles o “Club dos Quatorze”, “Club Carlos Gomes, o “26 de maio”, ou o “Grêmio Literário Le Monde Marche”. Ou seja, não faltavam locais organizados para deleitar a elite local, nem momentos para que esses natalenses adquirissem as bebidas oferecidas pela loja “Minha Esperança” e certamente “encherem o caneco”.

Podemos vislumbrar um exemplo desses momentos na primeira página do semanário O Santelmo, que nas edições de 14 e 30 de junho de 1891 informavam que na sede social do “Club dos Quatorze” ocorreu a sua “4ª soirée” na tarde de 23 de junho, uma terça-feira, véspera de São João.

Em resumo houve muita animação e tudo começou com a queima de fogos dos tipos “chineses, de bengala, electricos & Sorvête”. muita música tocada por uma orquestra, onde as principais serviram para animar as quadrilhas juninas no salão. O curioso é que a maioria dessas músicas possuíam títulos em francês.

Também dançaram valsas como “Ondas do Danúbio”, do romeno Ivan Ivanovici, além de polcas como “Cecy”, de Chiquinha Gonzaga, e “Brilhantina”, de Anacleto de Medeiros. Alguns sócios do “Club” formaram um grupo de piano, flauta, violão e violino e tocaram uma cavatina chamada “Sonâmbula”, que creio ser da ópera italiana “La Sonnambula”, de Vincenzo Bellini. Executarem também uma parte da ópera “O Trovador”, que certamente é “Il Trovatore”, de Giuseppe Verdi, cujo momento principal foi tocado por um músico chamado de “A. Barbosa”, que foi muito aplaudido e recebeu um buquê de flores de uma jovem sócia da agremiação, algo que chamou bastante atenção.

Não foi informado a que horas iniciou o arrasta-pé, mas ele terminou às cinco da manhã do dia seguinte, com a última quadrilha sendo animada pela música “Riso d’alvorada”. 

Mesmo sem a nota de O Santelmo comentar sobre o consumo de bebidas na festa, fica difícil de acreditar que em um evento com tanta dança e que durou tanto tempo, não tenha sido consumido bebidas e, talvez, um uisquinho. Até porque o lugar para comprar existia!

Deixados na Alfândega 

O tempo vai passando na pequena e provinciana Natal, onde reinava a tranquilidade para os seus pouco mais de 20.000 habitantes. Então, em uma quinta-feira, 11 de março de 1909, um navio cargueiro inglês adentra o tranquilo Rio Potengi.

SS Orator em 1912.

Esse era o “Orator”, da Harrison Line and Steamers, que em Natal era representada pela firma de importação e exportação de Julius Von Söhsten. Aquela era uma nave de 3.563 toneladas, construída apenas quatro anos antes, que procedia da cidade inglesa de Liverpool. Após atracar foram descarregados no cais do porto 3.825 volumes com produtos diversos, que serviriam para abastecer o comércio natalense, sempre carente de produtos manufaturados. Vale recordar que a industrialização em massa no Brasil ainda era um sonho distante e muito do que nossos antepassados consumiam vinha do exterior. Além desses volumes, o “Orator” também trouxe para Natal 700 toneladas de carvão inglês, destinado a movimentar as locomotivas da Estrada de Ferro Central. No outro dia o navio de cargas partiu com peles de gado e peles de animais da fauna selvagem potiguar, além de fardos de borracha de maniçoba.

Antiga Alfândega de Natal – Fonte – Coleção de Eduardo Alexandre Garcia

Mesmo não havendo maiores restrições à importação de produtos manufaturados, evidentemente que o Governo Federal cobrava impostos pela sua entrada em território nacional. Então, todas as mercadorias foram levadas para o prédio antigo da Alfândega, para que seus proprietários pagassem os impostos e retirassem os produtos.

Os jornais da época mostram que quando chegava um desses navios de carga, sempre havia uma certa movimentação no cais do porto, principalmente dos comerciantes, carroceiros e carregadores que eram contratados para levar os produtos. Logo as dependências da Alfândega foram se esvaziando, mas em um canto permaneceram sem serem retiradas quinze caixas de whisky escocês da marca J & B, a mesma que se pode comprar hoje em dia em supermercados de Natal, com a diferença do estilo das garrafas e rótulos. Então só voltamos a ter notícias sobre essas quinze caixas de whisky J & B quase seis meses depois.

No jornal natalense A República, edição de 10 de dezembro de 1909, na sua segunda página, encontramos a publicação de uma nota assinada por José A. de Viveiros, segundo escriturário da Alfândega de Natal, que informava ao cidadão que havia importado as quinze caixas que ele viesse pagar os impostos devidos para retirar as bebidas, ou em trinta dias elas seriam vendidas pela repartição em hasta pública. Procurei bastante nos jornais natalenses de 1909 para saber se os impostos foram pagos e quem desfrutou dessa bebida em Natal, mas nada encontrei. Em um exemplar de A República de 28 de janeiro de 1902, na segunda página, encontrei um edital oriundo da mesma Alfândega de Natal, onde um importador tinha de pagar $480 (quatrocentos e oitenta réis) por cada litro de whisky vindo da Escócia. Mas eu fiquei sem saber se o valor desse imposto ainda era o mesmo em 1909.

Antigas garrafas de whisky J & B.

O whisky J & B foi criado em Londres, destilado na Escócia, sendo o resultado original da mistura de 42 dos melhores whiskies produzidos pelos escoceses desde 1749. E essa marca tem a orgulhosa distinção de receber uma autorização real desde o rei George III, em 1761.

Trazido e Comercializado por Diplomatas

Se nada sei do estoque que ficou na Alfândega de Natal naquele distante ano de 1909, descobri quem provavelmente poderia fornecer boas garrafas de whisky para o comércio natalense.

Naquele tempo o principal entreposto comercial do Nordeste do Brasil era a cidade de Recife e ao observar nos velhos jornais o seu movimento comercial, vi que as vendas dessa bebida na capital pernambucana eram feitas por comerciantes estrangeiros, que também atuavam como representantes diplomáticos de suas nações e eram pessoas muito respeitadas na sociedade local.

Rua do Apolo, em Recife – Fonte – http://www.pernambuco.com

Um deles foi a empresa Griffith Williams & Johnson, comandadas pelos britânicos Arthur Llewellyn Griffith Williams e M. Johnson, cuja sede ficava na antiga Rua Visconde de Itaparica, número 1, atual Rua do Apolo, provavelmente na esquina com a Avenida Rio Branco, no Bairro do Recife.

A empresa foi organizada em 1904, onde atuavam como agentes das firmas de navegação da Royal Mail & Pacific Steam Navigation Co. e da Houston Line. Esses investidores também possuíam serviços de estiva, uma frota de 22 saveiros e um rebocador. Entre as empresas com as quais eles tinham contrato para a prestação de serviços estavam a Great Western of Brazil Railway Co. Ltd., a Companhia das Obras do Porto e a Repartição de Esgotos. Para completar o quadro Mister A. L. Griffith Williams era o Vice-cônsul britânico em Pernambuco.  

Certamente que para aliviar a pressão na luta para ganhar dinheiro e resolver pendências diplomáticas, só tomando umas boas doses do bom e velho néctar dos deuses das Highlands escocesas. E talvez esses dois súditos de Sua Majestade, cuja a colônia de estrangeiros era na época uma das maiores e mais influentes em Recife, podem ter sabiamente pensado “porque não vender whisky para os brasileiros?”

Não sei se para essa empresa a venda desse produto funcionou, mas justamente no ano de 1909 eu encontrei nos jornais que Griffith Williams & Johnson realizaram uma forte campanha entre os jornalistas recifenses para chamar atenção sobre a bebida. Esses profissionais, que sempre adoraram mimos, receberam nas suas redações algumas garrafas de um whisky chamado The Gaelic Old Smuggler, cuja mistura original data de 1835, sendo fabricado até nossos dias com a denominação simplificada para Old Smuggler.

O whisky The Gaelic Old Sumggler, em uma garrafa do início do Século XX.

Pesquisando mais a fundo nos jornais, acho que os jornalistas que provaram o The Gaelic Old Smuggler detestaram o gosto, pois não publicaram mais uma linha sequer sobre essa bebida…

Outro que trabalhava com a importação de whisky em Recife em 1909 era o Senhor Constantino Barza, um comerciante oriundo do finado Império Austro-húngaro, que representava diplomaticamente seu país na capital pernambucana e se dedicava com afinco ao ramo da fotografia.

Sua empresa, a Barza & Companhia, ficava na Avenida Marquês de Olinda, número 2, a poucas quadras da sede da Griffith Williams & Johnson, o que facilitava para os papudinhos de plantão a aquisição de diferentes tipos de whisky. Só que no caso de Barza ele trabalhava com o conhecido Black & White, aquele que traz no rótulo dois cachorrinhos.

Barza, sua esposa Helena Cristiane e filhos – Fonte – digitalizacao.fundaj.gov.br

O Black & White é uma bebida muito popular em vários países do mundo, devido à sua qualidade robusta e preços competitivos, dois fatores que combinam e ajudam a marca a conquistar a lealdade dos bebedores de uísque. Tal é a longevidade e popularidade da mistura, que o Black & White foi referenciado muitas vezes na cultura popular. Conta a lenda que James Buchanan, proprietário da James Buchanan & Co Ltd, visitou uma exposição de cães e teve a ideia de utilizar a imagem de um West Highland Terrier branco e de um Scottish Terrier preto como mascotes em suas garrafas. Obviamente que esses dois animaizinhos são originários da Escócia.

O whisky Black & White, em uma garrafa do início do Século XX.

Sobre o Constantino Barza, sua loja e a venda de whisky Black & White, eu não consegui muitas informações. Só posso comentar que ele chegou ao Brasil com dez anos de idade e aqui viveu até seu falecimento em 4 de março de 1934, aos 74 anos. Em nosso país ele se casou com a Senhora Helena Cristiane Barza, que teve vários filhos e, conforme comentei anteriormente, sua memória é muito mais importante no contexto do desenvolvimento da fotografia no Brasil, sendo ele considerado um dos pioneiros estrangeiros que ajudaram a desenvolver essa atividade em nosso país.

Na Companhia de Algumas das Melhores Mentes e Personagens do Mundo  

Ainda sobre essa complexa, sofisticada e aromática bebida, lembram que no começo desse texto eu escrevi que gente importante e influente admirava esse típico produto escocês? Agora vamos conhecer o que muitos deles comentaram sobre o whisky.

Até hoje não se sabe se Abraham Lincoln, o 16º presidente dos Estados Unidos, gostava de whisky, mas quando ele descobriu que o seu bem sucedido general Ulysses S. Grant, grande vencedor da União na Guerra Civil Americana, era um entusiasmado bebedor de whisky, Lincoln teria dito: “Você pode me dizer onde ele consegue seu whisky? Porque, se eu descobrir, enviarei um barril dessa bebida maravilhosa para todos os generais do nosso exército”.

Winston Churchill – Fonte – https://pt.wikipedia.org

O Primeiro Ministro britânico Winston Churchill, o homem que fez sua nação suportar os momentos mais complicados durante a Segunda Guerra Mundial, comentou que: “A água não era própria para beber. Para torná-lo palatável, tivemos que adicionar uísque. Com esforço diligente, aprendi a gostar.”

O dramaturgo irlandês George Bernard Shaw afirmou: “Whisky é sol líquido”.

William Faulkner, renomado escritor nascido no sul dos Estados Unidos, assim comentou sobre essa bebida: “Minha própria experiência diz que as ferramentas de que preciso para o meu ofício são papel, tabaco, comida e um pouco de whisky”.

Alexander Fleming, o descobridor da penicilina, que era escocês e sabia apreciar a bebida que tornou ainda mais famosa a sua região de nascimento, disse certa vez: “Um bom gole de uísque quente na hora de dormir – não é muito científico, mas ajuda.” 

Humphrey Bogart – Fonte -https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Humphrey_Bogart_1940.jpg

Os atores de Hollywood adoravam whisky. Um que comentou sobre essa bebida foi Errol Flynn, que afirmou: “Gosto do meu whisky velho e das minhas mulheres jovens”. 

Dizem que as últimas palavras de Humphrey Bogart, outro astro hollywoodiano, foram de um profundo arrependimento: “Eu nunca deveria ter trocado de whisky por Martini”.

Já Ava Gardner, colega de profissão de Flynn e Bogart, teria dito:” Quero viver até os 150 anos, mas no dia em que morrer, desejo que seja com um cigarro em uma mão e um copo de whisky na outra”.

O whisky para o estrategista de comunicações americano-israelense Joel C. Rosenberg é o seguinte: “Sou um homem simples. Tudo o que quero é dormir o suficiente para dois homens normais, whisky suficiente para três e mulheres suficientes para quatro.

Já o apresentador de TV americano Johnny Carson comentou assim sobre a bebida: “Felicidade é ter um bife mal passado, uma garrafa de whisky e um cachorro para comer o bife”.

Salute!!!

1976 – O INCRÍVEL RESGATE DOS REFÉNS ISRAELENSE EM ENTEBE

Terror no A300

A crise de Entebe começou em 29 de junho de 1976, quando um avião de passageiros Airbus A300 da Air France foi sequestrado. Esse era o voo 139, que partiu de Tel Aviv para Paris, mas realizou uma parada em Atenas. Havia doze tripulantes e uma boa parte dos 254 passageiros e tripulantes eram judeus israelenses. Depois de decolar da capital grega por volta do meio dia, o avião foi tomado por três homens e uma mulher, armados de pistolas e granadas.

O Aibus A300, matrícula F-BVGG, da Air France, sequestrado em 1976 e levado para Entebe.

O grupo que dominou o A300 representava a ponta afiada de uma estrutura complexa. Incluídos nesse nexo estavam os principais grupos militantes palestinos, organizações radicais de esquerda da antiga Alemanha Ocidental que aterrorizavam aquele país no início da década de 1970 e, por trás deles, o apoio logístico e material da extinta União Soviética e de vários estados árabes.

Os palestinos Jayel-al-Arja (E) e Fayez Abdul-Rahim al-Jaber (D), membros do FPLP-OE, que sequestraram o avião da Air France e foram mortos pelos israelenses. Eles são considerados mártires da causa palestina na luta contra Israel. Algumas fontes apontam que o nome de Jayel-al-Arja, seria na verdade Jayel Naji al-Arjam. Apontam também que ele havia, como antigo representante da FPLP-OE para a América do Sul, foi quem conseguiu dois passaportes de países dessa região para os alemãesn entrar no avião em Atenas.

A equipe atacante estava oficialmente alinhada com uma organização que se autodenominava Frente Popular de Libertação da Palestina – Operações Externas (FPLP-EO). Os atacantes eram dois homens árabes palestinos e um casal de alemães. Os palestinos, Jayel-al-Arja e Fayez Abdul-Rahim al-Jaber, eram agentes seniores da FPLP-OE.

Os alemães eram um ex-dono de livraria de Frankfurt am Main, chamado Wilfried Bonifatius “Boni” Böse, nascido em Bamberg, estado da Baviera, tido como muito inteligente e articulado. Além dele fazia parte do grupo uma educadora da cidade de Hannover, de nome Brigitte Kuhlmann, que entrou no avião frances utilizando o nome falso de “Halima”. Esses alemães eram membros de uma rede paramilitar de extrema esquerda, conhecida como Células Revolucionárias, ou em alemão Revolutionäre Zellen (RZ). Uma organização extremamente atuante, na qual são atribuidos 186 ataques terroristas, de alto e baixo impacto, na Alemanha Ocidental.

Brigitte Kuhlmann

Durante o ataque Kuhlmann assumiu o controle da cabine de primeira classe e os passageiros reticentes levaram coronhadas de sua pistola. O A300 foi então redirecionado para a Líbia sob o sinal de chamada “Haifa One”. Depois de aterrissar para se reabastecerem no Aeroporto de Benina, em Benghazi, alguns passageiros foram libertados, dentre eles uma mulher grávida. Era Patricia Martel, nascida na Grã-Bretanha, que emigrou para Israel, mas na verdade fingiu uma gravidez e um aborto para ser libertada pelos sequestradores.

Então o piloto francês Michael Bacos foi orientado a seguir para a cidade de Entebe, na Uganda, um pequeno e pobre país do centro da África, que na época era dominado por um ditador histriônico e violento chamado Idi Amim Dadá. Durante o voo de cinco horas, Kuhlmann abusou verbalmente de passageiros com críticas antissemitas. Ela foi referida pelos reféns como a “terrorista nazista”.

A rota até Uganda.

Quando chegaram ao Aeroporto Internacional Entebe, os quatro militantes que tomaram o avião foram reforçados por mais seis agentes da FPLP-OE, incluindo um homem identificado pela imprensa como Anton Degas Bouvier, mas provavelmente era Fouad Awad. Os outros seriam Abdel al-Latif, Abu Ali, Khaled Muhammad Khalil, Ali Fadl Miari e Abu al-Darda al-Iraqi.

Ao desembarcarem naquela noite em Entebe, as margens do Lago Vitoria, os passageiros foram levados para o antigo terminal do aeroporto, sob a guarda dos oito palestinos e alemães, além do reforço de 50 a 100 militares ugandenses pesadamente armados e que ali se encontravam para “proteger” os prisioneiros.  

Idi Amim Dadá

Durante a aparentemente interminável semana que os passageiros passaram como “convidados” do ditador Idi Amin. Os sequestradores transferiram os prisioneiros para o saguão de trânsito do antigo terminal aeroportuário abandonado, onde os mantiveram sob vigilância pelos dias seguintes. Amin vinha visitar os reféns quase diariamente, atualizando-os sobre os desenvolvimentos diplomáticos e prometendo usar seus esforços para liberta-los por meio de negociações. Consta que o ditador estava adorando a visibilidade junto a mídia internacional.  

Em 28 de junho, um sequestrador da FPLP-EO emitiu uma declaração e formulou suas demandas: Além de um resgate de US$ 5 milhões pela liberação do avião, eles exigiram a libertação de 53 militantes palestinos e pró-palestinos, onde cerca de 40 eram prisioneiros em Israel.

O aeroporto de Entebe na época dos acontecimentos.

Na terça-feira, 29 de junho de 1976, pouco antes das 19h, o “combatente anti-imperialista” Wilfried Böse começou a primeira seleção alemã de judeus depois de 1945. Ele disse a Wilfried Angry, uma mulher israelense com um número tatuado no braço desde a época da Segunda Guerra Mundial – “Quando você ouvir seu nome, levante-se e vá para a sala ao lado”. Böse estava em uma mesa, com os passaportes dos passageiros à sua frente. Wilfried começou a chorar quando nomes judeus foram lidos por aquele homem com sotaque alemão. Enquanto isso Brigitte Kuhlmann, estava friamente na entrada da sala ao lado, armada com um granada de mão. A separação dos reféns judeus, não apenas dos israelenses, desencadeou uma tempestade de indignação em Israel e no mundo contra aqueles terroristas. O caso foi tão complicado, que não só ali, o antissemitismo desses terroristas de esquerda também foi abordado dentro da própria esquerda, pois levou muito mais tarde na Alemanha Ocidental a ocorrer um debate mais amplo sobre a relação da esquerda naquele país na década de 1970.

O piloto francês Michael Bacos. Por sua atitude em ficar com os reféns em Entebe, juntamente com a sua tripulação, ele foi condecorado na França e em Israel.

Indepemdente dessa questão, no outro dia, 30 de junho, os sequestradores libertaram 48 reféns, formado basicamente por não-israelenses, principalmente passageiros idosos, doentes e mães com filhos. Em 1º de julho, depois que o governo israelense transmitiu seu acordo às negociações, os sequestradores estenderam o prazo para o meio-dia de 4 de julho e libertaram outro grupo com cerca de 100 prisioneiros não israelenses, que novamente foram levados para Paris algumas horas depois. Entre os 105 reféns que ficaram no aeroporto de Entebe com seus captores, estavam os doze membros da tripulação da Air France, tendo à frente o comandante Bacos, que se recusou a partir.

Como era impensável para o governo israelense aceitar às exigências dos palestinos e alemães, só sobrava duas alternativas – 1ª Deixar os reféns serem assassinados. 2ª Libertar os que ficaram através de uma ação de resgate.

Secretamente começou a ser planejada e desenvolvida uma operação militar para libertar os prisioneiros.

Missão Complicada

Aparentemente essa última escolha teria sido impossível para quase todos os governos no mundo, pois, além dos reféns estarem sob a guarda dos palestinos e dos alemães, havia o pessoal do Exército de Uganda e Entebe se localiza a mais de 3.500 quilômetros de Israel.

O brigadeiro general Dan Shomron

Mas o chefe de gabinete tenente general Mordechai “Motta” Gur, ele mesmo um veterano paraquedista, tinha confiança em seus homens. Gur delegou o planejamento do papel das forças terrestres na ação a um jovem e enérgico oficial, o brigadeiro general Dan Shomron, um veterano de muitas batalhas sangrentas, que tinha ao seu lado o major-general Benjamin “Benny” Peled, da Força Aérea Israelense, cujo trabalho era planejar a parte aérea da missão.

Uma vez que ficou claro que os esforços da diplomacia não iriam resolver a crise, decidiu-se avançar com a ação militar. O plano final foi aprovado pelo gabinete de Israel no último momento possível, no dia 3 de julho, as 18:00, onde envolveria uma equipe de paraquedistas e comandos escolhidos a dedo para serem levados a Entebe.

O “espetáculo” dos israelenses deveria seguir esse “programa”, cujo o elemento surpresa era um fator chave….

Lockheed C-130 Hércules, do Esquadrão 131, da Força Aérea Israelense.

Eles seriam levados em quatro aviões de transporte quadrimotores Lockheed C-130 Hércules, que percorreriam toda a distância entre Israel e Uganda sem escolta, para aterrissar na pista de um aeroporto cercados de inimigos armados e, para piorar a situação, o pouso seria à noite. As tropas israelenses então deveriam agir de forma rápida para invadir o antigo terminal, apoiados primeiramente por uma limusine civil e alguns veículos militares leves e, só depois que os outros C-130 pousassem, os atacantes receberiam apoio de alguns veículos blindados de transporte de pessoal (sigla em inglês APC). Eles então teriam de atacar cirurgicamente seus inimigos na área do aeroporto e evitar atingir os reféns. Depois a ordem era escoltar os judeus e a tripulação francesa para o último Hércules a pousar, recolher veículos, armas, mortos e feridos nos outros C-130. Depois deveriam seguir para um ponto de reabastecimento conseguido por pressão diplomática, quando então todos retornariam para Israel.

Se no papel a coisa toda parecia nem um pouco fácil, na prática para realizar essa missão só com um pessoal muito preparado, treinado, motivado, equipado, corajoso e decidido….

O tenente-coronel Yonathan “Yonni” Netanyahu

Para liderar a equipe de ataque foi escolhido o tenente-coronel Yonathan “Yonni” Netanyahu, um homem que era uma estranha mistura de intelecto e coragem. Havia sido criado em Nova York por pais sionistas e ao completar 18 anos foi para Israel para se juntar a uma das unidades de elite das IDF – Israel Defense Forces (Forças de Defesa de Israel).

Ascendeu rapidamente na carreira por ter se distinguido na Guerra dos Seis Dias de 1967 e novamente nos combates nas Colinas de Golã durante a Guerra de Outubro de 1973. Em uma ousada operação Yonni resgatou seu melhor amigo, um comandante de batalhão blindado que havia sido ferido pelos sírios, mas foi gravemente atingido no processo. Acabou dispensado das IDF com 30 por cento de incapacidade física.

O militar com a roupa camuflada é o vice comandante da força israelense no ataque de Entebe, o major Muki Betser.

Mesmo assim ele conseguiu retornar para os quartéis. Foram várias operações médicas excruciantes, até convencer o chefe de gabinete do exército israelense quele estava apto a comandar a sua antiga unidade. E é bom ressaltar que essa era uma força de comandos do Sayerat Maktal (Forças Especiais Israelenses), altamente preparada e operacional.

Agora, na tarde de 3 de julho de 1976, Yonni Netanyahu estava no compartimento de carga de um barulhento C-130 Hércules, espremido no banco da frente de uma Mercedes-Benz preta, enfrentando a missão mais difícil de sua vida. Estava no primeiro avião a decolar do Aeroporto de Ofira, perto de Sharm el-Sheikh, na Península do Sinai, uma região egípcia então ocupada militarmente por Israel

Em tempo – O tenente-coronel Yonathan “Yonni” Netanyahu era um irmão mais velho de Benjamin “Bibi” Netanyahu, que também foi membro de uma unidade de forças especiais do Exército de Israel, esteve em combate em várias ocasiões e que décadas depois seria primeiro ministro de seu país entre 2009 a 2021.

Planejamento

O C-130 Hércules eram todos do Esquadrão 131 e o avião líder era pilotado pelo tenente-coronel Joshua “Shiki” Shani, o líder do esquadrão. Nas Logo as aeronaves bastante carregadas, os cerca de 100 homens de Yonni se acomodaram dentro dos quadrimotores para a longa jornada em seus assentos, no piso da aeronave, nos bancos dos Land Rovers de ataque, armados com metralhadoras pesadas ponto cinquenta, além dos APCs, que se posicionariam ao redor do aeroporto para protegerem a área.

Jipe Land Rover utilizado pelos israelenses.

Enquanto planejavam o ataque, as forças israelenses tiveram que buscar alternativas para reabastecer os C-130. Os israelenses não tinham capacidade logística para voar com aquelas quatro aeronaves carregadíssimas, para tão longe do espaço aéreo israelense. Embora várias nações da África Oriental, incluindo a escolha logisticamente preferida do Quênia, fossem simpáticas a causa de Israel, nenhuma desejava incorrer na ira do maluco do Idi Amin, ou dos palestinos, permitindo que os israelenses pousassem suas aeronaves dentro de suas fronteiras.

Mas o ataque não poderia prosseguir sem a assistência de pelo menos um governo da África Oriental. Após ingerências diplomáticas, os israelenses garantiram a permissão do Quênia para a força-tarefa IDF cruzar o seu espaço aéreo e reabastecer no aeroporto de Nairobi, capital do país. Mas até o momento do ataque, dentro dos C-130, reinava a incerteza desse apoio.

Soldados israelenses desembarcando da rampa de um quadrimotor C-130.

O comandante das forças de assalto havia treinado ao máximo: Nos últimos dias, uma e outra vez, eles correram equipados e armados em um centro de treinamento improvisado, percorrendo a mesma distância entre o local de parada dos C-130 e o terminal de Entebe, até que eles conseguissem terminar o sprint em menos de 120 segundos.

Mas houve outros planejamentos e treinamentos.

Através dos reféns libertados em Paris o Serviço Secreto de Israel, o Mossad, construiu uma imagem precisa do paradeiro dos reféns, o número de sequestradores e o envolvimento das tropas ugandenses. Um passageiro franco-judeu que tinha antecedentes militares e uma memória fenomenal, forneceu informações detalhadas sobre o número de armas transportadas pelos sequestradores. Além disso, uma empresa israelense chamada Solel Boneh estivera envolvida em projetos de construção na África durante as décadas de 1960 e 1970 e construiu o terminal onde os reféns foram mantidos. O exército israelense consultou os engenheiros dessa empresa e ergueram uma réplica parcial do terminal do aeroporto para treinar o ataque.

C-130 de Israel alinhados e recebendo tropas.

30 Segundos de Atraso

Após a decolagem da região de Sharm el-Sheikh, os quatro Hércules seguiram para quase oito horas de voo, começando pelo Golfo de Eilat. Eles tomaram as medidas evasivas necessárias para evitar os radares de vigilância do Egito, Sudão e Arábia Saudita, voando a uma altura não superior a 30 m (100 pés) e seguindo uma rota que os levaria profundamente na África. Eles mantinham estrita formação de voo, total silêncio em seus rádios e, para saber se estava tudo bem com os outros Hércules, de vez em quando os outros pilotos emparelhavam suas aeronaves com a cabine do tenente-coronel Shani e se “mostravam”, deixando claro que seguiam tranquilos. Perto da saída sul do Mar Vermelho, os C-130 viraram e passaram sobre Djibuti. De lá, eles foram para um ponto a nordeste de Nairóbi, no Quênia.

Em vermelho a rota do A300 sequestrado e em azul as dos C-130 Hércules utilizados no ataque.

Dois jatos Boeing 707 seguiram os C-130. O primeiro Boeing continha instalações médicas e pousou no Aeroporto Internacional Jomo Kenyatta, em Nairobi. O segundo seria um centro de comunicações, controle e comando, que ficou circulando sobre o Aeroporto de Entebe durante o ataque. O major-general Peled estava nele.

O tenente-coronel Shani seguia ouvindo o rádio, cada vez mais tenso ao escutar as últimas notícias sobre o tempo, pois nuvens e trovoadas estavam sobre o espaço aéreo africano. Isso poderia trazer riscos para toda a missão. Logo o céu ficou completamente encoberto, levando a chuva aos para-brisas. A monótona varredura dos limpadores, alternada com o balanço do avião na turbulência, em meio aos flashes sobrenaturais de relâmpagos iluminando o céu negro, com trovões disputando com o barulho dos motores, criava um quadro complicado.

Os pilotos lutavam com os controles e as sacolejadas. Nos compartimentos de carga estava muito desagradável para os soldados. Apesar da noite, estava bem quente dentro dos Hércules. Vários militares vomitaram e ninguém estava preso a nada. Era uma bagunça total. Então, olhando de volta para a cabine, Shani viu a calma dedicada nos rostos dos paraquedistas e foi o calejado piloto que se tranquilizou.

Dentro dos C-130, a caminho de Uganda.

Ao se aproximarem do alvo, Yonni desceu do luxuoso Mercedes e se juntou ao piloto líder na cabine por um momento. Uma reconfortante mão no ombro, uma piscadela confiante e o jovem comandante voltou ao seu posto para preparar seus homens para a ação.

Logo estavam sobre o Lago Vitoria, que divide territorialmente Tanzânia, Uganda e Quênia, sendo um dos Grandes Lagos Africanos, localizado num planalto elevado na parte ocidental do vale do Rift, na África Oriental. Nesse ponto a formação aérea se dividiu, cada piloto tomando seu posto para o pouso de acordo com o planejamento. O primeiro C-130 deveria pousar no aeródromo, enquanto os outros deveriam circular sobre o Lago Vitória e descer sequencialmente. Assim que a primeira aeronave pousasse, primeiramente sairia dela a falsa limusine, liderado por Netanyahu, depois os Land Rovers e todos acelerariam para o terminal.

Aviadores do Esquadrão 131, da Força Aérea de Israel, que participaram da ação em 1976.

Os céus de Entebe estavam nublados, com chuva leve caindo, mas surpreendentemente, para a sorte dos israelenses, a pista do aeroporto de Entebe estava totalmente iluminada e o pouso foi facilitado. A aeronave líder entrou cautelosamente na etapa final da abordagem, deslizou silenciosamente para a pista e parou precisamente no local que a inteligência havia planejado. Apesar dessa situação positiva, durante o taxiamento o primeiro C-130 a pousar quase caiu em uma vala.

As primeiras forças israelenses aterrissaram em Entebe em 3 de julho, às 23:00. Incrivelmente todo o trajeto de voo gerou um atraso de apenas míseros 30 segundos em relação ao planejamento. Uma conquista raramente igualada, até mesmo por pilotos de linha aérea veteranos que voavam a anos na África.

O “show” ia começar!

Ataque Cirúrgico

Mercedes-Benz preta, modelo 600 Pullman W100.

Yonni e seus homens desceram a rampa da primeira aeronave na Mercedes preta, seguido por dois Land Rovers sem marcações na carroceria e dirigiram os veículos para o prédio do terminal.

Relatórios de inteligência israelense identificaram o carro oficial de Idi Amin como sendo uma Mercedes-Benz preta, modelo 600 Pullman W100, que circulou naqueles dias no aeroporto de Entebe, na companhia de terroristas palestinos em Land Rovers. O que os israelenses não sabiam foi que Amin havia comprado recentemente uma Mercedes branca. Então duas sentinelas ugandenses ordenaram que os veículos parassem. Yonni Netanyahu ordenou que os comandos atirassem nas sentinelas usando pistolas com silenciadores, mas eles não os mataram. Enquanto os homens da Mercedes se afastavam, os israelenses que vinham em uma Land Rover os eliminaram com disparos de um fuzil sem silenciador.

Temendo que os sequestradores fossem alertados prematuramente, a equipe de assalto rapidamente se aproximou do terminal para surpreender os terroristas antes que eles pudessem atirar. Os militares israelenses conseguiram se aproximar a uma velocidade fantástica e com surpresa quase total, arrombando simultaneamente todas as entradas e chegando aos reféns.

Dan Shomron, o comandante da operação, que estava no avião C-130 do tenente-coronel Joshua Shani, podia olhar pelas janelas e verificar o correto desenvolvimento da operação correta. Shomron foi capaz de dizer a si mesmo o que ele havia dito ao ministro da defesa três dias antes – se o primeiro avião conseguisse fazer um pouso inocente, sem chamar atenção, a operação seria um sucesso. O avião realmente chegou ao local designado, e os pilotos afirmaram que nunca viram uma força de desembarque agir tão rapidamente. Em dezenas de segundos, os soldados israelenses estavam do lado de fora e imediatamente movendo-se em direção ao alvo.

Como havia brasileiros entre os reféns em Entebe, o governo do general Ernesto Geisel foi informado pelo governo israelense sobre os acontecimentos.

Os reféns estavam no prédio logo ao lado da pista. Os atacantes adentraram no terminal, gritando em megafones em hebraico e inglês para que os reféns se abaixassem. Então começou o tiroteio. O primeiro terrorista que apareceu foi morto pelo vice comandante da força israelense, o major Muki Betser.

Infelizmente Jean-Jacques Mimouni, um imigrante francês de 19 anos que morava em Israel, levantou-se e foi morto quando o confundiram com um sequestrador. Outro refém, Pasco Cohen, 52 anos, também foi ferido fatalmente por tiros dos comandos. Além disso, uma terceira refém, Ida Borochovitch, de 56 anos, uma judia russa que havia emigrado para Israel, foi morta por um sequestrador no fogo cruzado.

De acordo com o que se soube depois, quatro terroristas foram mortos em menos de um minuto. Dois estavam imediatamente à esquerda da porta de entrada. Outro estava cerca de 10 metros após os reféns e um disparo o pegou no meio do corpo. Um quarto terrorista estava no outro lado da sala e foi atingido. Ele caiu, depois tentou se levantar e foi baleado novamente. A certa altura, um comando israelense gritou em hebraico: “Onde estão os demais?” referindo-se aos sequestradores. Os reféns apontaram para uma porta de ligação do saguão principal do aeroporto, na qual os comandos jogaram várias granadas de mão. Então, eles entraram na sala e mataram a tiros três sequestradores, encerrando o ataque. Foram mortos os quatro sequestradores que tomaram o Airbus, além de cinco, dos que se juntaram a eles em Entebe. Alguns deles morreram sem disparar um tiro.

Dois momentos da vida de e Brigitte Kuhlmann, antes de se radicalizar e se tornar terrortista. A esquerda ela assiste um seminário de sociologia em 1968, tendo ao seu lado o então namorado Heiner Menzel, com quem romperia logo depois. A direita, em 1969, ela como trabalhadora de uma colheita em Lindwedel, na região da Baixa Saxônia.

Sobre os terroristas alemães, consta através dos depoimentos das testemunhas, que a conduta de Brigitte Kuhlmann foi bastante violenta com os judeus. A ex-educadora formada em Hannover, que trabalhava como voluntária junto a crianças em situações especiais no seu tempo livre, ficou universalmente lembrada por sua extrema crueldade e fúria durante o sequestro e no subsequente encarceramento dos reféns.

O terrorista alemão Wilfried Bonifatius “Boni” Böse, das Células Revolucionárias, ou em alemão Revolutionäre Zellen.

Já em relação a Wilfried Böse, o seu comportamento foi menos radical. Durante o sequestro um passageiro judeu lhe mostrou a tatuagem que recebeu no campo de extermínio de Auschwitz e Böse teria dito: “Não sou nazista! … Sou um idealista”. Jacques Lemoine, engenheiro de voo do avião sequestrado, comentou anos depois que “foi Böse quem tomou a decisão de não matar todos os reféns quando os militares israelenses invadiram o terminal”. Essa versão foi corroborada por Ilan Hartuv, que viu Wilfried Böse ser o único sequestrador que, após o início da operação apontou seu fuzil Kalashnikov para os cativos, mas “imediatamente caiu em si” e ordenou que eles se abrigassem no banheiro, antes de ser morto pelos comandos. De acordo com Hartuv, os disparos de Böse foram para os soldados israelenses e não contra os reféns.

Reação dos Ugandenses

Na sequência uma bazuca destruiu o holofote da torre de controle. Sob uma parcial cobertura da escuridão, os israelenses começaram a reunir os reféns para a viagem de volta.

Mapa do seroporto de Entebe.

Sete minutos após a aeronave de Shani ter pousado, os outros três C-130 começaram a aterrissar e as tropas foram se posicionando. Enquanto o Hércules nº 3 se aproximava, os ugandenses cortaram as luzes da pista, mas ele pousou em segurança. O último C-130, cuja função era recolher os reféns, desembarcou com o auxílio da iluminação dos paraquedistas e taxiou próximo ao antigo prédio do terminal. Foi quando soldados ugandenses abriram fogo da torre de controle do aeroporto.

Os homens de Yonni revidaram com disparos de metralhadoras leves e uma granada propelida por foguete, suprimindo o fogo dos ugandenses. Mas durante este breve, mas intenso tiroteio, pelo menos cinco comandos ficaram feridos e o comandante da unidade israelense Yonatan Netanyahu foi morto. De acordo com um dos filhos de Idi Amin, o soldado que atirou no comandante israelense, um primo da família Amin, foi morto no tiroteio. Cerca de vinte soldados ugandenses perderam a vida, mas algumas fontes apontam que o número de mortos foi mais que o dobro.

A torre de controle no aeroporto de Entebbe na década de 2000, onde é possível ver as marcas do combate de 1976.

Os israelenses terminaram de evacuar os reféns, carregaram o corpo de Yonni Netanyahu em um dos aviões e começaram a deixar o aeroporto. Toda a operação durou 53 minutos – dos quais o assalto durou apenas 30 minutos.

O sargento Sorin Hershko foi um dos israelenses atingidos no tiroteio da torre de controle de Entebe. Ele sobreviveu, mas ficou tetraplégico em uma cadeira de rodas. É um cultuado herói nacionel em Israel

Os C-130 agora rolavam devagar pela pista, devido ao peso, quando todo o aeroporto foi subitamente iluminado por uma vasta exibição de “fogos de artifício”. Uma equipe especial de demolição do Sayeret Matkal, liderada pelo major Shaul Mofaz, futuro ministro da defesa de seu país, destruiu sete aviões de caça MiG-21 e quatro MiG-17, que constituíam a força de aviões de combate de Uganda. Agora os israelenses estavam seguros para voar sem possíveis perseguições.

O retorno para casa.

Dos 105 reféns, três foram mortos e aproximadamente 10 ficaram feridos. Já a refém Dora Bloch, de 74 anos, ficou para trás. Ela havia sido levada enferma para um hospital antes do ataque por ter se engasgado com um osso de carne um dia e meio antes do ataque. Os terroristas permitiram que ela fosse ao hospital em Kampala para que fosse removido de sua garganta. Bloch recuperou-se rapidamente, mas o ministro da Saúde do governo de Idi Amin foi solidário com ela e achou que ela estaria mais segura no hospital do que no complexo do aeroporto, então permitiu que ela ficasse lá. No entanto, quando o ataque foi realizado com sucesso e Amin percebeu o que havia acontecido, ele enviou sua polícia secreta para o hospital e ela foi covardemente morta por membros da elite de segurança de Uganda. Seus restos foram recuperados perto de uma plantação de açúcar a 32 quilômetros a leste de Kampala, capital do país, em 1979, depois que a guerra entre Uganda e a Tanzânia acabou com o governo de Amin. Como retaliação à assistência do Quênia a Israel no ataque, Amin ordenou a morte de centenas de quenianos que viviam em Uganda.

Desembarque dos reféns no Aeroporto ben Gurion.

Graças aos esforços dos soldados de elite israelenses, 102 reféns foram resgatados vivos. Havia entre os sequestrados quatro judeus brasileiros, que também foram resgatados.

Alegria e Silêncio

Enquanto as aeronaves retornavam para Israel, ainda próximo de nações que na época eram consideradas inimigas, rádio internacionais de alcance mundial, como a BBC britânica e algumas rádios francesas, já anunciavam o ataque e o resultado positivo para Israel. Isso gerou um certo stress, mas horas depois, na manhã de 4 de julho de 1976, por coincidência no mesmo dia do 200º aniversário da independência dos Estados Unidos da América, as quatro aeronaves C-130 Hércules sobrevoaram as vilas e cidades do sul de Israel escoltados por caças F-4 Phantom.

Três C-130 pousaram na Base Aérea de Tel Nof e o Hércules número 4, seguiu para o Aeroporto Ben Gurion, perto de Tel Aviv.

Uma alegria sem paralelo na história de Israel surgiu e continuou crescendo, conforme a notícia do resgate se espalhava pela nação. Os israelenses empolgados, literalmente explodiram de alegria. Multidões dançaram horas no asfalto. Flores e champanhe foram regados sobre os vencedores. Parecia que toda à nação entrou em um grande carnaval, ou haviam ganho uma Copa do Mundo de Futebol. Uma situação muito difícil de acontecer nesse país, que até hoje só participou da Copa de 1970, no México, e não passaram da primeira fase.

Enquanto a nação israelense se esbaldava de justa alegria, com multidões jubilosas percorrendo as ruas, um grupo severo e triste de homens cansados ​​saia pela lateral da festa em incongruente silêncio. Em seus ombros eles carregavam o corpo sem vida de seu comandante Yonni Netanyahu, o único militar de Israel perdido no ataque.

Yonni Netanyahu.

A morte sacrificial de Netanyahu e a ação heróica da unidade de elite em Entebe tornaram-se tão proeminentes que quase ninguém em Israel se atreve a arranhar o status heróico de Netanyahu, que certamente ajudou na ascensão política de seu irmão mais novo, Benjamin. Ironicamente, Moshe “Muki” Betzer, que assumiu o comando de Entebbe após a morte de Netanyahu, o culpa pelo início do tiroteio. Quando os israelenses se dirigiram até o terminal no Mercedes preto, eles passaram por dois guardas ugandenses. e um deles ergueu o rifle e fez um gesto ameaçador. Betzer, que já havia trabalhado em Uganda como instrutor militar, disse a Netanyahu que era apenas um ato de rotina. Mas ele deu ordem para atirar nos guardas com pistolas silenciadas. Mas como um dos dois ainda estava se movendo, os soldados na Land Rover terminaram o serviço com um fuzil. O estrondo, diz Betzer, alarmou os soldados ugandenses e anulou parcialmente o efeito surpresa, além de custar a vida de Yonni Netanyahu. 

COMO UM AZARADO SUBMARINO NAZISTA FOI PARAR EM UM MUSEU?

Mais de 1.150 formidáveis submarinos foram construídos na Alemanha durante a Segunda Guerra, sendo conduzidos por valentes marinheiros, que fizeram essas naves singrarem os sete mares levando o terror da sua presença. Hoje restam apenas cinco dessas máquinas e é uma delas, que está exposta em um museu em Chicago, que vamos comentar no TOK DE HISTÓRIA – O U-505 não alcançou grandes êxitos bélicos, foi sabotado, experimentou situações extremas e o azar fez parte quase que permanente de sua carreira. Mas a história de sua captura em alto mar é uma das páginas mais intensas e interessantes de toda Segunda Guerra. Além do formidável esforço para sua preservação.

Rostand Medeiros – IHGRN

Houve um momento durante a Segunda Guerra Mundial que o povo dessa grande nação tropical chamada Brasil ficou possuído de muito medo e muita raiva de tudo que significasse Alemanha. Isso aconteceu principalmente na segunda metade do mês de agosto de 1942, quando o submarino alemão U-507 torpedeou vários navios brasileiros no litoral da Bahia e Sergipe e suas ações mataram mais de 500 pessoas.

O Primeiro Ministro Britânico Winston Churchill comentou que a arma inimiga que mais temeu durante aquele conflito foram os submarinos. Diante dos milhares de afundamentos de cargueiros britânicos, Churchill compreendeu que se algo não fosse feito de maneira eficiente, os recursos vitais que os britânicos necessitavam para continuar a luta deixariam de chegar aos seus portos e faria com que aquele povo caísse de joelhos pela fome.

Submarinos alemães durante a Segunda Guerra Mundial.

Mais de 1.150 formidáveis submarinos foram construídos na Alemanha durante a Segunda Guerra, sendo conduzidos por valentes marinheiros, singraram os sete mares levando o terror da sua presença em todas as partes. Hoje restam apenas cinco dessas máquinas e quatro delas são abertas ao público na Alemanha (2), Grã-Bretanha (1) e nos Estados Unidos (1). E é sobre o submarino que está na terra do Tio Sam que vamos comentar!

Ele é o antigo U-505, uma nave de guerra que comparativamente a outros submarinos na época, não alcançou grandes êxitos bélicos. Consta que foi sabotada, experimentou situações extremas e parece que o azar fez parte quase que permanente de sua carreira. Mas a história de sua captura em alto mar é uma das páginas mais intensas e interessantes de toda Segunda Guerra. Além do formidável esforço para sua preservação.

Visita Do Próprio BdU

O U-505 era um submarino alemão do Tipo IX-C, tendo sua construção se iniciado em 1940 na cidade de Hamburgo. O U-505 foi lançado ao mar em 25 de maio de 1941 e logo passou a fazer parte da marinha de Hitler. Oito meses depois sua tripulação concluiu seu treinamento de combate.

Kapitänleutnant Axel-Olaf Löwe – Fonte – https://uboat.net/

Foi designado como seu comandante o Kapitänleutnant Axel-Olaf Löwe (ou Loewe como querem alguns). Tinha 31 anos de idade, era natural da cidade portuária de Kiel, havia entrado na Marinha alemã em 1928, começou o treinamento em submarinos no final de 1940 e era considerado um líder nato, calmo e justo.

Aquele submarino começou sua primeira patrulha no final de janeiro de 1943, quando partiu do porto de Kiel e seguiu para sua base de operações no porto de Lorient, na França ocupada. Por 16 dias sua tripulação circundou ao norte das Ilhas Britânicas e depois tomaram rumo em direção sul. Atracaram no destino no dia 3 de fevereiro e se uniram à 2ª Flotilha de Submarinos.

O almirante alemão Karl Dönitz – Fonte – https://uboat.net/

Na sexta-feira, 6 de fevereiro de 1942, o almirante alemão Karl Dönitz se encontrava no porto de Lorient para inspecionar o submarino U-505 e todos os seus tripulantes, que ficaram em rígida formação no convés superior para saudar Dönitz, o Befehlshaber der Unterseeboote, ou BdU, o comandante supremo da arma de submarinos da Marinha alemã. 

Cinco dias após essa cerimônia, o comandante ordenou soltar os cabos de amarração, enquanto a ponte de comando se encontrava adornada com guirlandas de flores. Uma banda naval começou a tocar marchas militares e o público nas docas aplaudiu o U-505 e sua tripulação.

Bunkers de proteção de submarinos alemães, existentes até hoje na cidade francesa de Lorient – Fonte – https://pt.wikipedia.org/wiki/Base_de_submarinos_de_Lorient

A nave de guerra seguiu para alto mar percorrendo o calmo Rio Blavet, acompanhado do submarino U-64 e de um caça minas como escolta. Aquele pequeno grupo de embarcações navegaram juntos até a altura da cidadela de Port-Louis, onde os dois submarinos tomaram rumo sul, para realizarem patrulhas de busca e destruição de navios mercantes Aliados na região da costa ocidental africana.

Após deixarem para trás Lorient, o comandante Löwe ordenou a Herbert Nollau, primeiro oficial de vigia, que as guirlandas de flores fossem jogadas na água, pois na tradição marítima, pelo menos na tradição marítima alemã, dava azar carregar flores em um barco.

Mal sabia Löwe e seus tripulantes que ao longo de sua trajetória, a falta de sorte seria uma constante no U-505!

Vitórias Em Alto Mar

Quando o U-505 passou pelo arquipélago português dos Açores, Löwe autorizou uma “ponte livre”, o que significava que os homens poderiam subir até o convés para bater papo, tomar banho de mar, sol e fumar. Na sequência, depois de passarem pelas Ilhas Canárias, o comandante ordenou “desligaram um motor e correram a meia velocidade para economizar combustível” e não chamar atenção. Chegaram à área de operações em 1º de março de 1942. Löwe tinha um comando independente em um submarino novo em folha, com dezenove torpedos a bordo e logo começaria a utilizá-los.

O SS Benmohr – Fonte – https://uboat.net/

Na noite de 5 de março o SS Benmohr, um navio a vapor britânico de 6.000 toneladas, que seguia sem escolta a caminho da Escócia, foi torpedeado e afundou a cerca de 210 milhas náuticas a sul-sudoeste de Freetown, capital de Serra Leoa. Toda a tripulação de 56 pessoas sobreviveu e foram resgatados por um hidroavião quadrimotor britânico Sunderland do 95 Squadron da RAF (Royal Air Force).

No dia seguinte, quase ao meio-dia, o MV Sydhav, um navio-tanque norueguês de 7.600 toneladas que também se encontrava a sudoeste de Freetown, foi atingido a estibordo por dois torpedos. O navio afundou rapidamente pela popa e alguns membros da tripulação, entre eles o comandante Nils O. Helgesen, saltaram no mar e foram puxados para baixo pela sucção. Um outro foi atacado por tubarões e desapareceu. O resto dos sobreviventes se amontoaram em duas jangadas e avistaram o submarino a cerca de 250 metros de distância. Os náufragos viram que o mensageiro chinês do Sydhav, que se agarrava a destroços na água, foi interrogado. Então os alemães partiram sem terem se aproximado das jangadas. Mais tarde os sobreviventes conseguiram resgatar o mensageiro, mas ele morreu em decorrência dos ferimentos. Löwe e alguns de seus tripulantes afirmaram que pretendiam ajudar os náufragos, mas surgiu um avião inimigo e eles submergiram. Dos 35 tripulantes do Sydhav, 12 morreram.

MV Sydhav – Fonte – https://uboat.net/

Mais tarde, em 28 de março, Löwe teve que mergulhar duas vezes para escapar de uma aeronave e de uma corveta que estavam escoltando um navio a vapor. O U-505 foi atacado com cargas de profundidade por quatro longas horas, mas Löwe escapou com um mergulho profundo de 600 pés (183 metros). O comandante observou durante o batismo de fogo do U-505 “a tripulação se comportou de maneira excelente”.

Löwe manteve o moral elevado por meio do seu estilo de comando, mantendo a tripulação informada de suas intenções, exercendo uma liderança leve em lugar de utilizar de aspereza para remediar os lapsos dos marinheiros e respeitando as tradições e superstições marítimas. Incluindo a tradicional e elaborada cerimônia do cruzamento da Linha do Equador, que o U-505 realizou pela primeira vez na terça-feira, 31 de março de 1942.

A festa ao cruzar a Linha do Equador é uma tradição muito antiga no meio naval – Fonte – https://theleansubmariner.com/2019/02/07/get-in-line-you-useless-pollywog-prepare-to-meet-king-neptune/

Mesmo no meio de uma guerra total, a tradição marítima exigia que a deferência adequada fosse dada a Netuno, o deus romano do mar, que deveria embarcar em todos os navios que cruzam a linha imaginária, na busca de desafortunados marinheiros que ainda não haviam “lhe pedido permissão para estar no seu oceano”. Um dos marinheiros mais experientes se fantasiava de Netuno e realizava suas “obrigações”, normalmente brincadeiras de terrível mal gosto contra os recrutas mais jovens, mas que deleitavam os veteranos. Tal como ocorreu com outros submersíveis alemães, essa festa aconteceu no convés do U-505, a luz do dia, mas com os vigilantes bem atentos na torre.

Em 3 de abril, o U-505 afundou o SS West Irmo e na noite seguinte foi a vez do SS Alphacca, ambos próximo ao litoral da Costa do Marfim.

O West Irmo era um navio a vapor americano escoltado pela corveta britânica HMS Corpinsay, que viajava de Lagos, na Nigéria, com destino a cidade de Nova York, Estados Unidos. O U-505 seguiu esse navio por 29 extenuantes horas, antes de atacá-lo por volta das 21:30. Os dois primeiros torpedos que ele disparou o contornaram inofensivamente, sem chamar a atenção de sua tripulação ou dos militares da corveta que o escoltava. Horas depois fizeram uma nova tentativa e obtiveram sucesso. O West Irmo só afundou no dia seguinte e dos 109 tripulantes, dez morreram.

Já o Alphacca era um navio mercante holandês sem escolta, de 6.000 toneladas, que Löwe afundou à noite com um torpedo G7a, em um ataque de superfície. O fato se deu depois dos alemães perseguirem esse navio por mais de sete horas, a cerca de 154 milhas ao sul de Cabo Palmas, Costa do Marfim. A maioria dos tripulantes e todos os passageiros abandonaram o navio em quatro botes salva-vidas, sem enviar um sinal de socorro e 14 membros da tripulação foram perdidos. O submarino emergiu depois e se aproximou para questionar os sobreviventes e fizeram perguntas sobre o nome, nacionalidade, carga e rota da embarcação. Mas também questionaram se eles tinham abastecimento e água suficientes? Depois de ajudar os sobreviventes do Alphacca, estes foram informados o curso e a distância para o Cabo Palmas e mutuamente desejaram boa sorte e boa viagem. Os botes salva-vidas então navegaram em direção à costa, mas um bombeiro morreu no dia seguinte e seu corpo foi entregue ao mar. Em 9 de abril, todos os quatro pequenos barcos com os náufragos desembarcaram a leste do Cabo Palmas. Löwe observou no Diário de Guerra do U-505 “Barcos bem equipados e abastecidos. A tripulação falava alemão. Ironia da guerra, lutamos contra homens que falam a nossa própria língua”.

SS Alphacca – Fonte – https://uboat.net/

Depois das quatro vitórias, o U-505 passou a ser bastante perseguido pela aviação antissubmarino britânica e em 21 de abril de 1942 Löwe anunciou que eles estavam voltando para Lorient. Chegaram no dia 7 de maio, depois de várias perseguições infrutíferas dos ingleses. Nessa patrulha o submarino afundou um total de 26.000 toneladas de naves inimigas, ao custo de 14 torpedos, dos quais oito atingiram seus alvos.

Retorno festivo de um submarino ao porto de Lorient – Fonte – Bundesarchiv – https://pt.wikipedia.org/wiki/Base_de_submarinos_de_Lorient

No Mar do Caribe

O terceiro cruzeiro operacional do U-505 (e o segundo cruzeiro de combate) começou em um domingo, 7 de junho de 1942, e seu destino foi o cálido Mar do Caribe.

Uma bússola quebrada nesta viagem causou problemas de navegação, mesmo assim, antes de chegar em sua área operacional, o U-505 afundou dois navios mercantes ao norte das ilhas Leeward, ou Ilhas de Sotavento. Eles foram o SS Sea Thrush, em 28 de junho, e o SS Thomas McKean um dia depois.

O Sea Thrush – Fonte – https://uboat.net/

Sea Thrush era um cargueiro americano de 6.900 toneladas, que realizava sua viagem com carga geral e material de guerra, incluindo munições e aeronaves. Partiu da Filadélfia para a Cidade do Cabo, a capital da África do Sul, via a ilha de Trinidad. No começo da noite Löwe o atingiu com dois torpedos a cerca de 425 milhas a nordeste de San Juan, Porto Rico. Uma hora depois a tripulação evacuou e o comandante alemão acabou com o navio utilizando um terceiro torpedo. Todos os quarenta e um tripulantes, quatorze passageiros do Exército dos Estados Unidos e onze membros da Marinha americana sobreviveram em quatro botes salva-vidas.

Thomas McKean em chamas, fotografado pela tripulação do U-505 – Fonte – https://uboat.net/

Já o Thomas McKean era outro navio americano, de 7.400 toneladas e recém lançado ao mar. Partiu de Nova York para sua viagem inaugural até o Golfo Pérsico levando uma carga de aviões, tanques e outros suprimentos de guerra para a União Soviética. Foi atingido por dois torpedos e depois que a tripulação baixou os botes salva-vidas, Löwe terminou o serviço no Thomas McKean com 72 disparos do canhão de quatro polegadas do convés do U-505. A tripulação alemã tirou fotos do navio em chamas, de um barco salva-vidas e deu aos náufragos suprimentos médicos e instruções para navegarem para terra, a 360 milhas náuticas de distância. Quatro, dos 59 tripulantes, morreram quando o Thomas McKean afundou e, dos quatro botes salva-vidas que deixaram a área do sinistro, dois foram resgatados em quatro dias, um chegou à costa após sete dias e o último alcançou as praias após nove dias.

Náufragos do Thomas McKean, igualmente fotografados pelo pessoal do U-505 – Fonte – https://uboat.net/

Pelos próximos 23 dias o U-505 circulou por uma grande área do Mar do Caribe em busca de presas. Passou ao sul da Colômbia, Panamá, ao sul das belas ilhas de Bonnaire, Curaçao e Aruba. Depois se aproximou do litoral venezuelano, bem como do litoral da Colômbia, Panamá e Nicarágua. Em outros momentos adentrou mais o Mar do Caribe, sempre vasculhando atrás de vítimas. Então, as três da tarde de 22 de julho de 1942, algo surgiu no horizonte a 12 graus, 24 minutos de latitude norte e 81 graus, 28 minutos de longitude oeste.

Destruindo Um Veleiro

Era uma escuna de três mastros chamada Urios, mas que recentemente havia sido rebatizada de Roamar (o que causa confusão entre os pesquisadores) e deslocava 400 toneladas. Era registrada na cidade de Barranquilla, Colômbia e foi visualizada a doze milhas náuticas a noroeste de Cayo Bolivar, na ilha colombiana de San Andréas.

Löwe ordenou que o segundo oficial de vigia Gottfried Stolzenburg desse um tiro de advertência sobre a proa, porque o veleiro não tinha bandeira e se movia em ziguezague, tal como um navio que estava tentando evitar torpedos. O problema foi que o primeiro tiro do U-505 destruiu o mastro principal da escuna, que estava desarmada. O pânico se instalou, com seu mastro e velas caindo sobre seus decks elegantes como uma tenda gigante.

Interior da sala de torpedos do U-505.

Mas a escuna não parava, então Löwe ordenou outro par de tiros de advertência, momento em que a tripulação içou uma bandeira identificada como sendo da Colômbia. Mesmo assim a escuna não parava. Löwe manobrou o U-505 para interceptar o veleiro, mas em vez de chegar próximo, ele mudou de curso e de ideia e ordenou que afundassem aquele barco.

Segundo narrativas da tripulação do U-505, o primeiro tiro direto no casco do veleiro foi todo o convencimento de que a tripulação de língua espanhola precisava para abandonar seu barco. Os alemães afirmaram que esperaram até que a tripulação, “quase histérica” na opinião dos submarinistas, estivesse bem longe da escuna e voltaram a abrir fogo. Deram mais de vinte disparos e não demorou para que o canhão de convés transformasse aquele barco de 400 toneladas em palitos de fósforo. 

Consta que a tripulação alemã se “divertiu muito com o ataque”, mas prontamente Löwe percebeu que aquilo foi um grande erro. O comandante ordenou imediatamente saírem daquela área, presumindo que o veleiro tivesse tido tempo de sobra para comunicar a presença do submarino pelo rádio.

Enfermaria do U-505.

E os problemas realmente iriam começar para o U-505. E de várias maneiras!

Primeiramente a Colômbia não era uma nação que havia declarado guerra à Alemanha e, para piorar a situação, o veleiro era propriedade de um diplomata colombiano. Seu afundamento, embora pudesse ser considerado em tempo de guerra perfeitamente legal, forneceu a base política para a Colômbia declarar guerra contra a Alemanha! 

Some a isso o fato dos tripulantes jamais serem vistos novamente. Sobre essas vítimas consta que haveria quatro mulheres entre os desaparecidos e, dependendo das fontes pesquisadas, o número final de pessoas que estavam a bordo e sumiram para sempre após o ataque, varia de uma dúzia a 24.

O certo é que, coincidência ou não, a partir desse momento a situação do U-505 nas mãos dos alemães jamais foi positiva.

Material de detectação do submarino U-505.

Parece até que Netuno, o Rei dos Oceanos, se irritou profundamente com o fato daquele moderno submarino atacar um veleiro indefeso, com a alegria dos submarinistas com aquela ação e com o desaparecimento dos tripulantes. Supersticiosos como só os marinheiros podem ser, para muitos tripulantes do U-505 os infortúnios posteriores do submarino foram atribuídos ao afundamento daquela escuna.

Começo Do Azar

Logo após o ataque ao barco colombiano o comandante Axel-Olaf Löwe ficou gravemente doente. Sua condição física piorou dramaticamente nos dias seguintes e começou a afetar seu desempenho. E para piorar o quadro o comandante Löwe não conseguia afastar a sensação de que havia cometido um erro tremendo.

Na sexta-feira, 31 de julho de 1942, Löwe solicitou permissão para interromper seu cruzeiro de guerra e retornar ao porto devido à sua doença. Um dia depois o comando alemão ordenou a volta do U-505 a Lorient, mas antes ele entregou parte do combustível e suprimentos a outro submarino. Demoraram quase um mês para completar o trajeto e quase não chegaram, pois ataques de aviões britânicos ao U-505 aumentaram quando ele se aproximou do Golfo da Biscaia.

Interior do U-505 nos dias atuais.

Dois dias depois que voltou à base, Löwe foi submetido a uma apendicectomia. O atendimento médico aliviou a ameaça à sua vida, mas a dor física que ele suportou não era nada comparado à angústia emocional que ele viveu com o naufrágio daquela maldita escuna de três mastros. Por alguma razão alguém nas altas esferas do Reich alemão, que não descobri quem era, não gostou nem um pouco da atitude de Löwe em relação ao naufrágio do veleiro colombiano. Ele foi sumariamente dispensado do comando do U-505 e designado para o serviço em terra.

A situação de Löwe só não se transformou em uma catástrofe total, porque o próprio almirante Dönitz reconheceu os talentos do capitão e providenciou para que ele fosse incluído em sua equipe. Depois, entre julho de 1944 a abril de 1945, Löwe foi designado como um elemento de ligação naval no Ministério de Armamentos e Produção em Berlim, sob o comando de Albert Speer. Ele terminou a guerra na região de Schleswig-Holstein, servindo em um regimento naval antitanque próximo a Kiel, sua cidade natal. Sobreviveu e foi detido após a rendição, sendo libertado em 30 de dezembro de 1945. Faleceu no final do ano de 1984.

Já o que aconteceu depois com o U-505, foi bem mais estranho!

Oberleutnant zur See Peter Zschec – Fonte – https://uboat.net/

Após a exoneração de Löwe, assumiu o comando no dia 6 de setembro de 1942 o Oberleutnant zur See Peter Zschec. Ele tinha 25 anos de idade, começou o treinamento de submarinos em outubro de 1940 e foi designado para o U-124, comandado por Johann Mohr. Durante sua permanência na nave de Mohr, o jovem Zschec presenciou o afundamento de 22 navios inimigos e três outros foram danificados. Com toda essa bagagem e experiência, o jovem oficial foi enviado para a escola de comandantes de submarinos e o alto comando acreditava que grandes coisas seriam realizadas por Peter Zschech. 

Mas ele não correspondeu a essas altas expectativas e, de acordo com muitos relatos, não era querido por sua tripulação. Consta que Zschech foi descrito como um comandante duro, ambicioso em seu primeiro comando, indiferente ao moral dos seus homens e muito mal-humorado.

A sua primeira patrulha, de 69 dias, transcorreu em parte sem incidentes e Zschech conseguiu afundar seu único navio, o mercante britânico Ocean Justice, de 7.173 toneladas. Esse navio transportava 600 toneladas de minério de manganês como lastro e fazia a rota Karachi (Paquistão), Durban (África do Sul), ilha de Trinidad e Nova York, sendo destruído ao largo da l. Toda tripulação de 56 pessoas foi salva por barcos Aliados. 

Um Lockheed Hudson da RAF. O Brasil também utilizou modelos dessa aeronave.

Na sequência, em 11 de novembro de 1942, o submarino foi fortemente danificado por um ataque aéreo no Mar do Caribe. O impacto direto no convés de proa de uma bomba de 250 libras, lançada por um avião bombardeiro bimotor Lockheed Hudson vindo de Trinidad, arrancou o canhão do barco e rompeu gravemente o casco. O impacto foi tão estupidamente forte que o avião atacante, pilotado pelo sargento de voo australiano Ronald Rashleigh Sillcock, do 53 Squadron do Comando Costeiro da RAF, simplesmente caiu no mar. Sillcock e outros quatro tripulantes morreram diante dos atônitos marinheiros do U-505.

O sargento de voo australiano Ronald Rashleigh Sillcock, que quase afundou o U-505, mas morreu no ataque – Fonte – https://www.awm.gov.au/collection/C1277868

Zschech ordenou que seus homens abandonassem o navio, mas seus oficiais recusaram a ordem e conseguiram manter a nave à tona. A após uma verdadeira maratona, o U-505 voltou mancando para Lorient, onde chegou em 12 de dezembro, dando a nave a honra mista de ser o submarino mais danificado em combate a retornar com sucesso ao seu porto durante a guerra. A paulada levada pelo submarino foi tão grande, que os reparos demoraram seis meses. 

Sabotagens e Suicídio a Bordo

Quando Zschech novamente tentou levar o U-505 para o mar, repetidas falhas mecânicas o forçaram a voltar para reparos depois de apenas alguns dias de navegação. Isso aconteceu seis vezes consecutivas, geralmente devido à sabotagem dos trabalhadores do estaleiro francês.

Como o U-505 ficou após o ataque do sargento Sillcook.

Mesmo assim essa situação fez com que o U-505 se tornasse alvo de inúmeras piadas por sua ineficácia no combate. Diziam que enquanto alguns submarinos estavam acumulando totais de tonelagem impressionantes e outros estavam sendo afundados com toda sua tripulação, o U-505 nem tinha conseguido deixar o Golfo de Biscaia em quase um ano. Durante quase 14 meses no comando, Zschech passou apenas 96 dias no mar durante seis patrulhas. A principal piada sobre o comandante do U-505 era que, enquanto muitos outros submarinos estavam sendo afundados… “há um capitão que sempre voltará para casa … Zschech”. O U-505 também ficou conhecido como um Werftbock (cabra de doca seca). Naturalmente, isso teve um impacto deletério no moral de Zschech e de sua tripulação.

Para piorar o clima geral, mesmo sabendo que os fracassos do U-505 foram obras de sabotagem, para muitos marinheiros alemães em Lorient, o azar havia impregnado o casco daquele submarino e nada mais poria aquela nave nos eixos. O certo é que os membros da tripulação do U-505 começaram a comentar com colegas de outros submarinos seus infortúnios e mostravam o temor do que poderia acontecer.

Com cada mau funcionamento, o comportamento do comandante Zschech tornou-se mais errático, alternando entre introversão taciturna e explosões sádicas de agressão.

O comandante Zschech na torre do U-505 em Lorient

Mas o pior estava por vir!

Em 10 de outubro de 1943, o U-505 finalmente conseguiu deixar Lorient com sucesso. Depois de apenas 14 dias, o submarino chamou a atenção de um par de contratorpedeiros Aliados enquanto emergia a leste dos Açores. O U-505 sofreu um forte ataque de cargas de profundidade concentrada, um procedimento muito comum para tripulações de submarinos alemães neste ponto da guerra. Mesmo assim Peter Zschech desabou de vez, sofreu um colapso nervoso e tirou a própria vida na sala de controle do barco com um tiro na cabeça de uma pistola Luger (alguns afirmam que a pistola era uma Walter PPK). 

O certo é que Zschech ganhou notoriedade como primeiro (e até agora único) comandante de submarino a cometer suicídio enquanto estava no comando ativo de uma embarcação debaixo d’água. O oficial Paul Mayer, com 26 anos de idade, assumiu o comando, evitou os perseguidores e devolveu o barco a Lorient em 7 de novembro de 1943.

O suicídio do seu comandante devastou o moral dos tripulantes do U-505. Mas o almirante Dönitz não dispersou a tripulação por outros submarinos, temendo que a boataria sobre esse episódio logo se espalhasse e gerasse um forte efeito negativo no moral da frota.

Dönitz chamou então um velho lobo do mar para colocar ordem naquela verdadeira zona que havia se tornado o U-505.

“Irmão Mais Velho”

O Oberleutnant zur See Harald Lange tinha 40 anos de idade quando assumiu esse comando, sendo na época um dos oficiais mais velhos na Unterseebootswaffe (Frota de Submarinos). 

Oberleutnant zur See Harald Lange .

Lange era um homem fisicamente imponente, que tinha quase dois metros de altura e possuía uma voz de barítono. O novo comandante do U-505 nasceu em Hamburgo no dia 23 de dezembro de 1903 e antes da Segunda Guerra era capitão de um navio da Linha Hamburgo-Americana. Continuou a trabalhar na marinha mercante até ser chamado para o serviço ativo em 1939. Seu primeiro comando foi um barco caça minas, depois assumiu um barco patrulha no Mar Báltico, onde danificou um submarino inglês em um combate noturno. No final de 1941 se juntou a frota de submarinos.

Lange era um homem mais maduro do que a maioria dos comandantes de submarinos alemães, que na sua atividade em navios mercantes aprendeu a lidar com marinheiros, ganhando confiança e exercendo liderança. Não sendo um oficial naval profissional, talvez fosse mais tolerante com as fragilidades humanas do que um rígido oficial da Marinha alemã, embora não mimasse seus homens e insistisse que coisas importantes fossem feitas exatamente da maneira certa. Mas ele entendia o que a tripulação do U-505 havia passado, era informal em seus tratos com eles e fazia concessões nas pequenas coisas. Lange se tornou um tipo de “irmão mais velho”, que era exatamente o que essa equipe precisava se quisesse se manter unida.

O comandante Lange, de quepe branco, junto a tripulação do U-505 – Fonte – https://www.msichicago.org/

A primeira experiência de Lange a bordo de um submarino foi como oficial de guarda do U-180, que tinha como comandante o Korvettenkapitän Werner Musenberg. Neste submarino Lange participou de uma missão bastante diferente para a maioria dos submarinos alemães na Segunda Guerra.

O U-180 era um modelo quase único, um submarino de longo alcance, com parte de sua estrutura interna removida para criar um compartimento para carga extra. Nesta missão, essa nave partiu da Alemanha com correio diplomático para a embaixada alemã em Tóquio, projetos de motores a jato, materiais técnicos para os militares japoneses, duas toneladas de ouro e dois passageiros indianos. Um deles era Subhas Chandra Bose, um ativista que lutava pela liberdade da Índia do julgo britânico e contava com o apoio dos nazistas. Bose deu meia volta no mundo a bordo do U-180 para retornar secretamente a sua terra e buscar insuflar a revolta do povo hindu contra os britânicos e conseguir a independência. Em 27 de abril de 1943 o U-180 realizou um encontro no Oceano Índico com o submarino japonês I-29, que recebeu os ativistas para levá-los a Sumatra e os preciosos materiais para o Japão. Aquela missão foi altamente secreta, tendo sido cumprida de forma excepcional e o U-180 ainda afundou dois navios de carga aliados no seu trajeto para a França.

Última Patrulha

Logo o U-505 foi para o mar!

Exemplo de um submarino partindo para o Oceano Atlântico – Fonte – Bundesarchiv – https://pt.wikipedia.org/wiki/U-108#/media/Ficheiro:Bundesarchiv_Bild_101II-MW-3956-05A,_Frankreich,_Lorient,_U-107.jpg

Entre o dia 20 e 21 de dezembro de 1943, aquele complicado submarino partiu em um novo cruzeiro de guerra, mas tal como nas outras vezes, retornou a Lorient por causa de um vazamento em seu primeiro mergulho prático. Parecia que nada dava certo naquela nave!

Finalmente no sábado, 25 de dezembro de 1943, em pleno dia de Natal, o U-505 deixou novamente Lorient, apenas para no dia 28 seguir para resgatar sobreviventes do barco torpedeiro alemão T-25, que tinha sido afundado na Baía de Biscaia durante uma batalha entre torpedeiros alemães e destroieres britânicos. Depois de emergir para conduzir uma busca de cinco horas de duração, o U-505 recolheu 34 sobreviventes, de nove botes salva-vidas. O submarino então se dirigiu para o porto francês de Brest, quando na manhã do dia 30 de dezembro foi atacado por um avião inglês que lançou duas bombas. O ataque alarmou e sacudiu os homens da frota de superfície, mas a tripulação do U-505 levou a coisa toda na maior indiferença. Mas o ataque atingiu o eixo de uma das hélices, o que dificultou a navegação.

Quando chegaram a Brest uma barcaça cheia de correspondentes de guerra veio até o submarino para cobrir a história do resgate. Aí do nada, enquanto os jornalistas estavam a bordo do U-505, ocorreu um incêndio elétrico!

Fogo em um submarino alemão – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/German_submarine_U-515

Os jornalistas estavam obtendo algumas imagens internas do submarino, quando inesperadamente um clarão cegante, semelhante a um relâmpago, irrompeu da sala do motor elétrico. Um enorme raio branco-azulado de eletricidade estava saindo e uma grande nuvem de fumaça branca, que se transformou em uma fumaça negra e malcheirosa, exalava do motor. Essa dramática exibição elétrica causou pânico imediato entre os jornalistas, que correram como um rebanho de gado assustado em direção à sala de controle. Os sobreviventes do barco de patrulha T-25 juntaram-se a eles quando a nuvem de fumaça sufocante começou a invadir o barco. O fogo foi logo controlado e o submarino foi para o estaleiro.

Somente em 16 de março de 1944, depois de dez semanas em Brest, o U-505 partiu para a sua décima segunda e última patrulha! 

Para essa saída ao mar a tripulação do U-505 era composta de 59 homens, sendo cinco oficiais, 17 suboficiais e 37 recrutas não qualificados. Sua área operacional deveria ser ao largo da costa oeste da África, na região da cidade portuária de Freetown. Mas devido a ação dos aviões britânicos de caça de submarinos, o U-505 levou doze dias para atravessar o Golfo da Biscaia.

Visão a partir de um periscópio de um submarino – Fonte – http://www.spiegel.de/

Na sua área de patrulha o submarino não encontrou alvos durante um mês inteiro e o único barco que visualizou foi um navio de passageiros de 9.000 toneladas do neutro Portugal. Nesse meio tempo, como era normal com aquela nave, vários sistemas mecânicos quebraram e Lange poderia ter retornado à base, mas preferiu mandar consertá-los no mar. Os tripulantes do U-505 não tinham mais certeza se aqueles fatos eram exemplos de sabotagem, sinais de queda na qualidade do material de guerra, ou definitivamente aquele barco estava amaldiçoado.

Em 30 de maio de 1944 Lange definiu o curso para leste, em direção à África Ocidental Francesa. Percorreu 84 milhas em 42 horas, antes de mudar o curso de volta para o norte. Na manhã do dia 4 de junho, o U-505, continuava cruzando os mares da África Ocidental em busca de oportunidades para enviar navios aliados para o fundo do oceano. Em dado momento, de forma inesperada, cargas de profundidade vindas do navio da Marinha dos Estados Unidos USS Chatelain explodiram.

O Submarino Está Subindo!

Embora acertar o submarino com cargas de profundidade tenha sido um golpe de sorte, nessa época os serviços de inteligência dos Aliados já haviam conseguido decifrar mensagens e informações que permitiram à Marinha dos Estados Unidos aprimorar-se na caça dos submarinos inimigos.

O Uss Pillsbury, um dos navios que atacou o U-505 – Fonte – US Navy

Foi descoberto que um grupo de submarinos alemães estavam conduzindo uma operação de caça e destruição de navios mercantes Aliados próximo as ilhas de Cabo Verde. A Marinha americana então enviou um grupo de navios para capturar e destruir esses submarinos. O grupo era comandado pelo comandante Daniel V. Gallery, a bordo do porta-aviões USS Guadalcanal. Ele estava acompanhado por cinco destroieres, que operavam sob o comando do capitão Frederick S. Hall. Esses navios eram o USS Pope, USS Jenks, USS Pillsbury, USS Flaherty e o já comentado destroier Chatelain. Esse grupo de navios foi denominado United States Navy Task Group 22.3 (TG 22.3). 

Os membros dessa flotilha embarcaram do porto de Norfolk, na Virgínia, em 15 de maio de 1944 e no final do mês suas tripulações começaram a missão de localizar e destruir os submarinos inimigos na costa ocidental africana. Eles estavam equipados com tecnologia de sonar de localização de alta frequência chamado “Huff Duff” e foram auxiliados pelo reconhecimento aéreo proporcionado por duas esquadrilhas do Guadalcanal, sendo uma formada por aeronaves Grumman F4F Wildcat e outra de Grumman TBF Avenger.

O USS Guadalcanal sendo sobrevboado por um Grumman TBF Avenger – Fonte – https://www.navsource.org/archives/03/0306014.jpg

Pouco antes de meio-dia de 4 de junho, através do contato de sonar o grupo de destroieres encontrou um alvo. Estavam à aproximadamente 150 milhas (280 km) de distância da costa da antiga colônia espanhola de Rio de Oro, que atualmente corresponde ao Saara Ocidental.

Logo a nave nazista ficou a apenas 800 jardas (700 metros) a estibordo da proa do destroier Chatelain. Toda a força naval americana respondeu rapidamente ao chamado de ação e se moveram em direção ao submarino. O Guadalcanal lançou um F4F Wildcat para se juntar a outro F4F e um TBF Avenger que já estavam patrulhando. Surpreendentemente quando o Chatelain partiu para atacar o submarino, ele estava tão perto que suas cargas de profundidade não puderam cair com rapidez suficiente para atingir o submersível. Felizmente aqueles caçadores de submarinos sabiam exatamente o que fazer.

Ao passar sobre o U-505 a tripulação disparou morteiros antissubmarino “Hedgehog” e retornaram para realizar um ataque de acompanhamento. Enquanto o Chatelain se posicionava, uma aeronave avistou a nave alemã e marcou sua posição. O Chatelain novamente lançou suas cargas de profundidade, atingindo o submarino e fazendo com que ele vazasse óleo combustível abundantemente. Um dos pilotos na área transmitiu pelo rádio a seguinte informação para a tripulação do destroier – “Você descobriu petróleo! O submarino está subindo!”. 

Corrida Para Salvar o Submarino

O ataque foi rápido e produtivo. O tempo total necessário para forçar o submarino subir à superfície foi de pouco menos de sete minutos. O U-505 emergiu a cerca de 700 jardas (640 metros) do Chatelain, fortemente danificado e sem opções de defesa. Nesse momento tudo que pertencia a Marinha dos Estados Unidos e estava na água e no ar abriu fogo com todas as suas armas contra o submarino.

U-505 estava com pouca eletricidade e sendo destruído. O comandante Lange acreditava que não havia como o submarino sobreviver ao ataque e então ordenou que sua tripulação abandonasse a nave. Mas quando sua ordem foi dada, seus homens não seguiram o protocolo adequado de destruírem a embarcação ao abandoná-la. Algumas das válvulas foram deixadas abertas para entrar água do mar, mas não foi o suficiente para o submarino afundar e, para cúmulo do azar e piorar a situação, os alemães deixaram os motores funcionando em marcha lenta. 

O U-505 navegando em círculos e abandonado – Fonte – https://uboat.net/

O resultado foi que o U-505, que teve o leme danificado pelas cargas de profundidade, começou a circular lentamente no sentido horário a velocidade de aproximadamente 7 nós (13 km/h). Nesse meio tempo o comandante do Chatelain viu o submarino virando para seu navio e pensou que ela estava prestes a atacar, então ordenou que um único torpedo fosse disparado. Por sorte a tripulação do Chatelain errou o U-505 vazio. Depois desse erro, os caçadores perceberam que o submarino havia sido abandonado e o Chatelain e o Jenks começaram a resgatar os sobreviventes.

O comandante Daniel V. Gallery ordenou que um grupo de embarque de oito homens do destroier Pillsbury, comandados pelo tenente Albert Leroy David, buscassem evitar que o submarino afundasse, garantindo sua captura para os serviços de inteligência dos Estados Unidos, que assim poderia descobrir os segredos dos temidos submarinos alemães.

O grupo de tenente Albert invadindo o submarino

Leroy David e seu grupo conseguiram abordar o submarino em uma corrida no meio do oceano e subiram na torre de comando. No convés eles encontraram o corpo do sinaleiro de primeira classe Gottfried Fischer, a única fatalidade do combate, e o U-505 completamente vazio de gente. 

A tripulação americana que se infiltrou no U-505, interrompeu os vazamentos fechando as válvulas de escape e mantiveram o submarino flutuando, mesmo com uma boa quantidade de água no seu interior. Eles também desligaram os motores e começaram a trabalhar para proteger o que havia dentro e fosse útil para o pessoal da inteligência. O grupo descobriu gráficos, livros de códigos difíceis de encontrar e desarmou as cargas de demolição que haviam sido plantadas pelos submarinistas em fuga, mas que, outro azar dos germânicos, não funcionaram!

A esquerda vemos o comandante Daniel V. Gallery, junto ao tenente Albert L. David, fotografados a bordo do USS Guadalcanal em junho de 1944. O tenente Albert foi condecorado postumamente com a Medalha de Honra do Congresso, a mais alta condecoração militar dos Estados Unidos, por ter liderado o grupo de abordagem que invadiu o U-505. Ao final da Guerra, pouco antes de ocorrer a cerimônia de entrega da medalha na Casa Branca, em Washington, o tenente Albert morreu de um ataque cardíaco. Sua esposa recebeu a comenda das mãos do presidente Harry S. Truman – Fonte – US Navy.

O próximo passo do comandante do Pillsbury foi tentar rebocar o submarino de volta para as proximidades do porta aviões Guadalcanal, o maior navio daquela pequena frota. Infelizmente o U-505 colidiu com o destroier repetidamente e o Pillsbury teve que se afastar com três compartimentos inundados. 

O U-505 ao lado do USS Pillsbury – Fonte – https://uboat.net/

Depois que o reboque inicial falhou, um segundo grupo de embarque foi enviado do Guadalcanal pelo comandante Gallery e conseguiram colocar um cabo de reboque do porta-aviões para o submarino e começaram a arrastar a nave alemã até um local seguro. 

O engenheiro chefe do Guadalcanal, comandante Earl Trosino, encontrou uma forma para que as hélices do U-505 girassem através do deslocamento da água proporcionado pelo reboque e isso regenerou as baterias do submarino. Consequentemente foi possível bombear para fora a água do mar e os compressores de ar começaram a encher os tanques de lastro. O resultado final foi o submarino totalmente emerso na superfície.

O U-505 sendo atado ao porta aviões Guadalcanal – Fonte – https://uboat.net/

Depois de ser rebocado por três dias, o comandante Gallery ordenou que o submarino fosse transferido para o rebocador da frota USS Abnaki, onde conseguiu chegar no dia 19 de junho a Port Royal Bay, nas Bermudas, após ter percorrido 1.700 milhas náuticas (3.150 km). O U-505 era a primeira captura da Marinha dos Estados Unidos em mais de um século, tendo a última ocorrido durante a guerra de 1812. Além disso esse submarino inimigo foi um dos seis que foram capturados pelas forças Aliadas durante toda Segunda Guerra Mundial.

Benefícios e Uma Quase Punição

Junto com o submarino, quase 60 prisioneiros foram entregues nas Bermudas. Depois esses homens foram internados em Camp Ruston, na Louisiana. 

Quando ainda estavam detidos, alguns dos prisioneiros alemães aprenderam a jogar beisebol com os guardas americanos, que eram membros de um time de beisebol da Marinha. Enquanto os prisioneiros nazistas estavam aprendendo um esporte americano, a Marinha dos Estados Unidos estava aprendendo os segredos internos do U-505

Material capturado do U-505, no hangar do USS Guadalcanal – Fonte – https://uboat.net/

Além dos mapas, livros atualizados de códigos de coordenadas, um livro de códigos curtos e, o maior dos prêmios, os americanos conseguiram capturar intacta uma máquina decifradora conhecida como “Enigma”. Todas as informações conseguidas nessa abordagem foram divididas com os britânicos e uma equipe de criptografia começou a trabalhar no material recém capturado.

Aquele material forneceu uma vantagem perfeita para os Aliados. Usando documentos recuperados do submarino, a Marinha dos Estados Unidos despachou navios para as localizações dos submersíveis e navios de guerra da Marinha alemã e assim destruí-los. Além disso as rotas de transporte de suprimentos foram cuidadosamente planejadas para minimizar os danos que os alemães poderiam causar aos barcos Aliados.

Prisioneiros do U-505, no USS Guadalcanal – Fonte – https://uboat.net/

Embora os benefícios de curto prazo fossem cruciais, a captura do submarino em si trouxe capacidades de longo prazo para defender adequadamente os navios de guerra contra os submarinos nazistas. Os torpedos do U-505 eram do tipo acústicos e foram dissecados e testados. Isso permitiu a criação de um sistema de contra-ataque capaz de combater mais eficazmente as naves submersíveis alemãs.

Surpreendentemente, mesmo com a captura do submarino, chegou-se a cogitar uma punição ao comandante Gallery! 

O controverso almirante Ernest J. King, Chefe de Operações Navais dos Estados Unidos, considerou uma corte marcial ao comandante Gallery, porque ele rebocou o U-505,em vez de afundá-lo após capturar os livros de código e a máquina “Enigma”. King acreditava que o reboque tenha levado a possíveis vazamentos de informações e isso poderia ocasionar sabotagens dos nazistas.

Ernest J. King

Ernest King serviu 55 anos na ativa na Marinha dos Estados Unidos, uma das carreiras mais longas já registradas para esse serviço. Foi o único homem que já ocupou simultaneamente os cargos de Chefe de Operações Navais e Comandante-em-chefe da Frota daquele país, tornando-o um dos oficiais mais poderosos na história daquela força naval. King era altamente inteligente e extremamente capaz, mas controverso e difícil. A sua propalada franca honestidade e seu temperamento explosivo, fizeram com que ele angariasse vários inimigos, deixando um legado misto. Por exemplo, o general Dwight D. Eisenhower, Comandante em Chefe das Forças Aliadas na Europa, reclamou em seu diário particular que o almirante King era “um tipo arbitrário e teimoso, com pouco cérebro e uma tendência a intimidar os mais novos”. Era amplamente respeitado por sua habilidade, mas não era apreciado por muitos dos oficiais que comandava. Existem insinuações que King chegou mesmo a utilizar do seu poder para tentar conquistar mulheres de seus oficiais inferiores. Ainda sobre essa figura, Franklin D. Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos durante maior parte da Segunda Guerra, certa vez descreveu King como “um homem que faz a barba todas as manhãs com um maçarico”.

Jornal americano da época noticiando a captura.

A ideia maluca de punição do almirante King não prosperou e a iniciativa de salvar o submarino foi muito elogiada, abrindo o caminho para o competente comandante Daniel V. Gallery receber uma promoção de almirante.

Salvo Em Um Museu

Para garantir ainda mais o segredo, a tripulação do U-505 foi completamente isolada. Eles não viram nenhum outro prisioneiro durante seu tempo de cativeiro e até mesmo a Cruz Vermelha teve o acesso negado a eles. Mas a aposta valeu a pena, pois a Alemanha declarou a morte da tripulação do submarino e informou as famílias. Os prisioneiros só seriam libertados e voltariam para casa em 1947.

O U-505 junto a um navio da Marinha americana.

O U-505 ficou na Base Operacional Naval dos Estados Unidos nas Bermudas e os oficiais e engenheiros da inteligência da Marinha o estudaram intensamente. Para manter a ilusão de que a nave alemã havia sido afundada, em vez de capturada, ela foi pintada para se parecer com um submarino americano e rebatizado como USS Nemo. A marinha removeu o periscópio da nave alemã e o colocou em um tanque de água usado para pesquisas em um laboratório em San Diego, na Califórnia.

Após as análises, o U-505 foi utilizado como máquina de propaganda e promoveu entre a população americana a venda de bônus de guerra. Em junho de 1945 o submarino visitou as cidades de Nova York, Filadélfia, Baltimore e foi até a capital Washington. Qualquer cidadão que comprasse um bônus de guerra, tinha direito a embarcar e conhecer o submarino. 

Após o fim do conflito a marinha fez pouco uso do submarino e ele ficou esquecido no Estaleiro Naval de Portsmouth, New Hampshire. Então ficou decido utilizá-lo como alvo de seus navios de guerra, até que afundasse. Mas o agora contra almirante Daniel V. Gallery se opôs aos planos sobre o destino do U-505. Ele comentou o caso com um irmão, um religioso influente, que conhecia Lenox Riley Lohr, o diretor do prestigioso MSI – Museum of Science and Industry (Museu de Ciência e Indústria) de Chicago. Lohr foi contatado para saber se a instituição que dirigia, gostaria de receber o famoso U-505. A resposta foi um eloquente “sim”!

Em setembro de 1946 decidiu-se que o governo dos Estados Unidos doaria o submarino ao museu e logo começou uma campanha junto aos habitantes de Chicago para arrecadar dinheiro para transportar o submarino e preparar o museu para recebê-lo. Conseguiram 250.000 dólares.

O U-505 nos Estados Unidos na década de 1950 – Fonte – https://uboat.net/

Em Chicago o pessoal do MSI descobriu que quase todas as partes removíveis haviam sido arrancadas do interior do U-505 e ele não estava em condições de servir para uma exposição. O diretor Lohr então contactou as empresas alemães que originalmente forneceram peças para a fabricação da nave e solicitou aos fabricantes que fornecessem os mesmos componentes e peças originais do submarino. Consta que todas as empresas não negaram apoio e forneceram as peças solicitadas gratuitamente. Desejavam assim que aquelas peças e o submarino servissem para mostrar a capacidade da tecnologia alemã.

O U-505 nos dias atuais. Reparem no buraco de um disparo de canhão na torre, ocasionado no dia de sua captura – Fonte – https://www.msichicago.org/

Em 25 de setembro de 1954, o submersível capturado tornou-se uma exposição permanente no MSI e foi criado um memorial para todos os marinheiros que perderam suas vidas na Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Vinte anos após a captura do U-505, em meio a uma reunião realizada no museu que uniu antigos inimigos, o almirante Daniel Gallery devolveu ao comandante Harald Lange um par de binóculos que lhe pertencera. Lange faleceu em 1967 e Gallery dez anos depois.

Recordam do periscópio que foi removido do U-505 e levado para San Diego? Pois bem, ele ficou esquecido por lá durante décadas, mas em 2003 foi reencontrado e a Marinha o doou ao museu para ser exibido junto com o submarino.

Torre do U-505 nos dias atuais – Fonte – https://www.msichicago.org/

Em 2004, o exterior do U-505 havia sofrido danos perceptíveis pelo tempo. O museu então o mudou para um novo local climatizado em abril de 2004. Eles o restauraram e reabriram ao público em 5 de junho de 2005.

Em 2019, o Museu da Ciência e Indústria reformou a antiga nave, restaurando-o para ficar mais próximo de sua condição original e uma exposição especial com muitos artefatos adicionais foi aberta.

E o submarino U-505 está lá no MSI, tendo voltado a receber visitantes em 2021, após grande parte do público americano já ter sido vacinados contra o Covid-19.

————————————————————————————————-

FONTES

https://www.thevintagenews.com/2016/01/31/50264/?fbclid=IwAR20jMvads0WpMU0ctv0dG4hgPmcRnWnSGxYsPllx2kbq-kFdvaBwds8H-

https://deanoinamerica.wordpress.com/2014/03/22/u-505-das-booot

https://deanoinamerica.wordpress.com/2014/03/22/u-505-das-boot/https://en.wikipedia.org/wiki/German_submarine_U-505

https://inthegardencity.com/2018/08/29/the-u-505s-service-history-before-capture-the-war-patrols-of-axel-olaf-lowe-by-s-m-oconnor

https://uboat.net/allies/merchants/ship/1953.html

https://uboat.net/boats/u505.htm