É FATO QUE O EXÉRCITO BRASILEIRO PRODUZIU UM MATERIAL COM FOTOS E FILMES SOBRE NATAL E A BASE DE PARNAMIRIM DURANTE A SEGUNDA GUERRA? E ONDE SE ENCONTRA ESSE RARO MATERIAL?

Descobri Que o Exército Brasileiro Realizou em 1942 Todo um Trabalho Documental e Iconográfico, Com Fotos e Filmes Sobre Natal e a Base de Parnamirim. Mas onde está esse material???

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Mesmo com muitos historiadores não aceitando essa situação, o tema sobre a cidade de Natal durante a Segunda Guerra Mundial sempre foi algo que chamou (e chama) bastante a atenção do povo dessa cidade, sendo os materiais produzidos sobre esse período da história local os mais consumidos. São livros, vídeos, histórias em quadrinhos, peças de teatro e outros produtos.

NATAL, BRASIL – JUNHO 1943: A view as US servicemen at the Parnamirim airport at the US Air Force base in Natal, Brazil. (Photo by Ivan Dmitri/Michael Ochs Archives/Getty Images) *** Local Caption***

A presença de tropas estrangeiras na cidade, dos atos de espionagem nazifascista em Natal, a reação dos natalenses envolvidos nesse contexto, o que mudou na cidade, o que a população conseguiu de vantagem com tudo isso e também o que sofreu, são sempre pontos de interesse dos moradores da “Cidade do Sol”.

Enfim, devido a sua propalada posição estratégica, Natal foi seguramente a cidade mais envolvida na Segunda Guerra Mundial na América do Sul.

Parnamirim Field – Fonte – NARA.

Aqui existiu uma das maiores bases aéreas Aliadas envolvidas no conflito e daqui partiram milhares de aeronaves para atuarem em diversas frentes de combate, desde a África, passando pela Europa e chegando até a China.

Por aqui sempre chamou atenção quando surgem novos dados e materiais, principalmente iconográficos, sobre a cidade naqueles tempos turbulentos. Uma coleção de novas fotos, ou até mesmo uma simples foto, já é motivo de discussão entre aqueles que gostam de observar esse período da História da cidade.

E com muita satisfação eu descubro que o Exército Brasileiro realizou em 1942 todo um trabalho documental e iconográfico, com fotos e filmes sobre Natal e a Base de Parnamirim. Todo esse material foi destinado para a produção de uma palestra que se realizou nas primeiras semanas de janeiro de 1943, no antigo Palácio da Guerra, atual Palácio Duque de Caxias, ao lado da Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Vejam abaixo!

Maravilha! Mas como foi produzido esse material? Quem o produziu? Quem foi o oficial que apresentou esse trabalho no Rio? E o mais importante – onde está esse material?

Sobre Quem Apresentou

Nos jornais brasileiros, não consta o nome de quem realizou e produziu o material iconográfico, mas como as notícias apontam o capitão Jefferson Cardim de Alencar Osorio como o palestrante do evento no Palácio Duque de Caxias e devido a sua patente, o mais provável é que ele tenha sido o responsável por essa pesquisa.

Mas quem era Jefferson Cardim e como ele veio parar em Natal?

O capitão Jefferson Cardim de Alencar Osorio na época da Segunda Guerra.

Sabemos que nasceu em 17 de fevereiro de 1912 no Rio de Janeiro, sendo filho do capitão de corveta Roberto de Alencar Osorio e da professora Corina Cardim de Alencar Osório.

Apesar de ter um pai oficial da Marinha, Cardim decidiu seguir a carreira militar no Exército. Entrou na Escola Militar do Realengo, sendo declarado aspirante a oficial em 25 de janeiro de 1934 (Turma Marechal José Pessoa) na arma de artilharia. Logo ô jovem oficial foi promovido a segundo tenente.

A sua primeira unidade foi o 6º Grupo de Artilharia de Costa (6º G. A. Co.), no Forte de Coimbra, no atual estado do Mato Grosso do Sul. Em 1936 estava no 4º Regimento de Artilharia Montado (4º R. A. M.), em Itu, interior de São Paulo, sendo depois transferido para Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para atuar no 5º Regimento de Artilharia Montado (5º R. A. M.), conhecido como Regimento Mallet. Na sequência veio para Niterói, Rio de Janeiro, para servir no Forte de São Luiz, como oficial da 2ª Bateria Independente de Artilharia de Costa (2ª B. I. A. C.).

Canhão alemão antiaéreo de 88m.m. do I/3º R. A. A. Ae e utilizado em Natal.

Em dezembro de 1941, um dia antes do ataque japonês a base americana de Pearl Harbor, ele concluiu o curso de defesa antiaérea e logo foi transferido para o Primeiro Batalhão do 3º Regimento de Artilharia Antiaérea (I/3 R. A. A. Ae.) que estava aquartelado em Natal, tendo sido promovido a capitão.

Como Pode Ter Sido Realizado Esse Trabalho

Certamente trabalhando com outros militares e provavelmente devido ao volume de informações, o capitão Jefferson Cardim decidiu dividir o seu trabalho em duas partes. Em uma das partes ele trabalhou com dados sobre a topografia, clima, custo de vida (que estava subindo bastante em Natal com a presença dos militares americanos), saúde, alimentação, ambiente social e cultural.

NATAL, BRASIL – JUNHO 1943: A street view as servicemen talk with locals in Natal, Brazil. (Photo by Ivan Dmitri/Michael Ochs Archives/Getty Images) *** Local Caption***

Na outra parte, segundo foi publicado nos jornais, foram basicamente contemplados os aspectos relativos a defesa militar de Natal, a defesa da Base de Parnamirim e finalizando havia o foco sobre os militares brasileiros e americanos na região. Foi visado o número de militares atuando na área e, provavelmente, nesse último quesito um dos pontos observados podem ter sido os aspectos da interação e convivência entre as forças do Brasil e dos Estados Unidos, algo que preocupava os dois governos.

NATAL, BRASIL – JUNHO 1943: US servicemen sit to have a drink at the Grande Hotel in NATAL, BRAZIl. (Photo by Ivan Dmitri/Michael Ochs Archives/Getty Images) *** Local Caption***

Outras coisas colocadas pelo capitão Jefferson Cardim nessa última parte dos estudos e da palestra são os chamados “pontos sensíveis importantes” como as vias de transporte em Natal, tanto terrestre como fluvial, nesse caso certamente o Rio Potengi. Outros pontos eram as “defesas naturais da cidade” uma parte específica sobre as dunas que cercam Natal. Havia ainda uma parte sobre “o moral da tropa” e outro sobre as “Secas na defesa do Nordeste”. Sobre essa última parte parece que esse militar e quem mais o tenha assessorado adentraram para o sertão potiguar.

Apresentação no Rio de Janeiro

Quando esse projeto teve início e quando se deu sua finalização não sabemos. Mas sabemos que o capitão Jefferson Cardim sofreu um acidente quando estava em Natal, mas não é comentado em nenhum local o que lhe aconteceu. Mas aparentemente foi algo grave, pois consta uma notícia publicada no jornal carioca Diário de Notícias, de 9 de agosto de 1942, que ele veio de Natal para o Rio de Janeiro para ficar internado no Hospital Central do Exército e estava acompanhado do soldado Antônio da Conceição, lotado no I/3 R. A. A. Ae.

Dois meses depois, dia 20 de novembro, é publicado no mesmo Diário de Notícias uma reprodução do Boletim Interno nº 269 da Diretoria de Artilharia, ordenando que Cardim fosse “inspecionado” pela Diretoria de Saúde para a conclusão da sua licença de saúde.

Jefferson Cardim quando era coronel, no início da década de 1960.

As próximas noticias sobre Cardim é a divulgação da palestra, que foi chamada “Conferência sobre a Defesa de Natal”.

Em um mesmo dia (03/12/1942) foram publicadas três notas explicativas sobre a conferência em jornais do Rio (Jornal do Brasil, Diário de Notícias e Gazeta de Notícias). Dois dias depois esse material foi repetido na imprensa natalense no jornal A Ordem. Todos esses jornais comentaram que a palestra iria ocorrer no dia 9 de dezembro, uma quarta feira, às duas da tarde. Depois surgiu outra nota informando que foi alterada para o dia 13, no mesmo horário.

Bem, se a conferência aconteceu, ou não, sinceramente eu não sei!

Como o evento se desenrolou e como foi apresentado, ou como foi visto e recebido pelos presentes e até quem estava por lá é um mistério!

Soldados dos Dragões da Indepêndencia no interior do Palácio Duque de Caxia em 1942.

E a razão foi porque não encontrei nenhuma indicação sobre isso nos jornais e revistas disponíveis no site da Biblioteca Nacional. Também fiz uma busca nos riquíssimos sites do Arquivo Nacional e nada. Mas eu não acredito que depois de tanta propaganda, tanta divulgação em alguns dos principais jornais do país, esse evento deixou de acontecer.

Evento no Palácio Duque de Caxias em 1945, com a participação do general Eurico Gaspar Dutra e o general norte-americano Mark Clark, comandante do 5º Exército dos Estados Unidos na Itália.

Mas no final das contas, o mais importante é saber o que foi feito desse importante material, que teoricamente foi apresentado pelo capitão Jefferson Cardim.

Guerrilha de Três Passos

Jefferson Cardim continuou no Exército Brasileiro, progrediu na carreira militar, mas adentrou bastante no aspecto político e houve consequências para ele e sua família.

O coronel Jefferson Cardim e sua esposa em uma solenidade.

Segundo os sites Memória da Democracia e Memória da Ditadura ( https://memorialdademocracia.com.br/card/ditaduras-se-unem-as-ordens-de-tio-sam e https://memoriasdaditadura.org.br/personagens/jefferson-cardim/  ), esses são os fatos envolvendo Cardim e a criação de um núcleo de guerrilheiros contra o Regime Militar em 1965.

Na noite de 26 de março de 1965, um grupo de camponeses, militares e profissionais liberais liderado pelo coronel do Exército Jefferson Cardim Osório e pelo sargento da Brigada Militar (PM) Albery Vieira dos Santos toma a cidade de Três Passos (RS).

Militares coletando informações na região de Três Passos, Rio Grande do Sul.

Depois de cortar a comunicação telefônica da localidade e levar armas, fardas e munição do destacamento policial, o comando invadiu a rádio local e transmitiu um manifesto contra a ditadura. Dali, o grupo partiu para os municípios de Tenente Portela e Barra do Guarita, no Rio Grande do Sul, e Itapiranga, em Santa Catarina, onde tomaram os postos da Polícia Militar.

A prisão dos guerrilheiros deu-se na cidade paranaense de Capitão Leônidas Marques dois dias mais tarde. O coronel Cardim fazia parte do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), grupo de militares ligados ao ex-governador Leonel Brizola, exilado no Uruguai. 

Jefferson Cardim preso.

Cardim é conhecido por ser o líder de um dos primeiros movimentos armados contra a ditadura. Filho de um oficial da Marinha, em diversas situações se posicionou contra as orientações do exército. Com o golpe, a ditadura cassou sua patente e o aposentou depois do Ato Institucional Nº 1 (AI-1).

Quando ele já estava no Uruguai, por auxílio de João Goulart, organizou o Movimento 26 de Março, também conhecido como Guerrilha de Três Passos. Da cidade do Rio Grande do Sul de mesmo nome, o grupo do coronel subiu em direção ao Paraná. Isso porque, no dia 26 de março de 1965, o presidente Castelo Branco estaria em Foz do Iguaçu para a inauguração da Ponte da Amizade, na fronteira entre Brasil e Paraguai.

Solenidade no velório do sargento Carlos Argemiro de Carvalho, paranaense, única vítima da Guerrilha de Três Passos.

A ação foi frustrada pelas tropas do governo, resultando na dispersão e posterior prisão de todos os insurgentes. Preso e levado a Curitiba (PR), Cardim foi torturado e ficou detido até 1968, quando conseguiu fugir. Em 1970, foi sequestrado na Argentina, como uma das primeiras ações da Operação Condor”.

Em 1985, Jefferson Cardim teve a sua anistia cassada e foi viver fora do país como refugiado Através da ação de setores da Organização das Nações Unidas (ONU), o governo francês o acolheu e durante a sua permanência em Paris. lhe concederam uma ajuda de 3.600 francos, que, segundo Cardim declarou, dava para comer em restaurantes universitários e dormir em um quartinho de hotel no Quartier Latin.

Faleceu no Rio de Janeiro, em 29 de janeiro de 1995.

AUSCHWITZ – O MUNDO NÃO PODE ESQUECER

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Entrada principal de AUSCHWITZ. Todas as fotos deste post são reais e as em Preto e branco são originais da época. Vale à pena conferir as fotos do álbum de Auschwitz na página do Yad Vashem, que são a maioria das fotos desta postagem – http://www.yadvashem.org/yv/en/exhibitions/album_auschwitz/index.asp

Autor – Mário Trajano – Advogado e Professor da UFRN

Há 72 anos atrás, no dia 27 de janeiro de 1945, o Exército da União Soviética, libertava Auschwitz, o maior, mais terrível e mais infame de todos os campos de concentração estabelecidos pelo regime nazista.

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O que os valorosos combatentes do Exército Vermelho presenciaram naquela tarde gelada, no frio inverno polonês, superava absolutamente tudo o que aqueles soldados, calejados pelos sangrentos anos de guerra contra a barbárie nazifascista, já tinham presenciado.

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Entre pilhas de cadáveres, restos de corpos humanos, fornos crematórios ainda quentes com cinzas de pessoas assassinadas nas câmaras de gás, restavam, obnubilados pelo sofrimento e pelo horror, cerca de oito mil prisioneiros.

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Oito mil sobreviventes de um campo onde foram executadas mais de um milhão de vítimas da crueldade nazista. Oito mil almas e corpos fustigados pela dor, pela fome, pela doença, pela tortura, pelo sofrimento extremo ao qual se pode conduzir à pessoa humana, privados dos mais elementares direitos, de todo e qualquer resquício de dignidade.

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A esmagadora maioria dos prisioneiros de Auschwitz morrera nas câmaras de gás ou nos penosos dias de fome, dor, tortura e medo, submetidos às mais extenuantes jornadas de trabalhos forçados, vítimas de atrocidades inenarráveis, que incluíam as mais dolorosas formas de tortura e humilhação, sendo utilizados em experimentos médicos horripilantes, como cirurgias feitas sem anestesia e experiências pseudocientíficas, em que seres humanos eram utilizados como cobaias e outras tantas torpezas indescritíveis.

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No auge do terror, entre a primavera e o verão de 1944, cerca de seis mil pessoas eram mortas por dia, apenas em Auschwitz, um dos centenas de campos de concentração e extermínio, instituídos pelo nazismo e cuja organização, controle e administração coube à temida SS, cujo líder o monstro Heinrich Himmler, foi o arquiteto maior, o cérebro principal da chamada “solução final para o problema judeu”, política de extermínio deliberado dos judeus da Europa ocupada pela Alemanha Nazista e de diversos outros grupos considerados “indesejáveis” pelo Estado Nazista.

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Nos seus últimos dias de funcionamento, o campo contava com menos de setenta mil sobreviventes, com a desmobilização da estrutura de horror e morte de Auschwitz, com a chegada iminente das tropas soviéticas, a maioria desses seres humanos foi conduzida, por seus algozes em fuga, à empreender as chamadas “Marchas da Morte”, em direção à Oeste, perfazendo, famintos, esquálidos, doentes e exaustos, caminhadas de centenas de quilômetros, no gelado inverno europeu, daquele início de 1945. A esmagadora maioria morreria antes que a libertação pelos exércitos aliados viesse a chegar.

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Em Auschwitz foram deixados apenas aqueles extremamente doentes, moribundos famintos, que poderiam retardar a marcha e que os nazistas não tiveram tempo de matar, pela pressa em que fugiram da chegada do Exército Vermelho.

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E foram esses oito mil moribundos, sobreviventes do maior massacre da história que testemunharam a chegada do exército libertador da União Soviética, naquele distante 27 de janeiro.

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Hoje, passadas sete décadas dos pavorosos episódios que marcaram o genocídio de seis milhões de judeus, um em cada três do planeta, cresce o número de indivíduos, em especial de pseudo-historiadores e de militantes políticos de extrema direita que alegam que a tragédia épica do Holocausto, uma das páginas mais tristes, hediondas e lamentáveis da História Humana, nunca aconteceu, ou que simplesmente, se aconteceu, teve dimensão menor do que aquela que foi amplamente documentada, inclusive, pelos perpetradores dos crimes contra a humanidade cometidos pelo nazismo.

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Por isso mesmo, o holocausto jamais pode ser esquecido. As novas gerações têm que saber o que houve em Auschwitz, tem de conhecer os fatos que, fomentados pela política de ódio, intolerância e desrespeito à pessoa humana implementada pelo Nazismo, levaram à humanidade ao seu estágio mais rasteiro, que conduziram o ser humano ao ponto mais baixo de sua degradação moral, que fizeram com que (utilizando-se da expressão cunhada pela historiadora judia alemã Hannah Arendt, durante o julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann em Israel, no início dos anos 60) caracterizaram a “banalização do mal”.

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Há, ainda, aqueles que dizem que o holocausto é coisa do passado, desumanizando a tragédia, fazendo com que os milhões que tombaram diante da sanha pérfida e covarde do ódio nazista, sejam somente números, em abstrato, como se aqueles números não retratassem seres humanos, rostos, corpos e almas de milhões de mulheres e homens, crianças, jovens, adultos e idosos que tiveram as suas vidas ceifadas pelo pesadelo nazista.

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Dizer que o genocídio de 1/3 da população judia do planeta é algo que deve ser relegado ao passado, nada mais é do que puro e deslavado antissemitismo, oculta tão somente o preconceito étnico ainda fortemente existente contra o povo de Israel e contra outros grupos étnicos, tais como os negros e os ciganos, bem como o preconceito contra outros segmentos da sociedade humana, tais como as mulheres, os homossexuais, os portadores de necessidades especiais, os estrangeiros, aqueles que politicamente são divergentes do pensamento imposto pelas elites dominantes.

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Saliente-se que a crueldade da política de extermínio em massa dos nazistas não fez vítimas apenas entre os membros do povo de Israel, posto que não fossem apenas judeus aqueles que foram assassinados pela indústria da morte do nazismo. 

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É certo que a maioria das vítimas, eram de fato, judias, o que culminou com o extermínio de 1/3 daquele povo no holocausto, havendo, como nos casos específicos das populações judaicas de alguns países ocupados pela Alemanha Nazista, como a Polônia, por exemplo, praticamente a total extinção de tais populações( naquele país do Leste Europeu haviam mais de três milhões de judeus sendo que após o final da II Guerra sobraram poucos milhares de sobreviventes).

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Contudo, o holocausto também estendeu-se a diversos outros grupos de seres humanos, cujas vidas foram exterminadas pelo nazismo, posto ter havido também o genocídio de milhões de pessoas que se enquadravam em outros grupos de ” indesejáveis” , tais como ciganos, homossexuais, deficientes físicos e mentais, comunistas, socialistas, sociais democratas, Testemunhas de Jeová, Adventistas do Sétimo dia, prisioneiros de guerra( em especial soviéticos), e outros grupos que foram alvo da barbárie nazista, como os milhares de sacerdotes católicos que foram mortos nos campos de concentração. O sacrifício e a morte dessas vítimas do nazismo, jamais podem ser esquecidos. Entretanto, contra nenhum desses grupos, a perseguição e o extermínio de seres humanos deu-se com tamanha sistematização, ferocidade e intensidade quanto àquele que foi promovido contra os nossos irmãos israelitas.

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Relembrar o Shoá é fazer com que as novas gerações jamais se esqueçam do que o ódio, a intolerância, o racismo e o preconceito político e religioso são capazes de fazer.

Longe de ser “passado” o holocausto trata-se de uma memória viva nas mentes dos que sobreviveram e de todos aqueles que desejam que nunca mais ocorram as atrocidades indescritíveis promovidas pelo nazi fascismo, na Europa, dos anos 30 e 40.

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Revivê-lo e lutar para evitar a reiteração de toda e qualquer forma de discriminação e de perseguição contra quem quer que seja, contra toda e qualquer pessoa humana.

O 27 de janeiro de 1945 representa muito mais do que a libertação de alguns poucos milhares de sobreviventes do mais horrível de todos os campos de extermínio estabelecidos pelo terror nazista, representa a vitória da civilização sobre a barbárie, representa o triunfo da luta popular, a luta dos aliados, em especial dos camaradas soviéticos contra a maldade e o ódio, encarnados pelo nacional socialismo.

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E mais do que isso, o 27 de janeiro, representa a vitória da vida sobre a morte. Representa a impressionante capacidade de sobrevivência daqueles que, sendo vítimas das desumanidades, das atrocidades terríveis promovidas pelo nazismo, conseguiram sobreviver ao holocausto a fim de que pudessem dar o seu testemunho acerca daquilo que viram e que viveram, naqueles campos, transformados no inferno na terra, naqueles locais onde a morte e o sofrimento faziam parte do cotidiano.

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Aquela data, que ficou marcada nas memórias, tanto dos sobreviventes quanto daqueles que lutaram de forma tenaz para libertar o mais temível e famigerado de todos os campos da morte do nazismo, foi escolhida em dezembro de 2005, através de uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, como Dia Internacional da Lembrança do Holocausto.

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A memória desta data representa a celebração da vitória da humanidade sobre o mal, representa o triunfo da civilização sobre a barbárie, representa uma das páginas mais trágicas e belas de toda a história humana: o dia em que foi libertado o mais terrível de todos os campos de concentração nazistas.

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Em memória de todas as vítimas de Auschwitz e todos os outros campos e centros de extermínio que a sanha nazista promoveu, essa data jamais poderá ser esquecida.

SÓCIO EFETIVO DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE – UMA GRANDE HONRA!

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Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, fundado em 29 de março de 1902 – Fonte – ormuzsimonetti.blogspot.com

Autor – Rostand Medeiros

Recentemente eu recebi a informação que meu nome havia sido aprovado pelo Conselho de Admissão e Sindicância do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte-IHGRN e que no próximo dia 27 de outubro me tornarei sócio efetivo desta instituição, a mais antiga instituição cultural do Rio Grande do Norte.

Confesso que para mim foi uma grata surpresa essa indicação e só me trouxe alegrias.

Enfim eu frequento o nosso Instituto Histórico desde que me entendo por gente. Pois a lembrança mais antiga que tenho daquela casa é de ter sido levado pela mão da minha mãe, quando tinha sete anos de idade, para uma simples visita. Nunca esqueci o como fiquei fascinado com aquele ambiente, os livros nas prateleiras e os quadros pendurados com as imagens dos ilustres homens do passado.

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Foi lá que se formou em minha mente o gosto e o desejo de escrever sobre História, principalmente sobre a História da minha Terra e da minha Região.

Nesta casa, fundada em 29 de março de 1902, estão arquivados acervos documentais que guardam grande parte das fontes da história colonial, imperial e republicana do Rio Grande do Norte.

Neste local descobri muitos momentos fantásticos e saborosos da terra potiguar e das pessoas que no passado fizeram parte de sua História ao passar as páginas amareladas dos antigos jornais.

A importância desta instituição para a nossa gente é enorme e fico muito orgulhoso de ter o meu nome inscrito no seu quadro de sócios efetivos.

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Está naquele ambiente sempre foi para mim uma fonte de enorme prazer e satisfação e, tão importante quanto descobrir os interessantes caminhos de nossa História foi a grata satisfação dos muitos amigos que fiz nesta casa.

Perdi as contas de quantas vezes procurei a ajuda das amigas Antonieta Souza e Lúcia, duas abnegadas funcionárias da casa, sempre dispostas a ajudar os que ali buscam fontes históricas pra desenvolver milhares de pesquisas. Não me esqueço de Lucia Lima com seu amplo sorriso e alegria infinita, ou do sempre prestativo Manuel Bezerra, ou do grande José Maria Fernandes de Lima, o Zé Maria do computador, e todos aqueles que ali trabalham com dedicação e zelo.

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Convite para discussão dos estatutos do IHGRN em 1902, ano de sua criação.

Não posso olvidar a figura do nobre Professor Olavo Medeiros, grande pesquisador, autor de vários e importantes livros sobre Rio Grande do Norte e de sua gente. Como eram maravilhosos os papos que tivemos naquela valiosa casa da Rua da Conceição, nº 622.

Outra figura importante nas lembranças que tenho da minha passagem pelo Instituto Histórico é a do primo Antônio Luís de Medeiros, um dos maiores genealogistas potiguares, que me mostrou a importância daquela casa para a preservação da nossa memória.

Já ao dileto amigo Gutemberg Costa tenho o mais profundo agradecimento por ter tido a iniciativa de ter colocado meu nome junto ao Conselho de Admissão e Sindicância do IHGRN, uma instituição com 114 anos de atividade.

Ao presidente Ormuz Barbalho Simonetti, ao vice-presidente Roberto Lima e a Odúlio Botelho de Medeiros, membro da diretoria do IHGRN, tenho a certeza que sei que vou fazer valer esta indicação que tanto me honra, pois o respeito e devoção pelo Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte eu já tenho de longa data.

UMA NOVA ERA DA HISTÓRIA

Fonte - http://www.adiberj.org/portal/2014/05/23/viciado-em-tecnologia/
Fonte – http://www.adiberj.org/portal/2014/05/23/viciado-em-tecnologia/

Todo mundo aprende na escola que a História divide-se em:

1 – Pré-história: do macaco até o aparecimento da escrita, por volta de 4000 ou 5000 antes de Cristo;

2 – Antigüidade: do aparecimento da escrita até a queda de Roma – e do Império Romano do Ocidente -, derrotada pelos bárbaros, em 476 depois de Cristo;

3 – Idade Média: da queda de Roma até a queda de Constantinopla  – e do Império Romano do Oriente – pelos turcos otomanos, em 1453;

4 – Idade Moderna: da queda de Constantinopla até a queda da Bastilha – e a deflagração da Revolução Francesa – pelos rebeldes jacobinos, em 1789;

5 – Idade Contemporânea: da Revolução Francesa até os dias atuais.

Essa classificação tem lá seus defeitos. O eurocentrismo é um deles. Tudo que mudava na Europa, mudava o mundo, como se uma coisa conduzisse à outra. O extremo oriente, por exemplo, onde o Japão e principalmente a China aprontavam das suas e inventavam onze em cada dez invenções posteriormente atribuídas aos europeus é solenemente ignorada nessa escala de tempo.

Ok. Mas, de um modo geral, a divisão das eras da História é aceita pelos historiadores. Ninguém discute a importância histórica e a mudança de sentido do mundo após cada um desses eventos. Discute-se apenas se não houve outros acontecimentos igualmente relevantes que poderiam justificar uma mudança na classificação das eras, até mesmo criando mais delas.

E é justamente aí em que quero chegar. A meu ver, nós já estamos em uma nova era da História: a Idade Tecnológica. E ela começou há não muito tempo. Mais exatamente em 1989, quando caiu o Muro de Berlin.

De fato, a Idade das Revoluções – nome que daria à atual Idade Contemporânea, inspirado em Hobbsbwan – teria durado 200 anos, de 1789 a 1989. Com a eclosão da Revolução Francesa, ganhou impulso a formação de estados nacionais fundados na democracia e na liberdade em geral, especialmente a liberdade negocial.

Estimulados por suas classes mercantis, os Estados Nacionais – europeus, principalmente – foram à guerra e colonizaram meio mundo, África e Ásia inclusive. Essa disputa por novos mercados foi tão forte que acabou levando a guerras entre as próprias potências coloniais, levando o mundo a experimentar as duas maiores e mais sanguinárias guerras de sua história (I e II Guerras Mundiais).

Depois disso, com o advento de duas novas superpotências, Estados Unidos e União Soviética, a coisa mudou um pouco de figura, mas, na essência, permaneceu mais ou menos a mesma: duas potências duelando em escala global por zonas de influência.

Mas quando o Muro de Berlin caiu, isso se acabou. A ascenção de uma única superpotência mundial – os Estados Unidos – deflagrou uma nova onda de supremacia, baseada no livre fluxo de capital e na expansão formidável da tecnologia.

Essa mudança, claro, trouxe conseqüências. O terrorismo cometido contra os americanos e seus aliados é um deles. Não fossem os Estados Unidos a Roma dos tempos atuais, dificilmente seriam os alvos preferenciais dos terroristas (o que não justifica a violência, para deixar bem claro).

A financeirização do mundo, também. Com o desenvolvimento tecnológico, o livre fluxo de capitais alcançou uma escala jamais vivenciada pela humanidade. O que conduziu no limite a uma cópia de um estilo de vida baseado no consumismo desenfreado.

Creio, portanto, que os historiadores deveriam repensar a classificação das Eras e perguntar-se se o mundo em que vivemos pode ainda ser comparado como uma continuação da Revolução Francesa. A meu ver, essa fase já foi ultrapassada.

Ps: Possivelmente algum historiador já deve ter defendido essa mesma tese, mas devo ressaltar que não li nada sobre isso. Portanto, os erros e acertos devem correr por conta exclusiva do autor.

Fonte – http://blogdomaximus.com/2012/03/09/uma-nova-era-da-historia/

O BRASIL ENTRE BEATOS, CANGACEIROS E CORONÉIS

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Em ‘O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro’ Glauber Rocha capta as fissuras da sociedade brasileira. Retratando a violência e a crueza das relações sociais no sertão nordestino, constrói a ‘estética da fome’

Alexandre Leitão

Eu andei por esse mundo gente, e conheci a desgraça dos outros… e aprendi uma verdade que estava na Sagrada Bíblia: É olho por olho e dente por dente!

Cangaceiro Coirana, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro.

Durante o século XX, amadureceu no seio da intelectualidade brasileira o desejo de identificar os traços mais característicos do ethos nacional. Sociólogos, antropólogos, historiadores e artistas se perguntavam no que, de fato, se constituiria o Brasil, e o que o impediria de transformar-se num país plenamente realizado nos planos socioeconômico e político. Nomes como Euclides da Cunha, Gilberto Freyre e Sergio Buarque de Hollanda publicariam obras-chave na tentativa de encontrar um significado para a existência nacional. No campo das artes plásticas, Cândido Portinari retrataria a existência sofrida do sertanejo, e na poesia e dramaturgia Oswald de Andrade ergueria a bandeira do antropofagismo cultural, como resposta e atestado do processo de realização artística no país.

Foi unindo diversas dessas teses, além de criando suas próprias, que Glauber Rocha definiu uma narrativa da história brasileira, expressa em obras como Terra em Transe (1967); e plenamente desenvolvida em O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969). Neste longa-metragem, continuação de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), acompanhamos o destino melancólico de Antônio das Mortes, personagem vivido por Maurício do Valle, jagunço e matador de cangaceiros, contratado para realizar um último serviço.

Gláuber Rocha
Gláuber Rocha

Logo nos créditos iniciais, o filme apresenta um rápido sumário em francês, que Glauber – além de diretor, também roteirista do filme – julgou necessário para a compreensão dos eventos e do recorte histórico que queria construir (fruto de uma coprodução franco-brasileira, o prefácio quer explicar a um público estrangeiro os eventos históricos que considera mais relevantes para a compreensão do filme): “Chamam-se – ‘Jagunços’ assassinos de aluguel; ‘Coronel’ grandes proprietários de terras; ‘Beatos’ comunidade de camponeses miseráveis e místicos; ‘Santo’ pessoa que dirige espiritualmente essas comunidades”. Junto ao glossário se encontra uma rápida descrição dos cangaceiros enquanto “bandidos místicos que desapareceram do Nordeste do Brasil em 1940”, tendo sido Lampião o “mais célebre de todos”.

A apresentação reforça o sentido de disparidade estilística e narrativa em relação a Deus e o Diabo na Terra do Sol, que se passa no final da década de 1930. Ocorrendo em um momento relativamente atemporal, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro retrata um Nordeste em franco processo de modernização capitalista, no qual crescem as cidades, constroem-se estradas e postos de gasolina, e já se considera inevitável o advento da industrialização e da reforma agrária.

O sertão de Glauber

É em meio a esse cenário de abandono forçado de estruturas arcaicas, que um bando de cangaceiros e beatos, liderado pelo bandoleiro Coirana, ataca um pequeno povoado da caatinga, despertando pavor nas pessoas da região, que são forçadas a implorar pela ajuda de Antônio das Mortes – um jagunço aposentado.

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Chegando à cidade, um oficial da lei esclarece ao pistoleiro que, diferente do tempo das intensas volantes (expedições militares que partiam à caça dos bandos de Lampião, Corisco, e tantos outros), ele espera que tudo seja resolvido de forma rápida. Percebe-se que o perigo real de rompimento da ordem mantida pelo Estado no Nordeste simplesmente inexiste no que concerne ao bando de Coirana. Eles representam uma mera surpresa inconveniente, já que as condições para o surgimento dos cangaceiros por aquelas paragens já haviam, há muito, desaparecido.

O fato pode ser observado quando ocorre a segunda invasão do povoado pelos cangaceiros, retratada por Glauber em uma interminável panorâmica (como se chama a tomada em que a câmera gira sobre seu próprio eixo), na qual o bando, vestido com roupas tradicionais do sertão nordestino e indumentárias próprias de cultos afro-brasileiros, em vez de disparar suas armas contra o inimigo, dança e canta anarquicamente uma gira de louvor a São Cosme e Damião e ao orixá Xangô. O ataque, neste caso, é alegórico, representando a invasão de todo um legado cultural, popular e mestiço, que as elites brasileiras teriam sempre buscado frear.

E é sob esse aspecto que triunfam as pretensões estilísticas do filme de Glauber Rocha. Ao criar um grupo de cangaceiros extemporâneos, o cineasta retrata uma espécie de vingança histórica, segundo a qual uma segunda vinda do Cangaço tenderia a se justificar pela necessidade de punição simbólica da estrutura agrária brasileira, responsável primeiramente pela opressão secular sofrida pelos sertanejos. O chefe local, coronel Horácio (interpretado por Jofre Soares), longe de representar o perigo dos outrora onipotentes donos de terra do Norte, não passa de um velho cego, cuja vida se resume a divagar sobre uma realidade que ele jamais consegue apreender completamente. O velho é também desprovido do respeito do delegado Mattos (personagem de Hugo Carvana) e de sua própria mulher Laura, interpretada por Odete Lara, cujo caso amoroso é conhecido por todos os personagens.

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À ausência da necessidade material de uma rebelião (em vista do processo de modernização do sertão nordestino), corresponderia o imperativo de uma justiça simbólica capaz de punir os poderosos pelos crimes que haveriam cometido em tempos já remotos. É a percepção disso que faz Antônio das Mortes arrepender-se do assassinato de Coirana, a quem fere com uma peixeira, e decidir proteger os beatos. Estes são então chacinados por outro exército de jagunços, convocado pelo coronel Horácio.

Em uma cidade já fantasma, resta a Antônio das Mortes, Antão (comandante negro dos beatos, encarnado pelo ator Mário Gusmão) e ao professor de história do vilarejo, interpretado por Othon Bastos, concluírem a vingança iniciada por Coirana, eliminando o coronel e seus matadores. Ao cabo da trama, porém, não há uma multidão jubilosa tomando as ruas da cidade, ou uma sequência explicativa que mostre a celebração dos sertanejos.

300-O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro

A justiça histórica retratada por Glauber Rocha é crua e desprovida de consequências práticas: o processo de modernização do Nordeste seguirá inexoravelmente, deixando cair por terra as arcaicas relações de trabalho e poder da região, repostas por outras, mais adequadas a um mundo em contínua transformação. Resta a Antônio das Mortes, o pistoleiro redimido, simplesmente marchar sem rumo por uma rodovia empoeirada, tomada por grandes caminhões de carga e ladeada por um posto de gasolina da Shell, símbolos do novo mundo que invade o Sertão e altera sua paisagem.

A estética da fome

A protoanarrativa histórica de Glauber acaba assim por ecoar aquela delineada por Euclides da Cunha, cuja obra Os Sertões, caracteriza a relação entre o Brasil capitalista e modernizante do litoral, e o interior antigo e isolado, como sendo marcada pelo signo da violência. Violência que permeia os laços entre senhores e camponeses – mediada por jagunços – e a violência dos grandes centros urbanos, que desde o final do século XIX buscam sufocar, progressivamente, qualquer experiência ou modelo social que se interponha à marcha do “progresso”.

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Em 1965, o próprio Glauber ressaltaria o traço brasileiro da violência e a necessidade desta existir como nervo central do projeto artístico do Cinema Novo (representando ainda um relevante instrumento de transformação política) em seu manifesto “Uma estética da fome”, publicado na Revista Civilização Brasileira.

Nele, o cineasta defende que “somente uma cultura da fome, mirando suas próprias estruturas, pode superar-se qualitativamente: e a mais nobre manifestação cultural da fome é a violência. (…) Pelo cinema novo: o comportamento exato de um faminto é a violência e a violência de um faminto não é primitivismo”. Esta se veria traduzida de maneira ritualizada nas alegóricas cenas de assassinato de O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, primeiro filme colorido do diretor: a paleta de cores de cada plano e cada sequência remete quase sempre ao vermelho, a tons terrosos, à sujeira e ao sangue.

O imenso impacto estilístico e narrativo do Cinema Novo (com destaque para as obras de Glauber Rocha) rondaria fantasmagoricamente a história do cinema nacional, ecoando até os dias de hoje. Como se pode atestar em produções recentes, caso de O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho, escolhido para ser o candidato brasileiro ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2014.

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Na trama, seguimos diversos grupos de personagens, de distintos níveis econômicos, habitantes da mesma rua ocupada por um condomínio de luxo, em Recife. Os prédios, que compõem o conjunto habitacional da narrativa, acabam por se tornar o espaço de realização de tensões sociais e históricas, ecoantes do Brasil colonial, tal qual descrito por Gilberto Freyre em seu livro Casa-Grande & Senzala: “Na zona agrária (brasileira) desenvolveu-se, com a monocultura absorvente, uma sociedade semifeudal – uma minoria de brancos e brancarões dominando patriarcais, polígamos, do alto das casas-grandes de pedra e cal, não só os escravos criados aos magotes nas senzalas como os lavradores de partido, os agregados, moradores de casas de taipa e de palha, vassalos das casas-grandes em todo o rigor da expressão”.

Na nova realidade de um Brasil que se urbaniza, o antigo senhor de engenho, representado em O som ao redor pelo personagem Francisco, torna-se investidor imobiliário, não se furtando em considerar a vizinhança em que habita como sua propriedade pessoal. O papel antes reservado aos escravos passa a ser exercido pelas empregadas domésticas, que muitas vezes, quando jovens, são “pegas para criar” por seus patrões, os quais afirmam, por vezes, considera-las “da família” – materializando relações profissionais que estão muito distantes do que se esperaria de uma lógica de trabalho livre. As senzalas transformam-se nas famigeradas “áreas de serviço” e “quartos de empregada”, recintos de dimensões reduzidas e altas temperaturas, por vezes dominados pelo mofo e pela umidade – reservados a uma força de trabalho que, no condomínio, considera-se estar apenas de passagem.

E quanto aos outrora folclóricos jagunços, estes se transmutam nos sempre presentes vigias de rua – representados no filme pelo personagem Clodoaldo, interpretado por Irandir Santos, e seus comandados. Estes deixam de lado o gibão e o chapéu de couro, a peixeira, e a garrucha, para vestirem o já habitual colete preto, sem mangas, marcado nas costas com palavras como SEGURANÇA ou CONTENÇÃO. Longe de visarem cangaceiros e beatos, buscam agora os chamados intrusos, pivetes e trombadinhas, nos quais preferem aplicar seus “cala-boca” ou “sossega-leão”, do que apelar para a lei de um Estado racionalista, sustentado por instituições, ao menos oficialmente, não-patriarcais. E talvez seja neste aspecto que O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro tenha se tornado, infelizmente, defasado. O Brasil arcaico que tanto Glauber Rocha quanto a época em que viveu consideravam moribundo e superado, parece continuar vivo nas entranhas do Brasil moderno.

FONTE – http://www.revistadehistoria.com.br/secao/cine-historia/o-brasil-entre-beatos-cangaceiros-e-coroneis