48 anos depois da publicação desse interessante texto, foram tão intensas e drásticas as alterações e mudanças que aconteceram na capital potiguar, que só resta daquela cidade o que existe nos registros e nas memórias daqueles que a conheceram.
Apresento-vos Natal, capital do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil. É a ponta mais avançada da América do Sul para dentro do Atlântico, situação geográfica que lhe proporcionou, durante a última Grande Guerra, a denominação histórica de “Trampolim da Vitória”. Porque daqui partiram as tropas e “Fortalezas Voadoras” para a invasão da África e, posteriormente, da Europa. Sua importância estratégica, pela maior aproximação com a costa da África, é reconhecida universalmente. Daí ser sede, ainda hoje, de duas poderosas bases aérea e naval brasileiras.
No entanto, no passado, Natal já foi chamada, por um dos nossos poetas, Ferreira Itajubá, de “um vale ameno entre coqueiros“. Pela sua amenidade de clima e estar situada entre o Rio Potengi e o Atlântico, com as praias orladas de coqueiros.
Neste 1975, com seus trezentos e tantos mil habitantes, fundada por colonizadores portugueses, no Século XVI, (1599), Natal é cidade velha que se moderniza rapidamente. Suas ruas e avenidas largas, lindas praias, a incrível luminosidade tropical, a brisa constante e doce que sopram do mar, a temperatura oscilando entre 27 e 30 graus centígrados, tudo isso faz desse recanto um dos pontos mais saudáveis e atraentes do Nordeste brasileiro.
O FORTE DOS REIS
Ainda hoje não existe acordo entre os nossos historiadores a respeito do legítimo fundador da cidade do Natal. Para uns, teria sido o colonizador Manoel Mascarenhas Homem, Capitão-Mor de Pernambuco, que veio do Recife (1597) fundar um forte na confluência do Rio Potengi com o Atlântico, a fim de proteger a terra e combater os corsários franceses, que traficavam com o pau-Brasil. Outros entendem que o fundador teria sido Jerônimo de Albuquerque, o primeiro comandante do Forte dos Reis, enquanto outros estudiosos ainda se fixam no nome de João Rodrigues Colaço, lugar-tenente de Jerônimo de Albuquerque, pelo fato de, no ano de 1599, Jerônimo se achar na Europa.
Há quem sustente, bisantinamente, que Mascarenhas Homem, fundando o forte, não fundou a primeira povoação. Esta surgiria depois. Argumentamos: Se o forte, o primeiro núcleo de população, era e é a porta da cidade do Natal e foi por ele fundado, por que ir procurar um segundo fundador para a primitiva aldeia? Por isso, nos arrimamos entre aqueles que sustentam a tese de Mascarenhas Homem. E a mais racional e mais de acordo com a documentação histórica.
Interior da Fortaleza dos Reis Magos.
Na verdade, Mascarenhas Homem fundou um fortim de madeira, provisório. A atual Fortaleza dos Reis Magos foi iniciada a 6 de janeiro de 1598, daí o seu nome, no dia de Reis, sendo concluída já no Séc. XVII. (1614). É sólida e bela construção militar, ainda bem conservada, considerada, no gênero, um dos mais importantes monumentos arquitetônicos do País. Visitá-la é algo indispensável a todos que vêm à cidade, sendo tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional De lá descortina-se panorama de indizível beleza local, ao longo das praias e do casario da cidade.
O NATALENSE
O natalense, dizem os visitantes, é dos mais hospitaleiros entre todos os nordestinos. Povo extrovertido. bom, aberto a tudo e a todos, recebe sempre bem e paga para fazer favor a um turista.
Nas suas origens, naturalmente, é português, índio e negro. Talvez o tipo físico predominante seja a mistura de lusos e índios ou descendentes. A percentagem de negros é mínima na população. Explica-se: Natal não foi porto de desembarque de escravos africanos. A população de cor no Estado, descende de negros que vieram de Pernambuco, nos primeiros séculos, para os engenhos de açúcar. Pequena, portanto, desde que pequeno era o número dos nossos engenhos.
Acesso a Ponta Negra na década de 1970.
Há, no Seridó, região de pecuária, minérios e algodão de fibra longa, a predominância de um tipo físico que se destaca dos demais: São indivíduos altos, brancos, louros, olhos azuis, de compleição robusta. Ingenuamente, diz o povo que são descendentes de holandeses, ou flamengos…
Nada disso. Sabemos, historicamente, que são descendentes de portugueses do norte de Portugal, o tipo ali característico em relação aos lusos do sul, mediterrâneos. Em Natal, não há presença ponderável de indivíduos de outras etnias, como se observa no Sul do Brasil. Portugueses natos, atualmente, talvez se conte uma dúzia. Norte-americanos, em trânsito, sempre existe. Alemães, italianos, japoneses, espanhóis, só um ou outro perdido no meio do natalense. Os sírio-libaneses, descendentes em sua maioria, constituem o maior número de indivíduos originários de outras etnias e residentes no Estado.
ARQUITETURA E ATRAÇÕES
A cidade do Natal nasceu, como é da tradição portuguesa, em torno da capela (hoje, matriz), o cruzeiro, a praça e os edifícios públicos e residências particulares em torno. Assim surgiram igualmente as cidades mais prósperas do interior do Rio Grande do Norte.
Ao lado da matriz de Nossa Senhora da Apresentação, padroeira da cidade, lá está o Palácio do Governo, imponente prédio colonial, de 1868. A Prefeitura, já descaracterizada, o velho edifício onde tem sede a Guarnição Militar de Natal, a Igreja de Santo António, mais linda fachada barroca da cidade, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, mais modesta, e o único sobradinho colonial, à Rua da Conceição, onde a Fundação José Augusto instalou um museu histórico e artístico, digno de visitação, constituem o melhor que ainda nos resta do passado da cidade.
Palácio Filipe Camarão, sede do poder executivo municipal de Natal.
Administradores anteriores praticamente arrasaram com a velha arquitetura colonial, – herança portuguesa na nossa cultura. Em sua maioria, os edifícios públicos modernos deixam muito a desejar do ponto de vista arquitetônico. O conforto interno, as elegantes instalações contrastam com a pobreza de suas fachadas simplórias. Saliente-se que esse não é apenas um mau natalense. É brasileiro. A pretexto de uma chamada arquitetura moderna, destruíram quase tudo que havia de mais característico na velha arquitetura colonial. Raras capitais como Recife, Salvador, São Luiz e cidades do interior mineiro e maranhense ainda conservam um bom patrimônio, graças, sobretudo, à vigilância enérgica do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que não permite reformas modernizantes.
Se há algo que o turista, vindo a Natal, não pode deixar de ver é a velha Fortaleza dos Reis Magos. Aconselharíamos, também, uma visita à Vila Flor, próximo a Canguaretama, para apreciar a beleza da Casa da Câmara e Cadeia do Séc. XVIII, agora restaurada pelo IPHAN. Também seria imprescindível uma visita ao nosso estádio de futebol, em dia de grande jogo. O Campus da Universidade, fundado em 1972, é outro recanto que precisa ser visto Ali está a semente da grande universidade do futuro. O Museu “Câmara Cascudo” oferece ao visitante uma visão de conjunto dos aspectos mais importantes da antropologia, geologia e paleontologia norte-rio-grandenses.
Campus Universitário da UFRN em Natal no ano de 1972.
BARES E RESTAURANTES
A grande atração da cidade reside nas suas praias de águas verdes e temperatura sempre amena. Seus nomes são pitorescos: Praia do Meio, Areia Preta, Ponta Negra, Pirangi, Redinha, Genipabu, as duas últimas do lado norte do Rio Potengi. Praias do Meio e Areia Preta, banhando a cidade, tem ainda denominação setoriais: É Praia do Forte, ao lado do velho monumento; Poço do Dentão, defronte ao hotel da cidade, o “Hotel Internacional dos Reis Magos”; e “Miami Beach”, a praia preferida pelos norte-americanos durante a guerra.
Praia de Pirangí em 1972.
Aí estão situados alguns dos bares e restaurantes mais movimentados de Natal, principalmente à noite. São eles, atualmente, o “Panelão”, O “Brazeiro” e o “Saravá”, – os locais onde a moçada se reúne para bebericar e curtir a boa vida. Entre os restaurantes típicos, os visitantes não podem deixar de frequentar a “Carne Assada do Lira” e a “Peixada da Comadre”, ambos no bairro das Rocas. Ali também há um restaurante gostoso, “A Rampa”, dos oficiais da Aeronáutica, mas aberto ao público. Ainda na beira do rio, há um barzinho, o “Brisa del Mare”, onde Glorinha Oliveira, a maior cantora da cidade, sempre está cantando.
Na Cidade Alta, o turista não pode deixar de conhecer o “Granada Bar”, do espanhol Nemésio, onde se pode comer a melhor lagosta ao vinagrete da cidade. Outros restaurantes e bares de boa frequência são o “Kasarão”, o “Xique-Xique” e o “Casa Grande”, o mais novo.
A melhoria das estradas interestaduais na década de 1970 ajudou a incrementar o turismo regional no rio Grande do Norte.
Mas, quem tiver disposição e gosto, é só tocar o carro em direção à praia de Ponta Negra e conhecer as boates da cidade, ao longo da estrada. O ponto mais tranquilo, para uma temporada de férias, é a “Casa de Hóspedes”, em Ponta Negra, um sítio à beira do mar, diante das dunas.
E quem gosta de recanto primitivo, onde a civilização ainda não chegou, é enfrentar as estradas que levam à praia de Genipabu, de morros carecas, jangadas e coqueiros sobre as dunas.
COSTUMES E TRADIÇÕES
O folclore natalense é essencialmente português, ao lado de contribuições negras e indígenas.
Quem se der ao trabalho de pesquisar as origens das manifestações folclóricas nordestinas, como já o fizemos, em vários aspectos, constatará que setenta por cento das nossas tradições e costumes são de raízes lusas. Provérbios, adivinhas, cantigas de roda, superstições, contos populares, romances, cantigas de viola, autos e bailados, quase tudo é português em suas origens, embora com as adaptações e acréscimos da população nativa brasileira.
Sociedade de Danças Antigas e Semidesaparecidas Araruna, mais conhecida como Araruna, é um tradicional grupo de dança folclórica de Natal.
Durante a última guerra, sofremos influências dos norte-americanos, que aqui transitaram aos milhares. Influências na indumentária e expressões populares. Com o advento da televisão, claro, estamos sofrendo influências de todo o mundo. Muito mais do que tudo aquilo que, durante várias décadas, recebíamos por intermédio do cinema, rádio, jornais e revistas. Apenas um exemplo: Os jovens natalenses de hoje, moças e rapazes, não diferem, em coisa nenhuma, dos jovens do Rio e São Paulo. E a chamada geração “pra-frente”, de indumentária comum a homens e mulheres (unisex), – os rapazes de barba e cabelo longos, calças apertadas, sem bolsos, camisas de mil cores e sapatos enormes, cintos gigantescos. A linguagem dos jovens é algo inusitado para os mais velhos: “Estou grilado (apaixonado): E um pão (irresistível!): estou na fossa (triste): bacana (coisa boa, serve pra tudo), etc.
ATIVIDADES CULTURAIS
Antes da Universidade, as instituições de cultura de Natal se resumiam ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e à Academia Norte-rio-grandense de Letras, esta última fundada por Luís da Câmara Cascudo. Os jovens valores da época, não encontrando oportunidades para permanecer no Estado, estudavam noutras terras e logo depois de formados arribavam.
A Universidade teve o mérito de oferecer campo de trabalho para fixar a maior parte da mocidade norte-rio-grandense, hoje integrando, como professores e noutras funções técnicas, faculdades, institutos, escolas, clínicas e demais serviços.
“Miami Beach”, a praia preferida dos americanos em Natal, durante a Segunda Guerra.
A Escola de Música da UFRN prepara uma nova geração de músicos e professores e há crescente interesse dos jovens pela organização de conjuntos musicais, especialmente os da chamada “música-jovem”, na base de guitarras e ritmo, jovens compositores e instrumentistas estão aparecendo nos programas da TV-Universitária e espetáculos teatrais.
Em Natal, no aspecto musical, há curiosidade que poucos observam: Quase todos os jovens tocam ou acompanham o violão, alguns excelentemente. Casa sem violão, na cidade, não é frequentada por jovens: Daí a nossa surpresa, na Filadélfia, nos Estados Unidos, ao pedir um violão para matar saudades, e quase numa rua inteira de belo está bairro residencial, constatar que ninguém ali possuía uma só guitarra…
Aspecto também digno de relevo foi o aparecimento recente, em Natal, de uma floração de artistas plásticos. Os pioneiros foram Newton Navarro (pintor e desenhista) e Dorian Gray Caldas, (pintor e tapecerista). Com o surgimento de laponi Araújo (pintor ingênuo) e descoberta de Maria do Santíssimo (pintora primitiva) e Manxa (entalhador), dezenas de jovens artistas foram repontando, alguns de méritos incontestáveis.
Praia de Ponta Negra e as dunas onde atualmente se encontram os melhores hotéis de Natal, na área da Via Costeira.
Um trabalho de talha recente, de Manxa, na agência do Banco do Brasil em Natal, tomando toda uma grande parede, talvez de vinte metros, está sendo apreciado como obra monumental, tanto pelas proporções quanto pela expressão vigorosa e motivação de fontes populares.
No campo propriamente da arte popular, dois nomes ainda sobressaem na cidade: O de Xico Santeiro, escultor em madeira, já falecido, que espalhou Cristos e cangaceiros por centenas de residências e repartições públicas; e o de Luzia Dantas, eximia escultora. Esta última, residindo em Currais Novos, já influenciou a irmã, Ana Dantas, que também tem produzido peças de larga procura, pela singeleza de traços e sabor popular características das duas jovens artistas.
Ladeira do Sol.
CASCUDO
O papa e a meca da cultura norte-rio-grandense é São Luís da Câmara Cascudo e sua velha casa residencial.
Cascudo, aos 76 anos, já escreveu mais de cento e vinte livros e estudos, destacando-se como etnólogo, historiador, ensaísta, orador e conferencista. Professor universitário, hoje aposentado, tem horário certo para receber visitantes de todo o País, que o procuram para consultas, ou simplesmente conhecê-lo em pessoa.
Já teve mil convites para candidatar-se à Academia Brasileira de Letras, mas resiste heroicamente, alegando deficiência de audição e o incómodo das viagens ao Rio de Janeiro. E Cascudo é um caso raro no Brasil de escritor que se fixou na Província, realizando obra admirável sob todos os aspectos, razão por que recebeu de Afrânio Peixoto, faz tempo, o epíteto de “provinciano incurável”!
Luís da Câmara Cascudo
Sua residência, à Av. Junqueira Aires, destaca-se pela enorme biblioteca, acumulada em mais de 50 anos de atividades, além de obras de arte que foi adquirindo e recebendo dos principais artistas brasileiros e alguns estrangeiros.
Pessoalmente, Cascudo é um encanto e um demônio. Encanto pela simpatia envolvente com que sabe receber e conversar sobre todos os assuntos. Demônio de verve, graça, anedotas de toda natureza. Por isso, visitar Natal e não ver Cascudo, diz-se, é ir à Roma e não ver o Papa.
TURISMO
Nos últimos anos, o Governo do Estado e a Prefeitura de Natal criaram órgãos para desenvolvimento do turismo na cidade Já estão sendo restauradas velhas construções estando em andamento o aproveitamento de logradouros e recantos pitorescos.
Praça Kennedy, no centro de Natal, antiga Praça das Cocadas.
A infraestrutura já foi iniciada com a construção do Hotel Internacional dos Reis Magos, na Praia do Meio, Hotel Samburá, no centro da cidade. Há outros hotéis de categoria em construção e em projeto, como o que o grupo “Quatro Rodas” está construindo em Ponta Negra.
O artesanato (palha e madeira) e a arte popular norte-rio-grandense já podem ser adquiridos em casas especializadas, a preços módicos. Os apreciadores das danças populares podem deliciar-se com uma visita à Sociedade Araruna de Danças Antigas, nas Rocas, ou como o Conjunto “Asa Branca”, para conhecer o bambelô e o nosso coco de roda, sobrevivência negra na nossa cultura.
A simplicidade das antigas barracas da Praia de ponta Negra.
As casas de culto de umbanda, em vários pontos, também atraem os curiosos por conhecerem as peculiaridades da religião afro-brasileira. A maior festa popular da cidade ainda é a dos Reis Magos, a 6 de janeiro, em frente à capela do mesmo nome, nas Rocas. Os apreciadores do folclore poderão admirar o nosso Fandango (Nau Catarineta), os Congos, Pastoris, Lapinhas, Cheganças e outros folguedos que se exibem em palanque armado pela Prefeitura, em praça pública. Também podem bebericar e comer doces e comidas típicas nas barracas cobertas de palha, em torno da praça. São dois dias de festas consecutivos.
No Parque “Aristófanes Fernandes”, em Parnamirim, vez por outra, o visitante pode apreciar um dos espetáculos de competição esportiva mais violentos: A Vaquejada, consiste na derrubada do gado pela cauda. Grandes vaqueiros de todo o Nordeste ali sempre se encontram e os norte-rio-grandenses são os campeões absolutos desse esporte tradicional.
Foguete do tipo Sonda sendo lançado da Barreira do Inferno.
Na Barreira do Inferno, um pouco além de Ponta Negra, está localizado o campo de lançamento de foguetes da Aeronáutica, a primeira estação espacial brasileira. Além disso, foram desenvolvidos importantes projetos de exploração do espaço, inclusive com a cooperação de cientistas europeus e norte-americanos. A direção da Estação de Barreira do Inferno permite visitas às suas instalações, uma vez por semana.
*Veríssimo de Melo (9 de julho de 1921 — 18 de agosto de 1996) foi advogado, juiz, professor de Etnografia do Brasil da Faculdade de Filosofia de Natal e de Antropologia Cultural da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, além de jornalista.
Quando o escritor Ariano Suassuna faleceu em 23 de julho de 2014, muito de sua vida foi trazida ao conhecimento de milhares de brasileiros. Entre os muitos aspectos da biografia deste paraibano que marcou a história do Nordeste, um dos principais pontos abordados foi a importância da figura de seu pai, João Suassuna, em sua vida.
João Suassuna, pai de Ariano
Em inúmeros textos foi comentado, normalmente de maneira bem básica, que João Suassuna havia sido governador da Paraíba e que ele foi assassinado no ano de 1930, em meio às repercussões ocasionadas pela morte de João Pessoa e os acontecimentos políticos daquele período tumultuado da história do Brasil. Mas ao observamos com mais detalhes a figura do pai do grande escritor, que morreu quando Ariano tinha apenas três anos de idade, descobrimos uma história muito intensa, interessante e trágica!
Ariano Suassuna 1927 – 2014
O BACHAREL SERTANEJO
Há dez anos eu dei início a uma inacabada pesquisa por quatro estados nordestinos sobre a vida e morte do cangaceiro paraibano Chico Pereira. Esta motivação vinha do fato de ser imputado a este cangaceiro e seu bando, em fevereiro de 1927, o assalto a fazenda Rajada, em Acari, na região do Seridó Potiguar. Na época esta fazenda pertencia a Joaquim Paulino de Medeiros, meu bisavô e durante grande parte da minha juventude escutei inúmeras vezes os relatos deste episódio através de vários parentes queridos.
Fazenda Volta, zona rural de Catolé do Rocha, lugar onde viveram os primeiros membros da família Suassuna.
No desenrolar das pesquisas vi que a história de Francisco Pereira Dantas, o verdadeiro nome de Chico Pereira, possuía ligações com a trajetória política de João Suassuna. Até mesmo a sua morte, ocorrida em 1928 na zona rural de Currais Novos, em um rumoroso caso de violência estatal, que manchou a biografia do então governador potiguar Juvenal Lamartine de Farias, também possui ligações com o pai de Ariano.
Mas de maneira totalmente independente do fato de João Suassuna ser pai do autor de “Auto da Compadecida”, busquei conhecer mais sobre sua vida.
João Suassuna no início de sua carreira
Nascido João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassuna, veio ao mundo em Catolé do Rocha, Paraíba, no dia 16 de janeiro de 1886. Anos depois estudou na conceituada e tradicional Faculdade de Direito de Recife, onde se bacharelou em 1909. O início de sua carreira como advogado foi em Mossoró, no Rio Grande do Norte. Depois João Suassuna assumiu o posto de juiz nas cidades de Umbuzeiro e Campina Grande, ambas na Paraíba. Na sequência foi Procurador da Fazenda Nacional no seu estado natal.
Em 1 de dezembro de 1913, quando tinha 27 anos, casou com Rita de Cássia Vilar Suassuna, então com 17 anos, a quem chamava carinhosamente de Ritinha. Quando Castro Pinto esteve a frente do executivo paraibano (1912-1915), João Suassuna assumiu cargos de importância na máquina governamental.
Casa onde nasceu João Suassuna em Catolé do Rocha, que na época da foto era o Grupo Escolar Antônio Soares. Atualmente essa antiga casa não existe mais, foi demolida para a construção da nova sede da prefeitura dessa cidade paraibana.
Em 1917, após este período de governo, voltou a ser juiz, desta vez na cidade de Monteiro (PB). Foi nesta época que João Suassuna adquiriu uma propriedade chamada “Malhada da onça”, pra onde seguia ocasionalmente. A fazenda ficava em Desterro, local de nascimento de sua mulher, na época uma comunidade pertencente à cidade paraibana de Teixeira. Em 1919 deixou a magistratura e foi trabalhar no antigo Instituto Federal de Obras Contra as Secas – IFOCS e nesta época adquiriu a Fazenda Acauã, na época localizada na zona rural de cidade de Sousa[1].
No começo da década de 1920, João Suassuna foi convidado pelo então governador Sólon de Lucena para assumir a Inspetoria do Tesouro do Estado, depois foi eleito deputado federal. Estava no exercício do mandato parlamentar no Rio de Janeiro, então Capital Federal, quando foi eleito “Presidente da Parahyba”, o que corresponde hoje ao cargo de governador.
O mandato de João Suassuna se caracterizou em grande parte por uma valorização das ações desenvolvidas pelos grandes latifundiários de terras do interior, possuidores de grandes riquezas baseadas no cultivo do algodão e na pecuária. Estes “coronéis” atuavam através de uma estrutura política arcaica, que se valia entre outras coisas do mandonismo, da utilização de grupo de jagunços armados, da conivência com grupos de cangaceiros e outras ações.
Foi nesta época, no palácio do governo da Paraíba, que servia de residência oficial do chefe do executivo daquele estado, mais precisamente no dia 16 de junho de 1927, que nasceu um dos nove filhos do casal João e Rita. Foi batizado como Ariano.
João Pessoa
João Suassuna entregou o cargo em 22 de outubro de 1928 a João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque e assumiu novamente uma das vagas de deputado federal pela Paraíba.
PROBLEMAS À VISTA!
João Pessoa discordava da forma como o grupo político que o elegera conduzia a política do seu estado e logo surgiram sérias divergências com os latifundiários. Um dos maiores embates estava na cobrança de taxas de exportação do algodão. Por esta época os coronéis exportavam o produto principalmente através do porto de Recife, provocando enormes perdas de divisas tributárias para a Paraíba. Procurando evitar esta sangria financeira e efetivamente cobrar os coronéis, João Pessoa implantou diversos postos de fiscalização nas fronteiras da Paraíba, irritando de tal forma estes caudilhos, que pejorativamente passaram a chamar o governador de “João Cancela”.
Os embates políticos entre o governador e os coronéis foram crescendo. A maior liderança entre estes poderosos foi sem dúvida o coronel José Pereira Lima. Verdadeiro imperador da região oeste da Paraíba, na área da fronteira com Pernambuco, tendo como base, a cidade de Princesa e este discordava com veemência das ações de João Pessoa. Do embate entre estes dois homens, resultou um dos maiores conflitos armados do Brasil Republicano.
Foto de 1930 – Sentado vemos Marcolino Florentino Diniz (conhecido como Marcolino Pereira Diniz, um dos líderes de Princesa, que era sobrinho e cunhado do coronel José Pereira. Em pé, da esquerda para direita, temos Pedro Inácio (proprietário de terras em Pernambuco), João Pereira e Pacífico Lopes (proprietários rurais), Joaquim Inácio (grande proprietário de terras no município pernambucano de Triunfo) e Chôcho (proprietário rural na localidade de Irerê, município de Princesa). Agradeço a atenção e participação de Natércia Suassuna Dutra, sobrinha-neta de João Suassuna, que enviou as informações aqui colocadas.
A contenda teve início em 28 de fevereiro de 1930, quando ocorreu a invasão da cidade de Teixeira por parte da polícia paraibana, com o aprisionamento dos membros da conceituada família Dantas, ligada por profundos laços de parentescos e interesses ao coronel José Pereira. Apesar de governador João Pessoa não contar com o apoio do Palácio do Catete, onde o titular, Washington Luís não viabilizou uma efetiva ajuda às forças policiais paraibanas, o governador paraibano foi à luta.
Em meio aos conflitos da chamada “Guerra de Princesa”, no dia 26 de julho de 1930, um sábado, João Pessoa estava na Confeitaria Glória, em Recife, quando foi atingido por dois disparos desfechados pelo advogado paraibano João Duarte Dantas.
Da mesma família Dantas da região de Teixeira, consta que após realizar uma viagem João Dantas encontrou seu escritório na capital paraibana violado. Entre os objetos roubados estavam cartas e poemas eróticos, além de fotografias sensuais, trocados com a sua amante, a poetisa Anayde Beiriz. Estes materiais teriam sido roubados por membros da polícia paraibana, sob as ordens de João Pessoa, sendo publicados e colocados em locais públicos. Diante dessa exibição João Dantas foi à confeitaria vingar a sua privacidade violada[2].
João Duarte Dantas
Após o crime, João Pessoa se tornou um grande herói para o povo paraibano e seu assassinato foi o estopim da conhecida Revolução de 1930. Neste meio tempo cresceu descontroladamente o radicalismo na Paraíba e muito sangue correu[3].
A PARTIDA
Por ser João Suassuna casado com uma prima de João Dantas, ter sido eleito deputado federal com o apoio dos Dantas da cidade de Teixeira e do coronel José Pereira, o pai de Ariano ficou na mira dos familiares, amigos e correligionários do falecido João Pessoa.
No dia da morte do então governador paraibano na Confeitaria Gloria, João Suassuna se encontrava no Recife. Já sua família, inclusive o menino Ariano de três anos, estava na capital paraibana, em uma casa alugada ao Dr. Mariano Falcão, na Rua das Trincheiras. Diante do aumento da tensão na capital, Rita Suassuna e seus nove filhos vão se refugiar no 22º Batalhão de Caçadores, ou 22º BC, atual 15º Batalhão de Infantaria Motorizada. Em pouco tempo João Suassuna conseguiu apoio do rico empresário Frederico João Lundgren e consegue apoio do Exército para trazer sua família para uma casa mobiliada, pertencente a este empresário e localizada na cidade pernambucana de Paulista. Um dado interessante foi que a escolta da família Suassuna era comandada pelo tenente Agildo Barata[4].
João Pessoa morto
O deputado João Suassuna recebeu a comunicação que havia sido denunciado como cúmplice no assassinato de João Pessoa e teria que ir ao Rio de Janeiro para se defender na Câmara dos Deputados. No Porto do Recife ele embarcou no paquete “Zelândia” e lá estava toda a sua família para as despedidas. Mesmo tendo naquela ocasião apenas três anos de idade, Ariano Vilar Suassuna sempre relatou ao longo de sua vida que jamais esqueceu a partida do seu pai para a Capital Federal, pois aquela foi a última ocasião que o viu com vida.
João Suassuna chegou a Capital Federal no dia 22 de outubro de 1930, se apresentou a Câmara Federal. Lá soube que tramitava na comissão de constituição e justiça um pedido do deputado pernambucano João Paes de Carvalho Barros, para que fosse concedida uma licença para abrir uma investigação sobre a participação de Suassuna como cúmplice no assassinato de João Pessoa. Logo o pedido foi indeferido pelo presidente da casa, o deputado federal João Santos[5].
TEMPO DE REVOLTA
Não tarda e a convulsão política eclode. A conhecida Revolução de 1930 teve seu início em 03 de outubro de 1930, uma sexta feira, com movimentos sincronizados que foram levados a efeito no Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais e Paraíba.
João Suassuna (com papéis e na mão), tendo ao seu lado esquerdo Washington Luís no Porto de Cabedelo, Paraíba.
Mesmo diante desta situação, o deputado João Suassuna se coloca ao lado do presidente Washington Luís, junto com mais de uma centena de políticos. Todos se encontraram na tarde do dia 4 de outubro no Palácio da Guanabara, atual sede do Governo do Estado do Rio de Janeiro, onde morava o mandatário que em breve seria deposto[6].
Os dias seguiam com mais notícias preocupantes vindas da Paraíba e de Pernambuco. Na capital paraibana, na madrugada do dia 4 de outubro, poucas horas após o movimento ter-se iniciado, os revolucionários atacaram o 22º BC e ali morreu o general legalista Alberto Lavenère Wanderley, comandante da 7ª Região Militar. Já o 23º BC da cidade de Sousa, opôs resistência aos revolucionários. Logo em seguida sublevaram-se o 25º BC de Teresina, o 24º BC de São Luís e o 29º BC de Natal.
Revolucionários de 1930 – Fonte – ultimosegundo.ig.com.br
Em Recife o movimento encontrou uma resistência maior por parte das forças legalistas, que haviam se colocado de prontidão ao surgirem notícias da revolução. A vitória dos revolucionários, contudo, foi garantida pelo apoio popular à insurreição, tendo ocorrido, inclusive, distribuição de armas aos populares. Já na manhã do dia 5 de outubro, o movimento havia triunfado em Pernambuco, antes mesmo que os reforços provenientes da Paraíba chegassem a Recife. No dia seguinte a posição dos revoltosos se consolidou quando o presidente do estado, Estácio Coimbra, abandonou o governo[7].
TIRO MORTAL
Enquanto as notícias das sublevações e lutas pelo Brasil afora preocupavam os cariocas e o governo Washington Luís seguia para seus últimos dias, João Suassuna se dividia entre saber notícias de sua família e a atividade parlamentar.
Nesta época o deputado paraibano morava no quarto 63, do Novo Hotel Belo Horizonte, localizado na Rua Riachuelo, 130, no bairro da Lapa.
Suassuna tinha o hábito de sempre descer ao “hall” principal para ler os jornais ainda pela manhã. Naquela quinta feira, 9 de outubro de 1930, ele estava nesta atividade quando apareceu uma visita. Era o farmacêutico paraibano Caio Gusmão, que há quatro meses residia no Rio. Eram cerca de oito e quarenta da manhã, quando o deputado decidiu seguir junto com seu visitante para o Palácio Tiradentes, sede da Câmara Federal. Estava vestido de paletó de casimira cinza e sapatos pretos.
Os dois caminharam um bom trecho pela Rua Riachuelo, quando Suassuna olhou para o céu e comentou…
– Parece que vai chover e vou buscar minha capa no hotel!
Deu meia volta, avançou alguns passos, mas nesse momento foi atingido por um disparo de arma de fogo. Suassuna tentou sacar um revólver “Colt” que conduzia, mas caiu no chão já morto por apenas aquele único tiro. O fato ocorreu na altura do número 111, próximo a esquina com a Rua dos Inválidos[9].
Caio Gusmão nada pode fazer, o corpo ficou em decúbito dorsal, com o revólver do falecido ao lado e a sua mão manchada de sangue[10].
Logo encheu de gente. Rapidinho se espalhou a notícia sobre quem havia sofrido aquele atentado e o espanto dos transeuntes foi geral. Populares chamaram a “Assistência”, o SAMU da época, que logo chegou, mas nada puderam fazer em favor de João Suassuna.
Em pouco tempo o delegado do 12º Distrito Policial, o Dr. Eunápio Hardman Castello Branco, em companhia do comissário Antônio Pizarro de Morais, chegou ao local e depois vieram várias outras autoridades policiais. Das primeiras investigações descobriram que o assassino fugiu pela Rua Paula Matos, em direção ao Morro de Santa Tereza. Foi comentado aos policiais que o atirador possuía estatura mediana, vestia paletó branco, usava boné de casimira negra e calçava “tennis”[11].
Desde os primeiros momentos que os jornais cariocas apontavam que a razão do assassinato de João Suassuna era vingança pela morte de Joao Pessoa e mesmo com revoltas pipocando no país, os revolucionários de 1930 ainda não tinham conquistado a Capital Federal. Começou então a caçada ao assassino.
Inicialmente em uma vila, um policial encontrou um revólver de grosso calibre do tipo “buldogue” e uma pistola modelo “Liberty”. Além de toda a roupa utilizada pelo pistoleiro na hora do crime. Logo os investigadores perceberam pelas pistas deixadas que um cúmplice estava dando apoio ao matador.
Fosse pela importância de João Suassuna, ou por eficiência (ou uma soma destes dois fatores), o certo é que ás onze e meia da noite do dia 9 de outubro, policiais da 2ª Delegacia Auxiliar capturaram o assassino.
Este se chamava Miguel Alves de Souza e havia sido preso no grande sobrado que pertencia ao engenheiro Joaquim de Souza Leão, localizado na Rua São Clemente, 261, bairro de Botafogo, a poucos metros da tradicional Igreja e Colégio Santo Inácio. Assim foi preso Miguel Alves confessou o crime[12].
Este era paraibano de Alagoa Grande, tinha 30 anos, havia chegado ao Rio pelo vapor “Itapuy” no dia 18 de julho de 1929, trabalhava como tratador de cavalos de cavalos e depois se tornou empregado do engenheiro Joaquim de Souza Leão.
Em uma entrevista concedida ao jornalista Ricardo Farias, publicada no caderno especial do jornal paraibano “A União”, edição de 12 de fevereiro de 2013, página 3, Ariano Suassuna comentou que o assassino de seu pai foi preso na casa do concunhado de João Pessoa[13].
Provavelmente os algozes de João Suassuna tinham a ideia que a polícia carioca jamais concluiria que na casa de gente tão graúda, como a Dr. Joaquim de Souza Leão, encontrariam um elemento que havia matado covardemente um homem pelas costas.
TRAMA ASSASSINA
No dia 10 de outubro, enquanto as autoridades “apertavam” Miguel para ele dar conta do assassinato, no Senado Federal, para onde seguiu o corpo de João Suassuna, ocorreram várias homenagens.
O ex-governador potiguar, então senador, José Augusto Bezerra de Medeiros, proferiu um interessante discurso sobre a vida do falecido político paraibano. Houve uma missa de corpo presente, várias autoridades estiveram no velório e foram colocadas muitas coroas de flores. João Suassuna foi enterrado no túmulo número 611, no cemitério São João Batista, em Botafogo. Mas nem sua mulher e nenhum de seus nove filhos estiveram presentes!
Enquanto isso na delegacia, Miguel Alves de Souza confessou que recebeu o apoio de outro paraibano chamado Antônio Granjeiro. Este era carteiro dos Correios e Telégrafos no Rio, lhe forneceu as armas e apoiou na sua fuga. Granjeiro foi logo preso[14].
Os dois comparsas entregaram então Otacílio de Lucena Montenegro, um funcionário do Tribunal de Contas, como a pessoa que procurou Granjeiro, lhe deu o dinheiro para a compra das armas do crime e a ordem para procurar alguém disposto a apertar o gatilho.
E quem era Otacílio de Lucena Montenegro?
Na mesma entrevista concedida ao jornalista Ricardo Farias, do jornal paraibano “A União”, em fevereiro de 2013, Ariano Suassuna comentou que foi Otacílio quem intermediou junto a Granjeiro o assassinato de seu pai e que Otacílio era sobrinho do então coronel do Exército Aristarco Pessoa, irmão de João Pessoa[15].
Demorou mais alguns dias para prenderem Otacílio, mas ele foi finalmente detido na Tijuca. Para dirimir dúvidas, o investigador Silvio Terra fez uma acareação na 2ª Delegacia Auxiliar entre Otacílio, Granjeiro e Miguel Alves e para o policial ficou patente a participação de Otacílio. Mas este negou peremptoriamente quaqlquer envolvimento.
Para os policiais Antônio Granjeiro, homem pobre e com numerosa família (tinha onze filhos), era considerado “doentio e muito sugestionável” e as preleções de Otacílio, que entre outras coisas dizia “-Será que não existe um paraibano que seja capaz de vingar a morte de João Pessoa?” surtiram efeito desejado. Granjeiro foi atrás de Miguel e o crime ocorreu.
Entre outras acusações Granjeiro foi apontado como o homem que seguiu João Suassuna, conheceu sua rotina, comprou as duas armas usadas no crime e chegou a enviá-las para um armeiro quando foram detectadas defeitos nelas. Foi ele quem adquiriu a munição e no dia 7 de outubro, dois dias antes do crime, foi com Miguel Alves praticar tiro ao alvo nas margens da hoje superpovoada lagoa Rodrigo de Freitas, próximo ao Jóquei Clube do Rio.
Os três acusados, entre estes um carteiro e um tratador de animais, foram defendidos pelo ninguém menos que advogado Clóvis Dunshee de Abranches, considerado um dos maiores criminalistas do Brasil na época e famoso pelo rumoroso caso Sylvia Seraphin Thibau[16].
Mas nesta época nem foi tão necessário a participação de um jurista tão renomado para defender estes homens, pois logo os revolucionários chegaram ao Rio de Janeiro, depuseram o presidente e assumiram o poder. No vácuo institucional, em meio às alegrias da vitória, os três homens responsáveis pela morte de João Suassuna foram soltos[17].
EM BUSCA DE JUSTIÇA
Foi Rita Suassuna que não deixou a morte de seu marido cair no esquecimento.
Tempos depois ela enviou uma carta extremamente intensa e emocionada ao então Presidente Getúlio Vargas e este mandou reabrir o caso. Em pouco tempo a morte de João Suassuna voltou às páginas dos periódicos cariocas.
Antônio Granjeiro, esposa e filhos em 1933.
Foram decretadas as prisões de Antônio Granjeiro e Miguel Alves. O primeiro foi preso em casa, no Rio. O segundo foi capturado na Paraíba e recambiado de navio para a Capital Federal[18].
Já os autos do processo simplesmente haviam sumido. Para completar o quadro os jornais noticiaram que novos depoimentos alteraram a situação de Octacílio de Lucena Montenegro e ele sequer prestou mais algum depoimento[19].
O promotor Francisco Belizário Velloso Rabello se preparou para o julgamento acusando os réus de “assassinato premeditado e sem direito a defesa”. Apoiando a promotoria, a pedido de Rita Suassuna, estava o advogado e ex-senador paraibano José Gaudêncio[20].
Já o advogado Clóvis Dunshee de Abranches apresentou em favor dos réus a alegação que o crime por eles cometido “ocorreu em um período de intensa perturbação política devido à morte de João Pessoa” e isso gerou nos assassinos de João Suassuna “uma forte perturbação dos sentidos e da inteligência”[21].
O advogado Clovis Dunshee de Abranches.
Visando reforçar a defesa, o advogado Dunshee de Abranches conseguiu do “Centro Paraybano” no Rio de Janeiro, entidade de apoio aos paraibanos que viviam na Capital Federal, mas também servia de local de encontros políticos, uma carta em defesa dos réus. Produzida por Arthur Victor, presidente da instituição, a carta é uma longa peça acusatória contra João Suassuna, que mostra bem os processos da política radical daqueles tempos.
Entre outras coisas está descrito que Irineu José do Nascimento, padrasto de Miguel Alves, e um 1º sargento reformado da polícia paraibana, havia sido fuzilado “por ordem de João Suassuna”, deixando sua mãe e três irmãos no desamparo. Sua família foi obrigada a fugir para Pernambuco, onde sofreram “sérias perseguições” por parte de Estácio Coimbra, então governador daquele estado.
Já Antônio Granjeiro nasceu em 1888, chegou ao Rio em 1912, entrou nos Correios e Telégrafos e foi transferido para Diamantina (MG). Depois de retornar para o Rio começou a participar das atividades do “Centro Paraybano” e na época que iniciou os movimentos políticos contra o governo Washington Luís, o destemido Granjeiro era uma espécie de segurança e forte entusiasta pela causa liberal.
A carta do presidente do “Centro Paraybano” menciona um episódio envolvendo Granjeiro, na época que o corpo de João Pessoa chegou para ser enterrado ao Rio de Janeiro. Quando da passagem do féretro por uma grande avenida, em meio à multidão, o carteiro gritou a pleno pulmões um “De joelhos!” e docilmente se ajoelhou diante do caixão do governador assassinado e seu gesto seguido por muitos presentes. Aparentemente isso o tornou uma figura de destaque do “Centro Paraybano”[22].
O julgamento começou ao meio dia de uma quarta feira, 18 de novembro de 1931, sob a presidência do juiz Nelson Hungria. O corpo de jurados era formado por sete homens e, apesar da atenção que aquele júri despertava entre os cariocas, tudo ocorreu de forma rápida e os dois réus foram absolvidos por 5 a 2 e a promotoria recorreu[23].
NOVO JULGAMENTO
Em 8 de janeiro de 1933 houve um novo julgamento, desta vez sendo presidido pelo juiz Antônio Eugênio Magarinos Torres, tendo como promotor Rufino de Loy e novamente a frente da defesa o competente Clóvis Dunshee de Abranches. Percebemos que, tal como o julgamento ocorrido em 1931, este segundo embate jurídico atraiu a atenção dos cariocas, sendo francamente noticiado na imprensa local.
O juiz Arthur Eugênio Magarinos Torres Filho. Nasceu em Campos (RJ) em 16 de janeiro de 1889 e faleceu em 8 de julho de 1960 – Fonte – http://autorescampistas.blogspot.com.br/
O promotor Rufino fez uma longa acusação. Já o advogado de defesa, com enorme desenvoltura, busca destruir todos os argumentos da promotoria. Mostrou com extrema eloquência a sofrida história de vida dos réus, apontando-os como “nordestinos pobres”. Trás para o tribunal o clima de revolta e instabilidade política de outubro de 1930, torna a ler a carta do “Centro Paraybano” e coloca os réus fora da classe dos “criminosos vulgares”. Cita vários juristas, psiquiatras e médicos para explicar como as emoções políticas tinha haver com o assassinato de João Suassuna. Ele relembrou a epopeia dos “18 do Forte”, fazendo uma relação deste caso para justificar o clima emocional dos réus diante da morte de João Pessoa[24].
Dunshee de Abranches fez até mesmo considerações para o crime de regicídio. Em determinada hora, como era praxe no tribunal no Rio, houve a parada para o “chá”[25].
Depois do retorno e finalização dos debates, os jurados se recolheram para decidir o futuro dos réus. Em 30 minutos trouxeram para o juiz Magarinos Torres o “Veredictum”, condenando Miguel Aves de Souza há seis anos e Antônio Granjeiro a quatro anos de detenção[26].
O julgamento teve outros desdobramentos. A família Pessoa, através do filho de João Pessoa, o jornalista Epitácio Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, abriu fogo com suas baterias jurídicas, processando o promotor Rufino de Loy. Entre outras coisas consideradas um acinte pela família e ditas pelo promotor na tribuna, estava que os réus “eram conhecidos da família Pessoa”. Não sei o resultado deste processo.
A TROCA
Evidentemente que para Rita Suassuna o resultado do julgamento foi decepcionante, uma verdadeira lástima. Mas o pior foi a viúva de João Suassuna saber que Antônio Granjeiro passou pouco mais de um ano na cadeia e ainda conseguiu que os seus “serviços” pela causa liberal fossem “plenamente recompensados” com a sua liberdade. Mesmo condenado no tribunal, este verdadeiro “alpinista político”, que queria ascensão com o sangue alheio, foi reincorporado aos Correios e Telégrafos em junho de 1934 e voltou a sua primitiva função de carteiro no Rio de Janeiro.
Já o assassino Miguel Alves de Souza se perdeu no “oco do mundo”!
Na época a família Pessoa foi muito eficaz em criar em torno da morte de João Pessoa, toda uma condição de perpetuação da memória desta família na Paraíba. Começa que a atual denominação da capital paraibana é “João Pessoa”, fato único entre as capitais estaduais brasileiras. Depois basta fazer uma pequena pesquisa no Google e se percebe o alto número de ruas e logradouros com nomes e sobrenomes ligados a família do governador morto na Confeitaria Glória.
Foto provavelmente da década de 1960, onde mostr Rita Suassuna e seus filhos, da esquerda para direita, Ariano, Saulo, João, Lucas e Marcos.
Já Rita Suassuna, depois de várias mudanças e provações, levou seus filhos para a cidade de Taperoá, no sertão paraibano. Ali, em uma região onde isso era a praxe, lutou para que seus cinco filhos homens jamais partissem para vingar a morte do pai. Entretanto a família de João Suassuna sempre perpetuou a sua memória e isso se incorporou no jovem Ariano, mesmo com tão pouca idade na ocasião da morte de seu pai.
Mesmo sem saber mensurar o quanto o peso da morte de João Suassuna contribuiu para moldar o Ariano Suassuna escritor, eu creio que de certa maneira ele realizou a sua “vingança” através dos seus escritos.
Se a família Pessoa buscou se perpetuar em nomes de ruas e logradouros na Paraíba, certamente Ariano se imortalizou na mente e nos corações de milhões de paraibanos, nordestinos e brasileiros com as suas obras. O autor deste trabalho acredita que por muitas décadas e séculos no futuro, o nome e as obras de Ariano Suassuna serão obrigatórios para o entendimento do Nordeste.
Contudo, eu tenho certeza que ele, Ariano Vilar Suassuna, trocaria tudo o que conseguiu com as letras para ter tido a oportunidade de ter visto seu pai conhecer seus filhos, ter acompanhado a sua vida e estar ao lado de João Suassuna no dia de sua morte.
VEJA NO TOK DE HISTÓRIA OUTRAS HISTÓRIAS SOBRE A PARAÍBA DAS DÉCADAS DE 1920 E 1930
[1] Em 1945 o antigo IFOCS passou a se chamar Departamento Nacional de Obras Contras as Secas – DNOCS. A Fazenda Acauã é um importante patrimônio histórico rural paraibano. Com 300 anos de história, é a mais antiga fazenda de gado e algodão do Sertão da Paraíba. Está localizado a 409 quilômetros da capital, atualmente se localiza na zona rural da cidade de Aparecida. Ariano Suassuna morou no casarão, durante parte de sua infância, e se inspirou em Acauã para escrever suas obras. Ver http://sednemmendes.blogspot.com.br/2013/05/visitando-o-sitio-historico-da-fazenda.html
[2] Segundo material existente no site www.http//pb1.com.br , o vereador Fernando Milanez, sobrinho-neto de João Pessoa, afirmou que a versão de que o assassinato teria sido um crime passional é um “absurdo”, porque, segundo ele, João Pessoa nem conhecia João Duarte Dantas. Para a família de João Pessoa, o ex-presidente foi vítima de ambição e mentira, e a causa do assassinato teria sido política. Independente do motivo, João Dantas, junto ao seu cunhado, Augusto Caldas, que não havia participado do crime, foram presos na Casa de Detenção do Recife. Em 6 de outubro de 1930, nos primeiros dias da Revolução de 1930, os dois teriam sido assassinados. A versão oficial indicou suicídio. Ver – http://pb1.com.br/noticias_dentro.php?pt1=898
[3] No início de 1929 ainda estava em vigência a conhecida “política do café com leite”, em que políticos de Minas Gerais e de São Paulo se alternavam na presidência da república. O então Presidente Washington Luís, indicou o governador São Paulo, Júlio Prestes, como seu sucessor. Apenas três estados negaram o apoio a Prestes: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. Os três se uniram a políticos de oposição de diversos estados e formaram, em agosto de 1929, um grupo de oposição denominado Aliança Liberal. No dia 20 de setembro do mesmo ano foram anunciados os candidatos oposicionistas às eleições presidenciais. Getúlio Vargas seria candidato a Presidente do Brasil e João Pessoa seria o candidato a vice-presidente. Após perder as eleições, que foram realizadas em março de 1930, a Aliança Liberal alegou que a vitória de Prestes era decorrente de fraudes. Ver – http://pb1.com.br/noticias_dentro.php?pt1=898
[5] Ver jornal “O Paiz”, Rio de Janeiro, edição de 4 de outubro de 1930, página 4.
[6] Ver jornal “O Paiz”, Rio de Janeiro, edição de 5 de outubro de 1930, na 1ª página. Apesar do Palácio do Catete ser a antiga residência dos Presidentes da República, quando tomou posse Washington Luís decidiu residir no Palácio da Guanabara.
[9] Este local fica bem próximo a atual sede da renomada Editora Folha Dirigida.
[10] Os jornais listam que além de sua aliança, de 200 mil réis em dinheiro, um relógio e abotoaduras de ouro, João Suassuna levava a licença para portar sua arma e alguns papéis. Entre estes uma carta fechada para a esposa.
[11] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 9 de outubro de 1930, 1ª página e o jornal “O Paiz”, Rio de Janeiro, edição de 10 de outubro de 1930, página 2. Desde os primeiros momentos as investigações ficaram a cargo do investigador Silvio Terra, figura lendária da polícia investigativa carioca, cujo nome atualmente batiza a Academia de Polícia Civil do Rio de Janeiro.
[12] Joaquim Souza Leão era um puro exemplo de um membro oriundo da mais alta elite agrária açucareira pernambucana. Era sobrinho de desembargador, de senador do Império, do Visconde de Campo Alegre e filho de Antônio de Souza Leão, rico fazendeiro pernambucano da região de Moreno e que havia recebido do Imperador Pedro II o título de Barão de Morenos. Um de seus filhos foi embaixador. Ver – http://morenoengenho.blogspot.com.br/
[14] Ver o jornal “O Paiz”, Rio de Janeiro, edição de 11 de outubro de 1930, página 2 e o jornal “Diário carioca”, Rio de Janeiro, edição de 7 de janeiro de 1933, 1ª página.
[15] Segundo Ariano Suassuna, na década de 1950, quando ele entrou na Faculdade de Direito de Recife, conheceu o filho do Joaquim Pessoa Cavalcante de Albuquerque, irmão de João Pessoa, que isentou o pai da morte de João Suassuna. Mas não o tio Aristarco Pessoa e nem a participação de Octacílio de Lucena Montenegro no crime. Ver – http://issuu.com/auniao/docs/caderno_especial_parte_1
[16] Sylvia Seraphin Thibau era uma jornalista, escritora e poetisa, era casada com o médico João Thibau Júnior e mãe de dois filhos. Sylvia foi acusada pelo jornal carioca “A Crítica” de ter traído o marido, mantendo um caso com o também médico Manuel Dias de Abreu, mais tarde inventor da abreugrafia. Irritada, ela foi à redação do jornal armada, para matar o editor, Mario Rodrigues, no dia 26 de novembro de 1929. Como Mário não estava no jornal, Sylvia acabou atirando no filho dele, o também jornalista Roberto. No local, assistindo ao crime, estava o irmão da vítima, Nelson Rodrigues, então com 17 anos. O processo criminal foi acompanhado por uma feroz campanha promovida pelo jornal, que chamava a ré de “literata do Mangue” e “cadela das pernas felpudas”. Seu julgamento foi o primeiro no Brasil a ser transmitido ao vivo pelo rádio. O advogado Clovis Dunshee de Abranches alegou que Sylvia havia se descontrolado por ter sido caluniada e conseguiu a sua absolvição. Ela suicidou-se em 1936, depois de abandonada por um tenente-aviador por quem havia se apaixonado. Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADlvia_Serafim_Thibau
[17] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 4 de novembro de 1930, página 9. Neste jornal temos uma longa declaração de Silvio Terra, se defendendo de acusações feitas por Octacílio de Lucena Montenegro através dos jornais. As acusações de Octávio apontam que este havia sido torturado pelos policiais para confessar sua participação na morte de Ariano Suassuna. Não encontrei a edição de jornal com a publicação de Octávio contra Silvio Terra. Mas encontrei a carta de defesa do investigador aos seus superiores e publicada nos jornais do Rio. Este investigador é muito claro, direto e contundente em suas afirmativas, além de negar veementemente o uso de tortura contra os detidos. O então coronel Bertoldo Klinger, líder revolucionário, elogiou o posicionamento do policial. Ver também “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 11 de julho de 1931, página 3.
[18] Miguel Alves estava incluso no crime previsto no Artigo 294, parágrafo 1º, com agravantes do Artigo 39, parágrafos 2º, 7º, 8º e 13º. Já Granjeiro era acusado nos mesmos artigos, acrescentando o artigo 18, parágrafo 3º. Lembrar que estas acusações faziam parte Código Penal anterior ao que atualmente está em vigência. Ver jornal “Diário de Notícias”, Rio de Janeiro, edição de 7 de janeiro de 1933, 1ª página.
[19] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 11 de julho de 1931, página 3. Os jornais da época não informam quem, quando e onde ocorreram estes depoimentos que livraram Octacílio de Lucena Montenegro deste processo. Nem comentam nada mais sobre o sumiço dos autos e sequer é mais comentado por qualquer razão o nome do Joaquim de Souza Leão como presumidamente envolvido no crime. Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 11 de julho de 1931, página 3.
[20] Ver jornal “A Esquerda”, Rio de Janeiro, edição de 21 de setembro de 1931, página 4.
[21] Ver jornal “Diário de Notícias”, Rio de Janeiro, edição de 19 de agosto de 1931, página 2.
[22] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de 11 de setembro de 1931, página 3. Por mais estranha que esta história de ficar de joelhos diante do caixão de João Pessoa possa parecer, naquela época, naquelas circunstâncias, isso aconteceu de verdade. Na capital paraibana o nível de fanatismo em 1930 era tal, que se alguém tocasse em um local público uma certa música criada para homenagear o morto ilustre, e alguém gritasse um sonoro “De joelhos!”, aí de quem não cumprisse a ordem. Ou era surrado, ou preso! Em outros estados também ocorreram muitas manifestações radicais. No Rio Grande do Norte, como consequência direta das mudanças das mudanças políticas da Revolução de 1930, a campanha estadual de 1934 foi uma das mais violentas da história política potiguar, com vários mortos em meio a inúmeras arbitrariedades.
[23] Ver jornal “Diário Carioca”, Rio de Janeiro, edição de 19 de novembro de 1931, página 3. É interessante comentar sobre o juiz Nelson Hungria Hoffbauer. Este nasceu em Além Paraíba, Minas Gerais, em 1891, iniciou sua vida pública como promotor de Rio Pomba, em seu estado natal. Nomeado juiz em 1924, foi magistrado por 46 anos, tendo sido nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal em 1951, do qual chegou à presidência e se aposentou em 1961. Hungria é tido como um dos luminares de nossa cultura jurídico-penal, onde deixou escrito 17 obras e 150 monografias. Foi considerado o líder intelectual da redação do Código Penal de 1940, além de ter participado da elaboração do Código de Processo Penal, da Lei de Contravenções Penais e ainda da Lei de Economia Popular. Seus Comentários ao Código Penal (8 volumes) influenciaram gerações de juristas brasileiros e constituíram referência obrigatória para a compreensão de nosso sistema jurídico penal. Ver – http://www.memorial.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=114
[24] A Revolta dos 18 do Forte de Copacabana foi uma revolta tenentista ocorrida na cidade do Rio de Janeiro em 5 de julho de 1922. Foi a primeira revolta tenentista da República Velha. Teve a participação de 17 militares e um civil. Suas causas principais estão no descontentamento dos tenentes com o monopólio político do poder no Brasil por parte das oligarquias (principalmente ricos fazendeiros) de Minas Gerais e São Paulo. Embora o movimento tivesse sido planejado em várias unidades militares, somente o Forte de Copacabana e a Escola Militar se levantaram no dia 5 de julho de 1922. O forte foi bombardeado e a rendição dos rebeldes foi exigida. O tenente Siqueira Campos e um grupo de militares rebeldes pegaram armas e marcharam pelas ruas em direção ao Palácio do Catete (sede do governo federal na época). Durante a marcha alguns militares desistiram, ficando apenas 17 que receberam o apoio na rua de um civil, totalizando 18. Os rebeldes foram cercados pela tropa do Governo Federal. Após forte tiroteio em frente ao posto 3 da praia de Copacabana, somente Siqueira Campos e Eduardo Gomes sobreviveram e foram presos. Os outros dezesseis integrantes do movimento foram mortos no combate.
[25]Regicídio é o assassinato de um rei, seu consorte, de um príncipe herdeiro ou de outras formas de regentes, como presidentes e primeiro ministros. Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Regic%C3%ADdio
[26] Ver o periódico “Diário de Notícias”, Rio de Janeiro, nas edições de 7 e 8 de janeiro de 1933, sempre nas 1ª páginas. Igualmente ver o jornal “Diário Carioca”, Rio de Janeiro, edição de 7 de janeiro de 1933, 1ª e 5º páginas.
AS FOTOS QUE ILUSTRAM ESTE TEXTO SÃO DE ORGULHOSOS NORDESTINOS QUE CONHECI EM VÁRIOS LOCAIS DA NOSSA REGIÃO, JUNTO COM OUTROS AMIGOS, NOS ÚLTIMOS SEIS ANOS. SÃO PESSOAS QUE NÃO SE ENVERGONHAM DE USAR O CHAPÉU DE COURO – Fazenda Colônia – Carnaíba – Pernambuco – Foto – Solón Almeida Netto – 2008.
Autor – Rostand Medeiros
Este é um artefato que funciona como verdadeiro distintivo do Nordeste e do nordestino. Creio que talvez não existe um material com um aspecto tão forte em termos de identidade, tão representativo do nosso sertão do que o belo e tradicional chapéu de couro.
Um Material Com Fins Práticos
A pecuária, a criação de gado no interior da atual Região do Nordeste do Brasil foi o primeiro grande fator de geração de renda e permanência do homem nesta região árida. Da atividade de criar o gado se obtinha a carne para alimentação, o leite e em seguida o couro, que era utilizado de diversas maneiras nas propriedades rurais. Em algumas fazendas se desenvolveram rústicos curtumes, que serviram para transformar o couro em mais um meio de geração de renda. Certamente foi nestes locais que se iniciou a tradição da manufatura dos chapéus de couro.
Este tradicional artefato nordestino inicialmente serviu basicamente para fins práticos, principalmente como parte da indumentária de proteção dos vaqueiros.
Além de primariamente servirem para proteger a cabeça dos sertanejos do inclemente sol e das chuvas temporárias, igualmente era utilizado para proteger seus usuários das ervas espinhosas da vegetação de caatinga, juntamente com o gibão e a perneira.
Mas apesar da designação comum, os chapéus de couro não possuíam um formato único. Variavam imensamente conforme a localidade do vaqueiro, servindo até mesmo como um identificador de sua proveniência.
Muitos acreditam que o tradicional chapéu de couro nordestino foi criado pelos cangaceiros. Mas isso não é verdade!
Distrito de Nazaré, município de Floresta – Pernambuco – Foto – Rostand Medeiros – 2016
Entretanto devemos a estes bandoleiros das caatingas a transformação deste material em uma peça característica extremamente marcante na história deste movimento. Os cangaceiros faziam questão de colocar várias moedas (talvez para mostrar o apurado dos saques?), santinhos, cruzes, estrelas e outros símbolos, criando peças únicas em termos de estética e simbologia.
Fabricação Nada Fácil
Fabricar os tradicionais chapéus de couro nordestinos não é nada fácil. Primeiramente o couro do animal é levado para o curtimento vegetal. Lá ele é tratado, onde pode permanecer cru, com ou sem pelo, ser tingido, ou não.
Barro – Ceará – Foto – Rostand Medeiros – 2015
Na segunda parte do processo o couro é cortado, dependendo das medidas determinadas, sendo tudo geralmente produzido à mão por jovens artesões. Depois do corte o couro é molhado para ficar mais elástico e assim ser colocado em moldes. É lá que eles ganham forma e vão para a secagem. Esse processo depende da temperatura ambiente e pode durar de duas horas ou mais. Como chove pouco no sertão nordestino, isso não é um grande problema.
Em seguida o chapéu ganha a aba que vai proteger o rosto do vaqueiro. As oficinas fazem o tamanho das abas de acordo com o gosto do comprador, mas na Paraíba elas se caracterizam por serem curtas, já em algumas regiões da Bahia ela costuma ser maior. A última etapa é a costura. Primeiro o material vai para a máquina de costura reta receber o acabamento. Mas os desenhos e aplicações ficam por conta da máquina manual, que apesar de ser mais trabalhosa é quem vai dar riqueza de detalhes ao chapéu de couro.
Todo esse trabalho, realizado por abnegados artesões, no meu entendimento o que mais valoriza este rico material.
Identidade Cultural
No meu entendimento foi a partir do sucesso de Luís Gonzaga no Sudeste, que utilizava vários modelos de chapéu de couro em suas apresentações, como marca de sua origem nordestina, estes acessórios passaram gradativamente a ser utilizado como símbolo da vida sertaneja e do homem nordestino. Alem do Velho Lua, estas verdadeiras coroas nordestinas foram, e ainda são, utilizadas por gente do nível de Dominguinhos, Santana e tantos outros verdadeiros cantadores nordestinos.
Vaqueiro depois de retornar da caatinga – Barro – Ceará – Foto – Rostand Medeiros – 2015
Entretanto, artistas que atualmente se dizem “forrozeiros”, que infelizmente são oriundos do próprio Nordeste, não utilizam mais em suas apresentações estes artefatos característicos.
Que eles não queiram usar estes símbolos nos grandes palcos é problema deles. Até aí tudo bem, gosto não se discute!
Mas o que se lamenta aqui é esse pessoal, travestidos de “modernos”, menosprezarem não apenas o velho e autêntico chapéu de couro, mas toda uma secular e tradicional cultura criada na região.
Fazenda Barreiras, região da Serra Grande – Serra Talhada – Pernambuco – Foto – Rostand Medeiros – 2013
No meu entendimento o pior é que estes “artistas”, junto com a sua perniciosa e maciça “indústria cultural”, tentam de todas as formas mostrar a cultura tradicional nordestina como algo decadente, ultrapassada, sem serventia e em desuso. Estes seguem propagando músicas de extremo mau gosto, baixo nível e cantadas por gente que no máximo deveria utilizar suas vozes para vender jerimum na feira (com todo respeito aos feirantes).
A coisa é tão forte e o jogo é tão sujo que cheguei a ponto de perceber que aqueles que decidem utilizar um chapéu de couro em algumas regiões do próprio sertão nordestino são vistos de forma jocosa e com um olhar que fica entre o espanto e o mais completo escárnio. Interessante que há tempos atrás eu percebia isso apenas nas capitais.
Apesar desta questão, o bom e velho chapéu de couro está firme e forte na cabeça daqueles nordestinos que valorizam a cultura tradicional de sua terra. Até mesmo como símbolo de resistência cultural.
E a melhor notícia é que a produção destes belos artefatos está tendo continuidade.
Resistência e Continuidade
Certamente que a maioria destes “artistas” não possuem capacidade mental de perceberem a beleza da arte que está por trás das tradicionais vestimentas e acessórios dos nossos vaqueiros. Verdadeiras obras de arte produzidas com maestria, por quem abraça um artesanato digno de exportação.
Barro – Ceará – Foto – Rostand Medeiros – 2015
Não posso negar que em toda a região não são muitos os artesões envolvidos no processo de fabrico do tradicional chapéu de couro. Mas, para a sorte dos que valorizam a autêntica cultura nordestina, temos verdadeiros Mestres produzindo e ensinando a sua arte aos seus filhos e netos pelo Nordeste afora.
Este é o caso dos descendentes de Antônia Maria de Jesus, a conhecida “Totonha Marçal”, que continuam a manter a tradição no trabalho com chapéus de couro no Distrito da Ribeira, no município de Cabaceiras, Paraíba. Inclusive este município do Cariri Paraibano, situado a 180 Km de João Pessoa, capital da Paraíba, é atualmente o maior produtor de chapéus de couro do Brasil.
Fino trabalho de Mestre Aprígio, de Ouricuri, Pernambuco, fotografado na Loja do Vaqueiro, em Caruaru – PE – Foto – Sérgio Azol – 2016.
Temos em Salgueiro, Pernambuco, mais precisamente na Fazenda Cacimbinhas (a 14 quilômetros do centro da cidade), o exemplo de uma família que há um século perpetua o ofício de transformar pedaços de couro em peças artesanais que conquistaram personalidades do mundo artístico e da política brasileira. Tudo começou em 1909 com Mestre Luiz, depois passou o oficio para seu filho, o conhecido Zé do Mestre. Este chegou a fabricar vestimentas (só gibões) para o amigo Luiz Gonzaga, o ex-presidente Médici, o rei Juan Carlos da Espanha e até para o Papa João Paulo II, em sua última visita ao Brasil. Atualmente a arte está preservada e nas mãos de seu filho Irineu Batista, mais conhecido como Irineu do Mestre.
Já em Ouricuri, também em Pernambuco, temos o Mestre Aprígio e o seu filho Romildo, que trabalham juntos mantendo a tradição. Mestre Aprígio tem orgulho em exibir pelas paredes de sua oficina, que outro denominam acertadamente de ateliê, as fotos que contam a história do artesão que começou a trabalhar aos 24 anos de idade. Já são mais de 50 anos de profissão e criatividade produzindo chapéus de couro, gibões e bolsas personalizados.
Evidentemente que não posso esquecer de Espedito Velozo de Carvalho, o Mestre Espedito Seleiro, de Nova Olinda, no Ceará. Ele tinha oito anos de idade quando começou a ajudar o pai em sua oficina. As histórias que ouvia quando criança eram célebres: foi o pai quem criou as sandálias do cangaceiro Lampião. Com o passar dos anos Mestre Espedito só cresceu na qualidade do seu trabalho, chamando a atenção de estilistas do Sudeste do país e foi ele que assinou as peças que o ator Marcos Palmeira usou no filme “O Homem que Desafiou o Diabo”, de 2007.
Eu acho muito bonito quem, mesmo que se abra para outras culturas, tem orgulho de sua terra e de sua identidade cultural. Para mim, junto com a bondade ao próximo e a humildade, é o tipo de situação que torna um outro ser humano verdadeiramente digno de respeito.
Sendo assim, não posso negar que fico muito feliz quando vejo alguém utilizar o bom e velho chapéu de couro nordestino. Quando eu encontro uma pessoa utilizando este tipo de material, penso que a cultura da minha terra ainda resiste em meio a um mar de muita mediocridade.
Eu também tenho os meus chapéus de couro (3) e tenho muito orgulho de utilizá-los, pois tenho a sorte de ser nordestino e amar minha região.
“Bom vaqueiro nordestino Morre sem deixar tostão O seu nome é esquecido Nas quebradas do sertão”
A Morte do Vaqueiro – Luiz Gonzaga
Vemos na foto que abre este texto, produzida na metade do século passado, um encourado vaqueiro nordestino, uma visão cada vez mais rara nos sertões potiguares.
A roupa era feita para enfrentar os espinhos da mataria da caatinga nordestina. O vaqueiro corria célere pela mata, com a cabeça escorada no pescoço do seu animal, em busca de uma rês desgarrada.
Quem confeccionava estas peças eram verdadeiros mestres e no Rio Grande do Norte havia vários deles. Sobre isto tenho uma história interessante.
Em 4 de abril 1921 desembarcava no Rio de Janeiro a chamada “Missão Internacional Algodoeira”, sob o comando do Secretário Geral da International Federacion of Máster Cotton Spinner’s & Manufacturers, o inglês Arno S. Pearce e mais dois técnicos.
Pearce desejava ver a maneira como o Brasil tratava esta malvácea e queria ir até os produtores. As visitas iniciaram-se pelo estado de São Paulo, depois foram de trem para Minas Gerais, seguindo no Rio São Francisco para a Bahia e depois em direção a Pernambuco, Paraíba e Rio grande do Norte. Sempre visualizando os tipos de fibras, os solos onde o algodão era plantado, as prensas, as fazendas.
A chegada a terras potiguares ocorre em 5 de julho de 1921, quando os integrantes desembarcam de trem na capital, às cinco da tarde, sendo recebidos pelo Delegado Regional do Serviço do Algodão no estado, Antídio Guerra, e ficando alojados na “Villa Cincinnato” ([1]).
No outro dia ocorreram visitas ao governado Antônio José de Melo e Sousa, a Escola Doméstica ([2]), a redação de “A Republica” e outros locais. Os jornais apontavam Pearce como uma “autoridade mundial em assuntos referente a algodão” e sua visita despertava vivo interesse nas classes dirigentes e econômicas do estado ([3]).
Mas como o gringo não estava para salamaleques, no dia 7 parte para o ressequido sertão potiguar, acompanhando de várias autoridades locais.
Vamos encontrá-los dias depois saindo de Mossoró por um tortuoso caminho, o grupo segue para o Brejo do Apodi, atualmente distrito do Brejo, zona rural do município de Felipe Guerra, onde os familiares maternos de Antídio, onde são regiamente recebidos pelo coronel Antônio Gurgel do Amaral ([4]).
Então os técnicos agrícolas suíços Max Syx e F. Genny, que acompanhavam Pearce na sua missão, acompanhados de Antídio Guerra e alguns de seus parentes, foram visitar a pequena vila de Pedra de Abelha, atual cidade de Felipe Guerra.
Os estrangeiros estavam desejosos de levar para Europa um souvenir da região, então lhes é mostrado a selaria de João Inácio. Consta que os europeus se mostram extremamente interessados na forma como o analfabeto João Inácio consegue lhes tomas as medidas para a confecção das roupas, utilizando métodos então em desuso na Europa de 1921. Eles se impressionam com a confecção utilizando couro de veado e se encantam com a beleza das peças. Max Syx encomenda por 350$000 réis, um traje completo de couro que será enviado pelos amigos brasileiros quando estivesse pronto. Já o artesão Inácio se impressiona com a estatura e as largas medidas que apura no suíço Syx, chamando a atenção de todos que moram no lugarejo ([5]).
Conheço bem Felipe Guerra e suas cavernas e sempre vou por lá. Ao descobrir este texto, em uma visita posterior que fiz a esta cidade eu procurei, melhor, pelejei para encontrar um Cristão que me desse o mínimo fiapo de notícia deste Mestre na arte da confecção do couro. Fui até no cemitério, mas não encontrei nada, nenhuma informação.
Realmente o seleiro João Inácio chamou a atenção dos estrangeiros, mas não de sua gente.
Mas este esquecimento não é restrito aquele município. É raro ver um vaqueiro encourado nos sertões potiguares da atualidade.
Além do mais, hoje em dia os vaqueiros do nosso estado não precisam usar esta roupa, pois quase não temos mais caatinga que justifique seu uso. Pois esta vegetação típica está sendo sistematicamente desmatada para abastecer olarias, caieiras e outros fins econômicos que utilizam lenha.
Como foi comentado, antigamente as peças que compunham este tradicional vestuário eram confeccionadas com pele de veado, pois tinham resistência e eram maleáveis. Hoje não dá. Se alguém matar um veado para arrancar o couro e fazer uma roupa de vaqueiro, o IBAMA vai tratar o vaqueiro e o artesão como bandidos. Se um vaqueiro quiser criar uma pequena quantidade destes cervídeos em um curralzinho, para também aproveitar a carne para sua família e fornecer as peles para a roupa de trabalho, se lascou de novo. Pois está criando sem autorização, sem papeis, sem seguir os mandamentos dos burocratas que vivem na cidade grande, que se acham superiores por serem “Federais” e possuírem títulos acadêmicos.
Mas vamos em frente…
Acredito que hoje, encontrar vaqueiros encourados nos sertões potiguares, como estão aqui apresentados nas fotos, só na festa da pega do boi da Fazenda Pitombeira, em Acari.
Fico feliz com o sucesso desta importante iniciativa. Recentemente vi e fiquei admirado com um documentário que mostra este evento. A produção teve a teve a narração forte e vibrante do batalhador jornalista e amigo Alex Gurgel, com filmagens realizadas pelo grande Hélio Galvão.
Ainda bem que na Pitombeira a tradição existe.
Autor – Rostand Medeiros
P.S. – Posso até estar errado e em muitas áreas do nosso Rio Grande do Norte os vaqueiros encourados estão correndo nas caatingas. Se assim for, tenho tido azar, mas não sou cego.
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[1] Então residência oficial do governo, localizada na Praça Pedro Velho.
[2] Era prática comum na década de 1920, as autoridades locais agendarem visitas de pessoas ilustres que estivessem em Natal a Escola Doméstica. Localizada então na Praça Augusto Severo, esta escola era uma referência no ensino feminino no Brasil.
[3] Ver “A Republica”, de 7 de junho de 1921, pág. 1.
[4] O coronel Antônio Gurgel do Amaral será capturado pelo bando de Lampião em 12 de junho de 1927, quando do ataque deste cangaceiro a Mossoró e ficará prisioneiro dos quadrilheiros por vários dias.
[5] Sobre a missão Pearce no Brasil ver; Pearse, A. S., “Brazilian Cotton, being the Report of the Journey of the International Cotton Mission through the Cotton States of Sao Paulo, Minas, Geraes, Bahia, Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Parahyba, Rio Grande do Norte”, pág. 10, 1ª Edição, 1923, Manchester, Inglaterra.