No Próximo Dia 15 de Dezembro, às 18:00, Na Prefeitura de Parnamirim, Será Lançado o Livro “Parnamirim, Base Norte-Americana nos Trópicos – 1939-1945. Uma História Inclusiva”, de Valdivia S. Beauchamp, Sobre a Nossa Grande Base Aérea na Segunda Guerra Mundial. É Uma Obra Ficcional, Traduzida em Seis Idiomas e Lançada em Vários Países.
Há pouco tempo eu soube através do meu amigo Manoel de Oliveira Cavalcanti Neto, grande pesquisador e escritor do período colonial potiguar, que em breve uma escritora nascida no Brasil, mas que há muitos anos vive nos Estados Unidos, viria para o Rio Grande do Norte lançar um livro intitulado “Parnamirim, Base Norte-Americana nos Trópicos – 1939-1945. Uma História Inclusiva”.
Capa da edição em portugues.
É um trabalho ficcional, que utiliza elementos históricos ligados ao período da Segunda Guerra Mundial no nosso estado e que esse livro foi lançado em português, francês, inglês, italiano, alemão e russo.
Novamente através da ajuda de Manoel Neto, que conhece a autora há muitos anos, consegui contactar e conversar com Valdivia Vania Siqueira Beauchamp. Uma brasileira, nascida em Recife, cujo ramo paterno é da cidade potiguar de Assu, o materno da capital pernambucana, que mora no exterior e reside na cidade de Nova York.
Capa da edição francesa.
Valdivia é uma mulher de uma biografia muito interessante. Formou-se em jornalismo em Brasília no início da década de 1980, onde se tornou correspondente para a Rede Manchete de Televisão e da Radiobrás, cobrindo o Congresso Nacional e embaixadas na Capital Federal. Depois, nos Estados Unidos fez Pós-graduação na Purdue University, foi professora assistente de português e espanhol nessa universidade e na New York University. Em sua carreira chegou a entrevistar personagens políticos internacionais como Jimmy Carter, Presidente dos Estados Unidos, Valery Giscard d”Estaing, da França e Helmut Kohl, chanceler da Alemanha, além de vários políticos brasileiros. Foi coordenadora cultural da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, a Casa Thomas Jefferson de Brasília.
Capa da edição italiana.
Se tornou escritora e é autora de cinco livros: “Stigma, saga por um novo mundo” (versão em português e inglês), “Because of Napoleon” (versões em francês, inglês e português), “Khatun, Gertrude Bell, mentor de Lawrence d’Arabie” (francês), “My Mesopotamia notes, of Gertrude Bell”, (inglês) e finalmente a ficção “Parnamirim, Base Norte-Americana nos Trópicos – 1939 -1945. Uma História Inclusiva”.
Segundo a sua biografia, que chegou à tela do meu computador através de um e-mail da própria autora, esse livro com uma história baseada na saga de Parnamirim Field foi agraciado com o Troféu Cora Coralina de 2018 como melhor livro de ficção e o Troféu Clarice Lispector de 2021, como melhor livro no exterior (edição alemã “Parnamirim, Nordamerikanische, Militarbasis in Den Tropen – 1939 -1945 – Einenumfassende Geschichte”).
Capas das edições em russo e alemão.
Para a autora, embora seja uma obra ficcional, esse livro traz a importância de um local que chamamos “Trampolim da Vitória”, que devido a sua importância estratégica, tanto ajudou aos americanos e seus Aliados a utilizar os meios disponíveis contra os países totalitários que desejavam subjugar o mundo naquela época.
Para ela Parnamirim Field foi uma das três frentes de ação do Brasil na Segunda Guerra, sendo as outras a criação da FEB (Força Expedicionária Brasileira) e seu deslocamento para lutar na Itália contra os nazifascistas e o bravo combate naval brasileiro e norte-americano no Atlântico Sul, principalmente contra os submarinos alemães e italianos pela manutenção do tráfego marítimo em nossas costas.
Valdivia S. Beauchamp
Bem, agora os que gostam do tema ligado à história da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte e sobre a grande base de Parnamirim Field, terão uma oportunidade muito interessante e positiva de conhecer esse trabalho e a autora.
Você Sabe Como Reconhecer uma Pessoa Estúpida e a sua Estupidez, Para Assim Tentar se Proteger? Talvez a Teoria da Estupidez de Bonhoeffer e as Cinco Leis Sobre a Estupidez Humana de Cipolla Possam Lhe Ajudar!
Raquel de la Morena – Jornalista e escritora.
Você sabe quais são as cinco leis básicas da estupidez humana?
Será possível que a ascensão ao poder de alguns líderes políticos se deva à estupidez da população?
Em abril de 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, o pastor luterano, teólogo e dissidente antinazista Dietrich Bonhoeffer foi detido e encarcerado pela Gestapo. Durante o seu cativeiro, que durou dois anos, refletiu sobre a evolução do seu país e como era possível que um povo como os alemães, tão apaixonado pela cultura, pela ciência e pela arte, tão supostamente civilizado e culto, não tivesse apenas permitiram, mas também encorajaram e celebraram, que Hitler alcançasse o poder absoluto sobre suas vidas.
Bonhoeffer concluiu que, para além do contexto económico e social, a causa principal era a estupidez, um inimigo muito mais perigoso do que a própria maldade.
Numa carta dirigida a três de seus amigos, ele expôs suas reflexões. “Pode-se protestar contra o mal; o mal pode ser exposto e, se necessário, prevenido pelo uso da força. No entanto, contra a estupidez estamos indefesos”.
O Estúpido e a Estupidez
Os protestos contra a estupidez são inúteis, pois as razões não são ouvidas.
O estúpido, ao contrário do malicioso, está completamente satisfeito consigo mesmo. Por esse motivo, segundo Bonhoeffer, é preciso ter muito cuidado quando uma pessoa estúpida se depara com argumentos que contradizem suas crenças.
Por um lado, os estúpidos nunca acreditarão neles: sempre permanecerão firmes em suas opiniões, por mais claras que sejam as evidências de que estão errados. E se a veracidade dos argumentos opostos for tão terrivelmente óbvia que seja impossível negá-los, os estúpidos simplesmente minimizarão ou vão ignorar.
Por outro lado, e aí vem o mais importante, é perigoso e tolo, como defendia este pensador alemão, tentar persuadir um estúpido com razões, porque facilmente ele se irritará e tentará atacar. Às vezes com extrema violência.
Bonhoeffer acreditava que, para superar a estupidez, é necessário compreender a sua natureza. Ele não acreditava que fosse um defeito intelectual, pois conhecia pessoas com uma inteligência notavelmente ágil, mas estúpidas, bem como pessoas que ele descreveria como “intelectualmente bastante estúpidas”, mas que não eram nada estúpidas.
Para Bonhoeffer a estupidez é um defeito humano, de personalidade, não de suas habilidades. Também não é um defeito congênito, mas qualquer pessoa pode se tornar estúpida sob certas circunstâncias.
E como isso ocorre?
Permitir que a estupidez tome conta, algo que pode acontecer mais facilmente quando estamos integrados num grande grupo. Pessoas que vivem na solidão, sempre segundo Bonhoeffer, tendem a manifestar em menor grau o defeito da estupidez em comparação com aqueles indivíduos ou grupos de pessoas inclinadas ou condenadas à sociabilidade.
Dessa perspectiva, a estupidez não seria tanto um problema psicológico quanto um problema sociológico.
São as circunstâncias externas que tornam estúpidos os humanos que permitem isso.
E cada aumento acentuado de poder na esfera pública, seja político ou religioso, infecta uma grande parte da humanidade com a estupidez. “O poder de um”, afirmou Bonhoeffer, “precisa da estupidez do outro”.
O Estúpido, a Estupidez e o Poder
Quando os seres humanos contemplam um poder crescente e avassalador, isto é, quando vemos um partido político ou uma religião ganhando rapidamente seguidores, a nossa capacidade crítica pode atrofiar ou falhar; A nossa independência de pensamento pode ser enfraquecida ao ponto de desistirmos de estabelecer uma posição autónoma face às circunstâncias emergentes.
Quer conscientemente ou não, algumas pessoas adotarão o pensamento das massas e assumirão como seus os argumentos que vêm da figura no poder. Isto é, eles se tornarão estúpidos, e essa estupidez vai realimentará o poder da figura em ascensão.
Bonhoeffer, cujo contexto discutiremos em detalhes mais adiante, testemunhou com tristeza como a sociedade da Alemanha aceitava como válidas e até justificadas as ideias e políticas moralmente más emanadas do governo liderado por Adolf Hitler, como o racismo, a esterilização forçada com fins eugênicos, a perseguição e até o extermínio de certas minorias.
Naquela época a grande maioria da população alemã não estavam interessados nesses tópicos – Eles estavam mais preocupados com a crise econômica e a situação política.
E se surgisse uma figura carismática que lhes prometesse trabalho, pão, estabilidade e espaço de vida baseado nas conquistas militares, além de recuperar o orgulho nacional pisoteado pelas condições humilhantes do Tratado de Versalhes, após a derrota na Primeira Guerra Mundial?
Bem, os alemães poderiam oferecer o seu apoio e aceitar todas as suas exigências e argumentos em qualquer aspecto, sem pensar muito neles.
“Conversando com uma pessoa estúpida”, escreveu Bonhoeffer em sua carta, “praticamente sentimos que não é uma pessoa, mas um conjunto de slogans, lemas e coisas do gênero que se apoderaram dele. Ele está enfeitiçado, cego, maltratado e abusado em seu próprio ser. Tornando-se assim uma ferramenta sem sentido, o estúpido também será capaz de qualquer mal e, ao mesmo tempo, incapaz de ver que é mal. Isto é o que pode destruir os seres humanos de uma vez por todas”, explicou o dissidente antinazista.
Para concluir, Bonhoeffer acrescentou um ponto otimista ao especificar que todas estas reflexões sobre a estupidez nos proíbem completamente de considerar a maioria das pessoas como estúpidas em qualquer circunstância. Na verdade, aqueles que se tornaram estúpidos ao elevar ao poder um líder, ou um partido, que abusam desse poder são recuperáveis.
Eles podem libertar-se da sua estupidez e recuperar o seu próprio pensamento. Mas, segundo ele, esta libertação interna só é possível precedida de uma libertação externa.
Quando um regime ditatorial entra em colapso, por exemplo, a população fica finalmente livre para pensar novamente de acordo com a sua sabedoria e critérios pessoais, uma vez que, enquanto permanecer sujeita ao poder coercitivo, as circunstâncias sociais irão levá-la a assumir as ideias como suas. os argumentos de autoridade para lidar com a dor produzida pelo conflito interno quando há uma falta abismal de coerência entre os nossos pensamentos e as nossas ações.
Quem Foi Bonhoeffer?
Agora, vamos fazer uma pausa para conhecer melhor o autor e o contexto de todas essas ideias.
Dietrich Bonhoeffer nasceu em 1906, em Wrocław (antiga Breslau e atualmente parte da Polônia), sendo membro de uma família muito numerosa, na qual a formação intelectual e musical era muito valorizada. Seu pai, psiquiatra e neurologista, dirigia a clínica psiquiátrica da Universidade de Wrocław. Sua mãe, pianista, era neta do pintor Stanislaus von Kalckreuth e filha da pianista Klara von Hase, aluna do grande pianista Franz Liszt. Graças aos ensinamentos de sua mãe, Dietrich aprendeu a tocar piano aos oito anos e aos onze já compunha canções que eram executadas por orquestras profissionais.
Dietrich Bonhoeffer
Comovido pelos horrores e sofrimentos que a Primeira Guerra Mundial causou na população alemã e europeia, bem como pela morte em combate de seu irmão Walter, passou a frequentar as reuniões evangélicas e em 1920, aos quatorze anos, decidiu dirigir sua vida cada vez mais para o lado religioso.
Ele estudou Teologia apesar das críticas de dois de seus irmãos mais velhos: Klaus, que era jurista, e Karl, um cientista. Aos vinte e um anos, recebeu seu doutorado ‘summa cum laude’ em Teologia pela Universidade Humboldt de Berlim.
Três anos depois, em 1930, passou uma temporada em Nova York. Lá, no bairro do Harlem, ele entrou em contato com a igreja afro-americana e ficou fascinado pelos sermões de seus pregadores sobre as injustiças sociais sofridas pelas minorias étnicas nos Estados Unidos.
Bonhoeffer em Londres – Foto – dietrichbonhoeffer.net
Quando retornou à Alemanha, Bonhoeffer garantiu o cargo de professor de teologia sistemática na Universidade de Berlim. Ele estava muito interessado no ecumenismo, isto é, na ideia de que todos os cristãos, independentemente da igreja a que pertenciam, deveriam trabalhar juntos para atenuar as diferenças e promover a unidade cristã. Católicos, protestantes, ortodoxos, anglicanos, metodistas… Seja qual for a denominação cristã, todos eles, na sua opinião, partilhavam fé e valores.
Embora as primeiras abordagens de Bonhoeffer à teologia tenham sido produzidas por um interesse intelectual, aos poucos ele se tornou um crente profundo, a tal ponto que em 1931, aos vinte e cinco anos, foi ordenado sacerdote.
Em 30 de janeiro de 1933, Hitler foi nomeado chanceler da Alemanha pelo presidente Hindenburg e a vida de Bonhoeffer, que se opôs veementemente ao novo regime desde o início, mudou para sempre.
Apenas dois dias depois da posse de Hitler, o valente Bonhoeffer fez um discurso na rádio em que o atacou duramente e advertiu a Alemanha para não cair no culto idólatra do Führer – isto é, do líder – já que, na verdade, poderia muito bem ser o Verführer – que pode ser traduzido como o sedutor ou o corruptor. Essa transmissão foi interrompida repentinamente.
Menos de três meses depois, em abril de 1933, deu uma conferência aos pastores de Berlim na qual apelou à resistência da igreja face à perseguição a que os judeus estavam a ser submetidos. Nesse discurso ele disse: “A igreja não deveria simplesmente enfaixar as vítimas que são esmagadas sob a roda, mas antes inserir uma vara entre os raios para bloquear a própria roda”.
Mas Hitler não ficou de braços cruzados e, em julho desse mesmo ano, convocou inconstitucionalmente novas eleições eclesiásticas para os cargos de funcionários das Landeskirches, as históricas igrejas protestantes regionais na Alemanha.
Bonhoeffer fez campanha para candidatos independentes, aqueles que não eram de ideologia nazista, mas o grupo Deutsche Christen, apoiado pelos nazistas, obteve uma vitória esmagadora. Embora, doutrinariamente, o partido de Hitler defendesse uma espécie de “neopaganismo”, propunha manter o cristianismo como religião nacional dos alemães e subordina-lo ao racismo.
Assim, em setembro de 1933, o sínodo evangélico nacional dos cristãos alemães aprovou a aplicação do parágrafo ariano dentro da igreja, o que na prática significou a demissão de todos os pastores e funcionários da igreja de ascendência judaica. Em novembro, 20.000 membros da Deutsche Christen manifestaram-se para exigir que o Antigo Testamento fosse removido da Bíblia porque era de origem judaica.
Confrontado com essa situação no seu país, Bonhoeffer foi para Londres para trabalhar como pastor de duas igrejas protestantes de língua alemã, enquanto tentava reunir apoio cristão internacional para se opor ao movimento Deutsche Christen e à sua tentativa de fundir o nacionalismo nazi com o cristianismo.
O bispo alemão Theodor Heckel, encarregado das relações exteriores da Igreja Luterana Alemã, viajou a Londres para alertá-lo para cessar tais atividades, mas Bonhoeffer recusou.
Juntamente com outros eclesiásticos que partilhavam as suas ideias, em 1934 fundou a Igreja Confessante, um movimento cristão protestante para se opor ao controle nazista das igrejas alemãs.
Em 1935, Bonhoeffer retornou à Alemanha para treinar clandestinamente os pastores da Igreja Confessante, mas quando a repressão nazista aumentou, ele foi forçado a partir para a Suíça.
Em agosto de 1936, o bispo Heckel, aquele que viajou a Londres para controlá-lo, denunciou-o como “pacifista e inimigo do Estado”, razão pela qual lhe foi retirada a autorização para lecionar na Universidade de Berlim. No ano seguinte, Himmler decretou ilegal a educação e o exame de candidatos ao ministério da Igreja Confessante, e a Gestapo prendeu 27 amigos de Bonhoeffer, que passaram os dois anos seguintes viajando secretamente de cidade em cidade por todo o país para treinar seus alunos clandestinamente.
Conspiração Contra Hitler
Em 1938, através do seu cunhado, o jurista Hans von Dohnanyi, entrou em contacto pela primeira vez com um grupo de conspiradores que planejavam a derrubada de Hitler. Alguns desses oponentes faziam parte da Abwehr, nome alemão que significa “defesa” e era o serviço de inteligência e informação do exército alemão, e por meio desse pessoal Bonhoeffer soube que uma grande guerra estava por vir.
Bonhoeffer acenando para seus fasmiliares antes de partir em uma das suas viagens.
Em junho de 1939, três meses antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, ele viajou novamente para os Estados Unidos e poderia muito bem ter ficado lá, mas decidiu retornar à Alemanha.
Por que tomou uma decisão aparentemente tão estúpida?
Porquê ignorar os conselhos dos seus amigos e regressar a um país que estava prestes a mergulhar de cabeça numa guerra terrível e onde seria perseguido pelas autoridades?
O próprio Bonhoeffer explicou isso ao teólogo americano Reinhold Niebuhr numa carta, com as seguintes palavras: “Cheguei à conclusão de que cometi um erro ao vir desta vez aos Estados Unidos. Eu devo viver este período difícil da nossa história nacional juntamente com o povo da Alemanha. Não terei o direito de participar na reconstrução da vida cristã na Alemanha depois da guerra se não partilhar as provações deste tempo com o meu povo… Os cristãos na Alemanha terão de enfrentar a terrível alternativa de desejar a derrota da sua nação, a fim de que uma futura civilização cristã possa sobreviver ou desejar a vitória da sua nação, apesar de destruir assim a nossa civilização e qualquer verdadeiro cristianismo. Sei qual destas alternativas devo escolher, mas não posso tomar essa decisão a partir de um local seguro.”
Bonhoeffer e Dohnányi.
Em suma, Bonhoeffer regressou à Alemanha, onde as autoridades o proibiram de falar em público e exigiram que denunciasse periodicamente todas as suas atividades à polícia.
Bonhoeffer ingressou na Abwehr graças ao seu cunhado, Hans von Dohnányi, que já fazia parte dessa organização de inteligência. Dohnányi esteve ativamente envolvido no planejamento de vários complôs contra Hitler, e é muito provável que Bonhoeffer também estivesse ciente deles. Da mesma forma, ambos participaram em operações para ajudar os judeus alemães a fugir para a Suíça.
Prisão e Morte
Em 1941, já com a guerra iniciada, as autoridades proibiram Bonhoeffer de publicar ou imprimir quaisquer textos.
Entretanto, através dos seus contatos internacionais, tentou estabelecer comunicação entre a resistência alemã e o governo britânico, mas este último, que considerava todos os alemães como inimigos, ignorou as suas mensagens. Finalmente, em 5 de abril de 1943, Bonhoeffer e seu cunhado foram detidos e encarcerados.
Documento produzido pelos nazistas, na época da prisão de Bonhoeffer em Tegel.
Durante um ano e meio, Bonhoeffer permaneceu preso na prisão de Tegel, na cidade de Reinickendorf, norte de Berlim, aguardando um julgamento que nunca aconteceu.
Durante esse período, ele escreveu uma série de cartas que alguns guardas solidários o ajudaram a enviar, tirando-os da prisão.
Estas cartas seriam publicadas postumamente sob o título “Cartas da Prisão” e entre elas estava aquela em que refletia sobre a estupidez humana. Um dos guardas da prisão, o Unteroffizier (suboficial) Wärter Knobloch, ofereceu-se para ajudá-lo a escapar, mas Bonhoeffer rejeitou a oportunidade, temendo retaliação contra sua própria família.
Depois de ser transferido por alguns meses para o campo de concentração de Buchenwald, Bonhoeffer acabou no campo de Flossenbürg. Eles estavam lá em 4 de abril de 1945, quando os diários pessoais do almirante Wilhelm Canaris, que havia sido chefe da Abwehr, chegaram às mãos de Hitler. Mostravam que o almirante tinha conhecimento da conspiração de 20 de julho de 1944, quando o coronel Stauffenberg tentou assassinar Hitler na Wolfsschanze, ou Toca do Lobo, seu principal quartel-general, com um explosivo escondido numa pasta do coronel Claus von Stauffenberg. (Sobre o caso do atentado a Hitler em 1944 veja – https://tokdehistoria.com.br/2022/07/20/claus-von-stauffenberg-o-homem-que-tentou-matar-hitler/ ).
Tegel – No lado esquerdo do oficial nazista esta Bonhoeffer, acompanhado de outros prisioneiros, que seriam aviadores italianos.
Furioso, Hitler ordenou que Canaris e outros membros da Abwehr que eram prisioneiros fossem mortos.
Quatro dias depois, em 8 de abril, apesar de não haver provas contra ele, um tribunal militar condenou Bonhoeffer à forca sem que ele tivesse quem atuasse em sua defesa. Na madrugada do dia seguinte, ele foi levado nu para o pátio e enforcado junto com o almirante Canaris e outros cinco réus. Seu cunhado, Dohnanyi, foi enforcado no dia seguinte, e duas semanas depois o irmão jurista de Bonhoeffer, Klaus, também foi executado por seu suposto envolvimento no complô de 20 de julho de 1944.
Nunca se soube o que aconteceu com o corpo de Dietrich Bonhoeffer. Ele tinha 39 anos.
As Cinco Leis Básicas da Estupidez Humana, Segundo Carlo Cipolla
Agora, voltemos ao tema da estupidez humana.
Em 1976, o historiador e economista italiano Carlo Maria Cipolla (1922 – 2000) publicou um interessante ensaio no qual propunha cinco leis básicas da estupidez humana.
Carlo Cipolla.
A primeira lei é que todos sempre e inevitavelmente subestimam o número de estúpidos em circulação.
A segunda era que a probabilidade de uma pessoa ser estúpida independe de qualquer outra característica dessa pessoa. Ou seja, a estupidez não depende do nível cultural, da riqueza ou do estatuto social, e está distribuída de forma praticamente igual entre todos os segmentos da população. Nas próprias palavras de Cipolla: “Quer você frequente círculos elegantes, se refugie entre canibais ou se feche em um mosteiro, você sempre terá que lidar com a mesma porcentagem de pessoas estúpidas”.
A terceira lei básica da estupidez era aquela que o próprio Cipolla considerava a mais importante de todas, e dizia assim: “Estúpido é aquele que causa prejuízos a outra pessoa ou a um grupo de pessoas enquanto ele próprio nada ganha ou até sofre perdas”.
Carlo Cipolla a direita da foto.
Com base nessa lei, Cipolla estabeleceu quatro categorias nas quais todos os seres humanos poderiam ser classificados com base em seu comportamento, avaliando os benefícios ou prejuízos que suas ações causam aos outros e aqueles que causam a si mesmos.
Desta forma, enquanto as pessoas estúpidas seriam – como afirma a terceira lei – aquelas cujas ações prejudicam os outros sem lhes trazer lucro, as pessoas más – a quem Cipolla chama de ‘bandidos’ – seriam aquelas que prejudicam os outros para ganho pessoal.
Por outro lado, pessoas inteligentes seriam aquelas cujas ações beneficiam a si mesmas, mas também a outras pessoas.
E, finalmente, aqueles que ajudam os outros, mesmo ao custo de se prejudicarem, são chamados de “pessoas indefesas”: contribuem para o bem-estar da sociedade, mas ao mesmo tempo são explorados por ela. São pessoas altruístas que conseguem aceitar seu papel por razões morais, e se tornam presas ideais para bandidos, cujas ações seguem um padrão de racionalidade.
Ao contrário dos estúpidos, que costumam agir de forma irracional, os bandidos – os malvados – sabem perfeitamente o que estão fazendo, têm consciência do seu comportamento. E é por isso que indivíduos inteligentes são capazes de compreendê-los, prever o que tentarão fazer e, portanto, tomar medidas para se defenderem deles.
Por outro lado, os planos das pessoas inteligentes podem ser frustrados pelos estúpidos, pois são totalmente imprevisíveis e muito destrutivos. E como todas as sociedades estão cheias de pessoas estúpidas, os inteligentes não podem contribuir para o bem-estar comum tanto quanto se espera deles.
Além disso, Cipolla destaca que não é fácil determinar se uma pessoa é realmente inteligente, pois normalmente somos guiados pela opinião dos outros sobre essa pessoa, mas muitas vezes, analisando detalhadamente suas ações, podemos descobrir que ela realmente age como um estúpido.
A quarta lei básica da estupidez afirma que as pessoas não estúpidas sempre subestimam o poder prejudicial dos indivíduos estúpidos. Em particular, as pessoas não estúpidas esquecem constantemente que, em qualquer momento, lugar e circunstância, lidar e/ou associar-se com pessoas estúpidas acaba sempre por ser um erro caro.
Segundo Cipolla, pessoas inteligentes tendem a pensar que pessoas estúpidas só podem prejudicar a si mesmas, e que elas, dada a sua inteligência, são imunes aos atos de pessoas estúpidas, mas, como mencionamos antes, pessoas inteligentes têm dificuldade em imaginar e compreender o comportamento de pessoas estúpidas, de modo que seus ataques os pegam de surpresa, o que dá origem à quinta e última lei básica:
“Pessoas estúpidas são o tipo de pessoa mais perigoso”. Muito mais que bandidos, que pessoas más! E dentro da categoria estúpida, quem você acha que leva o crédito por ser considerado o mais perigoso?
Exatamente: os estúpidos que ocupam posições de poder.
Para Cipolla, não há nada mais ameaçador do que uma pessoa estúpida e com poder. E, infelizmente, as massas de pessoas estúpidas, através dos seus votos nas eleições, garantem que a percentagem de pessoas estúpidas que ocupam cargos de grande responsabilidade nos governos de um país permanece terrivelmente elevada.
E Como Se Proteger da Estupidez e dos Estúpidos?
Mas então o que podemos fazer com a estupidez dos outros?
Estamos condenados a sofrer sem remédio?
Segundo um estudo de 2015 realizado por pesquisadores da Universidade Eötvös Loránd de Budapeste, na Hungria, para evitar ser vítima da estupidez alheia, o mais importante é aprender a detectá-la.
Mas… como reconhecê-lo?
Bem, sabendo o que o produz. E aparentemente, de acordo com esse estudo, existem apenas três causas, cada uma delas gerando um nível diferente de estupidez.
A primeira causa, aquela que causa o menor grau de estupidez, é a distração.
Quem se distrai facilmente não dedica a quantidade adequada de energia e concentração para realizar as tarefas relevantes que podem levá-lo a atingir seus objetivos. Eles se comportam estupidamente porque se esforçam para atingir objetivos que, na realidade, não estão dispostos a alcançar.
O grau médio de estupidez humana é produzido pela falta de controle sobre si mesmo, característica das pessoas impulsivas. Aquele que não tem autocontrole será vítima dos acontecimentos que acontecem ao seu redor e agirá de forma irracional, prejudicando a si mesmo e aos que estão ao seu redor.
Finalmente, a causa do grau mais elevado e perigoso de estupidez humana é a ignorância e o excesso de confiança, que muitas vezes andam de mãos dadas. Essa combinação temível leva as pessoas a assumirem grandes riscos, apesar de não terem o conhecimento ou as competências necessárias para terem sucesso e de não saberem como lidar com as prováveis consequências desastrosas do seu fracasso.
Então, resumindo, você sabe: se quisermos nos proteger da estupidez alheia, devemos evitar os distraídos, os impulsivos e os ignorantes com excesso de confiança em si mesmos.
E para nos protegermos da nossa própria estupidez…
Bem, receio que ninguém ainda tenha encontrado uma estratégia de defesa eficaz para isso.
Como uma Antiga Operária de uma Fábrica de Sapatos se Tornou a Mais Importante Aviadora da História da França – Voos Entre Glórias e Tristezas – Como Ela Conquistou o Atlântico Sul em Um Pequeno Avião – Quando Esteve em Natal? – Em Paris Junto ao Deputado Dioclécio Duarte e as Memórias de Natal – Nome de Rua na Capital Potiguar
Rostand Medeiros – Escritor e Pesquisador.
Na noite de segunda-feira, 23 de dezembro de 1935, rugiu sobre Natal e amerissou no Rio Potengi um grande hidroavião de desenho incomum. Tinha quatro motores colocados em uma asa que era sustentada por uma grossa estrutura onde ficava a cabine de comando, com três motores voltados para a dianteira da aeronave e um para a parte traseira. Aquele estranho pássaro metálico tinha sido construído pela empresa francesa Bleriot para transportar correio aéreo até a América do Sul e era batizado como Santos Dumont. A tripulação conseguiu atravessar o Atlântico Sul sem problemas, depois de partirem pela manhã da cidade de Dakar, a antiga capital da África Ocidental Francesa e hoje capital do Senegal.
A primeira vez que Maryse Bastié veio a Natal foi no Hidroavião Bleriot 5190 Santos Dumont.
Naquela semana de comemorações natalinas, a passagem dessas aeronaves já não era nenhuma novidade no Rio Grande do Norte, que desde 1927 recebia com crescente frequência variados tipos de aviões e hidroaviões. No começo a maioria delas se destinava a bater recordes, superar limites aéreos e transformar seus pilotos em figuras de destaque na mídia internacional, mas nos últimos anos Natal vinha assistindo um intenso tráfego de aeronaves que transportavam passageiros e, principalmente, o rentável transporte de cartas e encomendas. Na época esse era o principal negócio do avião comercial, pois vivia-se em um mundo que nem sequer imaginava algo como a internet e os e-mails.
Quem pilotava o Santos Dumont era o francês Jean Mermoz, um homem de 34 anos, alto, forte, com pinta de ator de cinema e que em 1935 era muito famoso pelos seus feitos no meio aéreo. Seguramente sua maior realização foi a primeira travessia comercial do Atlântico Sul, fato ocorrido entre os dias 12 e 13 de maio de 1930, quando Mermoz, acompanhado do copiloto Jean Dabry e do navegador Léopold Gimié, voaram os 3.200 km de distância entre Saint-Louis-du-Senegal e Natal, com 130 quilos de correspondência, em 21 horas e 30 minutos. Realizaram a proeza em um hidroavião monomotor Latécoère 28-3, pintado de vermelho, com a matrícula F-AJNQ.
Mesmo com todo esse movimento aéreo sobre os céus de Natal, que naquela época repercutia em todo o meio aeronáutico mundial, a verdade é que a chegada do hidroavião Santos Dumont, mesmo com seu piloto famoso, pouco chamou a atenção dos natalenses. A razão foi uma convulsão política que se iniciou na capital potiguar e mexeu com todo o Brasil.
Quartel da Força Policial, conhecido como “Quartel de Salgadeira”, em Natal, após ser metralhado durante a Intentona Comunista – Foto – toxina1.blogspot.com
Deflagrada exatamente um mês do Santos Dumont chegar a Natal, a chamada Intentona Comunista foi iniciada por militares do 21º Batalhão de Caçadores e deixou a comunidade local extremamente chocada com os saques, ataques, tiroteios e mortes. Depois de iniciada em Natal, os comunistas deflagraram outras ações no Recife e no Rio de Janeiro, mas todas foram controladas por forças federais legalistas em pouco tempo. Apesar da derrota dos comunistas, um mês depois as movimentações em decorrência dessa crise ainda ocorriam na cidade. No sábado e no domingo antes da chegada do hidroavião Santos Dumont, respectivamente deixaram Natal os militares do 20º Batalhão de Caçadores do Exército Brasileiro e os membros do Regimento Policial da Paraíba (A República, Natal, 22/12/1935).
Apesar de toda essa situação, uma das pessoas transportadas pelo Santos Dumont chamou atenção da imprensa natalense e nacional quando desembarcou. Era uma mulher de baixa estatura, com 37 anos de idade, esbelta, de olhos vívidos e claros, com um sorriso franco e aberto. Era a aviadora francesa Maryse Bastié, que tal como Mermoz já era famosa no final de 1935 pelos seus inúmeros feitos aeronáuticos.
Notícia da primeira chegada de Maryse Bastié a Natal.
Mas o que Mademoiselle Bastié veio ver na pequena Natal, então com cerca de 40.000 habitantes, viajando com um dos pilotos mais famosos do mundo, através de uma rota longa e perigosa?
E o mais importante, quem era Maryse Bastié?
Outra nota da primeira chegada de Maryse Bastié a Natal.
A Operária Que se Tornou Aviadora
Atualmente Maryse Bastié é seguramente a mulher mais importante e famosa na história aeronáutica francesa, sendo muito lembrada como uma das mulheres mais arrojadas e destemidas pioneiras na área da aviação. Mas o início de sua vida não foi nada fácil e sua chegada ao comando de um avião foi uma luta constante e dura, principalmente quando compreendemos a situação das mulheres nas primeiras décadas do século XX.
Nascida Marie-Louise Bombec, no dia 27 de fevereiro de 1898, na cidade de Limoges, no centro-oeste da França, a jovem era oriunda de uma família muito humilde, mas que conseguiam sobreviver com algum conforto, pois seu pai, Joseph Bombec, era um operário especializado com a função de ferreiro (outros apontam que ele seria um moleiro). Já sua mãe, Céline Filholaud, era uma mulher amorosa, dona de casa e mãe de oito filhos.
Limogescidade natal de Maryse Bastié no início do Século XX.
Infelizmente Marie-Louise ficou órfã de seu pai em 1908, que faleceu de tuberculose, sendo sua família obrigada a deixar casa paterna para viver em um pequeno ambiente na periferia de Limoges. A menina deixou a escola e começou a trabalhar aos 13 anos como uma modesta costureira de couro, em uma fábrica de calçados.
Ela detestava o trabalho repetitivo e realizado em condições complicadas. Buscou então refúgio nos livros, lendo tudo que aparecia na sua frente, principalmente clássicos e romances. Existe a informação que em 1914 Marie-Louise passou a trabalhar como costureira em uma fábrica de roupas militares. Ainda durante a Primeira Guerra houve outra perda para a jovem operária – em 1916 seu irmão Pierre Bombec é morto nas trincheiras.
Operárias francesas no início do Século XX.
Talvez em meio a todos esses momentos extremos foi que Marie-Louise, com apenas 16 ou 17 anos, mesmo contra os conselhos de sua mãe, casou-se com o pintor de porcelanas Jean Baptiste Gourinchas, de 18 anos. Dessa união nasce um filho chamado Germain. Em meio a muitas crises, em pouco tempo ela pediu o divórcio de Gourinchas.
A partir de 1919 Marie-Louise Gourinchas trabalhou como datilografa na Companhia de Eletricidade de Limoges. É provável que nesse ponto de sua vida, aquela jovem mãe divorciada poderia ter continuado sua existência marcada unicamente pela dura luta pela sobrevivência, em meio a fortes preconceitos pela sua situação, em uma França que se recuperava dos flagelos da Primeira Guerra Mundial. Mas a mudança em sua vida ocorreu quando Marie-Louise se uniu ao ex-piloto militar Louis Bastié, um amigo que ela conseguiu através de troca de correspondências no final da Primeira Guerra Mundial.
Foi ao lado desse veterano que ela descobriu a paixão pela aviação. Mas antes de alçar voo, Marie-Louise administrou uma loja de sapatos na cidade de Cognac, certamente utilizando a experiência adquirida na fábrica de sapatos. Mais tarde, seu marido retornou ao exército francês na função de instrutor de voo em Bordeaux-Mérignac, um dos mais antigos aeroportos em atividade na França. A convivência com Louis e o meio aéreo proporcionaram à jovem Marie-Louise Bastié vários voos como passageira em pequenos biplanos de instrução.
O ambiente de hangar, com aeronaves, mecânicos e pilotos, se tornou normal para Maryse Bastié na década de 1920.
O movimento aéreo de Bordeaux-Mérignac encantou Marie-Louise e a área se torna o seu “playground”, onde passeia entre os hangares, aviões em manutenção e motores sendo consertados pelos mecânicos. Não demorou e aprendeu a voar com o instrutor Guy Bart, amigo do seu marido, obtendo sua licença de voo em 29 de setembro de 1925.
Apenas uma semana depois de conseguir esse documento, ela elabora um plano para realizar sua primeira proeza aérea e assim mostrar suas habilidades, atrair a atenção de um possível empregador nessa área e também da mídia. Nos comandos de um frágil biplano Caudron G3, Marie-Louise conseguiu passar com essa aeronave abaixo dos cabos que ligavam as duas enormes pilastras de ferro de uma ponte inacabada em Bordeaux e chamada Pont Transbordeur de Bordeaux. A jovem aviadora realizou esse voo diante de uma multidão de curiosos, sobre o Rio Garonne.
O frágil biplano Caudron G3, Marie-Louise abaixo dos cabos que ligavam as duas enormes pilastras de ferro sobre o Rio Garonne.
Bem, quem olhar a foto acima pode até pensar que esse voo não foi lá essas proezas todas em termos de dificuldades. Mas não podemos esquecer que no comando da pequena aeronave estava uma mulher, que então vivia na moderna e tão decantada França, um país onde em 1925 as mulheres nem sequer votavam e só podiam abrir um negócio com o consentimento do marido. Logo, no dia 13 de novembro, essa mesma mulher voou de Bordeaux a Paris em seis etapas. Essa foi sua primeira viagem aérea.
No ano seguinte uma nova e trágica reviravolta ocorre na vida de Marie-Louise, pois seu companheiro Louis morreu diante de seus olhos no dia 15 de outubro de 1926, durante um voo de teste.
Longe de desanimar e para ganhar dinheiro ela realizou vários voos de publicidade, participou de um rally aéreo e realizou ousadas acrobacias diante de multidões em variados eventos. É nessa época, talvez motivada por questões comerciais, que ela deixou de lado seu nome de batismo e passou a assinar Maryse Bastié.
Voos Entre Glórias e Tristezas
Com o dinheiro arrecadado em seus trabalhos aéreos, mesmo em meio a muitos sacrifícios, Maryse conseguiu adquirir em 1929, por empréstimo, um Caudron C.109 de dois lugares. Era um avião utilitário leve, com pequeno motor Salmson de 40 hp, que ela batizou de “Trotinette” (Patinete).
O Caudron C.109 que Maryse Basté batizou de “Trotinette” (Patinete).
Apesar desse avião não ser mais que um simples “teco-teco”, Maryse conseguiu realizar um recorde de voo de larga duração para mulheres em 27 de julho de 1929. Em parceria e com o apoio financeiro fornecido pelo piloto Maurice Drouhin, ela decolou de Paris e chegou até a cidade alemã de Treptow-sur-Rega, na região da Pomerânia Ocidental, cobrindo a distância de 1.058 km em 26 horas e 47 minutos. Por esta conquista, Maryse e Drouhin receberam um total de 25.000 francos. Drouhin e um mecânico morreram pouco depois, em agosto de 1928, durante um voo de teste com um avião Couzinet 27, em Paris-Le Bourget.
Ainda em 1929, Maryse Bastié realizou um voo onde circulou o Aeroporto Le Bourget de Paris por longas 26 horas e 48 minutos, quebrando o recorde de duração de voo solo para mulheres.
Pouco tempo depois Lena Bernstein, uma descendente de russos nascida em Leipzig, Alemanha, e morando na França, ficou mais tempo voando em circuito fechado que Maryse. Em 30 de setembro de 1930 a francesa deu o troco, quando voou o seu avião leve Klemm L 25, de fabricação alemã, por 37 horas e 55 minutos, estabelecendo um novo recorde de duração de voo solo feminino. Ela lutou contra o frio, a falta de sono, fumaça do escapamento do motor e quase caiu exausta. Consta que nesse voo, para ficar desperta após mais de 24 horas no ar, ela borrifou água de colônia nos olhos, que arderam enormemente, mas o sono passou na hora. Uma multidão de parisienses lhe acolheu após o pouso.
Logo Maryse retorna as primeiras páginas dos jornais em todo mundo com um voo sensacional de longa distância, estabelecendo um novo recorde internacional de voo em linha reta para aviões monopostos, pilotado de forma solitária e por uma mulher. Entre os dias 28 e 29 de junho de 1931 Maryse decolou de Paris e seguiu até o centro da antiga União Soviética, mais precisamente na localidade de Yurino, perto da cidade de Nizhny Novgorod, onde percorreu 2.976 km, em mais de 30 horas de voo, a uma velocidade média de 97 km/h.
Por esse feito Maryse Bastié recebeu do governo francês a Cruz de Cavaleiro da Legião de Honra, foi agraciada pela International League of Airmen com o International Harmon Trophy como “a melhor aviadora do mundo” (atribuído pela primeira vez a uma francesa) e foi condecorada pelo governo soviético com a Ordem da Estrela Vermelha.
Nada mal para uma mulher nascida em um lar humilde, que foi uma operária em uma fábrica de calçados, com várias perdas pessoais ao longo de sua vida, sem títulos acadêmicos, mas com muita coragem e determinação para seguir adiante.
A partir de então, ela conseguiu viver da renda que ganhava pilotando seu próprio avião e da publicidade.
Em 1934, seu compromisso tomou um rumo mais político e militante: Maryse uniu forças com as aviadoras Hélène Boucher e Adrienne Bolland e apoiaram a associação “La femme nouvelle” (A nova mulher). Fundada em 1934 pela política, feminista, escritora e jornalista Louise Weiss, essa entidade visava o sufrágio feminino e o fortalecimento do papel da mulher na vida pública francesa. Vale lembrar que a França foi um dos primeiros países no mundo a instaurar o sufrágio universal masculino, mas um dos últimos da Europa onde as mulheres puderam escolher livremente seus representantes políticos, fato que só aconteceu em outubro de 1945, após o fim da ocupação alemã.
O ano de 1935 para Maryse Bastié se iniciou promissor e com muitos planos. Ela e o amigo piloto Guy Bart fundaram uma escola de voo na área do Aeroporto de Orly, ao sul de Paris. É quando um duro golpe do destino lhe atingiu novamente – Em 6 de junho de 1935 faleceu no hospital de Bizerte, Tunísia, seu filho Germain, que estava a serviço da marinha francesa. Tinha apenas 20 anos de idade e morreu de febre tifóide.
Provavelmente devido a toda essa situação, o desenvolvimento da escola durou pouco. Mas foi nessa ocasião, talvez buscando dar uma nova guinada em sua vida e fugir das tristezas, que Maryse Bastié começou a planejar seu voo que a traria a Natal e ao Brasil, superando para isso o temido Atlântico Sul.
Atravessando o Vasto Oceano
Outra imagem do hidroavião Santos Dumont.
Com a ajuda do amigo Jean Mermoz, a aviadora conseguiu em 23 de dezembro de 1935 uma vaga a bordo do hidroavião Bleriot 5190 Santos Dumont, onde realizou o voo completo e aprendeu todos os detalhes existentes sobre a rota do Atlântico Sul. Mermoz já havia realizado dezenas de vezes esse mesmo trajeto e disse a Maryse que naquela viagem ela era “o terceiro piloto” da aeronave. A aviadora permaneceu em Natal até os primeiros dias de 1936 e retornou a Paris pela Air France.
O interessante sobre esse voo preliminar de Maryse Bastié a Natal é que entre os vários aviadores famosos que utilizaram a capital potiguar durante o período clássico da aviação mundial, homens e mulheres de quase duas dezenas de nações, Bastié é um dos poucos aviadores que realizou um voo preliminar atravessando o Atlântico Sul, para só então realizar seu trajeto com maior segurança.
Avião Caudron Simoun, nesse caso um modelo C630, preservado na França.
Durante o ano de 1936 Maryse Bastié vai preparando detalhadamente o seu voo que a traria novamente a Natal. O avião escolhido foi o Caudron Simoun C635, uma aeronave monomotor para quatro passageiros, trem de pouso fixo, sendo o primeiro avião de sua categoria a voar a mais de 300 km/h. Foi um sucesso instantâneo de vendas e só a Força Aérea Francesa encomendou 490 aeronaves.
Foi o Governo da França, através do Ministério do Ar, cujo titular era Pierre Cot, quem lhe cedeu a aeronave, em meio a muita papelada e burocracia. No entanto, o ministro Cot nem sempre apreciou os serviços de Maryse Bastié. Quando essa aviadora, no auge de sua fama, pediu um emprego na aviação civil, Cot lhe disse que era muito cedo para “ver em larga escala conquistas iguais na aviação para homens e mulheres!”.
O avião Caudron Simoun C635 tinha basicamente 8,70 metros de comprimento, 10,40 m. de envergadura e 2,25 m. de altura. Em termos de extensão, era mais ou menos do tamanho de um micro-ônibus comum. Possuía um motor Renault Bengali 6Q de seis cilindros em linha, refrigerado a ar, com cerca de 160 kW (220 hp) de potência contínua. Maryse ainda realizou alguns voos de testes e tudo funcionou normalmente.
A aeronave não recebeu maiores alterações para o voo sobre o Atlântico Sul. A mais significativa foi buscar internamente mais espaço para acomodar um tanque de gasolina de 890 litros e ampliar a autonomia de voo. Aí foram retirados dois assentos cobertos de couro vermelho, dos quatro normalmente existentes.
Quando os preparativos para o seu voo estavam na reta final, Maryse Bastié e a França foram atingidos por uma nova tragédia – Jean Mermoz desapareceu no Atlântico Sul.
Hidroavião quadrimotor Latécoère 300 que desapareceu com Jean Mermoz e toda tripulação em dezembro de 1936.
Em 7 de dezembro de 1936 Mermoz partiu de Dakar para Natal com outros quatro tripulantes em um hidroavião quadrimotor Latécoère 300, que possuía o registro F-AKGF, era batizado como Croix-du-Sud (Cruzeiro do Sul) e realizava seu 25º voo cruzando o Atlântico. Sabe-se que menos de uma hora depois de sair de Dakar, a tripulação confirmou por rádio que estavam enfrentando um problema técnico com o motor traseiro direito e que retornavam, onde amerissaram sem alterações. Vários controles foram feitos nesse motor, sendo detectado um vazamento de óleo e se concluiu que aquela máquina deveria ser trocada. Como não havia um motor sobressalente disponível, a tripulação fez uma limpeza completa e decolou novamente de Dakar.
Outra imagem do Latécoère 300 que desapareceu com Jean Mermoz.
Quatro horas depois a estação de rádio recebeu uma mensagem curta em código Morse, onde foi informado que Mermoz teve de cortar a energia do motor traseiro esquerdo da aeronave. A mensagem foi interrompida abruptamente e nada mais foi recebido. Apesar das buscas realizadas, o hidroavião e os tripulantes desapareceram e nenhum vestígio foi encontrado!
O desaparecimento de Jean Mermoz é vivido na França como um desastre nacional. Certamente chocada com toda situação, Maryse decidiu batizar de Jean Mermoz seu pequeno Caudron Simoun, como uma homenagem ao seu amigo e grande aviador. Um jornal carioca informou que ela só batizou a aeronave após pedir permissão à mãe de Mermoz e a pintura com o nome do finado aviador teria ocorrido em Natal (Correio da Manhã, Rio, 13/01/1937, P. 3).
Pintura do nome de Jean Mermoz no avião de Maryse Bastié, que teria sido feito em Natal.
Apesar de toda expectativa, Maryse avança no seu intento. Em 19 de dezembro de 1936 ela chegou a Dakar e começou a preparar sua travessia.
Existe uma informação, proveniente de um documentário francês sobre Maryse Bastié, afirmando que quando estava tudo pronto para o voo, a aviadora ficou aguardando em Dakar a chegada de um hidroavião da Air France proveniente de Natal, cuja tripulação lhe transmitiu informações de última hora sobre as condições do tempo ao longo do grande trajeto. Qual foi esse hidroavião e quem eram seus tripulantes?
Bem, olhando os jornais da época, sabemos que naquela última semana de 1936 estiveram entre Natal e Dakar duas aeronaves. Uma foi o avião Farman F 2200, matrícula francesa F-AOXE, batizado como Ville de Montevideo e pilotado por Henri Guillaumet, sendo ele o único tripulante informado pelos jornais. Guillaumet foi um grande amigo de Jean Mermoz e com esse mesmo avião realizou várias buscas quando o famoso piloto sumiu no Atlântico Sul (Jornal Pequeno, Recife, 22/12/1936, P. 2). A segunda aeronave foi outro Farman F 2200, com a matrícula francesa F-AOXF, batizado como Ville de Mendoza, sendo pilotado por Fernand Rouchon, tendo como copiloto Henri Delaunay, navegador Léopold Gimié, radiotelegrafista Paul Comet e o mecânico Pichard (A Ordem, Natal, 23/12/1936, P. 3).
Não sabemos qual desses aviões chegou a Dakar, mas certamente os tripulantes transmitiram à aviadora francesa que o Atlântico Sul estava tranquilo, calmo e que ela iria ter uma travessia exitosa. Pois foi exatamente isso que aconteceu!
O Caudron Simoun C635, a simples e prática aeronave utilizada pela aviadora Maryse Bastié no seu trajeto entre Dakar a Natal.
Voo Tranquilo, Onde Comeu Alguns Damascos
Na manhã de 31 de dezembro de 1936 ela decolou o Caudron Simoun C635 prateado e com detalhes em vermelho. Afora a partida de Dakar, quando voou através de neblina e nuvens de tempestade, e na chegada ao Brasil, quando ventos fortes provocaram uma pequena alteração de rumo, o voo foi uma tranquilidade só.
Mesmo com esse desvio no final, Maryse completou o trajeto através do Atlântico Sul em doze horas e cinco minutos, tendo percorrido 3.173 quilômetros, a uma velocidade média de 264 quilômetros por hora. Para navegar no seu minúsculo avião Maryse Bastié contava apenas com uma bússola e ela foi uma hora mais rápida que o voo da bela aviadora Jean Batten, da Nova Zelândia, recordista anterior nessa travessia.
O avião original de Maryse Bastié.
Eram depois das quatro da tarde quando o Caudron Simoun C635 chegou em Natal, vindo do litoral norte e não da direção leste, do meio do Atlântico.
Ao sobrevoar a capital dos potiguares Maryse realizou algumas evoluções durante vários minutos (Correio da Manhã. Rio, 31/12/1936, P1). Mas ela não estava interessada em proporcionar aos natalenses um pequeno espetáculo das capacidades de sua aeronave. Provavelmente Maryse se apresentava para seus amigos da Air France, que tinham escritório no Bairro da Ribeira, na Avenida Tavares de Lira, número 32, mostrando que a travessia havia sido um sucesso.
Propaganda com o endereço da Air France em Natal.
Outra possibilidade para essas evoluções seria a busca visual da linha ferroviária da Great Western, que seguia em direção sul. Aquela referência era crucial para a localização do Campo dos Franceses, também conhecido como Campo de Parnamirim, e local do pouso. Vale lembrar que na primeira ocasião que Maryse veio a Natal ela desembarcou em um hidroavião no Rio Potengi e não em Parnamirim.
Situação similar já havia acontecido em 5 de julho de 1928, quando os italianos Arturo Ferrarin e Carlo Del Prete pretendiam realizar um voo direto de Roma até o Rio de Janeiro, mas só deu para chegar ao Rio Grande do Norte. Ao sobrevoarem Natal, os dois italianos viram as pessoas acenando nas ruas, mas devido ao tempo nublado eles não conseguiram localizar a linha do trem para o sul. Com o combustível acabando e o céu fechado, a dupla decidiu procurar um local para aterrissar seu belo avião Savoia-Marchetti S-64. Só encontraram um ponto adequado perto da então vila de pescadores de Touros, a 70 km ao norte de Natal, bem onde o litoral do Brasil faz uma curva de quase 90º.
Mas provavelmente para Maryse Bastié os círculos realizados com sua aeronave sobre Natal deram certo, pois ela viu o que precisava ver e desapareceu rumo ao sul.
Segundo um jornal recifense (Jornal Pequeno, 05/01/1937, P. 1), que tinha na pista do Campo de Parnamirim um correspondente chamado Dória Correia, a primeira coisa que Marysé Bastié fez após pousar foi perguntar se teria “batido o recorde de Jean Batten? “. Ao ser informada que sim, as pessoas presentes gritaram “vivas” a ela e a França. Ela estava eufórica e comentaram o extremo carinho que Maryse demonstrava pela sua aeronave. Pouco tempo depois, ainda no campo de pouso, foi aberta uma champagne para comemorar seu voo, o novo recorde e antecipar a festa de comemoração da passagem de ano. Lhe perguntaram se durante o grande trajeto ela se alimentou e a sua resposta foi “Seulement Quelques abricots” (Apenas alguns damascos).
Ao correspondente Dória ela afirmou que durante a finalização do voo, devido aos fortes ventos, ela desviou a rota entre 96 a 100 milhas para o norte, visualizando o primeiro ponto do litoral potiguar na altura do Cabo de São Roque, atualmente parte do município de Maxaranguape, 40 km ao norte de Natal. Essa situação causada pelo vento deve ter relação com as chuvas que caiam nos estados nordestinos naquele fim de 1936, pronunciando que o novo ano seria de boas chuvas. Por essa razão ela chegou à cidade vindo do litoral norte.
Maryse Bastié então passou onze dias na capital potiguar, aguardando novas ordens do Ministério do Ar da França e saber os desdobramentos sobre a sua viagem. Nessa espera, sabemos, mesmo sem maiores detalhes, que Maryse Bastié foi extremamente bem recebida e chegou a ir até as praias da cidade, onde se encantou com os coqueirais que existiam.
Outra notícia que foi divulgada enquanto a aviadora se encontrava em terras potiguares foi que ela teria recebido ordens de “retornar a França” e que um “alto commerciante” de Natal compraria o avião.
Mas quem seria esse abonado natalense?
Bem, Manoel Machado e Fernando Pedroza (um grande amante da aviação), já tinham falecido anos antes e foram os homens daquele tempo que tinham muito dinheiro no Rio Grande do Norte. Não foi esclarecido pelos jornais quem poderia ser o nababo que pretensamente iria adquirir o Caudron Simoun C635. Pessoalmente acredito que no final das contas essa notícia era falsa. Nota especulativa para vender jornal. Um “fake”, como se diz hoje em dia.
Uma outra notícia, veiculada em um jornal carioca, mostra algo curioso e um tanto inusitado durante o período que Maryse Bastié ficou em Natal.
Quando alguns dias depois que ela desembarcou no Rio, os jornalistas notaram que seu capacete branco, no tradicional estilo colonial francês e muito utilizado naquela época pelos gauleses na África e na Ásia, se encontrava faltando um botão de metal grosso e estava cheio de buracos de balas de pequeno calibre, acompanhados de assinaturas e setas desenhadas marcando esses buracos. Evidentemente que essa situação chamou a atenção dos jornalistas cariocas, que lhe cobriram de perguntas. A resposta da aviadora foi que um dia os seus amigos da Air France em Natal resolveram utilizar seu capacete como alvo para “tiros de carabina”. Quem abria um buraco no chapéu fazia uma seta e assinava o nome, mostrando quem realizou o disparo. Como o chefe da Air France não acertou o alvo, arrancou o grosso botão que ficava no alto do capacete.
Apesar da ida às praias, da falsa notícia da venda do avião e do “tiro ao alvo no capacete”, olhando os jornais natalenses não encontramos maiores informações sobre a presença de Maryse Bastié na cidade. Isso pode caracterizar um extremo isolamento quando ela aqui esteve, talvez preocupada em se expor enquanto o governo de sua nação decidia o que fazer com ela e com o avião, em meio a um Brasil cheio de problemas políticos.
Não podemos esquecer que em 21 de março de 1936 o Presidente Getúlio Vargas havia assinado o Decreto nº 702, que colocou todo o país em “Estado de Guerra”, que conferia ao chefe de Estado poderes extraordinários, só concedidos em tempo de guerra, e que normalmente seriam prerrogativas do Legislativo. Inicialmente essa situação tinha vigência inicial de 90 dias, mas se estendeu até meados de junho de 1937.
Autorização para o voo de Maryse Bastié, mas sem máquina fotográfica.
Certamente após acertos entre os diplomatas do seu país e o governo brasileiro, Maryse Bastié foi autorizada a seguir viagem. O governo tupiniquim liberou para que a aviadora francesa pudesse voar sobre nosso litoral, entre Natal e o Rio de Janeiro, realizando uma parada para reabastecimento e descanso em Caravelas, na Bahia, mas exigiu que ela não levasse nenhum “apparelho photographico”. E essa ordem veio diretamente do poderoso Ministério da Guerra, cujo ministro era o general Eurico Gaspar Dutra, futuro Presidente do Brasil.
Maryse Bastié no Rio.
Maryse Bastié deixou Natal em direção ao Rio no dia 11 de janeiro de 1937, decolando por volta das cinco e meia da manhã. As oito e quinze estava sobrevoando Recife e as onze e meia se encontrava sobre a cidade baiana de Caravelas, onde aterrissou e pernoitou. No dia 12, pelas seis da manhã ela decolou e seguiu direto para o Rio de Janeiro, pousando no mítico Campo dos Afonsos às nove e meia, onde foi festivamente recebida e passou vários dias na então Capital Federal.
O voo de Maryse Bastié no pequeno Caudron Simoun C635 foi um sucesso!
Maryse no Rio.
Memórias de Natal Junto Com o Deputado Dioclécio Duarte
Maryse Bastié retornou à França a bordo de uma aeronave da Air France, sendo triunfantemente recebida em casa. Ainda em 1937 ela recebeu do governo do seu país o grau de “Oficial da Legião de Honra”. Pelo governo brasileiro a aviadora recebeu a Ordem do Cruzeiro do Sul, a maior honraria concedida pelo nosso país. Maryse recebeu a medalha brasileira na antiga sede da Embaixada do Brasil na França, na Avenue Montaigne, 45, das mãos do embaixador Luiz Martins de Souza Dantas. O mesmo Souza Dantas que se notabilizaria tempos depois, durante a Segunda Guerra, por ter concedido centenas de vistos diplomáticos que salvaram a vida de inúmeros fugitivos dos nazistas, principalmente judeus, mesmo contrariando ordens do Governo Brasileiro.
O colar que Maryse Bastie utiliza, com uma grande estrela, é a Ordem do Cruzeiro do Sul, que essa aviadora fazia questão de utilizar.
Mas voltando a Maryse Bastié, a simpática piloto não se acomodou no seu retorno à França. Logo conseguiu do governo do seu país o apoio para realizar, entre novembro de 1937 até março de 1938, uma turnê de palestras em vários países da América do Sul, utilizando um avião como meio de transporte.
Existe a informação que ela quis realizar esses voos com o mesmo avião com que conseguiu atravessar o Atlântico Sul, mas apuramos que esse valente aviãozinho deixou Natal em uma data indeterminada e seguiu provavelmente para o Rio de Janeiro, onde ficava a sede da Air France no Brasil e a Embaixada da França. De lá, por razões desconhecidas, seguiu para Montevidéu, capital do Uruguai. Consta que Maryse Bastié foi atrás da aeronave em um aeroporto uruguaio, mas o encontrou bastante deteriorado, sem condições de utilização e daí fez uso de outro avião.
Após o seu retorno à França, as nuvens negras da Segunda Guerra Mundial surgiram no horizonte e em 1 de setembro de 1939 o conflito teve início.
Nazistas em Paris.
Maryse e outras três mulheres pilotos foram voluntárias da Força Aérea Francesa, realizando voos para levar aviões para a frente de combate, mas sem reconhecimento oficial. Somente oito meses depois, em 27 de maio de 1940, foi quando surgiu um decreto que autorizou a criação de um corpo feminino de pilotos auxiliares e Maryse recebeu a patente de segundo tenente. Mas a sua designação hierárquica na força aérea do seu país teve vida muito efêmera, pois menos de um mês depois, em 22 de junho, a França se rendeu oficialmente a Alemanha Nazista.
Na sequência Maryse ofereceu seus serviços à Cruz Vermelha, em particular aos prisioneiros franceses agrupados no Campo de Deportação de Drancy, um infame campo de concentração temporário a poucos quilômetros ao norte de Paris. Junto com suas atividades na Cruz Vermelha, ela coletava informações das atividades dos inimigos para a Resistência Francesa que lutava contra a ocupação nazista. Ainda em Drancy, em uma ocasião que um trem partiu para a Alemanha, ela é brutalmente empurrada por uma sentinela inimiga e fratura o cotovelo direito, que lhe deixou com uma deficiência permanente e Maryse não conseguiu mais pilotar.
Libertação de Paris pelas forças Aliadas.
Após a libertação de Paris em 1944, ela se juntou ao Corpo Auxiliar Feminino da Força Aérea e voltou a ocupar o posto de tenente. Em 1947 tornou-se a primeira mulher a receber o posto de Comandante da Legião de Honra e a partir de 1951, ela trabalhou para o departamento de relações públicas de um centro de voo de testes.
No sábado, 28 de junho de 1952, Maryse Bastié se reencontrou com o Brasil e, através da presença de um natalense ilustre, certamente com as memórias da sua visita a Natal e ao Rio Grande do Norte.
Nessa data, segundo uma reportagem publicada na revista O Cruzeiro (edição 09/08/1954, P. 61 a 63) ocorreram em Paris vários eventos que celebravam a figura do brasileiro Alberto Santos Dumont. Entre os eventos houve um jantar no restaurante La Coupole, no bairro de Montparnasse, um local fundado em 1927, muito popular na capital francesa e até hoje em funcionamento. O jantar foi organizado pelo governo francês e contou com a ilustre presença de Vicent Auriol, então Presidente da França, além de vários ministros, muitas autoridades e celebridades, entre elas a aviadora Maryse Bastié.
Da parte do Brasil muitas autoridades estavam presentes, entre eles o brigadeiro Nero Moura, então Ministro da Aeronáutica. Outro que estava lá era o deputado federal pelo Rio Grande do Norte Dioclécio Dantas Duarte, do Partido Social Democrático (PSD), que inclusive foi condecorado pelo Presidente Vicent Auriol com a Ordem Nacional da Legião de Honra da França.
Então, entre as fotos publicadas pela revista O Cruzeiro, vemos Maryse Bastié em um animado papo com o deputado Dioclécio Duarte, que era fluente em francês (além de inglês, alemão e italiano). A aviadora trazia ao pescoço a sua Medalha da Ordem do Cruzeiro do Sul.
Sobre o que falaram? Não sei! Mas provavelmente lembraram a passagem de Maryse por Natal entre o final de 1936 e o início de 1937, quando aqui ficou onze dias. Talvez o deputado tenha comentado como Natal havia mudado depois da presença das tropas americanas durante a Segunda Guerra, ou outros temas quaisquer. Talvez tenha sido uma noite com ótimos e interessantes momentos de memórias e recordações!
Apenas oito dias depois desse encontro, Maryse Bastié morreu carbonizada em um trágico acidente aéreo.
Ela que já havia voado milhares de quilômetros sem acidentes graves, perdeu a vida em 6 de julho de 1952, aos 54 anos, em voo no aeroporto de Lyon-Bron. Ela morreu após a queda de uma aeronave de transporte de dois motores Nord 2501 Noratlas, da Força Aérea Francesa. O avião caiu de uma altura de cerca de 200 metros e toda a tripulação de cinco pessoas também pereceu.
A famosa aviadora foi enterrada em Paris, no Cemitério de Montparnasse, onde seu túmulo permanece até hoje. Na França, muitas escolas – por exemplo, em sua cidade natal Limoges, levam o nome de Maryse Bastié. Em 1955 ela foi homenageada com seu retrato em um selo postal francês.
Natal não esqueceu de Maryse Bastié. Em janeiro de 1972 o engenheiro Ubiratan Pereira Galvão, então Prefeito de Natal, acatando um pedido do vereador Antônio Félix, que na época era o Presidente da Câmara de Vereadores de Natal, solicitou que uma rua ainda pouco habitada do bairro de Lagoa Nova se chamasse Maryse Bastié. E assim foi feito. Atualmente essa é uma das principais artérias desse bairro, um dos mais valorizados da capital potiguar.