É FATO QUE O EXÉRCITO BRASILEIRO PRODUZIU UM MATERIAL COM FOTOS E FILMES SOBRE NATAL E A BASE DE PARNAMIRIM DURANTE A SEGUNDA GUERRA? E ONDE SE ENCONTRA ESSE RARO MATERIAL?

Descobri Que o Exército Brasileiro Realizou em 1942 Todo um Trabalho Documental e Iconográfico, Com Fotos e Filmes Sobre Natal e a Base de Parnamirim. Mas onde está esse material???

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Mesmo com muitos historiadores não aceitando essa situação, o tema sobre a cidade de Natal durante a Segunda Guerra Mundial sempre foi algo que chamou (e chama) bastante a atenção do povo dessa cidade, sendo os materiais produzidos sobre esse período da história local os mais consumidos. São livros, vídeos, histórias em quadrinhos, peças de teatro e outros produtos.

NATAL, BRASIL – JUNHO 1943: A view as US servicemen at the Parnamirim airport at the US Air Force base in Natal, Brazil. (Photo by Ivan Dmitri/Michael Ochs Archives/Getty Images) *** Local Caption***

A presença de tropas estrangeiras na cidade, dos atos de espionagem nazifascista em Natal, a reação dos natalenses envolvidos nesse contexto, o que mudou na cidade, o que a população conseguiu de vantagem com tudo isso e também o que sofreu, são sempre pontos de interesse dos moradores da “Cidade do Sol”.

Enfim, devido a sua propalada posição estratégica, Natal foi seguramente a cidade mais envolvida na Segunda Guerra Mundial na América do Sul.

Parnamirim Field – Fonte – NARA.

Aqui existiu uma das maiores bases aéreas Aliadas envolvidas no conflito e daqui partiram milhares de aeronaves para atuarem em diversas frentes de combate, desde a África, passando pela Europa e chegando até a China.

Por aqui sempre chamou atenção quando surgem novos dados e materiais, principalmente iconográficos, sobre a cidade naqueles tempos turbulentos. Uma coleção de novas fotos, ou até mesmo uma simples foto, já é motivo de discussão entre aqueles que gostam de observar esse período da História da cidade.

E com muita satisfação eu descubro que o Exército Brasileiro realizou em 1942 todo um trabalho documental e iconográfico, com fotos e filmes sobre Natal e a Base de Parnamirim. Todo esse material foi destinado para a produção de uma palestra que se realizou nas primeiras semanas de janeiro de 1943, no antigo Palácio da Guerra, atual Palácio Duque de Caxias, ao lado da Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Vejam abaixo!

Maravilha! Mas como foi produzido esse material? Quem o produziu? Quem foi o oficial que apresentou esse trabalho no Rio? E o mais importante – onde está esse material?

Sobre Quem Apresentou

Nos jornais brasileiros, não consta o nome de quem realizou e produziu o material iconográfico, mas como as notícias apontam o capitão Jefferson Cardim de Alencar Osorio como o palestrante do evento no Palácio Duque de Caxias e devido a sua patente, o mais provável é que ele tenha sido o responsável por essa pesquisa.

Mas quem era Jefferson Cardim e como ele veio parar em Natal?

O capitão Jefferson Cardim de Alencar Osorio na época da Segunda Guerra.

Sabemos que nasceu em 17 de fevereiro de 1912 no Rio de Janeiro, sendo filho do capitão de corveta Roberto de Alencar Osorio e da professora Corina Cardim de Alencar Osório.

Apesar de ter um pai oficial da Marinha, Cardim decidiu seguir a carreira militar no Exército. Entrou na Escola Militar do Realengo, sendo declarado aspirante a oficial em 25 de janeiro de 1934 (Turma Marechal José Pessoa) na arma de artilharia. Logo ô jovem oficial foi promovido a segundo tenente.

A sua primeira unidade foi o 6º Grupo de Artilharia de Costa (6º G. A. Co.), no Forte de Coimbra, no atual estado do Mato Grosso do Sul. Em 1936 estava no 4º Regimento de Artilharia Montado (4º R. A. M.), em Itu, interior de São Paulo, sendo depois transferido para Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para atuar no 5º Regimento de Artilharia Montado (5º R. A. M.), conhecido como Regimento Mallet. Na sequência veio para Niterói, Rio de Janeiro, para servir no Forte de São Luiz, como oficial da 2ª Bateria Independente de Artilharia de Costa (2ª B. I. A. C.).

Canhão alemão antiaéreo de 88m.m. do I/3º R. A. A. Ae e utilizado em Natal.

Em dezembro de 1941, um dia antes do ataque japonês a base americana de Pearl Harbor, ele concluiu o curso de defesa antiaérea e logo foi transferido para o Primeiro Batalhão do 3º Regimento de Artilharia Antiaérea (I/3 R. A. A. Ae.) que estava aquartelado em Natal, tendo sido promovido a capitão.

Como Pode Ter Sido Realizado Esse Trabalho

Certamente trabalhando com outros militares e provavelmente devido ao volume de informações, o capitão Jefferson Cardim decidiu dividir o seu trabalho em duas partes. Em uma das partes ele trabalhou com dados sobre a topografia, clima, custo de vida (que estava subindo bastante em Natal com a presença dos militares americanos), saúde, alimentação, ambiente social e cultural.

NATAL, BRASIL – JUNHO 1943: A street view as servicemen talk with locals in Natal, Brazil. (Photo by Ivan Dmitri/Michael Ochs Archives/Getty Images) *** Local Caption***

Na outra parte, segundo foi publicado nos jornais, foram basicamente contemplados os aspectos relativos a defesa militar de Natal, a defesa da Base de Parnamirim e finalizando havia o foco sobre os militares brasileiros e americanos na região. Foi visado o número de militares atuando na área e, provavelmente, nesse último quesito um dos pontos observados podem ter sido os aspectos da interação e convivência entre as forças do Brasil e dos Estados Unidos, algo que preocupava os dois governos.

NATAL, BRASIL – JUNHO 1943: US servicemen sit to have a drink at the Grande Hotel in NATAL, BRAZIl. (Photo by Ivan Dmitri/Michael Ochs Archives/Getty Images) *** Local Caption***

Outras coisas colocadas pelo capitão Jefferson Cardim nessa última parte dos estudos e da palestra são os chamados “pontos sensíveis importantes” como as vias de transporte em Natal, tanto terrestre como fluvial, nesse caso certamente o Rio Potengi. Outros pontos eram as “defesas naturais da cidade” uma parte específica sobre as dunas que cercam Natal. Havia ainda uma parte sobre “o moral da tropa” e outro sobre as “Secas na defesa do Nordeste”. Sobre essa última parte parece que esse militar e quem mais o tenha assessorado adentraram para o sertão potiguar.

Apresentação no Rio de Janeiro

Quando esse projeto teve início e quando se deu sua finalização não sabemos. Mas sabemos que o capitão Jefferson Cardim sofreu um acidente quando estava em Natal, mas não é comentado em nenhum local o que lhe aconteceu. Mas aparentemente foi algo grave, pois consta uma notícia publicada no jornal carioca Diário de Notícias, de 9 de agosto de 1942, que ele veio de Natal para o Rio de Janeiro para ficar internado no Hospital Central do Exército e estava acompanhado do soldado Antônio da Conceição, lotado no I/3 R. A. A. Ae.

Dois meses depois, dia 20 de novembro, é publicado no mesmo Diário de Notícias uma reprodução do Boletim Interno nº 269 da Diretoria de Artilharia, ordenando que Cardim fosse “inspecionado” pela Diretoria de Saúde para a conclusão da sua licença de saúde.

Jefferson Cardim quando era coronel, no início da década de 1960.

As próximas noticias sobre Cardim é a divulgação da palestra, que foi chamada “Conferência sobre a Defesa de Natal”.

Em um mesmo dia (03/12/1942) foram publicadas três notas explicativas sobre a conferência em jornais do Rio (Jornal do Brasil, Diário de Notícias e Gazeta de Notícias). Dois dias depois esse material foi repetido na imprensa natalense no jornal A Ordem. Todos esses jornais comentaram que a palestra iria ocorrer no dia 9 de dezembro, uma quarta feira, às duas da tarde. Depois surgiu outra nota informando que foi alterada para o dia 13, no mesmo horário.

Bem, se a conferência aconteceu, ou não, sinceramente eu não sei!

Como o evento se desenrolou e como foi apresentado, ou como foi visto e recebido pelos presentes e até quem estava por lá é um mistério!

Soldados dos Dragões da Indepêndencia no interior do Palácio Duque de Caxia em 1942.

E a razão foi porque não encontrei nenhuma indicação sobre isso nos jornais e revistas disponíveis no site da Biblioteca Nacional. Também fiz uma busca nos riquíssimos sites do Arquivo Nacional e nada. Mas eu não acredito que depois de tanta propaganda, tanta divulgação em alguns dos principais jornais do país, esse evento deixou de acontecer.

Evento no Palácio Duque de Caxias em 1945, com a participação do general Eurico Gaspar Dutra e o general norte-americano Mark Clark, comandante do 5º Exército dos Estados Unidos na Itália.

Mas no final das contas, o mais importante é saber o que foi feito desse importante material, que teoricamente foi apresentado pelo capitão Jefferson Cardim.

Guerrilha de Três Passos

Jefferson Cardim continuou no Exército Brasileiro, progrediu na carreira militar, mas adentrou bastante no aspecto político e houve consequências para ele e sua família.

O coronel Jefferson Cardim e sua esposa em uma solenidade.

Segundo os sites Memória da Democracia e Memória da Ditadura ( https://memorialdademocracia.com.br/card/ditaduras-se-unem-as-ordens-de-tio-sam e https://memoriasdaditadura.org.br/personagens/jefferson-cardim/  ), esses são os fatos envolvendo Cardim e a criação de um núcleo de guerrilheiros contra o Regime Militar em 1965.

Na noite de 26 de março de 1965, um grupo de camponeses, militares e profissionais liberais liderado pelo coronel do Exército Jefferson Cardim Osório e pelo sargento da Brigada Militar (PM) Albery Vieira dos Santos toma a cidade de Três Passos (RS).

Militares coletando informações na região de Três Passos, Rio Grande do Sul.

Depois de cortar a comunicação telefônica da localidade e levar armas, fardas e munição do destacamento policial, o comando invadiu a rádio local e transmitiu um manifesto contra a ditadura. Dali, o grupo partiu para os municípios de Tenente Portela e Barra do Guarita, no Rio Grande do Sul, e Itapiranga, em Santa Catarina, onde tomaram os postos da Polícia Militar.

A prisão dos guerrilheiros deu-se na cidade paranaense de Capitão Leônidas Marques dois dias mais tarde. O coronel Cardim fazia parte do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), grupo de militares ligados ao ex-governador Leonel Brizola, exilado no Uruguai. 

Jefferson Cardim preso.

Cardim é conhecido por ser o líder de um dos primeiros movimentos armados contra a ditadura. Filho de um oficial da Marinha, em diversas situações se posicionou contra as orientações do exército. Com o golpe, a ditadura cassou sua patente e o aposentou depois do Ato Institucional Nº 1 (AI-1).

Quando ele já estava no Uruguai, por auxílio de João Goulart, organizou o Movimento 26 de Março, também conhecido como Guerrilha de Três Passos. Da cidade do Rio Grande do Sul de mesmo nome, o grupo do coronel subiu em direção ao Paraná. Isso porque, no dia 26 de março de 1965, o presidente Castelo Branco estaria em Foz do Iguaçu para a inauguração da Ponte da Amizade, na fronteira entre Brasil e Paraguai.

Solenidade no velório do sargento Carlos Argemiro de Carvalho, paranaense, única vítima da Guerrilha de Três Passos.

A ação foi frustrada pelas tropas do governo, resultando na dispersão e posterior prisão de todos os insurgentes. Preso e levado a Curitiba (PR), Cardim foi torturado e ficou detido até 1968, quando conseguiu fugir. Em 1970, foi sequestrado na Argentina, como uma das primeiras ações da Operação Condor”.

Em 1985, Jefferson Cardim teve a sua anistia cassada e foi viver fora do país como refugiado Através da ação de setores da Organização das Nações Unidas (ONU), o governo francês o acolheu e durante a sua permanência em Paris. lhe concederam uma ajuda de 3.600 francos, que, segundo Cardim declarou, dava para comer em restaurantes universitários e dormir em um quartinho de hotel no Quartier Latin.

Faleceu no Rio de Janeiro, em 29 de janeiro de 1995.

O PASSADO DA ESCRAVIDÃO HOLANDESA NO NORDESTE DO BRASIL POR VOLTA DE 1630

COMO A HOLANDA LIDOU COM OS ESCRAVOS AFRICANOS E A POPULAÇÃO INDÍGENA NAQUELA ÉPOCA

ERNST LEEFTINK https://ernstleeftink.com/2022/12/27/het-slavernijverleden-van-nederland-in-het-noorden-van-brazilie-rond-1630/

Em uma recente ocasião o rei holandês Willem Alexander falou sobre “o reconhecimento do sofrimento infligido às pessoas durante a era colonial”. Ele disse: “Pelas coisas desumanas que foram feitas naquela época nas vidas de homens, mulheres e crianças, ninguém é culpado agora”, mas pediu a todos que “enfrentassem honestamente nosso passado compartilhado e reconhecessem o crime contra a humanidade que a escravidão foi”.

O Rei da Holanda Willem Alexander– Fonte – https://ernstleeftink.com/.

Coincidentemente, no Boxing Day (feriado em 26 de dezembro) eu estava folheando o livro Nederlanders in Brazilië – 1624-1654 (no Brasil lançado como Tempo dos Flamengos), escrito pelo historiador brasileiro José Antônio Gonsalves de Mello em 1947 e cuja tradução para o holandês foi publicada em 2001. O subtítulo do livro é “A influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do Norte do Brasil“. Gonsalves de Mello estudou extensos arquivos da colônia holandesa, incluindo todas as “Atas Diárias do Conselho do Brasil” de 1635-1654. Ele até aprendeu holandês para isso.

A costa norte do Brasil, ao redor do Equador, exatamente onde o litoral se curva para baixo, foi uma colônia holandesa por cerca de 25 anos. A região era então e ainda é chamada de Pernambuco. No litoral os portugueses fundaram os povoados de Recife e Olinda a partir de 1534 e começaram a cultivar cana-de-açúcar ali. Recife é hoje a capital do estado brasileiro de Pernambuco e tem mais de 1,5 milhão de habitantes. Olinda, próximo a capital, era muito maior por volta de 1630, mas hoje tem quase 400.000 habitantes.

Edição holandesa do livro Tempo dos Flamengos, de João Antônio Gonsalves de Mello– Fonte – https://ernstleeftink.com/.

Em 1630, os Países Baixos conquistaram esses lugares de Portugal e estabeleceram uma colônia lá com Mauritsstad (ou Cidade Maurícia, construída em frente à ilha do Recife) sob a liderança de Johan Maurits van Nassau, que foi governador-geral do Brasil Holandês de 1636 a 1654. Em 1654, os portugueses recuperaram todo o Brasil.

O livro de Gonsalves de Mello (1916-2002) também é interessante por isso, pois dois dos cinco capítulos são intitulados: “3 – A relação dos holandeses com os negros e a escravidão” e “4 – Holandeses, índios e catequese”. Os dois primeiros capítulos tratam de “1 – Os holandeses e a vida na cidade”, “2 – Os holandeses e a vida no campo” e o último capítulo de “5 – Os holandeses em suas relações com os portugueses católicos e os judeus mosaicos”.

Johan Maurits van Nassau, governador-geral do Brasil Holandês durante vários anos – Fonte – https://ernstleeftink.com/

Ele contém lições interessantes sobre nosso passado de escravidão e apartheid. Gostaria de compartilhar um pouco disso.

O Tratamento dos Escravos da África

As plantações de cana-de-açúcar iniciadas pelos portugueses em 1534 não poderiam ter sido estabelecidas sem trabalho escravo. Os primeiros escravos vindos da África já chegaram lá naquela época.

Ao desembarcarem no norte do Brasil em 1630, ainda havia reservas sobre o tráfico de escravos, em parte por causa “da religião praticada nos Países Baixos”. Um dos fundadores da Companhia das Índias Ocidentais em 1621, o empresário Willem Usselincx, que havia fugido de Antuérpia, também rejeitou a escravidão por questões práticas, porque é melhor trabalhar com seu próprio povo do que com escravos relutantes “um homem deste país fará mais trabalho do que três negros que custam muito dinheiro”.

Mapa de Recife em 1665 – Fonte – https://ernstleeftink.com/.

Quando os holandeses conquistaram a colônia portuguesa no Brasil, havia cerca de 500 escravos lá. “A partir daí, os negros serviram como soldados no exército ao lado dos holandeses. (…) Muitos receberam passe livre como recompensa por seus serviços leais como guias ou soldados”. Nas “Atas Diárias” de 1637, consta o seguinte: “Esses negros que nos vieram de seus senhores, alguns deles serviram por 4, 5, 6, até 7 anos e nos trataram fielmente (…). Se entregássemos esses negros de volta às mãos de seus senhores amargurados, seríamos bravamente ingratos”.  Às vezes, viúvas e filhos de antigos escravos até recebiam benefícios do governo.

Mas, escreve Gonsalves de Mello, “em 1638 a escravidão dos negros não era mais restringida”. Os holandeses não se sentiam mais sobrecarregados, porque “para atender às necessidades de pessoal da indústria açucareira” e havia poucos colonos da Holanda, eles tiveram que “iniciar a importação de escravos africanos”.

A partir de 1641, quando os holandeses começaram a importar escravos não apenas de Gana, mas também de Angola, milhares foram transportados em condições terríveis. “As taxas de mortalidade entre 20% e 30% entre a tripulação de escravos eram bastante normais”. Eles eram comprados por uma média de 50 florins e vendidos novamente no Novo Mundo “por um preço médio de 200 a 300 florins cada.” Os produtores de cana-de-açúcar cobravam o preço de duas caixas de açúcar por negro.

Olinda na época dos holandeses no Nordeste do Brasil – Fonte – John Ogilby’s atlas America Being the Latest, and Most Accurate Description of the New World, London, 1671, p. 504

Muitos escravos africanos já haviam fugido para as selvas sob o domínio português e estabelecido ali “aldeias de negros do mato”, “o que representava um grande perigo para o campo e perturbava a estabilidade da colônia”. O governo holandês em Recife, então, contratou caçadores de escravos brasileiros que eram bem pagos por cada guerrilheiro que conseguiam capturar.

Ao mesmo tempo, disse Gonsalves de Mello, “os holandeses tratavam seus escravos negros de forma inegavelmente humana”. Pois “muitos holandeses demonstraram sincera amizade por alguns membros de sua comitiva de escravos e apreço por seus serviços leais e dedicação ao trabalho diário. Por exemplo, uma senhora holandesa recusou-se a viajar para a Holanda com seu filho sem a companhia de sua experiente babá negra”. Um membro da Suprema Corte cujo escravo ficou incapacitado por um triste acidente, escreveu aos seus clientes na Holanda sobre “minha extraordinária tristeza porque meu pequeno negro Jacques Guillardt perdeu as duas pernas”.

Há também exemplos de escravos e suas famílias recebendo passe livre de seus donos ou do governo, às vezes até para se casar com uma escrava como soldada. Mas, acrescenta Gonsalves de Mello, esse também era o costume entre os proprietários de escravos portugueses e judeus, e eles tinham mais feriados religiosos do que os holandeses, que só davam folga aos seus escravos aos domingos.

Recife no tempo dos holandeses no Nordeste do Brasil – Fonte – Rerum in Brasilia et alibi gestarum by Caspar Barlaeus.

Uma observação notável de Gonsalves de Mello é a seguinte: os holandeses no Brasil lutavam por uma sociedade baseada no apartheid. “Na nossa opinião, esse é um dos aspectos mais antipáticos da colonização holandesa: essa separação quase preventiva entre a classe dominante e a classe dominada”.

Nas décadas de 1930 e 1940, alguns brasileiros relembravam com certa nostalgia aquele “período holandês“, mas “aqueles que ainda hoje lamentam a expulsão dos holandeses do nordeste brasileiro provavelmente não refletiram o suficiente sobre esse aspecto. As modernas colônias holandesas são um exemplo do que poderíamos esperar delas: a exploração e a dominação de um proletariado de cor por uma minoria branca”, em contraste com o que os portugueses nos deixaram: uma nação de brancos confraternizando com negros e índios”.

A Interação Com os Índios da Região

Isso também aparece em seu quarto capítulo, sobre a relação entre os holandeses e os indianos. Antes de os Países Baixos conquistarem Recife e Olinda dos portugueses em 1630, os indígenas dessa região já haviam sido treinados como intérpretes nos Países Baixos. Quando tomaram a região de Pernambuco, os holandeses prometeram que os índios teriam permissão para manter sua liberdade e “não teriam que sofrer nenhuma subjugação”. Os holandeses têm procurado continuamente estabelecer amizades com os índios.

Visão européia sobre os indígenas brasileiros no século XVII. Ritual de canibalismo visto pelo alemão Hans Staden, o barbudo nu a direita na imagem. Vejam como ele se coloca horrorizado diante da cena – Fonte – Wikipedia.com.

Os índios Tupis viviam em aldeias ao longo da costa e os índios Tapuia viviam como um “povo de moradores da floresta“. Os tupis tinham direito ao autogoverno e os tapuias eram completamente independentes. Esse direito à liberdade e, portanto, a proibição da escravidão foi mantida todos esses anos. “Nenhum índio deve ser mantido em cativeiro ou forçado a trabalhar contra sua vontade”. Na prática, a exploração, o abuso e o pagamento insuficiente ocorreram, “mas Johan Maurits, em particular, fez o máximo para erradicar tais abusos”.

Os holandeses também investiram muita energia no cultivo dos índios tupis. Foi introduzido um método completo de ensino e catecismo. Houve até pregadores missionários, como David van Dorsenlaer, que também pregaram em tupi.

E, inversamente, “muitos indianos se tornaram fervorosos seguidores da fé reformada, na verdade, quase completamente teólogos calvinistas com as Escrituras em punho”, entre eles Antônio Paraupaba. Ele chegou à Holanda em 1625, aos 30 anos, retornou ao Brasil de 1630 a 1654, onde se opôs à escravidão de índios e negros, e retornou à Holanda em 1654 com sua esposa e filhos. Ele morreu lá em 1656.

O PASSADO DA ESCRAVIDÃO HOLANDESA NO NORDESTE DO BRASIL POR VOLTA DE 1630 - COMO A HOLANDA LIDOU COM OS ESCRAVOS AFRICANOS E A POPULAÇÃO INDÍGENA NAQUELA ÉPOCA
Muitas décadas após a expulsão dos holandeses do Brasil, assim o francês Jean Baptiste Debret viu o castigo a um cativo – Fonte – Wikipedia.com

No entanto, os holandeses mantinham tanta distância dos índios quanto dos escravos negros. Por mais cordial que tenha sido a amizade mútua, nunca ocorreu aos holandeses que pudessem estabelecer um relacionamento mais próximo com os indígenas do que uma simples aliança militar. Por exemplo, eles não cogitavam tomar mulheres indígenas como concubinas ou esposas legais. Havia até uma “proibição severa daqui de que ninguém se misturasse com os brasileiros”.

Gonsalves de Mello indica que esta foi uma das razões pelas quais os portugueses acabaram por reconquistar o Recife e seus arredores. A moral calvinista era claramente diferente da moral católica: não havia mistura com pessoas de outras religiões e havia estrita adesão aos princípios bíblicos. Em outras palavras: “Os holandeses não tinham a flexibilidade necessária para (…) conviver com imperfeições e aceitar condições que não seriam toleradas na metrópole. Os portugueses lidaram com tais problemas com muito mais inteligência.” A mesma Igreja Católica “conseguiu lidar com tais impurezas”.

MULHER DE CORAGEM – A HISTÓRIA DA ÚNICA ENFERMEIRA MILITAR AMERICANA CAPTURADA PELOS ALEMÃES

As Mulheres na Segunda Guerra – O Duro e Perigoso Ofício das Enfermeiras de voo – Ferida em um Avião Derrubado na Alemanha Nazista – A Surpresa dos Soldados de Hitler em Capturar uma Mulher Vestida Com o Uniforme de Oficial do Exército Inimigo – Repatriada Através da Suíça Pela Cruz Vermelha – Volta aos Estados Unidos e Casamento – As Injustiças e a Sua Dura Batalha Contra a Burocracia Militar Para Conseguir Seus Direitos

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Durante a Segunda Guerra Mundial normalmente os exércitos aliados não permitiam que mulheres que usavam uniformes atuassem na linha de fogo. A maior exceção foi no Exército Soviético, onde as mulheres atuaram com galhardia em várias ações de combate direto aos inimigos. Já nas forças armadas da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos e de outras nações Aliadas, a maioria das mulheres atuou principalmente nos setores da administração militar, para assim liberar mais homens para o combate nas linhas de frente. No geral, poucas foram as mulheres que serviram nesses exércitos que chegaram perto de áreas de combate e a maioria nunca levou ou recebeu tiros dos inimigos.

Mas ocorreram exceções.

Uma das aviadoras americanas do Women Airforce Service Pilots (WASP)- Fonte – NARA.

Entre elas estava a importante tarefa de pilotar aviões saídos de fábrica para serem entregues aos esquadrões da linha de frente. Um trabalho que poderia se tornar perigoso muito mais por problemas mecânicos, ou alterações do tempo, do que serem abatidas por alguma aeronave hostil, fato que nunca ocorreu. Essas mulheres faziam parte do Women Airforce Service Pilots (WASP) e será que alguma delas passou por Natal e pousou em Parnamirim Field?

Outra exceção aconteceu na Grã-Bretanha, onde os bombardeios da Luftwaffe, a força aérea nazista, cobraram um alto preço as cidades e as suas populações. Nessas ocasiões várias britânicas atuaram de forma mais direta em combates, ao operarem poderosas baterias de canhões antiaéreos que buscavam derrubar as aeronaves inimigas. Mas elas disparavam em alvos a centenas de metros de altura e não chegavam a ver “a cor dos olhos dos oponentes”, como acontecia nas pelejas corpo a corpo dos soldados da infantaria.

Mulheres artilheiras antiaéreas da Grã-Bretanha – Fonte – TR 453 Part of MINISTRY OF INFORMATION SECOND WORLD WAR COLOUR TRANSPARENCY COLLECTION Malindine E G (Lt) Tanner (Lt) War Office official photographer.

Algumas poucas mulheres atuaram no escritório de serviços estratégicos dos americanos e no serviço de operações especiais dos britânicos, chegaram a saltar de paraquedas atrás das linhas inimigas para ajudar a resistência francesa e houveram alguns raros casos de combates.

Mas foi a enfermagem a atividade que mais levou mulheres militares dos exércitos Aliados na frente oeste da Europa a ficarem próximas de áreas de combate.

Fosse no atendimento de militares feridos, ou, como aconteceu em algumas ocasiões, estando em locais de atendimento clínico que foram atacados por disparos de artilharia e por atiradores de infantaria inimigos, muitas dessas mulheres testemunharam as terríveis crueldades da guerra. Inclusive o Brasil, um dos países Aliados, enviou para a Itália entre 1944 e 45 um grupo de 73 enfermeiras que se juntaram às tropas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e da Força Aérea Brasileira (FAB), para realizar seu trabalho de forma digna e honrada.

Enfermeiras brasileiras desfilando no Rio de Janeiro no período da Segunda Guerra.

Enfermeira de voo

Mas durante a guerra, o comando militar dos Aliados achou por bem desenvolver as enfermeiras um trabalho específico, onde elas realizavam sua nobre atividade em meio a perigos reais. Foi criada então a função de “Enfermeira de voo”.

As mulheres que desejassem seguir por esse caminho teriam de se voluntariar e a rotina de treinamento desenvolvida era dura e pesada. De saída elas deveriam fazer um forte treinamento militar durante seis a nove semanas, que incluíam a utilização de mapas em áreas de combate, camuflagem de sobrevivência, habilidades no transporte de feridos em aeronaves, preparação para pousos forçados, uso de paraquedas, muita ênfase para o condicionamento físico, uso de diversas armas militares e até a participação em treinamentos que simulavam ataques inimigos em aeródromos.

Treinamento de Enfermeira de voo– Fonte – NARA.

Essas enfermeiras voaram com muito mais frequência do que outras mulheres da sua profissão e precisavam aprender a cuidar delas mesmas. O treinamento foi projetado para tornar as enfermeiras amplamente autossuficientes durante o voo. Elas foram treinadas para tratar dor, sangramento e choque, atendendo os pacientes na ausência de um médico.

A Força Aérea do Exército dos Estados Unidos criou o primeiro programa de treinamento no outono de 1942. As primeiras 39 Enfermeiras de voo foram formadas em fevereiro de 1943 e muitas mais passaram pela nova escola de evacuação aérea em Randall Field, no estado do Texas. Na Grã-Bretanha, um programa semelhante foi estabelecido com voluntárias da Força Aérea Auxiliar Feminina e a Marinha dos Estados Unidos também criou uma escola semelhante na Estação Aeronaval de Alameda, no estado da Califórnia.

Esquadrões de evacuação aero médica dos Estados Unidos foram criados e divididos em equipes compostas de um cirurgião de voo, que comandavam outras seis equipes compostas de Enfermeiras de voo e vários técnicos cirúrgicos.

As Enfermeiras de voo americanas foram autorizadas a usar em seus uniformes as asas de voo, com um “N” na cor marrom, para “Nurse”, enfermeira em inglês. Mas ao contrário das forças armadas britânicas, todas essas enfermeiras do exército americano foram comissionadas como oficiais, para, no caso de serem capturadas, serem melhor tratadas pelos inimigos.

Curtiss C-46 Commando.

Como o trabalho dessas mulheres era prioritariamente ligado à evacuação de pacientes, elas utilizavam basicamente aeronaves bimotores de transporte Douglas C-47 Dakota e Curtiss C-46 Commando, modificadas internamente para acomodar várias macas. Esses aviões eram pilotados por aviadores especialmente treinados, enquanto as Enfermeiras de voo eram as principais operadoras das atividades de saúde a bordo. Elas comandavam um ou dois técnicos cirúrgicos, onde a equipe tinha de lidar com o uso de oxigênio e qualquer emergência médica que ocorresse durante o voo, incluindo pacientes em situação de choque, hemorragias, sedação e o que houvesse mais necessidade.

Enfermeiras de voo em Guam aparecem diante de um avião quadrimotor R5D (Douglas Skymaster) em abril de 1945. (Arquivos BUMED)

Voar era em si perigoso e muitas enfermeiras de voo salvaram suas vidas e de muitos pacientes durante terríveis emergências, enquanto suas aeronaves desciam no mar ou em terra. Existem casos em que elas retiraram com sucesso pacientes para botes salva-vidas em alto mar, ou de aeronaves em chamas após um pouso forçado no norte da África. Teve o caso de um avião que recebeu disparos de artilharia antiaérea japonesa na Birmânia e uma enfermeira de voo saltou de paraquedas com sucesso.

A tenente Pauline Curry e o técnico médico sargento Lewis Marker cuidam do conforto de um paciente durante um voo de evacuação nos céus da Índia. Aproximadamente 500 enfermeiros serviram em 31 esquadrões de evacuação aérea médica durante a Segunda Guerra Mundial – Fonte – NARA.

Houve o caso de um avião que se perdeu durante um voo e acabou fazendo um pouso forçado na Albânia, atrás das linhas alemãs, sendo os tripulantes contactados e protegidos por guerrilheiros desse país. Na sequência, unidades especiais aliadas saltaram de paraquedas para ajudar esse grupo. Mesmo com as patrulhas alemãs caçando-os por dois meses em áreas montanhosas durante o inverno, todos foram salvos.

A enfermeira do Exército, segundo tenente Katherine Friedrich, atende a um paciente ferido a bordo de um avião de transporte Douglas C-47 com destino à Grã-Bretanha. O avião de evacuação decolou de Toul, na França, onde os soldados aliados feridos em combate ou doentes foram preparados para o voo– Fonte – NARA.

Apesar das histórias de heroísmo e dedicação, dezesseis Enfermeiras de voo americanas foram mortas durante a Segunda Guerra Mundial.

Atribui-se que grande parte dessas ocorrências aconteceu porque a maioria das aeronaves britânicas e americanas envolvidas em voos de evacuação médica não eram marcadas com cruzes vermelhas, sinalização internacionalmente conhecida para o trabalho e transporte de feridos. Isso aconteceu para que essas aeronaves também pudessem ser utilizadas para transportar armas, suprimentos, munições, etc. Mas é claro que isso significava que a aeronave era legalmente um alvo para os hábeis aviadores de caça, ou os precisos membros das armas de artilharia antiaérea inimigas.

Em julho de 1943, a tenente Katye Swope, enfermeira do 802º Esquadrão de Transporte de Evacuação Aéreo Médica, prepara pacientes para um voo de Agrigento, Sicília, Itália, para a Grã-Bretanha onde foram submetidos a tratamento médico adicional. As operações de evacuação aérea dos Aliados começaram durante a campanha no norte da África em fevereiro de 1943 e continuaram durante a Segunda Guerra Mundial em todos os teatros– Fonte – NARA.

Um incidente pouco conhecido foi a história da única mulher do serviço militar aliado que foi feita prisioneira pelos alemães na frente oeste.

Queda do C-47 na Alemanha Nazista

A Enfermeira de voo Reba Zitella Whittle, fotografada logo após sua libertação de um campo de prisioneiros alemão.- Fonte – NARA.

Reba Zitella Whittle nasceu em Rock Springs, Condado de Edwards, estado de Texas, e estudou no North Texas State College, antes de frequentar a escola de enfermagem do Medical and Surgical Memorial Hospital, da cidade de San Antonio. Depois de se formar, Whittle se alistou no Forte Sam Houston, no Corpo de Enfermeiras do Exército em 10 de junho de 1941. Com o posto de segundo-tenente, foi designada para o hospital da Base Aérea do Exército de Albuquerque, estado do Novo México, onde atuou como enfermeira de serviço geral, sendo posteriormente transferida para Mather Field, Sacramento, estado da Califórnia.

Em 6 de agosto de 1943, Whittle foi aceita pela Escola de Evacuação Aérea da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos, para se tornar Enfermeira de voo. Em setembro chegou à escola em Bowman Field, no estado de Kentucky.

Whittle se formou com notas excelentes e em janeiro de 1944 partiu para a Inglaterra a bordo do navio RMS Queen Mary, com outras 25 enfermeiras de voo do 813º Esquadrão de Transporte de Evacuação Aero Médica, cuja sigla em inglês era 813º MAETS. Essa unidade ficou baseada na Royal Air Force Station Grove, ou RAF Grove, uma antiga estação da Força Aérea Britânica perto da vila de Grove, Oxfordshire, Inglaterra.

Douglas C-47 Dakota.

Entre janeiro e setembro de 1944 a enfermeira Reba Whittle realizou mais de 40 missões em aviões C-47, com 500 horas no ar, incluindo 80 em momentos de combate.

Na quarta-feira, 27 de setembro de 1944, ela embarcou em um voo ligando a Inglaterra até um campo de pouso na cidade belga de Saint-Trond. Mais uma missão de rotina. Três meses antes os Aliados haviam desembarcado na Normandia e desde então ocorriam intensos combates, com um elevado número de mortos e feridos.

Além da tripulação de voo, da enfermeira Reba e de um técnico cirúrgico, o avião carregava toneladas de suprimentos e retornaria com feridos em suas macas.

A enfermeira Reba Whittle está na porta de um avião de transporte C-47 antes da partida.

Em algum momento durante o voo foi cometido um erro de navegação que colocou o C-47 cerca de 70 quilômetros fora de sua rota, quando foi atingido pela precisa artilharia antiaérea alemã.

Reba Whittle estava dormindo na parte de trás do avião, mas repentinamente foi acordada por uma detonação incrivelmente alta dos projéteis alemães explodindo ao redor do C-47. Lá fora um dos motores estava pegando fogo, enquanto o avião descia rapidamente para um difícil pouso forçado em um campo nevado. O C-47 pousou a cerca de quatro quilômetros da cidade de Aachen, a maior área urbana mais ocidental da Alemanha, junto à fronteira com a Bélgica e a Holanda, e era um lugar fortemente defendido.

O seu técnico cirúrgico, o sargento Hill, tinha ferimentos por estilhaços em um dos braços e uma das pernas. Um dos pilotos morreu, o outro ficou gravemente ferido com lesões múltiplas e a própria enfermeira Whittle sofreu uma concussão e lacerações no rosto e nas costas.

Ainda no período de treinamento vemos a Enfermeira de voo Reba Whittler na extrema esquerda da foto, com uma submetralhadora Thompson, calibre 45, em treinamento de tiro.

O C-47 estava queimando e os sobreviventes rastejam para fora dos destroços, quando viram que vários soldados se aproximavam. Inicialmente eles pensaram que eram britânicos, mas logo descobriram que eram alemães e estes ficaram vividamente surpresos ao encontrarem uma mulher com uniforme militar e a patente de oficial.

Prisioneira de Guerra

Passada a surpresa, um deles enrolou um curativo em volta da cabeça da enfermeira Whittle, que sangrava profundamente. Na sequência os feridos foram colocados em um caminhão alemão e conduzidos para a aldeia mais próxima para um tratamento médico mais adequado.

Notícia nos Estados Unidos da captura de Reba Whittle.

Depois houve então uma longa viagem a bordo de um outro frio e sujo caminhão do exército alemão, com passagens frequentes em aldeias e cidades para refeições, ou discussões sobre o que fazer com aquela prisioneira. Os alemães não tinham certeza de como tratar uma prisioneira aliada, que além de tudo era enfermeira e oficial do exército. Todo o sistema alemão de prisioneiros de guerra havia sido projetado para cativos do sexo masculino e as únicas mulheres aliadas prisioneiras eram cidadãs civis de nações inimigas, detidas em campos de internamento especiais, sendo a maioria localizados em castelos antigos.

Reba e o resto da tripulação foram enviados para Auswertestelle West (Escritório de Avaliação Oeste), o principal centro de interrogatório da Luftwaffe em Oberursel, ao norte de Frankfurt, onde todas as tripulações inimigas capturadas eram interrogadas antes de seguirem para um campo de prisioneiros.

Aviadores aliados e soldados nazistas no centro de interrogatório da Luftwaffe em Oberursel, ao norte de Frankfurt.

Após um interrogatório educado, os alemães separam Reba Whittle do resto de sua tripulação e ela ficou alojada no Hohemark Hospital, que era parte de Auswertestelle West e projetado para fornecer ajuda imediata a prisioneiros feridos.

Consta que após algum debate os alemães decidiram que a enfermeira americana poderia ser usada para ajudar os soldados aliados. Então Reba foi transferida para um hospital militar para prisioneiros de guerra, administrado por uma equipe médica britânica, sendo parte do campo de prisioneiros Stalag IX-C, perto de Bad Sulza, um lugar entre as cidades de Erfurt e Leipzig, na região da Turíngia, centro da Alemanha. Em 19 de outubro, ela foi transferida para outro hospital de prisioneiros de guerra, nas proximidades da cidade de Meiningen, onde trabalhou com pacientes queimados e no centro de reabilitação para amputados.

Trabalho de enfermeira americana na Segunda Guerra – Fonte – Wikimeda Commons.

A captura de uma mulher oficial do Exército dos Estados Unidos chamou a atenção dos representantes suíços do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, que regularmente inspecionavam os campos de prisioneiros alemães. Reba deu detalhes de sua situação e de sua patente a esse pessoal.

Os membros da Cruz Vermelha por sua vez notificaram o Departamento de Estado, como é conhecido o Ministério das Relações Exteriores dos Estados Unidos, que começou a negociar sua libertação através da troca de prisioneiros.

Para alguns pode parecer esquisito, mas durante a Segunda Guerra ocorreu regularmente entre os Aliados e os alemães a repatriação de vários prisioneiros considerados muito doentes, ou psicologicamente incapazes de serem ainda úteis para o esforço de guerra. Evidentemente que a enfermeira americana não se enquadra nesta situação, pois estava totalmente sã e lúcida, podendo retomar ao seu trabalho para o esforço de guerra dos inimigos dos alemães.

Foto de jornal mostrando a enfermeira Reba Whittle no seu retorno aos Estados Unidos.

Mas todos que se debruçaram sobre o tema são unânimes em afirmar que os alemães se sentiram muito incomodados com a presença daquela oficial e, para surpresa de muitos, preferiram mandá-la de volta.

O retorno ocorreu em 25 de janeiro de 1945, quando Reba Whittle foi transportada em um trem com um grupo de repatriados para a Suíça e de lá ela foi capaz de embarcar em um avião para a Inglaterra e depois para os Estados Unidos.

Injustiça

A Enfermeira de voo Reba Zitella Whittle recebeu várias condecorações por sua provação como prisioneira, pelas feridas recebidas no acidente, por suas 41 missões em aviões C-47 evacuando os feridos e também foi promovida ao posto de primeiro-tenente. A enfermeira recebeu um telegrama do presidente Franklin Delano Roosevelt, agradecendo a ela por seu serviço e reconhecendo sua provação como uma prisioneira de guerra dos alemães por quatro meses.

Mas a concussão que ela sofreu no acidente a deixou com problemas duradouros, principalmente fortes dores de cabeça. Mesmo assim ela retornou ao serviço ativo na Estação Número 2 de Redistribuição da Força Aérea do Exército, em Miami Beach, Flórida. Depois foi transferida para trabalhar como enfermeira em um hospital do exército na Califórnia até o final da guerra.

Em 3 de agosto de 1945 ela se casou com o tenente-coronel Stanley W. Tobiason e em seguida solicitou dispensa do serviço ativo. Ela foi dispensada com todas as honras em 13 de janeiro de 1946.

Sua vida pós-exército foi marcada por vários problemas físicos e psiquiátricos. Ela buscou uma indenização da Administração dos Veteranos e iniciou uma série de apelos para a aposentadoria médica militar. Apesar dos diagnósticos de encefalopatia pós-traumática, reação crônica de ansiedade grave e artrite lombossacral precoce, seus apelos foram negados.

Finalmente, em janeiro de 1954, o Conselho de Apelação de Deficiência Física do Exército concordou que ela foi dispensada do serviço ativo por motivo de deficiência física e, portanto, elegível para benefícios de aposentadoria. Mesmo com sua deficiência sendo classificada como “ocorrida em combate”, ela foi retroativa apenas ao momento de sua inscrição, abril de 1952, e não ao período da guerra, o que lhe gerou um grande prejuízo financeiro e emocional. Reba realizou vários apelos, mas seu processo não foi reconhecido e acabou indeferido. Alguns dos seus biógrafos acreditam que sua condição de mulher pesou nessa equivocada e injusta decisão.

Ela e o Coronel Tobiason tiveram dois filhos, um dos quais se tornou Aviador Naval e serviu na Guerra do Vietnã.

Reba Whittle Tobiason morreu de câncer em 26 de janeiro de 1981, aos 62 anos.

Em abril de 1983, o Coronel Tobiason escreveu ao Exército, afirmando que o Departamento de Defesa e a Administração dos Veteranos não conheciam nenhuma outra militar americana que tenha sido feita prisioneira pelos alemães durante a Segunda Guerra na Europa.

Em 2 de setembro de 1983, Reba Zitella Whittle finalmente recebeu o status oficial de prisioneira dos alemães, mas somente em 1997 ela foi agraciada postumamente com a Medalha dos Prisioneiros de Guerra.

FONTES

https://www.tshaonline.org/handbook/entries/tobiason-reba-zitella-whittle

https://blog.theveteranssite.greatergood.com/reba-whittle/

https://www.memorialflightclub.com/blog/c-47-dakota-za947-75th-birthday

JESSE JAMES – O GRANDE BANDOLEIRO AMERICANO

Rostand Medeiros – Escritor e Pesquisador.

É ponto praticamente passivo a afirmação que o maior bandoleiro da história do Brasil foi Virgulino Ferreira da Silva, o conhecido Lampião.

Já nos Estados Unidos este título vai certamente para Jesse Woodson James, o Jesse James.

Para muitos este bandoleiro ganhou reconhecimento como um guerrilheiro, o último rebelde da Guerra Civil Americana, um símbolo que trouxe esperança para aqueles que ainda acreditavam na causa dos estados do Sul dos Estados Unidos. Mas para outros ele foi tão somente um assaltante de bancos, trens e carruagens, além de um impiedoso assassino a sangue frio.

Jesse Woodson James

Apesar de serem pontos de vista divergentes, ambos são verdadeiros.

Embora seja verdade que grande parte da história de Jesse James é puro mito, também é verdade que muito do que se sabe sobre esta figura é baseada em fatos reais. Mas com a ficção e a realidade agora enredada – é quase impossível separá-los.

Então, quem era Jesse James?

O Homem e Sua Guerra

Jesse Woodson James nasceu em 5 de setembro de 1847. Era filho de um pastor que morreu quando ele tinha apenas dois anos, e de uma mãe de personalidade forte, Zerelda, que se tornou a matriarca da família. Ele foi criado em um ambiente extremamente escravocrata, onde negro era comparado a um bicho de carga e consta que sua família tinha orgulho do sistema escravista. Morava em uma propriedade perto da cidade de Kearney, no estado do Missouri. Tinha um irmão mais velho chamado Frank, que com ele pegaria em armas, e uma irmã mais nova, Susan, e quatro meio-irmãos, frutos de um novo casamento de sua mãe com o Dr. Ruben Samuels.

Zerelda James – Casada com Robert James aos 16 anos, viúva aos 25, a mãe de Jesse, Zerelda, casou-se novamente aos 30 com o Dr. Reuben Samuel. 
Ela era uma figura dominante, uma feroz separatista com nervos de aço, uma língua dilacerante e um intelecto vigoroso.

Na época que Jesse James nasceu o seu mundo era extremamente maculado pela violência. Em 1850 o Missouri era um estado onde guerras de fronteira com os habitantes do vizinho estado do Kansas eram normais e tornou a vida muito perigosa para os que viviam no oeste do Missouri – vizinhos lutaram contra vizinhos e cada ataque brutal ocasionava ainda mais represálias brutais.

Mas o problema não era apenas com os vizinhos do Kansas. O Missouri era um estado com muitas facções armadas, mantidas por ricos fazendeiros, os “coronéis” deles, que lutavam por terra, dinheiro e poder. Ninguém foi poupado. Apenas arar seu campo poderia trazer a morte – e a noite não era difícil alguma casa ser queimada e o gado de algum proprietário ser roubado ou abatido a tiros. Mas também ocorriam contínuas batalhas internas e conflitos de fronteira por parte de pessoas que eram contra a escravidão – chamados de “Jayhawkers” (os nossos abolicionistas), que lutavam contra aqueles que eram pró-escravidão, chamados “Bushwhackers”. Sobre todos os aspectos, era um prelúdio sinistro e localizado do que seria a futura Guerra Civil Americana, ou Guerra da Secessão.

Fazenda da família James em 1877.

Quando o grande conflito entre os estados do norte e do sul dos Estados Unidos oficialmente estourou, em 12 de abril de 1861, muitos habitantes do Missouri deixaram suas terras para lutar pelo exército do Sul, os chamados Confederados. Estes estavam com medo que suas famílias e propriedades fossem atacadas pelas forças da União, os do Norte. Para evitar isso, milícias armadas foram criadas para proteger os que ficaram. Frank James juntou-se a um destes grupos de proteção em 1861.

Um dos líderes desses grupos era um jovem de 24 anos chamado William Quantrill. Este organizou várias centenas de homens sob a sua liderança, oferecendo seus serviços para a Confederação. Eles foram empossados ​​em serviço no ano de 1862 e foram reconhecidos como uma parte importante da causa do Sul no Missouri (este reconhecimento é causa de extremas controvérsias até hoje nos Estados Unidos).

William Quantrill

Valente, astuto, um verdadeiro guerrilheiro, mas igualmente um sanguinário, William Quantrill e seus homens realizaram diversos ataques em várias localidades. Muitos de seus combates eram para a defesa dos habitantes do Missouri, mas muitas outras de suas ações não passaram de carnificina em massa, roubo desenfreado, estupros em quantidade e destruição massiva de patrimônio. O mais famoso  (ou infame) sucesso de Quantrill ocorreu na madrugada de 21 de agosto de 1863, quando seu grupo composto por mais de 300 homens, realizou um ataque contra a cidade de Lawrence, Kansas. Quando eles terminaram, mais de 150 habitantes foram mortos, 200 casas e empresas estavam destruídas. Frank James estava na incursão a Lawrence.

O ataque a Lawrence, Kansas, em 21 de agosto de 1863, foi a pior atrocidade contra civis na Guerra da Secessão.

Em represália as ações de guerrilha de Quantrill, as milícias pró-União invadiram as propriedades das famílias dos membros do bando, incluindo a fazenda da família James.

No sertão nordestino de Lampião, nas décadas de 1920 e 1930, quando a polícia (em grupos conhecidos como volantes) realizavam perseguições aos cangaceiros, não tinham nenhuma piedade para conseguir informações junto aqueles que acreditavam ajudar estes bandoleiros nordestinos (os chamados coiteiros). Sessenta ou setenta anos antes, a família de Jesse James sofreu da mesma maneira nas mãos das milícias pró-União. Um dos meio irmãos do futuro bandoleiro quase foi enforcado para abrir alguma informação sobre Frank. O próprio Jesse foi chicoteado impiedosamente e sua mãe Zerelda apanhou bastante, mesmo estando grávida. Consequentemente Jesse, então com 16 anos, passou a andar com Quantrill e mais tarde com o seu sucessor, Willian “Bloody (sangrento) Bill” Anderson. Este último era conhecido por cortar as cabeças de seus inimigos com uma típica espada de pirata e levava os escalpos de muitas de suas vítimas em seu alforje.

Em Combate 

Em agosto de 1864 Jesse estava com os guerrilheiros, quando ele foi baleado no peito, mas salvou-se e logo voltou à luta. Ele levou esta bala em seu corpo para o resto de sua vida. Em um ataque à cidade de Centralia, no Missouri, o bando de Bloody Bill Anderson matou 25 soldados da União desarmados e roubaram seus uniformes. Mais tarde uma tropa da União ao saber o que aconteceu, saiu em busca de Bill e seus homens. Quando eles foram encontrados, os guerrilheiros mataram mais de 100 dos seus perseguidores, em uma bem montada emboscada. Jesse foi identificado como aquele que matou o comandante dos soldados.

William “Bloody Bill” Anderson – Foi um chefe guerrilheiro cuja campanha de terror ao longo do rio Missouri em 1864 é amplamente considerada uma das mais brutais da história americana. Jesse James o seguiu durante essa época e nos anos posteriores falou com orgulho da filiação a esse homem.

Este seria o maior engajamento da carreira de Jesse como um guerrilheiro confederado. Dois meses após esta batalha, Bloody Bill foi morto em uma emboscada. Os dias dos guerrilheiros foram chegando ao fim, com muitos dos irregulares fugindo para os estados da Louisiana e Texas. Após a morte de Quantrill, os seus homens ou foram capturados, fuzilados, ou fugiram, incluindo neste último grupo Frank James.

Jesse James como um jovem guerrilheiro. Esta foto foi tirada em Platte City, Missouri, em 10 de julho de 1864, mostra o bandoleiro aparece com três revólveres modelo Colt Navy.

Enquanto Frank tinha ido para Kentucky, Jesse seguiu para o Texas, onde ficou até 1865. Após um tempo nesta inatividade, Jesse e alguns outros guerrilheiros decidiram voltar para o Missouri e se entregar. No caminho alguns soldados da União abriram fogo sobre eles e, pela segunda vez, Jesse foi baleado no peito. O ferimento era grave e ele foi levado para a casa de um tio, onde recuperou a saúde com a ajuda da prima Zee Mimms, por quem se apaixonou. Eles iriam se casar nove anos mais tarde.

O Guerrilheiro que se Transformou em Fora da Lei

Ressentimentos políticos, juntamente com dificuldades econômicas no Missouri, acrescentaram novas feridas a velhos problemas. Jesse e Frank James poderiam ter seguido para sua casa e objetivado levar uma vida pacífica, como fez a maioria dos outros guerrilheiros. Mas depois de uma vida tão “emocionante”, os dois irmãos logo se juntaram com alguns antigos guerrilheiros e começaram suas carreiras criminosas.

O líder guerrilheiro do Missouri Fletch Taylor (à esquerda), que mais tarde perderia seu braço direito, era o oficial comandante de Jesse James em 1864 antes dos James se juntarem ao grupo de “Bloody Bill” Anderson. Frank (no centro) e Jesse (direita) posaram para a rara foto em abril de 1864.

Salvo engano, Lampião passou 20 anos como cangaceiro, já Jesse e Frank James estiveram de armas na mão por 16 anos. Tal como Lampião, não se sabe quantos crimes os irmãos James cometeram, mas uma vez que eles tinham alcançado alguma notoriedade, foram acusados ​​de mais assassinatos e roubos do que poderiam ter realmente cometido. Coisas da fama!

Mas se Lampião visava atacar principalmente as casas dos proprietários rurais, onde ficavam suas economias pela falta de casas bancárias no sertão nordestino, nos Estados Unidos eram os bancos o principal alvo dos irmãos James.

Acredita-se que o primeiro banco que eles roubaram foi na cidade de Liberty, Missouri. O fato ocorreu em fevereiro de 1866, o bando tinha cerca de 12 homens, que entraram na cidade tranquilamente montados em seus corcéis. Deixaram o estabelecimento bancário com quase 60.000 dólares e dispararam contra dois espectadores, matando um. Outros roubos semelhantes ocorreram no Missouri e em estados vizinhos entre 1866 e 1867. Logo os irmãos James, juntamente com seus primos, os Youngers, são apontados como suspeitos dos assaltos. O bando passa a ser conhecido como quadrilha dos James/Youngers.

Jesse e Frank James

Qualquer que fosse a dúvida de que os James estavam envolvidos em assaltos a bancos, esta foi eliminada quando roubaram o Banco Davies, na cidade de Gallatin, Missouri, em dezembro de 1869. Depois disso, seus nomes, com recompensas por suas cabeças, seriam ligados a crimes no Missouri e em outros lugares.

Jesse entrou neste banco e pediu a John Sheets, um ex-capitão do exército União, caixa e principal proprietário do banco, para trocar uma nota de 100 dólares. Quando este se sentou para escrever o recibo, Jesse percebeu que aquele era um ex-oficial do Norte e, sem pestanejar, atirou na sua cabeça e no coração. Apesar de dois outros assaltantes terem disparado contra um funcionário do banco, este conseguiu escapar e alertou a cidade.

Jesse James

Seus habitantes se posicionaram e, como quase todo mundo no velho oeste tinha uma arma de fogo, dispararam impiedosamente sobre o bando na medida em que estes saiam do banco e tentavam pegar seus cavalos. Ao montar em seu alazão, Jesse James caiu e foi arrastado por cerca de 40 metros antes que pudesse retirar o pé do estribo. Ele então subiu na garupa do cavalo de Frank e fugiram. Só depois conseguiu tomar outro cavalo de assalto.

Logo a imprensa estampou que o assassinato do ex-oficial da União Sheets, teria sido uma “vingança política” e muitos sulistas aprovaram o assassinato cometido por Jesse.

O Nascimento de uma Lenda

Embora os membros da quadrilha dos James/Youngers afirmassem aos quatro ventos que roubavam dos ricos para dar aos pobres, não há registro de que eles tenham dado algo a alguém. O mais próximo disso foi pagando aos que os apoiavam durante suas fugas.

A quadrilha dos James/Youngers

A quadrilha então volta a sua atenção para outra fonte de dinheiro – as ferrovias. Eles atacaram o seu primeiro trem em uma noite de julho de 1873, em Iowa. A quadrilha também roubou diligências. Eles provavelmente teriam assaltado postos de gasolina e lojas de conveniência, se estas existissem na época.

Apesar de ser oferecido cada vez mais dinheiro pelas cabeças dos membros da quadrilha dos James/Youngers, eles seguiam tranquilos. Entre os roubos, os irmãos James se escondiam nas cidades médias e grandes. Jesse e Frank viveram em vários locais, junto com as suas respectivas famílias. Jesse e Zee Mimms tiveram um filho e uma filha. Frank também se casou e de sua união nasceu um filho. As duas famílias unidas, ajudavam os irmãos James a se esconderem nas áreas urbanas.

Jesse era vaidoso com sua aparência, fumava charutos e raramente bebia qualquer coisa alcoólica mais forte do que a cerveja. Apesar de algumas madames contestarem esta versão, consta que ele nunca traiu a mulher e jamais levantou a voz com crianças. Ele tinha duas marcas de balas no peito, outra na coxa e faltava um pedaço do seu dedo médio esquerdo. Ele também tinha um pé esquerdo ligeiramente torcido. Afirma-se que era canhoto, tinha uma voz de contralto. Lia a bíblia, podia recitar salmos e poderia cantar hinos religiosos se quisesse. Consta que nunca se arrependeu de seus roubos, ou de seus muitos assassinatos. Ele tinha uma grande necessidade de atenção, poderia ser muito gentil, muito educado e era bem versado sobre os acontecimentos do seu tempo.

Livros publicados no final do século XIX sobre Jesse James

Jesse e Frank James estavam nas páginas dos jornais de todo o país. Mas foi o jornalista John Edwards, um ex-oficial da Confederação, escritor e editor de vários jornais depois da guerra, que viu em Jesse uma oportunidade de criar um ponto de encontro para a oposição à opressão que os antigos militares do Sul sofriam daqueles que estavam no poder. Edwards tornou Jesse o símbolo de uma causa perdida.

Jesse gostava de seu novo status, tornando-se obcecado com sua imagem pública. Ele leu jornais e muitas vezes escrevia cartas para os jornalistas e até mesmo chegou a planejar assaltos com base em sua percepção da reação do público. Com a contínua campanha de propaganda, Jesse se tornou um herói para muitos.

O Fim da Gangue James/Youngers 

Os homens da famosa agência Pinkerton, de caçadores de bandidos, foram chamados várias vezes para capturar os membros da gangue James-Younger e não conseguiram. Em represália, numa noite de janeiro de 1875, várias bombas incendiárias foram lançadas na tradicional casa da fazenda da família James. Uma meia irmã de Jesse e Frank morreu e sua mãe Zerelda perdeu a mão.

Fazenda da família James, mantida totalmente original

O ataque pensado pelos agentes Pinkerton foi um fracasso, além de realizarem uma ação contra uma família indefesa, provocaram a morte de uma criança inocente, o que automaticamente trouxe simpatia e o apoio a quadrilha dos James/Youngers. Então veio o notório assalto ao banco em Northfield, Minnesota, em setembro de 1876.

Oito membros da gangue entraram na cidade, três ficaram em seus arredores, três entraram no First National Bank e dois ficaram do lado de fora. Quando o caixa do banco se recusou a abrir o cofre, sua garganta foi cortada e, em seguida, ele foi baleado – muito provavelmente por Jesse. Outro caixa fugiu para soar o alarme entre os moradores de Northfield. A rua foi imediatamente liberada pelos transeuntes e os habitantes da cidade começaram a atirar nos bandidos. Dois deles morreram, juntamente com um civil, e o resto da quadrilha fugiu.

Armas que pretensamente pertenceram a gangue James-Younger, em uma exibição na década de 1920.

Foi organizada uma caçada humana para rastrear os bandidos em fuga, esta acabou matando outro marginal e capturando Cole, Jim e Bob Younger. Jesse e Frank escaparam. O assalto foi um grande fracasso – três homens morreram, três foram presos (depois receberam sentenças de prisão perpétua), dois escaparam e nenhum dinheiro foi levado.

Hollywood aproveitou este fracasso do bando James/Younger na película “The Long Riders”, de 1980 (No Brasil foi intitulado “Cavalgada de Proscritos”), onde a cena deste assalto, apesar de certos exageros em relação ao fato real, é visualmente intensa (Veja a cena – http://www.youtube.com/watch?v=vr0MlCjzJak)

Bill Stiles e Clell Miller, do bando dos irmãos James, mortos no assalto de Northfield. Seus corpos foram fotografados em um estúdio. Embora pareça sombrio para os tempos atuais, fotos de bandidos mortos ou capturados e divulgados como lembranças. Isso também serviu ao propósito prático de ajudar em sua identificação.

A Morte de Jesse James por um Covarde

Depois de algum tempo, Frank decidiu sair do grupo e se aposentar. Já Jesse buscava montar um novo bando para continuar roubando por mais alguns anos. Mas os tempos e a política começaram a mudar. A eleição de Thomas T. Crittenden para governador do Missouri em 1880 foi o começo do fim para Jesse.

Na esperança de manter o grupo vivo, Jesse convidou os irmãos Robert (ou Bob) e Charles Ford para participar de um assalto ao banco da localidade de Platte City. Entretanto os irmãos já tinham decidido não participar de roubo algum, mas receber a recompensa de 10.000 dólares pela cabeça de Jesse. Ação que era patrocinada pelo governador Crittenden.

Robert Ford

O governador prometeu aos irmãos Fords um perdão completo pelo passado de crimes, mas eles teriam de matar Jesse, que era então o criminoso mais procurado dos Estados Unidos. Crittenden tinha elegido a captura dos irmãos James como sua prioridade política. Barrado por uma lei que não autorizava o oferecimento de uma recompensa vultosa pela captura de bandidos, o governador buscou apoio nas estradas de ferro e estes lhe cederam os 10.000 dólares.

Foto recentemente apresentada, que mostra Robert Ford (à esquerda) e Jesse James. A foto mostra o notório fora da lei americano e seu infame colega de gangue, que o trairia em troco da recompensa, matando-o a tiros em 1882. Ela pertence a uma família de fazendeiros do Texas, transferida de geração em geração. Eles passaram os últimos anos tentando provar que era legítima. A legista Lois Gibson, do Departamento de Polícia de Houston, confirmou sua autenticidade em 30 de setembro de 2015. Ela pode render muito dinheiro para a família.

Em 3 de abril de 1882, os irmãos Ford estavam junto com Jesse e sua família – a respeitável família Thomas Howard – em uma casa em Saint Joseph, Missouri. Depois de tomar café da manhã, os Fords e Jesse James entraram na sala de estar em preparação para a viagem para Platte City. De acordo com Robert Ford, tornou-se claro para ele que Jesse tinha percebido que ele e seu  irmão estavam lá para matá-lo.

Desenho mostrando o assassinato de Jesse James por Robert Ford

No entanto, em vez de xingar ou matar os Fords, Jesse atravessou a sala de estar, colocou seus revólveres em um sofá e depois subiu em uma cadeira para tirar a poeira de um quadro. Bob Ford vendo a oportunidade, tirou o seu revólver calibre 44 do coldre, apontou-o para a parte de trás da cabeça de um homem desarmado e puxou o gatilho. Jesse ouviu o barulho do engatilhamento da arma e foi virando a cabeça, quando a bala o atingiu.

Casa onde Jesse James foi morto, hoje um museu.

Após o assassinato, os Fords foram ao encontro do governador Crittenden para reivindicar sua recompensa. Eles se entregaram às autoridades legais, mas ficaram consternados ao descobrirem que foram acusados ​​de assassinato em primeiro grau. Em um dia, os irmãos Ford foram indiciados, se declararam culpado e foram condenados à morte por enforcamento. Duas horas depois, Crittenden lhes concedeu um perdão completo. Apesar do acordo, os irmãos Ford receberam apenas 500 dólares, uma fração do dinheiro originalmente prometido.

O corpo do bandoleiro Jesse James.

Por um tempo Bob Ford ganhou dinheiro posando para fotos como “o homem que matou Jesse James”. Junto com seu irmão reencenaram o assassinato em um espetáculo por várias cidades. Mas o desempenho dos Fords não foi bem recebido. A maneira como Bob havia assassinado Jesse James, enquanto ele estava de costas e desarmado, trouxe muitas inimizades em diversas cidades onde o espetáculo foi realizado.

Com tuberculose e viciado em morfina, Charles Ford se suicidou em 4 de maio de 1884. Quase dez anos depois do assassinato de Jesse James, no dia 8 de Junho de 1892, Robert Ford era dono de um saloon em Creede, no Colorado, quando foi morto com dois disparos de uma espingarda calibre 12 no peito. O assassino foi um homem que aparentemente tinha problemas mentais e desejava ficar famoso como “o homem que matou o homem que matou Jesse James”.

Vejam que ser famoso já não era fácil desde aquela época!

Propaganda de um show onde as atrações principais eram Frank James e seu primo Cole Younger

Propaganda de um show onde as atrações principais eram Frank James e seu primo Cole Younger

Depois que Jesse foi morto, seu irmão Frank se entregou às autoridades em 1882. Ele foi julgado e absolvido por um júri simpático. Nos últimos trinta anos de sua vida Frank trabalhou em vários empregos, inclusive como vendedor de sapatos e, em seguida, como um guarda de teatro em St. Louis. Durante algum tempo, junto com seu primo Cole Younger, participaram de shows itinerantes onde apresentavam as suas aventuras do passado. Em seus últimos anos, Frank James voltou para a tradicional fazenda da família James. Ele morreu em 18 de fevereiro de 1915, com a idade de 72 anos.

Legado – Jesse James, um Ícone da Cultura Pop 

Tal como ocorreu com Lampião no Brasil, tão rapidamente quanto os jornais anunciaram a sua morte, rumores da sobrevivência de Jesse James proliferaram. Alguns disseram que Robert Ford matou alguém parecido com Jesse, em uma trama elaborada para permitir-lhe escapar da justiça. Estes contos têm recebido pouca credibilidade e nenhum dos biógrafos deste bandoleiro famoso apoiaram as versões de sobrevivência como plausível.

Cartaz origina oferecendo uma recompensa pelos irmãos James.

Nos Estados Unidos já foram rodados mais de 70 filmes e programas de TV sobre Jesse, ou incluindo Jesse, e a saga cinematográfica deste fora da lei é longa. O primeiro filme sobre ele foi feito em 1920 e estrelado por seu filho, Jesse James Jr. Mais recentemente, Brad Pitt interpretou o fora da lei em “O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford”. Houve também várias apresentações de palco. Jesse James também foi o herói em muitos romances baratos e objeto de vários livros e inúmeros artigos.

Tal como Lampião no Brasil, Jesse James continua a ser um símbolo controverso, que sempre pode ser reinterpretado, de várias maneiras, de acordo com as tensões e necessidades culturais.

Fontes – http://clevelandcivilwarroundtable.com

http://en.wikipedia.org/wiki/Jesse_James

http://www.pbs.org/wgbh/americanexperience/films/james/

http://www.civilwarstlouis.com/History/jamesgang.htm

http://www.jessejames.org/

http://www.jessejames.org/photo_gallery

http://deadbutdreamin.files.wordpress.com

http://www.legendsofamerica.com/we-jamesyoungergang3.html

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