“Fala-se muito, conversa-se muita, faz-se até algum farol, mas realmente nada existe.”
O que está escrito acima foi publicado no extinto jornal natalense “O POTI”, na edição de terça-feira, 26 de abril de 1955, há quase 70 anos. Abaixo trago esse texto na íntegra.
“Se o Rio Grande do Norte fosse um Estado que realmente cultuasse as datas que lhe são preciosas, o próximo dia 12 de maio seria um dia de reverência, pois lembra um dos fatos mais significativos da metade do século XX – A primeira travessia do Atlântico Sul por avião. Que foi realizada na noite de 12 de maio de 1930 por Jean Mermoz, pilotando um pequeno hidroavião Laté 28, sendo acompanhado nessa travessia por Jean Dabry e Leopold Gimié.
Os que não têm a memória muito falha e que estão hoje com mais de 45 anos de idade ainda devem recordar-se dessas figuras simpáticas de pioneiros e heróis a atravessar as ruas de Natal, convivendo conosco e construindo, o que foi durante vários anos a famosa “Linha” do Atlântico Sul, feita pelos aviões da antiga Latécoère. O voo foi feito em vinte horas, sendo batido um recorde para a época e o seu êxito determinou o estabelecimento definitivo das linhas transcontinentais para a América do Sul.
Não existe em Natal, até hoje, uma rua com o nome de Jean Mermoz e dentro de mais algum tempo, nada haverá para rememorar entre nós, acontecimento tão significativo. Somos, porém, assim mesmo. Temos um Arquivo Público criado no papel, que nada arquiva até agora. Não temos uma só biblioteca que se preze, e se os jornais não mantiverem as suas coleções, nada ficará no futuro para as gerações vindouras.
No período da guerra aqui viveram mais de 15.000 americanos durante quase cinco anos e só no cemitério do Alecrim, foram sepultados quase 200 soldados e oficiais tombados no cumprimento do dever. O que é que existe hoje para assinalar esses acontecimentos históricos? Falou-se durante algum tempo, que no cemitério seria erguido um monumento simbólico com os nomes de todos os que foram aqui sepultados. Tudo ficou no esquecimento, e como os jornais eram impedidos pela censura de divulgar esses acontecimentos devido aos tempos de guerra, nada existirá que lembre isso no futuro.
O saudoso presidente Roosevelt aqui se encontrou com o presidente do Brasil em uma entrevista histórica. Existe algum marco, algum símbolo, alguma lápide que relembre esse acontecimento, ao menos no local em que houve o encontro histórico? Nada, absolutamente, nada.
A participação de Natal durante a guerra, que foi das mais significativas, será no futuro um acontecimento para o qual não existem dados históricos e nem documentos comprobatórios. É que aqui não existe funcionando um órgão que realmente cuide dessas coisas. Fala-se muito, conversa-se muita, faz-se até algum farol, mas realmente nada existe.
O governo de Mussolini mandou para aqui, como presente uma coluna romana para assinalar a passagem de Ítalo Balbo em Natal e a travessia de Ferrarin e Del Prete. Se não houvessem feito isso, nada hoje lembraria esse acontecimento.
Os americanos tiveram uma participação muito mais ativa em nossa vida e deles só resta a lembrança nas obras que deixaram.”
A área da Rampa durante a Segunda Guerra Mundial
Mas então, o que mudou em nossa cidade em relação ao que está descrito em 1955?
Acho que o fato de existir hoje em dia ruas como as Sachet, Mermoz, Maryse Batie e até um colégio chamado Jean Mermoz e outro Winston Churchill são situações interessantes, positivas, que merecem os elogios de quem deu as ideias e as criou. Mas que na prática, na ideia de se criar uma verdadeira memória, é muito pouco!
Essas histórias estão ficando em um passado cada vez mais distante, pois abrangem um período que vai de 1922 (A chegada do “Libélula de Aço, a primeira aeronave a sobrevoar o Rio Grande do Norte) até 1947 (quando os últimos americanos partiram de Natal), o que facilmente ajudará no seu total esquecimento.
E para os poucos que querem estudar e registrar algo sobre esses momentos históricos, as fontes estão cada vez mais limitadas. De forma natural, quase todos aqueles que testemunharam esses interessantes episódios já partiram. Some a isso o fato das coleções dos jornais que o texto de 1955 comenta, estão interditados, quase sem acesso e eu não sei o porquê….
Pátio da Rampa e seus hidroaviões
Mas o texto publicado em “O POTI” de 1955, mostrava que já naquela época a situação era complicada. Imaginem agora!
E é importante que se registre que a preservação dessa memória histórica deveria ser pautada pela democratização dessas informações, se não fica como está hoje em dia – Restrita a uma bolha bem elitizada, formada de pessoas que pouco ou nada leram sobre esses temas, mas que se arvoram de “grandes conhecedores”, de “doutores da história”. No final das contas essa gente tem é muita conversa fiada.
Até mesmo alguns políticos, que tem nos meios mais elitizados de Natal grande parte de suas bases eleitorais, andaram criando momentos públicos para “debaterem a sério” o que fazer com esse patrimônio, com essa informação histórica. Na prática esses tais momentos renderem absolutamente nada!
E, em minha opinião, o que temos hoje para mostrar ou é subutilizado, ou é limitado para o que foi destinado. E esse patrimônio, essa informação, poderia gerar muitos dividendos para o turismo histórico de Natal, pois os fatos ligados a história da aviação clássica e da II Guerra em nossa cidade são únicos na América do Sul. Mas quem se importa de verdade com isso?
Espero e gostaria sinceramente que essa situação mudasse. Mas não tenho mais esperanças.
“Nenhum conteúdo desse site, independente da página, pode ser usado, alterado ou compartilhado (além das permitidas por meio de botões sociais e pop-ups específicos) sem a permissão do autor, estando sujeito à Lei de Direitos Autorais n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998”.
No Próximo Dia 15 de Dezembro, às 18:00, Na Prefeitura de Parnamirim, Será Lançado o Livro “Parnamirim, Base Norte-Americana nos Trópicos – 1939-1945. Uma História Inclusiva”, de Valdivia S. Beauchamp, Sobre a Nossa Grande Base Aérea na Segunda Guerra Mundial. É Uma Obra Ficcional, Traduzida em Seis Idiomas e Lançada em Vários Países.
Há pouco tempo eu soube através do meu amigo Manoel de Oliveira Cavalcanti Neto, grande pesquisador e escritor do período colonial potiguar, que em breve uma escritora nascida no Brasil, mas que há muitos anos vive nos Estados Unidos, viria para o Rio Grande do Norte lançar um livro intitulado “Parnamirim, Base Norte-Americana nos Trópicos – 1939-1945. Uma História Inclusiva”.
Capa da edição em portugues.
É um trabalho ficcional, que utiliza elementos históricos ligados ao período da Segunda Guerra Mundial no nosso estado e que esse livro foi lançado em português, francês, inglês, italiano, alemão e russo.
Novamente através da ajuda de Manoel Neto, que conhece a autora há muitos anos, consegui contactar e conversar com Valdivia Vania Siqueira Beauchamp. Uma brasileira, nascida em Recife, cujo ramo paterno é da cidade potiguar de Assu, o materno da capital pernambucana, que mora no exterior e reside na cidade de Nova York.
Capa da edição francesa.
Valdivia é uma mulher de uma biografia muito interessante. Formou-se em jornalismo em Brasília no início da década de 1980, onde se tornou correspondente para a Rede Manchete de Televisão e da Radiobrás, cobrindo o Congresso Nacional e embaixadas na Capital Federal. Depois, nos Estados Unidos fez Pós-graduação na Purdue University, foi professora assistente de português e espanhol nessa universidade e na New York University. Em sua carreira chegou a entrevistar personagens políticos internacionais como Jimmy Carter, Presidente dos Estados Unidos, Valery Giscard d”Estaing, da França e Helmut Kohl, chanceler da Alemanha, além de vários políticos brasileiros. Foi coordenadora cultural da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, a Casa Thomas Jefferson de Brasília.
Capa da edição italiana.
Se tornou escritora e é autora de cinco livros: “Stigma, saga por um novo mundo” (versão em português e inglês), “Because of Napoleon” (versões em francês, inglês e português), “Khatun, Gertrude Bell, mentor de Lawrence d’Arabie” (francês), “My Mesopotamia notes, of Gertrude Bell”, (inglês) e finalmente a ficção “Parnamirim, Base Norte-Americana nos Trópicos – 1939 -1945. Uma História Inclusiva”.
Segundo a sua biografia, que chegou à tela do meu computador através de um e-mail da própria autora, esse livro com uma história baseada na saga de Parnamirim Field foi agraciado com o Troféu Cora Coralina de 2018 como melhor livro de ficção e o Troféu Clarice Lispector de 2021, como melhor livro no exterior (edição alemã “Parnamirim, Nordamerikanische, Militarbasis in Den Tropen – 1939 -1945 – Einenumfassende Geschichte”).
Capas das edições em russo e alemão.
Para a autora, embora seja uma obra ficcional, esse livro traz a importância de um local que chamamos “Trampolim da Vitória”, que devido a sua importância estratégica, tanto ajudou aos americanos e seus Aliados a utilizar os meios disponíveis contra os países totalitários que desejavam subjugar o mundo naquela época.
Para ela Parnamirim Field foi uma das três frentes de ação do Brasil na Segunda Guerra, sendo as outras a criação da FEB (Força Expedicionária Brasileira) e seu deslocamento para lutar na Itália contra os nazifascistas e o bravo combate naval brasileiro e norte-americano no Atlântico Sul, principalmente contra os submarinos alemães e italianos pela manutenção do tráfego marítimo em nossas costas.
Valdivia S. Beauchamp
Bem, agora os que gostam do tema ligado à história da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte e sobre a grande base de Parnamirim Field, terão uma oportunidade muito interessante e positiva de conhecer esse trabalho e a autora.
Muitos hoje desconhecem a importância estratégica do Brasil durante o maior conflito bélico da humanidade. Além de grande fornecedor de matérias primas e materiais de alto valor estratégico o Brasil possuía alguns locais de extrema importância geográfica para uso da aviação e das forças navais, caso principalmente de Natal e Recife.
Não é surpresa que antes mesmo da entrada do Brasil na conflagração, os nazistas já tinham olhos postos e muito atentos sobre o território nacional. Foi o Abwehr, uma organização de inteligência militar alemã que existiu entre 1920 a 1945, que cumpriu esta missão. O objetivo inicial da Abwehr era a defesa contra a espionagem estrangeira – um papel organizacional que mais tarde evoluiu consideravelmente, principalmente após a ascensão dos nazistas ao poder em 1933. Esta organização sempre esteve muito próxima ao Comando Supremo das Forças Armadas (Oberkommando der Wehrmacht – OKW) e do próprio Adolf Hitler, com seu quartel general em Berlim, adjacente aos escritórios do OKW.
Vice-almirante Wilhem Canaris, chefe do Abwehr.
Quem comandou por nove anos a Abwehr foi o vice-almirante Wilhem Franz Canaris. Considerado até os dias atuais como uma verdadeira lenda e um dos indivíduos mais interessantes e misteriosos da história da Segunda Guerra Mundial. Canaris nasceu em 1 de janeiro de 1887 em Aplerbek, Alemanha.
Jovem ainda começou a carreira naval e tornou-se oficial da Marinha. Era considerado como um homem inteligente, dinâmico, que havia viajado muito e conhecia seis línguas, inclusive o português. Foi comandante de submarinos na Primeira Guerra Mundial e, apesar da rivalidade entre as duas nações, tinha grande respeito pela Marinha Real da Grã-Bretanha, a Royal Navy.
Sob a direção de Canaris a Abwehr se tornou uma vasta organização de informações que incluía uma grande rede de espionagem em numerosos países estrangeiros, utilizando extensamente as missões diplomáticas alemãs. Essa rede foi primeiramente organizada em países que eram considerados os prováveis adversários da Alemanha do novo conflito que surgia no horizonte, principalmente a Grã-Bretanha. Depois a rede foi implantada em locais de forte significação estratégica no Hemisfério Ocidental.
A grande base de Parnamirim Field durante a Segunda Guerra Mundial.
Apesar do maior país da América do Sul ser considerado pela Alemanha nazista um país amigo do ponto de vista político, logo que a Guerra iniciou em 1939 o Abwehr agiu para organizar um amplo serviço de informações em nosso país[1].
Suástica Sobre o Brasil
A espionagem alemã no Brasil esteve principalmente sob o comando de Albrecht Gustav Engels, um engenheiro que vivia no Brasil desde 1923, fugindo da crise que se abateu no seu país após a Primeira Guerra Mundial. Aqui Engels trabalhou na empresa Siemens, na Companhia Siderúrgica Brasileira e depois foi gerente da Companhia Sul-americana de Eletricidade em Belo Horizonte, sucursal da empresa alemã Allgemeine-Elektrizitäts Gesellschaft (AEG), onde alcançaria cargo de direção na América do Sul. Casou com a alemã Klara Pickardt em 1927, onde nasceu seu único filho e três anos depois se mudou para o Rio de Janeiro, a então Capital Federal.
Antes do início da guerra Engels foi com a família para três meses de férias a Alemanha e outros países europeus. Nesta viagem reencontrou em Gênova, cidade portuária italiana, um velho amigo chamado Jobst Raven, então capitão da Wehrmacht, o exército alemão, e que trabalhava na seção econômica do Abwehr. Deste contato Engels se tornou espião e passou a enviar inúmeros relatórios sobre a situação econômica, industrial e militar dos países sul-americanos e Estados Unidos. Com o início da Guerra este trabalho se ampliou bastante.
Engels (cujo codinome era “Alfredo”), com a colaboração de importantes membros da colônia alemã, que tinham cargos chaves em fortes empresas comerciais no país, começou a recrutar alemães natos, ou nascidos no Brasil, e estabeleceu se grupo de espionagem.
A organização de Engels não foi a única que operava no país, mas foi a maior e mais bem organizada. Esta rede de espionagem buscava informações variadas sobre o país, incluindo aspectos da política interna, sobre pontos estratégicos, a geografia litorânea e sobre a movimentação dos transportes. Para enviar suas informações a Abwehr sem serem descobertos os espiões germânicos em terras tupiniquins empregavam diversos recursos, tais como tinta invisível, pseudônimos, símbolos nos passaportes, códigos telegráficos, correspondência para endereços disfarçados, microfotografias e mensagens enviadas de estações de rádios clandestinas[2].
Os melhores relatórios dos espiões de Engels tinham foco em inteligência naval e questões relativas ao tráfego marítimo. As informações vinham de tripulantes e funcionários que trabalhavam em navios e escritórios de terra das companhias marítimas nos principais portos brasileiros e incluíam vitais informações estratégicas. Graças a estes relatórios, a Kriegsmarine, a Marinha alemã, pode planejar interceptações de uma enorme quantidade de navios mercantes aliados que partiam da América do Sul.
É verdade que uma parte do serviço de espionagem de Engels era formada por espiões que estavam ligados a uma organização com algum nível de estrutura e financiadas pelo Abwehr, mas também havia muitas pessoas comuns, que atuavam de forma amadora e independente, querendo de alguma maneira ajudar a pátria distante.
Foto de várias pessoas acusadas de espionagem nazista no Brasil e publicadas no jornal Diário Carioca, de 2 de março de 1943. Entre eles temos brasileiros natos e naturalizados e cidadãos alemães. Tipos comuns, distante da ideia dos espiões criada pelo cinema.
Apesar de problemas que existiram devido ao amadorismo de vários espiões e informantes, é fato que graças às comunicações das redes de Engels, os relatórios obtidos pelos agentes nazistas na Argentina, Estados Unidos, México, Equador e Chile foram enviados para a Alemanha através de estações de rádios clandestinas brasileiras. Esta extensa rede conseguiu durante algum tempo enganar muito bem os serviços de contraespionagem britânica e norte-americana.
O Nordeste Como Alvo
Entre os homens que Engels conhecia com perfil para trabalharem como espiões estava Herbert Friedrich Julius von Heyer, ou Herbert von Heyer. Este era um filho de alemães nascido no Brasil em 1901, na cidade paulista de Santos, que aos quatro anos von Heyer seguiu com a família para Alemanha e chegou a lutar na Frente Russa durante a Primeira Guerra Mundial. Deu baixa do serviço militar como sargento em 1919, retornando ao Brasil quatro anos depois e desde 1938 trabalhava na sede carioca da empresa de navegação Theodor Wille & Cia.
Herbert Friedrich Julius von Heyer, ou Herbert von Heyer. Fonte – Livro Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem alemã no Brasil, 1939-1944, de S. E. Hilton. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, pág. 37.
Quando von Heyer esteve na Alemanha no outono de 1941, Engels avisou ao capitão Jobst Raven para encontrar, contatar e cooptar o antigo sargento para a causa. O que aconteceu sem maiores problemas e von Heyer passou a utilizar o codinome “Humberto Heyer”.
Engels e o novo colaborador começaram a trabalhar juntos no Rio, em dois escritórios conjugados de um edifício localizado na Rua Buenos Aires, 140, no Centro. Em julho daquele ano Engels informou a Berlim que von Heyer se deslocaria a Recife para recrutar possíveis colaboradores na capital pernambucana e saber das atividades dos norte-americanos na região.
Ele chegou à cidade faltando dez minutos para as cinco da tarde do dia 4 de julho de 1941, uma sexta-feira. Desembarcou do hidroavião “Caiçara”, da empresa Syndicato Condor no chamado “Aeroporto de Santa Rita”, onde então amerissavam os hidroaviões de passageiro na Bacia do Pina-Santa Rita[3].
Apesar de não possuir dados comprobatórios sobre isso, provavelmente quando o “Caiçara” sobrevoou a região do Porto de Recife, o espião Humberto deve ter visto atracados quatro belonaves de guerra da marinha dos Estados Unidos, a US Navy. Eram os cruzadores Memphis (CL 13), Cincinnati (CL 6) e os destroieres Davis (DD 395) e Warrington (DD 383) e certamente Von Heyer se questionou o que aquelas naves de guerra faziam ali. Mas aquela não seria sua única e desagradável surpresa no Nordeste do Brasil[4].
Logo o espião hospedou-se no tradicional Grande Hotel e manteve um primeiro contato com Hans Heinrich Sievert.
Von Heyer passou oito dias em Recife e através do apoio de Sievert realizou várias reuniões na tentativa de angariar novos adeptos para a causa. Algumas foram produtivas e outras nem tanto. Entre estes manteve contato com o engenheiro elétrico alemão Walter Grapentin para a instalação de uma estação de rádio de ondas curtas, mas este recusou o trabalho[5].
Certamente o melhor elemento contatado por von Heyer foi Hans Sievert. Este era um alemão naturalizado brasileiro, tinha 37 anos, havia chegado ao Brasil em 1924, era casado com a alemã Wilma Korr, sendo membro destacado da tradicional comunidade germânica na capital pernambucana, além de gerente e sócio da antiga e conceituada firma Herm Stoltz & Cia. Sievert onde teve uma ascensão muito positiva na Herm Stoltz, saindo do posto de simples empregado, passando a ser gerente e finalmente sócio. Estava tão bem financeiramente que em 1932 retornou da Alemanha para o Recife no dirigível Graf Zeppelin[6].
A Herm Stoltz & Cia. era muito conceituada em todo país e muito conhecida particularmente em Pernambuco, onde eram os agentes da empresa aérea teuto-brasileira Syndicato Condor.
O Serviço em Natal
Segundo o brasilianista Stanley E. Hilton, em seu livro ““Suástica sobre o Brasil : a história da espionagem alemã no Brasil, 1939-1944”, nesta viagem a Recife o espião von Heyer já estava sendo vigiado pelo pessoal do Federal Bureau of Investigation – FBI, a mítica unidade de polícia do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Consta que o homem a serviço do Abwehr teria deixado Recife para uma rápida viagem a Natal, provavelmente em algum avião de carreira do Syndicato Condor[7].
Natal, metade da década de 1930.
Na capital potiguar ele teria se encontrado com os alemães Ernest Walter Luck, seu cunhado Hans Werbling e Richard Burgers. É provável que este encontro tenha ocorrido na casa de Luck, que servia de cônsul alemão na cidade, na Rua Trairi, 368, no bairro de Petrópolis. Todos esses alemães já eram radicados há vários anos na capital potiguar, partidários e propagandistas de primeira linha da causa nazista. Mas certamente o que deve ter impressionado o espião von Heyer em Natal foi o acentuado movimento de aviões norte-americanos, a presença de tropas brasileiras nas ruas e o imenso volume das obras desenvolvidas na construção da base aérea em Parnamirim e das bases de hidroaviões e de navios de guerra nas margens do Rio Potengi.
Aquilo era muito grave e von Heyer nem esperou seu retorno para o Rio. Antes de seguir para Fortaleza e Belém, destino final de sua viagem, ele enviou uma carta, certamente feita à base de tinta invisível, contando as preocupantes novidades ao seu chefe Engels.
Abastecimento de um C-87 em Parnamirim Field – Livro-Trampolim para a vitória, pág 129, de Clyde Smith Junior, 1993.
O que estava acontecendo em Recife e Natal, em uma das áreas mais estratégicas de todo Oceano Atlântico, certamente tinha de ser mais bem avaliado para ser informado ao Abwehr. Mas como isso poderia ser feito sem chamar atenção dos americanos?
A solução veio através de Hans Sievert, que conhecia um pernambucano com sólida formação como engenheiro, oriundo de família tradicional, com muitos contatos proveitosos e que poderia ampliar as informações do que acontecia na capital potiguar.
O escolhido foi Luiz Eugênio Lacerda de Almeida. Era filho do desembargador Luiz Cavalcanti Lacerda de Almeida e de Dona Maria Elisa. Tinha 46 anos, havia estudado no tradicional Ginásio Porto Carreiro, casou em 1922 com Maria Cândida Pereira Carneiro, tinha três filhos e residia na Avenida Beira Mar, número 3.000, em Recife. Na época ele trabalhava na Destilaria Central Presidente Vargas, pertencente ao Instituto do Açúcar e do Álcool e localizada no município do Cabo, atual Cabo de Santo Agostinho.
O engenheiro e sua esposa eram muito bem situados na sociedade pernambucana, possuindo parentesco com as tradicionais famílias Brennand e Burle, além do conde Ernesto Pereira Carneiro, empresário, político, jornalista e proprietário do respeitado Jornal do Brasil, com sede no Rio de Janeiro.
Jornais de várias partes do país também enalteceram a ligação do engenheiro pernambucano com o Integralismo, como o Diário da Tarde, de Curitiba-PR, na sua edição de terça feira, 30 de junho de 1942, pág. 1.
Segundo o jornal O Radical, do Rio, Eugênio Lacerda de Almeida havia sido Integralista e ideologicamente tinha um posicionamento favorável em relação ao Terceiro Reich de Adolf Hitler. Provavelmente isso explica a sua amizade com Hans Sievert[8].
Não existe uma comprovação da data que Eugênio Lacerda de Almeida chegou a Natal, mas se sabe que desembarcou em um voo da Panair do Brasil, pago pela Herm Stoltz & Cia. O fato deste engenheiro pernambucano haver chegado a Natal através de um voo desta empresa aérea pode explicar muito sobre sua infiltração nas obras de Parnamirim.
Em 1941 o Brasil ainda era um país neutro na Segunda Guerra e não queria de modo algum comprometer sua neutralidade. Oscilando ora para o lado do Eixo, ora com acenos aos Aliados, o regime ditatorial de Getúlio Vargas tolerou tanto as atividades dos nazistas no Brasil, quanto à construção de vários aeroportos pelos americanos. Estes aeroportos, cujos principais eram os de Belém e Natal, jamais poderiam ser construídos por militares estadunidenses. A solução encontrada pelo governo americano foi colocar em campo a Panair do Brasil, que nada mais era do que uma subsidiária da empresa aérea americana Pan American Airways, com recursos para tocar as obras vindas do ADP (Airport Development Program – Programa de Desenvolvimento de Aeroportos). Então teve início a construção das instalações destinadas a servirem como principais bases de transporte e transbordo ao longo da rota do Atlântico Sul.
Na foto vemos um Douglas C-47 Dakota em Parnamirim Field.
Evidentemente que muito dinheiro forte estava circulando em Natal, fato este que tanto atraía prostitutas, malandros e ladrões, quanto pedreiros, mestres de obras e engenheiros. Pernambuco já possuía há décadas uma escola de engenharia e alguns engenheiros ali formados convergiram para a capital potiguar atrás de dólares. Certamente a chegada de Eugênio Lacerda de Almeida a Parnamirim, vindo em um avião da Panair do Brasil, possivelmente bem trajado e distribuindo simpatia, não deve ter alertado as autoridades.
Trabalhos de construção em Parnamirim Field – Hart Preston-Time & Imagens de Vida / Getty Images.
Aliado a isso temos que pensar que ele talvez conhecesse alguém na área das obras para apresentar o trabalho que ali era realizado. Esse pretenso contato, de forma inadvertida, ou em estreita cooperação, lhe apresentou o engenheiro encarregado das obras, que lhe trouxe então as plantas da construção das pistas de aterrissagem e dos muitos locais administrativos que seriam utilizados por americanos e brasileiros. Ardilosamente Eugênio Lacerda de Almeida guardou na memória o que viu nas plantas da grande base e depois, reservadamente, desenhou um croqui com detalhes do projeto.
Existe a informação que além de “visitar” as obras da base de Parnamirim, o engenheiro teria igualmente visto as obras da futura Base Naval de Natal[9]. À noite, hospedado em um hotel, ao entabular conversas com pessoas que trabalhavam nas obras em Natal, soube de detalhes dos projetos de ampliação do porto da cidade. No outro dia ele voltou a Recife a bordo do navio Cantuária[10].
Na capital pernambucana, ao se encontrar com Hans Sievert, o engenheiro Eugênio Lacerda de Almeida quis lhe reportar o que viu, mas o alemão exigiu um relatório por escrito, mas afirmou que depois o destruiria.
Capturando Os Vermes!
Em muito pouco tempo a situação virou completamente.
Os afundamentos e os chocantes relatos dos sobreviventes levaram a um clima de intensa animosidade com a Alemanha, com manifestações em todo o país, algumas violentas, com a depredação de bens ligados a alemães, e onde se exigia que o Brasil declarasse guerra ao Eixo (Alemanha, Itália e Japão), o que foi feito pelo presidente Vargas em agosto de 1942.
Mesmo tendo vários navios afundados por submarinos alemães e com muitos de seus cidadãos mortos, O Brasil era um país que teimava em ficar em cima do muro, sem se comprometer demasiadamente na Guerra e tentava tirar vantagens dos dois lados da contenda. Mas conforme cresciam os ataques dos submarinos alemães aos navios de carga brasileiros, a revolta da população aflorou intensamente e a boa vida dos espiões alemães acabou completamente em terras tupiniquins[11].
O desmantelamento das redes de espionagem deu um enorme trabalho para o governo Vargas, que levou algum tempo para conseguir este objetivo. Mas em 25 de fevereiro de 1942 os alemães Hans Sievert e Walter Grapentin prestaram depoimentos ao então Secretário de Segurança de Pernambuco, o Dr. Etelvino Lins de Albuquerque, e ao delegado Fabio Correia de Oliveira Andrade, nas dependências da Delegacia de Ordem Política e Social, o DOPS, em Recife e eles entregaram tudo mundo[12].
Logo, para surpresa geral na capital pernambucana, um dos chamados a depor foi Luiz Eugênio Lacerda de Almeida.
Sievert confirmou que o engenheiro foi a Natal por conta da empresa Herm Stoltz & Cia, que o enviou para conhecer a obra para a empresa alemã melhor se preparar para “candidatar-se as concorrências que existiam em Parnamirim”. Uma situação completamente ilógica e ridícula diante do estado de extrema desconfiança e quase beligerância entre alemães e americanos na época.
Já Eugênio Lacerda de Almeida informou que passou apenas um dia em Natal e negou a autoria do croqui produzido sobre a base de Parnamirim. Entretanto, talvez por receio de uma acareação, se retraiu ao ser confrontado com o material e confirmou que foi ele que produziu os desenhos. Afirmou que primeiramente negou o fato por medo de se prejudicar, pois havia recebido de Hans Sievert a garantia que o material havia sido destruído. Eugênio Lacerda de Almeida comentou também que na época da feitura dos desenhos, quando o Brasil ainda se encontrava neutro, ele havia se tornado “admirador das vitórias alemãs” e na sua concepção ele não estava prejudicando o Brasil.
As estratégicas bases aéreas em Natal e Belém foram importantes na engrenagem de guerra doa Aliados no Brasil. Na foto vemos um Douglas C-47 e um Consolidated B-24 Liberator.
A situação do engenheiro foi cada vez mais se complicando, principalmente quando ele teve de explicar a origem de 50 contos de réis (50.000$000) que recebeu de Hans Sievert. Até então a ida de Eugênio Lacerda de Almeida a Natal teria sido, por assim dizer, voluntária. Mas surgiu um depósito em sua conta corrente do Banco do Povo neste valor, creditado no dia 23 de dezembro de 1941. Aparentemente um gordo presente de natal!
Mas o dinheiro ficou depositado por seis meses, em uma espécie de conta de renda fixa que existia na época. Sievert afirmou em depoimento que entregou aquele dinheiro ao engenheiro pernambucano em confiança, sem documento comprobatório, para atender as necessidades de sua família no caso de surgirem “imprevistos contra a sua pessoa”[13].
O engenheiro Eugênio Lacerda de Almeida foi identificado, sujou os dedos quando fez sua ficha datiloscópica, fez retratos de frente e de perfil e depois saiu andando tranquilamente pela porta da rua!
Lei Frouxa!
Ficou a cargo do Dr. José Maria Mac Dowell da Costa, Procurador do Tribunal de Segurança Nacional (TSN), analisar as provas contidas nos autos contra as pessoas acusadas de espionagem, ou de facilitação desta atividade, os chamados “Agentes do Eixo”[14].
Dr. José Maria Mac Dowell da Costa, Procurador do Tribunal de Segurança Nacional (TSN)
O Dr. Mac Dowell da Costa prometia através da imprensa que “seria inflexível no cumprimento do dever” e se algum daqueles 128 homens e mulheres pronunciados estivesse seriamente implicado nos artigos no Decreto Lei Nº 4.766, de 1º de outubro de 1942, que definia os crimes militares e contra a segurança do Estado, ele não hesitaria em aplicar a pena máxima existente – A pena de morte![15]
O nobre engenheiro Luiz Eugênio Lacerda de Almeida sofreu por parte da imprensa carioca, especialmente dos jornais Diário Carioca e O Radical, uma intensa pressão para que fosse condenado e recebesse uma punição exemplar[16]. Eugênio Lacerda de Almeida compareceu ao TSN no Rio e foi indiciado com base no Decreto Lei 431, de 18 de maio de 1938, Artigo 3º, no seu 16º inciso.
Houve forte indignação com a liberdade do engenheiro pernambucano. Manchete do jornal O Radical, Rio de Janeiro, edição de domingo, 13 de junho de 1943, pág. 1.
Notem os leitores que de saída o engenheiro pernambucano não foi indiciado na chamada “Lei de Guerra”, que era o Decreto Nº 4.766, de 1º de outubro de 1942, uma lei bem mais dura, mas no Decreto Lei 431, de 1938. Este na sua parte inicial era definido como “Crimes contra a personalidade internacional, a Estrutura e a segurança do Estado e contra a ordem social”. E trazia no texto do seu inciso 16º o seguinte teor “Incitar ou preparar atentado contra pessoa, ou bens, por motivos doutrinários, políticos ou religiosos; Pena – 2 a 5 anos de prisão; se o atentado se verificar, a pena do crime incitado, ou preparado”[17]. Além disso, trazendo como verdadeiro “abre alas” de sua defesa, havia dezenas de cartas de autoridades e pessoas gradas, atestando a sua conduta e de como ele era uma pessoa ilibada[18].
Quase no fim do ano de 1943, sob a presidência do ministro Frederico de Barros Barreto, natural de Recife, o TSN promulgou várias sentenças contra os acusados de espionagem e vários deles foram condenados a pena de morte, entre eles Albrecht Gustav Engels.
Aparelho achado no Rio servia para mandar informações a nazistas.
Mas para desgosto de muita gente, sedenta de sangue para vingar os mais de 1.081 mortos, em mais de 34 navios brasileiros afundados por submarinos do Eixo, nenhum dos acusados de espionagem foi parar diante de algum pelotão de fuzilamento. O Dr. Mac Dowell da Costa afirmou a um periódico mineiro que os casos que estavam chegando ao TSN eram anteriores ao reconhecimento da declaração de guerra, sendo impossível aplicar a pena de morte[19].
Esses condenados a morte tiveram a pena alteradas para 30 anos de prisão, mas muitos não cumpriram sequer dez anos pelos seus atos. O grande chefe Engels logo saiu da cadeia e foi ser funcionário, logicamente, de uma empresa alemã. No caso a Telefunken do Brasil, aonde chegou a presidência da mesma[20]. Hans Heirich Sievert e Herbert von Heyer foram condenados a 25 anos de prisão cada um. Sievert logo deixou a cadeia e aparentemente foi morar em Petrópolis, Rio de Janeiro, onde faleceu em 17 de novembro de 1979[21].
Já von Heyer penou um pouco mais. Em 1952 vamos encontrá-lo encarcerado no mítico e tenebroso presídio da Ilha Grande, no Rio de Janeiro, onde era considerado um preso de bom comportamento e dava aulas de inglês para o comandante da instituição prisional[22].
Não consegui apurar, mas acredito que o engenheiro Luiz Eugênio Lacerda de Almeida não passou um dia sequer na cadeia. Ele faleceu no Rio de Janeiro, em 2 de dezembro de 1975[23].
FinalInfeliz
Não causa nenhuma surpresa que a maioria dos espiões nazistas que operaram no Brasil não quis retornar para sua tão amada nação de origem após o fim da guerra. Simplesmente após o fim do conflito ninguém no Brasil se importou muito com essa gente e represálias, até onde sei, nunca aconteceram. O tempo apagou quase tudo sobre esses casos!
Já nos Estados Unidos, por exemplo, a coisa foi bem diferente. Começa que o Presidente Franklin D. Roosevelt, temeroso que um tribunal civil fosse demasiado indulgente com espiões nazistas, criou um tribunal militar especial para esse tipo de caso. Isso levou a execução na cadeira elétrica de seis espiões nazistas[24].
Já na Inglaterra foi criada a “Lei da Traição”, que após passar pelo parlamento e receber o assentimento real, tinha apenas uma sentença prioritária: a morte. Lá, Entre 1940 e 1946, dezenove espiões e sabotadores foram processados sob a Lei da Traição e executados. Um vigésimo espião – um jovem diplomata português – foi condenado à morte, mas a sua pena foi comutada para prisão perpétua após a intervenção do governo português[25].
[1] Ver os livros Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem alemã no Brasil, 1939-1944, de S. E. Hilton. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, págs. 17 a 19 e O Brasil na mira de Hitler, Roberto SANDER. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, págs. 23 a 33.
[2] Ver os livros Hitler’s Spy Chief: The Wilhelm Canaris Mystery. New York, NY, EUA: Pegasus Books, 212, págs, 23 a 45. Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem alemã no Brasil, 1939-1944, de S. E. Hilton. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, págs. 20 a 24.
[3] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de sábado, 5 de julho de 1941, pág. 2. O interessante foi que von Heyer desembarcou utilizando seu nome verdadeiro e este antigo ponto de embarque e desembarque de hidroaviões em Recife ficava localizado onde atualmente existem duas grandes torres de apartamentos, construídas pela empresa Moura Dubeux, as margens do Rio Capibaribe. Estas torres são dois edifícios de luxo de 42 andares, construídos no Cais de Santa Rita, no bairro de São José e conhecidas popularmente como as “Torres Gêmeas”. A construção das torres começou em 2005 e foi concluída em 2009, após batalha judicial com o Ministério Público Federal, que apontava irregularidades na obra. Com sua excessiva proximidade com o mar e grande altura, os prédios diferem radicalmente do entorno do bairro histórico. Sobre esse assunto ver – https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/06/01/obra-em-bairro-historico-inflama-debate-sobre-verticalizacao-do-recife.htm
[4] Aquelas naves em Recife estavam sob o comando do vice-almirante Jonas H. Ingran, como parte da Task Force 3, que futuramente, com a ampliação das ações de combate da US Navy no Atlântico Sul, seria designada como Fourth Fleet (Quarta Frota).
[5] Sobre o encontro entre Grapentin e von Heyer ver as declarações do primeiro para a polícia pernambucana, reproduzidas no Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de domingo, 29 de março de 1942, pág. 4 e no livro Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem alemã no Brasil, 1939-1944, de S. E. Hilton. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, pág. 40.
[6] A Herm Stoltz & Cia. foi uma empresa fundada em 1863, muito conceituada em todo país no transporte marítimo, com matriz no Rio e filial até na Alemanha. Era muito conhecida particularmente em Pernambuco, onde eram os agentes da empresa aérea teuto-brasileira Syndicato Condor. Já sobre as declarações de Hans Sievert para a polícia pernambucana, reproduzidas no Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de domingo, 29 de março de 1942, pág. 4. Já sobre a viagem no dirigível Graf Zeppelin, ver o Jornal Pequeno, Recife-PE, edição de quinta feira, 13 de outubro de 1932, pág. 1.
[7] Segundo Stanley E. Hilton a informação da presença do espião von Heyer em Natal está inserida no relatório do FBI intitulado “Totalitarian activities – Brazil Today”, produzido em dezembro de 1942, mas sem referência de páginas. Afora isso não existe nenhum documento comprovatório da passagem deste espião por Natal. Entretanto é bastante crível sua presença na capital potiguar diante do que os americanos desenvolviam aqui em julho de 1941 . Ver o livro Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem alemã no Brasil, 1939-1944, S. E. Hilton. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, págs. 40 e 41.
[8] Sobre os vários detalhes da vida de Luiz Eugênio Lacerda de Almeida ver o Jornal Pequeno, Recife-PE, edição de segunda feira, 20 de fevereiro de 1922, pág. 1 e O Radical, Rio de Janeiro, edição de domingo, 13 de junho de 1943, págs. 1 e 4.
[9] Ver Diário Carioca, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 29 de maio de 1942, páginas 1 e 5.
[10] Eugênio Lacerda de Almeida não informou em qual hotel ficou em Natal e nem se manteve contato com os alemães residentes na cidade. Ver seu depoimento reproduzido no jornal O Radical, Rio de Janeiro, edição de domingo, 13 de junho de 1943, págs. 1 e 4 e no Diário Carioca, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 29 de maio de 1942, páginas 1 e 5.
[11] Sobre a derrocada dos espiões nazistas no Brasil, ver o livro Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem alemã no Brasil, 1939-1944, S. E. Hilton. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, págs. 235 a 296.
[12] Etelvino Lins de Albuquerque foi Governador de Pernambuco entre 1952 e 1955, senador constituinte, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) e deputado federal em duas legislaturas.
[13] Ver O Radical, Rio de Janeiro, edição de domingo, 13 de junho de 1943, págs. 1 e 4.
[14] O Tribunal de Segurança Nacional (TSN) foi uma corte de exceção, instituída em setembro de 1936, primeiramente subordinada à Justiça Militar e criada diante dos traumas provocados no poder pela Intentona Comunista de novembro de 1935. Era composto por juízes civis e militares escolhidos diretamente pelo presidente da República e deveria ser ativado sempre que o país estivesse sob o estado de guerra. Com a implantação da ditadura do Estado Novo, em novembro de 1937, o TSN passou a desfrutar de uma jurisdição especial autônoma e tornou-se um órgão permanente. Nesse período passou a julgar não só comunistas e militantes de esquerda, mas também integralistas e políticos liberais que se opunham ao governo. Entre setembro de 1936 e dezembro de 1937, 1.420 pessoas foram por ele sentenciadas. O TSN foi extinto após a queda do Estado Novo, em outubro de 1945.
[18] Sobre esta questão ver O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edições de domingo, 8 de junho de 1943, nas páginas 1 e 2.
[19] Sobre as declarações do Dr. Mac Dowell da Costa ver o Correio de Uberlândia, Minas Gerais-MG, edição de quinta feira, 25 de fevereiro de 1943, pág. 1.
[20] Ver o livro O Brasil na mira de Hitler, Roberto SANDER. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, págs. 106 e 119.
[21] Ver Jornal do Brasil, Rio de Janeiro-RJ, edição de domingo, 17 de novembro de 1979, pág. 38, 1º Caderno.
[22] Ver Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro-RJ, edição de segunda feira, 4 de fevereiro de 1952, pág. 7.
[23] Ver Jornal do Brasil, Rio de Janeiro-RJ, edição de quarta feita, 3 de dezembro de 1975, pág. 24, 1º Caderno.
Não Existe Amizade Entre Nações, Apenas Interesses – Um Químico Americano Preso no Recife – A Pronta Atuação dos Funcionários do Consulado dos Estados Unidos Para Proteger Seus Compatriotas – Uma Acusação de Assédio e Uma Mentira – Uma Jovem e Bela Norte-Americana Fotografando os Portos de Manaus e Natal
Rostand Medeiros – IHGRN
O mundo das relações entre os países, o mundo dos diplomatas, é sempre uma atividade interessante e com características próprias, possuindo atuações que muitas vezes não ficam tão distantes do que acontece no mundo dos simples mortais. Pois quando os diplomatas estão nos engalanados salões dos palácios atuando frente a frente, tudo são sorrisos, apertos de mãos, cordialidades e gestos agradáveis. Mas por trás, se determinados interesses das nações não são atendidos em vários níveis, todos os outros países são vistos como “inimigos”, mesmo que nunca tenham declarado guerra entre si. Enfim, nos escritórios escondidos das embaixadas não existe amizade entre nações, apenas interesses!
Afundamento de navio na costa brasileira.
Durante a Segunda Guerra Mundial, de maneira um tanto óbvia, essa situação se tornou extremamente intensa. No caso do Brasil o ditador Getúlio Vargas várias vezes bailou na beira do precipício com alemães, norte-americanos, italianos e ingleses. Todos interessados nas ricas matérias primas existentes em nosso vasto território e na privilegiada posição estratégica de Natal em relação ao Atlântico Sul, enquanto Getúlio, o Gegê, buscava trazer para o país investimentos em infraestrutura.
Em meio a essa situação nas altas esferas, os membros dos aparatos de segurança em todo Brasil recebiam ordens expressas para manter a vigilância sobre os atores que participavam desses movimentos diplomáticos, principalmente contra os declarados inimigos, mas também os ditos amigos. Evidentemente que o resultado dessas ações de vigilância poderia mostrar (como mostraram) ações beligerantes de agentes estrangeiros contra nosso país, mas em outros casos eram os nossos aliados que agiam de maneira estranha e chamavam atenção da polícia brasileira.
Trago para vocês dois casos envolvendo cidadãos norte-americanos no Nordeste do Brasil em 1942, que bem podem ser uma espionagem descarada de agentes de um país aliado contra o Brasil!
O Químico Americano Preso no Recife
Segundo um prontuário existente no Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (APEJE), em Recife, na manhã de 4 de julho de 1942, o contingente do 9° Grupo de Artilharia Autotransportado, ou 9° GAAuT, havia deixado seu quartel em Olinda e se encontrava na Rua do Hospício, próximo ao Parque 13 de maio, antes da realização de um evento definido como uma “parada”. Talvez fosse uma apresentação do 9° GAAuT, recém-chegado à Pernambuco, ao comandante local do Exército Brasileiro, já que o quartel general era nas imediações, onde atualmente se localiza o Hospital Militar da Área do Recife. Segundo o advogado Ricardo Argm essa área é próxima dos prédios da Faculdade de Direito de Pernambuco e da Câmara Municipal da capital pernambucana.
Desfile de tropas brasileiras na década de 1940.
Ocorre que enquanto aguardavam o início do evento, os militares perceberam dois homens observando o material bélico do 9° GAAuT e na mesma hora o comandante interino, o tenente-coronel Cyro Nole de Athayde, mandou prender aqueles dois estranhos. Um dos homens era brasileiro e se chamava Martins e o outro, claramente um estrangeiro, afirmou ser cidadão norte-americano e seu nome era “Thompson”. O tenente-coronel Cyro Nole ordenou que aqueles elementos fossem levados à sede da Delegacia de Ordem Pública de Recife e apresentados ao delegado Fábio Correia de Oliveira Andrade.
O nome do brasileiro era Antônio Martins da Rocha e no documento pesquisado não ficaram maiores informações sobre essa pessoa. Já sua detenção foi explicada por ele fazer “referências desairosas à tropa formada”. Com relação ao estrangeiro ele foi detido por que “tirava dados sobre o efetivo e a organização militar”.
Na delegacia o que chamou atenção de verdade dos policiais foi a mentira que o gringo disse em relação ao seu nome.
Bernard Arthur Weimer.
Não demorou e os policiais descobriram que o tal “Thompson” era na verdade o engenheiro químico Bernard Arthur Weimer, de 39 anos, natural da cidade de Chicago, estado de Illinois, e formado em 1925 pela Universidade de Wisconsin. Weimer estava no Brasil desde 1938, onde trabalhava no Rio de Janeiro na empresa Indústrias Químicas Brasileiras Duperial, atual DuPont, onde exercia a função de gerente da seção técnica. Ele também havia viajado para Recife e Natal, respectivamente em fevereiro e maio de 1941, mas não explicou a natureza dessas viagens.
O coronel Cyro Nole enviou um ofício, com o número 9-S, ao delegado Fábio Correia, onde solicitava que após “Thompson” prestar depoimento, ele fosse enviado para a Segunda Seção (S2) do Estado Maior da 7ª Região Militar do Exército. Para os que desconhecem o que venha a ser a chamada “Segunda Seção” no âmbito das unidades militares do Exército Brasileiro, é o setor que trata da parte de inteligência, onde militares especialmente treinados se dedicam a coleta e análise de informações sigilosas.
Mas o estrangeiro bisbilhoteiro nem sequer “esquentou banco” na delegacia e muito menos foi para a sede do comando do Exército na capital pernambucana.
Atitudes Estranhas
Dois dias depois após sua detenção, o delegado Fábio Correia enviou o ofício número 538 ao major comandante da Segunda Seção da 7ª Região Militar, onde, de forma sucinta, explicou que Weimer saiu da sua repartição no mesmo dia de sua prisão. E saiu pela porta da frente junto com o vice-cônsul norte-americano Robert Bruce Harley. O diplomata informou que Weimer estava em Recife “a negócios da empresa Duperial” e “se responsabilizou pela idoneidade do citado estrangeiro”. Sete dias depois Weimer partiu para o Rio, a bordo de um hidroavião da empresa aérea Pan American Airways.
Não sei se era uma prática comum aos membros do Consulado dos Estados Unidos em Recife agirem de forma tão célere no apoio aos cidadãos estadunidenses, como foi o caso de Weimer. Ou se o caso requereu dos diplomatas uma “atenção especial”, com a intenção de evitar que o químico fosse recambiado para a sede da 7ª Região Militar.
Perguntei-me o porquê do tenente-coronel Cyro Nole de Athayde pedir ao delegado Corrêa que o americano Weimer fosse enviado para dar explicações na Segunda Seção da 7ª Região Militar e o que significava à acusação que levou o americano para a delegacia?
A sua tropa possuía algo especial para ser espionada?
Canhão de 75 mm do Exército Brasileiro
Basicamente o 9° Grupo de Artilharia Autotransportada era uma unidade militar muito nova no organograma do Exército Brasileiro. Havia sido criado pelo Decreto nº 4.341, de 26 de maio de 1942 e pelo Aviso nº 1.439, de 3 de junho daquele mesmo ano. Foi formada por elementos e equipamentos vindos do Rio de Janeiro, oriundos da 3ª Bateria Autotransportada (3ª Bia Au Transp), do 1º Grupo Independente de Artilharia Misto (1° GIAMx).
Mas se a unidade era nova, o seu principal equipamento de combate era bastante obsoleto. Eram oito canhões de fabricação alemã da marca Krupp, em calibre 75 mm, comprados pelo Brasil antes da Primeira Guerra Mundial. Em 1942 essa arma até que disparava, mas era mais digna de ir para algum museu do que para uma moderna frente de combate.
Como aparentemente o 9° GAAuT não valia o esforço de uma ação de espionagem, teria a altitude observadora do estrangeiro em relação a unidade militar estressado seu comandante sem maiores delongas? Ou seu comandante era pró-nazista e destetava americanos? Ou o fato daqueles militares terem chegado a Pernambuco apenas três dias antes do episódio da prisão de Weimer, com todos ainda cansados e estressados pela transferência, ter sido uma causa indireta para a prisão?
Enfim, o que Cyro Nole viu em Weimar? Ou o que Weimar fez para chamar atenção de Cyro Nole?
Não sabemos. Mas sabemos que em 1942 o tenente-coronel Cyro Nole de Athayde era um militar de carreira tido como disciplinado, com 25 anos de atividade no Exército, que gostava de esportes e tinha até presidido inquéritos militares que condenaram colegas de farda a severas penas de cadeia.
Após o incidente com o americano em Recife, a carreira de Cyro Nole não sofreu quaisquer alterações, tendo ele assumido no ano de 1944 o comando do 4° Grupo de Artilharia de Dorso, na cidade de Jundiaí, São Paulo. Nole alcançou o generalato e faleceu no início de 1975.
Não descobri o que houve com o Sr. Bernard Arthur Weimer.
A Bela Norte-Americana Que Fotografava
Se o caso do químico americano se encerra sem uma definição concreta se ele espionava, ou não, uma unidade militar brasileira na cidade de Recife, a situação que trago a seguir é mais estranha ainda. Pois tornou suspeita de espionagem uma bela jovem estadunidense que viajou por várias capitais brasileiras e em duas delas foi vista fotografando áreas tidas como sensíveis para a segurança nacional.
Druria Lenn Silverteen, ou Sylvester.
Por volta das 18 horas de uma quarta feira, 22 de maio de 1941, aportou no Rio de Janeiro o navio de passageiros SS Brazil, da empresa Moore-McCormack Lines, vindo de Nova Iorque. Em meio a enorme quantidade de pessoas famosas e passageiros comuns, desembarcou uma jovem norte-americana com 23 anos de idade, que certamente chamou a atenção de muito marmanjo por ser uma mulher bonita e descer sozinha daquele navio.
Seu nome era Druria Lenn Silverteen, mas encontrei seu sobrenome escrito como sendo Sylvester. Era judia, descendente de russos e filha de Samuel Meyr e Golda Goldberd Silverteen. Nasceu em Nova Iorque, sendo formada em administração pela respeitada Universidade de Columbia e trabalhava na sua cidade natal como estenógrafa.
Segundo seu prontuário existente no Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (APEJE), ela começou a trabalhar dois meses depois que desembarcou no Rio de Janeiro, na firma do editor americano Joshua B. Powers.
Esse era o fundador e proprietário da Editors Press Service (EPS), também conhecida como Atlantic Syndication, empresa criada em 1933 como um serviço de distribuição de notícias, tiras de histórias em quadrinhos e outros materiais para jornais latino-americanos, em troca de espaço publicitário que Powers, por sua vez, venderia à empresas de publicidade nos Estados Unidos. Entretanto, algumas fontes apontam que Powers teria sido um ex-agente do governo norte-americano, cuja área de atuação era na América Latina (Ver – https://en.wikipedia.org/wiki/Editors_Press_Service).
Joshua B. Powers
Druria informou que trabalhou na empresa de Powers por um mês, quando se transferiu para o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA), ou Escritório do Coordenador dos Assuntos Interamericanos. Essa era uma agência criada em agosto de 1940 e destinada a desenvolver junto ao governo americano políticas focadas principalmente nas relações culturais com a América Latina. Esse órgão era chefiado nos Estados Unidos por Nelson Aldrich Rockfeller, herdeiro do multimilionário John Davison Rockfeller Junior, dono da poderosa Standard Oil Company, uma das maiores empresas do mundo naquele tempo e que controlava quase tudo que tinha haver com petróleo e gasolina no Brasil.
Getúlio Vargas e Nelson Aldrich Rockfeller.
O principal departamento do Escritório do Coordenador dos Assuntos Interamericanos era o de comunicações, no qual estavam inseridos os setores ligados a imprensa, rádio, cinema, informação e propaganda. Os objetivos desse departamento eram variados, com focos na divulgação de uma mensagem atraente e positiva dos Estados Unidos junto aos países da América Latina, buscar diminuir a influência da Alemanha e Itália nessa região e transmitir nos Estados Unidos uma imagem atraente dos países latino-americanos e de suas populações. Sempre enaltecendo a ideia de amizade e da boa vizinhança.
Segundo seu prontuário Druria Lenn Silverteen, ou Sylvester, passou a trabalhar na sede do Coordenador dos Assuntos Interamericanos no Rio de Janeiro e foi morar em plena Avenida Atlântica, no bairro de Copacabana, perto do Posto 2, no apartamento 23 do Edifício Evers.
Foto de Druria, provavelmente em algum dos escritórios onde trabalhou.
Durante sete meses a bela Srta. Druria ficou no Rio, trabalhando em uma agência que tinha um foco muito intenso e forte na área de comunicação, cuja atuação era extensamente noticiada nas páginas dos jornais cariocas. Mas estranhamente, ao pesquisar na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional, não encontrei nenhuma simples nota sobre essa jovem e bela norte-americana. Bem, talvez por ser uma simples estenógrafa, sua vida no Rio não mereceu atenção dos jornais locais. Ela afirmou que deixou o Escritório do Coordenador dos Assuntos Interamericanos porquê era de “horário prolongado”.
Ficou apenas dois dias sem fazer nada, quando foi contratada pela empresa Momson & Haris, uma agência de propriedades industriais, que tinha sede na praça Mauá, nº 7, no 18º andar do edifício onde ficava a sede do jornal A Noite, no centro do Rio. A norte-americana informou que trabalhou nessa empresa até o dia 30 de abril de 1942, quando veio para Recife em um avião da empresa aérea PANAIR do Brasil no dia 6 de maio, para trabalhar na sede dessa aerovia na capital pernambucana.
Druria não informou quanto ganharia com essa mudança, mas afirmou que nas três empresas que trabalhou no Rio de Janeiro seus salários variaram entre um e dois contos de réis (1.000$000 a 2.000$000). Era vencimentos extremamente interessantes, em um Brasil onde o salário mínimo vigente na época (Decreto-Lei 2.162, de 1940) era de duzentos e quarenta mil réis (240$000).
Relação dos funcionários norteammericanos da ADPP – Airport Development Program (Programa de Desenvolvimento de Aeroportos) em Recife.
Assédio, Ou Mentira?
Dois dias depois de chegar em Recife a jovem Druria começou a trabalhar na sede da ADP – Airport Development Program (Programa de Desenvolvimento de Aeroportos). Esse foi um programa executado pela empresa Pan American Airways para a construção e melhoria de aeroportos na área do Caribe, América Central e Brasil, assim como na Libéria. A PANAIR do Brasil, subsidiária da Pan American Airways, foi quem desenvolveu a construção das bases aéreas de Natal e Belém do Pará.
Situação atual da antiga sede da ADP em Recife, na Avenida Marquês de Olinda, 142 – Fonte – Google Street View.
A sede da ADP em Recife ficava no primeiro andar de um prédio localizado na Avenida Marquês de Olinda, 142. Nesse local a bela Druria tinha a função de secretária, onde trabalhava para George Ignatius Hockensmith, chefe local da agência. Druria por sua vez morava no quarto 322 do Grande Hotel de Recife.
Então, no dia 10 de junho, pouco mais de um mês após assumir a nova função, ela recebeu uma carta assinada pelo chefe Hockensmith, onde ela foi demitida da agência. Segundo o depoimento prestado pela americana em 18 de setembro de 1942 as autoridades brasileiras, a razão de sua demissão estava no fato dela ter sido assediada pelo seu chefe.
Grande Hotel de Recife, onde Druria se hospedava no apartamento 322.
Druria comentou que inicialmente recebeu convites de Hockensmith para “cocktails” e passeios pela bela e exótica capital pernambucana. Mas a jovem recusou e a coisa ficou pior. Um dia, na sede da ADP, o trabalho entrou pela noite e seu chefe, um homem 31 anos mais velho do que ela, chamou Druria no seu escritório, onde a jovem teria sido assediada mais fortemente. Segundo ela Hockensmith puxou o seu braço, agarrando com força e teria dito que “seria muito feliz se a beija-se”. Mas Druria se desvencilhou e saiu do escritório.
Na sequência do caso a norte-americana informou que Hockensmith deixou de lhe transmitir a palavra. Segundo Druria “despeitado com ela pela obstinada recusa de ceder as suas propostas desonestas”. A jovem também informou que seu ex-chefe era “austríaco-alemão de nascimento” e que mantinha um caso com a brasileira “Greta Murray”, funcionária da ADP e esposa de “James Murray”, que era “subgerente do Bank of London”. Afirmou também que a brasileira Greta Murray era de São Paulo, descendente de uma família de alemães chamada “Blomberg”.
É impossível negar os problemas que as mulheres sofriam na década de 1940, como sofrem até hoje, de assédios e busca de favorecimentos sexuais por parte dos homens, mais ainda para uma mulher jovem, bonita, que vivia sozinha em um país estrangeiro, como era o caso de Druria no Brasil. Mas nesse caso, pelo menos até onde descobri, ao menos uma parte das alegações da Senhorita Druria era mentira.
Sobre as pessoas de James e Greta Murray, com todas as implicações a eles alegadas por Druria, eu nada descobri. Mas descobri a ficha de imigração ao Brasil de George Ignatius Hockensmith, que trago em anexo. Ele nasceu em 6 de outubro de 1887, na cidade de Wooster, no estado americano de Ohio e nunca foi “austríaco-alemão de nascimento”.
Talvez por raiva pela demissão, ou desejo de vingança por uma pretensa agressão sofrida, foi que Druria buscou ligar Hockensmith com a pior situação que poderia existir para um norte-americano naquela época – algum tipo de conexão familiar com a Alemanha ou a Áustria.
Druria deixou definitivamente a ADP e, ainda segundo seu depoimento, a carta de demissão pedia que ela “deixasse imediatamente o Recife”. Mesmo assim a jovem conseguiu com seus ex-empregadores uma passagem de avião para o Rio de Janeiro.
Fotografando os Portos de Manaus e Natal
Ao invés de seguir para Cidade Maravilhosa, a norte-americana permaneceu outros 23 dias no Recife, do qual nada é especificado do que fez durante esse tempo. Finalmente, no dia 8 de julho ela deixou a capital pernambucana, mas embarcou no navio de carga e passageiros Raul Soares para a cidade de Manaus. Ela especificou que realizou essa viagem porque “quando chegou ao Brasil, tinha o desejo de conhecer o nosso país”.
E devia ser um desejo mesmo muito forte, pois ela embarcou no Raul Soares em um momento delicado, quando o Atlântico Sul estava sendo frequentado por submarinos nazifascistas, que sem aviso prévio afundavam barcos iguais aos que ela viajou.
E pior! Em Manaus a Senhorita Druria foi vista fotografando o porto local com sua câmera Zeiss, de fabricação alemã. Nesse momento, segundo mostra seu prontuário, as suspeitas das autoridades brasileiras cresceram.
Aparentemente a bela jovem permaneceu pouco tempo na capital do Amazonas, pois voltou no mesmo navio Raul Soares em direção a Natal.
No dia 23 de agosto de 1942, um dia após o Brasil declarar guerra contra a Alemanha e a Itália, na sequência de vários afundamentos de naves brasileiras entre a Bahia e Sergipe e a morte de centenas de pessoas, o Raul Soares seguiu para a capital potiguar, entrou no rio Potengi e parou diante do cais da Avenida Tavares de Lira. Por ordem das autoridades navais, aquele navio e outros mais espalhados pelos portos brasileiros ficaram proibidos de zarpar até segunda ordem, para evitar novos ataques.
Foto noturna do Porto de Natal.
Segundo seu depoimento, durante sua permanência na capital potiguar, Druria manteve contato com o vice-cônsul americano Harold Sims e com um coronel do exército do seu país chamado “Garey”. Mesmo com esses contatos importantes, isso não impediu que policiais brasileiros entrassem no seu camarote para ele ser revistado. Provavelmente quem realizou a batida foram homens comandados pelo Dr. José Gomes da Costa, chefe da Delegacia de Ordem Pública de Natal.
A batida policial ocorreu porque Druria foi vista fotografando o porto de Natal e os navios ali ancorados. Os policiais encontram nos pertences da jovem várias fotos já reveladas do porto de Natal. Estranhamente as fotos e a máquina fotográfica foram deixadas com a jovem.
Na sequência, em 9 de setembro, Druria seguiu em um avião da PANAIR para Recife e lá, dias depois, foi chamada a comparecer na sede da Delegacia de Ordem Pública. Os policiais lhe solicitaram as fotos feitas no porto de Natal, mas ela informou que entregou todo material a um cidadão americano nascido em Porto Rico, que se apresentava como engenheiro da ADP e se chamava Miguel Gil.
A apresentação de Druria ocorreu em 18 de setembro, onde prestou depoimento ao delegado Fábio Correia. Só que três dias antes esse delegado recebeu um ofício do Consulado dos Estados Unidos em Recife, assinado pelo vice-cônsul norte-americano Robert Bruce Harley, o mesmo diplomata que ajudou o engenheiro Weimer, pedindo que Druria pudesse “colher fotos da cidade”. A própria Druria apontou em seu depoimento que era “uma amadora que gostava imensamente de tirar fotografias de aspectos bonitos da cidade”. Logo a jovem e sua câmera foi liberada!
A questão que eu não sei responder é se os portos de Manaus e Natal possuíam nessa época “aspectos bonitos” para serem clicados por Druria?
Dez dias depois ela embarcou para a Bahia em um avião da PANAIR e nesse ponto eu perdi o rastro histórico dessa mulher.
Final
Enfim, o engenheiro químico Bernard Arthur Weimer e a administradora Druria Lenn Silverteen, ou Sylvester, eram espiões?
Talvez sim, talvez não. Mas nesses episódios chama atenção algumas situações, entre elas a sempre pronta ação do vice-cônsul norte-americano Robert Bruce Harley em proteger seus compatriotas das suspeitas dos policiais pernambucanos.
Sabemos que uma das obrigações das representações diplomáticas de qualquer país é, ao menos em tese, a de ajudar e proteger seus compatriotas em nações estrangeiras. Mas segundo o advogado recifense Ricardo Argm, chama atenção o fato desses cidadãos norte-americanos contarem naquele período com o apoio direto de um dos mais importantes funcionários do Consulado dos Estados Unidos em Recife.
O advogado Ricardo não soube comentar se essa ação, por existir um estado de beligerância dos Estados Unidos contra os países do Eixo, era uma praxe na época. Mas ele me informou que nos dias atuais, quando um cidadão norte-americano procura o Consulado para resolver algum problema junto as autoridades brasileiras, ou em outros casos, os funcionários desse órgão encaminham uma lista de advogados locais, aptos e experientes para resolver problemas de norte-americanos na região. Ainda segundo o advogado Ricardo Argm, apenas em casos graves, ou envolvendo cidadãos importantes, é que os funcionários de hierarquia mais elevada do Consulado dos Estados Unidos em Recife atuam diretamente em apoiar seus compatriotas.
Sabemos que durante a Segunda Guerra Mundial inúmeros navios brasileiros foram afundados por submarinos e essas ações bélicas levaram o Brasil a declarar formalmente o Estado de Guerra contra a Alemanha Nazista e a Itália Fascista no dia 22 de agosto de 1942.
Com isso o Brasil tornou-se um dos países que lutaram ao lado dos Aliados e em nosso território forças militares norte-americanas construíram estratégicas bases aéreas e navais que ajudaram na defesa do nosso território, na ação contra os submarinos nazifascistas, bem como no transporte aéreo para as áreas de combate na África, Ásia e Europa.
Igualmente sabemos que antes mesmo dessa declaração de guerra o Brasil foi alvo de espiões dos países do Eixo, que atuaram com o apoio de colaboradores brasileiros, a maioria deles antigos participantes da Ação Integralista Brasileira (AIB). Esse foi um movimento político de extrema-direita surgido em nosso país em 1932, cujos integrantes eram jocosamente chamados de “Galinhas Verdes”, por utilizarem uniformes nesse padrão de cor.
Ao longo do conflito mundial as autoridades brasileiras, apoiados por americanos, prenderam vários espiões estrangeiros e seus colaboradores tupiniquins. Muitos deles foram julgados e condenados, alguns até mesmo a pena de morte, mas nunca foram executados.
Instrumentos de trabalho de um espião na Segunda Guerra.
A história sobre a espionagem nazifascista no Brasil durante a Segunda Guerra é bem conhecida e propalada. Mas são poucas as informações sobre a atuação de espiões dos países Aliados agindo em território brasileiro.
Mas ela existiu!
Um dos casos mais conhecidos é uma ação orquestrada pelos britânicos, que criaram uma carta idêntica à de uma empresa aérea italiana, em cujo conteúdo o presidente Getúlio Vargas era chamado de “Gordinho” e os brasileiros de “macacos”. A carta foi tão séria que acabou com uma importante brecha no esquema de segurança dos Aliados na América do Sul. Isso tudo logo após uma séria crise diplomática entre brasileiros e britânicos.
Comecemos por essa crise!
O Caso do Navio Siqueira Campos
Logo após o início das hostilidades, a Grã-Bretanha e sua marinha, a maior e mais poderosa do mundo naquela época, iniciou um bloqueio naval à Alemanha e a Itália, buscando cortar os suprimentos militares e civis vitais a essas nações.
Ocorre que em 1938 o Governo do Brasil assinou um acordo de oito milhões de libras esterlinas com a fábrica de armamentos alemã Friedrich Krupp AG, cuja finalização dos artefatos só ocorreu no segundo semestre de 1940, após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1 de setembro de 1939.
O navio Siqueira Campos – Fonte – 1.bp.blogspot.com
Quando o material bélico ficou pronto, os alemães despacharam tudo até Lisboa em trens, onde os caixotes seriam embarcados no navio de cargas e passageiros Siqueira Campos, da empresa de navegação Lloyd Brasileiro. Em 19 de novembro daquele ano esse navio estava pronto para partir rumo ao Rio de Janeiro, com o lote de armas acondicionadas no seu porão.
Após o Siqueira Campos içar âncora, deixar Lisboa para trás e alcançar águas internacionais, navios de guerra da Marinha Britânica surgiram no horizonte e ordenaram a parada do navio brasileiro. Este foi abordado por oficiais e marinheiros impecavelmente uniformizados com bermudas e meiões brancos.
Destroier britânico na época da Segunda Guerra.
Na sequência a tripulação do Siqueira Campos foi obrigada a seguir com seu navio para a colônia britânica de Gibraltar, aonde chegou em 22 de novembro de 1940, ancorando próximo ao porto e tendo a bordo 145 tripulantes e 250 passageiros. Esse pessoal não pode desembarcar e só partiram quando a crise se encerrou, quando a situação a bordo era alarmante.
No Brasil, o gaúcho Oswaldo Euclides de Souza Aranha, então Ministro das Relações Exteriores, recebeu a notícia e comunicou o fato ao presidente Vargas. Na sequência Aranha manteve contato com Geoffrey George Knox, Embaixador Britânico no Brasil, que estava de mãos atadas esperando instruções do seu governo. Depois Oswaldo Aranha correu em busca do auxílio da diplomacia dos Estados Unidos para ajudar a resolver o imbróglio. Os americanos logo se deram conta que a atitude britânica em relação ao Siqueira Campos poderia comprometer toda sua “Política de Boa Vizinhança” com o Brasil e os países latino-americanos.
Enquanto a diplomacia buscava uma solução, a notícia da apreensão do Siqueira Campos em Gibraltar deixou os brasileiros furiosos com o Governo Britânico. Em relação a esse caso muitos brasileiros tinham a percepção que a Grã-Bretanha agia com uma clara atitude imperialista. Nas ruas do Rio comentavam que os britânicos tomariam as armas do navio, compradas e pagas aos alemães ainda em 1938, para utilizá-las contra seus fabricantes e não receberíamos nada em troca.
O Embaixador Britânico no Brasil Geoffrey George Knox cumprimenta com um aperto de mão “diplomático” o Presidente Getúlio Vargas, diante do olhar atento do Ministro Oswaldo Aranha – Fonte Agência Nacional.
Em meio a todo esse rolo do Siqueira Campos, quem ria abertamente da truculenta bobagem britânica eram os alemães e seus colaboradores. Enquanto a influência da Alemanha crescia positivamente em nosso belo país tropical, os alemães mostravam aos brasileiros o tipo de “Aliado” complicado que os britânicos podiam ser.
Finalmente os dois países chegaram a um acordo para liberar o Siqueira Campos, que partiu para o Rio de Janeiro em 21 de dezembro de 1940. Mas essa crise diplomática, uma das mais sérias entre brasileiros e britânicos no Século XX, marcou negativamente a visão do governo Vargas e do povo brasileiro em relação aquele país.
Em 1941 os britânicos mantinham em Nova Iorque uma agência de informações, cuja finalidade era proporcionar estreita ligação com os serviços de informações norte-americanos em seu próprio país, facilitando as manobras dos dois grandes aliados na guerra contra o Eixo. O Chefe dessa Agência era o cidadão inglês William Samuel Stephenson, cujo codinome era “Intrépido”.
Nessa época aeronaves da companhia aérea italiana LATI (Linee Aeree Transcontinentali Italiane) realizavam voos regulares entre o Brasil e a Europa, onde transportavam importantes figuras nacionais e estrangeiras, além de correios especiais dos diplomatas alemães e italianos, que não podiam ser violados. Vale ressaltar que muitos desses diplomatas eram na verdade espiões nazifascistas disfarçados. Nesses voos seguiram para a Europa diamantes, platina, mica, substâncias químicas, livros e filmes de propaganda dos Aliados. Um verdadeiro “buraco” no bloqueio militar e econômico efetuado pelos ingleses contra a Alemanha e a Itália.
Um submarino nazista em mar agitado. Esse foi o verdadeiro flagelo do Brasil na Segunda Guerra.
Stanley E. Hilton, em seu livro Hitler’s Secret WarInSouth America, 1939-1945: German Military Espionage and Allied Counterespionage in Brazil informou que membros da embaixada americana no Brasil transmitiram aos britânicos que durante as travessias no Oceano Atlântico, os pilotos da LATI estavam visualizando navios britânicos, marcando suas posições em mapas e informando os alemães para enviar seus submarinos e afundá-los (pág. 205).
Hilton também comentou sobre uma carta de Jefferson Caffery, Embaixador dos Estados Unidos no Brasil, de 29 de novembro de 1941, endereçada ao Ministro Oswaldo Aranha e atualmente guardada no Arquivo Histórico do Itamaraty. Nela Caffery informou que provavelmente foram os tripulantes da companhia aérea italiana, os responsáveis por transmitirem informações que levaram ao afundamento de navios britânicos perto das Ilhas de Cabo Verde, nessa época uma colônia portuguesa. (pág. 207).
Cruzando essa informação com dados sobre a movimentação e ação de submarinos alemães e de aviões da LATI nesse período, descobri na página 5, da edição de 10/10/1941 do Diário de Pernambuco, que no dia 9 de outubro havia partido de Roma o aparelho da LATI modelo Savoia-Marchetti SM.82, número de fabricação MM.60326 e matrícula I-BENI. Essa aeronave trimotor fez escalas em Sevilha (Espanha), Villa Cisneiros (atual Dakhla, na região do Saara Ocidental) e Ilha do Sal (Cabo Verde), onde pernoitou. No outro dia, 10 de outubro, decolou para atravessar o Atlântico Sul, tendo pousado por volta das 15h20min da tarde em Recife, no Campo do Ibura. Estranhamente essa aeronave trouxe um único passageiro que vinha de Berlim – o jornalista chileno Ernesto Samhaber.
Ocorre que nesse mesmo dia pela manhã, na posição 18° 45’ N e 21° 18” W, a cerca de 180 milhas náuticas a nordeste das Ilhas de Cabo Verde, o cargueiro britânico SS Nailsea Manor foi torpedeado pelo submarino alemão U-126, comandado pelo capitão-tenente (Kapitänleutnant) Ernest Bauer. Esse navio transportava uma preciosa carga de 6.000 toneladas de armas, munições e no seu convés estava até um LCT, ou Landing Craft Tank, um barco de desembarque de veículos blindados. Devido uma tempestade o Nailsea Manor estava desgarrado de um comboio e seguia acompanhado de dois outros navios de carga. Esse pequeno grupo estava sendo escoltado pela corveta HMS Violet (K-35), comandada pelo Tenente Frank Clarin Reynolds, que não pode fazer nada em relação ao torpedeamento. O capitão John Herbert Hewitt, comandante do Nailsea Manor, conseguiu retirar do barco toda a sua tripulação de 41 pessoas, que foram recolhidos pelo pessoal do Violet (Ver http://www.sixtant.net/2011/index.php).
O kapitänleutnant Ernest Bauer na torre do submarino U-126 – Foto de Ariane Krause, através de http://www.uboat.net
Apesar da carta do Embaixador Caffery comentar com o Ministro Oswaldo Aranha sobre o torpedeamento de “navios britânicos” perto das Ilhas de Cabo Verde, não encontrei outra informação sobre ataques de submarinos nazistas nessa área entre outubro e novembro de 1941. Acredito que o torpedeamento do cargueiro britânico SS Nailsea Manor, é o caso comentado por Caffery a Aranha.
O Savoia-Marchetti SM.82, I-BENI, realizou durante sua operação no Brasil um total de 25 travessias transatlânticas e foi o avião da LATI que mais percorreu o trajeto entre a Itália e o Brasil.
Espiões Britânicos em Ação no Brasil, Antes de 007
Mas é que os britânicos, depois do verdadeiro banzé que foi o caso do Siqueira Campos, poderiam convencer o governo brasileiro a barrar essa brecha no seu bloqueio aos países do Eixo?
Avião da LATI aterrissando no Campo de Parnamirim, Natal, Rio Grande do Norte, em 1940. No solo estão trabalhadores potiguares realizado os serviços bancados pelo governo americano para a construção da base de Parnamirim Field – Foto Hart Preston – LIFE.
Para piorar o meio de campo, consta que o governo brasileiro não desejava obstruir esse fluxo aéreo. Um dos genros do presidente Getúlio Vargas era um dos diretores técnicos dessa linha aérea e havia muitos brasileiros influentes interessados em preservar os direitos da LATI em nosso território. Além disso, era a Standard Oil, companhia de petróleo norte-americana, que abastecia os aviões da LATI com o combustível necessário para os voos intercontinentais. Detalhe – Uma das bases da LATI no Brasil era em Natal, no antigo Campo dos Franceses, que nessa época já começava a se transformar em uma grande base aérea construída pelos norte-americanos e seria conhecida como Parnamirim Field.
O Chefe das Operações Especiais em Londres estava ansioso para que algo drástico fosse realizado no sentido de eliminar esse grave inconveniente para os interesses britânicos, mas sem criar problemas com o Brasil e, por tabela, com os norte-americanos. Instruções foram remetidas a William Stephenson em Nova Iorque, informando sobre o fato, das consequências para o bloqueio inglês e ordenando que algo deveria ser feito para tapar a brecha inconveniente.
Stephenson e seus assessores conceberam então um plano que consistia em fazer chegar ao governo brasileiro uma carta comprometedora, cujo teor teria sido supostamente escrito por alguém importante, da alta administração da LATI na Itália, e endereçada a um diretor da companhia no Brasil. O texto da missiva deveria conter elementos tão graves, que pudessem resultar no cancelamento da concessão da companhia italiana para operar a rota transatlântica.
William Stephenson, o “Intrépido”
Os agentes de Stephenson no Brasil imediatamente puseram mãos à obra e, depois de algumas semanas, conseguiram obter uma carta genuína escrita pelo presidente da LATI, o General Aurélio Liotta, e remetida da sede central da companhia em Roma. Encaminharam-na para Nova Iorque sugerindo que a carta falsa deveria ser endereçada ao diretor geral da LATI no Brasil, o Comandante Vicenzo Coppola, que morava no Rio de Janeiro.
Os técnicos em Nova Iorque teriam que simular exatamente o tipo de papel empregado, o timbre existente e aforma dos caracteres da máquina de escrever usada pelo General Liotta.
Por sorte, foi conseguida uma pequena quantidade papel de polpa da palha do tipo necessário e que constituía um detalhe essencial na operação proposta. O relevo do timbre foi copiado com detalhes microscópicos, uma máquina de escrever foi especialmente reconstruída a fim de reproduzir as imperfeições mecânicas daquela usada pela secretária do General para datilografar a carta original e um falsificador copiou a assinatura de Liotta.
Uma verdadeira obra-prima da falsificação.
A Carta do “Gordinho”
A carta falsa foi então preparada em italiano, microfotografada e o microfilme remetido para o principal agente de Stephenson no Rio de Janeiro.
Traduzida, continha o seguinte teor:
“Linne Aeree Transcontinentale Italiano S.A.
Roma, 30 de outubro de 1941.
Prezado Camarada:
Recebi seu relatório que chegou cinco dias depois de ter sido despachado.
Este relatório foi levado ao conhecimento dos interessados que o consideraram de suma importância. O comparamos com um outro recebido de Praça Del Prete. Os dois relatórios apresentaram o mesmo quadro da situação que ali existe, mas o seu é mais detalhado. Quero lhe dar os meus parabéns, O fato de que, obtivemos desta vez informações mais completas com o Sr. e seus homens, me proporciona grande satisfação.
Não resta dúvida que o “gordinho” está cedendo ante os lisonjeios dos Americanos, e que somente uma intervenção violenta por parte de nossos amigos verdes poderá salvar o país. Os nossos colaboradores de Berlim, depois de entendimentos que tiveram com o representante em Lisboa, decidiram que tal intervenção deverá se realizar o mais breve possível. Porém você está a par da situação. No dia em que se der a mudança, os nossos colaboradores não se interessarão de maneira alguma pelos nossos interesses e a Lufthansa colherá todas as vantagens.
Para evitar que isto aconteça, precisamos procurar amigos de influência dentre os “verdes” o mais cedo possível. Faça-o sem demora.
Avião da Lati no Rio de Janeiro – Fonte – LIFE.
Deixarei a seu critério a escolha das pessoas mais apropriadas: talvez Padilha ou E. P. de Andrade seriam de mais utilidade do que o Q.B. o qual, apesar de ativo, não vale muito.
A importância que você necessitar será posta a sua disposição, não importa o fato dos camisas verdes precisarem de somas consideráveis. Eles as terão. O ponto importante é que nosso serviço deverá tirar proveito de uma mudança de regime. Procure saber quem é que deseja nomear para Ministro da Aeronáutica e tente captar a sua simpatia. O Senhor precisará ficar a par do que suceder, porém já concordamos em que as negociações ficarão em mãos da LATI, que atuará na sua capacidade de empresa brasileira procurando a extensão a melhoramento de seus próprios serviços.
Espero a máxima discrição de sua parte. Como disse no seu relatório a respeito da Standard Oil, os ingleses e americanos se interessam em tudo e em todos. E se for também verdade – como você afirma com justiça que o Brasil é um país de macacos, não nos devemos esquecer que são macacos dispostos a servir a quem tem as rédeas na mão.
Saudações Fascistas
(a) General P. Liotta
Comandante
Vicenzo COPPOLA
Linee Aeree Transcontinentale Italiana S.A.
RIO DE JANEIRO (BRASIL)“
Coppola Preso e a LATI Impedida de Voar
O tal “gordinho”, ou “il grassoccio” em italiano, foi imediatamente identificado como sendo o Presidente Getúlio Vargas, e os “amigos verdes”, ou simplesmente “verdes”, eram os integralistas. Como vimos, a carta continha um insulto pessoal ao Presidente da República, abuso de hospitalidade, críticas à sua política externa e sugeria o encorajamento de seus inimigos políticos. Os agentes secretos ingleses esperavam que essa combinação de apreciações negativas fizesse com que o Presidente Vargas reagisse vigorosamente. Imediatamente após ter recebido o microfilme da carta, o agente de Stephenson no Rio de Janeiro providenciou para que fosse executado um “roubo” à casa do Comandante Coppola, situada na Avenida Vieira Souto, 442, Ipanema, no qual um relógio de cabeceira e outros artigos foram roubados. Atualmente nesse endereço se encontra o Condomínio Ker Franer.
Coppola então chamou a polícia e o “caso” teve alguma publicidade – exatamente o que esperava o agente britânico no Rio – pois tornava patente para as autoridades brasileiras e o público em geral, que se tratava de um roubo real.
Ficha de imigração de Vicenzo Coppola – Fonte – Arquivo Nacional.
Em seguida um brasileiro ligado ao agente secreto inglês procurou um repórter da agência noticiosa americana “Associated Press”. Após obter do mesmo a promessa de que guardaria segredo absoluto, confessou ter tomado parte no assalto à casa de Coppola e entre os seus pertences encontrara um documento microfotografado, que parecia ser muito interessante. Quando o repórter leu seu conteúdo percebeu que era uma carta do presidente da LATI e chegou à conclusão que o original havia sido considerado muito perigoso para ser remetido pelo correio aéreo normal. Concluiu também que aquela missiva tinha sido enviada de forma clandestina para evitar uma possível interceptação. Com aquele tesouro nas mãos, o repórter dirigiu-se à Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, e mostrou-a ao Embaixador Jefferson Caffery. Este diplomata determinou que fossem feitas investigações para ampliação e constatação de sua possível veracidade.
Ao receber o resultado dessas investigações, Caffery concluiu que a carta microfotografada era verdadeira e imediatamente enviou para o Presidente Vargas o microfilme e os resultados obtidos com as investigações em meados de novembro. Para Caffery o Presidente do Brasil pareceu “muito impressionado” com a missiva em italiano e reagiu exatamente como Stephenson esperava. Cancelou imediatamente todos os direitos da LATI no território nacional e ordenou a prisão do seu diretor geral.
Notícia sobre Coppola na época de sua fuga para a Argentina.
Vicenzo Coppola tentou fugir do país, tendo previamente retirado um milhão de dólares de um banco, mas foi preso quando procurou cruzar a fronteira com a Argentina. Mais tarde foi sentenciado a sete anos de prisão e teve seus bens confiscados. Foi posto em liberdade no dia 14 de agosto de 1944, em consequência de um habeas-corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal. Faleceu no Rio de Janeiro, em 27 de maio de 1963.
Por infração às leis brasileiras a empresa aérea LATI foi multada em CrS 85.000,00 (oitenta e cinco mil cruzeiros), além de ter seus aviões, campos de pouso e equipamentos de manutenção confiscados pelas autoridades, enquanto suas tripulações e o pessoal de origem italiana foram internados.
Para os integrantes da representação diplomática dos Estados Unidos no Brasil, a opinião dominante na época foi que a carta do General Liotta havia sido o principal fator que levara o Presidente Vargas a se voltar contra o inimigo.
Espião preso por militares americanos.
Consta que os norte-americanos generosamente decidiram repartir o segredo com o representante do serviço de inteligência na Embaixada Britânica no Rio. Um membro do corpo diplomático americano reproduziu a carta e o agente de Stephenson fingiu mostrar grande interesse e admiração pelo fato e até cumprimentou efusivamente seu colega por esse trabalho.
Conclusão
Nesse tipo de negócio, o bem mais valioso que existe e que todos buscam avidamente são as informações estratégicas vindas de fontes privilegiadas, com conteúdos valiosos, principalmente ligados a assuntos de defesa de uma nação.
Esse tipo de informação é tão importante quanto o poderio bélico, sendo algo que pode definir conflitos entre países e esse tipo de atividade sempre esteve presente em praticamente todos os períodos da historia.
Henry John Temple, o 3º Visconde de Palmerston, mentor da política externa britânica durante grande parte do século XIX, declarou no Parlamento Britânico “Não temos aliados eternos e não temos inimigos perpétuos. Nossos interesses são eternos e perpétuos, e é nosso dever seguir esses interesses”.
Não é novidade que nações amigas realizam espionagem entre si, o chamado “conhecimento comum”. Muitas vezes essas ações se realizam focados na ideia, bem real, que “um amigo de hoje, pode não ser um amigo amanhã”. Além disso, como bem apontou Palmerston, nações não possuem amigos, apenas interesses.
Fabricado na Alemanha de Hitler e Utilizado Pelos Aliados Romenos – Um Ex-Piloto Comercial Descrente da Vitória – Fuga da Ucrânia para a Ilha de Chipre – Seguindo do Egito Para o Interior da África – Atravessando o Atlântico Sul até Natal e Depois Para os Estados Unidos – Elogios A Base de Parnamirim Field – É Preservado Até Hoje.
Rostand Medeiros – IHGRN
Realmente em 1943 um bimotor Junkers JU-88 D-1 pousou na base de Parnamirim Field, nos arredores de Natal. Mas essa incrível máquina de guerra não pertencia a temida Luftwaffe, a força aérea de Hitler. Fazia parte da arma aérea romena, um aliado dos alemães contra os russos. E porque essa aeronave fabricada na Alemanha Nazista e utilizada pelos romenos contra a antiga União Soviética, veio parar em Natal, no Rio Grande do Norte?
Na Estepe Russa
Estamos em na cidade de Mariupol, no sudeste da Ucrânia, em 22 de julho de 1943, uma quinta-feira. Esta é uma comunidade industrial de tamanho médio, localizada as margens do Mar de Azov, onde existe um bom porto e um aeroporto construído pelos soviéticos em 1931. É neste último local que vamos encontrar um jovem romeno chamado Nicolae Teodoru.
Um majestoso JU-88 em voo.
Ele é um piloto civil de 28 anos de idade, convocado para o serviço militar, que alcançou o posto de Sergentul T.R. aviator, do 2º Esquadrão de Reconhecimento de Longo Alcance (2 Escadrila de Recunoaștere pe Distanțe Lungi) da Força Aérea Romena (Forțele Aeriene Române). Nicolae Teodoru se tornou então piloto de um dos recém-chegados bimotores Junkers JU-88 D-1 de reconhecimento aéreo de longo alcance[1].
Se nessa época o país do sargento Teodoru era um aliado da Alemanha Nazista, no início da Segunda Guerra o então Reino da Romênia, sob a regência de Carol II, adotou oficialmente uma posição de neutralidade. No entanto, as conquistas alemãs na Europa durante 1940, bem como a turbulência política interna, minou essa postura. Fascistas romenos aumentaram em popularidade e poder, incentivando uma aliança com a Alemanha Nazista e seus aliados.
Após a queda da França, em 25 de junho de 1940, o governo da Romênia voltou-se para a Alemanha na esperança de evitar problemas. O que os romenos não sabiam era que o líder alemão Adolf Hitler havia aceitado reivindicações territoriais russas, em um protocolo secreto do Pacto Molotov – Ribbentrop, que igualmente dividiu a Polônia entre nazistas e russos.
No verão de 1940, uma série de disputas territoriais foi resolvida de forma diplomática, mas totalmente desfavorável para a Romênia, resultando na perda da maior parte do território conquistado aos russos na sequência da Primeira Guerra Mundial. Isso fez com que a popularidade do governo da Romênia despencasse, reforçando ainda mais as facções fascistas e os militares, que eventualmente realizaram um golpe de Estado que transformou o país em uma ditadura sob o comando do marechal Ion Antonescu. Logo, em 23 de novembro de 1940, o novo regime se colocou firmemente ao lado de Hitler[2].
Joachim von Ribbentrop (à direita) e líder romeno Ion Antonescu em junho de 1941.
Nessa aliança, verdadeira dança em boca de vulcão, os romenos participaram junto com os alemães da invasão da antiga União Soviética, que se iniciou em 22 de junho de 1941. Além de tropas e aviões, os romenos forneceram muito petróleo para os nazistas. Vale ressaltar que muitos romenos não aceitaram muito bem essas mudanças.
O tempo passou e em julho de 1943 a coisa se apresentava bem feia para os alemães e seus aliados nas estepes russas.
Em 2 de fevereiro de 1943 aconteceu a incrível derrota do 6º Exército Alemão na batalha pelo domínio da cidade de Stalingrado e, desde 5 de julho, os alemães estavam tendo que se virar em meio a uma sangrenta e imensa batalha de blindados em uma região chamada Krusk, a uns 650 quilômetros aos norte de Mariupol[3]. Nessa área as outrora gloriosas divisões Panzer estavam sendo trucidadas por unidades blindadas formadas por grosseiros, mas eficientes, tanques soviéticos T-34.
Enquanto isso, no aeroporto próximo ao Mar de Azol, certamente o sargento Nicolae Teodoru pensava no que ocorria em seu mundo e nas suas opções para sobreviver.
A Fuga
Seu trabalho e de seus outros três companheiros que faziam parte da tripulação dos novos Junkers JU-88 D-1, era observar e fotografar a movimentação das tropas inimigas com suas câmeras de alta altitude RB 50/30 e RB 75/30. Se dessem sorte poderiam voltar vivos para Mariupol utilizando a capacidade daquele avião de subir até 8.500 metros de altitude e voar a uma velocidade máxima de 480 km/h. Mesmo essas capacidades poderiam não ser totalmente úteis para uma equipe dos JU-88 D-1 romenos sobreviverem. Poucos dias antes, em 23 de junho, o avião de número 4 de sua esquadrilha, pilotado pelo Sublocotenent aviator Constantin Constantinescu, foi derrubado por caças russos. Mas isso era passado, pois nesse final de julho de 1943 uma nova e grave situação se avizinhava.
Enquanto a grande Batalha de Krusk continuava, dois exércitos alemães do chamado Grupo de Exércitos do Sul, comandados pelo marechal de campo Erich von Manstein, enfrentavam ao norte e nordeste de Mariupol dois grupos de exércitos soviéticos na Bacia do Rio Donets, em uma frente com cerca de 660 quilômetros de extensão. Essa ofensiva soviética ficou conhecida como Ofensiva Estratégica do Donbass, onde mais de 470.000 soldados russos, apoiados por quase 1.900 tanques comandadas pelos generais Fyodor Tolbukhin e Rodion Malinovski, partiram para cima das tropas alemãs.
Não sei se toda essa pressão, ou algum fato isolado, ou talvez a percepção que seu país seria logo ocupado, fez o sargento Nicolae Teodoru tomar a grave decisão de desertar da Força Aérea Romena e levar consigo um dos novos JU-88 D-1[4].
Segundo informações existentes, o avião apresentado nessa fotografia é o “Branco 1” que passou por Natal em outubro de 1943 e se encontra preservado nos Estados Unidos.
Segundo o escritor Dénes Bernád, autor de Rumanian Air Force, The primer decade, 1938-1947, no final da tarde de quinta-feira, 22 de julho de 1943, o sargento Teodoru entrou sozinho na cabina do Junkers designado “Branco 1”, com o número de construção 430650, e decolou com a ideia de nunca mais voltar. Até porque se voltasse seria fuzilado[5].
Sob todos os aspectos estudados, acredito que deve ter sido uma fuga espetacular!
Ju-88 romenos em Mariupol.
Sabemos que o antigo aeroporto soviético de Mariupol foi transformado pelos alemães e romenos em um local extremamente bem equipado, crescendo ao ponto de se tornar uma das principais bases aéreas dessas forças no sul da Rússia. No interessante estudo Luftwaffe Airfields 1935-45 Russia (incl. Ukraine, Belarus & Bessarabia), produzido pelo escritor norte-americano Henry L. deZeng IV, o autor trás inúmeros detalhes sobre a incrível quantidade de 1.917 aeródromos, estações de hidroaviões, pistas operacionais, campo de pouso, pistas auxiliares, bases de hidroaviões, pistas civis, áreas de pouso de emergência e outros locais que foram usados pela Luftwaffe e seus aliados na Rússia. Soubemos através da leitura desse volumoso material, com mais de 800 páginas, que a base de Mariupol não tinha pista pavimentada, mas melhorias foram feitas desde 7 de outubro de 1941, quando os alemães ocuparam a cidade. Foram construídos mais dois campos de pouso e uma estação de hidroaviões as margens do Mar de Azov. No campo principal, chamado Mariupol I, foram erguidos dois hangares e alguns outros edifícios. Havia várias esquadrilhas alemãs e romenas com muitos aviões de caça e transporte, além de artilharia antiaérea, unidades de apoio e muito mais[6].
Mesmo com toda essa estrutura, o sargento Teodoru arranjou uma maneira de decolar seu JU-88 na tarde de 22 de julho de 1943. Segundo Dénes Bernád ele voou em direção sul/sudoeste sem levar mapas para evitar suspeitas. Guardou toda a rota na cabeça e não foi interceptado.
Um Presente de Hitler
Na década de 1930, em um tempo anterior ao radar e outros instrumentos de apoio ao voo, os pilotos civis voavam se orientando através de pontos geográficos ao longo da rota, como rios, montanhas, cidades e o que houvesse. Pode ser que o sargento Teodoru tenha utilizado sua experiência em rotas aéreas comerciais para realizar essa fuga.
Essa é apenas uma ideia da rota seguida pelo sargento Teodoru no comando do JU-88.
O certo é que ele atravessou o Mar de Azol, até a cidade de Novorossiysk, na costa russa do Mar Negro, seguindo em direção a Turquia, cujo território atravessou sem problemas. O piloto deve ter utilizado alta altitude e máxima velocidade, as melhores características daquele Junkers Ju-88 D-1, para cumprir sua rota. A ideia era chegar a cidade de Aleppo na Síria. Lá ele reabasteceria antes de partir para a etapa final de sua missão, em Beirute, no Líbano, que era então uma importante base Aliada para operações navais no Mediterrâneo[7].
Existem informações que o sargento Nicolae Teodoru percorreu o trajeto em cerca de duas horas, quando o tempo piorou e os ventos fizeram com que ele se aproximasse inadvertidamente da ilha de Chipre. Esse lugar abrigava importantes bases aéreas Aliadas e logo uma patrulha de quatro caças Hawker Hurricane IIB, da Força Aérea Real Britânica, composta pelos pilotos Thomas Barker Orford, Arnold Kenneth Asboe[8], Joseph Alfred Charles Pauley e H. M. Woodward, todos do Esquadrão Nº 127, com base em Nicósia, capital da ilha de Chipre, decolaram para interceptar o intruso. Por volta das 19:00 o avião romeno foi visto pelos britânicos[9].
O estranho piloto sinalizou para os caças Hurricane. Provavelmente Teodoru baixou os trens de aterrisagem, um sinal característico na aviação que aquele avião desejava pousar[10]. Como não houve resistência do Ju-88 e nem seu piloto fez algum esforço para escapar da patrulha, um Hurricane se posicionou a frente da estranha aeronave para mostrar o caminho e três ficaram atrás para evitar uma possível fuga, que enfim não aconteceu. O JU-88 com o emblema nacional romeno pousou tranquilamente na base britânica de Limassol, ao sul de Chipre[11].
Fabricação do JU-88 – Fonte – Bundesarchiv.
O piloto inimigo taxiou o avião, desligou seus motores, desceu calmamente da cabine e se apresentou como “um prisioneiro de guerra”, mas trazia aquele “prêmio” de maior importância e que ele era um “Presente do Fuhrer”[12]. De saída os britânicos ficaram extremamente satisfeitos ao descobrir que aquele era um dos aviões mais recentemente fabricados na Alemanha de Hitler. Tinha apenas 50 horas de voo e em sua placa estava gravado “Junho de 1943” como o mês de sua montagem na Junkers Flugzeug-und Motorenwerke AG, em Bernburg, no centro do país[13].
Ju-88 D-1 “Branco 1” caiu ileso nas mãos dos britânicos, depois do sargento Teodoru ter voado sem maiores problemas entre 1.300 e 1.400 quilômetros[14]. Relatos apontam que o piloto romeno Nicolae Teodoru, de 28 anos, foi considerado muito jovem pelos seus novos amigos e houve uma verdadeira festa na ilha de Chipre com a chegada daquele maravilhoso presente dos céus![15]
O piloto romeno passou informações sobre a Luftwaffe no sul da União Soviética, além do estado moral dos nazistas e ensinou o que podia sobre o JU-88 a um dos mais experientes pilotos britânicos do Esquadrão Nº 127, o comandante Charles Sandford Wynne-Eyton. Em pouco tempo a nave decolou de Limassol, voando em direção a um campo de pouso em Heliópolis, perto do Cairo, Egito[16].
Entrega aos Americanos
Houve um arranjo entre autoridades dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, para que o Junkers Ju-88 D-1 “Branco 1” ficasse com técnicos americanos para ser verdadeiramente dissecado e as informações conseguidas serem utilizadas a favor dos Aliados[17]. Não demorou e chegaram para ver o avião dois norte americanos, o major Warner H. Newby e o tenente G. W. Cook.
O major Newby era um experiente piloto, tendo sido lotado no 82º Esquadrão de Bombardeiros, onde realizou diversas missões de combate na África do Norte pilotando bimotores North American B-25 Mitchell. Desde fevereiro de 1943 Newby havia sido designado Diretor de Engenharia no 26º Grupo de Depósitos Aéreos em Deversoir, Egito[18]. Em relação ao tenente Cook, eu não consegui nenhuma informação sobre ele, mas creio que deveria trabalhar próximo ao major Newby. Inclusive os dois estavam prontos para embarcar em um avião de transporte para os Estados Unidos, onde gozariam de uma merecida licença. Mas agora o retorno exclusivamente para descanso teria de ser adiado e a razão seria levar para os Estados Unidos aquele bimotor tão diferente do B-25.
Texto do major Newby, que aparece na foto, publicado em janeiro de 1944, que conta essa aventura e a passagem por Natal.
Em um interessante relato para a revista Air Force – The Oficial Service Journal Of The U.S. Army Air Forces, edição de janeiro de 1944, o major Newby comentou que a primeira vez que ele e o tenente Cook viram o JU-88, os britânicos tinham feito uma nova pintura com manchas de azul, cinza e laranja. Além disso, apelidaram a aeronave de “Baksheesh”. Segundo Newby era uma palavra egípcia que significaria “Gorjeta”.
Newby e Cook souberam que seus aliados britânicos estavam apostando sobre aquele voo e a cotação estava em dois para um que o JU-88 não chegaria aos Estados Unidos. Mas os americanos eram experientes e já tinham percorrido a mesma rota que utilizariam para levar aquela máquina para casa[19].
Bombardeiros vários B-25 do 82º Esquadrão de Bombardeiros no Norte da África em 1942.
Entre 14 de julho e 2 de agosto de 1942, vários B-25 do 82º Esquadrão de Bombardeiros, do 12º Grupo de Bombardeiros, partiram da base de Morrison Field, em West Palm Beach, Flórida, atravessaram o Mar do Caribe e o norte da América do Sul, até chegarem a Natal. As aeronaves e as tripulações foram então preparadas para cruzar o Atlântico Sul. Devido à autonomia reduzida do B-25, todo o grupo realizou uma parada na ilha de Ascenção, uma pequena possessão inglesa no meio do oceano. Na outra parte do trajeto chegaram até a África, mais precisamente na cidade de Acra, capital da antiga colônia inglesa da Costa do Ouro, atual República de Gana. Depois voaram até o Sudão e, em seguida, tomaram rumo norte até o Egito. Em meados de agosto, todas as tripulações concluíram o trajeto sem uma única perda[20].
O piloto britânico Charles Sandford Wynne-Eyton transmitiu as informações e os ensinamentos que recebeu de Nicolae Teodoru aos oficiais americanos. Logo no primeiro voo aquela máquina revelou uma interessante característica. As hélices hidráulicas de três lâminas tinham o passo controlável, velocidade constante e girando sempre para a esquerda. Por conta do torque excessivo, o avião tinha tendência a virar na direção que as hélices giravam. Na opinião de Newby isso era um defeito de construção alemã, uma vez que nos aviões americanos B-25 as hélices giravam uma para cada lado, produzindo um melhor desempenho. Apesar disso o torque não o incomodou e o JU-88 decolou e voou com muita facilidade.
Preparação
Naturalmente, tudo no avião Junkers Ju-88 D-1 era em alemão: as leituras dos instrumentos, instruções sobre os aceleradores, controles gerais, mecanismos de trem de pouso, flaps, freios e ignição. Os dois americanos tinham de se familiarizar antes de decolarem sozinhos.
Desenho da cabine do JU-88, nesse caso com a visão do piloto.
O Ju-88 D-1 era uma aeronave movida por um par de motores V12 Junkers Jumo 211J, fornecendo 2.400 cavalos de potência. A aeronave tinha um alcance de 2.500 quilômetros e armamento defensivo de três metralhadoras MG 15 de calibre 7,92 milímetros. Entrou em serviço na Luftwaffe no verão de 1940 e, além da Romênia, também foi entregue para outros aliados nazistas, como a Croácia, Finlândia, Hungria e Itália[21].
Finalmente Newby e Cook levaram o pássaro para o campo para prepará-lo para o longo voo sobre a água. Seis mecânicos do 26º Grupo de Depósitos Aéreos foram selecionados por causa de suas aptidões mecânicas e habilidade em manter a boca fechada. Logo a tarefa se mostrou bem difícil. Havia muito pouca informação disponível na própria aeronave, mas dados úteis foram conseguidos em um manual entregue pelo romeno Teodoru e traduzido pelo pessoal da inteligência militar. Estes também forneceram dicas sobre o consumo de combustível, consumo de óleo e outras informações.
Tempos depois da deserção do sargento romeno, os americanos conseguiram colocar as mãos em outro JU-88, dessa vez na Itália.
Eles iniciaram uma completa revisão da máquina. Logo perceberam que a capacidade dos tanques de combustível do JU-88 não dava autonomia suficiente para uma travessia do Atlântico Sul utilizando a rota Acra – Ilha de Ascenção – Natal. Aí o jeito foi adaptar externamente dois tanques de combustíveis descartáveis, originários de caças bimotores Lockheed P-38 Lightning, que eram conectados ao sistema de combustível por meio de bombas “emprestadas” de um bombardeiro B-24 Liberator.
Enquanto isso a equipe descobriu que era possível usar combustível, óleo e material de refrigeração dos motores produzidos nos Estados Unidos, cujas especificações eram equivalentes as da Alemanha. Todas as armas e as câmeras fotográficas foram removidas e enviadas em voos de carga. Também foram verificados equipamentos de emergência e colocados materiais de sobrevivência que proporcionavam condições deles sobreviverem até duas semanas no mar.
O Ju-88 D-1 preparado para cruzar o Atlântico.
Newby e Cook passaram horas estudando os instrumentos e dispositivos alemães. Para maior segurança um localizador de direção americano modelo ARN-7 foi instalado para ajudar na navegação de longo alcance ao longo da rota. Por razões de segurança pintaram a estrela da USAAF na parte inferior e superior das asas e nos lados da fuselagem. Além disso, grandes bandeiras americanas foram pintadas. Tentavam assim evitar que algum jovem e impetuoso piloto abatesse o JU-88 e seus aviadores em busca de uma vitória. Na sequência, uma semana antes da viagem, mensagens foram disparadas para as bases e unidades ao longo do percurso, informando para ficarem alertas quanto o estranho avião e não abrissem fogo com armas antiaéreas.
Chamando Atenção em Terra e no Ar
Finalmente em 8 de outubro de 1943 o Junkers Ju-88 D-1 estava pronto para seguir viagem desde o Egito até os Estados Unidos, com a distância de 10.400 milhas náuticas, ou 19.260 quilômetros, a serem percorridos em sete dias. As paradas para reabastecimento e descanso da tripulação foram feitas no Sudão, Nigéria, Costa do Ouro (Gana), Ilha da Ascensão no Oceano Atlântico, Brasil (Natal e Belém do Pará), Guiana Britânica (atual Guiana), Porto Rico e West Palm Beach na Flórida.
Base Aérea de Acra durante a Guerra. localizada na atual Gana, África, foi um dos destinos dos aviadores Aliados depois de partirem de Parnamirim
Carregavam uma carga completa de combustível, aproximadamente 50.000 litros, ou 1.300 galões. Newby percebeu no trajeto que os motores do avião de fabricação alemã estavam soltando consideravelmente mais fumaça do que ele estava acostumado em aviões americanos. Mas isso ele e Cook consideraram normal e não os preocupou, porque em combate tinham visto muitas aeronaves inimigas soltando essa mesma quantidade de fumaça de seus motores.
Eles seguiram em direção ao Sudão e realizaram duas paradas ainda no coração da África, todas rápidas, e uma parada para descanso noturno, em um local que o major Newby não informou no texto escrito em 1944, mas que provavelmente foi na Nigéria. Comentou que onde quer que eles pousassem todos se aglomeravam ao redor do JU-88 e até um major perguntou se o avião era um dos “nossos novos bombardeiros”. O certo é que em 9 de outubro, depois de um voo de uma hora, estavam em Acra, prontos para saltar sobre o Atlântico Sul.
Decolagem de um C-87. Fonte-Wikipédia.
Eles decidiram seguir um quadrimotor Consolidated C-87 Liberator Express, versão de carga e passageiros do bombardeiro B-24, que seguia para Natal. Era mais uma precaução para alcançar a Ilha da Ascensão, uma pedra vulcânica no meio do Atlântico, que tinha um tamanho de 9,5 por 12,8 quilômetros e que ficava a 2.500 quilômetros (1.350 milhas náuticas) da costa africana.
Não houve problemas na decolagem, mas logo um nevoeiro os fez perder o C-87 de vista. Nessa ocasião quase houve uma tragédia a bordo do JU-88. O major Newby contou que de repente sentiu um farfalhar alto de vento e o ar frio o atingiu no ombro. Olhou em volta e viu o tenente Cook assustado, parado, rígido de medo, olhando através da escotilha que tinha aberto acidentalmente e sem nenhum paraquedas. Ocorre que Cook, ao se deslocar dentro da cabine, inadvertidamente roçou contra a trava de segurança e a escotilha inferior da fuselagem abriu, com o oceano 3.000 metros lá embaixo. A única coisa que o salvou foi a posição dos seus pés no momento da abertura. Depois de lutar por alguns minutos com a escotilha, finalmente Cook a conseguiu fechar. Foi muita sorte!
Douglas A-20 Havoc.
Na sequência viram uma esquadrilha de Douglas A-20 Havoc que se dirigiam para África. Um deles saiu da formação e se aproximou do Ju-88, com acenos mútuos das tripulações. Meia hora depois um grupo de caças Bell P-39 Airacobra, vindos de Wideawake Field, a base aérea da Ilha da Ascensão, chegaram junto ao antigo avião romeno, em um deslize rápido, deixando trilhas de vapor e acompanhando o voo de Newby e Cook até a pequena ilha.
Grupo de caças Bell P-39 Airacobra, em Wideawake Field, Ilha da Ascensão.
No solo houve notícias infelizes. A gasolina existente na ilha tinha uma octanagem bem mais alta que as utilizadas no JU-88, mas não havia escolha. Os tanques foram abastecidos e parecia não haver problemas para os motores. Logo eles estavam no ar novamente, com destino à costa do Rio Grande do Norte.
Elogios a Natal e o Avião Preservado Até Hoje
O major Newby narrou que nessa última parte do voo o JU-88 se comportou perfeitamente e os motores “ronronavam”. Quando estavam a 740 quilômetros (400 milhas náuticas) da costa potiguar, dois cilindros do motor esquerdo explodiram e houve o mais barulho, com o motor cuspindo e falhando como “um desnutrido trator”. Mas o avião continuou firme e alguns minutos depois, para surpresa dos aviadores, o motor continuou funcionando sem muita perda de potência. Naquele momento eles não tinham ideia do que tinha acontecido, mas ficaram alertas e continuaram no curso.
Para o major Newby foi uma sensação “gloriosa” quando o nosso litoral apareceu. Já o Junkers Ju-88 D-1, apesar dos problemas pontuais e das apostas infames dos britânicos na África, estava provando sua capacidade. Ele havia cruzado o Atlântico e mostrou o seu valor, sendo o primeiro avião de combate alemão a fazer essa travessia. Mas com uma tripulação americana!
Quando Newby e Cook se aproximavam de Parnamirim Field ele aponta que “o campo era grande e as comunicações eram boas”, mas, devido ao tráfego de outras aeronaves que chegavam e partiam, eles tiveram que circular por uma hora até receber autorização para pousar. Nisso surgiu outro problema – O trem de pouso não desceu totalmente. As rodas chegaram a baixar até a metade. Newby afirma que eles realizaram várias tentativas de resolver o problema, mas ainda assim a engrenagem ficou presa. Foi quando experimentaram o seletor de emergência hidráulico para baixar as rodas. Ele afirma que a operação foi difícil, mas conseguiram. Enfim pousaram.
Os Aviadores passam dois dias em Parnamirim Field para concertar o problema no trem de pouso e o problema com as velas de ignição do motor, que havia ocasionado a falha quando se aproximavam de Natal. Sem muito esforço o Junkers Ju-88 D-1 se torna centro de atenções do pessoal americano estacionado na base.
Um comentário interessante do major Newby sobre Parnamirim Field e publicado em janeiro de 1944, é quando ele afirma que em Natal existia “um dos melhores clubes de oficiais em qualquer lugar”, além de “boa comida e boa bebida desde que deixaram Estados Unidos há quase um ano”. Essas afirmações ajudam a explicar uma quase total ausência de críticas de militares estrangeiros que passaram por Natal na Segunda Guerra. Logo o major Newby e o tenente Cook continuaram sua viagem sem maiores alterações.
Finalmente, em 14 de outubro, o batizado “Baksheesh” pousou na base de Wright Field, na cidade de Dayton, Ohio. Ali começou sua carreira na Divisão de Engenharia de Teste de Voo. Foi feito uma análise completa entre novembro de 1943 e março de 1944, antes de ir para o Arizona para mais testes. O enorme esforço necessário para trazer o Ju 88 para Dayton mostra até onde os Estados Unidos estavam dispostos a ir para colocar as mãos em aeronaves estrangeiras para análise e avaliação.
O JU-88 D-1 que passou por Natal e Parnamirim Field está até hoje preservado no Museu Nacional da Força Aérea dos Estados Unidos, em um local próximo a Base Aérea de Wright-Patterson, em Dayton. Apesar de mais de 15.000 aeronaves do tipo JU-88 terem sido construídas, apenas dois desses interessantes aviões sobreviveram à guerra em condições completas. Um deles é o antigo avião levado por Teodoru.
[1] Na época da deserção do sargento Teodoru, julho de 1943, a Romênia operava o JU-88 há apenas alguns meses. O país recebeu seu primeiro lote de 50 aeronaves, incluindo uma dezena de JU-88 D-1 de reconhecimento, na primeira metade de 1943, e suas tripulações foram treinadas na Ucrânia, por instrutores da Luftwaffe. Essas aeronaves eram parte de um esforço maior dos nazistas para aumentar a força aérea de seu parceiro de lutas contra a União Soviética na Frente Oriental. Ver https://www.thedrive.com/the-war-zone/37574/how-this-nazi-recon-plane-ended-up-being-tested-in-the-united-states-during-world-war-ii
[2] Depois que a maré da guerra se voltou contra a Alemanha e seus aliados, a Romênia foi bombardeada pelos norte-americanos partir de 1943, principalmente a área de Ploesti, onde havia uma grande produção petrolífera. Em 1944 a Romênia foi invadida pelos soviéticos. Com o apoio popular contra a participação da Romênia na guerra vacilante e as frentes romeno-alemãs entrando em colapso sob o ataque soviético, o rei Miguel da Romênia liderou um golpe de Estado que depôs o regime de Ion Antonescu e colocou a Romênia ao lado dos Aliados pelo resto da guerra. Antonescu foi fuzilado em 1947. Apesar dessa associação tardia com o time vencedor a antiga Romênia, que eles denominam historicamente como “A Grande Romênia”, foi amplamente desmantelada, perdendo território para a Bulgária e a União Soviética, mas recuperando da Hungria as áreas da Transilvânia do Norte. Ver https://en.wikipedia.org/wiki/Romania_in_World_War_II
[3] A estratégica região de Mariupol viu muita desgraça e sangue durante a Segunda Guerra Mundial. Primeiramente foi bombardeada pelos alemães e em 7 de outubro de 1941 a cidade foi ocupada por unidades do 3º Corpo Panzer, do 1º Grupo Wehrmacht Panzer (Grupo de Exércitos Sul). Com isso se iniciou a sua ocupação que durou 23 meses, até 10 de setembro de 1943. Durante esse tempo os nazistas mataram em Mariupol cerca de 10.000 civis e um número calculado em cerca de 50.000 pessoas foram levados de maneira forçada para a Alemanha. Cerca de 36.000 prisioneiros de guerra soviéticos morreram de fome e doenças em campos na região da cidade e entre os dias 20 e 21 de outubro de 1941, os ocupantes de Mariupol massacraram a população judaica. Durante a ocupação alemã a cidade de Mariupol foi várias vezes bombardeada pelos soviéticos, principalmente a noite. Mais recentemente, a partir de 2014, a cidade de Mariupol se viu novamente envolvida em um conflito armado. Dessa vez na chamada Guerra Civil no Leste da Ucrânia, igualmente referida como Guerra na Ucrânia, ou Rebelião pró-russa na Ucrânia, ou ainda a Guerra em Donbass. Trata-se de um conflito armado entre as forças separatistas das autodeclaradas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk e o governo ucraniano. Ainda em 2014 Mariupol foi tomada pelos separatistas, apoiados por russos. O governo ucraniano, contudo, começou uma grande ofensiva terrestre e em meados de junho desse mesmo ano Mariupol já estava sob controle das tropas da Ucrânia. Desde então, os rebeldes separatistas tentaram várias vezes retomar a cidade, a submetendo a bombardeios esporádicos de artilharia, mas Mariupol continua controlada pelas autoridades ucranianas. Esse um conflito armado ainda se encontra em andamento. Sobre essas questões ver –
[5] O canadense Dénes Bérnad se especializou no estudo da aviação militar romena e do Leste Europeu durante a 2ª Guerra Mundial nos últimos 25 anos. Engenheiro mecânico de profissão é também membro fundador da Associação para a Promoção da História da Aviação Romena (Bucareste, Romênia) e da Associação Húngara de História da Aviação (Budapeste, Hungria). https://www.amazon.com/Rumanian-Aces-World-War-2/dp/184176535X
[16] O que aconteceu com Nicolae Teodoru não está claro, mas existe a informação que um indivíduo com esse nome aparece novamente em um relatório da CIA datado de abril de 1953, sobre a Força Aérea Romena do pós-guerra. Este documento identifica, a partir de 1949, esse indivíduo em questão como comandante do 6º Regimento de Bombardeiros no Aeródromo de Brasov e que a unidade foi estabelecida com pilotos com “experiência em múltiplos motores”. Isso pode sugerir que Teodoru voltou para a Romênia e continuou sua carreira na Força Aérea da era comunista. Nada mais encontrei sobre o piloto romeno Nicolae Teodoru. Ver – https://www.thedrive.com/the-war-zone/37574/how-this-nazi-recon-plane-ended-up-being-tested-in-the-united-states-during-world-war-ii
[17] Isso aconteceu por que no início daquele verão, os britânicos receberam um JU-88 configurado como caça noturno, uma variante mais avançada, que pousou na Escócia como resultado de uma deserção dentro da Luftwaffe. Ver – http://www.livingwarbirds.com/junkers-ju-88.php
Grupo de nove bombardeiros B-29 em Parnamirim Field em 1944. Provavelmente Natal foi o único local da América do sul a receber esse tipo de aeronave.
Sem dúvida, a aeronave mais revolucionária e cara produzida durante a Segunda Guerra Mundial foi o Boeing B-29. Vários foram os motivos pelos quais os B-29 passaram por Natal, no Nordeste do Brasil, para atacar o distante Japão.
– Agradecimentos especiais ao meu amigo João Baptista Rosa Filho pela ajuda no fornecimento de informações adicionais para este artigo.
—————————————————————————-
Em 1942, nunca houve qualquer dúvida entre as mais altas autoridades políticas e militares dos Estados Unidos de que o Império Japonês, a nação inimiga que realizou o ataque a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941, tinha de ser bombardeado implacavelmente. Esta situação sempre foi vista como natural; no entanto, os métodos utilizados para alcançá-lo têm sido questionados [1].
Não faltaram modelos de bombardeiros pesados produzidos nos EUA. O problema era que, naquele momento, a Alemanha nazista e os territórios ocupados por aquela nação também precisavam ser derrotados. No caso do Japão, o seu centro político e económico estava localizado muito mais longe do alcance dos bombardeiros Boeing B-17 Flying Fortress e Consolidated B-24 Liberator.
Mas em 21 de setembro de 1942, os Estados Unidos, grande potência industrial, apresentaram uma solução para o caso. Naquele dia, o protótipo XB-29 decolou da cidade de Seattle, no noroeste dos Estados Unidos.
Fábrica da Boeing, em Wichita, Kansas e a planta de fabricação dos B-29.
Logo, a grande aeronave quadrimotora foi chamada de B-29 Superfortress. Era o maior bombardeiro que o mundo já tinha visto naquela época. O seu tamanho e sofisticação, na verdade a arrogância da sua própria criação, permaneceram como monumentos à riqueza e engenhosidade americana. Cada avião custa mais de meio milhão de dólares, o que é cinco vezes o preço de um bombardeiro quadrimotor britânico Avro Lancaster. O projeto B-29 foi considerado o mais caro de toda a Segunda Guerra Mundial, custando aproximadamente três bilhões de dólares
A construção de cada aeronave quadrimotor exigiu aproximadamente 12.250 kg de chapa de alumínio (27.000 libras), mais de 454 kg de cobre (1.000 libras), 600.000 rebites, 15.290 metros de fiação (9,5 milhas) e 3.218 metros de tubulação. (2 milhas). A aeronave foi o primeiro bombardeiro pressurizado do mundo, equipado com uma tripulação de doze homens e tinha um raio operacional impressionante de 5.500 km (3.250 milhas). Muito mais do que os aproximadamente 3.300 km (2.050 milhas) que o B-17 e o B-24 poderiam percorrer [2]. Possuía uma forte bateria de armamento defensivo, composta por doze metralhadoras calibre 12,7 mm em torres remotas, além de um canhão de 20 mm na cauda e controle central de fogo. Um B-29 totalmente carregado pesava mais de sessenta toneladas [3].
A Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (USAAF) exigia que a nova aeronave tivesse velocidade superior a 550 km/h, por isso o B-29 foi fabricado com uma asa altamente alongada e montada centralmente na seção circular da fuselagem [4]. A aeronave era equipada com quatro motores Wright R-3350 Duplex Cyclone, avaliados em 2.200 a 3.700 hp (1.640 a 2.760 kW), dependendo do modelo [5]. Era movido a gasolina de 100 octanas e possuía dois turbocompressores para cada motor, com o objetivo de melhorar o desempenho do bombardeiro em grandes altitudes [6].
À medida que o projeto B-29 avançava, qualquer pessoa que visitasse o Dugway Proving Ground, localizado a cerca de 145 quilômetros a sudoeste de Salt Lake City, no estado de Utah, no oeste dos EUA, ficaria surpresa ao descobrir uma autêntica vila japonesa.
O local contava com duas dezenas de casas de madeira fielmente reproduzidas, cada uma decorada com os tradicionais tatames (tapetes de palha espalhados pelo chão). Em 1943, esta comunidade abandonada foi destruída pela primeira vez por bombardeiros, demonstrando a facilidade e o impacto devastador da destruição que mais tarde seria experimentado pelas cidades do Japão. As casas desta comunidade foram construídas com materiais frágeis, o que as tornou particularmente vulneráveis.[7]
Na mesma época, o pessoal aéreo identificou oito alvos industriais prioritários no Japão, na Manchúria (China) e na Coreia. Um estudo de outubro de 1943 observou que apenas vinte cidades japonesas abrigavam 22% de toda a população do país. Posteriormente foi identificado que se apenas 30% desses locais fossem destruídos, 20% da produção japonesa seria perdida, e o número de vítimas poderia chegar a 560 mil pessoas em um curto período de tempo [8].
Os americanos tinham os seus objetivos, mas o extenso desenvolvimento necessário para o B-29 atrasou a sua entrada em serviço até meados de 1943. Concluído o projeto, quatro fábricas de montagem principais foram construídas por três empresas distintas, amplamente dispersas por todo o país. [9].
Para conseguir esse feito, existia o maior projeto de subcontratação do mundo naquela época. Uma vasta rede foi estabelecida para fornecer materiais, equipamentos e programas de treinamento civil e militar [10].
O Boeing B-29 Superfortress poderia realmente ser considerado uma aeronave excepcional. Nenhum outro grande modelo de caça da Segunda Guerra Mundial, independentemente do tamanho, teve um intervalo tão curto entre o seu primeiro voo e a sua primeira aparição em território inimigo: apenas 20 meses [11].
Mas antes disso alguém teria de deixar aqueles aviões o mais perto possível do Japão. Mas por onde?
Uma Mentira no Caminho da Guerra
Em 1º de junho de 1943, a 58ª Ala de Bombardeio (58º BW) foi criada e ativada na cidade de Marietta, Geórgia. Uma grande unidade que abrigava cinco grupos de bombardeio era o Grupo de Bombardeio ou BG. Essas cinco unidades eram o 40º Grupo de Bombardeio, 444º Grupo de Bombardeio, 462º Grupo de Bombardeio, 468º Grupo de Bombardeio e 472º Grupo de Bombardeio, que tinham bases de treinamento principalmente na região do Kansas. Por sua vez, cada um desses grupos de bombardeio contava com três esquadrões, com uma alocação média de 20 a 30 aeronaves B-29 por esquadrão.
Mais tarde, foram estabelecidas Alas de Bombardeio (BW) adicionais, cada uma com seu Grupo de Bombardeio (BG) correspondente. A ideia inicial era colocar todas essas máquinas e seus operadores na área do teatro de guerra conhecida como CBI, ou China-Birmânia-Índia, a que os americanos se referiam. Para organizar esta força crescente, o XX Comando de Bombardeiros foi criado em 28 de março de 1944. Estabeleceu-se na cidade de Kharagpur, na Índia, e foi liderado pelo Major General Kenneth B. Wolfe. Os B-29 utilizaram campos de aviação pré-existentes em Chakulia, Piardoba, Dudkhundi e na própria Kharagpur. Todas essas bases estavam localizadas em Bengala do Sul e próximas às instalações portuárias de Calcutá. As bases B-29 na China estavam localizadas em quatro locais na área de Chengdu, especificamente em Kwanghan, Kuinglai, Hsinching e Pengshan[14].
Mapa que mostra a área de atuação das B-29 para atacar o Japão a partir de bases chineses
A ofensiva do B-29 contra o Japão foi chamada de Operação Matterhorn. Esta operação envolveu o planeamento das rotas de envio dos B-29 para a Índia e a China, bem como a determinação da utilização de bases de apoio nestes dois países e a seleção dos alvos a serem atacados no Japão [15].
Enquanto o B-29 e a sua estrutura de apoio e comando eram criados, os Chefes de Estado-Maior decidiram não enviar esta aeronave para combate na Europa. Para o alto comando, a utilização do B-29 contra a Alemanha privaria os Estados Unidos do elemento surpresa contra o Japão [16].
Americanos e ingleses apreciando uma B-29 na Inglaterra.
Para corroborar esse plano, no início de março de 1944, um B-29 com número de série 41-36963, um dos primeiros a ser construído, partiu de Salina, no Kansas, e voou para a Flórida. Decolou à noite sob ordens secretas. Inicialmente, voou durante uma hora sobre o Oceano Atlântico em direção ao sul. Em seguida, o piloto mudou de rumo e voou para o norte até Gander Lake, localizado na ilha de Newfoundland, onde pousou na Base Aérea de Gander, Royal Canadian Air Force (RCAF Station Gander) [17]. De lá, o “963” voou sem escalas para uma base no Reino Unido. A ideia era que pessoal técnico e tático das Forças Aéreas do Exército dos Estados Unidos na Europa avaliasse a máquina. Nas duas semanas seguintes, mil cidadãos, indivíduos com papéis cruciais na guerra, inspecionaram o B-29 “963” em duas bases aéreas. Na realidade, tudo isto foi uma farsa – uma tentativa de enganar a inteligência alemã fazendo-a acreditar que o B-29 estaria estacionado no Reino Unido e teria como alvo o império de Hitler [18].
O primeiro B-29 a chegar à Índia foi pilotado pelo Coronel Leonard “Jake” Harmon, comandante do 58º Bomb Wing, que decolou da Base Smoky Hill, no Kansas, em 26 de março de 1944. Este B-29, com o número de série 42-6331, chegou a Chakulia, leste da Índia, sete dias depois e foi entregue ao 40º Grupo de Bombardeio.
O primeiro B-29 a chegar a Índia.
O autor deste texto imaginou então que o primeiro B-29 utilizaria a rota que passava por Natal, atravessava o Atlântico Sul e rumava para leste. Mas parece que a rota por Natal não foi utilizada nas etapas iniciais desta operação.
De acordo com o escritor americano Robert A. Mann, autor do livro “B-29 Superfortress-Chronology-1934-1960”, onze B-29 deixaram a Base Aérea de Pratt, no Kansas, desde 1º de abril de 1944. Eles então pousaram em Presque. Base insular, no estado do Maine, na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá, de onde seguiram para Newfoundland e desembarcaram na base de Gander.[19] Depois de reabastecer e preparar suas tripulações, os B-29 voaram através do Oceano Atlântico até a Estação 10 da USAAF no Aeroporto de Menara, na ensolarada Marrakech, Marrocos. A viagem continuou com um desembarque no Cairo, no Egito, para finalmente fazer a última etapa até Chakulia, na Índia.
Outras aeronaves continuaram a utilizar esta rota, mas não demorou muito para que um B-29, número 42-6350, pertencente ao 462º Grupo de Bombardeio, sofresse um acidente em Marraquexe. Não houve vítimas, mas houve perda total do avião [20].
O B-29 que iluminou a véspera de Natal e seu sobrevivente
Talvez pelo desgaste das tripulações devido à longa travessia do Atlântico, ou das máquinas, ou do tempo de voo, ou das condições meteorológicas, em algum momento os B-29 começaram a sair do Kansas com destino a Natal.
Não encontrei nenhuma informação adicional que indicasse o início exato desta passagem, a rota correta utilizada ou a quantidade de aviões presentes. Mas através do relatório do médico militar George A. Johannessen, entregue em 23 de agosto de 2007 a pesquisadores da Rutgers School of Arts and Sciences, da Rutgers University, em New Brunswick, New Jersey, Estados Unidos, temos a informação de que “o primeiro Os B-29 vieram para o Natal.” Dr. Johannessen se perguntou: “Por que eles viriam no Natal?” [21]
Ficha do 1º Tenente Austin J. Peek, piloto da B-29 que caiu em Natal em 10 de agosto de 1944.
Essa pergunta do Dr. Johannessen é ainda mais surpreendente, considerando que no mesmo relatório ele afirma que Natal era a principal rota dos aviões que partiam dos Estados Unidos. Além disso, durante o inverno, serviu de rota aérea para os aviões da Oitava Força Aérea, sediada na Inglaterra. Ele também comentou que no início do conflito passaram por Natal aviões com destino à África Ocidental, Sicília, Itália, China, Birmânia (atual Mianmar) e Índia.
Foto creditada como sendo do 1º Tenente Austin J. Peek,.
O médico informou que os B-29 não pousaram em Belém e seguiam diretamente para Natal. Ele simplesmente não comentou de onde eles vieram. E se esses aviões pousassem em Miami ou fizessem escala na Base Aérea de Waller, na ilha de Trinidad (atual Trinidad e Tobago)? Devo-lhe!
Mas continuaram chegando em Natal, única cidade da América do Sul que recebeu os B-29 a caminho do Japão, o código que Natal recebeu como destino foi UJAW – UNIFORM, JULIET, ALFA, WHISKIE. Sem dúvida um código criado para aparecer na documentação e ser utilizado via rádio [22].
O copiloto 2º Tenente Willard R. Heintzelman, no seu casamento.
Em 10 de agosto de 1944, um B-29 caiu após decolar do Campo de Parnamirim. Novamente, através da história do Dr. Johannessen, temos alguns detalhes deste terrível acidente em que houve apenas um sobrevivente.
O que sabemos sobre esta aeronave é que se tratava de um modelo Boeing B-29-30-BW Superfortress, número 42-24482. Foi entregue à USAAF em 24 de maio de 1944, na fábrica da Boeing em Wichita, Kansas [23]. A tripulação era composta por dez pessoas. Eles eram o 1º Ten Austin J. Peek, piloto, 2º Ten Willard R. Heintzelman; co-piloto, 2º Ten John F. O’Neill; navegador, 2º Ten Leroy Judson; bombardeiro, 2º Ten Dale E. Shillinger; engenheiro. Of Flight, o terceiro sargento. Harold R. Brown era o operador de rádio, o sargento Kurt F. Seeler serviu como operador de radar, o cabo Anthony A. Cobbino foi o artilheiro do lado esquerdo, o cabo Walter Roy Newcomb foi o artilheiro do lado direito e o cabo David C. Prendiz serviu como o artilheiro de cauda.
O 2º Tenente Willard R. Heintzelman em traje de voo contra o frio.
Segundo o Dr. Johannessen, o acidente ocorreu por volta das dez horas da noite de quinta-feira, 10 de agosto. O B-29 decolou para cruzar o Atlântico, mas infelizmente o avião caiu a aproximadamente 5,5 quilômetros da pista do campo de Parnamirim, a poucos quilômetros da praia de Ponta Negra. Quando este B-29 se preparava para atravessar o oceano, a sua queda causou uma enorme explosão, alimentada pelos quase 31.000 litros de combustível de 100 octanas que transportava. Dr. Johannessen testemunhou este evento e afirmou que “todo o céu se iluminou” [24].
Segundo o médico, o navegador John F. O’Neill de alguma forma conseguiu sair do avião e pousou em alguns arbustos, resultando em um pequeno ferimento no dedo mínimo. Em seu relatório, o Dr. Johannessen não comentou o uso de pára-quedas pelo navegador.
Cabo David C. Prendiz, artilheiro de cauda da B-29 sinistrada.
Mesmo sem ter todos os dados disponíveis, ao discutir o caso por telefone com nosso amigo João Baptista Rosa Filho, conhecido como J. B. Rosa Filho acredita que o acidente da aeronave ocorreu devido a um incêndio em um dos motores do B-29. Isso pode explicar por que o B-29 perdeu potência e caiu.
Esse nosso amigo é da linda cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Atua no setor de aviação civil há 33 anos e é piloto privado. Foi piloto de testes da empresa gaúcha Aeromot Aeronaves e Motores, trabalhou como mecânico na extinta companhia aérea Varig e também escreve livros sobre a Segunda Guerra Mundial. Para este profissional experiente e experiente, o que aconteceu no B-29 deve ter sido extremamente grave e repentino, pois apenas deu ao navegador O’Neill tempo suficiente para se salvar.
Esquema mostrando as posições dos tripulantes de uma B-29.
J. B. Rosa Filho acredita que o piloto Austin J. Peek e o copiloto Willard R. Heintzelman tentaram recuperar o controle da aeronave para fazer um pouso de emergência ou estabelecer uma altitude adequada para que todos saltassem de paraquedas com segurança. Mas o avião provavelmente afundou rapidamente, já que apenas o navegador, O’Neill, conseguiu se salvar. O amigo não tem dúvidas de que este sobrevivente usou pára-quedas porque as velocidades mais baixas de um B-29, sem perda de sustentação, eram em torno de 150 km/h. O impacto de uma pessoa contra alguns arbustos naquela velocidade certamente não seria significativo o suficiente. Isso não afeta apenas o dedo mínimo.
A saída bem-sucedida do navegador do avião pode ser atribuída à sua posição sentada na cabine dianteira. Sua estação de trabalho estava localizada logo atrás do piloto, proporcionando-lhe uma visão para a parte traseira do avião e para a esquerda, além de acesso a uma escotilha de evacuação.
Configurações de escape de uma B-29.
Seguindo as instruções de nosso amigo J. B. Rosa Filho, possivelmente John F. O’Neill, notou que um dos motores estava pegando fogo e percebeu que o B-29 estava em perigo. Depois, independentemente de ter recebido ordem para fazê-lo, ele desamarrou o cinto de segurança, abriu a porta e entrou rapidamente no corredor para salvar sua vida. O Grande Arquiteto do Universo completou o quadro para facilitar seu salto, disponibilizando algumas mangabeiras no local de seu pouso [25].
Mesmo com a ajuda inestimável de um experiente profissional da aviação, como J. B. Rosa Filho, é claro, tudo que escrevo sobre esse acidente é especulativo. Mas o certo é que naquela noite, em meio aos céus de Natal, John F. O’Neill foi um homem de muita sorte!
B-29 em Chamas.
Sabemos que houve relatos de muitas pessoas em Natal que observaram um forte clarão no céu durante a noite. Mas vale destacar que houve outros casos de acidentes e destruição de aeronaves na região do campo de Parnamirim.
Paulo Pinheiro de Viveiros comentou em seu livro “História da Aviação no Rio Grande do Norte” que “Toda a cidade ficou surpresa quando, às 21h do dia 6 de fevereiro de 1942, um grande clarão vermelho iluminou repentinamente o céu, partindo da zona sul , perto do Atlântico” [26].
Acidente da B-17 em Parnamirim Field em 1942.
A aeronave em questão era um B-17, que, assim como o B-29 em agosto de 1944, caiu logo após a decolagem. Era um B-17E, numerado 41-2482. O avião estava totalmente carregado com gasolina e foi completamente destruído. Nove tripulantes morreram e todos foram sepultados no cemitério do Alecrim.
Desaparecimento no Atlântico
Exatamente um mês e oito dias após o acidente, outro B-29 foi perdido. Ele saiu de Natal e simplesmente desapareceu no Oceano Atlântico.
A aeronave era um Martin-Omaha B-29-1-MO Superfortress, numerado 42-65203, construído sob licença pela Glenn L. Martin Company de Omaha, Nebraska, e entregue à USAAF em 2 de junho de 1944. Partiu de chegou aos Estados Unidos em 24 de agosto de 1944 e desapareceu em 18 de setembro. O avião seguia para o aeroporto de Accra, capital da então colônia britânica da Costa do Ouro (atual República de Gana), na África Ocidental, após decolar de Natal.
Documento oficial da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (MACR 8525), sobre o desaparecimento da B-29 que decolou de Natal em setembro de 1944.
Segundo o relatório oficial, este B-29 caiu no mar a 2.250 quilômetros (1.400 milhas) de Natal, e toda a tripulação de dez homens desapareceu. Eles eram o primeiro tenente Hugh T. Roberts, piloto; 2º Ten John T. Kirby, co-piloto; 2º Ten LaVerne Bebermeyer, navegador; 2º Ten Paul Clyde Oberg, engenheiro de voo; 2º Ten Roxy D. Menta, bombardeiro; Segundo Tenente David Maas, Operador Central de Controle de Incêndios – CFC; Sargento Conrad I. Bruflat, artilheiro; Cabo James Husser, artilheiro esquerdo; Cabo James Woodie Day Jr., operador de rádio; e cabo John G. Giannios, artilheiro direito.
Ao examinar o documento que faz referência a este desastre (MACR 8525), descobri as seguintes informações sobre as condições meteorológicas naquele dia e naquela área específica. “As nuvens cumulus são normalmente dispersas ou quebradas, com seus picos a 8.000 pés. Os ventos em nível de vôo variam entre 50° e 100°, com velocidades variando de 14 a 25 nós, e uma média de 16 nós.”
B-29 na água e seus tripulantes em botes salva-vidas.
Recorrerei mais uma vez à experiência do meu amigo J. B. Rosa Filho que me informou que as condições climáticas apresentadas não seriam problemáticas para um avião como o B-29 tentar um pouso na água. O avião media 30,18 metros de comprimento, 43,05 metros de envergadura, 8,46 metros de altura e tinha área de asa de 161,3 metros quadrados.
O amigo João Baptista Rosa Filho, que muito ajudou na elaboração desse artigo, com os seus conhecimentos sobre aviação, fruto de 33 anos de bons trabalhos nessa área.
Existem vários relatos e fotografias que mostram aeronaves B-29 que caíram no mar, mas permaneceram parcialmente flutuando, permitindo às suas tripulações um tempo valioso para escapar em botes salva-vidas. Mas para que isso acontecesse, os pilotos teriam que pousar com sucesso o grande avião na água, sem tombar, e garantir que a integridade da aeronave fosse mantida. Porém, J. B. Rosa Filho lembra que pousar na água exige certo nível de experiência e treinamento por parte da tripulação. No caso do B-29 com número de série 42-65203, não está claro se o conhecimento do piloto e do copiloto poderia ter ajudado nesta situação.
2º Tenente LaVerne Bebermeyer, navegador da B-29 que desapareceu no mar.
No caso desta aeronave, é altamente provável que tenha sofrido uma falha mecânica grave enquanto estava no ar, resultando em danos tão extensos que não houve oportunidade de tomar qualquer ação. Outra ideia é que a tripulação cometeu um erro ao submergir a máquina na água.
Além disso, as autoridades americanas dispunham de informações tão limitadas sobre este acidente que aparentemente não estavam reunidas as condições para uma operação de busca e salvamento. Se essas buscas ocorreram por acaso, não há um único comentário, muito menos uma vírgula, indicando seu início e fim, ou seus resultados.
2º Tenente Paul Clyde Oberg, engenheiro de voo.
Embora outros relatórios do tipo MACR apresentem uma enorme quantidade de informações sobre aeronaves danificadas ou desaparecidas, o caso do B-29 42-65203 é uma exceção. Não se sabe se houve algum contato de rádio, pedido de socorro ou se algum barco ou avião na área relatou ter visto coletes salva-vidas, peças de aeronaves ou corpos. Absolutamente nada!
Cabo James Husser, artilheiro esquerdo da B-29.
Este B-29 pertencia ao 462º Grupo de Bombardeio (BG), e seus dez tripulantes foram declarados mortos em 27 de outubro de 1948.
Problemas
Pode parecer que estes dois acidentes relatados indiquem que a rota através do Oceano Atlântico para a Índia e a China representava problemas para as aeronaves B-29. Mas enquanto pesquisava este tópico, descobri que a utilização das rotas de transporte já estabelecidas para o Leste por estes aviões foi altamente bem sucedida.
Em seu livro “B-29 Superfortress-Chronology-1934-1960”, Robert A. Mann destaca que ocorreram apenas sete acidentes na rota dos Estados Unidos para a Índia entre 2 de abril (a chegada do primeiro B-29 na Índia) e 18 de setembro de 1944 (quando o B-29 29 que saía de Natal desapareceu no Atlântico). Nada menos que 163 destes bombardeiros pesados conseguiram pousar com segurança em solo indiano.[28]
Trabalho de abastecimento de uma B-29.
Nesta lista informativa, o autor indica o número de aeronaves envolvidas, os esquadrões a que pertenciam e ainda o nome que as tripulações deram a essas aeronaves [29]. Infelizmente, o autor não comentou as rotas seguidas por esses B-29. No entanto, eles relataram que durante este período, houve vários problemas quando essas aeronaves estavam estacionadas na Índia ou utilizando bases na China para atacar o Japão. O autor observa que nesse período, 52 aeronaves B-29 foram perdidas ou gravemente danificadas, resultando em diversas mortes.
Ao contrário dos bombardeiros pesados americanos que operavam na Europa, cujas bases estavam localizadas na Grã-Bretanha e na Itália e, portanto, próximas do território inimigo, os B-29 baseados na Índia e na China estavam mais distantes do Japão. Além disso, os bombardeiros na Europa tinham uma infra-estrutura de apoio mais organizada e unida. No Oriente, a situação era muito mais complicada. Um exemplo: vários B-29 foram convertidos em aviões de transporte porque, para lançar ataques ao Japão a partir de bases chinesas, os americanos tinham de transportar combustível, bombas e outros fornecimentos necessários da Índia. As despesas foram astronômicas.
Chineses nivelando uma das pistas de pouso e decolagem dos B-29.
Na China, os B-29 voaram a partir de quatro bases recém-criadas, construídas por milhares de trabalhadores chineses que montaram tudo manualmente. As pistas de decolagem foram construídas com brita e transportadas com o mínimo de maquinário. O nivelamento dos trilhos foi feito com enormes rolos de pedra, puxados por vários homens e mulheres. Infelizmente, centenas de trabalhadores chineses perderam a vida em acidentes durante este processo. Eram locais onde as estruturas dificultavam a manutenção, decolagens e pousos das aeronaves. A acrescentar a este desafio está o facto de as rotas aéreas que ligam a Índia e a China passarem sobre as montanhas do Himalaia, que são as mais altas do mundo e frequentemente enfrentam condições climáticas severas.[30]
Max Hastings observa em “Retribution: The Battle for Japan, 1944-45” que o transporte aéreo para Kunming, a capital e maior cidade da província de Yunnan, no norte da China, foi considerada uma das missões mais perigosas e impopulares da Segunda Guerra Mundial. Esta missão resultou em uma perda cumulativa de 450 aeronaves. A eficiência e o moral da tripulação eram notoriamente baixos. Os aviadores que sobreviveram a acidentes de avião tiveram de enfrentar algumas das regiões mais remotas e indomadas do mundo, habitadas por povos indígenas que ocasionalmente poupavam as suas vidas, mas sempre confiscavam os seus pertences.
Hastings acredita que os ataques iniciais do B-29 no Leste foram uma “farsa”. Segundo ele, a maior ameaça à sobrevivência das tripulações não eram os caças e canhões antiaéreos inimigos, mas os próprios aviões. Como disse um comandante, seu B-29 tinha “tantos insetos quanto o departamento de entomologia do Smithsonian Institution em Washington”. A hidráulica, a eletricidade, as torres de metralhadoras e canhões, e especialmente as usinas de energia, foram consideradas altamente não confiáveis.
Motor Curtis Wright R-3350 preservado em um museu nos Estados Unidos.
Os quatro motores Curtis Wright R-3350 eram “o pesadelo de um mecânico”. Devido a uma tendência alarmante de superaquecimento dos cilindros traseiros, em parte causada pela folga mínima entre os defletores dos cilindros e a carenagem, os motores estavam sempre propensos a pegar fogo durante o vôo. Descobriu-se também que esses motores têm uma tendência adicional de ingerir suas próprias válvulas. Além disso, as partes de magnésio foram queimadas e derretidas.
Um dos motores da famosa Cabine da B-29 “Enola Gay”, que em 6 de agosto de 1945 lançou uma bomba atômica sobre a cidade japonesa de Hiroshima. Foto realizada nos Estados Unidos pelo amigo Ricardo Argm, de Recife.
Devido ao alto teor de magnésio na liga do cárter, podem ocorrer incêndios no motor, às vezes queimando a uma temperatura de aproximadamente 3.100°C (5.600°F). Os motores permaneceram temperamentais, e os problemas de superaquecimento, que não foram totalmente resolvidos, eram muitas vezes tão graves que a longarina principal poderia queimar em questão de segundos, levando a uma falha catastrófica da asa.
O piloto Jack Caldwell registrou que “o avião sempre parecia estar tensionando cada rebite a mais de 25.000 pés”. Somando-se a todos os problemas dos B-29 estavam a inexperiência e as deficiências de suas tripulações. A USAAF reconheceu que os desafios no treinamento de tripulações para pilotar este “navio de guerra dos céus” eram monumentais.
Foto do ataque a Yawata.
E as missões tornaram-se difíceis. Em 19 de agosto de 1944, 71 aeronaves B-29 foram preparadas para bombardear a usina siderúrgica de Yawata, na ilha de Kyushu, no Japão. 61 aviões voaram durante o dia e 10 voaram durante a noite. Cinco B-29 foram destruídos pela ação inimiga, dois caíram antes ou durante a decolagem e mais oito foram perdidos devido a falhas técnicas. Apenas 112 toneladas de bombas foram entregues, resultando na perda de 7,5 milhões de dólares em aeronaves e suas valiosas tripulações.[32]
A B-29 Enola Gay, fotografada nos Estados Unidos pelo amigo Ricardo Argm, de Recife.
Este esforço monumental permitiu aos B-29 lançar ataques ao Japão a partir de fora da China, embora com riscos significativos e resultados mínimos. A USAAF ficou incomodada com a enorme quantidade de publicidade positiva dada aos novos bombardeiros gigantes nos Estados Unidos, pois cativou a imaginação do público. Os comandantes sabiam quão pouco os aviões estavam realmente realizando.[33]
Mais Próximo Para o Final
Embora as rotas através do Oceano Atlântico, fosse através de Natal ou da Terra Nova, fossem seguras, as distâncias do Kansas à Índia eram enormes: entre 16.000 e 17.000 quilómetros. A isto somaram-se as perigosas rotas aéreas entre a Índia e a China, com as montanhas do Himalaia no meio, além dos perigos de enfrentar extremistas japoneses no seu país. O custo foi extremamente elevado em termos de combustível, aeronaves e, mais importante, vidas humanas. Logo, o comando americano ordenou que os famosos “fuzileiros navais” desembarcassem nas ilhas de Saipan, Guam e Tinian entre junho e julho de 1944. Essas ilhas faziam parte do grupo conhecido como Marianas.
Várias B-29 em uma base aérea nas Ilhas Marianas.
A um custo de mais de 5.400 fuzileiros navais mortos e 18.000 feridos, os americanos capturaram com sucesso estas ilhas estrategicamente importantes e rapidamente começaram a construção de pistas de pouso para B-29.
A distância do Kansas às Ilhas Marianas é de 11.300 quilômetros, enquanto a distância de Tinian, por exemplo, ao Japão é de aproximadamente 2.400 quilômetros. Grandes fundações foram lançadas e uma estrutura completa foi estabelecida.
Cabine da B-29 Enola Gay, fotografada nos Estados Unidos pelo amigo Ricardo Argm, de Recife.
Com isso, os americanos não precisaram mais enviar seus poderosos bombardeiros para lutar através do Oceano Atlântico. Eles deixaram a Califórnia, sobrevoaram o vasto Oceano Pacífico e alcançaram as novas bases através das ilhas havaianas.[34]
Outras bases foram logo construídas em ilhas recém-conquistadas, como Iwo Jima. Os ataques ao Japão tornaram-se uma ocorrência diária, com centenas de B-29 envolvidos. Essas aeronaves foram constantemente aprimoradas, seus defeitos foram corrigidos e utilizadas de forma mais eficaz.
Em agosto de 1945, os B-29 devastaram as forças armadas, as instalações navais e a indústria do Japão. Embora o país carecesse de recursos militares significativos, os americanos realizaram os polêmicos ataques com bombas atômicas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki. O B-29 que lançou a bomba de Hiroshima, denominado “Enola Gay”, partiu de Tinian [35].
[5] Bowers, Peter M. Warbird Tech Series – B-29 Superfortress. Speciality Press Publishers and Wholesalers, Minnesota, 1999. Pág. 14.
[6] Haulman, Daniel L. Hitting Home – The Air Offensive Against Japan, Air Force History and Museums Program, 1999, pág. 7.
[7] Além da vila japonesa, os militares americanos reproduziram fielmente uma vila alemã. Durante a Segunda Guerra Mundial os dois locais foram bombardeados pelo menos 27 vezes e reconstruídas a fim de testar o uso de artefatos bélicos incendiários contra cidades populosas. Ver The Asia-Pacific Journal-Japan Focus, de 15 de abril de 2018, Volume 16, Edição 8, Número 3, Artigo ID 5136. Disponível em https://apjjf.org/2018/08/Plung.html
[8] Hastings, Max. Retribution: The Battle for Japan, 1944-45 Alfred A. Knopf. New York, 2008, Pág. 333.
[9] Duas fábricas eram operadas pela Boeing, sendo uma na cidade de Renton, estado de Washington, e outra em Wichita, estado do Kansas. Havia uma fábrica controlada pela empresa Bell, na cidade de Marietta, estado da Geórgia e uma planta da empresa de Martin na cidade de Omaha, capital do estado de Nebraska. Ver Bowers, Peter M. Boeing B-29 Superfortress . Stillwater, Minnesota: Voyageur Press, 1999. Págs. 319 e 322.
[10] Bowers, Peter M. Warbird Tech Series – B-29 Superfortress. Speciality Press Publishers and Wholesalers, Minnesota, 1999. Pág. 100.
[11] Bowers, Peter M. Warbird Tech Series – B-29 Superfortress. Speciality Press Publishers and Wholesalers, Minnesota, 1999. Pág. 4.
[12] Haulman, Daniel L. Hitting Home – The Air Offensive Against Japan, Air Force History and Museums Program, 1999, pág. 9.
[15] Graham, Simmons M. B-29 Superfortress – Giant bomber of Wolrd War Two and Korea, Pen & Sword Aviation, Barnsley, South Yorkshire, England. Pags 97 e 98.
[16] Haulman, Daniel L. Hitting Home – The Air Offensive Against Japan, Air Force History and Museums Program, 1999, pág. 7. E Pace, Steve. Boeing B-29 Superfortress The Crowood Prees, Berkshire, England, 2003. Pág. 94.
[17] Para os canadenses a base de Gander tem o mesmo aspecto histórico que Natal possui para os brasileiros, como um local situado em um proveitoso ponto estratégico, que na Segunda Guerra Mundial serviu a aviação Aliada, onde foram construídas imensas instalações para receber milhares de profissionais e suas aeronaves de transporte e patrulha contra submarinos. Os canadenses de Newfoundland afirmam que Gander foi “O maior aeroporto do mundo na Segunda Guerra”. Sobre a RCAF Station Gander ver https://www.heritage.nf.ca/articles/politics/gander-base.php
[18] Graham, Simmons M. B-29 Superfortress – Giant bomber of Wolrd War Two and Korea, Pen & Sword Aviation, Barnsley, South Yorkshire, England. Pags 84 a 86.
[19] Mann, Robert A, B-29 Superfortress-Cronology-1934-1960, McFarland & Company, Inc., Publishers, Jefferson, North Carolina, and London. Pág. 31.
[21] O Dr. Johannessen era natural de Seattle, Washington, e nasceu em 10 de Janeiro de 1919. Durante a Segunda Guerra Mundial ele serviu como oficial do Corpo de Administração Médica do Exército dos Estados Unidos (US Army) em vários hospitais nos Estados Unidos e na região do Atlântico Sul, incluindo hospitais de Belém e em Natal. Em seu rico relato comentou que tratou até de prisioneiros alemães que foram trazidos ao seu hospital, capturados pelo afundamento de algum submarino. Ver https://oralhistory.rutgers.edu/interviewees/1011-johannessen-george-a
[22] Mann, Robert A, B-29 Superfortress-Cronology-1934-1960, McFarland & Company, Inc., Publishers, Jefferson, North Carolina, and London. Pág. 15.
[24] Não sabemos se esse avião acidentado em Natal estava com toda sua capacidade de combustível, mas sabemos que o combustível nos B-29 eram transportados em quatorze tanques de asa externa, oito de asa interna e quatro tanques na área de bombardeio, dando uma capacidade máxima de quase 31.000 litros, ou 8.168 galões americanos. Uma modificação adicionou quatro tanques na seção central da asa, elevando a capacidade total de combustível para quase 36.000 litros, ou 9.438 galões americanos. Ver https://www.456fis.org/HISTORY_OF_THE_B-29.htm
[25] O relato do médico militar Dr. George A. Johannessen não garante que o sobrevivente da queda do B-29 em 10 de agosto de 1944 era o navegador John F. O’Neill. Mas no site https://pt.findagrave.com/memorial/52036385/walter-roy-newcomb existe a confirmação dessa informação.
[26] Viveiros, Paulo P. História da Aviação no Rio Grande do Norte, Editora Universitária, Natal-RN, Brasil, 1974. Págs. 158 e 159.
[28] Mann, Robert A, B-29 Superfortress-Cronology-1934-1960, McFarland & Company, Inc., Publishers, Jefferson, North Carolina, and London. Págs. 32 a 34. O primeiro desses acidentes foi em Marrakesh (anteriormente comentado no texto), o segundo foi com o avião B-29 número 42-6249, aconteceu em 18 de abril, em Payne Field, Cairo, Egito, devido a uma tempestade de areia e não houve mortos. Os três outros acidentes ocorreram todos em 21 de abril, na região de Karachi, Paquistão, por problemas de motor e consequências de uma tempestade de areia. Os envolvidos foram os aviões B-29 números 42-6345, 42-6369 e 42-63357. Nesse último acidente houve cinco mortos. Mais detalhes sobre alguns desses acidentes ver https://aviation-safety.net/wikibase/98393 e https://pt.findagrave.com/memorial/90940187/christopher-d-montagno
[29] Mann, Robert A, B-29 Superfortress-Cronology-1934-1960, McFarland & Company, Inc., Publishers, Jefferson, North Carolina, and London. Págs. 31 a 37.
Ilustração existente na página 27 do livro “Brazilian Expeditionary Force in Wolrd War II”, de César Campiani Maximiano e Ricardo Bonalume, que mostra o soldado Francisco de Paula municiando um obuseiro de 105 m.m. na Itália, em setembro de 1944.
Enquanto os debates sobre igualdade racial dominam o debate público no ano em que se comemora os 75 anos do fim da 2ª Guerra Mundial, é possível destacar que a Força Expedicionária Brasileira (FEB) foi o único contingente racialmente integrado em um conflito em que as tropas dos principais atores do campo de batalha tinham divisões segregadas. E temos muito o que aprender com isso.
Com um Exército pouco equipado e uma Marinha defasada em termos de tecnologia, parecia óbvio pensar, na época, que seria mais fácil uma “cobra fumar” – expressão que nasce diante de uma descrença pública generalizada – do que o Brasil entrar na 2ª Guerra Mundial. No fim, o maior país da América Latina foi o único do continente a enviar tropas.
Força Expedicionária Brasileira em acampamento no Campo de Gericinó, no Rio de Janeiro Foto: Acervo Arquivo Nacional
“A FEB foi uma coisa revolucionária para o Brasil, mas de certa forma ela também foi revolucionária para os aliados. Embora houvesse um racismo velado, como era comum à época, a FEB foi a única tropa aliada racialmente integrada”, explica o historiador e professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) Sandro Teixeira.
Além da luta contra o nazismo e o fascismo, a segregação racial era uma realidade nas tropas militares – mas este não era o caso da FEB, algo que surpreendeu positivamente os soldados dos Estados Unidos.
“Você tinha negros e brancos lutando lado a lado, muito diferente do Exército Britânico, que tinha tropas segregadas, do Exército Francês e do Exército Americano”, ressalta.
Durante parte da campanha, a FEB teve duas divisões americanas que combateram ao lado dos brasileiros, a exemplo da 10ª e da 92ª divisões de Infantaria Americana, que possuíam divisões segregadas entre soldados brancos e soldados negros.
Força Expedicionária Brasileira em Nápoles, Itália – Foto: Acervo Arquivo Nacional
“Ao ver a FEB com uma divisão integrada, isso pode ter sido uma das chamas que acendeu o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos”, analisa.
Alvo de notícias
A união dos pracinhas – como os combatentes brasileiros eram chamados – era admirável, e também foi tema de diversas notícias durante a guerra.
“Todo mundo estava no mesmo barco, todos iriam combater. Digamos que as balas do inimigo não diferem ninguém por cor”, afirma Teixeira.
“Isso foi alvo de notícias no noticiário oficial do exército americano. Os soldados americanos tinham um jornal que é muito famoso, e existe ainda nos dias atuais, chamado Stars & Stripes. E esse jornal relatava com certo ‘choque’, mas de surpresa mesmo, não de repúdio, o fato de que o Brasil, que era tido como um país atrasado política e tecnologicamente, foi capaz de enviar uma divisão integrada.”
Mais de 25 mil militares compuseram a Força Expedicionária Brasileira – Foto: Acervo Arquivo Nacional
Negociações
A falta de tecnologia militar era, de fato, um fator preocupante para o Brasil. Desta forma, uma série de negociações feitas com os Estados Unidos possibilitaram que as Forças Armadas brasileiras pudessem ser equipadas e, em contrapartida, a FEB apoiaria os aliados.
“É o início da nossa industrialização forte. Isso já estava na mentalidade militar, de que um envolvimento nacional era essencial para que o país tivesse segurança. É um ideal muito forte na cabeça dos militares”, afirma o professor.
Para os EUA, o Brasil era visto “como o gigante da América do Sul, o país que deveria estar ao lado dos Estados Unidos para equilibrar a segurança do hemisfério, ou seja, para impedir que o fascismo viesse para as Américas”, explica Teixeira.
Soldados da FEB durante a Batalha de Monte Castelo, em 1945 – Foto: Acervo/Centro de Comunicação Social do Exército (CCOMSEX)
Resistência
A participação dos brasileiros na 2ª Guerra Mundial não foi bem vista por todos, em princípio: o país encontrava resistência por parte do Reino Unido, que via sua política externa ameaçada no continente sul-americano.
“O Reino Unido procurou, de todas as maneiras, tentar vetar a entrada do envio das tropas brasileiras, porque isso, na visão deles, mudaria o papel do Brasil no equilíbrio de forças na América do Sul”, afirma.
“Com tropas bem equipadas, o Brasil poderia se tornar a grande potência do sul [continente]. Então, havia essa preocupação.”
Aqui vemos o soldado Marcílio Luiz Pinto, de Caconde-SP, o único praça brasileiro agraciado pelo Exército dos Estados Unidos com a medalha Silver Star . Faleceu em 31 de julho de 1993, em Adamantina-SP.
Nazifascismo
O período entre as duas guerras mundiais foi marcado por uma enorme crise econômica, além de uma descrença nos regimes democráticos, que levaram ao surgimento de ideais extremistas.
Em 1921, com a ascensão do fascismo na Itália, iniciava-se um período ultranacionalista e autoritário naquele país. “A origem [latina] do nome fascismo vem de ‘fasce’, que era instrumento utilizado na época do Império Romano que simbolizava autoridade e poder”, explica o mestre em História Militar pela Universidade de Lisboa Fábio Laurentino.
“A sociedade civil num todo se enxerga sem ter no que agarrar politicamente, onde as democracias parecem que falharam”, analisa. “Fascismo é uma ideologia totalitária. São regimes autoritários, que expressam um discurso muito forte, principalmente de ódio.”
Chegada de 2.760 homens da Força Expedicionária Brasileira pelo navio James Parker, em 1945 Foto: Acervo Arquivo Nacional
Paralelamente, o mesmo sentimento de descrença faz com que o nazismo tome espaço na Alemanha. “Surge o Partido Nazista também no início da década de 1920, com a característica da sociedade alemã ter pedido a fé na força na democracia. Essa descrença é acrescida da supremacia racial”, aponta Laurentino.
De acordo com o Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, estima-se que 6 milhões de judeus foram mortos durante o regime nazista.
O que podemos resgatar da FEB
Mais de sete décadas após o fim da 2ª Guerra Mundial, há muito o que aprender com os mais de 25 mil militares que compuseram a Força Expedicionária Brasileira. E com tudo o que este conflito representou para o mundo: mais de 60 milhões de mortos e um holocausto causador de cicatrizes profundas que seguem nos dias atuais.
“A diversidade é força. E acho que a força da diversidade que a FEB apresentou, dos soldados que foram lutar pela democracia em um outro continente, enquanto no seu próprio país não havia uma democracia, foi uma das razões para ajudar a redemocratizar o Brasil”, diz Teixeira.
“A integração e a diversidade presentes na tropa talvez tenha sido um elemento-chave para o sucesso dela”, analisa o historiador. “Talvez isso seja algo batido pela nossa história, mas é algo extremamente importante”, diz.
Rostand Medeiros – Escritor e Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
A partir de abril de 1945, Dez meses após o desembarque do Dia D, os Aliados invadiram a Alemanha e no dia 25 desse mês, perto da cidade de Torgau, as forças americanas e soviéticas se reuniram no Rio Elba.
Cinco dias depois Hitler se suicidou em seu bunker de Berlim, junto com seu cachorro e Eva Braun, sua nova esposa. Seu sucessor, o almirante Karl Doenitz, enviou o general Alfred Jodl ao Supremo Quartel-General aliado, na cidade francesa de Reims, para tratar da rendição junto ao general americano Dwight Eisenhower, comandante supremo das forças aliadas. Às duas horas e quarenta e um minutos do dia 7 de maio Jodl assinou a rendição incondicional das forças alemãs, que entraria em vigor no dia 8 de maio de 1945, uma terça-feira.
Depois de seis anos e milhões de vidas perdidas, o flagelonazista foi esmagado e o 8 de maio entrou para a história como a data em que formalmente ocorreu o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa e o fim do Reich de Adolf Hitler.
Manchete de jornal destacando o fim da guerra. Fonte: Jornal natalense A Ordem, edição de terça-feira, 8 de maio de 1945.
Nessa data as celebrações eclodiram em todo o mundo ocidental. Em Londres, por exemplo, mais de um milhão de pessoas celebraram o fim da guerra europeia diante do Palácio de Buckingham, onde o rei George VI e a rainha Elizabeth, acompanhados pelo primeiro-ministro Winston Churchill, apareceram na sacada do palácio para aplaudir a multidão. Nos Estados Unidos, o presidente Harry Truman, que comemorou seu 61º aniversário no mesmo dia, dedicou a vitória a seu antecessor, Franklin Delano Roosevelt, que morreu de uma hemorragia cerebral no dia 12 de abril. Por outro lado, o líder soviético Joseph Stalin não aceitou a rendição assinada em Reims e insistiu que o tratado fosse ratificado no dia seguinte em Berlim. Desde então Moscou comemora o Dia da Vitória em 9 de maio, um dia depois do resto da Europa.
Comemorações em Londres.
Enquanto Stalin mantinha suas desconfianças, milhões de pessoas pelo mundo afora se alegraram com a notícia que a Alemanha havia se rendido, marcando a vitória com festas de rua, danças e cantorias. Todos se sentiram aliviados da grande tensão gerada pela guerra e felizes pela sangria ter finalmente acabado.
A notícia da rendição da Alemanha não foi surpreendente. O avanço das tropas Aliadas deixou pessoas de toda parte em prontidão para começar a celebrar o fim da guerra. E quando a notícia da rendição foi irradiada, se espalhou como fogo em toda parte.
E no Rio Grande do Norte, o estado brasileiro que mais intensamente viveu o período da Segunda Guerra Mundial, como foram as comemorações pelo fim do conflito?
Em todo o Brasil, como no caso dessa foto no Rio de Janeiro, as comemorações pelo final do conflito foram intensas.
Primeiras festas – morte de Hitler e a queda de Berlim
Quem hoje busca conhecer sobre os fatos ocorridos no Rio Grande do Norte durante a Segunda Guerra Mundial nos poucos e amarelados jornais existentes nas hemerotecas das instituições de preservação da memória potiguar, observa que desde o início de 1945 os habitantes da capital potiguar se deparavam com manchetes em letras garrafais que diziam: “A vitória total se aproxima”. Ou então “As forças de Hitler derrotadas”. Ou ainda “Fim da guerra é iminente”. Muitas eram as notícias do esgotamento do povo alemão, das derrotas dos exércitos nazistas e havia nas páginas desses jornais uma grande expectativa pelo fim do conflito.
Mas, contrariando todas as expectativas, a rendição alemã não acontecia. Aqui e acolá se pode ler em algumas poucas notícias aspectos da resistência alemã, principalmente na frente de combate contra os russos. Contudo, a onda do avanço Aliado começou a vergar as forças germânicas e logo passou a ser noticiado, principalmente a partir de abril, que a capacidade de defesa dos nazistas decrescia.
Para quem percorre com os olhos os jornais natalenses A Republica e A Ordem, publicados entre a última semana de abril e a primeira semana de maio, não deixa de perceber a tensão pela iminência do fim da guerra. Foi quando a notícia da morte do ditador alemão Adolf Hitler em 30 de abril e, principalmente, a queda de Berlim no dia 2 de maio, quarta–feira, detonou entre os natalenses o desejo de comemorar e de extravasar pela proximidade do fim de todo aquele pesadelo.
Quando a notícia da rendição da capital do Terceiro Reich se propagou, como era normal em Natal nesses momentos especiais, as escolas, as casas comerciais e as repartições públicas fecharam. As pessoas seguiram para a Praça 7 de setembro, no centro da cidade, onde o clima de alegria e patriotismo era intenso.
Nas manifestações pela vitória dos aliados na Europa, era comum os pedidos de retorno da democracia no cenário político brasileiro. No dia 29 de outubro de 1945 o ditador Getúlio Vargas, renunciou ante a iminência de ser deposto por um golpe militar.
Em uma cidade com o número limitado dos antigos e pesados rádios valvulados, concentrados nas mãos da elite local pelo alto preço de aquisição, só restava ao povão seguir para as redações dos jornais locais como A Ordem, na Rua Dr. Barata, 216, na Ribeira, ou do tradicionalíssimo jornal oficialista A República, na Avenida Junqueira Aires. Nas sedes desses periódicos os populares colavam os olhos nos “Placards”, uma espécie de mural onde se fixavam as mais novas e importantes notícias.
Toda essa alegria se espalhou pela cidade e isso ficou latente com a forte concentração de pessoas na principal praça da cidade na noite do dia 2 de maio.
Diante do Palácio do Governo foi organizado um comício pela LDN, a Liga de Defesa Nacional. Essa era uma entidade que seguia um forte ideário cívico-nacionalista, tendo sido criada no Rio de Janeiro em 1916 e que iniciou suas atividades no Rio Grande do Norte em 6 de agosto de 1936, tornando-se especialmente ativa com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Em 1945 a LDN era presidida pelo Monsenhor João da Mata Paiva e ele foi a primeira pessoa que discursou sobre a queda de Berlim para uma Praça 7 de Setembro lotada, sendo seguido por pessoas como os professores Francisco Ivo Cavalcanti e Clementino Câmara, o ex-deputado federal e futuro senador Kerginaldo Cavalcante de Albuquerque, o também ex-deputado federal Dioclecio Dantas Duarte (que naquele mesmo 1945 assumiria interinamente e apenas por poucos dias a interventoria do governo no Rio Grande do Norte), o acadêmico Luís Maranhão Filho e os estudantes Romildo Gurgel e José Bezerra Gomes.
Tanto em Natal como no resto do Brasil, foi normal nas comemorações a existência de retratos do presidente dos Estados Unidos Franklin Delano Roosevelt, que havia falecido em 12 de abril de 1945. Até hoje em muitas cidades brasileiras é comum a existência de avenidas, rua e logradouros batizadas com o nome desse presidente.
Um detalhe interessante é que estavam hasteadas destacadamente no Palácio do Governo as bandeiras do Brasil, dos Estados Unidos, da Inglaterra e, para surpresa de muitos presentes, da União Soviética.
Mesmo sabendo que os russos eram aliados, a apresentação pública da bandeira vermelha com a foice e o martelo dourados era uma situação interessante para uma cidade que vivenciou em 23 de novembro de 1935 a Intentona Comunista. Ao final dos comícios o povão se concentrou no Grande Ponto.
Um detalhe simples, mas extremamente significativo daquele momento: todas as ruas da cidade ficaram iluminadas, voltando um clima de normalidade que não existia desde a adoção da restrição de iluminação para não facilitar possíveis ataques inimigos, o famoso “Blackout”.
No outro dia, quinta-feira, logo às oito da manhã os proprietários de veículos, motoristas de praça e carros de repartições saíram da antiga sede do Sindicato dos Rodoviários, na Avenida Tavares de Lira, na Ribeira. Formaram um grande “Corso” (o que hoje chamamos carreata), seguindo pelas ruas realizando um forte buzinaço e levando as bandeiras dos países aliados.
Também nesse dia foi realizado outro comício na Praça 7 de setembro, que foi considerado “monstro”, tal a quantidade de gente que participou. Nesse comício foi grande a participação de escolares, escoteiros, membros de associações esportivas. A animação foi feita pelas bandas da Polícia Militar e da Força Aérea Brasileira. Uma situação comum foi que em todas as manifestações se tocava repetidamente o Hino Nacional.
Até o sábado, dia 5 de maio, ocorreram inúmeras manifestações, um verdadeiro carnaval fora de época, mas sempre com muitos discursos, muito patriotismo e alegria.
Comemorações pelo fim da guerra
Manchete de jornal sobre a rendição da Alemanha. Fonte: Jornal natalense A Republica, edição de 8 de maio de 1945.
Na terça-feira da semana seguinte, nas primeiras horas de 8 de maio, a notícia da assinatura da rendição pelo general Jodl foi captada pelos rádios valvulados existentes em Natal e logo começaram a estourar rojões, repicar de sinos das igrejas, com novo buzinaço dos veículos e as sirenes antiaéreas ecoando estridentemente.
A Agência Pernambucana, de Luiz Romão de Almeida, começou a detalhar o acontecimento nos seus mais de 20 alto-falantes espalhados pela cidade, informando que recebia notícias de grandes emissoras de rádio internacionais. Vários carros, além de pessoas a pé e de bicicleta, começaram a se concentrar nos locais onde ficavam os alto-falantes para não perder nada do que era noticiado. Foi anunciado que o ditador Getúlio Vargas havia decretado feriado nacional para as pessoas comemorarem o fim da Segunda Guerra. Não sei se fez muita diferença o anúncio de Vargas, pois igual quando foi noticiada a queda de Berlim e a morte de Hitler, Natal parou para comemorar.
Logo o general Antônio Fernandes Dantas, Interventor Federal no Rio Grande do Norte, convidou várias autoridades para o Palácio do Governo para comemorar a boa nova e organizar festejos para a população da capital potiguar. O Aeroclube anunciou a realização de uma festa dançante no sábado, 12 de maio, cobrando 50 cruzeiros por pessoa. O clube informou que aqueles que desejassem detalhes da festa poderiam ligar no número telefônico “1-2-0-4”.
Na mesma tarde do dia 8 os aviões da escola de pilotagem do Aeroclube sobrevoaram a cidade, soltando milhares de panfletos onde estava escrito:
“O Aeroclube do Rio Grande do Norte, primeira escola de aviação civil, saúda os heroicos aviadores nacionais que demostraram a sua coragem nas terras da Itália e homenageia os bravos soldados da FEB, que lutaram em prol da liberdade dos povos civilizados, esmagando o nazi fascismo.
Natal, 8 de maio de 1945”
À noite, milhares de pessoas se concentravam na Avenida Rio Branco e na Rua João Pessoa, bastante iluminadas, e a festa da vitória ficou mais bela com os potentes holofotes do 1° Grupo do 3° Regimento de Artilharia Antiaérea, ou 1/3° RAAAe, iluminando a noite natalense e deixando todos extasiados.
Do Alecrim e da Ribeira vieram duas passeatas populares para o Grande Ponto, onde a banda da Polícia Militar tocava marchas e dobrados. Deve ter sido prazeroso, mas igualmente extenuante, a participação dos policiais da banda da nossa Polícia Militar naqueles primeiros dias de maio de 1945, pois são inúmeras as referências da presença desses militares nos muitos festejos e desfiles acontecidos.
Mas indubitavelmente o mais importante evento das comemorações da vitória aliada foi o grande desfile escolar e militar que percorreu várias avenidas e ruas da cidade.
Convite publicado em jornal natalense para homenagem ao Dia da Vitória.
A concentração foi na Praça Pedro Velho, então bem maior do que é na atualidade, ocorrendo na tarde do dia 11 de maio, sexta-feira. Além das principais escolas da cidade, centenas de militares da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, da Marinha do Brasil, do Exército e da Força Aérea Brasileira se posicionaram junto com militares da Marinha e do Exército dos Estados Unidos que estavam baseados em Natal desde dezembro de 1941. Essa é a primeira notícia que informa a participação dos militares estrangeiros naqueles festejos.
Além dos discursos das autoridades, da execução dos hinos nacionais do Brasil e dos Estados Unidos, o desfile percorreu a Avenida Deodoro até a Rua João Pessoa, passando pelo Grande Ponto e entrando na Avenida Rio Branco. Daí o grande desfile desceu a tradicional ladeira que liga a Cidade Alta à Ribeira, onde passaram na Praça José da Penha, contornando o Grande Hotel e seguindo pela Avenida Duque de Caxias, retornando para a Cidade Alta até a Praça 7 de Setembro. Ao logo do desfile milhares de natalenses se posicionaram nas calçadas, nas sacadas das casas, nos muros, nas árvores e aplaudiram entusiasticamente os participantes. Enquanto
esses militares percorreram mais de dois quilômetros e meio de ruas de paralelepípedos, nos céus dois grupos de aviões Curtiss P-40E-1 da FAB rugiram sobre a cidade.
E na Capital do Oeste
Basicamente as comemorações ocorridas em Mossoró repetiram muitos aspectos do que ocorreu em Natal, onde a população local primeiramente ficou de “orelha colada” nos alto-falantes da “Amplificadora” da cidade, que noticiou o fim da Segunda Guerra Mundial no dia 8 de maio.
Várias casas comerciais, mesmo fechadas para as comemorações, hastearam bandeiras brasileiras e durante a tarde foram realizados desfiles de estudantes, escoteiros e policiais. Os sinos das igrejas de Mossoró repicaram durante vários momentos daquele dia. À tarde os aviões do Aeroclube de Mossoró sobrevoaram a “Capital do Oeste” e lançaram várias bandeiras brasileiras.
Clube Ipiranga de Mossoró.
Mas o principal evento foi mesmo a festa noturna realizada na sede do Clube Ipiranga.
Mas é bom lembrar que aquela comemoração não significou totalmente o fim do conflito, nem foi o fim do impacto que a guerra teve sobre as pessoas. A guerra contra o Japão não terminou até agosto de 1945, e as repercussões políticas, sociais e econômicas da Segunda Guerra Mundial foram sentidas muito depois da rendição da Alemanha e do Japão.
Após as duas bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki e a morte de dezenas de milhares de pessoas, o Japão se rendeu em 14 de agosto de 1945. O Dia da Vitória no Japão foi celebrado em 15 de agosto. Também é marcado em 2 de setembro, o dia em que o Japão assinou um cessar-fogo incondicional.
O mais correto seria dizer que o Brasil conseguiu grandes vitórias em pequenas batalhas da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A Força Expedicionária Brasileira (FEB) entrou em combate na Europa a partir do segundo semestre de 1944. Do lado dos aliados (Inglaterra, França, União Soviética e Estados Unidos), a FEB enfrentou as forças do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) em território italiano, no chamado front do mediterrâneo. “Tivemos duas importantes vitórias em pequenas batalhas: Monte Castelo, em fevereiro de 1945, e Montese, em abril de 1945”, afirma o historiador Vágner Camilo Alves, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).
Se alguém duvida de que essas batalhas foram secundárias no contexto geral da Segunda Guerra, basta analisar o efetivo brasileiro em ação. A FEB participou do conflito com apenas uma divisão de infantaria, enquanto só no front do Mediterrâneo os aliados contavam com um total de 23 divisões.
Aqui no Brasil, propagandas ufanistas, principalmente na época do governo militar (1964-1985), criaram a impressão de que a conquista de Monte Castelo – montanha da cordilheira apenina, no norte da Itália – foi uma batalha fundamental na Segunda Guerra.
Apesar dessas ressalvas sobre a real dimensão de nossas vitórias, a atuação dos soldados brasileiros foi heróica. Mesmo mal treinados, com equipamento inadequado e enfrentando um frio de até 15 ºC negativos, eles conseguiram derrotar as forças alemãs que estavam entrincheiradas no alto do monte Castelo.
A ação brasileira fez parte de uma ofensiva maior de todo o IV Corpo do Exército dos Estados Unidos – do qual a FEB era uma das divisões. O resultado dessas operações conjuntas foi a expulsão dos alemães dos montes Apeninos, permitindo uma ofensiva dos aliados no norte da Itália que marcaria o fim dos confrontos no país.
Guerra no morroTropas brasileiras enfrentaram até “fogo amigo” para conquistar Monte Castelo.
A FEB já havia tentado tomar o monte Castelo três vezes no fim de 1944, acumulando cerca de 400 mortos e feridos. Na noite de 20 de fevereiro de 1945, a artilharia brasileira bombardeia os alemães posicionados na montanha dando início à quarta tentativa. Cinco ou seis caça-bombardeiros, possivelmente do esquadrão “Senta Pua”, metralham os alemães
Na manhã do dia 21, três batalhões de infantaria da FEB recebem ordem de avançar para tentar tomar o monte. Os alemães respondem com fogo cerrado e a artilharia brasileira dá o troco, mas perde a mira e quase atinge nossas próprias tropas. O avanço é interrompido
Ao meio-dia, o general americano Mark Clark, comandante das operações na Frente Italiana, visita o general brasileiro Mascarenhas de Moraes e vem a ordem para o avanço continuar. Uma unidade de elite americana toma espinhaços próximos para ajudar a subida dos brasileiros
Perto das 14 horas, batedores relatam a chegada de reforços alemães que vieram de regiões próximas. Mesmo assim, as tropas brasileiras seguem avançando e atacam o penúltimo ponto antes de alcançar o cume do Monte Castelo
Às 15h30, os combates diminuem e uma relativa calma se impõe na montanha. Os soldados brasileiros aproveitam para atender feridos e acompanhar as evoluções de um teco-teco da FEB que sobrevoa lentamente a área em missão de reconhecimento
Às 16h20, a artilharia brasileira concentra seu fogo sobre a montanha, e o cume se transforma numa grande cratera. Oculta pela fumaça, uma unidade da FEB avança, mesmo sabendo que os aliados americanos ainda não conseguiram conquistar um ponto estratégico
Sob uma chuva de morteiros nazistas, patrulhas brasileiras e alemãs se enfrentam em combates corpo-a-corpo, usando submetralhadoras, pistolas e fuzis com baioneta. Às 17h50, o tenente-coronel brasileiro Emílio Rodrigues Franklin anuncia pelo rádio: “Castelo é nosso!”
Atrás da linha vermelha
As forças do Eixo na Itália tinham uma linha de defesa chamada Gustav. Quando ela foi rompida pelos aliados, em 1944, os alemães se retiraram para o norte, no alto da cordilheira apenina. Lá, montaram nova linha defensiva, a Gótica, da qual fazia parte o Monte Castelo.
Mergulhe nessa
Na livraria:
O Brasil e a Segunda Guerra Mundial: História de um Envolvimento Forçado – Vagner Camilo Alves, Editora Loyola, 2002
Guerra em Surdina: Histórias do Brasil na Segunda Guerra Mundial – Boris Schnaiderman, Editora Brasiliense, 1995
Reportagem de uma revista australiana sobre Parnamirim Field
A VISÃO DA IMPRENSA ESTRANGEIRA SOBRE A GRANDE BASE AÉREA EM SOLO POTIGUAR
Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
Em termos de politica internacional, dificilmente alguém contestará que, o mais importante acontecimento, nesta área, ocorrido no Rio Grande do Norte, em todo o século XX, talvez em toda a sua história, tenha sido o encontro entre os presidentes dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, e do Brasil, Getúlio Dorneles Vargas, em 28 de janeiro de 1943, a bordo do navio de guerra americano USS Humboldt, ancorado no estuário do Rio Potengi.
Parnamirim Field
A partir deste histórico acontecimento, a imprensa norte americana passou a dar uma maior visibilidade sobre a participação prática e efetiva do Brasil na guerra e a apresentar ao público americano como ajudávamos o esforço de guerra Aliado. Um dos focos da atenção dos jornalistas foi a importância da Natal Air Base, também conhecida pelos aviadores americanos como Parnamirim Field, então considerada uma das maiores bases aéreas construídas fora dos Estados Unidos e uma das principais encruzilhada das rotas aéreas no mundo.
A United Press em Parnamirim Field
Um dos primeiros jornalistas a transmitir estas informações ao público norte americano foi James Alan Coogan, natural de Milwaukie, Oregon. Ele era o chefe do escritório da respeitada agência de notícias United Press para a América do Sul.
No início de 1943 os Aliados já tinham começado a virar favoravelmente o jogo da guerra e forças alemãs, italianas e japonesas estavam sofrendo derrotas em inúmeras frentes de combate ao redor do mundo. Coogan iniciou uma série de reportagens enaltecendo que foi a partir de Parnamirim Field que surgiu a “energia aérea” que estava ajudando a derrotar as forças alemãs e italianas no Norte da África. Daquela base aérea, decolavam, dia e noite, milhares de aviões de transporte com homens e materiais que ampliavam o poderio Aliado naquela parte do mundo.
Mesmo informando que era um segredo militar, o número de aviões que decolavam com um pequeno intervalo de tempo das pistas de Parnamirim, para Coogan era impressionante a quantidade de “Fortalezas Voadoras”, “Liberators”, “Mauraders” e outros modelos, que chegavam e partiam initerruptamente, durante as 24 horas do dia, sete dias por semana.
Os Acorrentados
Coogan observou que a base tinha um forte esquema de proteção e se encontrava cercada de trincheiras ocupadas por brasileiros e americanos, atentos a alguma ação do inimigo. Somente depois de novembro de 1942, após ações Aliadas na África que inviabilizaram um possível ataque inimigo ao Nordeste do Brasil, ocorreu um grande alívio para os defensores da grande base de Parnamirim. Estas ações foram principalmente o desembarque americano no Norte da África (Operação Torch) e a posse da cidade de Dakar, na época capital colonial da África Ocidental Francesa.
Posição geográfica de natal em reportagem estrangeira
O moral das tropas era elevado e havia muito trabalho sendo feito, o que deixava os homens sem tempo para pensarem em diversões comuns aos grandes centros.
Para o jornalista da United Press, as tripulações dos aviões americanos cada vez mais ampliavam sua capacidade operativa e suas habilidades, ao realizarem vários voos entre os Estados Unidos e as frentes de combate, sempre utilizando Parnamirim Field como ponto obrigatório.
O jornalista percebeu que, mesmo sem estarem diretamente expostos ao combate, os corpos e as mentes dos homens da Divisão de Transportes eram muito cobrados.
Portão em Parnamirim Field, guarnecido por brasileiros e americanos
Eles voavam constantemente no traslado de novos aviões, transportando homens e materiais de combate para as várias áreas do conflito. Coogan comentou que os pilotos de transporte na base aérea se autodenominavam “Os Acorrentados”, por viverem presos aos cintos dos assentos de suas aeronaves.
O Comandante Americano e Parnamirim
Nesta época não existia uma força aérea dos Estados Unidos independente, sendo esta força uma parte do exército deles. Por esta razão, o comandante em chefe das forças do exército americano no Atlântico Sul era o General Robert. L. Walsh.
Com 48 anos de idade, Walsh havia sido brevetado como piloto em 1918, pertencendo desde então ao quadro de aviadores do exército americano e havia assumido a função no Brasil em 20 de novembro de 1942. Vindo do setor de inteligência, era considerado pelo jornalista Coogan como o “mais modesto general americano”.
C-47, o “Burro de carga” da aviação Aliada. Muitos destes passaram por Natal
Em uma entrevista concedida no Quartel General da Divisão de Transportes em Parnamirim Field, junto com a sua oficialidade, em meio ao constate barulho de pousos e decolagens de aeronaves multimotores, o reservado general tinha consciência da importância do trabalho dos seus homens e daquela grande base aérea, tida pelo Alto Comando Aliado como vital. Comentou que apesar de algumas improvisações iniciais, do limitado tempo para o lazer dos seus homens naquele inicio de 1943, a missão a eles passada estava sendo cumprida a contento.
Tanto o general como seus oficiais transmitiram a Coogan que as bases aéreas norte-americanas no Brasil eram de grande auxilio para o combate das forças nazifascistas, igualmente era notável a contribuição dos operários e técnicos brasileiros para a construção das bases aéreas, especialmente Parnamirim Field, a maior e mais movimentada.
O interessante na entrevista com o General Walsh foi ele enaltecer primeiramente os operários e técnicos civis brasileiros, com bastante ênfase por sinal, e só depois comentar favoravelmente a colaboração de nossas autoridades.
Disciplina Folgada
Em uma das passagens de sua extensa reportagem, que no Brasil foi publicada em quatro edições em jornais cariocas, Coogan comentou que a quantidade e o volume de tarefas em Parnamirim Field era tal, que a disciplina militar era mais “democrática”. Para o jornalista americano havia em Parnamirim Field uma “disciplina folgada”.
Os praças americanos em Parnamirim tratavam seus oficiais por “Senhor”, mas não ficavam a toda hora batendo os calcanhares, nem realizando continências simetricamente perfeitas. Se, por exemplo, os militares americanos de patente inferior estavam descanso em baixo da asa de algum avião, eles não se levantam rapidamente e prestavam continência a passagem de qualquer tenentinho.
Na verdade, o jornalista da United Press, que morava há algum tempo no Rio de Janeiro e certamente conhecia os hábitos castrenses brasileiros, ao transmitir esta questão, mostrava uma das grandes diferenças que existia entre os nossos militares e os militares dos Estados Unidos. Enquanto os nossos oficiais, muitas vezes, se preocupavam mais com o tamanho de um corte de cabelo, a posição de uma mão na hora da continência, ou quão lustrada uma bota estava, para os americanos, valia mais a questão da operacionalidade do elemento e o cumprimento das missões, do que a rigidez de certos procedimentos de saudação militar.
Em contrapartida, os militares americanos daquela época nunca conseguiram compreender como a oficialidade brasileira aceitava tranquilamente conviver com negros em suas tropas.
Repouso e Diversão
Havia alojamentos, locais de alimentação e recreação distintos para praças e oficiais, mas não era incomum que em uma mesma mesa se alimentassem, ou realizassem um jogo de cartas, coronéis e majores, junto com capitães e tenentes. Os oficiais de maior graduação tinham seus alojamentos individuais, oficiais não tão graduados formavam duplas e dividiam um alojamento.
Já os praças, ao menos nesta época, se alojavam em grandes tendas montadas em sólidos alicerces de concreto, com pisos de ripas de madeira. Normalmente ficavam em número de quatro pessoas por barraca. O correspondente da United Press ocupou solitariamente a barraca de número 64. Apesar da força inclemente do sol nordestino, a tropa americana considerava o clima agradável pela ação dos ventos e as noites eram tranquilas e agradáveis.
As maiores diversões dos americanos dentro de Parnamirim Field eram escutar as emissoras estadunidenses em rádios valvulados de ondas curtas, jogos de cartas e calorosas partidas de beisebol. Este esporte tão estranho aos brasileiros na época envolvia as tropas do corpo aéreo do exército e da marinha americana, que tinham uma área dentro da base, junto com um setor exclusivo da Força Aérea Brasileira.
Uma interessante compensação para os militares americanos em Parnamirim Field, em comparação àqueles que estavam servindo na cosmopolita e animada cidade do Rio de Janeiro, ou outra localidade brasileira bem mais confortável, era que os jornais americanos chegavam com no máximo um ou dois dias após sua publicação.
Um Repórter Australiano em Parnamirim Field
Mas não eram apenas os jornalistas americanos que transmitiam para seus leitores impressões sobre Parnamirim Field.
Quase um ano após a publicação das reportagens de James Alan Coogan, esteve em Natal o jornalista australiano J. A. Marris, da revista Western Mail, da cidade de Perth,a capital e maior cidade do estado australiano da Austrália Ocidental.
Sua reportagem, intitulada “Skayway Base”, foi divulgada na edição de quinta feira, dia 20 de janeiro de 1944 desta revista, com amplo destaque na coluna “This Week”. Merris utilizou no texto uma linguagem bem clara, onde detalhou a importância estratégica de Parnamirim Field e um dia do seu intenso movimento aéreo.
O australiano informou que nesta época na grande base aérea já não havia tendas e nem trincheiras contra um ataque aéreo. Mas se por um lado o medo de um ataque já não existia, o movimento aéreo era intenso. Na sua opinião, nas pistas de asfalto de Parnamirim Field “passavam os grandes heróis anônimos do transporte aéreo moderno”.
Vital para a vitória Aliada
O jornalista informou que a construção da base ocorreu enquanto na África do Norte os Aliados lutavam contra as forças do Afrika Korps, comandados pelo mítico General alemão Erwin Rommel.
A estratégica base área militar foi construída em solo brasileiro no mais rigoroso sigilo militar, onde um exército de brasileiros simples, a maioria sertanejos fugidos da grande seca, concluíam, com muito suor e sacrifício, um lugar que possibilitou a criação de uma rede de linhas aéreas que na época supria quase todas as frentes de guerra.
Quando o General Rommel ameaçou invadir Alexandria, no Egito, em 1942, os olhos do mundo estavam voltados para o Vale do Nilo, mas os olhos dos comandantes aliados estavam focados na distante base de Parnamirim. Pois foi através desta estratégica área militar, que um fluxo de aviões vindos dos Estados Unidos e transportando valiosos materiais estratégicos, foi fundamental para a vitória Aliada na frente Africana.
Para o jornalista australiano foi em Parnamirim que o destino do Egito e do Oriente Médio, e talvez de todo o curso da guerra, foi decidido.
Movimento Internacional
J. A. Marris cruzou o Oceano Atlântico em direção aos Estados Unidos. Narrou que, após a chegada a Parnamirim Field, na sua aeronave, logo adentrou uma equipe de homens do setor de defesa sanitária. Estes passaram a fumegar em todas as partes do avião doses de veneno contra possíveis mosquitos africanos transmissores de doenças. Segundo nos narrou Fernando de Góes Filho, um dos oficiais brasileiros responsáveis por este serviço era o seu pai, o médico Fernando Góes.
Logo após desembarcar, o australiano soube que seu avião estava sendo requisitado para retornar a África e cumprir outra missão. Agora ele iria esperar uma vaga em outro avião que seguisse para os Estados Unidos, em meio a um dos maiores congestionamentos de tráfego aéreo de aviões americanos e de material de guerra. Marris agora era um “caronistas aéreo”.
Havia muita poeira e calor em Parnamirim Field, além de um barulho constante dos grandes motores aéreos ligados e guardas verificando as credenciais de todos que chegavam. Logo, os outros passageiros presentes ao setor de embarque e desembarque davam ao jornalista australiano uma ideia do caráter internacional da grande base aérea.
A importância de Parnamirim Field na época da Segunda Guerra pode ser medido pelo número de pessoas de importância política internacional que aqui estiveram. Como Eleanor Roosevelt, que esteve na base em 1944
Em um canto, um holandês, que trabalhava em um gabinete ministerial do seu país, dialogava com um funcionário de uma empresa aérea americana. Através de uma porta estreita, corre um coronel da Força Aérea Chinesa para pegar um avião que seguia para Washington. Mais adiante, era possível escutar histórias de pessoas que vinha de lugares tão diferentes como Chongqing (cidade no centro da China), Glasgow (Escócia) e Trípoli (capital da Líbia). Logo um grupo de militares passa a observar com muita atenção em uma determinada direção. Era um grupo de enfermeiras americanas que desembarcavam.
Em pouco tempo pousava uma esquadrilha de bimotores B-25 Mitchell, parando para reabastecer antes do salto sobre o Oceano Atlântico em direção à África. Depois o repórter australiano testemunhou outro avião que taxiava na pista, ainda trazendo manchas barrentas do solo africano em seu trem de aterrissagem. Esta última aeronave deixava um grupo de soldados feridos, que seriam levados para a principal unidade hospitalar que atendiam estes militares em Natal e hoje é conhecido como Maternidade Januário Cicco. Um dos feridos não passava de um simples garoto, mas que trazia um grande ferimento na perna e era um calejado veterano. Recuperava-se depois de dois anos de combate.
Partindo de Parnamirim Field
Finalmente J. A. Marris recebeu a noticia que iria continuar sua viagem. O avião era um bimotor Douglas C-47, de uma pequena esquadrilha de três aeronaves idênticas. Estes haviam aterrissado apenas uma hora antes, foram rapidamente reabastecidos, revisados e agora estavam alinhados na pista prontos para outra viagem.
Base Aérea de Acra durante a Guerra. localizada na atual Gana, África, foi um dos destinos dos aviadores Aliados depois de partirem de Parnamirim
Toda a bagagem a bordo foi empilhada no meio da fuselagem, formando um grande monte de objetos, cobertos com uma rede para evitar que se deslocassem dentro da aeronave e tudo isso era amarrado no piso. Entre tripulantes e passageiros ali estavam vinte homens; o piloto, o copiloto, um alto executivo de uma grande empresa de aviação americana, dois oficiais do exército chinês, um grupo de náufragos americanos resgatados, um trabalhador de um estaleiro da Filadélfia, três funcionários do governo de Londres e meia dúzia de outros pilotos americanos.
Durante o voo o C-47 seguiu ao longo da costa brasileira e da selva. Alguns passageiros tentavam dormir em desconfortáveis bancos que foram originariamente projetados para paraquedistas, enquanto outros jogavam cartas. De vez em quando se mudava a posição das pernas para passar as dores musculares e, ocasionalmente, ficava-se em pé, onde era possível dar três passos sem pisar em alguém e assim fazer o sangue circular.
Militares de países da Commonwealth são desembarcados de um C-47 americano. Parnamirim Field, como mostra a reportagem australiana, tinha um grande aspecto internacional
Apesar de todo desconforto, ao ler a reportagem de Marris, fica evidente para este repórter australiano que Parnamirim Field era a mais importante engrenagem aérea em sistema de grande circulação de material e armas de guerra.
Ele reproduziu um interessante comentário de um observador realista, que muito sintetiza a importância de Parnamirim; “certamente Hitler daria dez de suas divisões em troca daquele lugar”.
NOTA – Todos os direitos reservados
É permitida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e o autor.
Seria este o tanque M-4 Sherman surrupiado pelos brasileiros, para dar o troco aos americanos?
A história que segue é para muitos uma lenda, para outros aconteceu de verdade. Se verdadeira, foi a maior tiração de onda que deve ter ocorrido entre tropas Aliadas. Uma grande fuleiragem dos brasileiros contra os americanos em plena Itália, durante a Segunda Guerra Mundial.
A Tropa americana que dividiu acampamento com a FEB (Força Expedicionária Brasileira) em 1944, nem imaginava o pelotão casca-grossa que estava a seu lado.
O pelotão da FEB chega a uma clareira no Vale Garfagnana, no Norte da Itália.
O acampamento fica próximo a outro pelotão aliado, formado por uma divisão americana e alguns poucos soldados ingleses. As barracas brasileiras estão a cerca de 200m do acampamento aliado, mas há liberdade total de ir e vir entre os soldados, que tentam se enturmar.
Os brasileiros percebem que coisas estão sumindo da dispensa da tropa. Caixas com latas de comida, rapadura, cachaça, cobertores e até munição desaparecem.
Os responsáveis pela cozinha pedem para falar com o comandante e reclamam. Soldados americanos foram vistos rondando as barracas. O coronel brasileiro foi falar com os oficiais americanos e recebe como resposta risadas “Isto aqui é uma guerra, não um colégio. Os homens estão tensos, precisam extravasar seus instintos. Vocês que saibam proteger seu material e pronto” e a reunião é encerrada. Contrariado, o comandante brasileiro retorna e relata o encontro a seus soldados.
Ao terminar, fica um pouco em silêncio, enquanto os homens resmungam e cochicham. “Essas são as regras. Quer dizer, não há regras aqui. Façam então o que devem fazer”, conclui o comandante.
Dias depois, o oficial americano visita os brasileiros e, humilde, pede: “Quanto aos alimentos, às roupas e às munições, tudo bem.
Quadrimotores de transporte, do Air Transport Command, pousados em Natal
ALGUMAS FOTOS, PROPAGANDAS, ARTIGOS DE JORNAIS E OUTRAS LEMBRANÇAS DA SEGUNDA GUERRA NA NOSSA REGIÃO. COM DESTAQUE PARA FOTOS DE BRASILEIROS QUE TRABALHAVAM NA BASE AÉREA DE PARNAMIRIM FIELD
Autor – Rostand Medeiros
Natal, 1943, instrutor americano ensinando a mecânica de motores de um PV-1 Ventura, durante os famosos cursos do USBATU (United States Brazil Trainning Unit)
Uma Natal bem diferente
Natal no The New York Times. 14 de outubro de 1940, já falando do empréstimo das bases aéreas no Brasil.
Americanos aproveitando Natal…
…E desembarcando seus produtos. Propaganda da Coca-Cola utilizando o Rio de Janeiro como cenário
Foto representativa da grande função de Parnamirim Field-O transporte aéreo
Aviões como o C-47 eram comuns em Parnamirim Field
Instalações de Parnamirim Field
Mapa de navegação aérea da região do Atlântico Sul. esta travessia aérea, antes dos satélites e do GPS era algo que deixava os aviadores estadunidenses apreensivos
Abastecimento de um C-87. Só não entendi o que esta senhora, a direita, estava fazendo neste local. Talvez o acesso a base fosse mais aberto que imaginamos?
Tropa formada em Parnamirim Field
O presidente americano Roosevelt voa para Natal…
…Para se encontrar com Vargas em Natal
Este personagem da foto é o Sr. José Augustinho de Oliveira, que trabalhava em Parnamirim Field. Como ele, muitos natalenses trabalharam na base junto aos americanos
Novamente o Sr. José Augustinho na base dos americanos
Acidentes não eram raros
Desembarque em Parnamirim Field
Eleanor Roosevelt condecorando oficiais da US Navy em Parnamirim
Estes são alguns brasileiros que trabalhavam na base. Da esquerda para direita temos a Sra. Olinda, Zacarias Souza, Geraldo Nascimento, Washington Ferreira, José Epiphanio, Nair Goes, Rodolfo Lima, Cunha e Rui Marinho
Estes eram os combatentes que caçavam submarinos nas nossas costas
Desta história, o que ficou, para grande orgulho dos potiguares foi a cidade de Parnamirim, o nosso aeroporto Augusto Severo e a Base Aérea de Natal
Todos os direitos reservados
É permitida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e o autor.
Jorge Nalvo durante o serviço militar no 5.º Regimento de Infantaria (Lorena). Na foto, ele visita com amigo à cidade de Aparecida do Norte ACERVO FAMÍLIA NALVO
Cabo foi um dos raros soldados que tiveram a preocupação de legendar suas imagens de guerra
Jorge Nalvo nasceu em 17/04/1918, em Cajobi, no norte do Estado de São Paulo. Homem simples, ele foi convocado para servir no 5º Regimento de Infantaria, em Lorena. Em um País católico e praticante, Nalvo aproveitou uma de suas folgas para visitar o antigo santuário de Aparecida do Norte – a atual basílica só seria construída depois da guerra.
Nalvo (alto à esq.) e três colegas da 3ª Cia de Comando do 11º Regimento de Infantaria (11.º RI), pouco antes do embarque para Itália ACERVO FAMÍLIA NALVO
Com a declaração de guerra, em 1942, o cabo foi convocado – era alfabetizado e tinha o serviço militar completo. Mas, em vez de ser engajado na tropa paulista, o 6º Regimento de Infantaria, acabou indo parar na tropa mineira, o 11º Regimento, de São João del-Rei.
Pracinhas a bordo do USS General Meigs, o navio que levou o 11.º RI para a Itália em 1944. Foi esse navio que levou Nalvo e seu regimento à Europa ACERVO FAMÍLIA NALVO
Treinou pouco e foi para a Itália no 3º escalão da FEB, em setembro de 1944. Deixou no Brasil a noiva, Alzira Pontes Nalvo, grávida, em Coroados, oeste paulista, onde moravam. Ele só conheceria o filho, Nilton, depois do fim da guerra.
Pracinhas do 11.º RI em uma trincheira. Da esq. para a direita, os soldados Moacyr, João Moraes e Gomes (no centro). Gomes carrega um fuzil-metralhadora de fabricação americana. Todos eram amigos de Nalvo ACERVO FAMÍLIA NALVO
Nalvo e seus amigos registraram esse momento. Também fizeram fotos do treinamento com canhões e metralhadoras. Ali estão raras imagens da destruição “causada por nossas armas” e os prisioneiros de guerra alemães e fascistas italianos feitos pelo 11º Regimento de Infantaria, a vida nas barracas de campanha e a comemoração no fim da guerra.
Três pracinhas do 11.º RI. O soldado Gomes está à esquerda. Todos foram amigos de Nalvo na FEB ACERVO FAMÍLIA NALVO
Para o historiador francês Marc Ferro (‘Les individus face aux crises du XXe Siècle’), a vida de um homem pode, como um microcosmo, mostrar o funcionamento de uma sociedade e suas crises, transformando-se em uma miniatura da história.Por meio dela, podemos ver os comportamentos individuais e coletivos que produziram as diferentes situações e crises de nosso tempo.
Dois pracinhas com um canhão anticarro calibre 57 mm usado pelo 11º RI. A foto fazia parte da coleção particular de Nalvo ACERVO FAMÍLIA NALVO
Por meio dessas fotos, podemos entender um pouco do País e dos soldados que tomaram parte naquela guerra. Nalvo foi um dos raros soldados que tiveram a preocupação de legendar suas imagens de guerra. Guardou tudo em um baú. E lá esse material ficou até o momento que familiares as encontraram. Foram eles quem as entregaram ao Estadopara ajudar a reportagem a entender a história desses soldados. O pracinha Nalvo morreu em 2001.
Soldado Jorge Nalvo, da 3ª Companhia de Comando do 3º Batalhão do 11º RI, na Itália ACERVO FAMÍLIA NALVO
O soldado Gomes, do 11º RI, com uniforme de inverno na Itália segura uma submetralhadora de fabricação americana ACERVO FAMÍLIA NALVO
Soldado Enock Valentim de Melo, da 3ª Companhia de Comando (3º Batalhão do 11º Regimento de Infantaria), ferido ao pisar em uma mina em Montese, na Itália
Área de Montese destruída, segundo Nalvo, ‘pelas nossas armas’
Prédio na região de Montese, destruído pela artilharia da FEB. A imagem faz parte do acervo mantido por Nalvo.
Prisioneiros alemães feitos pelo 11º RI durante a ofensiva da primavera em 1945. Nalvo e seus colegas continuaram a perseguição aos alemães em direção a Turim, depois de passarem por Parma
Italianos fascistas aprisionados durante a ofensiva da primavera pelo 11º Regimento de Infantaria
Comemoração pelo fim da guerra do cabo Jorge Nalvo e de seus amigos da 3ª Companhia de Comando do 11º Regimento de Infantaria da FEB
Jorge Nalvo, à dir., dentro de barraca com amigos do 11º RI durante a campanha da Itália ACERVO FAMÍLIA NALVO
Soldado Jorge Nalvo (à esq.) em Roma, durante licença, posa com colegas diante da Basílica de São Pedro ACERVO FAMÍLIA NALVO
Na volta da Itália, a recepção ao pracinha Jorge Nalvo em Coroados (oeste de SP) ACERVO FAMÍLIA NALVO
A BASE DE DIRIGÍVEIS “BLIMPS” DE IGARAPÉ-AÇU, NO PARÁ
Dirigível “Blimp” Classe K, de patrulha
Aqueles que gostam da história de Natal e Parnamirim durante o período da Segunda Guerra Mundial, que tiveram a oportunidade de ler algum material sobre este período, normalmente encontra materiais relativos a presença de tropas americanas em nossa cidade, passagens de grandes quantidade de aviões de transporte, ação de patrulha contra submarinos do Eixo que operavam no litoral brasileiros e inúmeras outras histórias sobre este interessante período.
Mas não foi apenas Natal que se envolveu nestas ações. Nem muito menos o espaço aéreo brasileiro da época presenciou apenas a passagem de aeronaves.
Igarapé-Açu, uma cidade encravada em plena região amazônica, não muito distante do litoral paraense, também possuiu a sua base americana. Mas esta não era de aviões, mas de dirigíveis, os conhecidos popularmente como “Zepelins”.
Pesquisando na internet encontrei no blog do jornalista e professor Manuel Dutra, de Belém, um interessante artigo sobre esta pouco conhecida unidade militar americana no norte do nosso país.
Nele podemos encontrar muitas similaridades na relação de envolvimento dos habitantes desta cidade paraense com as tropas americanas, tanto como ocorreu entre os potiguares.
Os Zepelins de Igarapé-Açu – Histórias de Ontem e de Hoje
No final da Segunda Guerra Mundial os moradores do município de Igarapé Açu, no Pará, já habituados à passagem diária do trem que ligava Belém a Bragança, começaram a olhar para o céu, extasiados, para apreciar as evoluções dos balões norte-americanos que saíam dos arredores da cidade para patrulhar a costa norte do Brasil, alvo dos submarinos alemães. A atração durou pouco, de meados de 1943 até o fim da guerra.
Igarapé Açu, Pará – Foto – Herson Vale
Preocupados com o afundamento de navios brasileiros pelos nazistas, os governos do Brasil e dos Estados Unidos decidiram cooperar e, entre as medidas adotadas, foram instaladas no Norte três estações de operação de “blinps” ou “zeppelins’ (nome do inventor alemão e da marca, que virou nome comum) no Amapá, Pará e Pernambuco, em versão militar. Igarapé-Açu, na zona bragantina, a 110 quilômetros de Belém e hoje com 27.700 habitantes, foi escolhida por apresentar condições geográficas e meteorológicas consideradas ideais para pouso e decolagem de dirigíveis, além de já estar ligada à capital por estrada de ferro e rodovia.
Marujada
Quem viu de perto e conta essa história é Júlio Vaz de Souza, 70 anos, casado, pai de vários filhos. Ele, que ainda vive na cidade, recorda: “Às seis horas da manhã a marujada preparava um ou dois balões que seriam utilizados naquele dia; ajeitavam aquele bichão de mais ou menos 80 metros de comprimento, soltavam os cabos como quem larga um navio, e o balão subia. Virava os dois motores traseiros e lá ia ele, vencendo os 40 quilômetros entre Igarapé-Açu e a praia, perto de Salinas. Quando a situação estava calma (sem alemães por perto) e o tempo ajudava, eles estavam de volta no começo da noite. A marujada americana tinha passado mais um dia dentro do que eles apelidavam de shit bag, o que significa saco de bosta”.
Um “Blimp” a sua torre – Arquivos do autor do Blog
Esse apelido devia-se à comparação que os militares aliados faziam com os aviões de caça, que também operavam na pista ainda existente em Igarapé-Açu. Passar algumas horas dentro de um avião, rápido para a época, era incomparavelmente mais confortável do que balançar um dia inteiro a menos de 60 quilômetros por hora, na “caixa” dependurada no corpanzil de um balão cheio de gás. Júlio de Souza, conhecido na cidade por Júlio Prego, tinha 19 anos quando foi contratado pela base norte-americana para trabalhar como copeiro e zelador das instalações dos oficiais.
Escrever a história da base de dirigíveis de Igarapé-Açu não é fácil. Segundo explica o ex-piloto e pesquisador de aviação regional Antônio Guerreiro Guimarães, os documentos relativos a esse fato foram levados, na década de 60, para o Rio de Janeiro, podendo ser encontrados na Biblioteca Nacional, no Arquivo Público do Rio ou em organizações da Aeronáutica.
As Torres
No Pará, o que resta é um pedaço da torre móvel, que tinha 25 metros de altura e que servia para deslocar os balões para uma das cinco torres fixas, de onde eram içados. Dotados de canhões e metralhadoras, os dirigíveis eram, basicamente, empregados no patrulhamento com vistas à localização de submarinos do Eixo, que vinham pondo a pique navios da Marinha Mercante do Brasil ao longo da costa.
Preparação para amarração de um “Blimp” – Arquivos do autor do Blog
Júlio relembra que, nos quase dois anos de operação, não houve mortes de militares. Mas dois zepelins acidentaram-se – um foi atingido pelo fogo alemão e, perdendo o gás, terminou caindo perto da cidade de Maracanã. Outro veio ao chão e perdeu o gás, certo dia, no momento em que os americanos o preparavam para zarpar. O vento forte tomou as cordas das mãos dos fuzileiros e a enorme estrutura bateu forte contra o solo, partindo-se.
Era muito comum a citação desta cidade paraense em documentos oficiais americanos na época da guerra
A base de Igarapé-Açu chegou a ter cerca de 200 homens, conta Júlio. “Tinha o alojamento dos oficiais, dos praças brancos e dos praças pretos. Eles não se misturavam. As casas onde os brancos se alojavam eram de tijolo, enquanto as dos militares negros eram feitas de lona”.
Bisbilhotagem
Na cidade, as pessoas mais velhas contam que, nos finais de tarde, quando retornava das missões no litoral, o balão costumava estacionar sobre os igarapés, com os militares observando as mulheres em trajes sumários, lavando roupa.
Mas a convivência com a comunidade era tranquila e os fuzileiros, nas folgas, andavam pouco mais de um quilômetro para tomar cerveja e paquerar na cidade, onde também frequentavam as festas.
A importância da base de dirigíveis no contexto da Segunda Guerra Mundial é ressaltado pelos integrantes da Sociedade Ambientalista e Cultural de Igarapé-Açu (SACI), que começa a movimentar-se para recuperar, em parte, o patrimônio deixado pelas forças aliadas. Paulo Henrique Souza, 20 anos, presidente da entidade, lembra fatos confirmados pelo velho Júlio Vaz de Souza, como a presença de uma famosa cantora norte-americana, nos idos de 1944, para alegrar os militares.
Os membros da SACI deploram o sumiço das quatro torres fixas que serviam de moirão para os balões. Ninguém sabe para onde foram. Diz-se que um ex-prefeito as teria transformado em ferro velho e vendido a uma sucata. O mais grave é que a torre móvel, que permaneceu na forma original até 20 anos atrás, foi cortada na parte superior para servir de suporte para uma caixa d’água que serve à família que toma conta do que resta da base, hoje sob os cuidados da Força Aérea Brasileira.
Abandono
A conservação do local não existe, o mato invade a área, e os prédios, como o cassino dos oficiais, estão em ruínas, incluindo os salões de jogos, restaurante e o bar onde rolava muita cerveja nas noites de folga.
O estado como se encontra a antiga torre de amarração de dirigíveis em Igarapé-Açu – Foto – Ney Paiva
Os jovens da SACI já falaram com o prefeito Valdir Oliveira Emim, pedindo apoio para a recuperação dos equipamentos. Eles pretendem entrar em contato com o comando da Aeronáutica, em Belém, a fim de conseguir a permissão para transformar a antiga base em atração turística, depois de reconstruir o topo da torre de ferro, que foi destruído. Recentemente a SACI mandou uma carta ao presidente Itamar Franco, pedindo ajuda para a empreitada.
Pista de pouso para aviões, da antiga estação da U.S.Navy em Igarapé-Açu – Foto – Ney Paiva
Se conseguirem seu intento os jovens esperam atrair visitantes para sua cidade, “ponto de almoço” dos passageiros da extinta Estrada de Ferro de Bragança. Por ser ponto intermediário destacado nessa viagem, Igarapé-Açu cresceu e ganhou prédios e pontes de ferro, uma delas abandonada, sobre os três rios que cortam o município. Edificações de linhas arquitetônicas imponentes como o Fórum, o Paço Municipal e a sede dos Correios foram destruídas ou descaracterizadas.
Júlio Prego
O velho mercado está desativado, ameaçando virar ruína. O Governo do Estado recupera as linhas originais da antiga Delegacia de Polícia do município, que vive da agricultura, da pequena pecuária e onde, no passado, pontificavam famílias como os Pires Franco, Borges Gomes, Martins, Nobre, Aquino e Pontes. Hoje quer aproveitar seu passado para, com o turismo, melhorar de vida.
Um “Blimp” sobre a cidade de Mossoró, em 1945. Provavelmente este dirigível era baseado em Pici Field, Fortaleza – Arquivos do autor do Blog
O velho empregado da base, Júlio Prego, quer contar as viagens das bandas de música que vinham de Recife, de zepelim, para animar as festas de Natal, a chegada dos aviões que traziam água mineral e cigarros, e os comboios da Estrada de Ferro que abasteciam os militares de comida, cerveja e Coca-Cola. As garrafas vazias de refrigerantes os americanos davam para Júlio, que, de uma só vez, chegou a vender 29 mil delas. Com o dinheiro da venda, mais a indenização que ganhou ao final da guerra, ele abriu uma mercearia e tornou-se comerciante, atividade que desenvolve até hoje.
Gostaria apenas de complementar informando que os dirigíveis utilizados pelos americanos em Igarapé-Açu eram dos modelos não rígidos, construídos pela empresa Aircraft Company Goodyear, da cidade de Akron, no estado de Ohio, sendo designados como “Classe K”. Eram configurados para operações de patrulha, escolta de comboios de navios, busca de náufragos e guerra contra submarinos. Foram amplamente utilizados pela U.S. Navy (Marinha dos Estados Unidos) no Atlântico, em as áreas do Oceano Pacífico, Mar mediterrâneo e podiam ter até 12.000 metros cúbicos de gás no seu interior.
Normalmente possuíam uma tripulação de 10 homens, que incluíam um piloto (o comandante), dois copilotos, um navegador, um especialista no gás do dirigível e seu ajudante, dois mecânicos e dois radiocomunicadores.
Quem observa as fotos deste dirigíveis, pode até imaginar que eles eram, por assim dizer, “inofensivos”. Que serviam mais para olhar o mar de cima para baixo. É um grande engano, pois estas máquinas possuíam radar de busca com alcance de 150 quilômetros (cerca de 90 milhas marítimas), sistema de detecção de anomalias magnéticas para localizar submarinos, bombas de profundidade e metralhadoras Browning, calibre .50 (12,7 mm) na parte da frente do carro de controle.
Um “Blimp” fixado em sua torre – Arquivos do autor do Blog
Tinham uma ótima capacidade para permanecerem horas pairando em uma mesma área de observação, em baixas altitudes e velocidades lentas, o que resultou na detecção de muitos submarinos, bem como auxiliar em missões de busca e salvamento.
Mas não tinha a mesma agilidade de manobra que possuíam os aviões para destruir os submersíveis.
Mesmo grande e lento, conta que apenas um destes foi abatido. O fato ocorreu em 8 de julho de 1943, através da ação das armas antiaéreas do submarino alemão U-134.
O último “Blimp” foi aposentado em Março de 1959.
Todos os direitos reservados
É permitida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e o autor.