É FATO QUE O EXÉRCITO BRASILEIRO PRODUZIU UM MATERIAL COM FOTOS E FILMES SOBRE NATAL E A BASE DE PARNAMIRIM DURANTE A SEGUNDA GUERRA? E ONDE SE ENCONTRA ESSE RARO MATERIAL?

Descobri Que o Exército Brasileiro Realizou em 1942 Todo um Trabalho Documental e Iconográfico, Com Fotos e Filmes Sobre Natal e a Base de Parnamirim. Mas onde está esse material???

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Mesmo com muitos historiadores não aceitando essa situação, o tema sobre a cidade de Natal durante a Segunda Guerra Mundial sempre foi algo que chamou (e chama) bastante a atenção do povo dessa cidade, sendo os materiais produzidos sobre esse período da história local os mais consumidos. São livros, vídeos, histórias em quadrinhos, peças de teatro e outros produtos.

NATAL, BRASIL – JUNHO 1943: A view as US servicemen at the Parnamirim airport at the US Air Force base in Natal, Brazil. (Photo by Ivan Dmitri/Michael Ochs Archives/Getty Images) *** Local Caption***

A presença de tropas estrangeiras na cidade, dos atos de espionagem nazifascista em Natal, a reação dos natalenses envolvidos nesse contexto, o que mudou na cidade, o que a população conseguiu de vantagem com tudo isso e também o que sofreu, são sempre pontos de interesse dos moradores da “Cidade do Sol”.

Enfim, devido a sua propalada posição estratégica, Natal foi seguramente a cidade mais envolvida na Segunda Guerra Mundial na América do Sul.

Parnamirim Field – Fonte – NARA.

Aqui existiu uma das maiores bases aéreas Aliadas envolvidas no conflito e daqui partiram milhares de aeronaves para atuarem em diversas frentes de combate, desde a África, passando pela Europa e chegando até a China.

Por aqui sempre chamou atenção quando surgem novos dados e materiais, principalmente iconográficos, sobre a cidade naqueles tempos turbulentos. Uma coleção de novas fotos, ou até mesmo uma simples foto, já é motivo de discussão entre aqueles que gostam de observar esse período da História da cidade.

E com muita satisfação eu descubro que o Exército Brasileiro realizou em 1942 todo um trabalho documental e iconográfico, com fotos e filmes sobre Natal e a Base de Parnamirim. Todo esse material foi destinado para a produção de uma palestra que se realizou nas primeiras semanas de janeiro de 1943, no antigo Palácio da Guerra, atual Palácio Duque de Caxias, ao lado da Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Vejam abaixo!

Maravilha! Mas como foi produzido esse material? Quem o produziu? Quem foi o oficial que apresentou esse trabalho no Rio? E o mais importante – onde está esse material?

Sobre Quem Apresentou

Nos jornais brasileiros, não consta o nome de quem realizou e produziu o material iconográfico, mas como as notícias apontam o capitão Jefferson Cardim de Alencar Osorio como o palestrante do evento no Palácio Duque de Caxias e devido a sua patente, o mais provável é que ele tenha sido o responsável por essa pesquisa.

Mas quem era Jefferson Cardim e como ele veio parar em Natal?

O capitão Jefferson Cardim de Alencar Osorio na época da Segunda Guerra.

Sabemos que nasceu em 17 de fevereiro de 1912 no Rio de Janeiro, sendo filho do capitão de corveta Roberto de Alencar Osorio e da professora Corina Cardim de Alencar Osório.

Apesar de ter um pai oficial da Marinha, Cardim decidiu seguir a carreira militar no Exército. Entrou na Escola Militar do Realengo, sendo declarado aspirante a oficial em 25 de janeiro de 1934 (Turma Marechal José Pessoa) na arma de artilharia. Logo ô jovem oficial foi promovido a segundo tenente.

A sua primeira unidade foi o 6º Grupo de Artilharia de Costa (6º G. A. Co.), no Forte de Coimbra, no atual estado do Mato Grosso do Sul. Em 1936 estava no 4º Regimento de Artilharia Montado (4º R. A. M.), em Itu, interior de São Paulo, sendo depois transferido para Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para atuar no 5º Regimento de Artilharia Montado (5º R. A. M.), conhecido como Regimento Mallet. Na sequência veio para Niterói, Rio de Janeiro, para servir no Forte de São Luiz, como oficial da 2ª Bateria Independente de Artilharia de Costa (2ª B. I. A. C.).

Canhão alemão antiaéreo de 88m.m. do I/3º R. A. A. Ae e utilizado em Natal.

Em dezembro de 1941, um dia antes do ataque japonês a base americana de Pearl Harbor, ele concluiu o curso de defesa antiaérea e logo foi transferido para o Primeiro Batalhão do 3º Regimento de Artilharia Antiaérea (I/3 R. A. A. Ae.) que estava aquartelado em Natal, tendo sido promovido a capitão.

Como Pode Ter Sido Realizado Esse Trabalho

Certamente trabalhando com outros militares e provavelmente devido ao volume de informações, o capitão Jefferson Cardim decidiu dividir o seu trabalho em duas partes. Em uma das partes ele trabalhou com dados sobre a topografia, clima, custo de vida (que estava subindo bastante em Natal com a presença dos militares americanos), saúde, alimentação, ambiente social e cultural.

NATAL, BRASIL – JUNHO 1943: A street view as servicemen talk with locals in Natal, Brazil. (Photo by Ivan Dmitri/Michael Ochs Archives/Getty Images) *** Local Caption***

Na outra parte, segundo foi publicado nos jornais, foram basicamente contemplados os aspectos relativos a defesa militar de Natal, a defesa da Base de Parnamirim e finalizando havia o foco sobre os militares brasileiros e americanos na região. Foi visado o número de militares atuando na área e, provavelmente, nesse último quesito um dos pontos observados podem ter sido os aspectos da interação e convivência entre as forças do Brasil e dos Estados Unidos, algo que preocupava os dois governos.

NATAL, BRASIL – JUNHO 1943: US servicemen sit to have a drink at the Grande Hotel in NATAL, BRAZIl. (Photo by Ivan Dmitri/Michael Ochs Archives/Getty Images) *** Local Caption***

Outras coisas colocadas pelo capitão Jefferson Cardim nessa última parte dos estudos e da palestra são os chamados “pontos sensíveis importantes” como as vias de transporte em Natal, tanto terrestre como fluvial, nesse caso certamente o Rio Potengi. Outros pontos eram as “defesas naturais da cidade” uma parte específica sobre as dunas que cercam Natal. Havia ainda uma parte sobre “o moral da tropa” e outro sobre as “Secas na defesa do Nordeste”. Sobre essa última parte parece que esse militar e quem mais o tenha assessorado adentraram para o sertão potiguar.

Apresentação no Rio de Janeiro

Quando esse projeto teve início e quando se deu sua finalização não sabemos. Mas sabemos que o capitão Jefferson Cardim sofreu um acidente quando estava em Natal, mas não é comentado em nenhum local o que lhe aconteceu. Mas aparentemente foi algo grave, pois consta uma notícia publicada no jornal carioca Diário de Notícias, de 9 de agosto de 1942, que ele veio de Natal para o Rio de Janeiro para ficar internado no Hospital Central do Exército e estava acompanhado do soldado Antônio da Conceição, lotado no I/3 R. A. A. Ae.

Dois meses depois, dia 20 de novembro, é publicado no mesmo Diário de Notícias uma reprodução do Boletim Interno nº 269 da Diretoria de Artilharia, ordenando que Cardim fosse “inspecionado” pela Diretoria de Saúde para a conclusão da sua licença de saúde.

Jefferson Cardim quando era coronel, no início da década de 1960.

As próximas noticias sobre Cardim é a divulgação da palestra, que foi chamada “Conferência sobre a Defesa de Natal”.

Em um mesmo dia (03/12/1942) foram publicadas três notas explicativas sobre a conferência em jornais do Rio (Jornal do Brasil, Diário de Notícias e Gazeta de Notícias). Dois dias depois esse material foi repetido na imprensa natalense no jornal A Ordem. Todos esses jornais comentaram que a palestra iria ocorrer no dia 9 de dezembro, uma quarta feira, às duas da tarde. Depois surgiu outra nota informando que foi alterada para o dia 13, no mesmo horário.

Bem, se a conferência aconteceu, ou não, sinceramente eu não sei!

Como o evento se desenrolou e como foi apresentado, ou como foi visto e recebido pelos presentes e até quem estava por lá é um mistério!

Soldados dos Dragões da Indepêndencia no interior do Palácio Duque de Caxia em 1942.

E a razão foi porque não encontrei nenhuma indicação sobre isso nos jornais e revistas disponíveis no site da Biblioteca Nacional. Também fiz uma busca nos riquíssimos sites do Arquivo Nacional e nada. Mas eu não acredito que depois de tanta propaganda, tanta divulgação em alguns dos principais jornais do país, esse evento deixou de acontecer.

Evento no Palácio Duque de Caxias em 1945, com a participação do general Eurico Gaspar Dutra e o general norte-americano Mark Clark, comandante do 5º Exército dos Estados Unidos na Itália.

Mas no final das contas, o mais importante é saber o que foi feito desse importante material, que teoricamente foi apresentado pelo capitão Jefferson Cardim.

Guerrilha de Três Passos

Jefferson Cardim continuou no Exército Brasileiro, progrediu na carreira militar, mas adentrou bastante no aspecto político e houve consequências para ele e sua família.

O coronel Jefferson Cardim e sua esposa em uma solenidade.

Segundo os sites Memória da Democracia e Memória da Ditadura ( https://memorialdademocracia.com.br/card/ditaduras-se-unem-as-ordens-de-tio-sam e https://memoriasdaditadura.org.br/personagens/jefferson-cardim/  ), esses são os fatos envolvendo Cardim e a criação de um núcleo de guerrilheiros contra o Regime Militar em 1965.

Na noite de 26 de março de 1965, um grupo de camponeses, militares e profissionais liberais liderado pelo coronel do Exército Jefferson Cardim Osório e pelo sargento da Brigada Militar (PM) Albery Vieira dos Santos toma a cidade de Três Passos (RS).

Militares coletando informações na região de Três Passos, Rio Grande do Sul.

Depois de cortar a comunicação telefônica da localidade e levar armas, fardas e munição do destacamento policial, o comando invadiu a rádio local e transmitiu um manifesto contra a ditadura. Dali, o grupo partiu para os municípios de Tenente Portela e Barra do Guarita, no Rio Grande do Sul, e Itapiranga, em Santa Catarina, onde tomaram os postos da Polícia Militar.

A prisão dos guerrilheiros deu-se na cidade paranaense de Capitão Leônidas Marques dois dias mais tarde. O coronel Cardim fazia parte do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), grupo de militares ligados ao ex-governador Leonel Brizola, exilado no Uruguai. 

Jefferson Cardim preso.

Cardim é conhecido por ser o líder de um dos primeiros movimentos armados contra a ditadura. Filho de um oficial da Marinha, em diversas situações se posicionou contra as orientações do exército. Com o golpe, a ditadura cassou sua patente e o aposentou depois do Ato Institucional Nº 1 (AI-1).

Quando ele já estava no Uruguai, por auxílio de João Goulart, organizou o Movimento 26 de Março, também conhecido como Guerrilha de Três Passos. Da cidade do Rio Grande do Sul de mesmo nome, o grupo do coronel subiu em direção ao Paraná. Isso porque, no dia 26 de março de 1965, o presidente Castelo Branco estaria em Foz do Iguaçu para a inauguração da Ponte da Amizade, na fronteira entre Brasil e Paraguai.

Solenidade no velório do sargento Carlos Argemiro de Carvalho, paranaense, única vítima da Guerrilha de Três Passos.

A ação foi frustrada pelas tropas do governo, resultando na dispersão e posterior prisão de todos os insurgentes. Preso e levado a Curitiba (PR), Cardim foi torturado e ficou detido até 1968, quando conseguiu fugir. Em 1970, foi sequestrado na Argentina, como uma das primeiras ações da Operação Condor”.

Em 1985, Jefferson Cardim teve a sua anistia cassada e foi viver fora do país como refugiado Através da ação de setores da Organização das Nações Unidas (ONU), o governo francês o acolheu e durante a sua permanência em Paris. lhe concederam uma ajuda de 3.600 francos, que, segundo Cardim declarou, dava para comer em restaurantes universitários e dormir em um quartinho de hotel no Quartier Latin.

Faleceu no Rio de Janeiro, em 29 de janeiro de 1995.

1994 – JORNAL DE NATAL: OS DIAS DE GLÓRIA DOS B-25 E DO BOOGIE-WOOGIE NO BRASIL – A REPORTAGEM DO JORNAL THE NEW YORK TIMES SOBRE NATAL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

1994 – JORNAL DE NATAL: OS DIAS DE GLÓRIA DOS B-25 E DO BOOGIE-WOOGIE NO BRASIL – A REPORTAGEM DO JORNAL THE NEW YORK TIMES SOBRE NATAL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Por James Brooke – 26 de abril de 1994 – Fonte – https://www.nytimes.com/1994/04/26/world/natal-journal-brazil-s-glory-days-of-b-25-s-and-boogie-woogie.html

Depois de esticar em vão a rede numa tarde quente, um pescador finalmente mergulhou no mar, frustrado. Ao emergir das águas turvas do rio Potengi, ele relatou uma captura grande demais para seu barco a remo: um bombardeiro bimotor B-25.

Patrick Muller, um mergulhador francês, confirmou isso após um dia de exploração subaquática. “É um B-25 americano, quase completamente intacto”, disse ele. “O avião ficou lá embaixo por 50 anos, e então esse pescador o prendeu na rede.”

Há meio século, esta cidade costeira no nordeste do Brasil seguia freneticamente o apelo do presidente Roosevelt durante a Segunda Guerra Mundial para se tornar um “Trampolim para a Vitória”. Hoje a base é uma sombra de sua antiga grandeza, mas o Brasil tenta aproveitar o 50º aniversário do Dia D para renovar o interesse pela sua interessante história.

A base aérea americana mais movimentada do mundo na primeira metade de 1944, as faixas gêmeas do campo de Parnamirim, em Natal, realizavam um pouso a cada três minutos, enquanto tropas e cargas eram transportadas através do Atlântico Sul para alimentar campanhas na Itália, África, Rússia, Birmânia, China e a iminente invasão da Normandia.

O ponto mais próximo da África nas Américas, esta cidade equatorial proporcionou um ponto de partida durante todo o ano para os aviões de alcance limitado da época. Uma rota alternativa para o norte, através da Terra Nova e da Groenlândia, que ficava inoperante durante semanas devido ao inverno rigoroso nessas regiões.

“Foi uma operação tremenda”, lembrou Abe Cohen, 75 anos, um veterano americano que agora mora no Rio de Janeiro, sobre seus dias como controlador de tráfego aéreo. “Tínhamos centenas de aviões e milhares de homens passando por lá todos os dias nos períodos de pico”.

Há meio século, esta movimentada cidade militar americana tinha quartéis e tendas suficientes para 6.600 soldados, um jornal semanal e um grande Post Exchange fornecido pela primeira fábrica de engarrafamento da Coca-Cola da América Latina.

Hoje a base é centro de treinamento de pilotos da Força Aérea Brasileira. Numa tarde recente, um visitante do antigo teatro ao ar livre da USO assustou andorinhas que faziam ninhos entre as luzes do palco que outrora iluminavam espetáculos de Clark Gable e Humphrey Bogart. Mangas caídas cobriam a grama ao redor de uma capela no estilo da Nova Inglaterra, construída em 1943, com um farol de alerta de aeronave no topo do campanário. O único jipe ​​avistado na base foi um buggy que transportava aviadores brasileiros para um fim de semana na praia.

No início da década de 1940, num esforço finalmente bem-sucedido para conquistar o Brasil para o lado Aliado, os Estados Unidos construíram aeródromos e a primeira siderúrgica do Brasil. Uma geração de amizades militares aqui forjadas permitiu uma estreita aliança entre o Brasil e os Estados Unidos.

Hoje o Brasil está tentando ressuscitar a aliança da Segunda Guerra Mundial em nome do nexo internacional moderno da região: o turismo.

No ano passado, pela primeira vez desde o encerramento do sistema de transporte aéreo da Segunda Guerra Mundial, Natal inaugurou o seu primeiro voo internacional regular – para Roma. As autoridades desta cidade de 650 mil habitantes esperam atrair os americanos, tirando a poeira da ligação quase esquecida durante a guerra.

Ainda este ano, será inaugurado um Museu Histórico da Aviação da Segunda Guerra Mundial, com base em equipamentos deixados pelos americanos, incluindo um B-23 e um B-25. Também será exibido um jipe ​​usado pelo presidente Roosevelt e pelo presidente Getúlio Vargas do Brasil, quando se conheceram em Natal em 1943.

As fotografias irão capturar algumas das figuras da década de 1940 que por aqui passaram: Eleanor Roosevelt, Madame Chiang Kai-shek, Antoine de Saint-Exupéry, Harry Hopkins, Charles Lindbergh, Jack Benny, Ernie Pyle e Tyrone Power.

O elenco de espiões do Eixo que transformou Natal em uma Casablanca brasileira será menos visível – a freira alemã que rotineiramente passou por guardas nas docas e os obscuros fascistas brasileiros que sempre pareciam passar com suas motocicletas pelo porto quando os transportes de tropas ancoravam.

“A polícia local foi duramente criticada pela forma negligente como tratou os supostos agentes do Eixo”, escreveu Clyde Smith Jr., um professor americano que mora aqui e que no ano passado lançou um livro sobre a história da base em português.

Para os brasileiros com idade suficiente para se lembrarem da presença americana, as lembranças desagradáveis ​​de exercícios antiaéreos e abrigos antiaéreos deram lugar, em grande parte, a imagens mais felizes de soldados derrubando Cuba Libres no Wonder Bar.

“Aprendi a dançar swing”, lembra Maria Lúcia da Costa, hoje bisavó, enquanto servia bolo caseiro a uma visitante americana. “O boogie-woogie foi ótimo. As festas americanas tinham de tudo”.

Seu marido, Fernando Hippolyto da Costa, coronel aposentado da Força Aérea Brasileira, entrou na conversa com uma lista de contribuições americanas à cultura local: “Óculos de sol Rayban, cigarros americanos, cerveja em lata, cabelos oleados e uso de shorts”.

Protasio Pinheiro de Melo, que ensinava português na base, escreveu recentemente um livro sobre “Contribuições norte-americanas para a vida do Rio Grande do Norte”. Relaxando em sua varanda à sombra de palmeiras, ele listou sua lista: “Beijar garotas em público, beber em garrafas, dançar jitterbug, chamar todo mundo de ‘meu amigo’ e usar roupas esportivas”.

“Quando os americanos chegaram aqui, encontraram uma cidade pequena com muitos preconceitos”, disse de Melo sobre Natal, que há 50 anos tinha uma população de 40 mil habitantes. “As meninas não podiam ir a festas sem acompanhantes. Tínhamos que usar paletó e gravata no cinema.”

Apontando para uma foto sua vestindo solenemente paletó, gravata e chapéu em um jogo de vôlei de soldados em 1943, Melo acrescentou rindo: “Devo ter 80 gravatas no armário que nunca mais usei”.

Uma versão deste artigo aparece impressa em 26 de abril de 1994, Seção A, página 4 da edição Nacional com a manchete: “Dias de Glória dos B-25’s e Boogie-Woogie do Brasil” 

LAMPIÃO, A VÍRGULA NA HISTÓRIA DO SERTÃO

Anúncio jornalistico sobre a peça "Lampião", de Raquel de Queiroz, com o ator Othon Bastos
Anúncio jornalistico sobre a peça “Lampião”, de Raquel de Queiroz, com o ator Othon Bastos. Estes atores trabalharam na montagem desta peça realizada no Rio de Janeiro.

Rachel de Queiroz (1910-2003) nasceu em Fortaleza – CE e desde cedo conheceu as agruras da seca (com destaque para a grande seca de 1915, a qual inspirou sua obra “O quinze”). O sertão lhe era familiar, seus habitantes e seus costumes eram uma constante na obra de Rachel. Ela teve intensa atuação política, foi membro do Partido Comunista Brasileiro e chegou a ser presa em 1937 por suas ideias de esquerda. Foi também a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, em 1977 e uma das mais importantes romancistas do movimento regionalista de 1930, iniciado com a publicação de “A Bagaceira” de José Américo de Almeida em 1928.

A peça Lampião marca a estreia de Rachel no teatro, é também um exercício de jornalismo, pois Rachel baseou sua criação artística em uma pesquisa investigativa acerca da vida da personagem, seus costumes, suas façanhas, seus companheiros. Apesar de ser fiel à história verídica, a peça não se resume a um relato histórico da vida de Lampião, preso a uma fria narrativa dos fatos, mas é repleta de ação e emoção.

A transição momentânea de Queiroz da literatura para o teatro deu-se num contexto de carência de bons escritores das artes cênicas. A busca por talentos em outras áreas da criação artística tinha a intenção de fomentar o crescimento do teatro do Brasil na época. Uma prática um tanto criticada, pois ao creditar a um romancista uma produção teatral, há o grande risco de perder-se a noção de cenografia. Sobre essa questão, Décio de Almeida Prado (2001, p.93) afirma:

A maneira à primeira vista mais fácil de remediar a pobreza do nosso teatro será a de trazer alguns escritores para o teatro. […] Com isso teríamos o sangue generoso do romance e da nossa mais alta poesia aquecendo as veias algo atrofiadas do teatro […] a fórmula é tão falsa quanto atraente: não adianta a qualidade literária, desacompanhada de um mínimo de qualidades teatrais.

Lampião estreou em 1954 nos teatros Municipal do Rio de Janeiro e Leopoldo Fróes em São Paulo. Apesar das críticas, recebeu o prêmio Saci pela montagem paulista, concedido pelo jornal O Estado de São Paulo. Com cenários de Aldemir Martins (que ainda não estavam totalmente prontos no dia da estreia) e atuação de Sérgio Cardoso como Lampião, contando ainda com participações de Jorge Chaia, Vicente Silvestre e Carlos Zara, a peça foi uma aventura de banditismo, lutas e muita ação.

A cearense Raquel de Queiroz
A cearense Rachel de Queiroz

A trama da peça decorre em meio ao apogeu do cangaço, movimento surgido no Nordeste brasileiro, no início do séc. XX. O cangaceiro era, normalmente, classificado como “bandido”, pois os assim chamados “bandos” seguiam suas próprias normas, ignorando as leis estabelecidas pelo Estado. Parte dessa marginalização do cangaceiro deu-se porque este era um empecilho aos desmandos dos grandes fazendeiros, ou “coronéis” da época, que exerciam grande influência junto ao governo. Na verdade, os primeiros bandos do cangaço eram forças armadas montadas por um “coronel”, para exercer o poder, que se libertaram do jugo do seu mandante.

O sertão de Queiroz, seus encantos e críticas

A autora de Lampião recria em sua obra um ambiente já muito explorado pela literatura da época. O sertão nordestino foi cenário de muitas obras da segunda fase do modernismo brasileiro, também conhecido como período do “Regionalismo”, ou “Romance regionalista de 1930”. Os autores dessa fase uniram a análise sociológica à psicológica, buscando a verossimilhança da narração com a determinação do tempo e do espaço. Por relacionar a linguagem narrativa à realidade, foram chamados de “neorrealistas”.

Queiroz, em particular, retrata o sertão à sua própria maneira, verídica e cativante. Os diálogos de Lampião são sempre arrebatadores, “não há ninguém, no teatro brasileiro, que dialogue melhor do que Rachel de Queiroz” (PRADO, 2001, p. 94), isso porque ela exprime toda a variedade de sintaxe e riqueza de vocabulário presentes na fala das personagens.

Esta cena da peça remete a prisão de dois representantes comerciais no interior de Pernambuco. Fato que ocorreu em 1926, quando o bando de Lampião prendeu dois representantes, de duas grandes empresas, com sede em Recife. Esta prisão culminou indiretamente com o combate da Serra Grande, na zona rural de Serra Talhada, o maior combate da história do cangaço
Esta cena da peça remete a prisão de dois representantes comerciais no interior de Pernambuco. Este momento é baseado em um fato real que ocorreu em 1926, quando o bando de Lampião sequestrou dois representantes, de duas grandes empresas. Este sequestro culminou indiretamente no combate da Serra Grande, na zona rural de Serra Talhada. Este foi o maior combate da história do cangaço.

Por outro lado, as paisagens de caatinga não são facilmente adaptadas ao palco, as cenas de corridas, lutas e perseguições geralmente perdiam seu teor magnífico quando encenadas, eram reduzidas em seu potencial espetacular pelos limites do tablado.

Dentre as críticas recebidas por Lampião, está a de que há certa falha quanto à manutenção da unidade espaço-temporal na peça. A trama se desenvolve sem preparação e sem continuidade, formando um conjunto de atos pouco articulados entre si. O drama simplesmente acontece, fatos seguem-se uns aos outros sem que haja conexão plausível entre eles.

Em Lampião, Rachel busca mostrar as personagens características da região do interior nordestino, seus loucos, fanáticos religiosos e bandidos. A questão do fanatismo religioso é mais aparente em A Beata Maria do Egito (QUEIROZ, 1958), montada no Teatro Serrador, no Rio de Janeiro, tendo no papel-título a atriz Glauce Rocha. A autora mostra a devoção popular aos líderes religiosos da época como Padre Cícero e Antônio Conselheiro. Na trama, em 1914, a beata Maria do Egito, recém-chegada à delegacia de uma pequena cidade do Ceará, recruta populares para se juntarem à rebelião que Padre Cícero lidera em Juazeiro.

O retrato artístico de um cangaceiro

A trama de Lampião transcorre basicamente no sertão Nordestino, é difícil especificar uma região, pois o bando de cangaceiros é nômade e vive em acampamentos no meio da caatinga. Sabe-se, porém, que Lampião realizou suas pilhagens majoritariamente nos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Alagoas.

Cangaceiro Sabino, interpretado pelo ator Roberval Rocha, despoja um inimigo morto.
Cangaceiro Sabino, interpretado pelo ator Edgar Ribeiro, despoja um inimigo morto.

Virgulino Ferreira da Silva, ou Lampião, nasceu em 1898 no Vale do Pajeú, em Pernambuco. Seu nome remete à palavra “vírgula”, parada, talvez uma profecia de que o sertão iria parar de admiração, indignação e medo por seus atos. Lampião teve uma infância comum a todas as crianças de sua classe social, aprendeu a ler e escrever, mas logo foi trabalhar ajudando seu pai, carregando água, enchiqueirando bodes, dando comida e água aos animais. Mais tarde passou aos trabalhos de gente grande: cultivava algodão, milho, feijão de corda, cuidava da criação de gado. Posteriormente tornou-se vaqueiro e feirante.

Lampião viveu num período instável, de transições de séculos (do XIX para o XX), de amadurecimento da implantação da república, das transformações ocorridas no plano estético da arte com o advento das vanguardas europeias e, posteriormente, do modernismo brasileiro.

Sua entrada para o cangaço foi quase inevitável, depois de ter o pai assassinado por questões de briga familiar com seu vizinho José Saturnino, Virgulino e seus irmãos Antônio, Ezequiel e Livino Ferreira entraram para o bando de Sebastião Pereira, também conhecido como Sinhô Pereira. Em entrevista a Otacílio Macêdo para O Ceará, transcrita no Diário oficial, Recife, 1995, p. 9, Lampião disse:

Chamo-me Virgulino Ferreira da Silva […] Meu pai, por ser constantemente perseguido pela família Nogueira e em especial por Zé Saturnino, nossos vizinhos, resolveu retirar-se para o município de Águas Brancas, no estado de Alagoas. Nem por isso cessou a perseguição. Em Águas Brancas, foi meu pai, José Ferreira, barbaramente assassinado pelos Nogueira e Saturnino, no ano de 1917. Não confiando na ação da justiça pública, por que os assassinos contavam com a escandalosa proteção dos grandes, resolvi fazer justiça por minha conta própria […]

Grupo de cangaceiros jogando cartas, uma atividade bem comum nos momentos de descanso.
Grupo de cangaceiros jogando cartas. Uma atividade bem comum nos momentos de descanso dos verdadeiros cangaceiros.

O banditismo foi a forma que os irmãos Ferreira encontraram para exercer sua vingança, “procuraram no bacamarte as leis que decidissem a questão por falta de outras” (BARROSO, 1930, p. 93-94). Em 1922 o comando do bando de sinhô Pereira foi dado a Lampião, então com 24 anos. Doravante, o bando do famigerado cangaceiro só cresceria e atemorizaria as regiões por onde passava. Neste ponto dá-se o início da peça de Rachel de Queiroz.

Na única cena do primeiro quadro são apresentados alguns dos personagens principais, a ação transcorre na casa de Maria Déa e seu esposo, o sapateiro Lauro, em ponta de arruado, à margem do rio São Francisco. Logo nos primeiros momentos Maria conta a seu esposo que o bando de Lampião se aproxima da cidade, deixando-o atemorizado, pois, além do medo normal que essa notícia causaria a qualquer pessoa, Lauro era um tanto covarde, o que causava muito desprezo e até náuseas em Maria.

Insatisfeita com seu casamento e a despeito de ter que cuidar de seus dois filhos, Maria Déa manda um recado a Lampião, dizendo que viesse buscá-la se assim quisesse, para viajar o sertão e entrar para a vida do cangaço junto com ele. Eis que Lampião recebe o recado e chega à porta da casa, juntamente com seu bando, para levar Maria Déa, conforme a vontade da mesma. O bando de cangaceiros é então composto basicamente por Sabino, Antônio Ferreira (irmão de Lampião), Ponto-Fino (Ezequiel, também irmão de Lampião), Moderno (cunhado de Lampião), Corisco (ou Diabo-Louro), Volta Seca, Pai-Velho, Zé Baiano, Azulão, Pernambuco e Arvoredo. Apesar das súplicas de Lauro, Maria Déa ganha o mundo com Lampião e seu bando. Num ato de aparente misericórdia, o chefe dos cangaceiros resolve poupar a vida do pobre sapateiro.

Lampião (a esq.) vem buscar a jovem Maria Déa, interpretada pela atriz Ana Maria (do TEB-Teatro do Estudante do Brasil), ante o desespero do seu marido, o sapateiro Lauro. Na vida real o marido de Maria Déa, que seria conhecida como Maria Bonita, era José Miguel da Silva, sapateiro e conhecido como Zé Neném.
Lampião (a esq.) vem buscar a jovem Maria Déa, interpretada pela atriz Ana Maria (do TEB-Teatro do Estudante do Brasil), ante o desespero do seu marido, o sapateiro Lauro. Na vida real o marido de Maria Déa, que seria conhecida como Maria Bonita, era José Miguel da Silva, sapateiro e conhecido como Zé Neném.

O segundo quadro é composto por duas cenas, a primeira dá-se num acampamento na caatinga, um local não muito bem definido, debaixo de um grande Juazeiro. Dois viajantes são interpelados por Corisco, que desconfia que eles possam ser espiões delatores. À chegada de Lampião ao local, segue-se um diálogo no qual o cangaceiro designa os dois viajantes, o capangeueiro (negociador de diamantes) e o agente de seguros, para levar um recado ao interventor de Recife, uma carta de paz. Antônio Ferreira, Pernambuco, Arvoredo e Azulão os acompanharão até a residência de seu Juventino, em Barreiros, de onde seguirão viagem para Recife. Lampião pretendia cessar as hostilidades com os, por ele chamados, “macacos do governo”, trata então de propor um acordo: ele governaria o sertão a seu modo e o interventor governaria a Zona da Mata e o Litoral. Na segunda cena deste quadro o mesmo acampamento é o cenário, algumas horas mais tarde. Lampião e Maria Bonita dialogam, ela mostra-se consciente dos riscos desse modo de vida, cita exemplos de Pedra Bonita e Canudos, casos em que o governo superou a resistência e repreendeu as revoltas populares. Lampião, por sua vez, acha essas comparações infelizes, diz que seu padrinho, padre Cícero, o protege e que tem o corpo fechado para mau-olhado. Ele revela o motivo de ter deixado o ex-marido de Maria e seus filhos vivos: para que tenha em quem “desabafar” quando não puder mais aguentar as pressões da vida no cangaço, da paixão por sua mulher, do medo de uma traição. Chegam ao local Azulão, Arvoredo e Pernambuco, contam que em casa de seu Juventino, Antônio Ferreira foi mortalmente baleado acidentalmente. Lampião parece acreditar na história, porém manda os homens deixarem o bando e as armas e sumirem no mundo. Mas assim que eles viram as costas, desarmados, o chefe dos cangaceiros ordena que abram fogo contra os três homens que ele julga responsáveis pela morte de seu irmão.

Representação do casamento de Lampião e Maria Bonita na caatinga.
Representação do casamento de Lampião e Maria Bonita na caatinga, com o seu marido lhe suplicando que retorne ao lar. Da forma como a cena é retratada, nada disso ocorreu. Mas enfim é teatro!

O terceiro quadro possui apenas uma cena, o cenário é o mesmo, mas foi aperfeiçoado na tentativa de fazê-lo mais aconchegante. Volta-Seca foi fazer compra na cidade mais próxima e encontra um jornal no qual saiu a repercussão da carta enviada por Lampião para oferecer paz. Na primeira página, a foto do cangaceiro, uma matéria sobre a audácia dele em achar que pode tratar o interventor de potência a potência e a promessa do governo de represália a esse “insulto”. Sabino questiona a tentativa de paz de seu líder, diz que com o governo não tem acordo, que o chefe está esmorecendo, perdendo o vigor e a liderança. Lampião vê em Sabino uma ameaça, acusa-o de subverter seu irmão, Ezequiel, e, sem hesitar, fuzila-o com três balas à queima-roupa.

Ainda no mesmo cenário de acampamento, porém desmantelado, desenrola-se a primeira cena do quarto quadro, os cangaceiros e Maria Bonita aparecem em cena feridos e exaustos. O cerco do governo estreita-se sobre o rei do cangaço, e ele sente as consequências de querer ser um “estado dentro de um estado”. Desgastados, os três últimos homens de Lampião, Ponto-Fino, Pai-Velho e Moderno procuram água e mantimentos, já escassos. Ponto-Fino vai à busca de lenha, Moderno de água. Após um breve intervalo ouve-se um tiro, Lampião e Pai-Velho correm para averiguar a origem do disparo. Chega Ponto-Fino ao local em que Maria Bonita tinha ficado sozinha. Ele passa a assediá-la, oferecendo-lhe uma hipotética vida de calmaria na cidade de Juazeiro, proclamando que será o chefe do bando e ela será sua mulher. Maria Bonita fica indignada com tais pensamentos de seu cunhado, repreende-o. Chegam Pai-Velho e Lampião, este com uma fúria nos olhos, censura o irmão por ter atirado, justificando que o Sargento Calu está em sua caça e o tiro seria um chamariz. Ponto-Fino, ou Ezequiel, desafia o irmão, acusando-o de ter mandado matar Antônio Ferreira e questionando a morte de seu outro irmão, Livino, que não aparece na história a não ser por esta citação. Lampião, irado com a ousadia de Ezequiel, desafia-o para uma luta de faca. Segue-se a luta, da qual Lampião sai vencedor. Ponto-Fino fica muito ferido, mas não morre de imediato. Na segunda cena, mesmo cenário, cai a noite, Moderno monta sentinela, na qual é substituído pelo próprio Lampião. Em conversa com Maria, ele tenta justificar o ataque ao irmão, culpando a insolência de Ezequiel. Ela diz que pressente que o castigo está próximo, que o sangue dos inocentes reclama a vingança. Chega ao local Corisco com um pequeno bando de jovens cangaceiros, para se juntar ao Capitão Virgulino e ajudá-lo na sua retirada à grota dos Angicos.

Dez anos depois da montagem carioca da peça "Lampião", o ator Othon Bastos voltaria a interpretar um famoso cangaceiro. Desta vez seria no cinama, atuando como Corisco, no antológico filme "Deus e o diabo na terra do sol", dirigido pelo baiano Glauber Rocha.
Dez anos depois da montagem carioca da peça “Lampião”, o ator Othon Bastos voltaria a interpretar um famoso cangaceiro. Desta vez seria no cinema, atuando como Corisco, no antológico filme “Deus e o diabo na terra do sol”, dirigido pelo baiano Gláuber Rocha.

No quinto e último quadro o cenário é a Grota dos Angicos, segundo o próprio capitão, o lugar mais seguro de que ele dispunha. Lampião e Maria Bonita dialogam aos primeiros sinais da luz do dia. A mulher ambiciona deixar a vida de banditismo, ir para um lugar longínquo onde jamais se tenha ouvido falar em Lampião, este, por sua vez, afirma que seria como um atestado de covardia, coisa que ele não possuía. De repente, se ouve tiros, o refúgio derradeiro de Lampião é descoberto, ele foi traído. Ele e Maria Bonita são metralhados à morte, juntamente com os outros cabras que ainda dormiam. O fim da história de Lampião coincidiu com a decadência do cangaço. A entrada para a história, infelizmente, contou com a exposição de partes de seu corpo e dos homens de seu bando em praça pública. “As famílias dos cangaceiros do bando de Lampião, após uma longa batalha jurídica, puderam dar um enterro digno a seus parentes, vítimas da sociedade da época” (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1969).

Lampião por Queiroz

A obra Lampião assemelha-se a um quadro expressionista da figura de Lampião. Em vez de imprimir, de fora para dentro, no texto a imagem que tinha do cangaceiro, Rachel exprimiu, com suas palavras, o sentimento que lhe despertava a história de vida do homem Virgulino. Porém, há algo a ser criticado na peça, a escassez de tempo que é dado ao público para que participe emocionalmente da ação. Prado (2001, p.94) afirma que:

De repente um cangaceiro qualquer, mal delineado psicologicamente, desconhecido da plateia, vem ao primeiro plano, revolta-se e Lampião o mata, antes que tivéssemos tempo de tomar pé no assunto […] de participar emocionalmente da revolta e do crime.

Mas isso não tira o mérito da grande Jornalista, cronista, romancista e dramaturga que foi Rachel de Queiroz, nem de sua peça Lampião. O estilo da autora é inconfundível. O Lampião de Queiroz em muito se assemelha ao imperador do sertão que se conhece hoje. Apesar de seus atos violentos, tinha também um lado humano e generoso. Ao Diário Oficial, 1995, p.9, Lampião revelou:

Tenho cometido violências e depredações vingando-me dos que me perseguem e em represália a inimigos. Costumo, porém, respeitar as famílias, por mais humildes que sejam, e quando sucede algum do meu grupo desrespeitar uma mulher, castigo severamente.

Ao mesmo tempo em que roubava e matava, dava também aos pobres, chegou a distribuir mais de um conto de réis com o povo do Juazeiro. Era desconfiado, pois tinha medo de traição por parte dos seus. “Lampião suspeitava de todos os alimentos que lhe entregavam e fazia com que fossem experimentados […] examinava com cuidado as garrafas” (GRUNSPAN-JASMIN, 2006). Católico e devoto a padre Cícero. Lampião certa vez disse (Diário Oficial, 1995, p. 9):

Sempre respeitei e continuo a respeitar o estado do Ceará, porque aqui não tenho inimigos, nunca me fizeram mal, e além disso é o estado do padre Cícero. Como deve saber, tenho a maior veneração por esse santo sacerdote, porque é o protetor dos humildes e infelizes

O homem Virgulino ou capitão Lampião não poderia se queixar da falta de menções ao seu nome, muitos foram os contos, livros, as músicas e cordéis que contaram sua história. “Era brabo, Virgulino Lampião, mas era, pra quê negar, das fibras do coração, o mais perfeito retrato, das caatingas do sertão” (Literatura de Cordel). O rei dos cangaceiros é mais uma vez retratado nessa brilhante obra de Queiroz, dessa vez com a fibra e a força características dos sertanejos.

Autora – Flávia Danielle

Fonte – http://artigos.netsaber.com.br/resumo_artigo_19497/artigo_sobre_lampi%C3%83o,_a_v%C3%8Drgula_na_hist%C3%93ria_do_sert%C3%83o