1962 – LIGEIRO ROTEIRO DA CIDADE DO NATAL

Resgato Das Páginas do Jornal do Commércio um Encantador e Interessante Artigo do Professor Veríssimo de Melo, que Apresentava Natal aos Pernambucanos.

No princípio era o forte… O Forte dos Reis Magos, chantado á margem esquerda do rio Potengi olhando o azul do Atlântico. É o nosso maior e mais antigo monumento histórico cenário das lutas dos portugueses contra a indaiada, piratas franceses e Invasores holandeses.

A pequena, luminosa e alegre Cidade do Natal veio depois, a 25 de dezembro de 1599, fundada por Dom Jerônimo de Albuquerque — segundo a tradição – ou pelo Capitão Mor João Rodrigues Colaço, conforme declaram revisionistas modernos da nossa história.

Na geografia da cidade destaca-se a presença das dunas, esses morros atapetados de cajueiros nativos, — alguns carecas — que protegem Natal contra a fúria dos ventos alísios. Do outro lado, o Potengi, onde todo natalense pescou siri, aprendeu a nadar ou gingou uma velha canoa até os mangues…

Mas, ao visitante ilustre, ao turista, muito mais do que a nossa História ou a nossa Geografia, deve interessar os pontos pitorescos da cidade.

Primo Vivere…!

Pois a cidade tem duas portas: Quem chega de avião, saltando em Parnamirim, vê logo a grande Base Aérea de Natal que os norte-americanos construíram durante a última grande guerra e onde os natalenses — na expressão de Alvamar Furtado — se acotovelavam com os mais famosos artistas de cinema da época. Conhece então a estrada asfaltada que liga o aeroporto “Augusto Severo” a cidade, por onde passaram desde os mais humildes soldados de Tio Sam, até o seu presidente Franklin Delano Roosevelt.

Para os que veem do sertão a estrada é outra: Ou passa pela Ponte de Igapó sobre o rio Potengi, ou cruza pelas Quintas, onde se pode ver o primeiro buliçoso e colorido espetáculo da cidade: As lavadeiras trabalhando ao lado de um pontilhão.

Base de Parnamirim Field em plena atividade durante a Segunda Guerra Mundial – Fator de crescimento inicial da cidade de Parnamirim.

“As lavadeiras fazem assim, assim, assim”.

Vindo pelo Alecrim, — o bairro mais populoso — vislumbra á esquerda os edifícios da Base Naval de Natal, também uma das maiores do país de modernas instalações, fundada pelo saudoso Almirante Ari Parreiras há vinte.

Mas, onde se hospedam as pessoas distintas?

Eis o problema!… A vantagem do “Grande Hotel”, no bairro da Ribeira, é ser bem central. Perto de bancos, companhias de aviação e navegação, estação ferroviária, o antigo recanto comercial da cidade. Paradoxalmente o melhor lugar para um visitante de categoria é ainda no Hospital “Miguel Couto”, isto é, na Clínica de Repouso, onde há confortáveis apartamentos. É deslumbrante a visão de praias e dunas lá de cima. Há turistas que ficam do queixo caído. E a brisa que sopra de manhã à noite sobre a cidade, ali é mais forte e mais cheirosa.

Se a manha é clara e saudável, o que sempre acontece, nada melhor do que um passeio ao Mercado da Cidade Alta, para ver primeiro o que o natalense come. É o lugar também onde o turista pode comprar alguma peça de cerâmica popular, artigos de fibras, bolsas, cestaria etc. Mas se for um sábado, o melhor é visitar a Feira do Alecrim, a maior da cidade.

Todavia, todavia… Antes do almoço há quem goste de tomar um aperitivo, no que, aliás, procede muito bem. É dos usos e costumes. A ordem, então, é visitar um bar no centro da cidade, para não perder tempo: O “Granada Bar”, por exemplo, cujo proprietário é um espanhol, — Dom Nemésio, — trata bem e serve melhor. Ou a Cantina Lettieri, um lugar pequenininho, que dá apenas para uma dúzia de pessoas. Próximo na Rua Ulisses Caldas, há uma pequena mercearia de nome grandioso “O Galo Vermelho”. Há apenas uma mesa e está sempre ocupada.

E onde comer o que nós temos de mais típico da nossa culinária urbana?

Durante o dia, contra todos os protocolos, aconselharíamos visitar a “Carne Assada do Marinho” onde há sempre feijão verde. Ou a “Carne Assada de Seu Lira”. Ou a “Peixada da Comadre”. Ou a Caranguejada do Arnaldo. Mas se o turista resolve ir á praia de Areia Preta, então deve entrar num barzinho que tem lá no fim chamado “É Nosso”. Há sempre caranguejos (nos meses que não tem – maio, junho, julho e agosto eles estão gordos), ou um camarão torrado com cerveja, que é uma delícia. Tanto o almoço quanto o jantar poderá ser num desses estabelecimentos se a pessoa não é dessas muito exigentes. À noite o restaurante mais chie é o do ABC F. C. O melhor peixe frito da cidade, entretanto é o da “Peixada de Marcus”, na Areia Preta. Tem a vantagem do marulhar das ondas, como diria o poeta, onde se recebe todo aquele vento puro que corre na praia. Ou poderá também jantar num dos recantos mais agradáveis da cidade que é “A Palhoça”, vizinha ao Cinema Rio Grande. Há também um novo restaurante á Rua Ulisses Caldas, chamado “Potengy”, onde há sempre uma paçoca de pilão estupenda.

Um passeio à tarde?

É visitar a praia de Ponta Negra ou a Redinha, — duas belezas. Ou! Ir até o Forte dos Reis Magos, pela Avenida Circular. Uma volta pelos bairros residenciais bem é bom. Veem-se algumas das casas mais bonitas de Natal. Em matéria de edifício público basta ver a Igreja de Santo Antônio, com sua fachada antiga e seu galo heráldico no topo da torre. Na Rua da Conceição está o sobradinho mais velho da cidade, quase em ruínas. Os prédios do Instituto de Educação e do Ipase são os mais modernos de Natal Todavia a Escola Doméstica de Natal continua sendo o estabelecimento de o ensino modelar do Estado. É a primeira, no gênero, fundada no país. Até o comandante Vasco Moscoso de Aragão visitou-a…

O Parque de Manoel Felipe, uma velha e recatada lagoa, foi agora recuperado inteligentemente pelo Governo do Estado. É um encanto, principalmente para os namorados.

Cinemas, teatros… Bem Isso há em toda parte. E se há festas programadas, os três melhores clubes sociais ainda são o Aero Clube, o mais antigo, o América F. C. e o ABC F. C.

E depois do baile?

Bem, agora são outros quinhentos… Mas, se for ao hotel dormir, não se assuste se ouvir, dentro da noite, a voz de algum boêmio cantando a mais popular canção da cidade.

“Praieira dos meus amores, encanto do meu olhar!”.

Em Natal, neste ano da bomba de cinquenta megatons, ainda se faz serenatas com violões e tudo (O poeta Newton Navarro vem sempre na frente puxando o cordão). E não é por snobismo. É tradição secular. Os versos de Açucena, Itajubá, Auta ou Otonlel, vivem nas noites de lua e na boca do povo:

“Praeira do meu pecado, morena flor não te escondas!”….

O SURF NO RIO GRANDE DO NORTE – O INÍCIO

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Aspectos da História do Surf no Mundo, no Brasil e no Rio Grande do Norte e Como Foi o Primeiro Campeonato de Surf em Terras Potiguares

Rostand Medeiros – Escritor e membro do IHGRN 

O surf é um dos mais antigos esportes praticados no planeta, onde a arte de vencer as ondas com material flutuante é uma mistura do esforço atlético e da total compreensão da beleza e do poder da natureza. Surf é também um dos poucos esportes que criou a sua própria cultura e estilo de vida.

A origem do surf é incerta. Para alguns historiadores, a prática nasceu há cerca de quatro mil anos entre moradores da atual costa do Peru, que, para pescar, deslizavam sobre as ondas em canoas de junco. Mas muitos discordam desta teoria, afirmando que não há provas de que os antigos peruanos ficassem de pé nas embarcações. E menos ainda de que fizessem manobras por diversão – a alma do esporte.

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Fonte – http://www.surfingforlife.com/history.html

Para muitos cientistas a origem do surf está na Polinésia Ocidental, quando o ato de montar ondas com uma tábua de madeira originou-se há mais de três mil anos. Os primeiros surfistas foram pescadores que descobriram que deslizar sobre as ondas era um método eficiente de chegar à costa com suas capturas. Eventualmente está sobre estas ondas passou gradativamente de ser apenas parte do trabalho de sobrevivência, para ser um passatempo. Esta mudança revolucionou o que compreendemos hoje como surf.

Não há registro exato de quando o surf tornou-se um esporte. Sabe-se que durante o século XV, reis, rainhas e outras pessoas das Ilhas Sandwich se destacaram no esporte denominado “he’enalu”, ou onda de deslizamento, no velho idioma havaiano. “He’e” significa mudar de uma forma sólida para uma forma líquida e “nalu” refere-se ao movimento de uma onda.

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Encontro dos havaianos com o capitão ingles James Cook e sua tripulação – Fonte – herbkanehawaii.com

Os primeiros registros históricos da civilização europeia sobre o surf remontam ao século XVIII, quando os europeus e os polinésios fizeram o primeiro contato. Em 1779 o capitão e navegador inglês James Cook viajou pelo Oceano Pacífico. Em meio a suas navegações aportou na baía de Kealakekua, no Havaí, onde testemunhou competições sobre as ondas que faziam parte dos festivais de ano-novo, dedicados a Lono, deus da fertilidade e da fartura, do sol e da chuva.

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Fonte – https://longboardsurfearte.wordpress.com/2012/06/04/o-longboard-e-a-origem-do-surf/

No Taiti ele descreveu maravilhado como um nativo pegou ondas com sua canoa apenas por diversão: “Ao caminhar um dia onde nossas barracas foram erguidas, vi um homem remando em uma pequena canoa tão rapidamente e olhando ao redor com muita avidez. Ele sentou-se imóvel e foi levado ao mesmo ritmo que a onda. Seguiu até que desembarcou na praia, começou a esvaziar a canoa e foi em busca de outra onda. Eu não pude deixar de concluir que esse homem sentiu um prazer supremo enquanto ele era conduzido tão rápido e tão suavemente pelo mar”.

Quase o fim e o Renascimento

Os primeiros colonos polinésios a desembarcar no Havaí eram mais aptos a surfar e depois de algumas centenas de anos montando as ondas das ilhas surgiu a conhecida forma havaiana do esporte. Mas com a chegada de missionários cristãos às ilhas, a partir de 1820, o surf perdeu força. Os religiosos estavam determinados a pôr fim aos costumes pagãos, e enfrentar as ondas de pé e sem roupa estava no topo da lista – além de indecente, minava a produtividade. As pranchas foram transformadas em mesas e cadeiras, usadas nas escolas que ensinariam religião, “bons costumes” e escrita aos “selvagens”.

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Homens e mulheres surfando em desenho de Wallace Mackay, 1874 – Fonte – http://www.surfingforlife.com/history.html

Apesar do esforço dos missionários, o surf sobreviveu. Mais de um século depois, em 1907, um havaiano de ascendência irlandesa, George Freeth, levou o esporte para a Califórnia. Naquele tempo, as pranchas costumavam ser feitas de madeira maciça, tinham três metros de comprimento, pesavam 45 kg e não possuíam quilha, o que as tornava difíceis de manobrar.

Da Califórnia, a partir dos anos 1950, o esporte conquistou o planeta – com o empurrão de Hollywood e filmes como Maldosamente Ingênua (1959), com a atriz Sandra Dee.

Na tela, corpos bronzeados disseminavam a cultura da praia, associada a hedonismo, diversão e liberdade.

No Brasil o Surf Começou no Improviso 

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Thomas Ernest Rittscher Júnior, o pioneiro do surfe brasileiro – Fonte – http://www.avisoesporte.com.br/2011/11/surf-morre-aos-94-anos-de-idade-o.html

Para alguns a ideia de surfar com algo flutuante sobre as ondas no Brasil pode ter começado desde os tempos pré-Cabralinos. Teria sido com os indígenas e suas canoas escavadas de um único tronco de árvore, que poderiam ter voltado surfando após suas pescas no mar. Mas isso é até agora pura especulação.

De certo mesmo temos a história de um garoto nascido em 1917 na cidade de Nova York, Estados Unidos, cuja família se mudou para Santos em 1930.

Seu nome era Thomas Ernest Rittscher Júnior e consta que ele surfou com sua “tábua havaiana” na Praia do Gonzaga, quando tinha apenas 16 anos de idade. Thomas Rittscher construiu sua prancha baseado em um esquema da revista americana Popular Mechanics. A primeira prancha do Brasil pesava entre 50 e 60 kg e tinha quase quatro metros de comprimento.

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Thomas e Margot Rittscher em Santos, anos 30. Foto: arquivo pessoal família Rittscher – Fonte – http://supclub.waves.com.br/sup-video-homenagem-a-thomas-rittscher/

Ao avistarem as manobras de Rittscher nas praias do litoral sul, a população de Santos se espantou, acreditando que o pioneiro do surfe conseguia andar sobre as ondas. Rittscher é considerado o primeiro homem a surfar uma onda no Brasil e sua irmã Margott, que acompanhava o irmão nas aventuras, é considerada a primeira mulher a surfar no país.

A partir dos anos 1940, no Arpoador, Rio de Janeiro, o esporte começou a se popularizar, primeiro entre os praticantes de pesca submarina. Na década seguinte, quando virava moda mundial, ficou popular entre garotos da American School of Rio de Janeiro (Escola Americana do Rio de Janeiro), que na época ficava no bairro do Leblon.

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1959 – Jorge Paulo Lemann, de sunga escura, com amigos na Praia do Arpoador, Rio – Fonte – http://revistatrip.uol.com.br/trip/lemann-broders

Em 1952, um grupo de cariocas, liderado por Paulo Preguiça, Jorge Paulo Lemann (atualmente tido como o homem mais rico do Brasil) e Irency Beltrão começaram a descer as ondas na praia de Copacabana com pranchas de madeirite e o esporte começou a popularizar-se. Já as primeiras pranchas de fibra de vidro, importadas dos Estados Unidos, só chegaram ao Brasil em 1964, mas a maioria das pranchas continuavam a ser improvisadas, sendo confeccionadas de madeirite, ou isopor revestido com sacos de sisal.

A prancha que se denominava de isopor era feita de poliestireno expandido (EPS), material descoberto em 1949, nos laboratórios da empresa alemã BASF e que ficou mais conhecido no Brasil pela marca comercial “Isopor” (depois surgiu outra marca chamada “Isonor”). Foram pranchas que marcaram época, sendo muitas vezes as primeiras pranchas de muita gente por aí, mas que normalmente quebravam na primeira onda mais forte.

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Meninas competindo no Rio. Foto do acervo de Irencyr Beltrão, extraída do livro de Alex Gutenberg: “HISTÓRIA DO SURF NO BRASIL – 50 ANOS DE AVENTURA” 1989, Editora Azul. Uma produção da REVISTA FLUIR.

A primeira fábrica de pranchas de surf mais bem elaboradas no país era a carioca São Conrado Surfboard, que inaugurou suas atividades em 1965.

Em 15 de julho deste mesmo ano foi fundada a primeira entidade de surf brasileira – a Associação de Surf do Rio de Janeiro. Esta organizou o primeiro campeonato em outubro daquele ano. No entanto, o surf só seria reconhecido como esporte pelo Conselho Nacional de Desportos em 1988. 

E em Natal, como a coisa rolou?

Pesquisando nos jornais antigos, através de uma interessante reportagem produzida por Ricardo Rosado Holanda, com fotos de Joab Fabrício, e publicada em 25 de maio de 1975 (página 24) no extinto dominical natalense “O Poti”, observamos que a rapaziada da cidade já praticava surf com as antológicas pranchas de isopor. Ainda segundo Ricardo Rosado o pessoal local dominava as ondas deslizados deitados nas pranchinhas.

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Foi quando em janeiro de 1974 um surfista, cujo nome não ficou registrado nesta reportagem, surfou na cidade com uma clássica longboard, um tipo de prancha alongada, que na década de 1960 fez sucesso entre os surfistas californianos. O desconhecido praticante do antigo esporte criado no Oceano Pacifico parece que chamou atenção da rapaziada local por deslizar nas ondas em pé e provavelmente ele deu o “start” de algo que já estava latente nas praias potiguares.

Mas existe uma dúvida nisso tudo – Ou o desenvolvimento do surf foi bem rápido em praias potiguares? Ou o pessoal local já praticava surf com materiais flutuantes de melhor qualidade do que as frágeis pranchinhas de isopor, antes mesmo da apresentação do surfista desconhecido com seu pranchão na Praia dos Artistas?

Comento isso porque dois surfistas natalenses participaram do II Campeonato Pernambucano de Surf, na Praia de Porto de Galinhas e que aconteceu nos dias 29 e 30 de março de 1974. Eles eram Fabiano e Lamartine e competiram respectivamente nas categorias Júnior e Sênior. O evento era bem organizado e chegou a ser patrocinado pela Rede Globo e os dois surfistas saídos do Rio Grande do Norte conseguiram os sextos lugares em suas respectivas categorias, competindo contra 60 surfistas de Pernambuco e de todo país. Eu entendo que isso foi uma grande mostra da capacidade destes dois surfistas potiguares, pelo fato do esporte ser ainda tão incipiente e com poucos praticantes nas praias do Rio Grande do Norte (Ver Diário de Natal, edição de 4 de abril de 1975, sexta feira, página 10). 

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Já Ricardo Rosado apontou na sua reportagem de 1975 que cerca de 30 a 35 surfistas entubavam ondas nas Praias dos Artistas, Areia Preta, Ponta Negra e na idílica Baía Formosa, a 98 km de Natal e que na época era extremamente preservada na sua natureza.

Nesta matéria os surfistas considerados “feras” foram Luruca, Ronaldo, Barata, Fabiano, Albino, Sérgio, Hugo, Chico Adolfo, Seu Braz e “mais 30 adeptos”. O repórter apontou claramente que estes surfistas eram filhos de famílias tradicionais e abonadas da cidade. E certamente muitos deles eram de famílias com bom lastro financeiro, até porque nessa época o preço médio das pranchas de surf variavam de 1.500 a 3.000 cruzeiros. Com 2.800 cruzeiros em 1975 o Governo do Estado do Rio Grande do Norte pagava o salário mensal de um dentista. Já 3.000 cruzeiros dava para efetuar uma gorda entrada no pagamento do financiamento de um Fusca 1.300 em Marpas Veículos, ou pagar o valor do aluguel mensal de uma luxuosa casa de quatro quartos no bairro de Petrópolis, até hoje um dos mais valorizados de Natal.

Além do preço não podemos esquecer que neste período a maioria das pranchas eram fabricadas no Rio de Janeiro, normalmente por surfistas famosos e campeões, os “shapers”, como Mudinho, Toni, Missary e Rico, este último o famoso surfista carioca Rico Fontes de Souza. 

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Rico de Souza na década de 1970. Surfista carioca e referência na confecção de pranchas – Fonte http://acervo.oglobo.globo.com/

Do Rio também vinha a parafina para evitar escorregar da prancha (12 cruzeiros a caixa), roupa de neoprene para não sentir frio na água (700 cruzeiros a peça da marca Cobra Sub) e o par de rack para segurar as pranchas nos tetos dos veículos durante o transporte para as praias (400 cruzeiros).

Independente destas questões é interessante perceber que aqueles primeiros surfistas potiguares já possuíam dentro de suas mentes o principal aspecto da filosofia que impulsiona até hoje o surf pelo mundo afora – A integração com a natureza. Eles também já se organizavam para fundar um clube que unisse os praticantes do esporte em Natal. Sonhavam até mesmo com o apoio do Governo do Estado para a construção de um píer na Ponta do Morcego e holofotes para a prática noturna do esporte na Praia dos Artistas.

Mas a reportagem aponta que eles tinham em mente algo mais palpável para ser trabalhado em curto prazo – A realização de um campeonato de surf em Natal.

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Mas faltava um patrocinador para adquirir uma prancha para ser entregue como premiação principal.

O I Campeonato de Surf do Rio Grande do Norte

Para minha surpresa a ideia de ser realizado um campeonato de surf na capital potiguar atraiu favoravelmente uma parcela da sociedade potiguar para o evento. O campeonato foi efusiva e extensamente comentado na principal coluna social da cidade naqueles tempos, a do jornalista Paulo Macedo.

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A premiação do I Campeonato de Surf do Rio Grande do Norte em 1975.

Mesmo sendo um evento organizado por pessoas privadas, no caso Carlos Magno Campelo, Ronaldo Barreto e José Carlos, o patrocínio para a sua realização veio da empresa de divulgação de turismo do Rio Grande do Norte, a EMPROTURN, cujo presidente na época era Valério Mesquita (Ver Diário de Natal, edição de 29 de julho de 1975, terça feira, página 2).

O palco foi a Praia dos Artistas e ficou decidido que a data para a realização do campeonato seria nos dias 16 e 17 de agosto, sábado e domingo. As inscrições tinham o valor de 50 cruzeiros por surfista e não houve premiação em dinheiro, só em materiais, sendo que o primeiro colocado levaria uma prancha de surf novinha em folha da marca “Gledson”. Prometeram até mesmo juiz do Rio, mas isso ficou só na promessa.

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Com mais de 50 participantes inscritos eu acredito que quase todo mundo que praticava surf no Rio Grande do Norte caiu na água atrás da premiação, junto com surfistas vindos da Paraíba, Ceará, Pernambuco e até mesmo do Rio de Janeiro, pelo menos nominalmente.

Ficou acordado que o I Campeonato de Surf do Rio Grande do Norte teria cada uma de suas baterias classificatórias formada por cinco ou seis surfistas, com cerca de 30 minutos de duração e teriam início pela manhã e o encerramento previsto para as cinco da tarde. Os juízes eram de Pernambuco, do Ceará e um do Rio Grande do Norte.

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Segundo os jornais da época se inscreveram um total de 53 surfistas, oriundos de “todos os estados do Nordeste”, mas cinco destes não participaram. Entretanto os 48 surfistas restantes realizaram um campeonato muito disputado.

Eles ficaram divididos em oito baterias, com seis concorrentes cada uma. Dois concorrentes de cada bateria foram classificados no sábado, resultando dezesseis participantes para as baterias finais no domingo.

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Público presente na Praia dos Artistas para prestigiar o I Campeonato de Surf do Rio Grande do Norte de 1975

Duas baterias com cinco surfista e uma com seis concorrentes aproveitaram ao máximo as ondas da Praia dos Artistas no dia 17 de agosto e o campeão foi Ronaldo Barreto, de Natal e com apenas 17 anos de idade. Em segundo ficou Alfredo (de Fortaleza, Ceará), em terceiro Luruca (Natal), em quarto o classificado foi Capibaribe (Fortaleza), em quinto Amim (de Recife, Pernambuco) e em sexto Marquinho (do Rio de Janeiro, mas que morava em Natal).

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1975 – Ronaldo Barreto foi o campeão do I Campeonato de Surf do Rio Grande do Norte, aqui recebendo sua premiação de Valério Mesquita, o então presidente da EMPROTURN

Aquele primeiro campeonato potiguar de surf, realizado há quase 42 anos, foi considerado bem organizado e seguramente serviu como um grande marco para o desenvolvimento deste esporte na região. Segundo os jornais, já durante o evento os surfistas locais debatiam a criação de uma federação de surf no estado. Não demorou muito e rolou na Praia de Ponta Negra, em outubro daquele mesmo ano, o I Campeonato de Surf do Colégio Marista.

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Visão comum em Natal a partir de 1975

Aí a coisa não parou mais!

Hoje o surf potiguar é um dos esportes mais atuantes nas praias potiguares, com uma extensa história de sucesso e nomes que alcançam o circuito mundial deste esporte.

O Rio Grande do Norte tem representantes na elite do surf desde 1995, quando Aldemir Calunga começou a “dropar” as ondas pelo mundo. Depois, vieram Danilo Costa, Marcelo Nunes e Joca Júnior, que mantiveram a presença potiguar na elite.

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Os potiguares Jadson André e Ítalo Ferreira vão disputar a elite do Circuito Mundial de Surf em 2017 (Foto: Jocaff Souza/GloboEsporte.com)

E a saga continua firme e forte – Dos nove surfistas que vão representar o Brasil no Circuito Mundial de Surf em 2017, dois deles são potiguares – Jadson André, de Natal, e Itálo Ferreira, de Baía Formosa. A mesma bela praia que testemunhou o início do surf potiguar entre 1974 e 1975.


Fonte – http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/acervo/surf-uma-historia-politica.phtml#.WJSEw4WcHIV

http://www.earj.com.br/history.html

http://iml.jou.ufl.edu/projects/spring04/britton/history.htm

http://jornalzonasulnatal.blogspot.com.br/2015/03/uma-onda-sem-fim.html

http://esporte.ig.com.br/maisesportes/surfe/morre-thomas-rittscher-o-primeiro-surfista-do-brasil/n1597382505205.html

https://www.wsj.com/articles/a-short-history-of-surfing-1439479278

http://www.future-surf.com/en/surf/historia/

MÁRIO DE ANDRADE E NATAL: UMA ÓTIMA RELAÇÃO

A Relação do escritor paulista e a cidade do Natal

Autor – Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Em 2008 se comemoraram os oitenta anos da visita do escritor paulista Mário de Andrade ao Rio Grande do Norte, quando aqui sentiu, viu coisas interessantes, conversou, fez amizades e levou uma imagem sobre Natal e o Nordeste que marcariam sua obra. Mas como esta visita repercutiu em Natal? Como a imprensa da época tratou este assunto?

Em 1928, o paulistano Mário Raul Moraes de Andrade já era uma figura consagrada na nossa literatura, desde 1922 quando ocorreu em São Paulo, a Semana de Arte Moderna. Este foi um movimento cultural, do qual foi um dos líderes e exerceu grande influência em outros escritores. Neste mesmo ano publicou seu livro “Paulicéia desvairada”, que provocou forte reação do público e da crítica.

A partir de 14 de agosto de 1924, o consagrado autor passa a manter com Luís da Câmara Cascudo, uma profícua troca de correspondências, onde decide realizar uma segunda “viagem etnográfica” pelo interior do Brasil (a primeira ocorreu em 1927 e visitou a região Norte).

Possuído por uma irrequieta e curiosa vontade de descobrir o que o Brasil dos “rincões” o escritor paulista não se contentava em ser um pesquisador de “gabinete”. A viagem era parte importante do seu processo de descoberta e contemplação da nossa cultura.

A época do planejamento e concretização desta viagem, Mário era amigo do paraibano, radicado no Rio Grande do Norte, Antônio Bento de Araújo Lima, que seria um dos seus acompanhantes durante esta empreitada.

A viagem ao Nordeste já estava planejada e orçada desde 1926, mas apenas em fins de 1928 pode ser concretizada. A chegada pelo mar se deu no Recife, em 3 de dezembro, dali em diante seguiram por terra e só retornara a São Paulo em 20 de fevereiro do ano seguinte.

As cidades de Natal, Recife e Parahyba (atual João Pessoa) foram suas principais bases para seus levantamentos e pesquisas e Natal foi local de permanência mais demorada. Passaram um mês e meio na capital potiguar, treze dias na pernambucana e onze dias na paraibana.

Mário chegou a Natal no dia 14 de dezembro de 1928, uma sexta-feira, tendo sido recepcionado na estação ferroviária da Great Western por Câmara Cascudo, de quem era hóspede. Afirmou ao jornal “A Republica” que sua visita ao Rio Grande do Norte se prendia a “estudos literários”. No mesmo trem que trouxe o escritor paulista, uma pequena notícia social informava que, igualmente chegou de Recife, havia desembarcado o acadêmico do 1º ano do curso jurídico, o jovem Afonso Bezerra, sem haver nenhuma indicação de algum contato deste e Mário de Andrade.

A visita do escritor movimentava a intelectualidade da cidade. O colunista Aderbal de França apresentou Mário de Andrade como “vanguardeiro de uma das principais correntes do pensamento brasileiro”. Ele Perguntava; “e a que veio o notável escritor de Macunaíma?”, para mais adiante responder “na sua simplicidade habitual, estudar as tradições da nossa terra, para decantá-las na feição moderna que tão bem sabe lapidar os hábitos conservadores da nossa raça”.

Um pouco do que Mário de Andrade viu de Natal e que ainda existe.

Não faltou na coluna uma referência ao falecido poeta potiguar Ferreira Itajubá; “Mario de Andrade se desagrega das ruas, cheirando a indústria da paulicéia e vem as ruas com anseios de progresso da terra de Itajubá, que se vivo fosse vivo, seria, talvez, aqui, um da “escola paulista”.

Finalizava Aderbal apresentando uma ideia de certo pioneirismo que esta visita apresentava a cidade “Vem, dentro do seu modernismo, ver de perto o que possuímos aí pelos recantos da cidade e do interior, porque em verdade, a vida do norte vive sempre tão ignorada dos intelectuais do sul!”.

No dia seguinte, Mário e Cascudo visitaram o governador Juvenal Lamartine no seu gabinete, em visita de cortesia. Esta visita se repetiria no dia 18, e ficaram registradas.

Oscar Wanderley, comenta em artigo publicado em 8 de janeiro, uma visita feita pelo escritor, junto com Cascudo e Antônio Bento, a redação do jornal “A Republica”, então um ponto de encontro dos intelectuais da terra.

Já nos primeiros dias, além de Cascudo e Bento, Mário vai criando na cidade um círculo de amigos como Barôncio Guerra, Cristóvão Dantas, Jorge Fernandes e outros. Estes são os companheiros de banho de mar (principalmente na praia da Redinha), de passeio, de descanso, de pesquisa. Em toda parte, “gente suavíssima que me quer bem, que se interessa pelos meus trabalhos, que me proporciona ocasiões, de mais dizer que o Brasil é uma gostosura de se viver”, conforme escreveria o autor no futuro.

As Impressões da Cidade Sobre o Escritor Paulista

Os jornais natalenses não são prolíficos sobre a opinião gerada na comunidade em relação à visita do escritor a cidade. Oscar Wanderley, entretanto, narra as impressões de uma visita noturna a Mário de Andrade, na “Vila Cascudo”.

Além de Oscar e do próprio Mário, estavam presentes, o anfitrião Cascudo, Vicente Gama, Alberto da Câmara, Arary Britto, e o desportista José Hugo, o “Zezé”. Mário acolheu a todos com familiaridade, estava ao piano, bebendo café, debatendo, ou reverentemente escutando e anotando freneticamente as toadas e canções que lhe eram apresentadas, principalmente por Vicente Gama e Arary Britto. Entre goles de café, Mário comentava com os presentes aspectos de “bruxarias”.

Sobre este comentário, Wanderley afirma que o jornalista Damasceno Bezerra, lhe informou estar o escritor paulista desejoso de visitar “um Catimbó lá pras bandas do Alecrim”.

Mário de Andrade é apresentado com “mãos longas, de dedos muito finos, cor de marfim velho, na extremidade de dois longuíssimos braços, que faziam gestos despreocupados, entremeando as nossas primeiras saudações”.

Wanderley deixa escapar em suas linhas que esta inimitável figura paulistana, já estava se tornando habitual, ao dia a dia da ensolarada capital nordestina, de vinte poucos mil habitantes; “Não sei se todos os senhores já o virão por aí, a caça de Sambas, de Cocos, de Pastoris, de Cheganças, de Bumbas-meu-boi. Viram-no, de certo”.

O encontro só acabou após as vinte e duas horas, onde o autor de “Macunaíma” deixou uma impressão de “honestidade estrutural do caráter do artista-escritor”.

A Natal Popular e Outras Paisagens

É nesta condição de “honestidade cultural” que o pesquisador organizado, aliado a sua infatigável capacidade de trabalho, parte para conhecer, junto com Câmara Cascudo, Antônio Bento e outros, o Boi, o Fandango, a Chegança, os Congos, o Catimbó, seus mestres e feiticeiros. Busca os bairros populares, “sem iluminação, sem bonde, branquejado pelo areão das dunas”. Mário de Andrade mostra sua predileção pela Natal menos visível, dos bairros proletários, com suas brincadeiras populares. Nas praias de Areia Preta e da Redinha, o escritor encontrou; “Sambas, Maxixes, Valsas de origem pura, eu na rede, tempo passando sem dizer nada”, (conforme comentaria em seu futuro livro “O turista Aprendiz”).

Para ele, a Natal do final dos anos de 1920, era uma cidade que se mostrou alegre, mas com relações distintas, onde o escritor paulista não deixa de lado a crítica social: pois, “se saúde, facilidade, bem-estar fosse dedutível da alegria, o proletário nordestino vivia no paraíso”.

O escritor comenta, em uma anotação feita em 2 de janeiro de 1929, o que via da cidade; “Não há mocambos (favelas). O mangue fica da outra banda do Potengi, onde ninguém mora. No Alecrim, como em Rocas, as casas são cobertas de telha e muitas de tijolo. Se enfileiram pequititas, porta e janela de frente, em avenidas magníficas, todas com o duplo de largura da rua comum paulistana”.

Mário realizava um roteiro até então pouco usual de introdução às cidades nordestinas. Apreciando a cultura, festas populares, arte, história, mas também as comidas e as bebidas locais, as praias e os banhos de mar.

Durante sua permanência em Natal, junto com Antônio Bento, o escritor vai à fazenda “Bom Jardim”, na região de Goianinha, conhecer e se encantar com o trovador “Chico Antônio”, como era conhecido Francisco Antônio Moreira. Para Mário, “Chico Antônio não sabe que vale uma dúzia de Carusos”.

Chico Antônio na década de 1920.


Depois de algum tempo desfrutando das benesses da capital e da região próxima ao litoral, chegou à hora de seguir em direção ao interior do estado. Dois relatos sobre a visita ao sertão são publicados no jornal “A Republica”; uma foi a série de crônicas de viagem produzidas por Câmara Cascudo, intituladas “Diário dos 1.104 km” e a outra foi o interessante material escrito por Antônio Bento “Macau-Assu-Seridó-1.104 km em cinco dias”, escrito no dia 27 de janeiro.

A Despedida da Cidade

No dia 25 de janeiro, Mário de Andrade realiza uma última visita de cortesia ao governador Juvenal Lamartine. No outro dia, às oito da noite, no tradicional Hotel Internacional, ele é homenageado com um jantar, onde estiveram presentes, além de Câmara Cascudo, Antônio Bento, Cristóvão Dantas, Lélio Câmara, Omar O’Grady, Luiz Torres, Nunes Pereira, Adauto Câmara, Jorge Fernandes e Gonzaga Galvão. Juvenal Lamartine foi convidado, mas não foi, mandou seu ajudante de ordens, o capitão Genésio Lopes, representá-lo.

Na manhã do dia 27, o escritor paulista tomou um automóvel para a cidade da Parahyba (atual João Pessoa), em companhia de Antônio Bento e a convite de José Américo de Almeida.

Qual foi a principal marca que a visita de Mário de Andrade deixou em Natal?

Mário de Andrade e Câmara Cascudo viajando pelo sertão.


O engenheiro agrônomo potiguar Garibaldi Dantas, em uma interessante crônica, publicada no dia 6 de abril de 1929, em “A Republica”, apontava a validade da iniciativa de Mário de Andrade em visitar e pesquisar as tradições nordestinas, mostrando a intelectualidade local à importância do que possuíamos em termos de cultura.

Dantas criticou duramente a intelectualidade potiguar, afirmando que “ao invés de ficarem nas eternas questiúnculas bizantinas de escolas estrangeiras, fossem ao nosso interior, e de lá trouxessem estes motivos interessantes que um dia poderão ser gênese de algum trabalho formidável e original”. Conclamava os “literatos do norte” a evitarem a triste ideia corrente de crescer e fugir do meio. Dantas afirmava certamente baseado na experiência de um engenheiro agrônomo que conhecia o interior, que “o Brasil não está nas capitais. Está no sertão rude, brutal, desconhecido mesmo”.

Dantas afirmava que a corrente de brasileirismos criada pela Semana de Arte Moderna de 1922, mesmo com seus exageros, “terá um dia a sua significação formidável, na formação de uma mentalidade brasileira”.
Ele não estava errado.

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