OS CRIPTO JUDEUS NO BRASIL

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Fonte – https://www.shutterstock.com/video/clip-720313-stock-footage-fire-david-star-with-alpha-channel.html

O povo Judeu se estabeleceu pela primeira vez na Península Ibérica (a região hoje conhecida como Espanha e Portugal), antes da chegada dos fenícios, em cerca de 900 AC.

Comerciantes judeus se estabeleceram ao longo da costa da Espanha durante o tempo do rei Salomão, quando esta região era chamada de Tarso, ou Társis. Mais judeus emigraram após a destruição do Primeiro Templo em Jerusalém. Quando o rei babilônico Nabucodonosor conquistou Jerusalém, já havia grandes assentamentos judaicos bem estabelecidos em toda a Península Ibérica.

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Soldados romanos carregando os despojos das guerras judaicas. A destruição de Jerusalém aconteceu em 70 D.C., quando as legiões romanas saquearam Jerusalém e retornaram a Roma com os despojos, daquela que era considerada a cidade mais rica no Império Romano – Fonte – http://www.bible-history.com/archaeology/rome/arch-titus-menorah-1.html.

A primeira perseguição registrada contra os judeus na Espanha começou há cerca de 490 D.C., quando os judeus foram proibidos de se casar com não judeus, ou ocupar cargos públicos e seus os filhos nascidos de casamento entre judeus e católicos foram forçosamente batizados na Igreja Católica.

A partir deste momento em diante, os judeus ibéricos foram periódica e progressivamente submetidos à pior perseguição. Entre os anos de 653 a 672 muitos foram decapitados, queimados vivos, ou apedrejados até a morte pelo crime da prática do judaísmo. Durante o período de 489 a 711, quando a Península Ibérica ficou sob o domínio franco e visigótico, surgiram pela primeira vez os cripto judeus (judeus secretos) como um grande grupo.

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Uma vista geral do interior da mesquita em Córdoba – do livro “Antiguidades árabes na Espanha”, de James Cavanah Murphy, publicado em 1816 – Fonte – http://islamic-arts.org/2012/islamic-architecture-of-andalusia-2/.

Em 711 os mouros do norte da África conquistaram a Península Ibérica e ficaram por cerca de 300 anos, o que é conhecido como a “Idade de Ouro da Tolerância”. Para muitos pode parecer aos dias atuais algo estranho, mas nesta época os governantes muçulmanos coexistiram com os judeus e cristãos com muita tolerância e de forma extremamente edificante. Pessoas não muçulmanas foram autorizadas a ter grande liberdade religiosa e social, desde que eles pagassem um imposto especial, algo que os judeus acordaram de bom grado.

Judeus floresceram em relativa paz e abundância, apreciando a Idade de Ouro e a livre troca de ideias, em meio a um nível relativamente alto de educação, aproveitando os benefícios de viver entre os estudiosos do Torá e do Talmude. Cidades como Lucena, Granada e Tarragona eram povoadas por judeus magnificamente ricos em bens de cultura e materiais.

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Era de ouro do Islã na Espanha. Abd-ar-Rahman III, califa de Córdoba, e sua corte em Medina Azahara , por Dionisio Baixeras Verdaguer – Fonte – http://newjacksonianblog.blogspot.com.br/2016/06/israel-islam-and-clash-of-civilizations.html.

A arte, música, medicina, educação e estudo religioso judaico floresceram. A população judaica aumentou consideravelmente, prosperou e muitos judeus se tornaram fabulosamente ricos e famosos. Durante a Idade de Ouro a Espanha se tornou o centro mundial de estudos talmúdicos, onde existiram algumas das mais famosas academias rabínicas do mundo. Alguns dos maiores estudiosos judeus viveram na Espanha moura. O rabino Abraham Ben Meir Ibn Ezra nasceu em Tudela, Espanha, em 1089, sendo considerado em seu tempo um grande poeta, matemático, gramático, astrônomo, comentarista da Torá e filósofo. Já o rabino Moshe ben Maimôn nasceu em Córdoba, Espanha, em 1135, e ganhava a vida como um médico, sendo famoso por sua codificação da lei judaica, intitulado Mishne Torá. O rabino Moshe ben Nachman nasceu em 1194 e como Maimôn era um médico respeitado e estudioso, sendo o primeiro a incorporar a cabala, ou misticismo judaico, no ensinamento da Torá.

No entanto a chamada Idade de Ouro na Espanha também foi marcada por revoltas violentas ocasionais e turbulência política. Isso afetou os judeus e os cripto judeus, que estavam sujeitos aos caprichos dos governos que mudavam frequentemente. Por exemplo, a violência eclodiu em 1002, quando dois ricos e politicamente poderosos muçulmanos lutaram para governar Granada; infelizmente, os judeus tinham apoiado o perdedor e sofreram depois. Em 1066 um ministro-chefe judeu de Granada foi crucificado, seguido do ataque a mais de 1.500 famílias judias.

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A crucificação é um dos métodos de execução mais conhecidos devido à crucificação de Jesus Cristo. É uma execução deliberadamente lenta e dolorosa, onde o condenado é amarrado ou pregado em uma grande cruz de madeira e deixado para pendurar até morrer, o que geralmente leva dias. Judeus foram crucificados na Espanha. – Fonte – http://deliciavita.com/most-horrifying-torture-techniques-through-history/

Depois a dinastia moura original na Península Ibérica foi dominada por grupos fanáticos. Em 1149 os muçulmanos da península se fragmentaram em cerca de doze pequenos reinos. A falta de controle centralizado causou logo constantes lutas pelo poder entre os reinos vizinhos.

Embora os judeus tenham coexistido relativamente pacificamente com os muçulmanos, os católicos se ressentiam amargamente da perda de controle cristão da península desde 711 e frequentemente realizavam distúrbios e revoltas de forma mais limitada, mas em 1212 começou a rebelião aberta. A reconquista de toda a região foi considerada como uma obrigação sagrada para os cristãos. Infelizmente os judeus foram identificados negativamente pelos cristãos como ligados a morte de Cristo e aos governantes muçulmanos sob o qual os judeus tinham desfrutado privilégios e poder.

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Vítimas da peste negra.

Também durante este período a peste negra assolou a Europa, matando como um em cada quatro pessoas, mas a população judaica foi muito menos atingida e, talvez por causa de uma melhor higiene, relativamente poucos judeus morreram por causa da praga. Judeus lavavam as mãos antes de comer pão, banhando-se semanalmente antes do Shabat e antes dos feriados, lavando suas roupas regularmente, mantendo fortes regras de higiene (especialmente na cozinha e nas instalações sanitárias), consumindo apenas carnes frescas e de animais saudáveis. Eles eram obrigados a ficar distantes do esgoto e de outras formas de impurezas e enterravam seus mortos dentro de vinte e quatro horas. Todas essas práticas dos judeus forneciam alguma medida de proteção contra a peste, embora não a imunidade total. Já os católicos da época não observaram tais estilos de higiene e raramente se lavavam e tomavam banho. Consequentemente os católicos odiavam os judeus pela sua aparente imunidade à praga.

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Pogrom em Barcelona no ano de 1391 – Fonte – http://factsanddetails.com/world/cat55/sub351/item1381.html

Nesse meio tempo os católicos se uniram contra os muçulmanos e lentamente, assumiram a maioria dos pequenos reinos, um por um. Mas as regras católicas não foram gentis aos judeus. Os “pogroms”, ou perseguições, se generalizaram a partir de 1391 e resultou na morte de cinquenta mil judeus. O medo era tal que dezenas de milhares se converteram ao catolicismo. Essas pessoas eram chamadas de “conversos” (convertidos), “cristãos novos”, e “Marranos” (um termo depreciativo que significa “porco”).

Em 1412 leis excluíram os judeus de qualquer intercâmbio econômico com os cristãos. A partir deste momento até o Édito de Expulsão de 1492, os judeus foram estritamente limitados aos guetos e tiveram que usar uma espécie de crachá de identificação proeminente no lado de fora de suas roupas, algo que voltaria a acontecer na Alemanha a partir de 1933.

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Expulsão dos judeus da Espanha

Duramente pressionados para sobreviver, muitos judeus, talvez mais de 600.000, se converteram forçadamente ao cristianismo até o final do século XV. Muitos dos cristãos novos eram na realidade cripto judeus. Cristãos por fora, mas interiormente praticando secretamente o judaísmo.

O Édito espanhol de expulsão de 1492 afirmou que todos os judeus deveriam deixar o país. Aqueles que ficaram enfrentariam a Inquisição. Um pequeno número fugiu para a Itália, Amsterdã e nas Américas descoberta por Colombo. Mas a maioria foi para o vizinho Portugal. Quando a Inquisição chegou a Portugal em 1496, os judeus foram forçados a sair, converter ou morrer. Desses conversos que não optaram por emigrar, muitos, se não a maioria, foram assassinados pela “Santa” Inquisição. Por volta de 1500 estimativas apontam que entre 40.000, a mais de 200.000 judeus foram forçados a deixar a Península Ibérica. Os números exatos não estão disponíveis porque muitos dos nomes de famílias cripto judaica foram alterados após os pogroms dos anos 1300, em antecipação as perseguições do futuro.

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A Expulsão dos Judeus, de Roque Gameiro.

As Inquisições espanhola e portuguesa continuaram por trezentos e cinquenta anos. Ficaram relativamente bem gravados e de forma precisa os nomes, números, datas e punições que foram promulgadas pelos oficiais da Inquisição contra todos aqueles que atingiram. Daqueles judeus e cripto judeus que escolheram não deixar, ou não podiam dar ao luxo de deixar a Península Ibérica, perceberam que para viver só comprando uma passagem em um barco que seguisse para destinos mais seguros. De preferência, o mais longe possível dos escritórios da Inquisição.

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Pelo mar, para sobreviver! – Fonte – http://aquilazica.blogspot.com.br/2010/11/navios-para-tarsis.html

Alguns compraram a documentação adequada para viagens de negócios “temporários” (que muitas vezes tornou-se permanente) para a Itália ou a Alemanha. Ao passo que as pessoas mais pobres fugiram para o norte, através das montanhas, e daí para a França. Comunidades inteiras de “cristãos portugueses” foram documentadas no sul da França, enquanto outros continuaram para o norte. Seguira para a Holanda, Inglaterra, Escandinávia e para o leste. Em direção da Alemanha, Áustria, Hungria e Polônia. Na maioria destes destinos europeus, esses “cristãos portugueses” finalmente revelavam sua verdadeira identidade como judeus e posteriormente se uniam as populações judaicas estabelecidas; Assim, como voltaram a assumir sua verdadeira condição religiosa, não encontramos uma longa história de cripto judaísmo na Europa.

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Obra mostra cena de expulsão de judeus da Espanha em 1492. Muitos deixaram o país, mas outros optaram por ficar e se converter ao catolicismo. (Xilogravura, Michaly von Zichy, 1880, posteriormente colorizada)

Mas do outro lado do Atlântico a situação foi bem diferente. Muitos judeus e cripto judeus emigraram para o Novo Mundo, agora conhecidos como as Américas, ou Hemisfério Ocidental. Mas suas escolhas ficaram limitadas basicamente às colônias de Espanha e Portugal nesta região.

No caso do Brasil, após a chegada dos cripto judeus, muito se tornaram exportadores de madeira e desenvolveram com largo sucesso o plantio de cana-de-açúcar. Este sucesso atraiu muitos outros conversos da Espanha. Em Recife, a maior cidade no nordeste do Brasil, os cripto judeus prosperaram significativamente. De acordo com registros oficiais, durante o século XV, estes compreendiam 2/3 dos moradores brancos da região.

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Rua dos Judeus e seu mercado de escravos. Quadro Rua dos Judeus – Slavenmarkt, de Zacharias Wagener – 1641 – Fonte – http://bairrodorecife.blogspot.com.br/2014/02/a-rua-do-bode-dos-judeus-da-cruz-e-do.html

Em 1630 a Holanda conquistou a colônia portuguesa do Brasil. Pelos próximos 24 anos a cidade de Recife viveu um renascimento judaico. A primeira sinagoga das Américas foi ali fundada. Até mesmo uma rua foi nomeada “dos Judeus” e muitos conversos voltaram abertamente ao judaísmo.

No entanto, os bons tempos não duraram muito. 

Não apenas por isso, mas é bem verdade que os Judeus no Brasil se tornaram tão poderosos que a Igreja Católica pressionou Portugal para reconquistar sua ex-colônia dos “conversos judeus que agora operam suas sinagogas, causando grande humilhação para Igreja”. Assim, em 1654, Portugal mais uma vez ganhou o controle do Brasil. Logo um decreto de expulsão foi emitido contra os judeus para deixar o Brasil em menos de três meses. 

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Pessoas queimadas através da Inquisição em Portugal, que depois chegou no Brasil 

Em meio a isso a renovada Inquisição se espalhou por todo sul dos Estados Unidos da América, México, América Central e América do Sul, as ilhas do Caribe e Cuba. Nenhum judeu, ou “Converso”, estava a salvo de suspeita, acusação e perseguição. Assim, o número de cripto judeus cresceu para abranger quase todas as pessoas de ascendência judaica.

Para evitar essa situação muitos judeus, os “conversos” ou “cristãos-novos”, foram obrigados a apresentar-se ao catolicismo. Eles são referidos em hebraico como os “anussim”, ou “aqueles que foram forçados” e tiveram que continuar a esconder as suas crenças religiosas. Os membros da família não revelaram sua herança judaica, até mesmo para os seus filhos, filhas, irmãos e irmãs, tudo por medo de perseguição.

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Judaísmo no Âmbito Familiar. Nem assim havia total segurança – Fonte – http://www.coisasjudaicas.com/2011/11/cripto-judaismo.html

O certo é que a experiência dos judeus cripto no Hemisfério Ocidental foi uma litania de sofrimento, medo contínuo, supressão social e política, profissional e religiosa e de assassinatos. E foi algo que durou muito. Somente no final dos anos de 1850 a Inquisição oficialmente terminou no México e em outros lugares um pouco mais cedo; no entanto, a discriminação ostensiva e os incidentes aleatórios de linchamento e assassinatos continuaram até meados da década de 1950 no que hoje chamamos de América Latina.

Voltando a 1654, sabe-se que uma parcela substancial de judeus que viviam no Nordeste do país escolheu se esconder no interior, no sertão, misturando-se entre os moradores locais. Aí surge a dúvida – Quantos descendentes de judeus se converteram ao catolicismo? As estimativas variam de milhares a milhões.

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Anita Waingort Novinsky da Faculdade de Filosofia, letras e Ciências Humanas da USP – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Anita Novinsky, historiadora da Universidade de São Paulo, afirma que não sabe quantos descendentes dos judeus permanecem em todo o Brasil, mas acredita que a muitos judeus com variados níveis de consciência no Brasil. Para ela o Brasil moderno foi fundado por judeus e Só no Brasil estima-se que 10 a 25% do total da população são crpto judeus, que se traduz em 15 a 40 milhões de pessoas.

Embora nem todas as pessoas de linhagem crypto judaica estão são preparados neste momento para aceitar o desafio de voltar a viver uma vida plenamente judaica, tem havido um impulso incrível de voltar ao Judaísmo nos últimos anos. Existem milhares, se não milhões de pessoas que estão com fome de aprender e de se reconectar como judeus.


SE VOCÊ QUER VER MAIS TEXTOS SOBRE JUDAÍSMO NO TOK DE HISTÓRIA VEJA ESTES LINKS: 

https://tokdehistoria.com.br/2015/11/11/lei-pode-dar-cidadania-a-brasileiros-descendentes-de-judeus/ 

https://tokdehistoria.com.br/2015/05/08/diaspora-descubra-como-os-judeus-se-espalharam-pelo-mundo/ 

https://tokdehistoria.com.br/2016/07/12/15533/ 

https://tokdehistoria.com.br/2014/03/23/sobrenomes-de-judeus-expulsos-da-espanha-em-1492-veja-se-o-seu-esta-na-lista/ 

https://tokdehistoria.com.br/2012/04/18/a-expulsao-dos-judeus-de-portugal/

https://tokdehistoria.com.br/2015/06/08/the-first-synagogue-in-the-americas-itamaraca-1634/ 

FONTES DO TEXTO

http://cryptojew.org/the-history-of-the-crypto-jewshispanic-sephardi

http://www.nationalgeographic.com/hidden-history/

http://www.ynetnews.com/articles/0,7340,L-3319972,00.html

O COMPASSO DO MUNDO: TUDO SOBRE A MAÇONARIA

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Fonte – https://openclipart.org/download/245371/Freemasonry-Masonic-Masonry.svg

Como a mais célebre sociedade secreta moldou a história dos últimos três séculos

AUTOR – Tiago Cordeiro

O primeiro presidente dos Estados Unidos, George Washington, era maçom. Depois dele, outros 16 líderes da nação mais poderosa do mundo também foram: a lista inclui John Edgar Hoover, diretor do FBI por 45 anos, e Harry Truman, o homem que autorizou o ataque com bombas atômicas sobre o Japão. Também fizeram parte da sociedade secreta dois políticos decisivos para a vitória aliada na Segunda Guerra Mundial, o presidente americano Franklin Delano Roosevelt e o primeiro-ministro britânico Winston Churchill. Eram maçons alguns dos mais importantes líderes da Revolução Francesa, como Jean-Paul Marat e La Fayette. O revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi e os libertadores da América espanhola, o argentino José de San Martín e o venezuelano Simon Bolívar, também. O articulador da independência do Brasil, José Bonifácio de Andrada e Silva, pertencia à ordem, assim como o duque de Caxias e nosso primeiro presidente republicano, marechal Deodoro da Fonseca.

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Fonte – http://xn--jl-3sulen-z2a.de/freimaurer-in-der-neuen-zuercher-zeitung/

Por tudo isso, não é exagero afirmar que o mundo em que vivemos foi definido por essa sociedade secreta, que por três séculos vem reunindo a elite política e militar (e cultural) do Ocidente em rituais cheios de códigos misteriosos.

Mas o que é maçonaria? Existem várias versões para a criação da organização. A mais confiável remete à Idade Média, quando o controle do comércio era feito pelas guildas, corporações de ofício que reuniam artesãos do mesmo ramo e funcionavam como um antepassado dos sindicatos. Um dos grupos mais poderosos era o dos pedreiros (em inglês, masons). Que era um trabalho de alto status então, pois eram responsáveis pela engenharia e pela construção de castelos e catedrais. Pedreiros tinham acesso aos reis e ao clero e circulavam livremente entre os feudos. Apelidados de free masons (pedreiros livres), se reuniam nos canteiros de obras e trocavam segredos da profissão. Um dos documentos mais antigos sobre essas guildas é a carta de regulamentos de Londres, 1356. Na época, era só um conjunto de regras para pedreiros. 

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Fonte – https://www.star-of-africa.de/was-wissen-sie-%C3%BCber-freimaurerei/

Para se identificarem em locais públicos e evitarem o vazamento de suas conversas, criaram um sistema de gestos e códigos. Durante o Renascimento, os pedreiros livres ficaram na moda. Seus encontros passaram a acontecer em salões, chamados de lojas, que geralmente ficavam sobre bares e tavernas das grandes cidades, onde a conversa continuava depois. Intelectuais e membros da nobreza engrossaram a turma. Por influência deles, os debates passaram a abranger religião e filosofia. Em 24 de junho de 1717, numa reunião das quatro maiores lojas de Londres (então o maior centro maçom europeu), na taverna The Goose and Gridiron nasceu uma federação, a Grande Loja de Londres. Era o início oficial da maçonaria.

A Marselhesa

Em apenas três décadas, a organização já tinha se espalhado por toda a Europa ocidental e havia alcançado a Índia, a China e a América do Norte. Passou a ser conhecida, respeitada, mas, principalmente, temida. Não era para menos. Ficava difícil confiar em um grupo de homens ricos e poderosos, de diferentes áreas, que se reuniam a portas fechadas, usavam símbolos esquisitos (veja explicações ao longo da reportagem) e faziam juramentos de fidelidade à tal organização e ainda voto de silêncio. Também não ajudou muito o tanto de lendas que surgiu sobre a origem da maçonaria (em 1805, o historiador francês Charles Bernardin pesquisou 39 diferentes). Tinha para todos os gostos: alguns integrantes da ordem diziam que Noé era maçom, outros transformaram o rei Salomão ou os antigos egípcios em fundadores. Nem os templários escaparam (leia ao final). A Igreja Católica se incomodou tanto que, em 1738, divulgou uma bula papal atacando a ordem, que décadas depois foi perseguida pela Inquisição.

Mistérios revelados  Os principais símbolos da maçonaria

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Fonte – http://www.pnp900.de/freimaurerei.html

Compasso

Um dos instrumentos dos pedreiros. Representa a racionalidade científica. Por desenhar círculos perfeitos, também simboliza a busca pela perfeição moral

Esquadro

Outro instrumento da construção civil que lembra a capacidade transformadora do homem sobre a natureza. Seu ângulo reto é uma indicação para os homens de que eles devem ser honestos

Letra G

Vem de God, Deus em inglês. Os integrantes da fraternidade também o chamam de GAU, sigla para Grande Arquiteto do Universo

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Maçons ingleses – Fonte – http://www.freemasonrytoday.com/magazine

Olho

Geralmente representado dentro de um triângulo, tem o mesmo significado da letra G. É Deus, que tudo vê

Triângulo

Refere-se ao lema liberdade, igualdade e fraternidade, às virtudes fé, esperança e caridade, e nascimento, vida e morte. Por isso, os maçons também fazem três pontos em suas assinaturas

Martelo

Pequeno, simboliza o trabalho dos pedreiros que inspiraram a fraternidade, e também a força material que muda o mundo. É usado pelo grão-mestre durante as cerimônias

Sol/Lua

Como o chão de mosaico preto e branco (veja no rodapé da reportagem), usado nas lojas, simboliza a dualidade entre bem e mal, espírito e corpo, luz e trevas.

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Templo maçônico da Filadélfia (EUA) construído em 1873 – Fonte – https://pamasonictemple.org/temple/

Além do sigilo, o que perturbava era a atitude sempre à frente de seu tempo. Setenta anos antes da Revolução Francesa, esses homens cultos e influentes já defendiam a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Tratavam-se sem distinção e aceitavam todos os credos religiosos, uma atitude tremendamente avançada para a época. Os ateus, porém, eram barrados. Não formamos uma religião, mas somos um grupo de pessoas religiosas.

Nosso lema é fazer os homens bons ficarem melhores, diz o maçom paulistano Cassiano Rampazzo, advogado de 35 anos. Com ele concorda a historiadora mineira Françoise Jean de Oliveira, coautora do livro O Poder da Maçonaria. A maçonaria não é religião, não tem dogmas. É um grupo que defende a liberdade de consciência e o progresso. Isso não quer dizer que cada participante possa agir como bem entende. Ao entrar na ordem, o membro é instruído sobre a moral universal, um conjunto de virtudes obrigatórias, como bondade, lealdade, honra, honestidade, amizade, tranquilidade e obediência, diz Françoise.

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Membros de uma loja maçônica no oeste canadense em 1890 – Fonte – http://freemasonry.bcy.ca/textfiles/history.html

A falta de preconceito se restringia a diferenças políticas e religiosas. A fraternidade vetava analfabetos, deficientes e homens que não se sustentavam. As mulheres até hoje não são bem-vindas (com exceção da França).

Além disso, no passado como no presente, só entra na ordem quem for convidado e passar por uma avaliação rigorosa: nada de gente indiscreta, protagonistas de escândalos, bêbados, brigões e adúlteros notórios.

Ainda assim, para os aprovados, a maçonaria foi a primeira entidade a funcionar de acordo com os preceitos da democracia moderna. Eles estimulavam debates abertos, em que todos podiam participar, além das eleições livres e diretas. Nada disso estava na moda no século 18. E, muito por influência dos próprios maçons, tornou-se corriqueiro no século 21, afirma o historiador alemão Jan Snoek, professor da Universidade de Heidelberg e especialista no assunto.

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Grande ritual maçônico em Hamburgo, Alemanha – Fonte – http://www.abendblatt.de/hamburg/article109558266/1500-Freimaurer-bei-Ritual-im-Michel.html

Assim, nada mais natural que os líderes da Revolução Francesa de 1789 aderissem à maçonaria. Nos anos que antecederam a queda do Antigo Regime, os adeptos se multiplicaram. A influência foi tanta que uma canção composta e cantada na loja de Marselha foi batizada de A Marselhesa e transformada no hino do país. Nem todos os ideólogos da revolução foram maçons. Marat e La Fayette eram, Robespierre e Danton, não. Mas, entre os inimigos da monarquia, mesmo quem não participava da ordem tinha sido influenciado por suas ideias, afirma o historiador americano W. Kirk MacNulty, maçom há mais de 40 anos.

Nas verdinhas

Além de divulgar ideias que atraíam a elite progressista de seu tempo, a maçonaria era também um espaço propício à conspiração política. Ao ingressar na ordem, os integrantes prometiam (e até hoje prometem) não divulgar seus segredos e nem mesmo revelar a nenhum profano (como são chamados os não iniciados) o que é dito nas reuniões.

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Trajes maçônicos – Fonte – al-prudens.de

As lojas maçônicas eram o lugar ideal para membros da elite de diferentes pensamentos políticos se encontrarem, diz o pesquisador Jesus Hortal, reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Além disso, quanto mais a maçonaria era acusada de ser um local de conspiração política, mais ela era procurada por conspiradores. A proteção das lojas ajudou a garantir o sucesso de um dos movimentos históricos mais influenciados pela organização: a independência americana, episódio que muitos historiadores chamam de revolução maçônica.

Grandes maçons – Algumas figuras centrais que se juntaram à ordem

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George Washington – Fonte – https://www.star-of-africa.de/was-wissen-sie-%C3%BCber-freimaurerei/

George Washington (1732-1799)

Juntou-se bem jovem, enquanto ainda era soldado do Exército britânico, em 1752. Ocupado com sua luta, nunca foi muito ativo. Recusou o cargo de Grande Mestre na Virgínia em 1777, para se dedicar à luta contra a dominação britânica. Deram o cargo mesmo assim, sem seu consentimento, em 1788. Washington gostava do programa iluminista dos maçons, e também do fato de, nos EUA, serem menos anticlericais que na Europa. 

Voltaire (1694-1778)

O filósofo iluminista atacava a monarquia francesa e defendia princípios maçons. Acabou sendo iniciado em uma loja de Paris em abril de 1778, só dois meses antes de morrer. Voltaire, que tinha 83 anos, entrou no local apoiado no braço do americano Benjamin Franklin.

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Johann Wolfgang von Goethe – Fonte – https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/0e/Goethe_%28Stieler_1828%29.jpg

Goethe (1749-1832)

O escritor e poeta alemão foi aceito em uma loja de Weimar em 1780. Escreveu vários poemas em homenagem à maçonaria. Os mais famosos são A Loja Maçônica e Symbolum (composto quando seu único filho, Auguste, foi iniciado).

Mozart (1756-1791)

O compositor austríaco entrou para a ordem em Viena, aos 28 anos. Compôs várias peças para serem executadas durante cerimônias maçônicas. Sua última ópera, A Flauta Mágica, tem tantas referências à ordem que Mozart foi acusado de revelar segredos maçons.

Gustave Eiffel (1832-1923)

Além de projetar a Torre Eiffel, em Paris, o engenheiro francês desenhou a Estátua da Liberdade, enviada como presente de comemoração dos 100 anos da independência americana . O projeto foi executado em parceria com o escultor Frederick Bartholdi (1834-1904), que também era maçom.

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Charles Lindbergh – Fonte – https://www.usnews.com/photos/famous-freemasons?slide=8

Charles Lindberg (1902-1974)

O aviador foi aceito por uma loja de Saint Louis em 1926. No ano seguinte, tornou-se o primeiro homem a fazer um voo solitário transatlântico sem escalas. Durante a viagem, ele teria levado consigo um distintivo com os símbolos da régua e do compasso.

Buzz Aldrin (1930)

O segundo homem a pisar na Lua em 1969, após Neil Armstrong, pertence a uma loja maçônica no Texas. Queria ter levado um anel maçom de seu avô para a Lua, mas o perdeu antes da viagem. Mas ninguém sabe se ele teria mesmo levado uma bandeira com símbolos da ordem para lá.

Benjamin Franklin, um dos grandes responsáveis pela criação dos Estados Unidos da América, era grão-mestre (o líder máximo na hierarquia) na Filadélfia e responsável pela publicação no país do livro Constituições, escrito pelo britânico James Anderson em 1723 e considerado a declaração de princípios da entidade. O líder dos rebeldes, George Washington, e o principal autor da Declaração de Independência, Thomas Jefferson, também eram membros ativos, assim como um terço dos 39 homens que aprovaram a primeira Constituição do país. Os três usaram seus contatos com as maçonarias de outras nações, em especial da Inglaterra, para garantir o sucesso da rebelião.

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Trajes maçônicos na Europa – Fonte – http://www.katholisches.info/2013/04/freimaurer-suchen-neuen-grosmeister-geht-es-logen-wirklich-nur-um-ethik-oder-auch-um-politik/

Há quem diga que a nota de 1 dólar, com seu olho solitário, é inteiramente marcada por símbolos maçons o olho, por exemplo, simbolizaria Deus (leia sobre os símbolos no decorrer da reportagem), coisa que os autores da cédula nunca confirmaram. Reza a lenda que George Washington teria vestido um avental da ordem durante a inauguração da capital, em 16 de julho de 1790, batizada em sua homenagem. Ele ainda teria orientado os engenheiros a encher a cidade de símbolos secretos da entidade. Por exemplo: algumas pessoas identificam o desenho de um compasso unindo a cúpula do Capitólio, a Casa Branca e o Memorial Thomas Jefferson.

Pelo mundo

No século 19, a maçonaria deu outras provas de sua capacidade de mudar a história. Por volta de 1810, um grupo de defensores da unificação italiana se reuniu com o nome de Carbonária. Inspirado nas estratégias e na hierarquia maçons, a sociedade secreta, que continuou atuante até 1848, tentava estimular uma rebelião espontânea dos trabalhadores, que implantariam os ideais liberais. Dois dos maiores heróis da construção da Itália unificada participaram desse grupo e depois foram aceitos pela maçonaria. Um deles, Giuseppe Mazzini (1805-1872), acabou rompendo com os maçons por acreditar que a ordem mais debatia que agia. Outro, Giuseppe Garibaldi (1807-1882), seria mais tarde condecorado o primeiro maçom do novo país.

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Giuseppe Garibaldi – Fonte – https://br.pinterest.com/pin/116038127878095348/

Depois de participar de um levante malsucedido em Gênova, Garibaldi fugiu para o Rio de Janeiro em 1835. Encontrou um grupo de carbonários exilados que mantinha contatos com a maçonaria brasileira. Através deles conheceu o maçom Bento Gonçalves, o líder da Revolução Farroupilha. Em 1840, Garibaldi instalou-se no Uruguai, onde se tornou oficialmente participante da sociedade secreta. Quando morreu, em seu país, deu nome a lojas no Uruguai, Brasil, França, Estados Unidos, Inglaterra e Itália. Nas décadas seguintes, os democratas italianos de esquerda, cujos integrantes cerrariam fileiras na maçonaria, se destacaram pela defesa do sufrágio universal, da educação gratuita de qualidade e da independência do Estado com relação à Igreja.

É fácil entender como Garibaldi se tornou maçom na América do Sul. Desde o começo do século 19, a ordem cresceu a ponto de ser fundamental para a independência dos países da região. Nos países de língua espanhola, um dos precursores do pensamento pela soberania foi o venezuelano Francisco de Miranda (1750-1816), que, depois de participar da Revolução Francesa, foi iniciado na maçonaria por George Washington. Miranda fundou uma loja em Londres, batizada de Gran Reunión Americana.

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Fonte – http://www.idea.de/gesellschaft/detail/ezw-die-freimaurer-in-deutschland-legen-zu-92634.html

Ali, atuou na formação de três libertadores da América: o chileno Bernardo O’Higgins (1778-1842), o venezuelano Simon Bolívar (1783-1830) e o argentino José de San Martín (1778-1850). Eles frequentavam a mesma loja, Latauro, com sede em Cádiz, Espanha, e filiais latino-americanas. Seus membros se denominavam cavaleiros da razão e previam a independência, o fim da escravidão e a proclamação de repúblicas. Estima-se que a iniciação de Bolívar tenha ocorrido na Europa, entre 1803 e 1806. San Martín, adepto desde 1808, fundou lojas no Chile, no Peru e na Argentina (que já abrigava casas maçônicas desde 1775). O’Higgins frequentava a de Mendoza.

Em terras brasileiras

A fraternidade existia em nosso país desde o início do século 19 e contava com confrades de altos cargos da colônia. Entre os maçons decisivos para a separação de Portugal estava José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838). A ideia de conceder o título Defensor Perpétuo e Imperador do Brasil ao príncipe herdeiro da coroa portuguesa surgiu na própria Latauro, mesmo lugar que organizou as primeiras festas de rua pela independência, no Rio, em 12 de outubro de 1822.

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Fonte – http://robertomacom.blogspot.com.br/2015_02_01_archive.html

O envio de emissários às grandes províncias brasileiras para articulação da Independência foi organizado pelo Grande Oriente do Brasil, a federação maçônica nacional fundada em 17 de junho do mesmo ano, de onde José Bonifácio foi grão-mestre. Em 2 de agosto de 1822, o próprio dom Pedro I entrou para a entidade, sob o codinome Pedro Guatimozim, uma homenagem ao último rei asteca. Apenas três dias depois de iniciado, ele já tinha sido alçado a mestre. Mais dois meses e já era o grão-mestre do país. Passados apenas 17 dias da promoção, Pedro, já imperador, abandonou a fraternidade e proibiu suas atividades no Brasil. A melhor explicação dos especialistas para a atitude é a insatisfação do monarca com uma entidade onde a hierarquia era submetida a regras e podia ser questionada.

Em 1831, de volta legalmente à ativa, após a renúncia de dom Pedro e seu retorno a Portugal, a maçonaria brasileira se multiplicou. Em 1861, a ordem se mobilizou em apoio ao movimento abolicionista. No Ceará, lojas se reuniram para comprar e libertar escravos. Eusébio de Queiroz (1812-1868), que batizou a lei que proibia o tráfico de escravos, era maçom. O visconde do Rio Branco (1819-1880), abolicionista e chefe de Gabinete Ministerial entre 1871 e 1875, foi grão-mestre. Quando a Lei Áurea foi assinada pela princesa Isabel (1846-1921), em 1888, o presidente do Conselho de Ministros era o grão-mestre João Alfredo Correa de Oliveira (1835-1919). Das lojas também veio o apoio à mudança no regime de governo. Em 1889, a República foi proclamada pelo confrade marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892), que formou um ministério só com maçons. Dos 12 chefes de Estado até 1930, oito eram maçons; dos 17 governadores de São Paulo durante a República Velha, 13 pertenciam à ordem.

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Fonte – http://www.mundodastribos.com/entenda-os-significados-dos-simbolos-maconicos.html

Caça aos bruxos

A partir de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas (1882-1954) ao poder, a maçonaria brasileira passou a ser estigmatizada. Os delírios do integralista Gustavo Barroso (1888-1959), de que a entidade unira-se ao judaísmo para controlar a humanidade, faziam sucesso. O mesmo surto ocorreu em outros países. Na União Soviética, Leon Trótski (1879-1940) denunciou um suposto complô maçom-judaico para dominar o planeta. Adolf Hitler (1889-1945), que dizia que a maçonaria era uma arma dos judeus, mandou fechar todas as lojas alemãs, prendeu líderes e, em 1937, organizou a Exposição Antimaçônica. Aberta em Munique pelo ministro da propaganda, Joseph Goebbels, a mostra reunia peças de lojas invadidas. Na Espanha, em 1940, o general Francisco Franco (1892-1975) proibiu a existência dos grupos e condenou seus membros a seis anos de prisão.

Nem só a perseguição fez organização perder poder. A maçonaria não se adaptou aos novos tempos, diz Françoise Souza. Ela foi poderosa enquanto era um local único de reunião de pessoas. Com a consolidação da sociedade civil, surgiram outros espaços associativos, como partidos, sindicatos e organizações não governamentais. Além disso, causas clássicas da maçonaria, como a liberdade religiosa, viraram direitos. Mas ainda existem locais onde a segurança e a valorização da liberdade de expressão são fundamentais. É o caso de Israel. Em Jerusalém, as lojas reúnem cristãos, judeus e muçulmanos, que conversam abertamente, trocam experiências e sabem que podem confiar uns nos outros, afirma o historiador Jan Snoek. Em lugares assim a maçonaria continua, como era em suas origens, uma organização inovadora.

Fundadores legendários  Estes seriam os primeiros maçons, segundo as lendas

Adão

Alguns integrantes da ordem defendem que Deus foi o primeiro maçom afinal (como um bom pedreiro) ele construiu o mundo inteiro em seis dias. Para outros, esse cargo cabe a Adão. Ao ser expulso do paraíso, ele teve de encontrar uma forma de construir abrigo. Seus ensinamentos teriam sido levados adiante por seu filho Caim.

Noé

De acordo com a Bíblia, depois de construir um barco e escapar do grande dilúvio com um casal de cada espécie animal, Noé precisou começar tudo do zero. Para alguns maçons, isso faz dele um pioneiro na arte da construção logo, um fundador da maçonaria.

Egípcios

Só mesmo grandes engenheiros seriam capazes de construir as pirâmides do Egito antigo. Por isso, não falta quem diga que entre os egípcios também estavam os primeiros maçons. Por essa versão, eles teriam criado ritos ocultos, os mesmos que teriam usado na construção da Grande Pirâmide de Quéops.

Hiram Abiff

Segundo a Bíblia, o rei Salomão teria contratado um outro rei, chamado Hiram Abiff, para ser o engenheiro-chefe de seu templo. De acordo com a maçonaria, Hiram foi morto por funcionários que queriam roubar os segredos de Salomão. Assim, Hiram acabou virando um mártir e também um exemplo de discrição.

Pitágoras

Além de fundador da Matemática como disciplina de estudos, o grego fundou a escola pitagórica, que tratava seus seguidores como uma irmandade sem superiores e seguia rígidos princípios religiosos e de comportamento. Assim, não é difícil entender a ligação que fizeram entre ele e a maçonaria.

Templários

Os sobreviventes da poderosa ordem, destruída em 1312 a mando do papa Clemente V, teriam continuado a se reunir em segredo até voltar a público em 1717, na forma da maçonaria. Algumas palavras em código dos maçons seriam inspiradas nas senhas usadas pelos templários.

SAIBA MAIS:

►A Maçonaria Símbolos, Segredos, Significado, W. Kirk MacNulty, Martins Fontes, 2007
►Arquivos Secretos do Vaticano e a Franco-Maçonaria, José Ferrer Benimeli, Madras, 2007
►O Poder da Maçonaria, Françoise Jean de Oliveira e Marco Morel, Nova Fronteira, 2008

Fonte – http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/o-compasso-do-mundo-tudo-sobre-a-maconaria.phtml#.WL39T4WcHIW

AUTA DE SOUZA – SEUS VERSOS E TRAÇOS DE SUA VIDA BREVE

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Auta Henriqueta de Souza

Autor – Elfi Kürten Fenske

Fonte – http://www.elfikurten.com.br/2013/05/auta-de-souza.html

“Não vês? Minh’alma é como a pena branca

Que o vento amigo da poeira arranca

E vai com ela assim, de ramo em ramo,

Para um ninho gentil de gaturamo…

Leva-me, ó coração, como esta pena,

De dor em dor, até a paz serena.”

– Auta de Souza 

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Exemplar da 2ª ed. de “O Horto”, que pertenceu a Antônio Isidoro de Medeiros, tio-avô de Rostand Medeiros, que guarda o exemplar. 

Auta Henriqueta de Souza nasceu em Macaíba, em 12 de setembro de 1876, filha de Elói Castriciano de Souza e Henriqueta Leopoldina Rodrigues e irmã dos políticos norte-rio-grandenses Elói de Sousa e Henrique Castriciano.

Ficou órfã aos três anos, com a morte de sua mãe por tuberculose, e no ano seguinte perdeu também o pai, pela mesma doença. Sua mãe morreu aos 27 anos e seu pai aos 38 anos.

Durante a infância, foi criada por sua avó materna, Silvina Maria da Conceição de Paula Rodrigues, conhecida como Dindinha, em uma chácara no Recife, onde foi alfabetizada por professores particulares. Sua avó, embora analfabeta, conseguiu proporcionar boa educação aos netos.

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Aos onze anos, foi matriculada no Colégio São Vicente de Paula, dirigido por freiras vincentinas francesas, e onde aprendeu Francês, Inglês, Literatura (inclusive muita literatura religiosa), Música e Desenho. Lia no original as obras de Victor Hugo, Lamartine, Chateaubriand e Fénelon.

Quando tinha doze anos, vivenciou nova tragédia: a morte acidental de seu irmão mais novo, Irineu Leão Rodrigues de Sousa, causada pela explosão de um candeeiro.

Mais tarde, aos catorze anos, recebeu o diagnóstico de tuberculose, e teve que interromper seus estudos no colégio religioso, mas deu prosseguimento à sua formação intelectual como autodidata.

Continuou participando da União Pia das Filhas de Maria, à qual se uniu na escola. Foi professora de catecismo em Macaíba e escreveu versos religiosos. Jackson Figueiredo (1914) a considera uma das mais altas expressões da poesia católica nas letras femininas brasileiras.

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Informativo sobre a venda do livro “O Horto”

Começou a escrever aos dezesseis anos, apesar da doença. Frequentava o Club do Biscoito, associação de amigos que promovia reuniões dançantes onde os convidados recitavam poemas de vários autores, como Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Castro Alves, Junqueira Freire e os potiguares Lourival Açucena, Areias Bajão e Segundo Wanderley.

Por volta de 1895, Auta conheceu João Leopoldo da Silva Loureiro, promotor público de sua cidade natal, com quem namorou durante um ano e de quem foi obrigada a se separar pelos irmãos, que preocupavam-se com seu estado de saúde. Pouco depois da separação, ele também morreria vítima da tuberculose. Esta frustração amorosa se tornaria o quinto fator marcante de sua obra, junto à religiosidade, à orfandade, à morte trágica de seu irmão e à tuberculose. A poetisa, então, encerrou seu primeiro livro de manuscritos, intitulado Dhálias, que mais tarde seria publicado sob o título de Horto.

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Auta de Souza

Aos dezoito anos, passou a colaborar com a revista Oásis, e aos vinte escrevia para A República, jornal de maior circulação e que lhe deu visibilidade para a imprensa de outras regiões. Seus poemas foram publicados no jornal O Paiz, do Rio de Janeiro.

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Parte final do verso “Flor do Campo”, publicado inicialmente no ano de 1899 no jornal A Republica, de Natal.

No ano seguinte, passaria a escrever assiduamente para o prestigiado jornal A Tribuna, de Natal, e seus versos eram publicados junto aos de vários escritores famosos do Nordeste. Entre 1899 e 1900, assinou seus poemas com os pseudônimos de Ida Salúcio e Hilário das Neves, prática comum à época.

Também foi publicada nos jornais A Gazetinha, de Recife, e no jornal religioso Oito de Setembro, de Natal, e na Revista do Rio Grande do Norte, onde era a única mulher entre os colaboradores. 

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Henrique Castriciano, irmão de Auta

Venceu a resistência dos círculos literários masculinos e escrevia profissionalmente em uma sociedade em que este ofício era quase que exclusividade dos homens, já que a crítica ignorava as mulheres escritoras. Sua poesia passou a circular nas rodas literárias de todo o país, despertando grande interesse. Tornou-se a poetisa norte-rio-grandense mais conhecida fora do estado.

Aos 24 anos, no dia 7 de fevereiro de 1901, Auta de Souza morria tuberculosa. Foi sepultada no cemitério do Alecrim, em Natal, em 1904 seus restos mortais foram transportados para o jazigo da família, na parede da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Macaíba, sua cidade natal. No ano anterior (1900) havia publicado seu único livro de poemas sob o título de Horto, com prefácio de Olavo Bilac, que obteve significativa repercussão na crítica nacional. Em 1910 saía à segunda edição, em Paris, e, em 1936, a terceira, no Rio de janeiro, com prefácio de Alceu de Amoroso Lima.

POEMAS MUSICADOS

Outro aspecto importantíssimo da obra de Auta de Souza diz respeito a poemas seus que foram musicados por compositores regionais e transmitidos oralmente de uma geração para outra, desde o final do século XIX até hoje.

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Notícia da morte de Auta de Souza no jornal A República, em 8 de fevereiro de 1901

 

Sem considerar aqueles que foram e vêm sendo musicados mais recentemente, e que não tiveram esta vinculação com a tradição oral, tem-se conhecimento da existência de quatorze deles, somando dezesseis ao considerar-se que um deles, Caminho do sertão, conta com três versões melódicas diferentes. Algumas destas canções ficaram conhecidas de norte a sul do país, chegando também a Portugal.

Integrariam esse cancioneiro de Auta de Souza os seguintes poemas musicados: Caminho do sertão, Teus anos, Desalento, Agonia do coração, Ao cair da noite, Ao luar, Meu pai, Nunca mais, Olhos azuis, Palavras tristes, Regina Coeli, À Eugênia, Meu sonho, Rezando (Róseo Menino).

Fonte: GOMES, Ana Laudelina Ferreira. Vida e obra da poeta potiguar Auta de Souza (1876-1901). Disponível no link. (acessado 14.5.2013).

POEMAS PSICOGRAFADOS E ORIENTAÇÕES ESPIRITUAIS

Além de seus poemas e de seu cancioneiro, Auta de Souza é conhecida também como uma grande mentora espiritual. Para os seguidores do espiritismo kardecista, que no Brasil hoje somam aproximadamente um milhão e meio de praticantes, a poeta é tida como um espírito superior que atuaria no “planoceleste” enquanto mentora e protetora espiritual.

Fonte: GOMES, Ana Laudelina Ferreira. Vida e obra da poeta potiguar Auta de Souza (1876-1901). Disponível no link. (acessado 14.5.2013).

Homenagens

Em 1936, a Academia Norte-Riograndense de Letras dedicou-lhe a poltrona XX, como reconhecimento à sua obra.

Em 1951, foi feita uma lápide, tendo como epitáfio versos extraídos de seu poema Ao Pé do Túmulo: “Longe da mágoa, enfim no céu repousa/Quem sofreu muito e quem amou demais.” 

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Caminho do Sertão

 

(A meu irmão João Cancio)

Tão longe a casa! Nem sequer alcanço

Vê-la através da mata. Nos caminhos

A sombra desce; e, sem achar descanso,

Vamos nós dois, meu pobre irmão, sozinhos!

 

É noite já. Como em feliz remanso,

Dormem as aves nos pequenos ninhos…

Vamos mais devagar… de manso e manso,

Para não assustar os passarinhos.

 

Brilham estrelas. Todo o céu parece

Rezar de joelhos a chorosa prece

Que a Noite ensina ao desespero e a dor…

 

Ao longe, a Lua vem dourando a treva…

Turíbulo imenso para Deus eleva

O incenso agreste da jurema em flor.

– Auta de Souza, in “Horto”, 1900.

VEJA TAMBEM NO TOK DE HISTÓRIA – https://tokdehistoria.com.br/2011/04/04/a-historia-do-jasmineiro-de-auta-de-souza-contada-por-palmyra-wanderley/

 

BARTOLOMEU LOURENÇO DE GUSMÃO: O PADRE QUE QUERIA VOAR

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Crédito: Bibliothèque nationale de France – A “passarola”, como o padre Gusmão imaginava uma máquina voadora

74 anos antes do primeiro voo de balão tripulado da história, um brasileiro encantou a Corte portuguesa com um globo de ar quente capaz de subir à atmosfera

Autora – Aline Ribeiro

Fonte – http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/acervo/bartolomeu-lourenco-gusmao-padre-queria-voar-434927.phtml#.WIID3YWcHIU

Em agosto de 1709, aos 24 anos, o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão convocou a Corte portuguesa para conhecer seu mais novo experimento. O sacerdote era recém-chegado do Brasil, sua terra natal, onde já era conhecido como inventor. Mas aquela criação era de uma ousadia inédita. Gusmão queria voar, e conseguiu. Ele criou um objeto capaz de deslizar pela atmosfera sem apoio nenhum. “Pela primeira vez na história, um aparelho construído pelo homem venceu a gravidade”, diz Araguaryno Cabrero dos Reis, brigadeiro reformado da Força Aérea Brasileira (FAB).

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Bartolomeu de Gusmão, óleo sobre tela J. G. Fajardo (Brasil, 1960)

Anos antes, ao examinar o comportamento de uma chama, não se sabe se de uma vela ou fogueira, Gusmão percebeu que o ar quente podia elevar pequenos objetos. Por falta de documentos históricos, é difícil saber como tudo realmente ocorreu. Especula-se que a descoberta tenha se dado quando uma pequena bolha de sabão, ao passar sobre uma vela, foi fortemente jogada para as alturas. O fenômeno pode ter ocorrido ainda com pedaços de papel que, queimados, transformaram-se em fuligem e ascenderam. Foi isso que inspirou o padre a projetar o primeiro aeróstato, um aparelho parecido com nosso balão de São João.

O anúncio sobre a tal máquina de voar inquietou a sociedade lisboeta no verão de 1709. Em 3 de agosto, Gusmão mostrou à família real, fidalgos e autoridades eclesiásticas do que era capaz a sua engenhoca. Durante a primeira tentativa, os ilustres convidados esperavam impacientes na sala de audiências do Palácio, quando veio a frustração. Vítima de suas próprias chamas, o pequeno balão de papel cheio de ar quente foi queimado antes de alçar vôo. O segundo ensaio teria ocorrido dois dias depois. Ansiosa, a platéia da ocasião teve mais sorte: o globo de menos de meio metro de comprimento subiu pouco mais de quatro metros. Alguns criados do Palácio, preocupados com a possibilidade de o invento incendiar as cortinas, lançaram-se contra o balão para que ele não alcançasse o teto.

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Fonte – http://family.portugalconfidential.com/worlds-first-hot-air-balloon/

O mérito de Gusmão foi reconhecido somente na terceira tentativa. Dessa vez, no pátio do Palácio, perante o rei de Portugal, Dom João V, e a rainha, dona Maria Anad, o aeróstato ganhou os ares. Ergueu-se lentamente, indo cair, quando esgotada sua chama, no terreiro da casa real. A inédita máquina mais leve do que o ar impressionou o público, mas não cumpriu sequer metade das façanhas que Gusmão prometera a Dom João V. Em seus pedidos de patente, ele anunciava feitos fantásticos. Dizia que sua invenção facilitaria a descoberta de novas terras, fazendo “da nação portuguesa a glória deste descobrimento”. Afirmava tratar-se “de um instrumento para se andar pelo ar, da mesma sorte que pela terra e pelo mar, e com muita brevidade, fazendo-se muitas vezes duzentas e mais léguas de caminho por dia.”

Azar de Gusmão. “A Corte não estava preocupada com a ciência. Eles queriam era ganhar dinheiro com ouro e ter uma vida suntuosa”, diz Henrique Lins de Barros, pesquisador da história da aviação e autor do livro Santos Dumont: o Homem Voa!

Passarola

Embora não tenha surpreendido os portugueses, o aeróstato aguçou o imaginário do restante da Europa. A notícia que se espalhou rapidamente foi de que um padre havia voado nos ares de Lisboa. A máquina ganhou proporções mitológicas e ficou conhecida, a partir daí, como Passarola. O nome se deve a um desenho apócrifo que surgiu na época. A imagem representava o aeróstato em forma de um pássaro, com uma cabeça de águia e cercado por instrumentos científicos. A ilustração trazia ainda o próprio Gusmão a bordo, como se ele tivesse voado dentro de seu engenho. Suspeita-se que o próprio “padre voador” (que na realidade nunca voou) seria o autor do desenho, junto com seu discípulo e amigo conde de Penaguião. Uma brincadeira de rapazes, com a qual eles pretendiam despistar possíveis interessados em copiar o experimento de Gusmão.

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Fonte – https://aventadores.files.wordpress.com/2016/09/kw288080.jpg

Prova disso é que o desenho da Passarola não mostrava a fonte térmica responsável pela subida do balão, característica imprescindível para que o invento funcionasse. “Ele não dá a chave do problema, que é a fonte de calor, e ainda se coloca dentro do invento. É possível que tenha feito isso para esconder os segredos de sua descoberta”, afirma Lins de Barros. Em função da imagem fantasiosa, diversos historiadores europeus e norte-americanos situaram Gusmão como um dos muitos precursores da aeronáutica cujos trabalhos não possuíam nenhuma base científica. Depois das especulações desastrosas, ele abandonou completamente seu projeto.

Primeira patente

Bartolomeu Gusmão tem uma trajetória de mistérios sucessivos. Nascido na vila paulista de Santos, em 1685, foi batizado com o nome de Bartolomeu Lourenço Santos, mas sempre preferiu ser chamado de Gusmão. Ainda criança, mudou-se para a Capitania da Bahia para continuar seus estudos no Seminário de Belém. Na época, Gusmão já era conhecido pela inteligência e pela memória espantosa. Construiu uma bomba elevatória para transportar água do rio Paraguaçu até o colégio dos padres, que ficava a 100 metros do nível do mar. O abastecimento, até então, exigia muito esforço e tempo dos seminaristas. Esse foi seu primeiro invento, que fez de Gusmão o primeiro brasileiro a conseguir uma patente.

Entre 1708 e 1709, ele deixou o Brasil rumo a Portugal. Na metrópole, depois de projetar o aeróstato, dedicou-se a outros inventos, nenhum com a repercussão da Passarola. Com o passar do tempo, ele também ficou conhecido por seus dotes oratórios – tornou-se membro da Academia Real de História e deixou vários sermões, principalmente o da Festa do Corpo de Deus, datado de 1721.

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Fonte – http://filatelica.aac.uc.pt/bartolomeudegusmao.php

Na mira da inquisição

Na década de 1720, apesar dos privilégios que tinha junto à Corte, não conseguiu se ver livre dos problemas trazidos pela Santa Inquisição. Segundo especulações, ele teria sido perseguido por se converter ao judaísmo, ou por desafiar a natureza e os desígnios de Deus com seu balão voador.

No entanto, o biógrafo Benedito Calixto, afirma que o processo movido pela Igreja Católica Romana contra o inventor não teve relação com suas exposições aerostáticas. A Inquisição não se preocupava com descobertas científicas. O escritor Affonso d’Escragnolle Taunay, pesquisador da vida do padre, endossou essa tese. O problema foi outro: Gusmão teria se apaixonado por uma freira, conhecida como Trigueirinha, com quem o rei Dom João V possivelmente mantinha relações amorosas. “A Corte portuguesa era uma bandalheira geral. As intrigas feitas pela amante do padre o fizeram ir para a Holanda”, diz o brigadeiro Araguaryno Cabrero dos Reis. A partir daí, pouco se sabe sobre o paradeiro de Gusmão. Ele fugiu da Inquisição durante alguns anos e morreu, com 39 anos, de tuberculose, em 19 de novembro de 1724, em Toledo, Espanha.

Família influente

Um dos motivos para Bartolomeu de Gusmão ter boas relações com a realeza estava na proximidade com seu irmão Alexandre de Gusmão, homem de confiança do rei Dom João V. Alexandre auxiliou o rei durante as negociações do Tratado de Tordesilhas, que definiu as áreas do Novo Mundo entre Espanha e Portugal.

Inventor incansável

Além do balão e da bomba elevatória de água, Bartolomeu de Gusmão inventou uma forma de drenar embarcações – a criação foi definida na época como um “processo para esgotar água sem gente, dos navios alagados”. Anos depois, na Holanda, ele também criou um sistema de lentes para assar carne ao sol.

Herdeiros do padre

Foi só 74 anos depois da criação do padre brasileiro que um balão tripulado alcançou o céu com sucesso. Depois de seis anos de pesquisas e experiências, os irmãos franceses Joseph Michel e Jacques Étienne Montgolfier conseguiram, em 4 de junho de 1783, na cidade de Annonay, voar dois quilômetros, a uma altitude máxima de 2 mil metros.

ESTÁ ACESSIVEL ONLINE UMA DAS MAIORES COLEÇÕES DE OBRAS LUSO-BRASILEIRAS EXISTENTES NO MUNDO

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Campus da Catholic University of America, em Washington – Fonte – http://dailysignal.com/2015/03/20/should-catholic-schools-be-forced-to-fund-lgbt-student-groups/

Na Catholic University of America, localizada em Washington, capital dos Estados Unidos, se encontra uma das maiores coleções impressas de obras de arte portuguesas e brasileiras no mundo e que agora está digitalizada e acessível online.

Estamos falando mais precisamente da Biblioteca Oliveira Lima, criada em 1920, com materiais foram reunidos pelo escritor e diplomata pernambucano Manoel de Oliveira Lima (Recife, 25/12/1867 – Washington, 24/3/1928). Oliveira Lima passou grande parte de sua vida viajando em trabalhos diplomáticos e angariando um grande acervo principalmente sobre o período da colonização portuguesa no Brasil.

Em 1919 Oliveira Limaele visitou o Rio Grande do Norte e o relato de sua visita foi publicado aqui no TOK DE HISTÓRIA (https://tokdehistoria.com.br/2016/02/03/uma-visita-ao-rio-grande-do-norte/ ).

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Manoel de Oliveira Lima – Fonte – www-fernandomachado-blog-br.jpg

Homem dedicado aos livros, ao falecer foi enterrado no cemitério Mont Olivet, em Washington e em sua lápide não consta seu nome, mas a frase “Aqui jaz um amigo dos livros“.

Segundo Thomas Cohen, diretor do acervo “-O objetivo da biblioteca é fornecer acesso a uma rica coleção de materiais impressos e artísticos para a comunidade internacional de pesquisa. Além de colaborar com outras instituições, promover o interesse em Portugal e no Brasil como um novo recurso para pesquisas e ampliar o interesse do público interessado para a pesquisa da colonização e exploração portuguesa no Brasil”.

Ao longo das décadas, Oliveira Lima reuniu milhares de obras, a maioria focada na história, cultura, política e economia portuguesa e brasileira. Amante das fontes originais, Oliveira Lima também colecionou centenas de primeiras edições de livros e manuscritos, incluindo a literatura do antigo Império Brasileiro.

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Uma paisagem brasileira pintada pelo holandês Frans Post em torno de 1669.

Cohen, que é o terceiro diretor da biblioteca e professor associado de história da Catholic University of America, escreveu um guia sobre a coleção e colaborou com especialistas para catalogação da maioria das obras existentes na biblioteca. Como diretor, possui amplo conhecimento do material ali arquivado e de seus conteúdos.

Segundo Cohen “Oliveira Lima era hipermétrope. Ele não apenas coletava livros raros, mas também coisas efêmeras (itens de papel). Então, temos uma grande coleção de panfletos, recortes de notícias, postais… até os guias e menus dos lugares que visitou como um diplomata”.

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Materiais da coleção Oliveira Lima – Fonte – http://publicaffairs.cua.edu/releases/2015/lima-library.cfm

As raridades e memorabilia fornecem uma visão histórica significativa sobre a política, cultura, sociedade e economia da vida portuguesa e brasileira. Constituem a maior parte da coleção desde o primeiro relato escrito da descoberta do Brasil- Portugal reivindicou a posse do Brasil em 1500 – até o primeiro relato escrito da luta pela independência por parte dos brasileiros. Oliveira Lima também inclui relatos de viajantes estrangeiros ao Brasil no início do século XIX, cartas de missionários jesuítas e biografias dos primeiros mártires jesuítas no país.

As cartas, os relatos e os panfletos formam um retrato completo da conquista, da colonização e da história da Igreja Católica em Portugal e nas suas colonias.

Os artefatos religiosos, incluindo pinturas de guerras, figuras religiosas e eventos religiosos, combinados com a coleção de cartas, dão um olhar interessante sobre o colonialismo e à evangelização pelos jesuítas em Portugal e no Brasil. A biblioteca muitas vezes realiza empréstimos de seus materiais para museus em todo o mundo.

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Um retrato do Rei Dom João VI de Portugal em 1808. A biblioteca é o lar de uma coleção de manuscritos, livros raros, panfletos, mapas e artefatos religiosos.

A biblioteca também contém livros e panfletos do século XVII sobre a invasão holandesa em 1624 e sua colonização no norte do Brasil. Possui também materiais sobre a independência brasileira, a ata da primeira assembleia representativa e os registros dos legisladores brasileiros desde 1823. O Brasil declarou sua independência de Portugal em 1822 e essa ação só foi formalmente reconhecida com um tratado assinado pelo Brasil e Portugal no final de 1825, existindo vários materiais no acervo sobre este tratado.

A biblioteca, no entanto, não se limita apenas a livros e outras obras impressas. Possui mapas do século XVIII e abriga uma vasta coleção de aquarelas raras e outras pinturas, incluindo uma paisagem de 1669 pintada pelo mestre holandês Frans Post, que foi o primeiro artista europeu a pintar paisagens das Américas.

Mas a grande notícia é que parte da coleção foi digitalizado e está acessível on-line para visualização pública. Embora a maior parte da coleção ainda não tenha sido digitalizada, muitos dos textos e outros materiais estão disponíveis através do link específico da Biblioteca Oliveira Lima (http://libraries.cua.edu/oliveiralima/) ou através do catalogo online da Washington Research Library Consortium, através do link – http://catalog.wrlc.org/search/index.php

FONTE – http://stcloudvisitor.org/2016/07/12/library-holds-one-largest-collections-portuguese-brazilian-works/

A GRANDE AVENTURA DOS JESUÍTAS NO BRASIL

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Os europeus levantando uma cruz na costa americana (1706) – Fonte – http://brazilcomesalive.yolasite.com/alyssa-images.php

A Companhia de Jesus foi fundamental na fundação de Salvador, Rio e São Paulo. Criou nossa versão do idioma português. Catequizou índios, participou de batalhas, liderou explorações em busca de ouro. Ajudou a formar o país

Desde os anos 1960, muitas crianças sonham em ser astronauta. Viajar para outros planetas, com suas paisagens bizarras, seus ambientes absurdos e – quem sabe? – seus moradores de costumes quase inacreditáveis de tão diferentes. Por volta de 1550, era possível viver esse mesmo sonho: jovens ousados, educados nas melhores escolas católicas, podiam ser convidados para viver entre os algonquins do Canadá, os astecas mexicanos, os indianos de Goa, os moradores do arquipélago japonês, os tupis-guaranis do Brasil. Cada um deles, em todos os sentidos para o ponto de vista de um europeu, vivia, comia e rezava como um verdadeiro alienígena. Os jovens do Velho Continente podiam experimentar esses novos planetas, desde que reunissem uma combinação de fé, disciplina, espírito didático e capacidade de gerenciamento. Havia muitas opções para um missionário cristão abraçar a causa da catequização das terras distantes. Mas a Companhia de Jesus era a mais nova e mais promissora. Surgira poucos anos antes, pelas mãos de um jovem basco, amante das armas e das mulheres, convertido para a fé por uma bala de canhão.

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Ignácio de Loyola, nascido Inigo Lopez de Recalde (1491-1556), fundador da Companhia de Jesus – Fonte – http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/terra-brasilis/a-grande-aventura-dos-jesuitas-no-brasil.phtml#.V6H_DI-cHIV

Aventureiro e enamorado

Iñigo vinha de família bem relacionada de Azpeitia, no noroeste da Espanha. Na juventude, fez estágio como pajem do nobre Juan Velázquez de Cuellar e se acostumou a andar bem-vestido, com cabelos loiros e compridos. Dizia-se encantado por uma moça da elite, que nunca chegou a nomear, mas que, confessava, não parava de ocupar seus pensamentos. “Ficava logo embebido a pensar nela duas, três ou quatro horas sem se dar conta, imaginando o que havia de fazer em serviço de uma senhora”, ele escreveria em sua autobiografia. O gosto pelas guerras era bem mais público.

Como seguidor do vice-rei de Navarra, António Manrique de Lara, Iñigo participou da batalha de guerra que colocava os reis da França e da Espanha na disputa pelo controle do Sacro Império Romano-Germânico. Lutando a favor dos espanhóis, em 20 de maio de 1531, durante um cerco francês a Pamplona, uma bala de canhão passou entre suas pernas. Milagrosamente, o jovem basco sobreviveu. Foi levado para casa, com a perna destroçada. No castelo da família, onde passou por uma recuperação lenta e dolorosa, com direito a uma cirurgia nos joelhos – sem anestesia – que tinha por objetivo consertar uma cirurgia anterior – também sem anestesia –, um jovem sofredor e entediado encontrou consolação em livros católicos da biblioteca da família. O guerreiro mulherengo se recuperou com uma perna mais curta e uma decisão firme: seguir os caminhos de Cristo.

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O símbolo dos jesuítas – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Society_of_Jesus

Começou tentando ir à Cidade Santa. Conseguiu em 1523, mas ficou por um período muito curto, durante o qual ele se mostrou um risco para os católicos que negociavam cuidadosamente sua permanência na Jerusalém dominada por muçulmanos. Andando sem seguranças, forçando a entrada em lugares vedados a cristãos, ele foi convidado a voltar para a Europa o mais rápido possível. Retornou a contragosto, sonhando em voltar, sem conseguir. 

Iñigo dirigiria suas atenções a outro objetivo: fundar uma ordem religiosa guerreira, de forte caráter missionário. Para isso, voltaria a estudar, a fim de preencher uma grave lacuna, a falta de formação teológica. Em Paris, encontrou seis religiosos mais novos que se tornaram o núcleo central da Companhia de Jesus: Francisco Xavier, Pedro Fabro, Simão Rodrigues, Nicolás Bobadilla, Diogo Laínez e Alfonso Salmerón. Em 15 de agosto de 1534, durante um encontro na Igreja de Saint Denis, no bairro parisiense de Montmartre, eles fundaram a Companhia de Jesus. Em 1537, o fundador adotou um novo nome, mais amigável para os ouvidos dos espanhóis não bascos: Inácio. Em 1540, o papa Paulo III aprovou a existência do novo grupo. Era um começo rápido e promissor.

Soldados de Cristo

Inácio nunca usou o termo “jesuítas”, pelo qual o grupo ficaria conhecido. A expressão se estabeleceria décadas depois, quando o esforço missionário ajudou a estabelecer o apelido, que fazia referência a “pessoas que citam o nome de Jesus com muita frequência”. Mas o nome oficial, Societas Jesu, ou Sociedade de Jesus, caracterizava com precisão os objetivos do grupo, criado como uma milícia com hierarquia clara, conduta impecável e o mesmo espírito de conquista que acompanhou o fundador até o fim da vida, em 1556.

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Padre celebra a eucaristia (1707) – Fonte – http://library.brown.edu/create/fivecenturiesofchange/chapters/chapter-2/the-jesuits/

Inácio ainda sonhou com um retorno a Jerusalém. Depois, se instalou em Veneza, à espera de orientações papais. Até que aquele grupo de jovens instruídos e disponíveis para a evangelização chamou a atenção das lideranças do Vaticano, que resolveram usar os jesuítas no esforço de reação à reforma protestante. Todos os fundadores se envolveriam na catequização e na publicação de trabalhos que lutavam pela restauração da fé católica. O sucessor de Inácio, Diogo Laínez, chegaria a se estabelecer como uma importante liderança no Concílio de Trento. Era forte candidato a papa, mas não chegou ao posto. Os jesuítas só formariam um pontífice em 2013, com a eleição do argentino Jorge Bergoglio. Sua vocação, no século 16, era outra: a evangelização em terras estrangeiras.

Começou com São Francisco Xavier, possivelmente o jesuíta mais famoso da história. O único fundador da ordem a deixar a Europa estava em Portugal, onde o rei João III se mostrava interessado no esforço missionário daqueles jovens promissores. Em uma década morando na Ásia, ele converteria algo entre 30 mil e 100 mil pessoas, um número espantoso – e obviamente inflado, no sentido de que muitos dos pagãos que aceitavam o batismo não entendiam o que havia acontecido e não mudavam nenhum de seus costumes, mesmo que incluíssem o canibalismo, a poligamia e a crença em vários deuses.

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Diogo de Mendonça Furtado e o padre jesuíta Domingo Coinia, diante de um grupo de clérigos e soldados em São Salvador da Bahia de Todos os Santos, atual Salvador, Bahia, Brasil – Fonte – http://library.brown.edu/create/fivecenturiesofchange/chapters/chapter-2/the-jesuits/

O exemplo de Xavier seria seguido no Brasil, onde, em 1549, chegaram, junto com o primeiro governador-geral Tomé de Souza, seis jesuítas, liderados por um religioso muito dedicado, com vocação para professor, mas rejeitado por causa de sua gagueira quase insuportável. Manoel da Nóbrega chegava a uma região desacreditada, de menor importância para Portugal. Ninguém esperava muito de Nóbrega, mas ele surpreenderia a todos.

Um padre, três metrópoles

O pai de Nóbrega era desembargador. Ele se formou em direito canônico e filosofia na Universidade de Coimbra. Em 1544, com 27 anos, finalmente desistiu de tentar ser aprovado como professor, entrou para a Companhia de Jesus e começou a fazer viagens de peregrinação e pregação pela Península Ibérica. Nos hospitais onde tentava realizar exorcismos, era conhecido como “o Gago”. Convidado para vir ao Brasil depois que o cofundador Simão Rodrigues preferiu ficar em Portugal, chegou em 29 de março de 1549, depois de 56 dias de viagem, como parte de uma comitiva com seis navios e mil pessoas. Nunca mais retornaria à Europa.

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Padre Manuel da Nóbrega, em um selo Português comemorativo aos 400 anos de fundação de São Paulo – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Society_of_Jesus

Nóbrega era o chefe da primeira turma de jesuítas. Recebeu excelentes condições de trabalho: diferentemente do que acontecia na Ásia ou na América do Norte, a ordem detinha a exclusividade sobre a evangelização da colônia. Apesar de descoberta em 1500, e de uma primeira tentativa mais sistemática de ocupação em 1532, seria apenas com a chegada do governador-geral Tomé de Souza a Salvador que Portugal começava, de fato, a colonizar a vasta Terra de Santa Cruz, dominada por diferentes grupos de indígenas e tomada por uma vegetação espessa que praticamente impedia qualquer investigação para além do litoral.

Até sua morte, em 1570, Nóbrega se mostrou incansável. Ajudou a definir o traçado de Salvador, a primeira cidade planejada do país. Na sequência, andou por todo o território que formava a colônia, de São Paulo a Pernambuco. Mapeou vilas, identificou tribos, foi decisivo em guerras e rebeliões e ajudou a colocar em pé três futuras metrópoles fundamentais: Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro.

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Vista de Salvador em 1735 – Fonte – http://brazilcomesalive.yolasite.com/alyssa-images.php

O jesuíta deu atenção especial a Porto Seguro, onde Pedro Álvares Cabral havia desembarcado e os indígenas eram especialmente hostis. Ali ficou João de Azpilcueta Navarro, responsável por organizar uma primeira tentativa de explorar os sertões que hoje pertencem à Bahia e ao interior de Minas Gerais. Na busca por uma famosa Serra das Esmeraldas, Navarro e outros 13 desbravadores conheceram o Rio São Francisco, acamparam em condições precárias e tiveram de se esconder de índios que surgiam e desapareciam misteriosamente. 

Ao voltar para o litoral, depois de um ano e meio e 2 mil quilômetros de viagem, estava tão doente que acabou morrendo, dois anos depois, em Salvador. Deixou como legado uma carta em que descrevia a fauna e a flora que encontrou. “Há muita caça, assim de animais como de aves”, escreveu. “Há uns animais que se chamam antas. Há muitas castas de macacos, entre os quais uns pardos com barba como homens. Há veados, gatos, onças, tigres e muitas cobras, entre as quais há umas que têm no rabo uma coisa à maneira de cascavel.” João também deixou estudos com os primeiros fundamentos para traduzir tupi para o português e vice-versa. O documento seria usado pelo padre José de Anchieta na construção de sua própria gramática. João, aliás, foi quem iniciou Anchieta no trabalho de entender aquela língua tão difícil para os europeus.

Enquanto tudo isso acontecia, Nóbrega já tinha descido até São Vicente, onde fez uma tentativa diferente de incursão para além das praias: o estabelecimento de um ponto de apoio no planalto. Foi ele quem escolheu uma área instalada entre os rios Anhangabaú e Tamanduateí e controlada pelo cacique Tibiriçá, amigo dos ocidentais desde que havia começado a conviver, muitos anos antes, com um degredado chamado João Ramalho. Tibiriçá e os 25 mil índios tupiniquins que ele liderava ajudaram a construir um colégio onde se ensinava a ler e escrever em tupi e onde se aprendiam noções de latim, além de carpintaria e marcenaria.

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Padre José de Anchieta – Fonte – https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d8/Anchieta.jpg

Foi naquele vale bem protegido por tupiniquins que 13 dos 26 jesuítas que viviam no Brasil na época morariam em um barracão de cerca de 90 m2, feito de paredes de taipa de pilão e com telhado de folhas de palmeira. Nóbrega chegou a realizar uma missa no local, em 29 de agosto de 1553. Mas foi uma segunda celebração, conduzida pelo padre Manuel de Paiva com José de Anchieta no apoio, que marcou o batismo da cidade: São Paulo, em homenagem ao santo celebrado naquele 25 de janeiro de 1554. A política de estabelecer colégios como a base de centros urbanos, tipicamente jesuíta, seria rapidamente aplicada também no Rio de Janeiro, além de Olinda, São Luís, Ilhéus e Recife.

Anchieta havia encontrado Nóbrega em São Paulo, e reencontraria o chefe outras vezes. Em especial quando os dois se fizeram reféns voluntários da tribo dos tamoios, aliados dos franceses, na região onde hoje fica Ubatuba.

O fim provisório

O conflito com os tamoios seria decisivo para a fundação do Rio de Janeiro, uma terra que parecia destinada a ficar em mãos francesas. Para ajudar na negociação com os portugueses, Nóbrega e Anchieta permaneceram entre os indígenas. Foram bem-recebidos – tão bem que precisavam rezar muito e fazer autoflagelação frequente para lidar com o assédio das índias que os maridos e pais ofereciam. Um único episódio destoante quase levou os dois ao martírio: um jovem líder, muito amigo dos franceses, perseguiu os dois padres, que tiveram que correr muito e se esconder até que os chefes o acalmassem. 

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Padre jesuíta no Brasil Colonial – Fonte – http://library.brown.edu/create/fivecenturiesofchange/chapters/chapter-2/the-jesuits/

A negociação não foi muito longe, mas o terceiro governador-geral, Mem de Sá, acabaria destruindo o forte francês Coligny e instalando os portugueses na vila de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde Nóbrega construiu um colégio e viveu até a morte. Anchieta ainda tinha mais duas décadas de trabalho pela frente. Deixaria como legado um conhecimento do idioma do grupo tupi-guarani, o início de uma literatura produzida no Brasil e uma lista de conhecimentos das plantas locais.

A partir do século 17, os jesuítas estavam instalados como uma potência. Desde 1580 não detinham o monopólio sobre a pregação, mas seus colégios formavam as elites locais, suas fazendas (que contavam com o uso de mão de obra escrava) forneciam alimentos para todas as cidades. E, mais importante, suas aldeias, centros autônomos onde os índios viviam protegidos dos colonizadores civis, protegiam os locais da exploração exagerada. Delimitado por Nóbrega, o conceito de aldeias provocaria atritos intensos com os jesuítas que vieram depois. Eles seriam cercados e expulsos, em diferentes ocasiões, em todas as principais cidades do país. Os conflitos foram especialmente graves no Maranhão, graças a um religioso português com vocação para a confusão: Antonio Vieira.

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Padre Antônio Vieira retratado na obra “Celeberrus P. Antonius Vieyra Soc. Jesu Lusit. Vijssipon” (1742) – Fonte – http://library.brown.edu/create/fivecenturiesofchange/chapters/chapter-2/the-jesuits/

Nascido em Portugal, educado em Salvador, Vieira dividiria sua atenção entre os assuntos dos europeus e dos brasileiros. Na corte em Lisboa, defendeu que os lusitanos deixassem Pernambuco com os holandeses – na década de 1630, parecia impossível aos portugueses recuperar aquelas terras. Diante da pressão da coroa espanhola, bolou um plano que incluía a instalação do rei João IV no Rio de Janeiro, mas nunca seria colocado em prática. 

No Brasil, Vieira se envolveu principalmente com a colonização da Amazônia e com os conflitos com as lideranças civis do Maranhão, que insistiam em tomar os índios para si e se irritavam com a interferência jesuítica nos assuntos seculares. Em um de seus muitos sermões, de 1654, ele se dirigiu aos maranhenses com desprezo: “A este Evangelho do Domingo Quinto da Quaresma chamais comumente o domingo das verdades. Por me não sair, contudo, do que hoje todos esperam, estive considerando comigo que verdades vos diria, e, segundo as notícias que vou tendo desta nossa terra, resolvi-me a vos dizer uma só verdade. Mas que verdade será esta? Não gastemos tempo. A verdade que vos digo é que no Maranhão não há verdade.” Perseguido pela Inquisição, isolado das cortes em Portugal, Vieira morreria nos arredores de Salvador, cansado e desiludido.

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Pintura que mostra o Marquês de Pombal – Fonte – http://jesuitsslaverybrazil.blogspot.com.br/

Portugal oscilava entre o apoio aos colonos e a defesa dos religiosos. Isso até a ascensão de reis que tinham a pretensão de modernizar o Estado e reduzir a influência dos jesuítas, que, em Portugal, na Espanha e na França, eram professores, confessores e orientadores de várias gerações de reis e rainhas. Em Portugal em específico, sob a influência do marquês de Pombal, a ordem seria expulsa do país e de suas colônias em 1759. 

Cidade após cidade, os cerca de 600 religiosos que viviam no Brasil foram colocados em navios em direção a Portugal. Alguns foram detidos, outros seguiram para a Itália. Uma pequena parte reagiu e ficou entre os índios, dentro das missões que a ordem vinha fundando e mantendo, em especial ao sul do Brasil, no Paraguai e na Argentina. Religiosos e locais pegaram em armas e acabaram massacrados nas Guerras Guaraníticas. A experiência das missões havia deixado um legado impressionante: os índios viviam com relativa autonomia. Alguns se mostraram artesãos talentosos, cuja produção de instrumentos musicais povoaria os salões e as igrejas europeias com violinos feitos nas Américas.

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O Sítio Arqueológico de São Miguel Arcanjo, popularmente conhecido como Ruínas de São Miguel das Missões, é o conjunto de remanescentes da antiga redução jesuítica de São Miguel Arcanjo, integrante dos chamados Sete Povos das Missões. Localiza-se no município de São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul – Fonte – https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADtio_Arqueol%C3%B3gico_de_S%C3%A3o_Miguel_Arcanjo

Catorze anos depois, em 1773, a ordem toda foi extinta por decisão do papa Clemente XIV. Nesse momento, os inacianos ligados a Portugal já tinham o destino selado. A inquisição encerraria a vida de Gabriel Malagrida: o padre de 72 anos foi queimado na Praça do Rossio, em Lisboa, na tarde de 21 de setembro de 1761. Foi a última vez que um condenado pela Inquisição era morto em praça pública em território português. Ele havia batido de frente com o marquês de Pombal por muitos anos, desde que afirmara que o terremoto que aterrou Lisboa em 1755 era um castigo divino.

E assim, por força do fogo e de uma bula papal, a ordem deixou de influenciar os rumos do Brasil. Foi autorizada a voltar em 1814, mas a marca sobre o país nunca mais seria a mesma. Permanece nos centros educacionais. Em termos internacionais, os jesuítas agora alcançaram, depois de cinco séculos, o cargo mais alto da Igreja Católica: o papa Francisco pertence ao grupo fundado por Inácio de Loyola e construído com o sangue e o suor de jovens cultos e corajosos.

Linha do tempo

A trajetória da ordem

  • 1491• Nascimento de Inácio de Loyola
  • 1500• Pedro Álvares Cabral chega ao Brasil
  • 1534•Inácio funda a Companhia de Jesus
  • 1540•O papa Paulo III formaliza a criação da Companhia de Jesus
  • 1542• Primeira ação missionária dos jesuítas, no Congo
  • 1549• Chegada de Tomé de Souza e Manoel da Nóbrega a Salvador
  • 1551• Chegada a Salvador do primeiro bispo do Brasil, Pero Fernandes Sardinha
  • 1553• Chegada de José de Anchieta ao Brasil
  • 1554• Missa de fundação da cidade de São Paulo
  • 1565• Fundação da cidade do Rio de Janeiro
  • 1580• Portugal é anexado ao reino da Espanha e os jesuítas perdem a exclusividade no Brasil
  • 1607• Início das missões jesuíticas
  • 1640• Portugal volta a ser um reino independente, sob o comando do rei dom João IV
  • 1665• O Tribunal da Inquisição manda prender Antonio Vieira
  • 1759• Expulsão dos jesuítas de Portugal e suas colônias
  • 1773• Extinção da Companhia de Jesus por ordem do papa Clemente XIV
  • 1814• O papa Pio VII reabre a Companhia de Jesus
  • 2013• Jorge Bergoglio é eleito papa e adota o nome Francisco.

Jesuítas no Brasil

  • Manoel da Nóbrega • 

1517-1570 

Decisivo na fundação de Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro.

  • José de Anchieta •

1534-1597 

Grande pregador, criou uma gramática tupi-português e converteu centenas de índios.

  • João de Azpicuelta Navarro •

1521/3-1557 

Esteve na primeira expedição em busca de ouro em Minas Gerais.

  • Antonio Vieira •

1608-1697

Polêmico, participou ativamente da História de Portugal, de Salvador e de São Luís, no Maranhão.

  • João Felipe Bettendorf • 

1625-1698

Decisivo na colonização da Amazônia e na fundação de Santarém.

  • Gabriel Malagrida •

1689-1761

Realizou uma expedição de 14 mil quilômetros no sertão nordestino. Morto pela Inquisição.

SAIBA MAIS

LIVROS

A Grande Aventura dos Jesuítas no Brasil, Tiago Cordeiro, Ed. Planeta, 2016

Autobiografia, Inácio de Loyola, Editorial A.O., 2005

História da Companhia de Jesus no Brasil, Serafim Leite, Itatiaia, 2000

A Heresia dos Índios – Catolicismo e Rebeldia no Brasil Colonial, Ronaldo Vainfas, Companhia das Letras, 1995


Autor e fonte – TIAGO CORDEIRO http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/terra-brasilis/a-grande-aventura-dos-jesuitas-no-brasil.phtml#.V6H_DI-cHIV

 

500 ANOS DA CACHAÇA NO BRASIL

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Fonte – http://revistasaboresdosul.com.br/quem-descobriu-a-cachaca/

A cachaça é testemunha das transformações sociais e econômicas por que o Brasil passou

Ela praticamente nasceu junto com o Brasil e tornou-se a mais nacional das bebidas. Em cinco séculos de História, serviu como combustível para os bandeirantes suportarem as longas e insalubres viagens aos sertões, foi utilizada como moeda de troca de escravos na África, desencadeou revoltas contra a Coroa portuguesa e tornou-se símbolo de nacionalidade em momentos políticos e culturais importantes, como a Independência do país e a Semana de Arte Moderna de 1922. Sim, estamos falando da cachaça, que completa 500 anos este ano.

Os documentos são esparsos, mas, de acordo com os especialistas, os primeiros goles da branquinha foram dados a partir de 1516 em algum engenho construído na feitoria de Itamaracá, em Pernambuco. A cana-de-açúcar já tinha chegado ao país alguns anos antes, em 1504, pelo fidalgo português Fernando de Noronha, que recebeu a concessão da ilha, batizada posteriormente com o seu nome, para a exploração do pau-brasil.

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Um antigo engenho no Nordeste do Brasil – Fonte – http://www.aguadoce.com.br

“A cachaça foi uma das protagonistas da civilização do açúcar, que marcou um dos mais importantes períodos do desenvolvimento econômico do Brasil Colônia, principalmente no tempo das capitanias hereditárias. Pode-se dizer que, historicamente, a cachaça foi testemunha ocular das transformações econômicas vivenciadas pelo Brasil”, diz o engenheiro Jairo Martins Costa, especialista no assunto e autor do livro Cachaça – O Mais Brasileiro dos Prazeres. Segundo ele, a cultura do açúcar, e por consequência da cachaça, começou bem antes da expedição do colonizador Martim Afonso de Souza no litoral paulista, em 1532.

Além de pesquisas arqueológicas conduzidas por universidades na Bahia e Pernambuco em antigos engenhos de açúcar, um documento da alfândega de Lisboa aponta o pagamento de imposto sobre um carregamento de açúcar, vindo de Pernambuco, datado de 1526. “É a prova de que a produção começou muito antes de São Vicente.

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Escravos moviam as moendas que produziam o caldo que, fermentado, gerava a cachaça, um dos principais produtos de exportação do Brasil colonial. – Fonte – www2.uol.com.br

O que aconteceu a partir de 1532 foi a forte expansão da civilização do açúcar”, diz Costa, lembrando uma frase do folclorista Câmara Cascudo no seu livro Prelúdio da Cachaça: “onde mói o engenho, destila o alambique”.

CACHAZA

Alguns mitos se esvaem ao estudar a história da branquinha. Um deles é que a bebida teria sido descoberta por acaso por escravos durante o processo de fermentação da canade-açúcar. A evaporação do caldo teria condensado ao bater no teto do engenho e daí teria nascido o nome “pinga”.

Segundo os estudiosos, não foi bem assim. As primeiras produções foram planejadas pelos colonizadores. Uma evidência é que o nome mais aceito para cachaça vem do espanhol “cachaza”, uma bagaceira de baixa qualidade produzida pelos ibéricos a partir das borras de uva. “Os europeus já dominavam as técnicas de destilação havia muito tempo, produzindo bebidas como a bagaceira. Como não tinham uvas aqui, improvisaram uma bebida com o resíduo da cana”, explica Silva.

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Fonte – http://www.middascachaca.com.br/news/curiosidades-historia-cachaca.html

A bagaceira, junto com o vinho português, foi um dos motivos para uma rebelião de produtores de cachaça ocorrida no Rio de Janeiro no século 17. Com a Popularização da bebida, em 1635 a Coroa baixou uma lei proibindo o comércio de aguardente, para não concorrer com a bagaceira e o vinho portugueses. A lei não pegou muito e a pinga continuou sendo produzida em larga escala, inclusive para o mercado externo. Em Angola, que também era uma colônia portuguesa, chegou a ser utilizada durante muito tempo como moeda de troca pelos traficantes de escravos. 

Em 1647 foi criada a Companhia Geral de Comércio, uma empresa portuguesa que passou a ter o monopólio da venda de diversos produtos nas colônias, inclusive asbebidas alcoólicas. Por aqui, porém, a cachaça continuava fazendo enorme sucesso, mesmo sendo vendida clandestinamente. Os fazendeiros, longe de agir por debaixo dos panos, não escondiam sua atividade e eram, inclusive, respeitados na sociedade em quer viviam.

REVOLTA E PAZ

A relativa paz durou até 1659, quando o governo português fechou novamente o cerco, dessa vez com repressão e destruição de alambiques. No ano seguinte, vereadores do Rio de Janeiro propuseram liberar a bebida.

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Fonte – http://www.middascachaca.com.br

Diante da recusa, alambiqueiros lideraram uma rebelião – que ficaria conhecida como Revolta da Cachaça – e tomaram o poder da cidade durante cinco meses. A Coroa conseguiu acabar com a rebelião e retomar o poder no Rio de Janeiro, mas os revoltosos conseguiram uma importante vitória: em 1661, a rainha de Portugal, a regente Luísa de Gusmão, autorizou a produção e o comércio da aguardente no Brasil, mediante o pagamento de impostos. Nessa época, o açúcar brasileiro começava a sofrer forte concorrência com o produzido pelos holandeses nas Antilhas, de qualidade superior.

Além do açúcar, a cana levada pelos holandeses após sua expulsão do Brasil, em 1654, deu origem a uma bebida que é considerada “filha” da cachaça: o rum.

Depois da liberação pela rainha, surgiram várias regiões produtoras de aguardente, de norte a sul do Brasil. A cidade de Paraty, no litoral sul do Rio de Janeiro e um dos principais portos do Brasil Colônia, chegou a concentrar mais de cem alambiques a partir de 1700. Parte da produção seguia para Minas Gerais pela Estrada Real, durante o Ciclo do Ouro. Outra parte era escoada para o resto do Brasil e outros países da Europa e África.

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Fonte – http://velhobarreirodiamond.com.br/mobile/historia

“Se você falar da história de Paraty, vai ter de citar a cachaça. E se falar da história da cachaça, vai ter de citar Paraty”, diz Lúcio Gama Freire, 43 anos, presidente da Associação dos Produtores e Amigos da Cachaça de Paraty. A bebida da região era tão famosa que, durante muito tempo, era comum as pessoas pedirem uma “parati” quando queriam um simples copo de aguardente, tanto na Colônia como na Corte.

UFANISMO

“Com o aprimoramento da produção a partir do século 17, aumentou o número de consumidores, e a cachaça passou a ter importância econômica. O ápice do prestígio ocorreu no século 19, quando se transformou em símbolo de brasilidade”, diz o empresário Leandro Dias, CEO da Middas Cachaça, marca que atende o segmento de luxo.

“Deixar de bebê-la era considerado atitude antipatriótica, pois o Brasil vivia o período das lutas da Independência”, completa Leandro. Um brinde com a caninha passou a ser sinônimo de nacionalismo. Diz-se que dom Pedro I teria brindado a Independência do Brasil com um cálice de cachaça artesanal.

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Fonte – http://www.bestday.com.br/Editorial/Cachaca-Patrimonio-Cultural/

Um século depois, em 1922, jovens intelectuais repetiriam o gesto na Semana da Arte Moderna, em São Paulo. Os modernistas consideravam a bebida um símbolo líquido do país. O casal Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral gostava de divulgar a culinária brasileira e a cachaça em Paris. Levavam a bebida em frascos de perfume na mala para não haver problemas ao entrarem na França. Nas reuniões oferecidas a amigos parisienses, costumavam servir caipirinha e feijoada.

BEBIDA FINA

Após vencer o estigma de “bebida barata servida em balcão de botequim”, a cachaça voltou às altas rodas nas últimas décadas, em especial por causa da produção de cachaças artesanais. Além das de Paraty, ganharam fama as bebidas produzidas em estados como Pernambuco, Ceará e, principalmente, Minas Gerais. Nas montanhas de Minas, a cachaça ganhou status principalmente pelas cachaças produzidas em cidades como Januária e Salinas, no norte do Estado.

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Os rótulos das garrafas de cachaça são um caso à parte no design brasileiro e, principalmente, para a história do país, que contavam a personalidade da bebida e o cotidiano da época – Fonte – http://kiwipropaganda.com/blog/2013/01/21/rotulos-de-cachaca-e-a-historia-do-brasil/

Salinas, que até hoje abriga várias destilarias de qualidade, é terra natal de um dos grandes personagens da história da cachaça brasileira, Anísio Santiago. Produtor da cachaça mais famosa do país, a Havana, Anísio era um tipo excêntrico que raramente saía de sua fazenda. Até morrer, em 2002, costumava pagar seus empregados e outras despesas com garrafas de sua preciosidade, disputadas por apreciadores e colecionadores da bebida. Os descendentes de Anísio, morto em 2002, assim como outros produtores em todo o Brasil, continuam a produzir e escrever a história da bebida brasileira que, como registrou o historiador Gilberto Freyre, “vem dos mais velhos dias do Brasil”.

LIVROS

Cachaça – O Mais Brasileiro dos Prazeres, Jairo Martins da Silva, Editora Anhembi-Morumbi, R$ 59

Prelúdio da Cachaça, Luis da Câmara Cascudo, Global Editora, R$ 42

AUTOR – Marcus Lopes

FONTE – http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/terra-brasilis/500-anos-da-cachaca-no-brasil.phtml#.V2WbLvqZH3M

A PEDRA DO REINO E O MASSACRE SEBASTIANISTA

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Os interessantes e enigmáticos monólitos da Pedra do Reino, em São José de Belmonte, Pernambuco.

No Sertão de Pernambuco encontramos a cidade de São José do Belmonte (a 473 Km de Recife, acesso pela BR-232) que tem como principal atrativo a Pedra do Reino, formação rochosa de granito no formato de duas torres, sendo que uma possuí certa de 30 e a outra 33 metros de altura. A região onde se localiza e curiosa Pedra do Reino seria palco de um dos eventos mais controversos da história brasileira.

A história da Pedra do Reino, palco da matança ocorrida entre os dias 14 e 17 de maio de 1838, começa pelo menos 270 anos antes, em Portugal, quando D. Sebastião é declarado rei aos 14 anos, em 1568.

O espírito aventureiro, explosivo, religioso e também belicoso do rei, o faz cometer inúmeros atos questionáveis. O maior, no entanto, é aquele em que perde a vida, lutando contra os mouros na Batalha de Alcácer-Quibir, na África.

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A desastrosa operação causou não só a morte do rei, mas a desgraça do próprio país, que caiu na miséria. Enfraquecido, o reino foi ocupado pelas tropas de Filipe II, rei da Espanha. O corpo do rei não foi identificado em meio aos mortos, o que levou seus súditos a formularem histórias e mitos.

O Sebastianismo

Inconformado, o povo português transformou a morte de D. Sebastião num acontecimento simbólico: um dia ele voltaria para libertar e trazer de volta a felicidade ao seu povo.

Segundo o escritor belmontense Ernando Alves de Carvalho, o messianismo político-religioso de Portugal do século XVI ressurge deturpado e violento no interior de Pernambuco, três séculos depois.

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Em nome de Dom Sebastião, autoproclamados profetas formaram comunidades que aguardavam a sua ressurreição. Os adeptos a este movimento esperavam a ressurreição do santo sob a crença de que os males seriam convertidos em alegrias, o mal se tornaria bom, o velho se tornaria jovem, e assim por diante. A crença na ressurreição de Dom Sebastião foi o marco inicial para dois grandes movimentos messiânicos registrado em Pernambuco, sendo que esse movimento existiu na primeira metade do século XIX em dois lugares. Na Serra do Rodeador, em Bonito, e na Serra Formosa, em São José do Belmonte. Ambos terminaram em tragédia.

Os fanáticos sebastianistas da Serra Formosa fundaram uma espécie de reino, que os dava direito a uma coroa feita de cipós.

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Procurando saber o que a Pedra do Reino significa para comunidade.

Também manipulavam uma bebida à base de ópio e jurema. O primeiro rei foi João Antônio. Ele dizia que o rei havia lhe aparecido para mostrar-lhe um tesouro.

João Antônio portava um folheto de cordel e duas pedras preciosas , dizendo tê-las encontrado na Lagoa Encantada, situada na área da Pedra Bonita, o folheto funcionava como uma bíblia sebastianista e as pedras, eram usadas para atrair a atenção da população.

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Através disso João consegue casar-se com Maria, moça que lhe foi negada por seus pais anteriormente e consegue angariar dinheiro e demais riquezas, prometendo que estas seriam pagas quando o reino desencantasse após a vinda de D. Sebastião.

Nas suas pregações, era auxiliado por todos os membros de sua família e outros adeptos, que percorriam as áreas circunvizinhas da região. Instalava-se assim, o Primeiro Reinado da Pedra Bonita, reinado este que foi marcado por pregações fanáticas e idéias socialistas.

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O sofrimento desses visionários e o ódio contra o poder e a propriedade. Desencadeando a rivalidade com os proprietários locais que através do Padre Francisco Correia de Albuquerque conseguiu dissuadir o Rei João Antônio, a abandonar a região e fugir para o Ceará. Com a fuga de João Antônio seu o cunhado, João Ferreira, acabou assumindo seu lugar e tornando-se um “rei” louco, cruel e sanguinário.

Vivendo nos moldes de um reinado, João Ferreira fazia pregações e mantinha o controle de todos os hábitos e atos dos seus seguidores, impondo as regras em nome de D. Sebastião. Nas suas pregações o número de seguidores aumentava, fazendo com que a comunidade-seita chegasse a contar com 300 membros, entre homens, mulheres e crianças. A comunidade mantinha alguns hábitos e normas peculiares. Os homens podiam casar-se com várias mulheres, a higiene pessoal não era permitida, nem a lavagem de roupa e o trabalho não era necessário; também comiam pouco, bebiam em abundância, rezavam e dançavam esperando o grande acontecimento: a vinda de D. Sebastião.

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João Ferreira fez as pessoas crerem que Dom Sebastião estaria “encantado” na Pedra e só retornaria, realizando todas as promessas feitas àquele povo, quando o lugar fosse lavado com sangue.

No dia 14 de maio de 1838, após embriagar a muitos membros da comunidade, o “rei” comunica a todos que D. Sebastião estava em profundo desgosto para com eles, pois eram homens incrédulos, fracos e falsos e não tinham coragem de regar o campo encantado, nem de lavar as duas torres da catedral do reino, com o sangue necessário para quebrar o encantamento e dar a todos uma oportunidade de vida melhor.

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São muitos os relatos de mortes voluntárias (com pessoas se jogando do alto da Pedra) e involuntárias (a maioria era decapitada, incluindo crianças) ocorridas entre os dias 14 e 17 de maio.

Cinquenta e três pessoas foram sacrificadas nos três dias da matança, incluindo a mulher do “rei”, a rainha Izabel.

Tal ato despertou a ira do cunhado, Pedro Antônio, que mesmo de longe conseguiu falar com os discípulos, dizendo-lhes que Dom Sebastião precisava também do sangue do próprio rei, João Ferreira. Conta-se, que esse teria morrido com requintes de crueldade.

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O major Manoel Pereira da Silva, outro conhecido personagem da história, soube do ocorrido e foi com suas tropas conter a verdadeira chacina provocada pelos reis da Pedra Bonita (que Ariano Suassuna, em seu romance, chamou de Pedra do Reino).

Os cavaleiros da cavalgada que ocorre atualmente, no local, rememoram a ida do major ao reino mais sangrento da “monarquia” brasileira.

ADENDO DO TOK DE HISTÓRIA – Segundo o meu amigo Francisco Pereira Dantas, renomado professor e competente livreiro de Cajazeiras, Paraiba, Existe um excelente e respeitável trabalho de Antônio Áttico de Souza Leite que foi publicado em 1876, com o título “Memória Sobre Pedra Bonita ou Reino Encantado na comarca de Villa Bella e reeditado pelo seu filho Solidônio em 1898 com o título: “Fanatismo Religioso: Memórias sobre o Reino Encantado na Comarca de Villa Bella” com um juizo crítico do Conselheiro Tristão de Alencar Araripe. 

Está dado o recado.

 FONTE – http://noitesinistra.blogspot.com.br/2014/01/a-pedra-do-reino-e-o-massacre.html#.VzkGGZErI-U

A GUERRA BRASÍLICA CONTRA OS HOLANDESES

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Frontispício de Nova Lusitania, historia da guerra Brasilica, 1675 – Detalhe – Fonte – https://humanidadesdigitais.files.wordpress.com/2011/09/screen-shot-2011-09-17-at-1-35-53.png

Um interessante texto produzido pela ECEME – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro, sobre a guerra desenvolvida pelos lusos brasileiros contra a invasão holandesa ao Brasil. 

Antecedentes – A Europa e o Brasil nos séculos XVI E XVII.

As relações entre as grandes potências europeias no século XVI foram caracterizadas pela expansão comercial e marítima, sendo criados os primeiros impérios coloniais da Idade Moderna, abrindo um novo horizonte geográfico, político e econômico. Na sequência dessa expansão a Inglaterra, a França e posteriormente a Holanda entraram em disputas por produtos, rotas comerciais, portos, territórios (colônias) e mercados, gerando rivalidades que, não raro, resultaram em conflitos armados. Desse conjunto, Portugal era o reino mais frágil, embora fosse detentor de um vasto império colonial que se estendia pelas ilhas do Atlântico, costa ocidental e oriental africana, o Brasil e entrepostos na Ásia. O Brasil, colônia lusitana na América, se distinguia das colônias espanholas do continente americano como uma área de exploração agrícola (açúcar), diferentemente das hispânicas (ouro e prata). Para o estabelecimento do empreendimento açucareiro, notadamente no nordeste do Brasil, os portugueses se valeram do seu conhecimento a respeito de suas plantações de açúcar nas ilhas do Atlântico, como também da experiência dos comerciantes ligados aos investidores, notadamente holandeses no refino, comercialização e distribuição desse produto na Europa. Após a morte de D. Sebastião, rei de Portugal, na batalha de Alcácer-Quibir em 1578, o trono português ficou vago, assumindo a Coroa lusitana Felipe II estabelecendo União Ibérica de 1580 a 1640.

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A Batalha de Alcácer Quibir, D. Sebastião surge à direita, elevando a espada – Fonte – http://estoriasdahistoria12.blogspot.com.br/2015/08/04-de-agosto-de-1578-d-sebastiao-o.html

Portugal havia adotado até então uma política internacional prudente, cioso de suas deficiências e vulnerabilidades, evitando atritos nesse campo. A situação foi alterada com a União Ibérica, tendo Felipe II como monarca das coroas hispano-lusitana, herdando Portugal de imediato todos os inimigos dos Habsburgos, ou seja, França, Inglaterra e Holanda. Os Países Baixos, possessão espanhola, se destacavam como polo comercial de vulto no contesto europeu, bem como pela qualidade de suas manufaturas têxteis de grande reputação na Europa e centro de distribuição de produtos coloniais, notadamente portugueses com uma burguesia próspera e atuante. A atuação de Felipe II em relação a essas possessões, pondo fim a uma tolerância religiosa e infligindo um bloqueio às atividades dos batavos, diminuiu a autonomia destes o que foi seguido de forte repressão por parte do duque de Elba e reação por parte dos neerlandeses, escalando o conflito com a Espanha então União Ibérica. Os mercadores flamengos eram os principais compradores e distribuidores dos produtos de Portugal o que foi agravando as medidas adotadas ao comércio batavo com os portos espanhóis e também lusitanos. A fim de enfrentar com maior liberdade de ação às restrições impostas ao seu comércio pelos espanhóis, os batavos encontraram uma solução com a criação da Companhia das Índias Orientais (1602) e a Companhia das Índias Ocidentais (1621) após a Trégua dos Doze Anos inserida na Guerra dos Oitenta Anos (1568-1648), entre a Espanha e a Holanda.

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Bandeira da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais ou WIC – Fonte – http://www.forum-numismatica.com/viewtopic.php?f=48&t=81940&mobile=on

A Companhia das Índias Ocidentais (WIC) tinha o monopólio do tráfico de escravos, da navegação e do comércio por 24 anos, na América e na África negócios aos quais os holandeses estavam ligados há bastante tempo. No contexto dos séculos XVI e XVII ocorreram na Europa guerras e tratados que, influenciaram sobremaneira a relação entre os Estados na Idade Moderna e Contemporânea. A Guerra dos Oitenta Anos (1568-1648), o Tratado de Vestefália (1648) e a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) contribuíram para transformar o cenário político, econômico e social europeu, bem como do mundo ocidental, tendo reflexos para as colônias europeias na América, Ásia e África. A Guerra Brasílica, levada a cabo pelos luso-brasileiros contra os holandeses, está inserida nesse contexto do mundo ocidental dos séculos XVI e XVII.

Por que o Brasil? Por que o Nordeste?

As motivações para as invasões e ocupação do nordeste brasileiro, na primeira metade do século XVII, tem ligação no que diz respeito à recuperação dos investimentos na empresa do açúcar e na busca do rompimento do bloqueio comercial imposto pelos espanhóis ao comércio neerlandês nos portos sob controle da União Ibérica. No caso, a América portuguesa, além de ser o polo produtor de açúcar se constituía no elo mais frágil na escala de prioridades de defesa de Madrid.

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Barco holandês.

Os núcleos populacionais lusitanos se concentravam ao longo do litoral brasileiro, ao alcance do poder naval batavo, diferentemente dos hispânicos, que se posicionavam nos altiplanos, de difícil acesso e ocupação. A costa brasileira também servia de excelente base de operações contra a navegação castelhana no Caribe e contra a navegação portuguesa vinda da costa da África (escravos) e do Oriente (especiarias), podendo ainda os holandeses se valer do estrangulamento do Atlântico favorecido pelo saliente nordestino, correntes marítimas e ventos predominantes.

A Invasão da Bahia (1624-1625).

A Bahia e Pernambuco foram assim desde o começo os alvos prioritários do ataque neerlandês ao Brasil. Em 1623 o Conselho dos Dezenove da direção da WIC, escolheu a Bahia para sua pilhagem e conquista. Valendo-se na oportunidade da descuidada defesa e de informações sobre a terra e as gentes passadas, na maioria dos casos, por segmentos de Cristãos Novos colaboracionistas preocupados com a assunção de D. Marcos Teixeira ao bispado de Salvador, antigo visitador do Santo Ofício. A 9 de maio de 1624 a frota comandada pelo almirante Jacob Willekens, o seu vice-almirante Pieter Heyn e o governador da ocupação João Van Dorth se apresentaram frente a Salvador. O governador-geral, Diogo de Mendonça Furtado foi advertido do intento holandês, porém a demora da invasão desacreditou as providências.

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Ataque de Salvador, tela do pintor flamengo Andries van Eertvelt, cerca de 1624, acervo do National Maritime Museum, Greenwich, Londres, Inglaterra. Retrata a batalha naval na Baía de Todos os Santos para a tomada da Cidade. O navio do holandês Piet Hein está embaixo, à direita. Fonte – http://www.historia-brasil.com/bahia/invasao-holandesa.htm

Na oportunidade as desavenças entre D. Marcos e o governador sobre as medidas de defesa eram grandes. Na sequência houve a tomada de Salvador com a prisão e remessa do governador preso para a Holanda, tendo a maior parte da população se refugiado no interior. A responsabilidade pela reação e assédio aos locais conquistados pelos holandeses recaiu sobre D. Marcos Teixeira. As primeiras táticas de emboscadas e guerrilhas foram levadas a efeito pela resistência baiana, ocasionando inclusive a morte de Van Dorth. Na oportunidade Madri e Lisboa envidaram esforços para a recuperação da capital da colônia, tendo em vista a importância das terras brasileiras para Portugal, enviando uma poderosa frota (Jornada dos Vassalos) para a restauração comandada por D. Fradique de Toledo Osório, importante personalidade do reino, forçando a rendição dos batavos em 1625.

A Invasão e Ocupação de Pernambuco (1630-1636).

A WIC preparou em 1629 uma poderosa expedição para a conquista do norte do Brasil, não sendo mais objetivo a pilhagem e sim o estabelecimento de uma colônia de rendimento. Aos diretores da WIC não interessavam mais a Bahia, fortificada e com permanente guarnição e sim Pernambuco, a donataria mais próspera da colônia lusitana não sendo também a capital do governo geral. Aliado a isso a situação militar da Espanha em relação ao conflito com os Países Baixos e no norte da Itália estava crítica, tendo em vista a falência da monarquia de Castela, não se esperando, notadamente por mar uma reação da União Ibérica. As notícias sobre o intento batavo já haviam chegado a Madri que, enviou Matias de Albuquerque, antigo capitão donatário e governador-geral interino, por ocasião da prisão de Mendonça Furtado em 1625.

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Olinda e ações navais holandesas

Matias de Albuquerque trabalhou no aprestamento da defesa, fazendo rodear o Recife de uma dupla linha de paliçadas, obstruindo o porto com embarcações afundadas e posicionando peças de artilharia ao longo da praia de Olinda, impedindo a entrada no porto do almirante Lonch, comandante da frota neerlandesa. A força holandesa bombardeou de fora os fortes do Recife, enquanto Waerdenburch desembarca ao norte de Olinda em Pau Amarelo, guiado na operação por um judeu que morara muito tempo em Pernambuco, vibrando um golpe na resistência portuguesa. Ao deslocarem-se para o sul as forças neerlandesas sofreram escaramuças ao longo da sua progressão e uma resistência maior no corte do rio Doce, que sendo superada atingiu as elevações de Olinda pelo norte, suplantando suas defesas, conquistando-a em seguida. Na sequência desses acontecimentos, Matias de Albuquerque, vendo-se incapaz de defender o Recife, incendeia a povoação, depósitos de açúcar e embarcações fundeadas no porto se internando para oeste.

O Impasse Militar (1630-1632)

Poder naval e defesa local deveriam ser a estratégia utilizada pela União das Coroas Ibéricas, para fazer frente às ações dos holandeses, porém tendo em vista ao declínio do poder naval espanhol e aos recursos da economia e a opulência das sociedades coloniais o ônus da resistência recaiu sobre a colônia. A guerra de guerrilhas era a opção mais razoável, tanto mais que a preocupação dos donatários de Pernambuco em temer, que uma vitória sobre os holandeses por intermédio da ação do poder naval, tivesse como consequência ao fim do sistema de capitanias hereditárias. A conquista do nordeste pelos holandeses durou sete anos de guerra contínua, podendo-se distinguir duas fases de 1630 a 1632 e de 1632 a 1637. Na primeira fase, os holandeses seguiram uma estratégia que visava tomar as praças fortes do litoral, não rompendo o impasse. No que toca aos luso-brasileiros, a escassez de recursos e as dificuldades enfrentadas pela monarquia espanhola reduziram o esforço militar a uma posição defensiva.

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Mapa de Recife na época dos holandeses

A Espanha não tinha, na oportunidade, condições de reeditar em Pernambuco, do ponto de vista do poder naval, a “Jornada dos Vassalos”, que possibilitou a retomada da Bahia em 1625. A única estratégia possível foi realização da “Guerra Lenta”, que com a perda do Recife e de Olinda, Matias de Albuquerque isolou os neerlandeses no litoral, impedindo-os de penetrarem na Várzea do Capibaribe, combinando forças convencionais concentradas no Arraial do Bom Jesus e contingentes “volantes”, que ocupavam a linha de estâncias sob a forma de meia-lua estendendo-se de Olinda ao Recife e nos espaços intermediários vagavam as companhias de guerrilha, que com emboscadas e assaltos repeliam as surtidas dos holandeses.

A Ruptura do Impasse (1632-1634) e Ofensiva Final (1635-1636)

O impasse dos dois primeiros anos foi rompido pelos holandeses a partir de 1632. Para tanto, eles dispunham da grande vantagem tática de sua superioridade naval, cuja variedade e mobilidade permitiam-lhes atacar os pontos mais distantes do litoral, dificultando a defesa em acorrer em tempo para fazer frente às ações batavas. As forças holandesas atuavam ao longo dos rios da zona da mata, saqueando e incendiando os engenhos de açúcar e amedrontando a população local, a fim de retirar à sustentação da resistência e com malogrados ataques ao Arraial do Bom Jesus. Por este tempo os holandeses receberam o substancial apoio de Domingos Fernandes Calabar, facilitando as ações de contraguerrilha pelo conhecimento do terreno e da situação. Os efeitos dessa contraguerrilha neerlandesa foram alcançados de certo modo, dificultando o apoio à sobrevivência do Arraial, rompendo o impasse.

Uma vez que a estratégia de contraguerrilha produziu os resultados almejados, havia chegado o momento de a WIC realizar com êxito o atingimento dos objetivos contra as praças fortes luso-brasileiras.

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Forte Ceulen no Rio Grande (Forte dos Reis Magos), por Frans Post (1638). – Fonte – http://noisnafolia.no.comunidades.net/pontos-turisticos

Com a conquista da fortaleza dos Três Reis Magos, no Rio Grande do Norte, onde os holandeses estabeleceram relações com os tapuias, a fim de criar uma aliança que pudesse ameaçar a resistência luso-brasileira vindo do interior. Conquistas na Paraíba e a ocupação do interior da capitania de Itamaracá assinalaram o declínio da resistência, reduzida agora às duas fortificações principais, o Arraial do Bom Jesus e o Cabo de Santo Agostinho. Debates entre os chefes militares a respeito de como conduzir a guerra contra os holandeses tergiversaram sobre a guerra convencional e a guerrilha pura e simples. O Arraial e o Cabo foram sitiados simultaneamente, capitulando em 1635, retirando-se os luso-brasileiros em marcha para o sul, rumo ao rio São Francisco nas Alagoas, onde Matias de Albuquerque planejava fortificar-se à espera de reforços militares enviadas da metrópole, sob o comando do general D. Luís Rojas y Borja. Na passagem por Porto Calvo, onde se encontrava Calabar, Matias de Albuquerque toma de assalto o lugar, fazendo Calabar prisioneiro e executando-o. Ao reconquistar Porto Calvo, Matias de Albuquerque, desimpediu o caminho terrestre para a Bahia para onde retraiu com grande número de luso-brasileiros, ficando o nordeste nas mãos dos holandeses na sua expansão máxima, passando o comando da resistência a Rojas y Borja se dirigindo à metrópole para ser julgado pela perda de Pernambuco.

Entradas e Excursões

O conde Bagnolo, oficial que chefiava o contingente napolitano do exército da resistência, substituiu Rojas y Borja, após sua morte, na derrota luso-brasileira de Mata Redonda (1636). Bagnolo transformou Porto Calvo no trampolim para ataques de campanhistas ao interior de Pernambuco, de Itamaracá e a Paraíba cujos canaviais e engenhos eram implacavelmente incendiados de maneira a impedir que a WIC tirasse proveito econômico do triunfo militar. Esta fase da guerra tornou o exército de resistência impopular junto à comunidade luso-brasileira que havia optado por permanecer no Brasil holandês.

Johan Maurits (1604-1679), Count of Nassau-Siegen, founder of th
Nassau (1604-1679) – Fonte – pt.wikipedia.org.

O Governo de Nassau no Brasil holandês (1637-1644)

João Maurício de Nassau-Siegen governou o Brasil holandês por sete anos (1637- 1644), se constituindo esse tempo em um período de relativa paz entre os dois períodos de guerra (1630-1636) e (1645-1654). A sua nomeação correspondeu mais aos interesses do Príncipe de Orange do que da WIC. A comitiva de Nassau se compunha dentre outros administradores; de pintores, paisagistas, urbanistas e cientistas, retratando o nordeste brasileiro da época. A relativa paz deste período se contrapunha as entradas e excursões encetadas pelos luso-brasileiros a partir de Porto Calvo, diminuindo-se o ímpeto dessas correrias após a perda de Porto Calvo para Nassau, em 1637. Por ação de Nassau, os luso-brasileiros foram rechaçados para além do rio São Francisco, estabelecendo neste o limite sul do Brasil holandês. De retorno ao Recife, Nassau realizou as duas grandes tarefas que lhe haviam sido confiadas: a organização administrativa do Brasil holandês e a reativação da economia açucareira depois de sete anos de guerra. Tratou Nassau de fixar as fronteiras norte com a conquista de Fortaleza (1637). Objetivou Nassau ainda, assegurar oferta de mão de obra escrava, degradada pelos anos de conflito por conta das fugas de escravos para os quilombos; sua partida para a Bahia na retirada de Matias de Albuquerque; sua incorporação tanto às tropas luso-brasileiras quanto às holandesas e os apresamentos como botins de guerra. Buscou também Nassau obter nas possessões africanas os escravos necessários ao bom andamento da empresa açucareira, ocupando praças portuguesas.

O Sítio da Bahia (1638)

Nassau reavaliou a situação em que apoiava os limites do Brasil holandês na margem esquerda do São Francisco, entendendo que a existência da sede do governo-geral do Brasil em Salvador, comprometia os interesses da WIC, pois eram fomentadas a partir daí as incursões de campanhistas luso-brasileiros, representando uma ameaça permanente, determinando, pois a conquista da Bahia em 1638.

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Durante cerca de um mês, Nassau sitiou Salvador, ao mesmo tempo em que punha a ferro e fogo o Recôncavo Baiano não conseguindo ocupar a sede do governo-geral. O poder naval da União Ibérica foi acionado para socorrer o Brasil com a constituição da Armada de Oquendo e do conde da Torre não obtendo sucesso. Em janeiro de 1640, a armada do conde da Torre apresentou-se novamente diante do Brasil holandês, desta vez em busca de uma cabeça de ponte onde desembarcariam seus efetivos, que operariam em sincronia com tropas enviadas de Salvador. Perseguida por uma esquadra holandesa e sem ajuda de ventos e correntes marítima favoráveis, ela derivou ao longo do litoral de Itamaracá, Paraíba e Rio Grande do Norte, sustentando uma série de combates indecisos. A esquadra foi dar nas costas da baía de Touros com 1.200 soldados luso-brasileiros que, capitaneados por Luís Barbalho Bezerra, regressaram à Bahia pelo interior do nordeste com as demais unidades campanhistas, evitando os contingentes batavos que lhes saíam ao encalço e lhes causando baixas.

A Restauração Portuguesa (1640), o Fim do Governo de Nassau e a Conjura Lusa-Brasileira (1644)

Em dezembro de 1640 Portugal se livre do domínio da Espanha pondo fim a União Ibérica, assumindo o trono lusitano o duque de Bragança como D. João IV. Esse acontecimento trouxe uma relevância especial para o destino do Brasil holandês, comprometendo o equilíbrio estratégico no Brasil. Nassau comemorou o evento a fim de transformar Portugal em aliado dos Países Baixos na guerra contra a Espanha.

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Engenho de açúcar.

Em março de 1642, Nassau já se dera conta de que, em vez de consolidar o Brasil holandês a Restauração Portuguesa constituía uma ameaça a seu futuro que aliado ao fato do problema das dívidas de senhores de engenho que começaram a ser cobradas pelos credores da WIC, culminando com a sua saída da administração do governo do Brasil holandês em 1644. Com a partida de Nassau em maio de 1644, a conspiração luso-brasileira tomou vulto.

A junta que substituiu Nassau foi a primeira a reconhecer o estado de coisas que poderiam levar a uma conjuração com a possibilidade de um golpe de mão pelo qual as autoridades holandesas poderiam sofrer algum tipo de ação contra sua integridade.

A Insurreição Pernambucana (1645-1654).

João Fernandes Vieira pôs-se à frente da insurreição, pesava sobre ele o fato de que era um dos maiores devedores da WIC ante a possibilidade de devassa por parte da administração do Brasil holandês. A 13 de junho de 1645, Fernandes Vieira e seus soldados internaram-se pela ribeira do médio Capibaribe para evitar, em inferioridade de condições, o confronto com o inimigo. Com o intuito de mitigar o movimento, o governo da WIC providenciou dentre outras medidas a anistia a todos os devedores que participavam de insurreição, exceto os líderes. Os insurretos de Vieira perseguidos pela principal força da WIC derrotaram os holandeses em 3 de agosto no Monte das Tabocas.

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O Monte das Tabocas nos dias atuais – Fonte – http://www.prefeituradavitoria.pe.gov.br

Na sequência desembarcaram em Sirinhaém os regimentos de André Vidal de Negreiros e Martim Soares Moreno, transportados por uma esquadra vinda de Salvador, ocupando a vila e marchando contra o Cabo de Santo Agostinho, cuja fortaleza capitulou a 13 de agosto mediante suborno aos neerlandeses. Essa capitulação dava aos insurretos uma base de operações navais com que poderiam se comunicar com a Bahia e Portugal, dando um duro golpe no moral dos holandeses. À junção da força de Vieira com as tropas de Henrique Dias e de Camarão segue-se a reunião com os terços de Negreiro e Martim Soares Moreno que na sequência das Tabocas rumaram contra a força holandesa surpreendendo-a no Engenho de Casa Forte. À vitória em Casa Forte, seguiram-se a rendição dos redutos de Porto Calvo e de Penedo e o êxito do levante da Paraíba, isolando inimigo em Cabedelo. Desta forma, a partir de 1645, os luso-brasileiros passaram a controlar praticamente o interior do nordeste, reduzindo a presença neerlandesa no Recife e nas guarnições litorâneas de Itamaracá, da Paraíba, de Fernando de Noronha e do Rio Grande do Norte.

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Detalhe de quadro de Frans Post, mostrando detalhes de um engenho – Fonte – http://www.scielo.br

Os massacres de Uruaçu e de Cunhaú deixaram um rastro de sangue no imaginário luso-brasileiro, do qual se aproveitaram os insurretos. Estabeleceu-se incontinente o cerco ao Recife nos moldes das linhas de estâncias em 1630 a 1632. Sem acesso à produção local de víveres, os holandeses encontravam-se inteiramente dependentes do aprovisionamento vindo de fora do continente. A chegada da ajuda militar ao Brasil holandês forçou o comando do movimento a retirar a população luso-brasileira desde o Rio Grande do Norte até Igaraçu, reduzindo o perímetro de defesa e concentrar efetivos no assédio ao Recife. O socorro chegado ao Recife em 1646 reforçou a posição dos que em Lisboa advogavam a escalada da intervenção portuguesa. O Conselho Ultramarino manifestou-se em prol do envio de auxílio militar por intermédio da Bahia, chamando a atenção d’El-Rei para as divergências entre os insurretos e com o risco de ser solicitada a interferência de um terceiro país ou até negociarem por conta própria um acordo com o Brasil holandês. Em 1646 e início de 1647, D. João IV decidiu sustentar o movimento de modo à utilizar como meio de pressão diplomática contra os Estados Gerais. Nomeou-se um mestre de campo general incumbido de submeter à condução da guerra ao controle da Coroa, Francisco Barreto de Menezes. No segundo semestre de 1646, graças ao reforço enviado das Províncias Unidas para salvar o Recife da rendição pela fome, o governo do Brasil holandês tratou de passar a ofensiva. Ocupou-se Itaparica à entrada do Recôncavo Baiano, obrigando o governo-geral realocar suas forças de Pernambuco para reforçar Salvador. Com a chegada de uma armada holandesa em fins de março e início de 1648, o governo do Recife voltou a debater alternativas estratégicas, sendo a vencedora aquela que deveria romper o assédio do Recife por meio de uma demonstração de força que obrigaria os luso-brasileiros a aceitar uma batalha em campo aberto onde a superioridade neerlandesa terminaria por se impor.

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Batalha dos Guararapes

Rumo aos Guararapes e a Campina do Taborda

Os luso-brasileiros por intermédio de ardis próprios da Guerra Brasílica aceitaram o desafio de uma batalha aos moldes da Guerra Holandesa, porém em local devidamente escolhido pelo Conselho de Guerra com o assessoramento de Antônio Dias Cardoso, atraindo os holandeses para um local de difícil desdobramento do seu dispositivo. As 1ª e 2ª Batalhas de Guararapes definiram o destino do Brasil holandês, confinando os batavos definitivamente no Recife e sua posterior capitulação na Campina do Taborda em 26 de janeiro de 1654 e confirmado pelo Tratado de Haia (1661) pelo qual a República Holandesa reconheceu a soberania portuguesa sobre o nordeste brasileiro. Nessa oportunidade a Primeira Guerra Anglo Holandesa (1652-1654) contribuiu para a mudança de prioridades na manutenção do Brasil holandês por parte dos neerlandeses, facilitando a vitória dos luso-brasileiros.

Conclusões

Domínio por parte dos holandeses de todas as etapas da produção açucareira já que dominavam sua distribuição e comercialização valendo-se da posterior produção Antilhana, contribuindo para o declínio da economia canavieira no nordeste brasileiro.

Controle do mercado fornecedor de mão de obra escrava africana pelos holandeses. Portugal cedeu aos Países Baixos o Ceilão e as ilhas Molucas, a título de compensação, além de pagar quantia indenizatória.

Manutenção da integridade do território brasileiro com o domínio do nordeste brasileiro, importante região estratégica debruçada sobre o estrangulamento do Atlântico.

Importância da Guerra Brasílica versus a Guerra Holandesa ou Europeia desenvolvendo a consciência da defesa do solo pátrio.

Desenvolvimento do ideário típico de Pernambuco observado na sua recalcitrante inserção na ordem imperial, depois do malogro das revoluções de 1817,1824 e 1848. Retomada das praças portuguesas na África, especialmente Angola, a fim de se restabelecer o fluxo de mão de obra escrava.

FONTE http://cp.eceme.ensino.eb.br/docs/HISTORIA_MILITAR_15.pdf

PARA SABER MAIS SOBRE ESSE TEMA NO BLOG TOK DE HISTÓRIA

HOLANDESES NO NORDESTE DO BRASIL

https://tokdehistoria.com.br/2015/02/02/holandeses-no-nordeste-do-brasil-sangue-e-destruicao/

ÍNDIOS PROTESTANTES NO BRASIL HOLANDÊS

https://tokdehistoria.com.br/2014/09/26/indios-protestantes-no-brasil-holandes/

A ARTE DE FRANS POST

https://tokdehistoria.com.br/2014/03/23/a-arte-de-frans-post/

1640-A MAIOR BATALHA NAVAL OCORRIDA NOS MARES BRASILEIROS

https://tokdehistoria.com.br/2013/11/02/1640-a-maior-batalha-naval-ocorrida-nos-mares-brasileiros/

JUDEUS SEM SABER

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Fonte – http://culturahebraica.blogspot.com.br/2013_06_23_archive.html

Perseguidos na Europa pela Inquisição, centenas de judeus se exilaram na América no fim da Idade Média. Cinco séculos depois, descendentes tentam descobrir suas raízes

Eduardo Manet não esquece aquela noite de junho de 1943. O tempo estava bom em Havana. Ele e a mãe tinham ido ao cinema. Na volta para casa, o futuro escritor cubano ouviu a mãe explicar que ela havia nascido em uma família “Marrana”. O menino não entendeu imediatamente o que aquilo queria dizer. “Creio que não ouvi direito… o ruído do mar, meus ouvidos zumbiam…”

A frase não fazia sentido para Manet. “Marrano” significa “porco” em espanhol. Confuso, ele perguntou: “Como assim? Você nasceu com os porcos?”. O adolescente, prestes a completar 13 anos, compreendeu na hora que acabara de ferir profundamente a mãe. Com uma expressão séria no rosto, ela explicou ao filho o sentido religioso do termo: “Chamamos de Marranos os judeus sefarditas que foram obrigados a se converter à religião católica no fim do século XV. Eles não tinham escolha: era o exílio ou a conversão. Os que não quiseram abandonar a terra de seus ancestrais nem se converter ao catolicismo acabaram na fogueira”.

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Obra mostra cena de explusão de judeus da Espanha em 1492. Muitos deixaram o país, mas outros optaram por ficar e se onverter ao catolicismo. (Xilogravura, Michaly von Zichy, 1880, posteriormente colorizada)

Sessenta anos depois, o escritor manteve gravado na memória esse dia em que descobriu o segredo de sua família. Ele era judeu sem o saber. Ou melhor, era um criptojudeu. Inspirado por essa revelação, decidiu pesquisar mais a fundo a história de seus antepassados. Em 2007, reuniu o resultado de seus estudos para escrever o livro Marrane! (Marrano!), publicado pela editora francesa Hugo et Compagnie. A obra não é apenas uma emocionante viagem à Cuba da juventude do autor, mas também um interessante relato sobre a trajetória de uma família marrana que se refugiou no Novo Mundo para fugir da Inquisição. Em busca das origens, o autor se debruçou sobre sua árvore genealógica e retrocedeu no tempo até chegar a doña Asunción, judia sefardita que foi obrigada a dissimular sua religião na Espanha do século XV.

Naquela época, os judeus eram alvo de uma feroz perseguição religiosa na Península Ibérica. O antissemitismo não era novo. As primeiras manifestações desse tipo de preconceito remontam à Antiguidade, mas só no fim do século XIV a intolerância assumiu a forma de grandes massacres de judeus, os chamados pogroms. A situação dos filhos de Israel só piorou quando, cem anos depois, a rainha Isabel de Castela, conhecida como “a Católica”, assinou vários decretos reais condenando severamente todos os hebreus que não abraçassem a fé cristã.

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Há quem garanta que Colombo foi judeu, assim como grande parte da tripulação de suas três caravelas. (Chegada de Colombo na América em 1492, óleo sobre tela John Vanderlyn, séc. XIX)

Milhares de judeus passaram então a esconder sua religião. A Inquisição se mostrou especialmente implacável com eles. Em 1481, muitos Talmudes (livros que registram as leis e costumes dos hebreus) foram queimados em autos de fé organizados em toda a Espanha. Em 1492, os reis católicos tomaram Granada, expulsando definitivamente os muçulmanos da Península Ibérica. Senhores absolutos da Espanha e contando com o apoio do papa Sisto IV, que reconheceu oficialmente a Inquisição espanhola em uma bula de 1478, os soberanos de Castela e Aragão assinaram o Decreto de Alhambra em 31 de março de 1492, que expulsou os judeus do reino espanhol. De acordo com esse texto, todos os súditos hebreus deveriam se converter ao catolicismo ou partir. Apesar da enérgica ação de Isaac Abravanel, funcionário da corte de Isabel de Castela que tentou obter a anulação do decreto, as perseguições se intensificaram.

Centenas de milhares de israelitas (entre 200 mil e 400 mil pessoas, dependendo da fonte) escolheram deixar o país. Alguns foram para Portugal, de onde foram expulsos em 1497. Outros atravessaram o estreito de Gibraltar para viver livremente sua fé do outro lado do Mediterrâneo, no Marrocos. Muitos fugiram para o Oriente – para a Itália, para o leste da Europa, para o Egito ou para a Palestina. Houve os que encontraram refúgio no Império Otomano, onde o sultão Bayazid II lhes ofereceu sua hospitalidade. Os que ficaram (cerca de 150 mil) se converteram, mas um grande número continuou a viver secretamente de acordo com a tradição judaica.

Não era fácil professar a fé na clandestinidade, principalmente na ausência de rabinos e de ensino religioso. Praticados de forma secreta, os ritos e as festas perdiam às vezes o sentido, mas os gestos sobreviveram e foram transmitidos de pai para filho. A comunidade dos marranos na Europa, também chamados de “conversos”, contava com algumas celebridades, como o filósofo Baruch Spinoza (que acabou rompendo com o judaísmo), ou Antoine de Luppes, avô materno do filósofo Michel de Montaigne.

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Página original do decreto, assinado pelos soberanos de Castela e Aragão, que determinou a expulsão dos judeus no século XV

Há quem diga que o próprio Cristóvão Colombo era um criptojudeu, mas não há provas que corroborem tal afirmação. A única certeza é que grande parte dos financiadores de sua expedição de 1492 era judia. Entre eles estavam Abraão e Isaac Abravanel, Juan Cabrero, Luis de Santángel, Gabriel Sánchez e Alfonso de la Caballeria. Segundo Lee Friedman, autor de um estudo sobre os pioneiros judeus do Novo Mundo intitulado Jewish pioneers and patriots (Pioneiros e patriotas judeus), vários membros da tripulação das três caravelas da expedição de Colombo seriam judeus. Alguns teriam, inclusive, criado raízes na América desde a primeira missão, em agosto-setembro de 1492. Cada nova onda de conquistadores trouxe novos criptojudeus.

Desde a década de 60, diversas comunidades marranas vêm sendo identificadas no continente americano. Não só em Cuba, mas também em Porto Rico, no Brasil (a partir dos anos 80), no México e nos Estados Unidos. Um dos casos mais interessantes é o de um grupo de moradores da região do Novo México, nos EUA, que, apesar de oficialmente cristãos, seguem há várias décadas as tradições judaicas sem sequer ter consciência disso.

A revelação sobre as raízes israelitas dessa comunidade do sudoeste dos Estados Unidos foi feita pelo historiador Stanley Hordes em 2005 e gerou polêmica entre a população local. Segundo Hordes, o Novo México abrigaria uma das mais antigas comunidades criptojudaicas da América. O historiador de Santa Fé revelou que centenas de viejitos – como são conhecidos lá os velhos habitantes hispanófonos – ignoram que mantêm vivos diversos elementos da tradição israelita há centenas de anos, mesmo se considerando oficialmente católicos.

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Eduardo Manet, escritor cubano, que se descobriu marrano: pesquisa resultou num livro que vai da inquisição à Cuba do século XX

Eles evitam, por exemplo, comer carne de porco e acendem duas velas nas sextas-feiras à noite. A oração que recitam em enterros seria muito próxima de uma prece judaica chamada kaddish, mas não existe sinagoga alguma em um raio de mil quilômetros e eles não conhecem a Torá.

Hordes divulgou sua pesquisa no livro To the end of the Earth – A history of the crypto-jews of New Mexico (Até o fim do mundo – Uma história dos criptojudeus do Novo México), publicado em 2005. Nessa obra, o historiador defende a ideia de que os ancestrais dessa “tribo perdida” seriam marranos vindos no rastro de Hernán Cortez, explorador espanhol que conquistou o México em 1519. Segundo Hordes, esses descendentes de judeus teriam se instalado na fronteira norte do império colonial espanhol, no território correspondente ao atual Novo México, onde era mais fácil escapar da autoridade da Igreja e do Estado e praticar sua fé livremente.

Para sustentar sua tese, Hordes cita várias biografias de conquistadores investigados por tribunais espanhóis por causa de suas crenças religiosas. O principal caso seria o de um certo Luis de Carvajal, sobrinho do governador da província de Nuevo León, no México. Ele, sua mãe e sua irmã foram condenados à morte em 1596 por serem judeus. Seu tio e outros 170 marranos teriam então deixado a cidade de Cerralvo, no atual México, marchando em direção ao norte, sem dar nunca mais nenhum sinal de vida. Stanley Hordes acredita que os criptojudeus do Novo México sejam descendentes desses homens e mulheres.

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A Expulsão dos Judeus, de Roque Gameiro.

O isolamento dessa comunidade se revelou uma faca de dois gumes. Desenraizados e tendo adotado o calendário romano, eles teriam perdido o sentido das tradições que, no entanto, continuaram observando. Nos últimos anos, alguns desses marranos têm realizado o movimento que os judeus chamam de techuva, o “retorno às origens”.

Stanley Hordes conta o caso de uma moradora da cidade católica de Ruidoso, no Novo México, que empreendeu esse resgate de suas origens ancestrais. Sonya Loya diz sempre ter se sentido judia, mas só recomeçou a observar o Shabbat depois de descobrir a história de suas origens ao ler o livro de Hordes. Na verdade, essa revelação não a surpreendeu. Um de seus tios, ao retornar da Segunda Guerra Mundial, disse ter visto o nome da família em uma lista de prisioneiros dos campos de concentração. Criptojudia, ela decidiu se converter ao judaísmo para se tornar “plenamente” judia.

O caso de Bill Sanchez é ainda mais impressionante, pois esse marrano chegou a ser ordenado padre católico. As revelações de Hordes o abalaram de tal modo que ele decidiu mandar analisar seu DNA. O exame revelou que ele possuía uma série de marcadores genéticos em seu cromossomo Y presentes em 30% dos homens judeus (os cientistas reiteram, no entanto, que não existe um cromossomo “judeu”). Bill Sanchez não renegou a fé católica, mas hoje ele usa uma correntinha no pescoço com a estrela de Davi ao lado de um crucifixo.

AUTOR – Baudouin Eschapasse – Jornalista e colaborador da revista Historia

FONTE – http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/judeus_sem_saber.html


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UMA VISITA AO RIO GRANDE DO NORTE

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Jornal “A República”, Natal-RN, 3 de dezembro de 1919

Manuel de Oliveira Lima foi um ilustre escritor, crítico, embaixador do Brasil em diversos países, professor-visitante na Universidade de Harvard e membro fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL). Em novembro de 1919 ele esteve em terras potiguares e o blog TOK DE HISTÓRIA traz na íntegra o interessante relato do próprio Oliveira Lima sobre essa visita.

NOTA – Este material foi originalmente publicado no site http://www.consciencia.org/

É um ótimo sinal quando se chega a uma terra que não é uma terra de arte como a Itália ou a Grécia, ou uma terra de incomparáveis belezas naturais como o Japão ou a Suíça, e as coisas que há a mostrar ao estrangeiro são escolas e hospitais.

Quer isto dizer que essa terra acalenta as preocupações sociais sem as quais qualquer comunidade se torna improgressiva e infecunda do ponto de vista humano. Como o Rio Grande do Norte parece precisamente que nutre e dá, pelo que verifiquei, expansão a semelhantes preocupações, sendo isso tanto mais de admirar quanto é um dos Estados mais pobres da Federação.

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Manuel de Oliveira Lima – Fonte – http://www.fernandomachado.blog.br

É clássica a pilhéria de que os vencimentos dos seus empregados públicos se pagavam em parte com jerimuns, cuja abundância era notável ao lado da escassez do numerário. As circunstâncias decerto mudaram: os jerimuns devem ter diminuído ao ponto que os não vi e achei pouco delicado perguntar por eles, e o numerário, se não cresceu muito, tem sido aproveitado com tamanha felicidade que tem chegado para dotar-se o Estado de boas escolas, entre elas notáveis grupos escolares, e atender-se a serviços de assistência aos doentes, aos loucos e aos desvalidos.

Ao aproximarmo-nos de Natal, ao largo da linha negrft dos arrecifes, antes de dobrarmos a fortaleza dos Reis Magos, inofensiva hoje mas sempre pitoresca, que a patina secular embeleza e o senso da tradição faz conservar, e de subirmos o amplo Potengi, avista-se no cimo de um morro, a cavaleiro da praia onde se quebram as ondas e com um horizonte de colinas cobertas de uma vegetação escura, um grupo de construções. São o hospital, a cadeia e o asilo, o primeiro e o último já remodelados de maneira a preencherem adequadamente os seus fins.

O desvelo manifestado por semelhantes assuntos de pedagogia e de assistência honra o espírito público dos dirigentes. Mas também os dirigidos se distinguem pela sua cordura e urbanidade.

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Coleção TOK DE HISTÓRIA

Tem-se a impressão de lidar com gente boa, de sentimentos mais pacíficos, e de fato o sertão do Rio Grande do Norte destoa dos sertões vizinhos em não apresentar essa feição peculiar do banditismo. A população acusa, portanto, uma superior disposição moral. Por quê? Não saberia dizê-lo, nem me deram disso a razão. O Rio Grande do Norte tem ainda falta de sociólogos. A superior mentalidade feminina que observei deverá ser, antes do que causa, resultado daquela condição do meio.

É curioso verificar esse maior desenvolvimento intelectual da mulher, que se sente como se sente que já vem de longe o favor que merece o ensino. A primeira formação espiritual da notável escritora que foi Nísia Floresta fez-se no agreste de Papari, desabrochando das brenhas essa flor de civilização. Outras senhoras continuam e zelam semelhante tradição, que dota a inteligência do seu sexo de uma maior independência e de uma maior amplidão. A Escola Doméstica de Natal, da qual não é exagero quanto se disser de bom que não tem sua parelha no Brasil, nem mesmo noutros países, havia forçosamente de adaptar-se ao meio, nele se sentido à vontade.

Ouvi que exerceram grande influência em Natal na sua atividade de educadoras duas americanas, Miss Reed e Miss Porter, se não me engano. Miss Leora James, a diretora incomparável da Escola Doméstica, que pela organização e pela disposição parece um pedaço dos Estados Unidos encravado no Rio Grande do Norte, não faz mais do que seguir-lhes as pegadas na esfera que lhe proporcionou a lúcida iniciativa do Governo.

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Alunas da Escola Doméstica de Natal em uma aula na horta do educandário – Fonte – http://www.skyscrapercity.com

A educação americana é útil pelo seu espírito prático adequado às vicissitudes da vida, pelo bom humor que preside ao seu desenvolvimento, por uma tonalidade que não é apenas jovial mas altamente eficiente. Considero-a vantajosa para a nossa mentalidade mais formalista e mais pautada pelas convenções. Nos discursos pronunciados na festa literária pelas alunas graduadas da Escola Doméstica pode perfeitamente notar-se esse influxo americano. Nem sentimentais, nem bombásticos, esses discursos, por elas elaborados, foram todos repassados de um humour que se casa perfeitamente com a saudade descrevendo um, com a franqueza da despedida, episódios da vida escolar, esboçando outro com uma ponta de malícia mas sem maldade os perfis dos mestres com os seus cacoetes, dando outro a conhecer um testamento muito espirituoso, formulando ainda outro com graciosa ironia o programa que por magia cada uma dessas moças se traçara para a existência. Esta última produção é da aluna Isabel Dantas, que teve o prêmio de viagem.

A Escola Doméstica não tem desviado sua atenção do fim essencial da sua ação, que é ajudar o progresso social da comunidade, dando às moças, que serão amanhã mães de família, além dos conhecimentos gerais indispensáveis à vida da inteligência, o preparo necessário para desempenharem conscientemente, isto é, cientificamente, as diferentes categorias de atividade em que até aqui procediam empiricamente, quer dizer, instintivamente. Assim é que para a aula de puericultura existe anexa uma creche com seis crianças, de dois dias a cinco anos, cuja evolução fisiológica e psicológica pode, portanto, ser diretamente observada.

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Oliveira Lima assistiu uma tradicional vaquejada, com vaqueiros trajando sua característica vestimenta de couro, como apresentada nesta foto do início do século XX. Fonte – Coleção TOK DE HISTÓRIA

A essa chamada e verdadeira medicina do lar agregam-se cursos que debalde se procurariam noutras instituições: o de educação social, a cargo de Henrique Castriciano; o de educação estética, comportando a decoração da casa, uma arte simples e encantadora mas ainda rara no nosso meio; de direito usual, para que as mulheres não ignorem nem os seus direitos civis, nem o que seja uma hipoteca ou outra qualquer transação sobre propriedade, assim evitando que pela vida adiante venham a ser logradas nos seus bens.

Não há por enquanto na Escola um campo de tennis. Entretanto, o sport não é alheio ao belo sexo do Rio Grande do Norte: pela mais gentil das deferências, baixei a terra numa embarcação tripulada por adestradas remadoras do Clube Náutico feminino. Outros desportos florescem: não posso dizer se também o football entre os homens. É mais que provável, se bem que sem o furor que noutro Estado do norte divide a sociedade local em campos irreconciliáveis, sendo por exemplo vedado ao membro ou partidário de um dos dois clubes fazer negócio com o do outro clube, extremando-se o comércio nesses antagonismos e chegando não raro os desaguisados de opinião à pancadaria.

Ao sertão não alcançaram, porém, ainda esses exercícios físicos americanos e o seu desporto principal continua a ser a vaquejada nacional. Assisti a uma na Fazenda Santa Rita, em que tomaram parte oitenta e tantos artistas, na maior parte profissionais vestidos de couro — a vestia, o dianteiro, as perneiras, o chapéu de abas e as meias-luvas — alguns, porém, amadores, como um negociante da Serra Caiada que me confessou que dava a alma por essa corrida em disparada atrás do animal que o cavaleiro trata de segurar pela cauda e desse modo derrubá-lo, para o que se requer força e agilidade. Já noutras ocasiões tinha partido um braço, uma perna e uma clavícula; concertara tudo e lá estava numa das filas de cavaleiros, esperando a saída do bicho do curro.

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Antiga sede da Escola Doméstica de Natal – Fonte – tribunadonorte.com.br

Se já não tivesse quatro filhos, não perdia uma, rematou. E eu dava-lhe razão, porque a vaquejada deve ali operar como a tourada no espírito dos que se criaram assistindo a elas e interessando-se por quanto lhes diz respeito.

A Escola Doméstica de Natal representa uma soma incalculável de esforço e de tenacidade. Não faltavam preconceitos a disputar-lhe o passo. Foi ela combatida como pouco pudica por ter uma seção de puericultura, a qual entretanto é de natureza a prestar relevantes serviços, ajudando a cruzada do saneamento da população nacional, empreendida por alguns espíritos previsores e generosos. Nós sabemos quanto é avultada no país a mortalidade infantil e que a razão disto está mais que tudo na falta, não de carinho, mas de cuidados inteligentes dados à alimentação e à higiene das crianças.

Ciência ou arte, a puericultura deve adquirir-se como qualquer outra, e é como se procede hoje nos Estados Unidos, que tão grande atenção estão prestando a esse gênero de questões.

A Escola foi ainda increpada de fútil por pretender ensinar a coser, a lavar e engomar, a cozinhar, a fabricar manteiga e queijos, a tratar de galinhas, a cuidar de jardins e de hortas. Ora, um minuto de reflexão basta para indicar quanta utilidade envolve tudo isso. Ensina-se a costura e a cozinha naquele estabelecimento de instrução com o máximo do gosto e o máximo da economia. No Brasil os pobres sofrem de falta de alimentação substancial mais do que na Europa: em compensação, porém, os que podem gastar, e mesmo os remediados, comem demasiado, considerando uma mesa opípara ou pelo menos muito farta a primeira das condições do conforto. O nosso jantar comum de família compõe-se de dois e três pratos de meio, quando um bastaria, com uma sopa e uma sobremesa. E o desperdício no preparar iguala o desperdício no consumir. O banquete que me foi oferecido pela Escola Doméstica, todo de execução das alunas graduadas, auxiliadas pelas do segundo ano, consistia numa boa sopa, um peixe excelente, galinha com salada de legume e sorvete de abacaxi.

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Henrique Castriciano de Souza foi um dos que estiveram junto de Oliveira Lima na sua visita ao Rio Grande do Norte – Fonte – Coleção TOK DE HISTÓRIA

As alunas aprendem a compor o seu orçamento culinário como outro qualquer e a respeitarem esses orçamentos: assim fizessem os governos. Os vestidos das graduadas, para a festa da formatura, por elas próprias executados, custaram, fazenda e enfeites, 47$000 cada um. Também para os trajes se faz orçamento, o que constitui uma magnífica promessa de tranquilidade nos casais. A modéstia é de rigor na vestimenta escolar. Trajam todas igualmente de branco, sem sacrifício da elegância compatível com a simplicidade, e não usam joias, para não estabelecer diferenças de fortuna assinalando-as por esse meio.

Compreende-se a vantagem que o fabrico dos laticínios pode emprestar a muitas raparigas, filhas de criadores, cujas manadas de vacas dão muito mais leite do que podem consumir suas famílias e que só aproveitam as sobras em uma espécie tradicional de requeijão. A avicultura é outra ciência de grandes benefícios, como também a pomicultura e a horticultura. Tudo isso, aliás, distrai dos trabalhos puramente mentais e varia o programa escolar, contribuindo para completar uma educação feminina. A vida no internato faz-se assim tão aprazível, dada também a suavidade da direção, a qual não exclui a disciplina, apenas trata de torná-la consciente, que não há por assim dizer aluna que não deixe a escola com vivas saudades da atmosfera de bem-estar e de cordialidade que em redor delas soube criar a ótima educadora a quem em boa hora a Liga do Ensino confiou semelhante tarefa.

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Na época da visita de Oliveira Lima a Natal, a cidade tinha uma população com pouco mais de 30.000 habitantes. Na foto vemos o então Teatro Carlos Gomes, atual Teatro Alberto Maranhão – Fonte – Coleção TOK DE HISTÓRIA

Nessa vivenda adrede construída, em boa parte segundo as indicações da mesma diretora, passa-se uma existência muito mais de família que de colégio, na velha acepção do termo, cumprindo cada qual seus deveres com satisfação e não se regateando as ocasiões de agradável intercurso, participando as alunas da administração comum, vivendo portanto do espírito da casa que é de método ao mesmo tempo que de liberdade, e é sobretudo de autonomia no pensar e no sentir. Pelo que pude ver, as alunas adquirem desembaraço sem contraírem desenvoltura.

A festa da Escola terminou por uma alegoria à paz, a qual expulsa do palco a guerra, enquanto os Estados Unidos e o Brasil se unem num amplexo de aliança. Os educadores norte-americanos, longe de quererem suscetibilizar o sentimento patriótico das nações da América do Sul, fazem o que está ao seu alcance para avivá-lo, no interesse mesmo da cooperação e solidariedade visadas. A sua ação redunda igualmente na disseminação do espírito associativo, que faz parte integrante do feitio americano. A seção culinária da Escola Doméstica de Natal já está ensaiando uma espécie de “extensão” entre as famílias; mediante o preparo, pelas matronas que aderem aos clubes gratuitos, de conservas de legumes e frutas com que aproveitar o produto de umas estações em outras, também de bolos e doces.

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Oliveira Lima em seu local de trabalho – Fonte – http://www.cafecolombo.com.br

De tudo quanto me foi dado observar na minha rápida visita ao Rio Grande do Norte, eu trouxe a impressão consoladora para um espírito brasileiro de que no seu governo e nos agentes que lhe personificam a ação existe mais pronunciado do que noutros pontos do território nacional o sentimento do dever cívico que se desdobra no dever humanitário para com os nossos semelhante. O fato deixará de parecer surpreendente a quem tiver em mente que o vulto histórico para quem vão todas as simpatias locais, todo o culto da comunidade, foi não um agitador ou um demagogo, mas um homem essencialmente de caráter.

O Padre Miguelinho foi um sacerdote instruído e meigo, professor querido dos seus discípulos e espírito não só ilustrado como preocupado de conciliação e de concórdia; mas o que sobretudo o torna grande entre as vítimas generosas da revolução de 1817 foi a sua inquebrantável lealdade para com os companheiros de revolução e sobretudo para com a sua fé política. Nessa figura tocante, que resistiu ao apelo à vida que lhe estendiam, é que se concentra a devoção patriótica dos rio-grandenses do norte. O influxo de tal devoção não podia deixar de ser salutar para uma sociedade.

Parnamirim, dezembro de 1919

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971. Através do link – http://www.consciencia.org/uma-visita-ao-rio-grande-do-norte

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Fonte – pt.wikipedia.org

Manuel de Oliveira Lima (Recife, 25 de dezembro de 1867 – Washington, Estados Unidos, 24 de março de 1928).

Oliveira Lima começou a trabalhar como jornalista com catorze anos de idade. Em seus artigos constantemente criticava o domínio das oligarquias sobre a recém-fundada República e por isso ganhou fama de monarquista.

Formou-se em letras na Faculdade de Lisboa em 1887, e em 1890 começou a trabalhar para o Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Atuou como diplomata em Portugal, Bélgica, Alemanha, Japão e Estados Unidos.

Foi encarregado de negócios da primeira missão diplomática brasileira no Japão. Em 1901 deu parecer contrário ao projeto brasileiro de recebimento de imigrantes japoneses. Escreveu então ao Ministério das Relações Exteriores alertando sobre o perigo de o brasileiro se misturar com “raças inferiores”.

Chegou a ser falado para a embaixada brasileira em Londres mas o Senado não aprovou sua indicação. Oliveira Lima era malvisto pelo governo britânico por defender que o ideal de que o Brasil permanecesse neutro na Primeira Guerra Mundial e por sua proximidade intelectual com a Alemanha.

Também fez inimigos dentro do país, em parte por não aprovar a atitude expansionista da República em situações como a anexação do Acre realizada pelo Barão do Rio Branco. Ele dizia que o território nacional já era vasto e muito mal fiscalizado e que a verdadeira expansão do Brasil só viria através do comércio.

Oliveira Lima sempre gostou de ler e escrever. publicou numerosas obras de história, entre elas: Memória sobre o descobrimento do BrasilHistória do reconhecimento do ImpérioElogio de F. A. VarnhagenNo JapãoSecretário Del-ReiDom João VI no Brasil. Sobre esta última obra de história que Oliveira Lima publicou é importante destacar sua importância para o rearranjo da historiografia brasileira, pois ela é considerada como sendo um clássico da historiografia nacional segundo o Lima um intelectual que têm variadas conferências sobre a formação da nacionalidade brasileira. A ilustre obra “Dom João VI no Brasil” é considerada como sendo uma das grandes obras do autor Oliveira Lima. Essa avaliação é feita por muitos estudiosos e autores relacionados a questões significativas sobre o Brasil. Alguns autores e escritores como Gilberto Freyre, Octavio Tarquínio de Souza e Wilson Martins já tiveram a oportunidade de escrever sobre os relatos de Oliveira Lima contidos nesta obra de grande prestígio para a historiografia brasileira. 

Em 1913 quando já morava nos Estados Unidos, Oliveira Lima doou sua descomunal biblioteca à Universidade Católica de Washington por temer que a coleção não recebesse os cuidados adequados no Brasil. Impôs a condição de que ele próprio fosse o primeiro bibliotecário e organizador do acervo, função que desempenhou por quatro anos.

Em 1924 foi apontado professor honorário da Faculdade de Direito do Recife.

Morreu em 1928 e foi enterrado no cemitério Mont Olivet, Washington. Em sua lápide não consta seu nome, mas a frase “Aqui jaz um amigo dos livros“.

FONTE – https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_de_Oliveira_Lima

MAIS SOBRE OLIVEIRA LIMA – http://www.onordeste.com/onordeste/enciclopediaNordeste/index.php?titulo=Oliveira+Lima&ltr=o&id_perso=413

SOBRE O SITE http://www.consciencia.org/

Este site é um espaço virtual de estudo, pesquisa e ensino. Tradicional site de filosofia, que ampliou o leque temático para abranger outras ciências humanas: História do Brasil, História Geral, Literatura, Antropologia, Sociologia, Linguística e áreas afins. Foi criado em 1997, pelo filósofo Miguel Lobato Duclós (1978-2015). Segundo seu pai, Nei Duclós, o trabalho desenvolvido por Miguel Lobato Duclós proporcionou a criação de um vasto acerto virtual de conhecimento, um trabalho pioneiro num país onde a universidade ainda possui um forte preconceito contra a internet. O espaço virtual consciência.org atrai milhares de estudantes e é responsável pela introdução à Filosofia e atualização do conhecimento para mais de uma geração de alunos, que se mostram admirados e agradecidos, como atestam as inúmeras cartas recebidas e publicadas neste website.

O blog TOK DE HISTÓRIA homenageia Miguel Lobato Duclós como verdadeiro pioneiro da democratização da informação intelectual em espaço virtual.

 

 

7 QUESTIONAMENTOS SOBRE CORRIGIR O PORTUGUÊS ALHEIO EM PÚBLICO

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Fonte – http://www.s1noticias.com/

Sim, eu já corrigi Português dos outros, mas também já fiquei extremamente constrangido quando descobri tardiamente que “a gente” não era “agente” e eu morro de vontade de dizer isso para alguns amigos meus que estão por  escrevendo tal expressão de forma errada. Mas, no meio desse dilema, penso que embora eu queira que todos falem um Português correto, tenho algumas ressalvas quanto a sair por aí bancando um professor chato, e quero dividi-las com vocês:

1 – Perto do Google todo mundo é Pasquale

É muito raro alguém ter um Português irretocável. Na era digital temos o auxílio do companheiro Google, e jogar na caixa de pesquisa para que o sistema deduza a forma correta de escrever é algo tão comum, que às vezes as pessoas até se esquecem de que todo mundo em algum momento levanta dúvidas tidas como vergonhosas pelo senso comum, só que claro, sem ninguém saber – apenas o Google. Posso afirmar que já vi mais da metade das pessoas que eu vejo oprimindo de forma hipócrita quem erra Português cometendo também erros banais de Gramática.

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Fonte – http://lounge.obviousmag.org/

2 – É a língua portuguesa que nos serve, não ao contrário

As pessoas quando questionadas sobre o motivo de não aceitarem erros de Português atribuem tal fato a justificativa do bonito ou feio. Ora, sabemos bem que esse tipo de adjetivação é completamente subjetiva e relativa. Ao pensarmos que a Gramática sofre diversas transformações, e novas normas adentram ao padrão culto e outras são descartadas, concluímos que a mesma é apenas uma convenção, que a língua é dinâmica, justamente para atender a uma demanda de quem se comunica. Se o emissor consegue comunicar o que ele quer dizer mesmo errando algo e o receptor compreende a mensagem, não existe um motivo razoável para que se crie um reboliço em cima disso, uma vez que a ideia transmitida foi entendida corretamente.

3 – Achar que a forma de falar da sua cidade é a certa é preconceito linguístico

É muito comum os nativos de cidades grandes acharem que apenas o jeito de falar local, incluindo o sotaque, é o correto. O Brasil é um país cheio de pluralidades, grande em extensão, e se constitui por regiões que vivem de diferentes influências culturais. É completamente plausível que existam regionalismos e maneirismos na forma de comunicação que ultrapassam uma suposta obediência a qualquer que seja o padrão linguístico de determinada cidade mais influente. Nesse caso existe um predomínio de crença ao invés de conhecimento, e o preconceito acaba se revelando por parâmetros irracionais.

Mudanças na Lingua Portuguesa
Fonte – http://ewermalabru.blogspot.com.br/

4 – Existe muito de elitismo em julgar o Português dos outros

Mesmo sabendo que deficiências no Português não são uma exclusividade das camadas mais humildes, é importante considerar que muita gente não teve o mesmo acesso que você à Escola; que infelizmente não frequentou um Colégio porque tinha demandas mais urgentes a serem atendidas, ou simplesmente não teve um ensino de qualidade. Muitas das brincadeiras depreciativas em relação ao erro de Português são relacionadas às classes sociais. Se você notar, no discurso explicativo sobre o porquê da correção, sutilmente percebe-se que os patrulheiros gramaticais pensam o erro de Português como algo vergonhoso por ser “coisa de pobre”.  E mesmo aos que tiveram todas as oportunidades: quem disse que nossas gavetas cognitivas são iguais? As pessoas não possuem memórias equivalentes, elas não aprendem de forma igual, existem palavras tidas como bobas, que por algum motivo não são memorizadas por nós na época de Escola, e não existe nenhuma lei que obrigue ou convencione a idade certa para que você aprenda uma determinada palavra. Existem também as gírias, muitas vezes tidas como tóxicas à linguagem, quando na verdade são códigos de comunicação que servem como instrumentos de formação de identidade em um determinado grupo ou espaço comum, e mesmo que se trate de um coloquialismo, como dizer que essas palavras são erradas?

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Fonte – http://blog.ambracollege.com/a-lingua-portuguesa-no-mundo/

5 – Quando você corrige alguém a pessoa geralmente se sente mais constrangida do que ajudada

Eu imagino que alguns vão generalizar e achar que estou fazendo uma apologia ao erro de Português, quando na verdade estou apenas propondo uma reflexão sobre os efeitos causados por quem tripudia ou alardeia em público o erro alheio. Sempre que eu vejo gente corrigindo alguém na frente dos outros, ou postando terrorismos em relação aos erros de linguagem no “Facebook”, só consigo enxergar um opressor se autoafirmando e tentando diminuir o outro, apenas para ostentar uma suposta superioridade linguística. Isso acaba mostrando apenas um cidadão tentando provar que sabe mais, para talvez alimentar as carências do próprio ego, dentro daquela medíocre lógica comparativa que fortalece uma autoinsegurança em cima de uma insuficiência alheia.

6 – Você pode aprender muita coisa, inclusive com quem diz “nóis vai”

Estamos sempre em estado de vigília em relação ao paradoxo nos outros. Costumamos desconfiar de um “Personal trainer” que é gordo ou de um pneumologista que fuma, ou de um dentista com uma arcada desarmônica. Lembro-me de uma professora no meu curso de Pedagogia – em plena Universidade de São Paulo – que flexionava frases erradas na linha “nóis vai”, e eu me perguntava como aquela mulher estava ali me ensinando sobre como lecionar em uma Faculdade cheia de exigências no quesito “competência acadêmica”. A matéria era sobre “Políticas para portadores de necessidades especiais”, e o conteúdo me foi de extrema valia, elevou meu olhar, me fez desconstruir preconceitos, agregou-me novas perspectivas sobre a inclusão e no fim do semestre me dei conta de que independente do Português falho dessa docente eu havia aprendido muito sobre aquele tema. E mesmo se sairmos da esfera dos intelectuais e pensarmos em uma pessoa de situação humilde: você acha mesmo que só porque o seu Português é falho, não tem nada o que aprender com ela?

7 – Haters, quem são?

Existe uma patrulha, que costuma cultivar um tipo de hostilidade gratuita, que vai além da importância do objeto criticado. Um “Hater” é aquele tipo de pessoa que precisar vencer discussões, e que geralmente caça assuntos polêmicos e perde horas elaborando discursos embasados, apenas para provar que estácerto. Precisam chamar a atenção, mesmo que isso os transforme nos vilões da historia. Um Hater geralmente não odeia o Português dos outros, ele apenas ama odiar qualquer coisa.

Autor – Eduardo Benessi

Fonte – http://www.entendaoshomens.com.br/7-questionamentos-sobre-corrigir-o-portugues-alheio-em-publico/


 

P.S. – Fugindo um pouco de temas históricos e publicando um texto que achei interessante…

LEI PODE DAR CIDADANIA A BRASILEIROS DESCENDENTES DE JUDEUS

Passaporte português está mais próximo de milhares de brasileiros descendentes de sefarditas - Foto: iStock
Passaporte português está mais próximo de milhares de brasileiros descendentes de sefarditas – Foto: iStock
Decreto divulgou lista oficial de sobrenomes e o que é necessário para conseguir o passaporte português

Milhares de brasileiros podem obter a cidadania portuguesa como descendentes de sefarditas. A lei portuguesa que beneficia os herdeiros dos judeus expulsos da Península Ibérica no século 15 foi aplicada pela primeira vez em outubro, com a aprovação de três pedidos de naturalização, um deles vindo justamente do Brasil.

Embora não existam dados oficiais que confirmem o número atual de sefarditas, diferentes organizações judaicas estimam que haja 3,5 milhões em todo o mundo. No Brasil, eles seriam em torno de 40 mil, dos cerca de 110 mil judeus que vivem no país.

Mas o número de brasileiros beneficiados pela medida do governo português pode ser significantemente maior, já que a lei não especifica que apenas os descendentes que ainda pratiquem o judaísmo sejam contemplados com a naturalização.

“O critério legal é a ascendência sefardita portuguesa, não a religião do interessado. Como se sabe, um segmento importante de pessoas abrangidas pela lei é de descendentes de judeus sefarditas que foram forçados à conversão ao cristianismo”, explica à BBC Brasil o advogado português Rui Castro, especialista em processos de cidadania lusa e que mantém escritórios no Brasil e em Portugal.

Em 1496, o rei D. Manuel determinou a expulsão de todos os judeus do território português. Os que optaram por permanecer no país foram obrigados a se converter, ficando conhecidos como cristãos-novos. Durante o período da Inquisição, muitos desses judeus convertidos também foram perseguidos e forçados a abandonar Portugal, refugiando-se em diversos países, entre eles o Brasil.

Sobrenomes oficiais

A aquarela 'A Expulsão dos Judeus', do artista português Roque Gameiro, retrata a história da Inquisição em Portugal - Foto: Reprodução
A aquarela ‘A Expulsão dos Judeus’, do artista português Roque Gameiro, retrata a história da Inquisição em Portugal – Foto: Reprodução

Desde que surgiram as primeiras notícias há aproximadamente dois anos, de que Portugal e Espanha aprovariam leis que facilitariam a naturalização dos descendentes de sefarditas, circulam pela internet listas com milhares de sobrenomes – alguns deles entre os mais comuns do Brasil – que indicariam a ascendência, mas nenhuma delas de cunho oficial.

Essa lacuna foi preenchida com a publicação do Decreto-Lei n.º 30-A/2015, de 27 de fevereiro passado, que abriu caminho para a naturalização dos descendentes de sefarditas, em que a Justiça lusa finalmente divulgou uma lista oficial com os seguintes sobrenomes: Abrantes, Aguilar, Almeida, Álvares, Amorim, Andrade, Avelar, Azevedo, Barros, Basto, Belmonte, Brandão, Bravo, Brito, Bueno, Cáceres, Caetano, Campos, Cardoso, Carneiro, Carvajal, Carvalho, Castro, Crespo, Coutinho, Cruz, Dias, Dourado, Duarte, Elias, Estrela, Ferreira, Fonseca, Franco, Furtado, Gaiola, Gato, Gomes, Gonçalves, Gouveia, Granjo, Guerreiro, Henriques, Josué, Lara, Leão, Leiria, Lemos, Lobo, Lopes, Lombroso, Lousada, Lopes, Macias, Machado, Machorro, Martins, Marques, Mascarenhas, Mattos, Meira, Melo e Prado, Mello e Canto, Mendes, Mendes da Costa, Mesquita, Miranda, Montesino, Morão, Moreno, Morões, Mota, Moucada, Negro, Neto, Nunes, Oliveira, Osório (ou Ozório), Paiva, Pardo, Pereira, Pessoa, Pilão, Pina, Pinheiro, Pinto, Pimentel, Pizarro, Preto, Querido, Rei, Ribeiro, Rodrigues, Rosa, Sarmento, Salvador, Silva, Soares, Souza, Teixeira, Teles, Torres, Vaz, Vargas e Viana.

A iniciativa, no entanto, gerou críticas, pois apenas o sobrenome não é suficiente para a entrada com o pedido de cidadania. “O legislador cometeu um erro ao mencionar essa lista. Existem nomes que efetivamente estão estreitamente relacionados a uma origem sefardita, mas, mesmo nestes casos, o interessado tem de reunir elementos complementares de prova”, diz Rui Castro.

Lei beneficia herdeiros dos judeus expulsos da Península Ibérica (mapa acima) no século 15 - Foto: Divulgação
Lei beneficia herdeiros dos judeus expulsos da Península Ibérica (mapa acima) no século 15 – Foto: Divulgação

Maior rigor

Segundo o Consulado Geral de Portugal em São Paulo, para solicitar a naturalização é preciso que o candidato comprove laços com uma comunidade sefardita de origem portuguesa. Isso é possível através de alguns requisitos que confirmem a ligação com Portugal, como sobrenome, idioma familiar, e descendência direta ou colateral.

Em países como Turquia, Israel ou Estados Unidos, com um número considerável de descendentes de sefarditas, a confirmação de um nome de família e até mesmo do uso da língua portuguesa já pode significar um grande passo para conseguir a cidadania lusa. No entanto, o fato de o Brasil ser uma ex-colônia de Portugal faz com que muitos destes elementos não sejam suficientes para provar a ascendência, tornando o processo mais rigoroso para os brasileiros.

“Os pedidos de cidadãos brasileiros que afirmam ser descendentes de pessoas condenadas pela Inquisição por heresias relativas ao judaísmo não pode ser admitido automaticamente”, admite Michael Rothwell, porta-voz da Comunidade Israelita do Porto, responsável por emitir o Certificado da Comunidade Judaica Portuguesa, documento usado para confirmar a ascendência sefardita no processo de naturalização.

A organização com sede no Porto tem emitido o certificado apenas para judeus praticantes, o que tem sido criticado pelos advogados especialistas na naturalização lusa.

“Esta é uma interpretação errada da lei, não só para a maioria dos juristas que tratam do tema, mas também na opinião da Comunidade Israelita de Lisboa, que não segue por este caminho”, argumenta Rui Castro. “A naturalização não deve ser condicionada pela halachá (lei judaica), que determina sob seus específicos critérios quem é ou não judeu. O que deve ser considerado é se o interessado é descendente desses portugueses que foram forçados a abandonar seu país e, muitas vezes, suas crenças para continuar vivos.”

Hoje um dos pontos turísticos mais famosos de Lisboa, a praça do Rossio, no centro da capital, foi palco de execuções de judeus durante a Inquisição - Foto: Reprodução
Hoje um dos pontos turísticos mais famosos de Lisboa, a praça do Rossio, no centro da capital, foi palco de execuções de judeus durante a Inquisição – Foto: Reprodução

Fundador e diretor da Associação Brasileira de Descendentes de Judeus da Inquisição (Abradjin), Marcelo Miranda Guimarães defende uma interpretação “sensibilizada” da lei pelos portugueses, que facilite a naturalização dos herdeiros de cristãos-novos.

“A lei é muito bem-vinda, mas precisa ser interpretada com consciência e sensibilidade, porque a maioria desses judeus foi obrigada a se converter ao cristianismo para não morrer, eram pessoas proibidas de realizar qualquer ritual ligado ao judaísmo”, explica Guimarães à BBC Brasil.

“Como podemos ir a uma sinagoga buscar os documentos dos nossos ancestrais se nem sinagogas existiam naquela época no Brasil, onde o judaísmo também era proibido? Mas existem caminhos alternativos. Vários livros relatam as histórias dessas famílias no país, listam nomes e documentam a realidade da época. Isso deve ser levado em consideração como prova, porque, se não for, mais de 95% dos descendentes brasileiros não terão direito a essa reparação”, afirma.

Custos e procedimentos

Uma seção do Museu da História da Inquisição, em Belo Horizonte, é dedicada às vítimas brasileiras da intolerância religiosa - Foto: Divulgação Associação Brasileira de Descendentes de Judeus da Inquisição
Uma seção do Museu da História da Inquisição, em Belo Horizonte, é dedicada às vítimas brasileiras da intolerância religiosa – Foto: Divulgação Associação Brasileira de Descendentes de Judeus da Inquisição

Depois de levantar os documentos que considerar necessários para comprovar a ascendência sefardita, é preciso obter o Certificado da Comunidade Judaica Portuguesa, por intermédio das comunidades israelitas de Lisboa ou do Porto. A ausência desse certificado pode ser compensada de outras maneiras, como com “a apresentação de registros de sinagogas e cemitérios judaicos, títulos de residência, títulos de propriedade, testamentos e outros comprovantes de ligação familiar na linha colateral de progenitor comum a partir da Comunidade Sefardita de origem portuguesa”, de acordo com o Consulado Português em São Paulo.

Os candidatos têm ainda de ser maiores ou emancipados face à lei portuguesa e não podem ter sido condenados a crimes com pena igual ou superior a três anos, também de acordo com a legislação vigente no país europeu.

Segundo Rui Castro, o custo global do processo nunca será inferior a 1 mil euros (cerca de R$ 4,3 mil), valor que pode aumentar se for preciso realizar o levantamento de documentos ou se o candidato optar por contratar uma assessoria jurídica.

Em contato com a BBC Brasil, o Ministério da Justiça português informou que até o fim de outubro 250 pedidos de naturalização estavam em análise, dos quais cerca de 10% correspondiam a cidadãos brasileiros. A expectativa, no entanto, é de que esse número cresça nos próximos meses, impulsionado pelas notícias de que Portugal começou a aplicar a lei que garante a cidadania aos descendentes de sefarditas.

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Fonte – BBC BRASIL.com – http://noticias.terra.com.br/brasil/saiba-como-lei-portuguesa-pode-dar-cidadania-a-brasileiros-descendentes-de-judeus,76b283919d683a5010ec8b8da1a3492e64vhj841.html


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Quadro do pintor paraibano Pedro Américo (óleo sobre tela, 1888) - Fonte - pt.wikipedia.org
Quadro do pintor paraibano Pedro Américo (óleo sobre tela, 1888) – Fonte – pt.wikipedia.org

O Grito do Ipiranga não teve qualquer repercussão na época.

Autora – Lucia Bastos

Fonte – http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/nem-as-margens-ouviram

“Independência ou Morte!” Consagrado pela História, o Grito do Ipiranga, em 7 de setembro de 1822, quase não causou repercussão entre seus contemporâneos. Na imprensa do Rio de Janeiro, somente o número de 20 de setembro do jornal O Espelho exaltou “o grito acorde de todos os brasileiros”. Na prática, a Independência estava longe de chegar.

Três séculos depois do descobrimento, o Brasil não passava de cinco regiões distintas, que compartilhavam a mesma língua, a mesma religião e, sobretudo, a aversão ou o desprezo pelos naturais do reino, como definiu o historiador Capistrano de Abreu. Em 1808, os ventos começaram a mudar. A vinda da Corte e a presença inédita de um soberano em terras americanas motivaram novas esperanças entre a elite intelectual luso-brasileira. Àquela altura, ninguém vislumbrava a ideia de uma separação, mas esperava-se ao menos que a metrópole deixasse de ser tão centralizadora em suas políticas. Vã ilusão: o império instalado no Rio de Janeiro simplesmente copiou as principais estruturas administrativas de Portugal, o que contribuiu para reforçar o lugar central da metrópole, agora na América, não só em relação às demais capitanias do Brasil, mas até ao próprio território europeu.

 D. Pedro I do Brasil, D. Pedro IV em Portugal (1782-1847), Pinacoteca do Estado de São Paulo
D. Pedro I do Brasil, D. Pedro IV em Portugal (1782-1847), Pinacoteca do Estado de São Paulo

O auge do questionamento das práticas do Antigo Regime aconteceu em 24 de agosto de 1820, quando estourou a Revolução Liberal do Porto. Clamava-se por uma Constituição baseada nas liberdades e direitos do liberalismo nascente. A revolução teve importante eco no Brasil, por meio de uma espantosa quantidade de jornais e folhetos políticos. Durante todo o ano de 1821, porém, não surgiu nesses impressos qualquer proposta favorável à emancipação.

Até o início de 1822, ninguém falava de Brasil. Ao partir para as Cortes de Lisboa, para a discussão da Constituição do Reino, os deputados americanos pensavam apenas em suas “pátrias locais”, ou seja, em suas províncias. Só os paulistas demonstraram alguma preocupação em construir uma proposta para o conjunto da América portuguesa. Nem por isso abriam mão da integridade do Reino Unido: sugeriam o Brasil como sede da monarquia, ou então a alternância da residência do rei entre um lado e outro do Atlântico. “Independência” significava, antes de mais nada, autonomia.

Ao longo daquele ano, porém, o discurso se radicalizou. A insatisfação com a metrópole crescia, pois das Cortes vinham propostas para retomar algumas das antigas restrições políticas e econômicas que tinham limitado a autonomia do Brasil no passado. Junto com o projeto constitucionalista surgia a ideia separatista, embora ainda não direcionada a toda a América portuguesa.

Aclamação de D. Pedro I no Campo de Santana, Rio. Quadro de Jean Baptiste Debret
Aclamação de D. Pedro I no Campo de Santana, Rio. Quadro de Jean Baptiste Debret

Considerada na época como a data que oficializou a separação do Brasil de sua antiga metrópole, a aclamação de Pedro I como imperador, em 12 de outubro de 1822, não significou a unidade política do novo Império. A proposta foi aceita pelas Câmaras Municipais de Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Pernambuco titubeou durante algum tempo. Por causa das dificuldades de comunicação, Goiás e Mato Grosso só prestaram juramento de fidelidade ao Império em janeiro de 1823. Enquanto isso, Pará, Maranhão, Piauí e Ceará, além de parte da Bahia e da província Cisplatina, permaneceram leais a Portugal, refratárias ao governo do Rio de Janeiro. Foram tempos de guerra.

No início de 1823, enquanto várias províncias já escolhiam seus deputados para a Assembleia Legislativa e Constituinte do Rio de Janeiro, o Maranhão elegia deputados para as Cortes ordinárias de Portugal.

Enfim, apesar dos horrores da guerra e das tensões que não desapareceram, esboçou-se pela força a unidade territorial do Brasil. Mas o rompimento total e definitivo mantinha-se sub judice. Afinal, o imperador era português e sucessor do trono dos Bragança. Capaz, portanto, de reunir novamente, após a morte do pai, os dois territórios que o Atlântico separava.

Somente em 1825, depois de demoradas negociações, D. João VI reconheceu a Independência, em troca de indenizações. Mesmo assim, o gesto veio sob a forma de concessão, transferindo a soberania do reino português, que ele detinha, para o reino do Brasil, sob a autoridade de seu filho. E D. João foi além: reservou para si o título de imperador do novo país, registrado nos documentos que assinou até sua morte, em 1826.

Os laços de sangue faziam da Independência um processo ambíguo e parcial. Foi preciso esperar outra data, a da abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril de 1831, para que se rompesse definitivamente qualquer vínculo do Brasil com Portugal. Assumia o poder um soberano-menino, também ele um Bragança, mas nascido e criado no Brasil. No linguajar dos exaltados do período regencial, acabava-se “a farsa da independência Ipiranga”.

Lucia Bastos Pereira das Neves é professora titular de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autora de Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência (1808-1822) (Revan, 2003).

UM SAMURAI NEGRO NA CORTE DO MAIS PODEROSO SENHOR DO JAPÃO

Descarregamento de uma caravela portuguesa, por Kano School (17th Century) - Fonte - http://enterjapan.me/yasuke/  - CLIQUE NAS IMAGENS PARA AMPLIAR
Descarregamento de uma caravela portuguesa, por Kano School (Século 17) – Fonte – http://enterjapan.me/yasuke/ – CLIQUE NAS IMAGENS PARA AMPLIAR

Japão não é um lugar que seria normalmente associado a presença de escravos oriundos da África. No entanto, no final do século 16, Oda Nobunaga, o mais poderoso senhor da guerra do Japão, tinha um escravo africano que não era apenas uma curiosidade cultural, mas também seu guarda-costas e que alcançou bastante prestígio entre os japoneses daquele tempo.

A chegada dos bárbaros do sul, por artista desconhecido (século 17)
A chegada dos bárbaros do sul, por artista desconhecido (século 17)

Em meados do século XVI, a costa do Japão começou a ser frequentada por navios espanhóis e portugueses, que na época já navegaram pelo Oceano Pacífico. Além das sedas e especiarias, esses comerciantes levavam como parte da tripulação missionários católicos, principalmente jesuítas, ansiosos para reunir almas frescas ao Senhor por aquelas terras pagãs.

Havia poucos nobres japoneses que via com curiosidade, até mesmo com bons olhos, esta nova religião e os estrangeiros barbudos. Um desses entusiastas era Oda Nobunaga, o primeiro dos três grandes unificadores do império insular, que em 1580 tinha conseguido colocar metade do país sob o seu controle e mantinha a outra metade em uma rédea curta. Sem exagero ele podia ser considerado o rei do Japão.

Comerciantes portugueses acompanhados por escravos africanos e uma mistura variada de mercadorias exóticas, por Kano School (século 17) - Fonte - http://enterjapan.me/yasuke/
Comerciantes portugueses acompanhados por escravos africanos e uma mistura variada de mercadorias exóticas, por Kano School (século 17) – Fonte – http://enterjapan.me/yasuke/

Homem de inteligência inquieta e visão avançada, Nobunaga recebeu de forma digna os jesuítas e, embora se converter ao cristianismo não estava nos seus planos, gostava de receber os religiosos em audiência para saber como era o mundo quinhentista além dos limites do arquipélago japonês.

Mas as crônicas contam que um dia a paz que Nobunaga tanto se esforçou trazer para a capital japonesa foi subitamente interrompido pela chegada de um pitoresco convidado.

Em 23 de março de 1581 desembarcou o italiano Alessando Valignano, padre visitador (inspetor) dos jesuítas. Este trazia em sua comitiva um mauro vassalo, tão negro como os etíopes da Guiné. Alguém cujo nome verdadeiro é até hoje desconhecido, mas a quem os japoneses logo batizaram como Yasuke (弥 助). De acordo com a Histoire ecclésiastique Et Des Isles Du Japon royaumes, escrita pelo jesuíta François Solier em 1627, Yasuke era nativo de Moçambique, mas outros relatos afirmam que ele veio do Congo. 

Antigo edifício em Quioto - Fonte commons.wikimedia.org
Antigo edifício em Quioto – Fonte commons.wikimedia.org

As origens desta jovem impressionante ainda estão não totalmente conhecidas. Historiadores japoneses contemporâneos acreditavam que ele tinha sido vendido a Valignano em algum lugar no Congo;

 no entanto, estudos recentes mostram que ele pode ter sido um membro da etnia Makua de Moçambique, e que seu nome original era Yasufe. Moçambicano ou Congolês não se sabe, bem como se Yasufe , ou Yasuke, foi a primeira pessoa negra a pisar no Japão, uma vez que não era raro encontrar escravos africanos em galeões e caravelas da época. Mas, ao que parece, ele deve ter sido o primeiro negro visto na capital japonesa, Quioto, a então capital do Japão Imperial, sendo substituída por Tóquio em 1868.

Querido pelo rei

Consta em um dos relatos que Yakuse teria cerca de um metro e noventa de altura e, se assim foi, a sua alta estatura teria sido muito imponente para os japoneses da época.

Uma multidão febril lotava dia e noite às portas da residência dos jesuítas. Havia brigas a pedradas para pegar um bom lugar para começar a vislumbrar aquela pessoa tão diferente para os japoneses. Todo mundo queria ver esse misterioso homem de pele morena como o carvão. As autoridades tiveram de intervir para pôr ordem neste caos.

O exército de Nobunaga estabelece cerco a numerosos castelos, por Utagawa Yoshitora 「歌 川 芳 虎」 (1871) - Fonte - http://enterjapan.me/yasuke/
O exército de Nobunaga estabelece cerco a numerosos castelos, por Utagawa Yoshitora 「歌 川 芳 虎」 (1871) – Fonte – http://enterjapan.me/yasuke/

Nobunaga, a maior autoridade em Quioto, quando soube de todo aquele barulho convocou os jesuítas ao tribunal para conhecer a pessoa que causa de tanto alvoroço. Em 27 de março de 1581 Yasuke foi levado perante Nobunaga e este não podia acreditar que a aquela pele negra era real. Na verdade, suspeitando que os jesuítas estivessem tentando pregar-lhe uma peça, pensou que o grande homem da pele de cor de ébano na verdade estivesse coberto de betume. Nobunaga ordenou que seus vassalos lavassem o pobre escravo. Só depois de ver que lavagem após lavagem nada se alterava na pele do africano, Nobunaga se convenceu de que ali não havia nenhuma broma. Ele tinha diante dos seus olhos um homem negro como a noite sem lua.

Nobunaga ficou encantado com a descoberta e conseguiu dos jesuítas que Yasuke se colocasse ao seu serviço. Mas Yasuke, um homem que dominava várias línguas, seria mais do que apenas uma nova adição à coleção de raridades de Nobunaga. As crônicas da época o descrevem assim: Parecia ter entre 26 e 27 anos, grande, escuro, com a força de dez homens e possuindo bom senso.

Abundavam rumores de que o escravo ia ser feito um Daimyo (um senhor fundiária japonês), mas de concreto os registros dos jesuítas apontam que Nobunaga deu a Yasuke uma casa para ele morar e uma espada katana. Nobunaga também lhe atribuiu o dever de levar a sua lança pessoal e vestir uma armadura, privilégio normalmente reservado apenas para os nascidos em famílias de samurais. O africano se tornou um proeminente membro da comitiva real, a ponto de despertar ciúmes e intrigas no palácio.

Oda Nobunaga - Fonte - http://www.samurai-archives.com/nobunaga.html
Oda Nobunaga – Fonte – http://www.samurai-archives.com/nobunaga.html

Informam que Nobunaga ficou tão satisfeito com os serviços de Yasuke que existe a suspeita que ele, embora não haja nenhum registro, acabaria por ser nomeado samurai. Este último fato é extremamente improvável, mas sabendo que o poderoso Oda Nobunaga tinha um gosto pela excentricidade essa história pode não ser totalmente descartada.

Como um samurai

Nobunaga morreu em 1582 em uma noite fatídica, através de um ataque traiçoeiro de um de seus próprios generais, Akechi Mitsuhide. Este é um dos episódios mais famosos da história do Japão e passados mais de 400 anos ainda não são claras as razões dos acontecimentos.

Consta que Mitsuhide decidiu se rebelar contra seu mestre e atacou de surpresa o templo Honnõ-ji em Quioto, onde Nobunaga passou a noite pacificamente protegido por uma pequena guarnição antes da reunião com o grosso de suas tropas da batalha. Ao amanhecer, as chamas tinham consumido Honnõ-ji até o chão e o corpo de Nobunaga desapareceu para sempre nas cinzas.

O fogo e ataque a Honnō-ji 「本能 寺 焼 討 之 図」, por Toyohara Chikanobu 「豊 原 周延」 (1896) - Fonte - http://enterjapan.me/yasuke/
O fogo e ataque a Honnō-ji 「本能 寺 焼 討 之 図」, por Toyohara Chikanobu 「豊 原 周延」 (1896) – Fonte – http://enterjapan.me/yasuke/

Relatos apontam que Yasuke fazia parte da pequena guarnição leal e teria, após a morte de Nobunaga, acompanhado Oda Nobutada, o filho do seu senhor, na retirada para o Castelo Azuchi. Com uma pequena força de 300 homens o castelo foi cercado pelas forças vastamente superiores de Mitsuhide e a maioria das tropas leais ao Nobutada foi morta. Yasuke lutou ao lado das forças de Nobutada por um longo tempo, enfrentado os inimigos do filho do seu senhor como um verdadeiro samurai e tentando evitar o inevitável. 

Yasuke sobreviveu à batalha, mas, ao invés de cometer suicídio (a tradição samurai quando enfrenta derrota) ele entregou sua espada para os homens de Akechi (a tradição ocidental) e esperou o seu destino. Sem saber como proceder, os soldados foram busca orientação com seu senhor.

 Akechi revelou-se intolerante, afirmou que o africano era apenas uma besta e não um verdadeiro samurai e, portanto, não se podia conceder a honra do seppuku (suicídio ritual). Akechi entregou Yasuke para o “templo bárbaro” (isto é, a igreja dos jesuítas em Quioto) e os religiosos tomaram conta dele.

Um memorial para Oda Nobutada nas ruínas do castelo de Azuchi, onde Yasuke combateu os inimigos do seu senhor - Fonte -  http://enterjapan.me/yasuke/
Um memorial para Oda Nobutada nas ruínas do castelo de Azuchi, nas magens do Lago Biwa, Provincia de Ômi, onde Yasuke combateu os inimigos do filho seu senhor – Fonte – http://enterjapan.me/yasuke/

Não se sabe exatamente o que aconteceu com Yasuke. Alguns afirmam que ele voltou à sua terra natal e introduziu o kimono para o seu povo, outros que ele se juntou a uma das comunidades crescentes de estrangeiros que foram prosperando em grandes cidades portuárias do Japão. Mas as chances maiores são que ele, sob a tutela dos jesuítas, teria sido envia a Goa, na Índia, ou em outra parte de suas missões na Ásia. O africano é mencionado em algumas das 1.581 cartas dos jesuítas Luís Fróis e Lorenço Mexia e no Relatório Anual de 1582 da Missão Jesuíta no Japão. 

É interessante que no espaço de um ano esse escravo da distante África foi elevado a mais alta classe guerreira japonesa, uma ocorrência quase única na história e tinha sido envolvido em um evento que mudou o curso da história japonesa. Samurai ou não, Yasuke pode se orgulhar de ter servido na corte do senhor mais poderoso do Japão. Nada mal para alguém que provavelmente começou a sua jornada nas correntes de um navio negreiro.

Apesar disso não sabemos quase nada sobre ele, embora Yasuke não passou totalmente despercebido no Japão moderno e se tornou assunto de uma ficção histórica infantil chamada Kuro-suke, lançada na década de 1960.

Fontes: JAVIER SANZ – http://historiasdelahistoria.com/2015/07/21/un-samurai-negro-en-la-corte-del-senor-mas-poderoso-de-japon

https://en.wikipedia.org/wiki/Yasuke

http://enterjapan.me/yasuke/

The Chronicle of Lord Nobunaga – Ota Gyuichi;

Histoire et des Isles ecclésiastique royaumes du Japon – François Solier

DIÁSPORA: DESCUBRA COMO OS JUDEUS SE ESPALHARAM PELO MUNDO

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Eles se distribuíram por mais de 100 países e ainda assim conseguiram manter vivos seus valores e tradições

Texto Eduardo Szklarz | Ilustrações Marcos Rufino 

Os judeus são o único povo que nasceu com o dever divino de habitar uma região do planeta: Canaã (Israel). No entanto, ao longo de seus 4 mil anos de história, eles se tornaram a nação mais cosmopolita do mundo. As comunidades judaicas hoje se espalham em mais de 100 países – do México à Inglaterra, do Cazaquistão à África do Sul, de Cuba ao Japão. Com exceção de Israel, os judeus têm vivido como minorias em todos esses lugares.

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“A história judaica é marcada por sucessivas dispersões e diásporas dentro de diásporas”, diz Luis S. Krausz, professor de Literatura Hebraica e Judaica na Universidade de São Paulo (USP). “Essa história começa com a destruição do Templo de Salomão pelo rei Nabucodonosor, no século 6 a.C., quando os judeus foram levados ao cativeiro na Babilônia. E continua até o século 20, com a dispersão e o genocídio dos judeus da Europa.”

Tantas travessias produziram uma diversidade de grupos judaicos que cristalizaram costumes, idiomas e culinárias dos lugares onde viveram. E também contribuíram para enriquecer as culturas locais. Nesta reportagem, vamos viajar pelos momentos mais importantes da saga judaica através das fronteiras.

Babilônia e Império Romano

Os judeus botaram o pé no mundo em 587 a.C., quando o rei babilônio Nabucodonosor invadiu o antigo reino de Judá (ao sul de Israel). O monarca arrasou Jerusalém e mandou parte de seus habitantes para a Babilônia, na Mesopotâmia (hoje Iraque). Mas o que havia sido um degredo imposto à força contribuiu para o florescimento do judaísmo. “Foi durante o exílio que se impôs pela primeira vez a todos os judeus a prática regular de sua religião”, diz o historiador britânico Paul Johnson no livro História dos Judeus.

Representação do exílio judaico na Babilônia.
Representação do exílio judaico na Babilônia.

“Também foi reforçado o ritual da circuncisão, que os distinguia dos pagãos, e o costume do shabat (dia do descanso)”, diz Johnson. Os escribas redigiram as tradições orais e compilaram os pergaminhos vindos do templo destruído. O calendário judaico se aprimorou com a astronomia babilônica e incluiu festas como o Pessach (Páscoa), que recorda a saída dos hebreus da escravidão no Egito. Apenas 50 anos depois, em 538 a.C., o rei persa Ciro permitiu a volta dos judeus a Jerusalém e a reconstrução do templo. “Muitos preferiram ficar na Babilônia, que permaneceu como um centro da cultura judaica por 1,5 mil anos”, diz Johnson. Em 63 a.C., uma nova reviravolta. O general Pompeu invadiu a Judeia e a transformou em província do Império Romano. Terminava assim o reino dos Hasmoneus – o último país judeu independente que existiu até a criação do Israel moderno, em 1948.

Representação existente no Arco de Tito, em Roma, onde vemos o triunfo romano na comemoração do saque de Jerusalém.  -Fonte - wikimedia.org/wikipedia/commons/7/7d/Arch_of_Titus_Menorah.png
Representação existente no Arco de Tito, em Roma, onde vemos o triunfo romano na comemoração do saque de Jerusalém. -Fonte – wikimedia.org/wikipedia/commons/7/7d/Arch_of_Titus_Menorah.png

A tensão culminou com uma rebelião. Em 70, o general romano Tito reprimiu os revoltosos, destruiu o segundo templo e mandou os judeus a uma nova diáspora, que alcançou a Ásia, a Europa e o norte da África. Mas ao contrário dos anos na Babilônia, o exílio nos domínios romanos marcou o início das perseguições. “Os romanos não toleravam o culto judaico a um Deus único nem costumes como o shabat”, diz o historiador francês Gerald Messadié no livro História Geral do Antissemitismo. A situação piorou com a conversão do imperador Constantino ao cristianismo, no século 4. Em 325, o Concílio de Niceia acusou os judeus pela morte de Jesus, o que serviu de base para o mito medieval de que tinham poderes sobrenaturais e eram aliados do diabo. Nas terras da cristandade, os judeus foram proibidos de exercer funções públicas, ter empregados e se casar com não judeus.  Qualquer semelhança com as Leis de Nuremberg, promulgadas em 1935 pelo nazismo, não é coincidência.

Os sefaradim

No século 9, a comunidade judaica da Babilônia começou a declinar e muitos rumaram para outros cantos do globo. Parte foi para o norte da África, à região que hoje corresponde a Argélia, Marrocos, Sahara Ocidental e Mauritânia. Lá se assentaram nos domínios de duas tribos muçulmanas: os berberes, que eram exímios guerreiros; e os mouros, mais tolerantes, que se dedicavam ao comércio, ao artesanato e à ciência.

Como os exércitos mouros estavam em franca expansão pela Espanha, os judeus pegaram carona com eles – e ficaram conhecidos como sefaradim (de Sefarad, “Espanha” em hebraico). Produziram uma língua própria, o ladino, impregnando de vocábulos hebraicos o espanhol medieval. A união entre mouros, judeus e ciganos daria origem ao flamenco, que até hoje é tocado e bailado como um hino à liberdade.

Nos demais países muçulmanos, os judeus viviam como cidadãos de segunda classe. Podiam seguir suas crenças nos dhimmis (comunidades protegidas) desde que pagassem impostos. Seu status era superior ao de pagãos e escravos. “No mundo islâmico, os judeus desfrutaram de prosperidade nos séculos 10, 11 e 12. Houve explosões de violência contra eles, mas esporádicas e locais”, diz o historiador britânico Nicholas de Lange em Povo Judeu. Alguns chegavam a ser ministros dos califas. O rabino Maomônides (1135-1204), um grande filósofo da Idade Média, foi médico dos sultões do Egito. “No século 13, quando o mundo muçulmano passou a sofrer pressões dos cristãos no oeste e dos mongóis no leste, a condição dos judeus piorou de forma dramática”, diz Lange.  “Os líderes islâmicos deram carta branca à intolerância religiosa.

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” Pior: no século 15, Fernando de Aragão e Isabel de Castela (os reis católicos) se uniram para acabar com o domínio muçulmano no sul da Espanha. A Santa Inquisição queimava judeus como “hereges” e pilhava seus bens. Em 1492, os reis católicos derrotaram Granada, o último bastião mouro na Península Ibérica. E expulsaram os judeus que não aceitassem a conversão imediata à fé cristã. Os que quiseram praticar o judaísmo de forma aberta emigraram para o Império Otomano, que abrangia a Turquia, o norte da África e o Oriente Médio. “A maioria, cerca de 100 mil, optou pela solução mais fácil: fugir para Portugal”, diz Lange. “Foi uma decisão equivocada. Cinco anos depois, o rei dom Manuel batizou os judeus à força.”

Os convertidos, os “cristãos-novos”, continuaram sendo alvo de suspeita dos inquisidores. Tanto que ficaram conhecidos como marranos (“porcos”, em espanhol) ou anussim (“forçados”, em hebraico). “Para muitos, a saída foi praticar o judaísmo secretamente, correndo risco de vida”, diz o escritor americano-português Richard Zimler, autor de vários livros sobre o tema. Outros botaram o pé no mundo e se fixaram em todo o arco mediterrâneo, sul da França, Holanda, Inglaterra e norte da Alemanha.

Segundo Johnson, a diáspora sefaradim mobilizou judeus do mundo inteiro. A chegada de refugiados a uma cidade provocava a expulsão dos que lá viviam. “Muitos judeus converteram-se em vendedores ambulantes”, diz. Vem dessa época a lenda antissemita do Judeu Errante, o sujeito que teria negado água a Jesus no trajeto até a crucificação e por isso havia sido condenado a uma vida sem rumo. O primeiro gueto da história, em Veneza, data de 1516. Outros “cristãos-novos” vieram para o Brasil, trabalhar em Minas Gerais ou nos engenhos de Pernambuco. Em 1636, fundaram no Recife a primeira sinagoga das Américas sob a bênção dos holandeses.

Os ashkenazim

A saga dos sefaradim foi simultânea à de outro importante grupo: os ashkenazim (do hebraico medieval Ashkenaz, “Alemanha”). Eles se assentaram entre a Alemanha e a França, ao longo do Vale do Reno, a partir do século 8, incentivados pelo imperador Carlos Magno. A maioria se dedicava ao artesanato, à fabricação de vinhos e ao comércio – conheciam como poucos as rotas para o Mediterrâneo e o Oriente Médio.

Ashkenazim   (Judeus alemães)  em 1876. O termo Ashkenazi geralmente se refere aos judeus da Europa Oriental - Fonte - http://www.israeldailypicture.com/2011/09/who-is-jew-more-than-100-years-ago-in.html
Ashkenazim  (Judeus alemães) em 1876. O termo Ashkenazi geralmente se refere aos judeus da Europa Oriental – Fonte – http://www.israeldailypicture.com/2011/09/who-is-jew-more-than-100-years-ago-in.html

“No século 13, muitos ashkenazim foram para a Polônia atraídos pelas oportunidades econômicas”, diz Lange. “Tinham em suas mãos a maior parte do comércio.” A idade dourada dos ashkenazim acabou em 1648, ao serem alvo de uma rebelião dos cossacos, vindos da Rússia e da Ucrânia, que investiram contra os judeus, matando perto de 100 mil e dizimando 300 comunidades. O antissemitismo tornou a Europa um lugar perigoso. Judeus já haviam sido expulsos da Inglaterra em 1290 e da França em 1306.

“A ausência de um Estado fez com que construíssem sua identidade com base em parâmetros mais religiosos e étnicos do que nacionais ou territoriais”, diz Krausz. Em geral, viviam como estrangeiros, apenas tolerados. Não podiam reivindicar os direitos dos outros cidadãos e pagavam impostos abusivos. Não tinham terras nem participavam de corporações de ofícios, que só aceitavam cristãos. “Restava-lhes o pequeno comércio e a lida com o dinheiro”, diz Krausz. Os ashkenazim chegaram à Lituânia, Ucrânia, Moldávia e Rússia. Viviam num vilarejo semi-isolado, o shtetl. Assim como os sefaradim, criaram seu dialeto: o ídiche, que mescla alemão medieval com termos hebraicos e eslavos.

A emancipação

Quando os ventos da Revolução Francesa sopraram na Europa, os judeus puderam sair do gueto e conquistar a cidadania. Figuras como Albert Einstein e Sigmund Freud moldaram o pensamento do Ocidente. Mas, se por um lado o século 19 trouxe emancipação, também instigou o nacionalismo. Os modernos Estados-nação acusaram os judeus de não participar da cultura majoritária e, portanto, da identidade nacional.

Foto de livro mostrando as vítimas de um Pogrom contra judeus na Russia - Fonte - http://www.jewishsphere.com/JewishCustoms/JewishCustomsRussia.html
Foto de livro mostrando as vítimas de um Pogrom contra judeus na Russia – Fonte – http://www.jewishsphere.com/JewishCustoms/JewishCustomsRussia.html

A Rússia virou palco do pogrom – uma perseguição insuflada pelos czares. Algumas matanças acabaram com shtetls inteiros e motivaram levas de emigrantes para ir para os Estados Unidos a partir de 1880, milhares de ashkenazim retornaram ao ponto de partida, a Palestina. A Inglaterra assumiu o controle da região após a Primeira Guerra e impôs restrições à imigração, apesar de defender um lar nacional para os judeus bem ali, onde Davi havia governado 3 mil anos antes. A imigração aumentou nos anos 30, com o fluxo de judeus que fugiam do nazismo.

JUdeus desembarcando na palestina na década de 1940 - Fonte - http://en.wikipedia.org/wiki/Zionism#/media/File:PikiWiki_Israel_20841_The_Palmach.jpg
JUdeus desembarcando na palestina na década de 1940 – Fonte – http://en.wikipedia.org/wiki/Zionism#/media/File:PikiWiki_Israel_20841_The_Palmach.jpg

Após a criação de Israel, em 1948, judeus foram expulsos de países árabes onde residiam havia séculos. No Egito, que tinha 65 mil judeus em 1937, restaram menos de 100. Na Líbia, nenhum. “Quando meu pai era menino na Polônia, as ruas eram cobertas de pichações dizendo: `Judeus, vão para a Palestina! Quando voltou, em visita à Europa 50 anos mais tarde, os muros estavam cobertos de pichações dizendo: `Judeus, saiam da Palestina!¿”, recorda o escritor israelense Amós Oz no livro Contra o Fanatismo.

Os muitos judeus

Os sefaradim e ashkenazim são os principais grupos, mas há outros

Italianos

Vivem na península da Itália desde a destruição do segundo templo, no ano 70. A eles se juntaram sefaradim deportados da Espanha e de Portugal no século 15.

Norte da África

São descendentes dos judeus que se assentaram ali por volta do século 9. Também foram expulsos após a criação de Israel. Na Líbia, por exemplo, não restou um único judeu. No Egito, menos de 100.

Mizrahim

Viveram no Iraque, Síria, Líbano, Egito e outros do Oriente Médio desde a Antiguidade, muito antes da chegada dos sefaradim, com quem são confundidos. Sua fala e seus nomes são árabes. Os do Iraque descendem de cativos que foram levados à Babilônia no século 6 a.C. Foram expulsos após a Independência de Israel, em 1948.

Teimanim

Chegaram ao Iêmen provavelmente no tempo de Salomão. Falam árabe como os mizrahim, mas sua tez é morena-escura e possuem um folclore muito típico. Expulsos após a criação de Israel, restaram cerca de 200 no Iêmen.

Etíopes

Conhecidos como Beta Israel ou falashas, têm origem desconhecida. Teriam chegado lá nos tempos de Salomão ou se convertido ao judaísmo em algum momento posterior. Em vez de hebraico, usavam o ge¿ez ou o am¿hári como língua religiosa e eram observadores estritos do shabat e da kashrut (lei alimentar). Eram quase 40 mil, viviam em campos de refugiados e foram resgatados por Israel nos anos 80 e 90.

Indianos

O sincretismo do hinduísmo se combinou com a segregação do sistema de castas – que acabou protegendo-os. Os judeus da costa do Malabar viveram muito tempo separados do resto do mundo. Hoje são cerca de 5 mil.

Chineses

Se assentaram em vários locais do país na Idade Média e foram bem tolerados pelo confucionismo. A maior comunidade ficava em Kaifeng, mas foi perdendo suas tradições. Hoje são cerca de 2,5 mil em toda a China.

Saiba mais

Livros

Povo Judeu, Nicholas de Lange, Folio, 2007

Passagens: Literatura Judaico-Alemã entre Gueto e Metrópole, Luis S. Krausz, Edusp, 2012



VEJA MAIS POSTAGENS SOBRE TEMAS LIGADOS A JUDEUS NO TOK DE HISTÓRIA 

JUDEUS SEM SABER

LEI PODE DAR CIDADANIA A BRASILEIROS DESCENDENTES DE JUDEUS

SOBRENOMES DE JUDEUS EXPULSOS DA ESPANHA EM 1492 – VEJA SE O SEU ESTÁ NA LISTA

A EXPULSÃO DOS JUDEUS DE PORTUGAL

https://tokdehistoria.com.br/2015/06/08/the-first-synagogue-in-the-americas-itamaraca-1634/

HISTÓRIA DA CATEDRAL DA SÉ DE OLINDA

Igreja do Salvador do Mundo, segundo registro fotográfico de Leonardo Dantas Silva (2015).
Igreja do Salvador do Mundo, segundo registro fotográfico de Leonardo Dantas Silva (2015).

Texto & Fotos de LEONARDO DANTAS SILVA.

Quando de sua chegada a Pernambuco, Duarte Coelho Pereira[1] trazia consigo o alvará régio de criação da paróquia do Salvador do Mundo, datado de 5 de outubro de 1534, que veio a ser instalada na vila por ele fundada “resultando na matriz mais ampla e bem provida da Colônia”. [2]

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Doada a Duarte Coelho Pereira pelo Rei D. João III, em carta datada de Évora, 10 de março de 1534, a capitania de Pernambuco compreendia “sessenta léguas de terra na costa do Brasil, as quais começarão no Rio de São Francisco, que é do Cabo Santo Agostinho para o Sul, e acabarão no rio que cerca em redondo toda a ilha de Itamaracá, ao qual rio ora novamente ponho o nome de Rio Santa Cruz, e mando que assim se nomeie e chame daqui por diante a isto com tal declaração que ficará com o dito Duarte Coelho a terra da banda Sul, e o dito rio onde Cristóvão Jaques fez a primeira casa de minha feitoria…” [3]

De posse da carta de doação da Capitania de Pernambuco, Duarte Coelho Pereira começou a reunir “a gente nobre e limpa”, de que fala Oliveira Lima, necessária ao início da colonização.

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Não poderia descuidar-se da assistência religiosa de sua gente, tendo para isso escolhido o padre Mestre Pedro da Figueira, que veio a ser o primeiro vigário da paróquia do Salvador, datando o seu primeiro ordenado de 3 junho de 1534, na razão de 15$000 ao ano, tendo sido pago o primeiro trimestre, 3$750, em setembro do mesmo ano.[4]

Partindo de Portugal em outubro de 1534, Duarte Coelho Pereira veio aportar na Praia dos Marcos, junto à antiga feitoria de Cristóvão Jaques, no Canal de Santa Cruz, em 9 de março do ano seguinte, onde se abrigou nos primeiros meses juntamente com sua mulher e as muitas famílias que trouxe consigo.

Seguindo para o Sul, o donatário foi à procura de um local onde pudesse construir a sede de sua capitania, a fim de iniciar a colonização das terras que veio a denominar de Nova Lusitânia.

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Foi Duarte Coelho Pereira, no dizer de Francis A. Dutra (The Americas, vol. XXIX, nº 4, Washington 1973), “o começo de uma dinastia”. Seu tino administrativo, ao conceder favores e incentivos especiais aos primeiros colonizadores, serviu de lição às gerações que o sucederam.

Fundou ele a matriz do Salvador de Olinda, tendo para isso trazido de Portugal o primeiro vigário, Padre Mestre Pedro da Figueira, auxiliado por quatro capelães, devidamente examinados pelo Deão da Capela Real, D. Diogo Ortiz de Vilhegas, bispo de São Tomé, por se achar vacante o bispado do Funchal, a cuja jurisdição pertenciam. No alvará régio de criação da Paróquia do Salvador consta o ordenado do vigário, 15$000 (quinze mil réis) ao ano e duas peças de escravos, estando estipulado para cada um dos quatro capelães a quantia de 8$000 (oito mil réis) e uma peça de escravos, devendo os vencimentos contarem a partir de Lisboa, logo que aceitasse o convite do donatário. Informa o padre Arlindo Rubert não constar nos documentos os nomes dos primeiros capelães e nem sempre eram necessariamente sacerdotes, já que consta haver entre eles clérigos de ordens menores e diáconos, embora genericamente chamados de padres, inclusive nas cartas jesuíticas.

Do primeiro vigário de Olinda não temos outras notícias nem sabemos até quando dirigiu a freguesia. Terá sido sucedido, talvez antes de 1550, pelo Padre Pedro Manso.[5]

Foram esses os difíceis tempos de lutas contra os índios e contra seus apresadores, contra os contrabandistas de pau-brasil, contra os que ameaçavam a estabilidade social da colônia, em favor da criação de uma reserva ecológica da cobiçada madeira de tingir (pau-brasil) e dos privilégios e liberdades concedidos por El Rei, quando da outorga da carta de doação da capitania.

Assim, Duarte Coelho fundou a Vila de Olinda, antes mesmo da dos Santos Cosme e Damião, originária de uma propriedade do vianês Afonso Gonçalves, conforme este faz menção em carta dirigida a El Rei em 1548, segundo revelação feita por José Antônio Gonsalves de Mello. [6]

Procurou o donatário dar o sustentáculo econômico a sua capitania, encarregando o seu cunhado, Jerônimo de Albuquerque, da fundação do primeiro engenho de açúcar e distribuindo sesmarias com outros colonos dispostos a implantar a agroindústria do açúcar na Várzea do Capibaribe.

Os frutos de sua administração não se fizeram tardar: em 1585, segundo relato do Padre Fernão Cardim, a produção dos 66 engenhos de açúcar de Pernambuco era estimada em 200 mil arrobas, sendo o porto do Recife visitado anualmente por 45 navios, com algumas famílias da capitania ostentando uma vida de fausto superior à de Lisboa.

Para Gabriel Soares de Sousa, Pernambuco era, em 1587, a mais adiantada das capitanias, quer no cultivo das terras, quer na polidez dos costumes e conforto da vida (Tratado Descritivo do Brasil).

A matriz do Salvador de Olinda veio a ser a igreja mais importante da América Portuguesa, depois da Sé da Bahia, durante todo o século XVI e início do século XVII. Matriz colegiada era dirigida por um pároco, auxiliado por um coadjutor e quatro capelães, que recitavam o ofício divino e celebravam missa solene em comum.

O pároco era, no dizer de Arlindo Rubert, uma espécie de vigário Geral da Capitania, com especiais faculdades outorgadas pelo Bispo da Bahia. Em “A Igreja no Brasil” (Santa Maria 1981).

Destruída pelos holandeses em novembro de 1631, a matriz do Salvador do Mundo veio a ser reconstruída, tendo os trabalhos sido parcialmente concluídos em 1669, quando a 6 de outubro foi rezada a primeira missa pelo vigário Manuel Ferreira Nunes.

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As obras de restauração continuaram até 1676, ano em que foi elevada a catedral do Bispado de Pernambuco, nela instalado em 21 de maio daquele ano; seguindo-se, no ano seguinte, a posse do primeiro bispo, D. Estevão Brioso de Figueiredo.

As obras da Sé de Olinda têm continuidade nos anos que se seguiram, tomando grande impulso quando da administração do bispo D. Frei Luís de Santa Teresa (1739-1753) e no episcopado de D. Francisco Xavier Aranha (1753-1771), quando foi concluída a restauração do seu interior.


[1] Muito embora assinasse em suas cartas tão-somente Duarte Coelho, seu nome completo era Duarte Coelho Pereira, como se depreende das declarações do seu filho Jorge de Albuquerque Coelho: “por alma do meu pai, Duarte Coelho Pereira, primeiro Governador que foi desta Capitania . . .’’ Livro de Tombo do Mosteiro de São Bento de Olinda; Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, vol. XLI (Recife 1948), p. 26. Ainda o mesmo Jorge de Albuquerque Coelho: . . . “Faço saber que Duarte Coelho Pereira, meu Senhor e Pai, que Deus tem, ao tempo que foi povoar e conquistar a dita Capitania. . .’’ . Provisão datada de Lisboa, 2 de setembro de 1594, transcrita por José Antônio Gonsalves de Mello. In: Cartas de Duarte Coelho a El Rei. Recife: 1967. p. 21.

[2] Arlindo Rubert citando a carta do padre Antônio Pires, datada de 2 de agosto de 1551, “fué cosa para dar murchas gracias al Señor, ver este Domingo pasado una iglesia muy grande lhena de esclavos que venian a la doctrina, que serian cerca de mil”. In A Igreja no Brasil, v. 1. Santa Maria: 1981. p. 59

[3] COSTA, Francisco Augusto Pereira da. Anais pernambucanos 1493-1850. Edição fac-similar. Recife: FUNDARPE; Diretoria de Assuntos Culturais; 1983. v. 1 p. 161 (Coleção Pernambucana, 2ª fase, v. 2).

[4] Quem pela primeira vez revelou tal documento foi Methódio Maranhão, Duarte Coelho e a Colonização de Pernambuco (Recife: 1935, p. 73), citando pesquisa do seu filho, Gil Maranhão, responsável pela revelação.

[5] RUBERT, Arlindo. op. cit. p. 59-60.

[6] MELLO, José Antônio Gonsalves de; ALBUQUERQUE, Cleonir Xavier de. Cartas de Duarte Coelho a El Rei. Prefácio de Leonardo Dantas Silva. 2. ed. Recife: FJN; Ed. Massangana, 1997. 138 p. (Descobrimentos, n.º 7).

[7] RUBERT, Arlindo. Op. cit. v. 1, p. 199.

BATUQUES EM LISBOA

Earle retrata uma dança popular no Rio de Janeiro no século XIX. Rítmos africanos fizeram parte da cultura musical de Barbosa desde a sua juventude.
Earle retrata uma dança popular no Rio de Janeiro no século XIX. Ritmos africanos fizeram parte da cultura musical de Barbosa desde a sua juventude.

Levando as batidas do lundu para a Europa, Domingos Caldas Barbosa fez sucesso entre a elite portuguesa

Adriana de Campos Rennó – http://www.revistadehistoria.com.br/secao/retrato/batuques-em-lisboa

Quando a primeira música foi gravada no Brasil, em 1902, havia ali a influência de um poeta e compositor que fez sucesso muito antes, ainda no século XVIII. A canção “Isto é bom”, de Xisto Bahia (1841-1894), era um lundu, gênero musical do qual foi precursor um brasileiro que viveu muitos anos em Portugal. Domingos Caldas Barbosa (1740-1800) misturou aos seus versos ritmos melódicos tipicamente africanos, dos batuques dos escravos. E deu um tom de novidade à poesia feita na sua época.
A importância do lundu, e, consequentemente, de Barbosa, está na maneira como esse gênero inspirou a criação de outros – o maxixe, inventado no século XIX, é um exemplo – e a carreira de artistas considerados pioneiros da música popular brasileira, como Chiquinha Gonzaga (1847-1935).

Barbosa deixou uma obra que contribuiu para a formação da identidade brasileira. O poeta viveu numa época em que a sociedade ainda procurava imitar em tudo a portuguesa, vista como o modelo a ser seguido. O mesmo acontecia na literatura, em que os autores lusos eram a grande referência. Mas os novos ritmos e letras com influência africana sugeriam que a Colônia era diferente da metrópole: maliciosa, malemolente, sensual, irreverente e encantadora – características que hoje são associadas ao modo de ser do brasileiro.

Com suas composições, Barbosa introduziu uma poesia menos rígida do que a neoclássica, que era a corrente em Portugal e se baseava numa linguagem nobre, elevada, capaz de manter os sentimentos sob o controle da razão. Ao “violar” as regras da época, o poeta abriu caminho para o que outras gerações consagrariam no futuro: uma expressão romântica, mais livre e subjetiva, repleta de versos com jogos de palavras que tinham uma forte musicalidade. 

“Nhanhá faz um pé de banco/ Com seus quindins, seus popôs/ Tinha lançado seus laços/ Aperta assim mais os nós (…) Logo que nhanhá saiu/ Logo que nhanhá dançou/ O cravo que tinha ao peito/ Envergonhado murchou”, dizia a letra de um de seus lundus. Barbosa já escrevia com a intenção de ter seus poemas cantados, e não lidos individualmente. Eles deviam servir de fundo para as danças de salão nas festas, fossem populares ou nobres, exaltando a graça do remelexo das mulheres de forma sensual e atrevida.

Já as modinhas – outro gênero musical do qual Barbosa também foi precursor – tentavam expressar os sofrimentos de amores não correspondidos ou nunca concretizados, mas de forma menos erótica do que os lundus: “Eu sei, cruel, que tu gostas,/ Sim gostas de me matar;/ Morro, e por dar-te mais gosto/ Vou morrendo devagar/ […] O veneno do ciúme/ Já principia a lavrar/ Entre pungentes suspeitas/ Vou morrendo devagar”. A musa desses poemas é inalcançável. O ritmo é mais arrastado, bem diferente das marcações aceleradas e pulsantes do lundu. A melancolia é um traço forte das modinhas, mais lentas e contidas, e ainda assim populares.

Como sua poesia, o próprio Domingos era resultado de uma mistura que marcou presença na formação do Brasil. Mulato, ele era filho de um funcionário público português, Antônio de Caldas Barbosa, e de uma escrava angolana de nome desconhecido. Nasceu assim que o navio que trazia seus pais da África aportou no Rio de Janeiro – ou mesmo dentro do navio, como sugerem alguns biógrafos – e estudou no Colégio dos Jesuítas, como a maioria dos filhos de portugueses abastados. Nessa escola escreveu suas primeiras poesias, com tendência satírica e repentista. Após servir como soldado na Colônia do Sacramento – região disputada por Portugal e Espanha, hoje parte do Uruguai –, foi enviado a Coimbra, Portugal, para estudar na universidade de 1770 a 1772.

Os planos de Barbosa mudaram assim que ele se instalou em Portugal e recebeu a notícia da morte de seu pai. Sozinho numa terra estrangeira onde não tinha parentes, abandonou a ideia de estudar porque precisava tratar do sustento. Passou a escrever versos encomendados pelos estudantes e a cantar em festas universitárias. Ele compunha, na maioria das vezes, na forma de improviso, para musicar e acompanhar os versos ao som de sua viola de arame. O apelo ao exotismo da mestiçagem cultural brasileira servia como uma espécie de “tempero” para a sua poesia, que fazia sucesso entre os jovens. Mas era durante as férias da universidade que Barbosa tinha mais dificuldades. A cidade ficava vazia, e o poeta, sem trabalho, chegou a passar fome.   

Sua vida mudou ao ser apadrinhado por dois nobres portugueses que conhecera em uma festa: José Luís de Vasconcelos e Sousa (1740-1812), genro do conde de Pombeiro, e seu irmão Luís de Vasconcelos e Sousa (1742-1809). De tão encantados com o talento de Barbosa, os dois o trataram como se fosse da família. Logo o ajudaram a se instalar definitivamente na corte em Lisboa, conseguindo para ele o cargo de capelão da Casa da Suplicação (o supremo tribunal de justiça do Reino de Portugal), o que o faria ser conhecido também como “Padre Caldas”.

Na capital do Reino, Barbosa participou das atividades artísticas patrocinadas pelo marquês de Pombal (1699-1782). Mesmo após a ascensão ao trono de D. Maria I (reinado, 1777-1816), o poeta continuou frequentando o Palácio Real. Seu prestígio no meio intelectual cresceu a tal ponto que em 1790 ele passou a presidir a Nova Arcádia, agremiação literária que se reunia no Palácio dos Condes de Pombeiro e pretendia reavivar a Arcádia Lusitana, associação semelhante extinta em 1774.

Alguns escritores consagrados da época, como Bocage (1765-1805), Filinto Elísio (1734-1819) e Agostinho de Macedo (1761-1831), participavam da Nova Arcádia, que deixou de existir em 1794, após desentendimentos entre seus membros. Barbosa às vezes assinava como Lereno Selinuntino, um pseudônimo bem ao gosto da moda pastoral do Arcadismo, o movimento literário do século XVIII que, retomando modelos clássicos, se opunha aos exageros do barroco, privilegiando temas ligados ao mundo natural. 

No entanto, nem tudo era luxo e festa na vida do poeta brasileiro. Alguns de seus colegas de literatura criticavam duramente sua obra e o viam como um simples “modinheiro”, um mero compositor de letras de músicas a serviço da diversão, de um sentimentalismo derramado, sem qualquer riqueza estética que o pudesse qualificar como um verdadeiro homem das letras.

Domingos Caldas Barbosa foi um sacerdote, poeta e músico brasileiro, autor de lundus e criador da Modinha. Foi membro da Nova Arcádia de Lisboa.
Domingos Caldas Barbosa foi um sacerdote, poeta e músico brasileiro, autor de lundus e criador da Modinha. Foi membro da Nova Arcádia de Lisboa.

Essa desconfiança persistiu ao longo dos anos, mesmo após sua morte, em 9 de novembro de 1800, em Lisboa. E é um dos fatores responsáveis por ele não ser tão conhecido quanto outros artistas da sua época, como Bocage e Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), ainda que a nascente geração romântica do século XIX tivesse promovido um resgate da sua memória com a publicação no Brasil, em 1826, do segundo volume de Viola de Lereno, coletânea com as composições de Barbosa. O primeiro volume havia sido lançado pelo próprio poeta em 1798, em Portugal.

Valorizando Barbosa, os românticos buscavam uma literatura nacional para sustentar a pátria que havia acabado de conquistar a independência política em 1822. E conseguiram: mesmo sem ser muito conhecida, a obra do poeta permanece, mais de 200 anos depois, nas raízes da cultura brasileira.

Adriana de Campos Rennó é professora da Universidade Paulista e autora de Caldas Barbosa e o pecado das orelhas: a poesia árcade, a modinha e o lundu (textos recolhidos e antologia poética) (Arte & Ciência, 2005).

Saiba Mais – Bibliografia

BARBOSA, Domingos Caldas. Viola de Lereno. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,     1944. v.1 e v.2.
TINHORÃO, José Ramos. Domingos Caldas Barbosa: o poeta da viola, da modinha e     do lundu (1740-1800). São Paulo: Ed.34, 2004.

Saiba Mais – Discografia

História da música brasileira II (vários, s/d)
Marília de Dirceu (vários, s/d)
Modinhas fora de moda (vários, s/d)
Modinhas e lunduns dos séculos XVIII e XIX (vários, 1997)
Música de salão do tempo de D. Maria I (vários, 1994)
1900: a virada do século (vários, s/d)
Ninguém morra de ciúme (vários, s/d)
Viagem pelo Brasil (vários, s/d)

HOLANDESES NO NORDESTE DO BRASIL

Extensão do domínio holandês no Nordeste do Brasil
Extensão do domínio holandês no Nordeste do Brasil

Os holandeses do norte vinham em rebelião aberta contra a Coroa espanhola desde 1568, mas foi em 1602 e 1621 que eles levaram a guerra ao campo do inimigo. E foram eles, também chamados neerlandeses ou batavos, os primeiros europeus a arrancarem do controle dos conquistadores ibéricos um grande naco de terra no que hoje chamamos de América do Sul. Isso ocorreu no Brasil.

Para realizar estas conquistas os holandeses utilizaram uma empresa. A organização da Companhia das Índias Ocidentais, o empreendimento comercial conquistador holandês, é muitas vezes atribuída por historiadores ibéricos às maquinações de capitalistas judeus que fugiram (ou foram expulsos) de Espanha e Portugal, mas essa visão é insustentável. O investimento judaico no início de ações da Companhia (nominalmente capitalizada em sete milhões de florins) foi relativamente insignificante. Mas o verdadeiro impulso veio de exilados calvinistas holandeses, sendo estes particularmente proeminentes na formação da Companhia e nas listas de seus acionistas. Para os calvinistas o sentimento contra os espanhóis e portugueses era muito forte, onde a luta era considerada uma verdadeira guerra santa contra os católicos.

Prédio em Amsterdã, Holanda, sede histórica da Companhia das Índias Ocidentais, ou West-Indische Compagnie  - WIC
Prédio em Amsterdã, Holanda, sede histórica da Companhia das Índias Ocidentais, ou West-Indische Compagnie – WIC

Ao longo de sua história os holandeses reclamam que os ingleses apenas seguiram o rastro de suas conquistas; e, embora esta alegação não possa ser sempre justificada, não há dúvida de que foram os holandeses que suportaram o peso esmagador do monopólio colonial católico ibérico, que parecia tão maciçamente intacto em 1600.

As duas coroas ibéricas estavam unidas desde 1580 (a chamada união dinástica) e as Américas se tornaram um grande alvo para os holandeses, que decidiram iniciar suas operações militares atacando o Brasil, ao invés de México ou Peru. Pensavam os estrategistas batavos que os portugueses seriam vítimas mais fáceis e o governo de Madrid não reagiria de forma tão violenta a perda de terras portuguesas.

Uma vez estabelecidos no Brasil, os holandeses teriam uma base americana para operações contra os tesouros das frotas espanholas que traziam incalculáveis tesouros do Novo Mundo. Além de administrarem o crescente comércio de açúcar na sua origem e, eventualmente no futuro, marcharem por terra para as minas de prata de Potosi (Bolívia), grande manancial de riqueza da Espanha no Novo Mundo.

O Primeiro ataque

O golpe inicial da Companhia das Índias Ocidentais foi um sucesso espetacular e São Salvador, Bahia, caiu em maio de 1624.

Barco holandês
Barco holandês

Foi alegado pelo célebre Lope de Vega, em seu “El Brasil Restituído”, que esta vitória holandesa ocorreu devido à traição dos judeus “cristão-novo”, ou cidadãos cripto judeu, que vislumbravam com os batavos a liberdade religiosa do culto judaico em terra de conquistadores católicos. A verdade foi que a derrota aconteceu pela covardia dos defensores de Salvador e a pela audácia do vice-almirante holandês Pieter Pietersen Heyn.

Mais ou menos ao mesmo tempo, na costa oposta da América do Sul, outra frota holandesa tentou dominar Callao, no Peru. Esta audaciosa tentativa falhou, mas os assentamentos espanhóis na costa do Pacífico foram jogados em um estado de tremenda confusão e alarme.

Contrariando as expectativas holandesas, a perda da Bahia despertou para uma ação decisiva o lento governo em Madri. Provavelmente porque eles reconheceram que o objetivo final holandesa não era o açúcar do Brasil, mas a prata andina.

Fonte - peregrinacultural.wordpress.com
Fonte – peregrinacultural.wordpress.com

Com uma velocidade e rigor excepcionais para o padrão administrativo ibérico, uma armada combinada portuguesa e espanhola foi mobilizada. Na verdade aquela era a maior frota que já tinha cruzado a linha do Equador em direção ao Brasil desde seu descobrimento em 1500. 52 navios, 14.000 homens e 1.185 armas de fogo surgiram fora de Salvador na véspera da Páscoa de 1625. Em 1 de maio a guarnição holandesa, que não era composta de idiotas, entregou-se a Dom Fadrique de Toledo Osorio, Capitão Geral da Armada. Logo uma frota chegou da Holanda e rapidinho se retirou, sem se aventurar a um contragolpe contra a grande esquadra combinada ibérica.

Enquanto os holandeses eram pela primeira expulsos do Brasil, os esforços deles para capturar um dos mercados de escravos portugueses na costa oeste da África também falhou desastrosamente e por negligência dos seus comandantes. Um cronista holandês escreveu que “no verdadeiro estilo militar, cada um jogou a culpa no outro”.

Se os protestantes holandeses venceram o primeiro round, os seus adversários católicos haviam decididamente vencido a segunda fase e a Companhia das Índias Ocidentais estava quase falida. Mas os calvinistas das Terras Baixas do Mar do Norte eram homens teimosos. Eles não desanimavam com golpes pesados e logo recomeçaram a afiar suas espadas.

Piet Hein - Fonte - en.wikipedia.org
Piet Hein – Fonte – en.wikipedia.org

Em pouco tempo o brilhante almirante Pieter Pietersen Heyn varreu os barcos de transporte ibéricos na costa brasileira entre 1626-1627. Em setembro de 1628 conquistou toda a frota de prata espanhola na Baía de Matanzas, Cuba, um feito sem paralelo.

Com o tesouro derivados destes e de outros ataques navais, a Companhia das Índias Ocidentais pagou todas as suas dívidas, declarou um dividendo de 50 por cento e em 1630 equipou outra expedição poderosa contra o Brasil (65 navios e 8.000 homens). Desta vez seu objetivo não era a Bahia, mas Olinda e Recife, na província de Pernambuco, a região produtora de açúcar mais rica do mundo e a parte mais próspera do Império Colonial Português.

O Doce Nordeste

O açúcar havia sido introduzido no Brasil a partir da Madeira e de São Tomé em 1530, mas foi no século XVII que se tornou “o século do açúcar”, devido ao grande aumento da procura por este produto na Europa, onde constantemente se tornou uma necessidade, em vez de um luxo.

A plantação de açúcar tipicamente brasileira era centrada no engenho, ou moinho para moer a cana-de-açúcar não refinado. Os principais centros de produção foram os distritos férteis conhecidos em torno de Olinda e Recife, em Pernambuco, e do Recôncavo, nos arredores de Salvador. Os plantadores de açúcar, ou senhores de engenho, geralmente viviam em suas propriedades e vinha para a cidade apenas para festas, ou para fiscalizar o transporte de suas colheitas. Com o aumento da produção cada vez mais os lusos importavam escravos negros africanos para o Brasil.

Engenho e tropas holandesas
Engenho e tropas holandesas

Isso deu a sociedade brasileira colonial um selo marcadamente rural, em contraste com a da América contemporânea espanhola, onde os líderes da sociedade preferiam morar nas cidades do vice-reino do México e de Lima (Peru), ou no grande centro de mineração de Potosí.

Frei Manoel Calado escreveu um relato da luta Luso-Holandesa pelo nordeste do Brasil. Comenta que por volta de 1630 a produção de açúcar em Pernambuco havia chegado a um ponto em que os pilotos e mestres das grandes frotas de naus mercantes, que diariamente entravam e saíam do porto de Recife, competiam entre si em entreter os plantadores locais, a fim de conseguirem obter o transporte do doce produto.

Os seletos vinhos e víveres europeus foram importados de Portugal e dos Açores, enquanto sedas asiáticas e têxteis de qualidade eram tão abundantes nas lojas de Olinda como nas de Lisboa. O padrão de vida era excessivamente alto e qualquer chefe de família cuja tabela de serviço não era tabelada em prata maciça era considerado como miseravelmente pobre.

Olinda e ações navais holandesas
Olinda e ações navais holandesas

Pyrard de Laval, um marinheiro francês muito viajado, que visitou a colônia portuguesa em 1610, observou que “em nenhum país que eu tenho visto a prata é tão comum como nesta terra do Brasil. Você nunca vê pouco dinheiro por aqui”.

Mesmo que Olinda não se comparasse em tamanho ou em riqueza com a Cidade do México, Lima, ou Potosí, a doce riqueza que vinha do interior da província tornou a região um prêmio que valia a pena conquistar. A descrição de Manoel Calado desta região como o “espelho de um paraíso terrestre” não era mera hipérbole.

Vitória e Dominação

As ordens para os comandantes da força expedicionária holandesa de 1630 previam não só a captura de Olinda, mas, posteriormente o Rio de Janeiro (ou, alternativamente Salvador) e até mesmo de Buenos Ayres. Este programa revelou-se demasiado ambicioso.

As tropas invasoras não eram apenas compostas de holandeses, havia muitos mercenários de outras localidades na Europa, com líderes militares como excelente polonês Crestofle d’Artischau Arciszewski e o alemão Sigismund von Schoppe. Combateram em solo pernambucano muitos alemães, franceses e escandinavos formando talvez os maiores contingentes no serviço militar da Companhia. Havia até mesmo um bom número de ingleses – tantos que um capelão inglês protestante chamado Samuel Batchelor ficou alguns anos em Recife.

Apesar de Olinda e Recife terem sido tomadas sem muitas dificuldades, a resistência portuguesa no interior foi forte e teimosa. Para acabar este problema foi trazido um grande combatente, que se mostrou igualmente um grande administrador.

Nassau - Fonte - pt.wikipedia.org
Nassau – Fonte – pt.wikipedia.org

A partir de janeiro 1637, até maio de 1644, a conquista holandesa no Brasil foi governada pelo príncipe Johan Maurits van Nassau-Siegen (ou simplesmente Mauricio de Nassau). Pouco depois de sua chegada, ele infligiu uma grave derrota ao napolitano Giovanni Vincenzo di San Felice, o Conde de Bagnolo, que comandou as forças portuguesas, espanholas em Porto Calvo (Alagoas) e as levou-o ao sul do Rio São Francisco.

Os defensores do Brasil foram desmoralizados por esta derrota, e Frei Manoel Calado, sem grande admiração pelos “senhores barrigudos”, como ele frequentemente chamava os líderes militares da resistência contra os batavos. O Frei maliciosamente relata como muitos deles fugiram para o sul.

Se Mauricio de Nassau seguisse o processo de avanço militar em direção sul, provavelmente ele teria tomado novamente Salvador para os holandeses. Mas o líder conquistador não percebeu toda a extensão de seu sucesso e quando um ano depois ele atacou a capital colonial, descobriu que aquele objetivo “não era o tipo de gato para ser tomada sem luvas”. Foi repelido com grandes perdas.

Este reverso foi mais do que compensado pela derrota, em janeiro de 1639, de uma grande armada português-espanhola que o governo Ibérico tinha finalmente conseguido mobilizar, após anos de esforços abortivos, para a recuperação de Pernambuco.

Com a captura de São Jorge da Mina, na Guiné (o mais antigo assentamento europeu na África Ocidental) e de Luanda, em Angola, os holandeses conseguiram o controle total do tráfico de escravos do Oeste Africano.

Engenho de açucar
Engenho de açucar

Até o final de 1641, Mauricio de Nassau governou uma área no Brasil cujo litoral possuía mais de mil quilômetros.

Um Príncipe que Amava o Brasil

Mauricio de Nassau não era apenas um general capaz, mas um administrador de primeira classe e um governante que estava, em muitos aspectos, muito à frente de seu tempo.

No dia em que ele desembarcou em Recife ele se apaixonou pelo Brasil e não poupou esforços, dinheiro e energia para melhorar a colônia. No momento da sua chegada Recife tinha uma população com cerca de três mil almas e a superlotação foi terrível. Casas custavam a partir de 5.000 a 14.000 florins, enquanto a remuneração mensal dos empregados comuns da Companhia era de cerca de 60 florins.

Mapa de Recife
Mapa de Recife

Ele melhorou e ampliou a cidade existente com novas (e pavimentadas) ruas, estradas e pontes. Ele construiu uma nova cidade chamada Mauritia (ou Mauritstadt) em uma ilha adjacente.

Nassau tinha trazido da Holanda uma comitiva cuidadosamente selecionada de quarenta e seis acadêmicos, artistas, cientistas, artesãos e naturalistas, os quais tiveram suas próprias funções e tarefas especiais.

Assim Pintores como Frans Post e Albert Eckhout (este último possivelmente um aluno de Rembrandt) pintaram vários aspectos da vida e da cultura local. Franciscus Plante estudou a antropologia social ameríndia, flora e fauna exóticas. O astrônomo saxão Georg Marcgraff fez observações celestes no Brasil e em Angola. Os trabalhos de cartografia de Cornelis Golijath, junto com Johannes Vingboons, contribuíram para consolidar o conhecimento das costas brasileiras naquela época. Já Caspar Barlaeus escreveu um relato da atuação de Mauricio de Nassau no Brasil, que foi denominado “História dos Feitos Recentemente Praticados Durante Oito Anos no Brasil e Noutras Partes sob o Governo de Wesel, Tenente-General de Cavalaria das Províncias-Unidas sob o Príncipe de Orange” e publicado em 1647. Este livro contém grande número de mapas e ilustrações da região.

Caspar Barlaeus - Fonte - www.snipview.com
Caspar Barlaeus – Fonte – http://www.snipview.com

Nenhuma equipe de trabalho científico e artística dirigida por homens brancos nos trópicos foi novamente vista com tamanha capacidade e magnitude até as grandes expedições do capitão inglês James Cook e seus sucessores.

Não era de admirar que seus compatriotas o apelidassem de “Maurits, de Braziliaan” (Mauricio, o brasileiro).

Idade do Ouro

Nassau entendeu perfeitamente a importância de conciliar os plantadores de cana com a dominação holandesa e seus esforços conseguiram um considerável grau de sucesso neste item. Mesmo sendo um protestante convicto, numa época em que os calvinistas e católicos consideravam-se uns aos outros como inevitavelmente condenados ao fogo do inferno, Nassau deliberadamente tolerou os clérigos católicos locais, apesar da oposição dos ministros calvinistas coloniais.

Em um esforço para evitar os males da monocultura do açúcar, ele promoveu o cultivo de outras culturas, além de reduzir a tributação. Ajudou os plantadores a reconstruírem seus engenhos arruinados pela guerra e a comprar escravos em Angola. Até 1641 nada menos do que 120, de 160 engenhos de açúcar destruídos voltaram a funcionar. A produção total de açúcar durante o seu mandato foi estimado em 218.220 caixas, no valor de 28 milhões de florins.

Nassau observou que o segredo de governar Pernambuco foi lembrar aos comerciantes holandeses a importância objetiva do seu dinheiro e dos seus bens para as suas vidas. Enquanto aos portugueses ele buscava tratá-los com cortesia e polidez excessiva e não com justiça rigorosa e imparcial.

Dança dos Tapuias, índios aliados dos holandeses. Quadro de Albert Eckhout
Dança dos Tapuias, índios aliados dos holandeses. Quadro de Albert Eckhout

Os fazendeiros portugueses, segundo ele, eram em sua maioria “muito pobres e muito orgulhosos”. Nassau substituiu os vereadores portugueses pelos magistrados e subdividiu as capitanias em distritos, locais onde as câmaras neerlandesas se fixariam posteriormente. Durante o governo de Nassau a paz entre luso-brasileiros e os neerlandeses se estabeleceu no Brasil e este período ficou conhecido como “Idade do Ouro”.

Mudanças Importantes

Nesse meio tempo, em dezembro de 1640, um complô aristocrático liquidou 60 anos de domínio espanhol sobre Portugal. A revolta bem sucedida foi rapidamente seguida pela adesão de todas as colónias portuguesas (com exceção solitária de Ceuta, até hoje uma das últimas possessões espanholas). Em Junho de 1641 Portugal e a Holanda celebram um tratado de trégua de dez anos quanto às respectivas colônias. No Brasil esta trégua foi vista de forma negativa por ambos os lados.

Dom João IV se tornou o primeiro monarca português da Casa de Bragança e isso apresentou os holandeses com um delicado problema diplomático. Por um lado saudaram o enfraquecimento de seu inimigo tradicional espanhol (com quem os batavos só fizeram a paz em 1648), mas por outro lado eles estavam relutantes em parar seus ataques rentáveis na desintegração do Império Colonial Português.

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Antes da trégua de dez anos entrar em vigor os neerlandeses tiveram o cuidado de dominar tanto território ultramarino Português quanto fosse possível. Maurício de Nassau por recomendação dos diretores da Companhia das Índias Ocidentais mandou ocupar Sergipe e o Maranhão.

Naturalmente esta atitude foi vista de forma muito amarga pelos portugueses, que ao se livrarem jugo espanhol esperavam poder até voltar a dominar parte do que eles tinham perdido no nordeste do Brasil, ou por negociação mediante compra, ou por troca.

Nisso outros problemas foram prejudicando os holandeses no Brasil.

Membro de um grupo de reencenação histórica, com uniforme típico holandês do século XVII.
Membro de um grupo de reencenação histórica, com uniforme típico holandês do século XVII.

Devido a fortes enchentes, a safra de açúcar entre 1641 e 1642 foi baixa. A escravaria foi atacada por uma praga de “bexigas” (varíola) vinda de Angola. A queda dos preços do açúcar refletiu-se no valor do preço dos imóveis em Recife, que se reduziu em 1/3. A receita fiscal da Companhia caiu na mesma proporção. Em quatro anos, o tráfego marítimo com a metrópole se reduziu de 56 para 14 embarcações anuais.

Após sete anos, mesmo tendo desenvolvido uma política conciliadora e tolerante, Nassau não conseguiu impedir contradições insolúveis. Divergências entre sua forma de governar e os lucros esperados pela Companhia levaram-no a deixar o cargo e retornar à Holanda e ele partiu em 23 de maio de 1644. A saída de nassau foi lamentada por toda a colônia e marcou o início do declínio da Holanda Brasil.

Logo os novos dirigentes holandeses que sucederam Nassau, sem considerar o testamento político realizado anteriormente pelo príncipe, passaram a cobrar a liquidação das dívidas aos produtores de cana inadimplentes. Senhores de engenho e lavradores de cana deviam à Companhia 5,7 milhões de florins e começou a existir a ideia que somente expulsando os batavos é que “se livrariam das dívidas”. Em meio à crise social e econômica, a animosidade mútua entre rígidos calvinistas e católicos fanáticos aumentou rapidamente.

A Rebelião

Consta que em 15 de maio de 1645 (para outros foi em 23 de maio) dezoito líderes insurretos, liderados por João Fernandes Vieira, se reuniram no Engenho de São João, onde assinaram um compromisso para lutar contra o domínio holandês. Afirma-se que neste documento foi escrito pela primeira vez o vocábulo pátria em terras brasileiras. 

Retrato anônimo de João Fernandes Vieira, século XVII, Museu do Estado de Pernambuco.
Retrato anônimo de João Fernandes Vieira, século XVII, Museu do Estado de Pernambuco.

O líder João Fernandes Vieira era ex-sócio dos holandeses no tempo de Nassau e o segundo maior devedor da Companhia quando assumiu a liderança dos insurretos. Uma das primeiras medidas de João Fernandes foi decretar nulas as dívidas que os rebeldes tinham com os holandeses. Houve grande adesão da “nobreza da terra”, entusiasmada com esta “proclamação heroica”.

A rebelião explodiu em 13 de junho de 1645, dia de Santo Antônio de Lisboa. Uma Guerra de Reconquista, ou Guerra de Restauração, que sangrou basicamente Pernambuco por nove anos.

Teoricamente as chances holandesas de eventualmente esmagar a rebelião continuavam excelentes. Estes possuíam o domínio indiscutível do mar, uma vez que os insurgentes não tinha um barco maior do que uma canoa à sua disposição. Mas embora os holandeses pudessem aliviar Recife, ou mesmo bloquear Salvador, eles não fizeram maiores esforços para afastar e dominar os insurgentes.

Embora os insurgentes pedissem auxílio ao rei D. João IV, o monarca português não podia dar ao luxo de antagonizar os holandeses, ajudando abertamente seus súditos no Brasil. Em público ele abandonou a colônia, enquanto secretamente enviava homens e suprimentos por meio da Bahia.

As mal armadas caravelas portuguesas, que levaram estes reforços periódicos, foram frequentemente interceptados pelos holandeses, cujos corsários também realizavam estragos contra os barcos que transportavam açúcar e se dirigiam para Portugal. 249 navios portugueses foram tomados entre 1647 e 1648. Se as perdas portuguesas continuassem neste ritmo a rebelião teria inevitavelmente em colapso, já que não havia uma indústria de armas no Brasil.

Vitória Luso-brasileira

O ponto decisivo da luta veio em abril de 1648, justamente quando as coisas pareciam ficar mais difíceis para os luso-brasileiros. Em março deste ano fortes reforços holandeses chegaram a Recife. Mas um grave problema existia no seio da tropa – os oficiais dos reforços recém-chegados tinham recebido um bônus considerável em dinheiro, ao passo que os soldados não tinham recebido nada e os salários estavam em grande parte atrasados. Muitos dos homens que compunham as tropas batavas se recusaram a lutar no dia da batalha, gritando “deixar que aqueles que foram pagos vão a luta; não vamos lutar sem remuneração”.

As Batalhas dos Guararapes, episódios decisivos na Insurreição Pernambucana, são consideradas a origem do Exército Brasileiro. Quadro de Domingos Meireles - Fonte - pt.wikipedia.org
As Batalhas dos Guararapes, episódios decisivos na Insurreição Pernambucana, são consideradas a origem do Exército Brasileiro. Quadro de Domingos Meireles – Fonte – pt.wikipedia.org

Foi quando em 19 de abril ocorreu a derrota holandesa nos Guararapes!

Os holandeses ainda nem tinham se recuperado deste revés quando veio a notícia da perda de Luanda, em Angola, recapturada em agosto por um esquadrão Português vindo do Rio de Janeiro.

O desastre de Guararapes se repetiu em fevereiro de 1649, em situações ainda pior, mostrando a disposição dos portugueses e dos brasileiros nativos em expulsar os hereges. A partir deste momento os holandeses ficaram praticamente confinados em Olinda e Recife.

Apesar destas derrotas em terra, o resultado da luta ainda estava em jogo. A força naval holandesa permaneceu esmagadoramente superior a de Portugal, mas a eclosão da guerra anglo-holandesa em 1652 (a chamada Primeira Guerra Anglo-Holandesa e travada inteiramente no mar) impediu um esforço realmente determinado de reconquistar Pernambuco. Esta guerra deu a D. João IV a chance de ajudar abertamente os combatentes luso-brasileiros em Pernambuco.

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Uma frota partiu de Lisboa para o Brasil em Outubro de 1653 e recebeu ordens de não apenas bloquear Recife a partir do mar, mas de “invadir o local”. Foi uma oportunidade fugaz, mas muito valiosa para Dom João IV. Quando em dezembro a frota chegou diante de Recife e desembarcou homens para reforçar os insurgentes em terra, a guarnição e burgueses holandeses praticamente perderam a vontade de lutar.

Em 26 de janeiro de 1654 os termos da capitulação foram assinados em Recife e todos os outros fortes e lugares ainda em mãos dos holandeses ao longo da costa do nordeste brasileiro se renderam, com todas as honras de guerra, a Francisco Barreto, o comandante de campo português.

Era o fim da ocupação holandesa no Brasil.

Conclusão

O tratado de paz que Portugal concluiu em 1661 com a Holanda (sob forte pressão inglesa), fez os holandeses reconhecerem formalmente a perda de sua colônia sul-americana. Mas o desastre de 1654 marcou duramente este povo em todo o mundo.

Quando prisioneiros holandeses encarcerados pelos portugueses em Goa, na Índia, foram informados da derrota no Brasil, eles se recusaram a acreditar. Comentavam desesperados que “um dia o português pode levar Amsterdam, mas Recife nunca!”. Mas levaram!

Houvessem os holandeses continuado e ampliado a politica administrativa desenvolvida por Mauricio de Nassau, talvez o nordeste brasileiro jamais tivesse voltado a ser português e toda a história holandesa poderia ter cambiado drasticamente.

Mais tarde, gerações de holandeses consideravam que a verdadeira negligência em na perda territorial do nordeste do Brasil foi o fim da idade de ouro da expansão colonial holandesa, que tinha começado com a fundação da Batávia por Jan Pieterszoon Coen, na atual Indonésia, em 1619.

O QUE HOUVE EM PALMARES ?

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Versão dos vencedores não dá conta da organização política de uma sociedade que se manteve por mais de meio século

Laura Perazza Mendes Nascimento – http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/o-que-houve-em-palmares

Corria pelos engenhos e senzalas da capitania de Pernambuco a notícia de que, para o lado das serras, na região dos palmares, havia um refúgio. Um lugar onde era possível viver fora do poder dos senhores de engenho e manter vivas tradições africanas recriadas na América. Lá, uma nova sociedade era construída: guerreiros, agricultores, comandantes de guerra, líderes religiosos e uma linhagem real que determinava os rumos políticos e militares.

Aquelas povoações foram chamadas de mocambos, acampamentos que poderiam ser desmontados e montados em outras regiões, como estratégia de fuga ou de busca por melhores terrenos. Chegar a essa zona de vegetação de palmares não era tarefa fácil. Após fugir dos engenhos ou das vilas, era necessário trilhar caminhos íngremes e fechados pela mata. Qualquer descuido poderia resultar em recaptura ou morte, pois havia pessoas dedicadas especialmente à perseguição de escravos fugitivos, como os capitães do mato. Mesmo assim, muitos conseguiram chegar ao local, incluindo índios e pessoas livres. Foi mais fácil fugir para os mocambos no início do século XVII, quando a produção de açúcar foi desorganizada pela invasão dos holandeses (1630) e, mais tarde, pelas batalhas de expulsão desses estrangeiros (1645-1654).

Panorâmica do Parque Memorial do Quilombo dos Palmares, em Alagoas, que desde 2007 reconstitui o cenário do antigo Quilombo.
Panorâmica do Parque Memorial do Quilombo dos Palmares, em Alagoas, que desde 2007 reconstitui o cenário do antigo Quilombo.

Como era feito em Angola, os habitantes extraíam dos palmares a vegetação que deu o nome para os mocambos, fibras e palmito, além de produzir vinho e óleo. Não viviam isolados da sociedade colonial, mas buscavam reagir ao escravismo governando a si próprios.

Mas quem contou a história dessa sociedade? Infelizmente, não há nenhum registro escrito por habitantes dos Palmares. O que chegou até nós foram documentos produzidos por representantes da Coroa portuguesa que governaram a capitania de Pernambuco, e relatos de pessoas que lutaram contra os negros dos mocambos durante o século XVII. Por causa disso e de uma interpretação preconceituosa dos primeiros historiadores de Palmares, a sua história foi contada do ponto de vista da destruição. Era a versão dos vencedores.

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O principal meio tentado pelos governadores de Pernambuco e pela Coroa portuguesa para pôr um fim em Palmares foi enviar expedições militares. Elas deveriam encontrar o caminho dos mocambos e fazer o máximo de prisioneiros possível. Os prisioneiros seriam devolvidos a seus antigos senhores ou vendidos para fora da capitania, para que não retornassem aos mocambos. Poderiam render um bom lucro, mas durante os confrontos muitos morriam ou ficavam feridos. Como meio de se defender dos ataques, os habitantes de Palmares faziam emboscadas e levantavam acampamento, mudando os mocambos de local.

Um dos primeiros estudiosos do assunto, o escritor Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), dividiu a história de Palmares em três fases. A primeira corresponde ao período da invasão holandesa, no qual o número de habitantes dos mocambos cresceu rapidamente. Seu marco seria o ano de 1644, data do confronto entre os negros amocambados e a expedição comandada por um holandês chamado Rodolfo Baro. O próximo marco escolhido por Nina Rodrigues foi uma expedição militar comandada pelo capitão Fernão Carrilho, em 1677. Vindo de Sergipe especialmente para fazer uma guerra contra Palmares, o militar promoveu um grande ataque. Segundo relatos posteriores, 200 habitantes de Palmares foram feitos prisioneiros, incluindo a rainha e filhos do rei, chamado Gana Zumba. Muitos morreram ou ficaram feridos, mas sobre estes não há números. Importava mais aos vencedores contar aqueles que poderiam ser vendidos. A fase final de Palmares foi a da morte do líder Zumbi, em 1695, seguida pela destruição dos mocambos remanescentes. Mas o salto na história promovido por Nina Rodrigues não dá conta de explicar a mudança da liderança do rei Gana Zumba para Zumbi. Muitas coisas acontecerem nesse meio-tempo: acordos de paz, mudanças nas localizações dos mocambos, diferentes posicionamentos políticos.

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Como a maioria decidiu contar essa história a partir da destruição, o foco escolhido foi a morte de seu líder mais famoso. No final do século XVII, o governo de Pernambuco, cansado das expedições militares que fracassavam na luta contra os mocambos, decidiu investir no contrato de um tipo diferente de tropa: as bandeiras paulistas. Liderados por Domingos Jorge Velho, os indígenas e descentes de europeus que compunham essa tropa assinaram um contrato se comprometendo a destruir os mocambos de Palmares. Em troca, receberiam prisioneiros, terras e benefícios da Coroa, chamados de mercês.

Em 1694, os homens de Jorge Velho atacaram o mocambo principal de Palmares, localizado no Outeiro do Barriga, juntamente com homens da capitania de Pernambuco. Lá estavam Zumbi e seu exército, na capital conhecida como Macaco, protegidos por uma cerca alta que rodeava o local, à espera do ataque. Para rompê-la, os paulistas decidiram subir até o local carregando dois pesados canhões. Após horas de combate entre os que estavam do lado de fora e do lado de dentro da cerca, as tropas a serviço da Coroa conseguiram entrar em Macaco. Seu principal objetivo era capturar ou matar Zumbi, para provar que Palmares havia sido derrotado. Mas não o encontraram. Estaria ele morto? Teria escapado?

Os primeiros historiadores de Palmares acreditaram na versão de que Zumbi havia se suicidado pulando de um penhasco. Teria preferido morrer assim a ser capturado ou morto pelos inimigos. Posteriormente, foram encontrados documentos que relatam a morte de Zumbi um ano depois.

Inconformado por não poder atestar a morte de Zumbi à Coroa e a todos que viviam em Pernambuco, o governador da capitania, Caetano de Melo e Castro, decidiu enviar mais uma tropa aos mocambos. Em 1695, um habitante de Palmares que havia sido capturado anteriormente foi coagido a ajudar os homens a serviço da Coroa, e informou onde Zumbi estava escondido. Em uma emboscada, o líder palmarino foi capturado e morto. Sua cabeça foi exposta em Recife, para que todos soubessem – principalmente os escravos – que o refúgio de Palmares estava definitivamente destruído.

Quase todos os historiadores posteriores adotaram esses marcos cronológicos, mas quantos outros episódios importantes ficaram de fora da história contada pelos vencedores? Em 1678, após a expedição comandada por Fernão Carrilho, Gana Zumba decidiu enviar representantes seus para negociar um tratado de paz com o governo de Pernambuco. Sua embaixada era formada por 11 pessoas, entre elas seus filhos e importantes líderes militares. Em Recife, a comitiva de Gana Zumba foi recebida com a pompa e a circunstância dignas de uma negociação entre chefes de Estado. Cartas e presentes foram trocados entre os governantes de Palmares e de Pernambuco.

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Gana Zumba aguardou em Palmares os resultados das negociações. O governador de Pernambuco desejava que os mocambos fossem esvaziados e os escravos que lá viviam fossem devolvidos a seus senhores. Já Gana Zumba esperava que os palmarinos pudessem escolher um novo local para viver e que os nascidos nos mocambos fossem considerados livres.

As condições foram acertadas entre as partes, e os habitantes de Palmares, liderados por Gana Zumba, mudaram-se para um local chamado Cucaú. Porém uma parte dos palmarinos foi contra o acordo. Liderados por Zumbi, decidiram permanecer nos antigos mocambos e resistir aos ataques das novas expedições. Outras tentativas de acordo de paz foram feitas com Zumbi, mas nenhuma obteve sucesso. Algum tempo depois da mudança para Cucaú, Gana Zumba morreu, provavelmente assassinado por seus opositores políticos. A nova povoação foi então desfeita. Alguns retornaram a Palmares e outros foram feitos escravos pelos senhores locais, sendo vendidos para fora de Pernambuco.

O acordo feito em 1678 comprova que os habitantes de Palmares estavam organizados politicamente e que seu governo, com base em conhecimentos acumulados na África e na América, soube conduzir uma negociação com os representantes da Coroa portuguesa. A destruição de Palmares apaga uma história de mais de meio século de organização social e resistência política. 

Laura Perazza Mendes Nascimentoé autora da dissertação “O serviço de armas nas guerras contra Palmares: expedições, soldados e mercês” (Unicamp, 2013). 

SAIBA MAIS

GOMES, Flávio dos Santos. Palmares: escravidão e liberdade no Atlântico Sul. São Paulo: Contexto, 2005.

GOMES, Flávio dos Santos Gomes (org.). Mocambos de Palmares: histórias e fontes (séculos XVI-XIX). Rio de Janeiro: 7Letras, 2010.

AS ESCAPADAS DE DOM PEDRO II

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O imperador era bem menos casto que sua imagem séria nos retratos faz supor

TEXTO Paulo Rezzutti | 28/10/2014 17h17

Na calada da noite, três cidadãos, aparentemente alterados pela bebida, foram apanhados pela ronda policial tentando invadir a residência de uma senhora no Rio de Janeiro. O incidente ocorreu entre o final de 1870 e o início de 1871. Poderia ser só mais uma tentativa de invasão seguida de roubo, mas não era o caso. O inspetor do quarteirão se lembraria dessa noite para toda a vida. Ao intimar os invasores que se identificassem, reconheceu um deles como o imperador dom Pedro II. Depois de milhares de pedidos de perdão, o inspetor foi bater na casa do subdelegado às 2 horas da madrugada e contou-lhe o ocorrido, julgando que sua carreira policial terminara naquela noite. O historiador norte-americano Roderick J. Barman revelou o nome da dama em questão: Carolina Bregaro. Ela era filha do dono do Real Teatro São João, atual João Caetano, no Rio de Janeiro, e sobrinha de Paulo Bregaro, o mensageiro despachado do Rio de Janeiro que chegou a São Paulo em 7 de setembro de 1822 com cartas da corte para d. Pedro I.

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O marido de Carolina, Rodrigo Delfim Pereira, era um diplomata brasileiro educado na Inglaterra com ordens dadas por seu ilustre pai de “não voltar para o Brasil falando ‘minha pai’, ‘minha cavalo’”. Ele era meio-irmão de dom Pedro II, filho do primeiro imperador brasileiro com Maria Benedita de Castro do Canto e Melo, Baronesa de Sorocaba, irmã da Marquesa de Santos. Barman acredita que o relacionamento amoroso entre dom Pedro II e sua cunhada – ele não desconhecia seu parentesco com Delfim Pereira – durou uma década.

Ninho de amor

Dom Pedro II tinha fama de sábio. Conhecia aramaico, além de diversas línguas vivas. Correspondia-se com a maior parte dos cientistas de seu tempo, bem como com compositores, cantores e atores. Mas sua famosa biblioteca no Rio de Janeiro também tinha outra finalidade. Servia de ninho para seus amores clandestinos.

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Quando jovem, o imperador foi criado em uma monarquia sem qualquer brilho após a abdicação de seu pai, dom Pedro I, em 7 de abril de 1831. Ele e suas irmãs herdaram uma corte que, segundo testemunho de um de seus primos europeus que o visitaram, era “a mais miserável do universo”. Essa austeridade também foi a grande marca da criação do futuro imperador, que, além da pobreza da corte, herdou o pesado fardo da lembrança dos escandalosos relacionamentos extraconjugais de seu pai.

Seus tutores cuidariam para que tivesse uma educação esmerada. Queriam que dom Pedro II, diferentemente do pai, se tornasse uma pessoa regrada, controlada, ilustrada e também, de acordo com a historiadora Mary Del Priore, fosse um notório “come-quieto”, ao contrário do espalhafatoso dom Pedro I, que assinava suas cartas para a Marquesa de Santos como “Demonão”.

De 1831 até 1834, quando dom Pedro I morreu, em Portugal, várias alas da política brasileira tinham verdadeiro pavor de que o ex-imperador retornasse ao Brasil e assumisse a regência em nome do filho. Uma campanha de desmoralização pública teve início assim que o navio que o levava ao exílio deixou de ser visto no horizonte. As críticas ao ex-monarca tornaram-se públicas, afinal, a Constituição que protegia a figura do imperador não dizia nada a respeito de ex-governantes. No Primeiro Reinado, os jornais utilizava-se de expressões sutis e satíricas, por exemplo, “o nosso caro Imperador”, onde o caro não era para ser lido como caríssimo ou querido, e sim como dispendioso. Na época das Regências, elas foram trocadas por “assassino da esposa”, “amante dissoluto”, “devasso corrupto”, entre outros qualificativos.

Domitila de Castro
Domitila de Castro

A nódoa moral de seu reinado, seu caso de sete anos com a Marquesa de Santos, foi relembrado ao limite nessas folhas, e logo a sua ex-amante, a paulista Domitila de Castro do Canto e Melo, acabou elevada a símbolo máximo da corrupção e da devassidão do Primeiro Reinado nos jornais da época, sobretudo no periódico Sete de Abril. “O primeiro imperador era figura mais visível nos seus desajustes conjugais, tendo deixado aos historiadores abundante documentação sobre suas infidelidades”, afirma Mary Del Priore. Era assunto diferente das famosas amantes dos reis franceses, da época do absolutismo. “A vida sexual dos monarcas do Antigo Regime sempre foi sinônimo de virilidade e poder do rei. Depois da Revolução Francesa, amantes e concubinas só revelavam governantes fracos e manipuláveis. Dom Pedro foi severamente criticado quando desembarcou em Salvador levando Leopoldina e Domitila. A sociedade se fechou, e nos muros da cidade panfletos e caricaturas enxovalhavam o casal. Quando a imperatriz faleceu, a casa de Domitila foi alvo de ataques de populares, obrigando-a a fugir. Sem contar as caricaturas que se multiplicaram ao final de seu reinado: ele montado pela amante!”

Noites atenienses

Para que o Império e o futuro imperador dom Pedro II passassem uma imagem mais séria, a educação moral do jovem príncipe foi rígida. Desde o princípio, ele sabia o quanto o romance escancarado de seu pai com a fogosa paulista jogara lenha na fogueira moral ateada pelos inimigos da monarquia, e assim a discrição amorosa do imperador virou lei.

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Como afirma o historiador Renato Drummond Tapioca Neto, “o sexo para as mulheres das classes mais abastadas tinha apenas uma função: produzir filhos, a maior alegria para o casal. O prazer não entrava nesse jogo. Dessa forma, no leito conjugal, a lei que ditava o desempenho dos homens era a perpetuação da linhagem, enquanto a paixão e o desejo carnal eles reservavam a outras mulheres, as amantes. Mas tudo por baixo dos panos. Afinal, qualquer escândalo poderia vir a prejudicar a imagem da família perante a sociedade”.

Quem olha para as pinturas e fotos daquele senhor sisudo, bochechudo e com longas barbas brancas não imagina que ele abalou tantos corações, de maneira muito mais discreta que seu pai. O mais famoso relacionamento extraconjugal de dom Pedro II foi com Luísa Margarida de Barros Portugal, a condessa de Barral, exposto por Mary Del Priore em Condessa de Barral, a Paixão do Imperador. Ela era uma rica dona de engenho casada com um nobre francês e foi preceptora das princesas imperiais, Leopoldina e Isabel. O relacionamento durou 34 anos de ânsias e suspiros apaixonados em cartas interatlânticas, nas quais dom Pedro II relembrava com carinho das “noites atenienses” ou de quartinhos de hotéis em Petrópolis. Porém havia também nesse relacionamento uma certa paixão intelectual.

Nada, ao menos da correspondência amorosa que sobreviveu entre ele e a condessa, lembra o fulgor do pai, que tratava com paixão a Marquesa de Santos, ora com versinhos mal construídos, ora com palavras das mais vulgares, chegando a enviar pelos pubianos à amante e sentir saudades de “ir aos cofres” dela.

Existe na historiografia brasileira a lenda de que o historiador Tobias Monteiro teria encontrado cartas picantes envolvendo dom Pedro II, e as depositou na Biblioteca Nacional, porém um arranjo na numeração as teria feito ficar desaparecidas por muito tempo no arquivo. Afinal, não pegava bem para a imagem do ex-imperador ter sua vida amorosa exposta de maneira indecorosa, como aconteceu com seu pai.

Quem conhece um pouco de organização de bibliotecas e arquivos sabe que uma pasta, caixa, ou livro posto em outro lugar que não o seu é uma atrocidade, pois se perdem sua localização no acervo e as formas de desarquivar a informação. Assim, periodicamente, esse acervo de cartas era “redescoberto”. Finalmente, o historiador José Murilo de Carvalho conseguiu catalogá-lo, o que acabou por revelar um dom Pedro II menos morno que sua figura bonachona. Como diz um ditado holandês: a fruta não cai longe do pé. O velho imperador também teve seu lado “Demonão”.

“Te amo e sou tua”

Se as cartas da condessa de Barral para dom Pedro II são mornas, o mesmo não acontece com a sua correspondência com a condessa de Villeneuve. Nascida Ana Maria Cavalcanti de Albuquerque, era casada com Júlio Constâncio de Villeneuve, conde de mesmo nome, proprietário do Jornal do Commercio. Ana era nove anos mais nova que dom Pedro II.

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Em suas cartas para o imperador, ela lembra que “cada uma de tuas expressões tão apaixonadas me fazem estremecer de amor” e declara: “Eu te amo e sou tua de toda a minha alma. Eu te abraço tão ardentemente como tu desejas”. A pedido do imperador, enviou-lhe uma foto com vestido decotado, diante da qual dom Pedro II delira, em carta de 13 de maio de 1884: fantasia uma tórrida cena de amor no sofá da casa da condessa, com corpos entrelaçados, desfalecendo de prazer. Em carta de 7 de maio, afirma: “Que loucuras cometemos na cama de dois travesseiros!”, e, adiante, como se estivesse para atingir o clímax, declara que não consegue mais segurar a pena: “Ardo de desejo de te cobrir de carícias”.

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Uma testemunha da época do Segundo Reinado, o diplomata espanhol Juan Valera, confidenciou a um amigo que “a imperatriz do Brasil (dona Teresa Cristina) é tão virtuosa quanto feia, e dom Pedro II lhe é infiel de vez em quando. O teatro de suas infidelidades é a biblioteca do palácio; o que acontece é que as damas se instruem…”. Outra característica que dom Pedro II herdou do pai era a sovinice: esbanjava com esmolas e bolsas de estudo, mas era miserável com as amantes. Valera chega a comentar que não foram poucos os homens que acabaram falindo para manter as esposas frequentadoras assíduas da corte e da “biblioteca” do imperador.

Em 1882, um escândalo público envolvendo a família imperial abateu-se contra dom Pedro II. Alguns dias após a comemoração do aniversário de 60 anos de dona Teresa Cristina, o casal imperial deixou o Palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, e partiu para Petrópolis. As joias usadas pela imperatriz e pela princesa Isabel foram entregues ao camarista. Como não encontrou a chave do cofre, ele deixou a caixa que recebeu dentro de um dos armários do palácio, de onde ela desapareceu. Três pessoas foram presas, dois funcionários do palácio e um ex-funcionário, Manuel Paiva. Este, afastado do serviço imperial por suspeita de roubo, morava de favor em uma casa dentro do terreno do palácio de São Cristóvão e possuía as chaves da residência do imperador.

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Uma carta anônima revelou o paradeiro das joias: estavam dentro de uma lata enterrada no fundo da casa de Paiva. Após a solução do caso, dom Pedro II resolveu deixar as coisas como estavam. Os acusados foram postos em liberdade, e Manuel Paiva retornou para casa. Os jornais contrários ao imperador e à monarquia diziam que a Justiça do Brasil havia sido enterrada no mesmo “lamaçal” onde as joias haviam sido encontradas. Enquanto alguns diários louvavam a benevolência do imperador em relação aos acusados, os mais exaltados o criticavam: se ele era tão negligente com a administração da casa, como cuidava do Império?

O jornal O Mequetrefe afirmou que o imperador era refém de Manuel Paiva. O ex-servidor teria sido seu alcoviteiro, servindo de facilitador com as damas pelas quais dom Pedro II se interessava e de acompanhante em suas aventuras amorosas noturnas. O pasquim também afirmava que, além das senhoras, o imperador era “doido por um caldinho de franga”. Os autores José do Patrocínio, Raul Pompeia e Artur Azevedo criaram peças e contos publicados na Gazeta de Notícias, na Gazetinha e na Gazeta da Tarde a respeito do caso. A correspondência da Barral com o imperador revela que algo de verdade deveria haver no meio de tanta suspeita. A condessa alertou dom Pedro para “modificar seu modo de vida, porque na mocidade desculpa-se muita coisa, mas na velhice nada, e Vossa Majestade deve dar o exemplo”.

SAIBA MAIS

Livros

Pedro II, José Murilo de Carvalho, Cia. Das Letras, 2007

Condessa de Barral, a Paixão do Imperador, Mary Del Priore, Objetiva, 2008

HANS STADEN E A HISTÓRIA DE UM DOS PRIMEIROS LIVROS SOBRE O BRASIL

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Como um mercenário alemão da região de Hesse, prisioneiro entre índios canibais brasileiros conseguiu sobreviver para trazer ao público a sua grande aventura, que se tornou um best-seller na Europa

Após Cristóvão Colombo atravessar o Oceano Atlântico em 1492 algumas informações desta viagem começaram a circular na Europa, atiçando o imaginário dos habitantes do Velho Continente sobre o que havia nestes exóticos locais.

Logo, em 1502 e 1504, foram publicadas cartas do explorador e cartógrafo florentino Américo Vespúcio, onde ele apresentou curiosos e fantásticos relatos do “Mundus Novus”. Vespúcio descreveu tempestades, animais estranhos, mulheres sensuais, sexo indiscriminado e canibalismo. Este último fato presenciado pelo famoso navegador na costa potiguar, em 1501, na atual Praia do Marco.

Um tatu (ou um quati), visto e descrito por Staden quando esteve no Brasil
Um tatu (ou um quati), visto e descrito por Staden quando esteve no Brasil

“Mundus Novus” foi um dos maiores best-sellers em seu tempo. Em apenas três anos, 19 edições das cartas de Vespúcio foram publicadas somente em alemão, ajudando a denominar de Novo Mundo, tudo que estivesse do outro lado do Atlântico.

Certamente que os homens que faziam livros naquela época perceberam que ganhariam muito dinheiro com outras obras que trouxesse nas suas páginas os relatos dos navegantes e suas aventuras.

Mas quem poderia escrever algo assim?

Um Mercenário no Novo Mundo

Muito provavelmente o alemão Hans Staden, natural da cidade de Homberg, lutou como um mercenário na Guerra de Schmalkaldischen, uma das primeiras guerras religiosas entre protestantes e católicos. O nosso herói era um “Büchsenschütze”, um atirador de arma de fogo longa, um artilheiro, e, portanto, um especialista muito requisitado naquela época em que as armas de fogo ainda eram uma novidade. Consta que mercenários com esta função faziam um bom dinheiro, quase o dobro dos soldados comuns de infantaria.

Hans Staden
Hans Staden

Staden combateu por seus senhores protestantes, que derrotaram o imperador católico, mas não tinham dinheiro para pagar suas tropas. Além disso, na sequência destes acontecimentos, a região de Hesse foi ocupada pelos católicos, com tropas onde havia mercenários portugueses. Talvez nesta hora Staden tenha escutado pela primeira vez algo sobre o Brasil.

Provavelmente animado por relatos dos lusos, Staden deixou sua região e foi até a cidade de Bremen, de lá seguiu para o porto holandês de Kampen e ali subiu a bordo de um cargueiro que seguia para Península Ibérica em busca de sal. Em 29 de abril de 1547 chegou a Setúbal e depois foi para Lisboa.

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Na capital de Portugal existia uma colônia alemã de tamanho considerável. Staden encontrou hospedagem junto a um anfitrião chamado Leuhr, que mediou sua entrada para uma expedição que seguia para as “Índias”. Embarcou em uma nau lusa para Pernambuco no dia 28 de janeiro de 1548, cujo capitão chamava-se Penteado. Colocaram Staden como artilheiro do navio e ele não era o único alemão a bordo, havia ainda Hans Hausen, de Westerwald, e Heinrich Prant, de Bremen. O futuro escritor e seus companheiros foram envolvidos no sequestro de navios mouros, viu peixes voando para dentro do convés próximo a costa marroquina. Chegou ao Brasil com a missão de transportar degredados portugueses remetidos para povoar a colônia, recolher pau-brasil e atacar corsários franceses que exploravam as nossas costas. 

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Aparentemente Staden lutou contra corsários franceses na Paraíba e não esteve onde hoje é o Rio Grande do Norte. Mas se houvesse ocorrido este confronte certamente não seria uma tarefa fácil para os mercenários alemães, pois os gauleses conheciam profundamente a costa nordestina e potiguar. Constam que estes estiveram na enseada de Itapitanga (atual Praia de Pititinga), também no Rio Pequeno, ou Baquipé (depois denominado Ceará-Mirim, onde penetravam os barcos francesas, que ali iam resgatar o pau-brasil aos indígenas), no Rio Grande, ou Potengi (aonde os franceses iam muitas vezes as suas margens carregar madeiras nobres e nesta área, em 1599, os portugueses fundariam uma comunidade que ficou conhecida como Natal), no porto dos Búzios (na foz do Rio Pirangi), na enseada de Tabatinga (entre o porto dos Búzios e Itacoatiara, ou Ponta da Pipa) e na enseada de Aratipicaba (atual Baía Formosa).

Pouco depois o grupo mercenário de Staden foi requisitado pelo Governador Geral Dom Duarte da Costa para defender uma fortaleza na região de Igaraçu, Pernambuco. O local era constantemente atacado por grupos que totalizavam cerca de 8.000 indígenas, sendo defendido por aproximadamente 120 pessoas, às quais se uniram os cerca de 40 recém-chegados, incluindo Hans Staden. Depois de uma renhida luta e de um cerco prolongado no qual vieram a faltar provisões, os defensores conseguiram, afinal, vencer os indígenas. Neste embate tão desigual, foi a tecnologia das armas de fogo que fez a diferença.

Após um ano e meio ele retornou para Lisboa, aonde chegou em 8 de outubro de 1548.

O que ele viu no Brasil já seria suficiente para um livro, entretanto estes primeiros momentos em terras tropicais ocuparam apenas cinco capítulos, de 53, do seu futuro trabalho literário.

Entre Canibais

Talvez decepcionado com a falta de perspectivas de um Brasil que só tinha os produtos das suas florestas a oferecer aos aventureiros europeus, Staden foi para a Espanha para depois seguir em busca de ouro na América Espanhola.

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Em abril 1549 partiu em uma nave da armada de Diogo de Sanábria, que pretendia fundar um povoado na costa da Ilha de Santa Catarina e outro na embocadura do Rio de la Plata. Mas nesta segunda ocasião em terras tropicais ele não teve sorte, pois seu navio naufragou na costa catarinense. Os integrantes da expedição, depois de passarem dois anos na região, decidiram rumar para a cidade de Assunção, atual capital do Paraguai. Staden se juntou a um grupo que rumou para a cidade de São Vicente, no litoral paulista, onde tentaria fretar um navio capaz de chegar a Assunção. Existem informações que deste último ponto os europeus pretendiam alcançar a Bolívia e o Peru em busca de ouro.

Antes de chegar a São Vicente o navio de Staden naufragou nas imediações de Itanhaém, no litoral paulista, mas seus ocupantes conseguiram nadar até a praia. De lá, foram a pé até São Vicente, onde Staden foi contratado, inicialmente por quatro meses, como artilheiro (outras fontes apontam como comandante) do Forte de São Felipe da Bertioga.

Em 1553, ao realizar uma caçada sozinho, foi capturado por indígenas. Ele contou depois que os índios usavam pequenos gravetos no lábio inferior e nas bochechas, discos de conchas brancas no pescoço e estavam cobertos com penas. Tinham seus corpos nus e estavam com os braços pintados em vermelho e preto. Os seus captores lhe jogaram violentamente no chão, rasgaram suas roupas, lhe espancaram e o esfaquearam. Nu e sangrando, Staden foi levado para a aldeia de Ubatuba (Uwattibi, no texto original do relato de Staden), dos índios tupinambás, do chefe Cunhambebe. Segundo o historiador Capistrano de Abreu, este chefe guerreiro se encontrou com Staden na Serra de Ocaraçu, atual conjunto de morros do Cairuçu, ao Sul de Paraty, na região de Trindade, Rio de Janeiro. Ele seria pai de outro chefe chamado Cunhambebe, líder de maior autoridade dentro da coalizão indígena conhecida como Confederação dos Tamoios, que lutou bravamente contra os portugueses.

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Após a captura, Staden percebeu que a intenção dos indígenas era devorá-lo. Certas fontes apontam que, passado algum tempo, índios tupiniquins atacaram a aldeia onde ele era mantido prisioneiro. Obrigado pelos tupinambás, Staden lutou ao lado destes. Seu desejo era tentar fugir para unir-se aos atacantes. Mas, estes, vendo que a resistência dos defensores era muito forte, desistiram da luta e se retiraram. 

O alemão testemunhou o ritual do canibalismo praticado contra indígenas capturados e o descreveu com riqueza de detalhes no seu relato. Outras fontes apontam que o alemão não foi vítima de canibalismo dos tupinambás pelo fato dele não ser português, já que seus captores haviam se aliado aos franceses.

Ritual de canibalismo. Staden, o barbudo nu a direita, se coloca horrorizado diante da cena.
Ritual de canibalismo. Staden, o barbudo nu a direita, se coloca horrorizado diante da cena.

Independente desta questão o certo é que o alemão passou nove meses junto aos seus captores. Chegou a aprender a língua deles e seu livro contém 150 de suas expressões. Staden acompanhou os indígenas em suas campanhas guerreiras e chegou até mesmo a ter esposas, como era comum entre os brancos que tinha amizades com os índios. Mas Staden silenciou sobre isso mais tarde, provavelmente para não manchar a sua reputação como um cristão. Um dos costumes que o alemão vivenciou foi a participação nas festas em que bebera o cauim, uma bebida alucinógena produzida pelas mulheres da tribo para grandes rituais.

Preparo do caulim
Preparo do caulim

Durante seu cativeiro o alemão chegou pedir ajuda a um navio português e a outro francês. Ambos recusaram-se a ajudá-lo por não desejarem entrar em conflito com os índios. Um dia, em 1554, chegou à aldeia de Cunhambebe a tripulação do barco francês Catherine de Vatteville, comandado por Guillaume Moner, que manteve contato com o alemão. Consta que para libertar Staden o francês enganou os tupinambás, afirmando que “seus irmãos tinham vindo busca-lo” e ele foi trocado por facas, machados, espelhos e pentes de pouco valor. Essa troca talvez tenha sido apenas um ato de pura piedade e fé cristã, pois o tempo em que Staden passou ao lado dos tupinambás parece que pouco interessou aos marinheiros gauleses.

De Volta ao Velho Mundo

Staden viajou para Europa via o porto francês de Le Havre, depois esteve em Londres, logo após desembarcou na Antuérpia e finalmente chegou à região de Hesse. Ele estabeleceu-se na cidade de Wolfhagen e começou a trabalhar numa fábrica de pólvora.

Dois anos depois o alemão Hans Staden estava financeiramente quebrado, mas ele tinha visto coisas verdadeiramente inusitadas. Mais do que qualquer outra pessoa de sua região e tinha algo para vender; uma história para um livro.

Combate entre índios
Combate entre índios

Para sua época o que ele tinha para contar era algo tão inacreditável que poderia ser um problema para fazer os seus leitores acreditarem no que estava escrito. Mas era tudo verdade e ele tinha experimentado tudo sozinho. Já em 1556 ele teria terminado o manuscrito de seu livro.

O homem que aceitou produzir a sua obra foi Andreas Kolbe (ou Andres Colben), um respeitado gráfico que preparava principalmente folhetos religiosos. Kolbe trabalhava no ramo desde 1546, na cidade de Marburg, mas seu negócio não era particularmente lucrativo e ele precisava de um sucesso em seu programa. Como corresponsável pelo livro de Staden, Kolbe chamou Johann Eichmann, conhecido como Dr. Dryander, professor de matemática e anatomia da universidade de Marburg, considerado um dos principais médicos de seu tempo. O Dr. Dryander representava a reputação acadêmica, escreveu o prefácio, e explicou ao público alemão por que a história de Staden era “verdade”. O Dr. Dryander também afirmou que conhecia o pai de Hans Staden e atestou a reputação do escritor e aventureiro.

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E assim foi publicado em março 1557, em Marburg, um livro sobre o Brasil. Um lugar cuja existência tinha apenas 50 anos entre os Europeus ditos civilizados e da qual se tinha uma vaga ideia do que ali existia.

Dúvidas e Sucesso

Desde então tem sido muito discutido sobre qual a parte que Staden realmente escreveu? Pois ele era um soldado, com presumivelmente pouca educação para escrever um texto com 53 capítulos. Para muitos quem escreveu o livro foi o Dr. Dryander. Outros chegaram até mesmo a questionar se Staden foi realmente uma testemunha ocular e se esteve entre canibais brasileiros?

Mas Staden foi muito detalhista no seu relato e consta que o Dr. Dryander nunca deixou a Alemanha em direção ao Novo Mundo. E os fatos verificáveis ​​- na época havia muito mais, porque Staden apontou datas, nomes e eventos – levam os seus inúmeros defensores a mostrarem isso como prova da autenticidade de suas experiências.

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Críticos apontam que no texto, pelo menos ocasionalmente, Staden deve ter exagerado em seus relatos para abrir ao seu livro melhores oportunidades de mercado. 

É claro que na publicação desta obra Staden, Kolbe e o Dr. Dryander tiveram o público em mente. Pois dinheiro foi gasto na feitura de 50 xilogravuras que compõem a obra, produzidas conforme as descrições do autor. Isso certamente fez com que o livro ficasse mais atraente para leitores inseguros com a incrível história. 

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Independente destas questões, o sucesso da publicação dos relatos de Staden foi imediato. Tanto que ainda em 1557, Kolbe colocou a venda uma segunda edição, que segundo o historiador berlinense Wolfgang Neuber é estimado em 3.000 exemplares. Um número considerável para a época.

Sim, e vejam como era o título original – Wahrhaftige Historia und Beschreibung einer Landschaft der wilden, nackten, grimmigen Menschfresser Leuthen in der Newenwelt America gelegen (História Verdadeira e Descrição de uma Terra de Selvagens, Nus e Cruéis Comedores de Seres Humanos, Situada no Novo Mundo da América). Na atualidade o título desta obra parece um tanto grandioso, mas na verdade era relativamente curto para os padrões da época. Nas edições posteriores as xilogravuras de Staden seriam reproduzidas pelo belga Theodore de Bry a partir de uma técnica mais sofisticada e dispendiosa que a anterior.

Legado de Quase 460 Anos

Embora no século XVI a impressão de um livro pudesse gerar uma renda decente, aparentemente para Hans Staden o que ele não viu foi o dinheiro dos direitos autorais. E para piorar a situação, no mesmo ano do lançamento oficial foram publicadas em Frankfurt duas cópias não autorizadas da sua obra. Ou seja, piratearam descaradamente o livro do mercenário alemão!

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Entretanto historiadores germânicos apontam que o sucesso do livro ajudou a melhorar a situação do antigo prisioneiro dos tupinambás, pois o prestígio conseguido abriu as portas para um emprego na corte de um conde local. Estudos a partir de notas da época sugerem que ele se casou em Wolfhagen e desta união veio duas filhas e um filho, que morreu em decorrência de uma praga no ano de 1576. 

Ao longo dos séculos a obra de Hans Staden se firmou como um importante relato da realidade dos primeiros anos de ocupação europeia do território brasileiro. A partir de sua leitura é possível ter uma ideia, mais ou menos bem acabada dos personagens importantes do período: corsários franceses, colonos portugueses, indígenas, aliados e inimigos dos colonos estabelecidos no litoral. Os costumes dos tupinambás estão ricamente descritos no livro. 

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Hans Staden nunca mais escreveu nenhum livro. Mas sua única experiência literária é comentada há quase 460 anos, onde foram publicadas mais de 80 edições, em oito idiomas diferentes. 

Nada mal para um simples artilheiro da província de Hesse.

FONTES http://www.tagesspiegel.de/weltspiegel/sonntag/soeldner-hans-staden-bei-den-nackten-menschenfressern/8888754.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Tamoios

http://pt.wikipedia.org/wiki/Invas%C3%B5es_francesas_do_Brasil

http://www.infoescola.com/livros/duas-viagens-ao-brasil-hans-staden/

http://www.encontro2012.rj.anpuh.org/resources/anais/15/1338394115_ARQUIVO_CanibalismoTupinamba.pdf

ÍNDIOS PROTESTANTES NO BRASIL HOLANDÊS

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Com a recém-conquistada colônia holandesa, a Igreja Cristã Reformada, nome da Igreja Protestante na Holanda, inicia sua expedição missionária com os índios do Brasil holandês. Além da pregação religiosa na língua nativa, outras iniciativas pretendiam a tradução da Bíblia para o tupi.

Autor – Frans Leonard Schalkwijk 

Três vezes a igreja protestante foi implantada no Brasil Colônia, três vezes foi expulsa pelos portugueses católicos. Primeira vez: a igreja reformada dos franceses no Rio de Janeiro (1557-1558); segunda, a dos holandeses na Bahia (1624-1625); terceira, a dos holandeses, alemães, ibéricos, ingleses, franceses e índios no Nordeste, quase 30 anos depois. ]

Área de ocupação do Brasil holandês - Fonte - nl.wikipedia.org
Área de ocupação do Brasil holandês – Fonte – nl.wikipedia.org

A história da igreja protestante indígena durante a Ocupação holandesa do Nordeste (1630-1654) está registrada em vários arquivos, especialmente em Amsterdã e Haia, na Holanda.

No século XVII, Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco constituíam os três principais centros urbanos do Brasil Colônia. A riqueza produzida pelo açúcar brasileiro ajudava a Espanha a consolidar o seu domínio, enquanto procurava estrangular a jovem República dos Países Baixos – ou seja, a Holanda. 

OS CONFLITOS DA COROA DE CASTELA

Embora o Brasil tivesse nascido como colônia portuguesa, a partir de 1580 Portugal havia passado a fazer parte da União Ibérica, comandada pela Espanha. O Brasil, em conseqüência, foi envolvido nos conflitos internacionais da coroa de Castela.

Na Holanda, pouco depois de 1500 a casa de Habsburgo chegou ao poder e reuniu as possessões alemãs, espanholas e holandesas nas mãos de Carlos V. Foi quando eclodiu, na Europa, a Reforma Protestante (1517). 

Tropas holandesas e um engenho nordestino em 1664
Tropas holandesas e um engenho nordestino em 1664

O sucessor de Carlos V, Filipe II, rei da Espanha, decidiu eliminar os protestantes de suas terras, o que levou à Guerra dos 80 Anos (1568-1648).

Com a derrota da armada espanhola, em 1588, o poder da Espanha entrou em declínio, enquanto a Holanda ganhou impulso, especialmente porque recebeu milhares de refugiados franceses, belgas, espanhóis, alemães, poloneses. Tinha início a Idade de Ouro dos Países Baixos. 

O trono espanhol, em represália, fechou seus portos para os holandeses, que foram obrigados a singrar os oceanos, considerados até então considerados mares territoriais ibéricos. 

A Igreja Cristã Reformada (Protestante) também crescia com o afluxo de refugiados perseguidos por sua fé religiosa. Nessa Primeira Guerra Mundial, o vigoroso comércio ultramarino holandês organizou duas grandes companhias – a das Índias Orientais e a das Índias Ocidentais – para fortalecer a cooperação entre as empresas e se proteger dos espanhóis.

Brasão do Brasil holandês
Brasão do Brasil holandês

O Atlântico era a área da Companhia das Índias Ocidentais, cuja diretoria era composta de 19 membros, os chamados Senhores XIX, representantes das cidades cooperadoras, das quais Amsterdã era a principal.

Cientes de que as maiores riquezas da inimiga Espanha provinham das Américas, estes senhores começaram a pensar na conquista de parte das colônias americanas como forma de estancar a fonte de sustentação econômica das forças espanholas. 

Nesse contexto, a Bahia parecia presa fácil, e a cidade de Salvador foi tomada. Conquista, entretanto, perdida um ano depois (1624-1625). Os holandeses, porém, decidiram prosseguir com a empreitada, agora voltada para Pernambuco. O sucesso do projeto deu início ao Brasil Holandês (1630-1654).

Edificação da Companhia das Índias Ocidentais em Amsterdam
Edificação da Companhia das Índias Ocidentais em Amsterdam

Durante esse período, tem lugar um capítulo pouco conhecido da história eclesiástica brasileira, a da Igreja Cristão Reformada, nome da Igreja Protestante na Holanda. Era uma igreja do Estado, situação das igrejas no Ocidente, seja nos países católicos, seja nos protestantes. A Igreja Cristã Reformada veio para o Brasil sob a bandeira holandesa, e foi expulsa com ela. 

Na medida que os holandeses ampliavam o território conquistado, eram implantadas congregações reformadas. Durante algum tempo, existiram 22 igrejas protestantes no Nordeste, sendo que a do Recife era a maior, contando, inclusive, com uma congregação inglesa e uma francesa. Esta se reunia no templo gálico, que tinha no conde Maurício de Nassau seu membro mais ilustre e o pastorado era exercido pelo espanhol Vicentius Soler.

Na leitura dos documentos da época, surge uma igreja cercada de pessoas dispostas a expulsá-la de sua terra como a religião dos invasores.

Bandeira do Brasil holandês
Bandeira do Brasil holandês

Entretanto, para os índios, os holandeses não eram invasores, mas sim libertadores, o que levou a missão reformada no Nordeste a fazer uma opção preferencial pelos indígenas. Para os holandeses, as tribos aculturadas constituíam os brasilianos e as não-subjugadas os tapuias. 

Filipe Camarão: O líder dos Potiguares recebeu honrarias do Rei Português por sua lealdade aos interesses lusos.

O primeiro contato entre os brasilianos e a Companhia das Índias Ocidentais ocorreu em Salvador. Com a perda da cidade, em 1625, o almirante da frota holandesa seguiu para o norte e aportou na baía da Traição, cerca de nove quilômetros ao norte da Paraíba. 

Os índios locais, da tribo potiguar, viram nos holandeses os seus libertadores do jugo português e muitos quiseram embarcar quando a frota partiu. Apenas seis jovens índios conseguiram seguir para a Holanda, enquanto a tribo procurava refúgio na mata para fugir da vingança dos portugueses.

unnamedOs seis índios potiguares – entre eles o índio Pedro Poti – permaneceram durante cinco anos nos Países Baixos, onde foram alfabetizados e instruídos na religião reformada. Pouco depois da invasão de Pernambuco, alguns desses índios foram enviados de volta ao Brasil para servirem de línguas (tradutores) no contato com seus compatriotas nas aldeias nordestinas.

O sistema de aldeamento dos índios foi iniciado pelos padres católicos e continuou com os holandeses. Por volta de 1639, o Rio Grande abrigava cinco aldeias de brasilianos, a Paraíba sete, Itamaracá cinco e Pernambuco quatro. O trabalho da igreja reformada teve início em cima do trabalho realizado pelos padres católicos. 

Os índios tinham aprendido algumas orações, a confissão apostólica, conheciam os nomes de Jesus e de Nossa Senhora, e tinham sido batizados; quanto ao mais, mantinham suas crenças animistas. Cedo a Igreja Reformada começou a evangelizar os indígenas, com apoio do governo, que precisava dos guerreiros na luta contra os portugueses.

Mas, apesar dos esforços, os holandeses não conseguiram estabelecer um método ideal de evangelização. Entretanto, os documentos registram anotações sobre batismos. No Presbitério de 1637, por exemplo, surge a questão do batismo de filhos de brasilianos e de africanos de pais já batizados pelos padres católicos. A Igreja Cristão Reformada reconheceu o batismo da Igreja Católica Romana, e decidiu que os filhos de pais batizados poderiam receber o sinal da aliança desde que seus pais confessassem a Jesus Cristo.

Mapa da região de Itamaracá
Mapa da região de Itamaracá

Em 1638, índios da Paraíba pediram ao Presbitério um predicante próprio. Nestas alturas, o Presbitério decidiu atender ao pedido dos indígenas e deslocar um pastor para as aldeias para pregar a palavra de Deus, administrar os sacramentos e exercer a disciplina eclesiástica, lembrando as três marcas da verdadeira igreja, conforme o artigo 29 da Confissão Belga. Esse plano recebeu o apoio do governo, sob a liderança de Nassau. 

APESAR DOS ESFORÇOS, OS HOLANDESES NÃO CONSEGUIRAM ESTABELECER UM MÉTODO EFICIENTE DE EVANGELIZAÇÃO

Convidado, o pastor David à Doreslaer mudou-se da capital da Paraíba para a aldeia de Maurícia. O trabalho do pastor Doreslaer teve sucesso, pois foi elogiado pelos representantes do Presbitério do Brasil em carta aos Senhores XIX, enquanto Nassau comunicava que os próprios índios expulsaram os padres das aldeias. 

Doreslaer e o pastor inglês Johannes Eduardus ampliaram o trabalho missionário e deram início ao ministério da educação. O primeiro professor protestante entre os índios foi o espanhol Dionísio Biscareto, casado com uma holandesa. Biscareto foi nomeado professor em Itapecerica, a maior aldeia da região de Goiana. Para as aldeias paraibanas, foi indicado o professor inglês Thomas Kemp.

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Em 1640 começou o trabalho de brasilianização, movimento idealizado pelo pastor Soler, da Igreja Francesa no Recife. Ele conheceu um brasiliano razoavelmente experimentado nos princípios da religião, e no ler e escrever, capaz de instruir os índios. O pastor Eduardus, por sua vez, lembrou a existência de índios em idênticas condições em Goiana. 

Assim, solicitaram ao governo que esses índios fossem nomeados professores nas aldeias, com um salário mensal de 12 florins, soldo de um cabo do exército. Esses dois índios foram os primeiros professores indígenas da Igreja Protestante na América do Sul.

Em livro publicado em 1651, Pierre Moreau cita um jovem ministro britânico que traduzira as Santas Escrituras para a língua brasiliana. Tudo indica que o hábil lingüista era o pastor Eduardus. Mas o que foi traduzido? Provavelmente apenas trechos bíblicos, mas, até hoje, não foram encontrados registros sobre o assunto nos arquivos. O que fica evidente é o interesse da Igreja Cristã Reformada em entregar aos índios a mensagem bíblica em sua própria língua.

Com a necessidade de um catecismo em língua tupi, o pastor Doreslaer organizou um livro de instrução que foi impresso na Holanda com o título Uma instrução simples e breve da Palavra de Deus nas línguas brasiliana, holandesa e portuguesa, confeccionada e editada por ordem e em nome da Convenção Eclesial Presbiterial no Brasil com formulários para batismo e santa ceia acrescentados. Embora o livro tenha sido criticado pelo Presbitério de Amsterdã, a Companhia das Índias Ocidentais mandou imprimi-lo em 1641 e, no ano seguinte, distribuiu-o no Brasil. 

Nederlands-Brazilié-Jan-van-Brosterhuisen-ca.-1645No terreno da assistência social, a Igreja Reformada enfrentava a caótica situação matrimonial existente na colônia, inclusive entre os índios. Muitos brasilianos casados viviam separados de suas esposas e não podiam casar-se novamente, embora muitos desejassem fazê-lo. 

O Presbitério, em 1638, foi de opinião que a parte desertora do casal deveria ser citada por edital público do juiz civil. Depois de determinado período, a parte abandonada deveria ser considerada livre da parte desertora, o que deveria ser aprovado pelo magistrado. Esta determinação, reconhecendo a fraqueza da natureza humana, representa o primeiro projeto de reconciliação ou divórcio legal na América do Sul. 

Os resultados práticos, entretanto, foram limitados, em razão das hesitações do magistrado, temeroso de conseqüências mais amplas. Na outra ponta, o problema da escravidão dos índios exigia solução urgente. 

Desde o início da chegada dos holandeses ficou claro que os indígenas, aculturados e não-aculturados, deveriam ser livres. A liberdade dos brasilianos seria um dos capítulos fundamentais da Constituição do Brasil Holandês e tratada nos Regulamentos de 1629, 1636 e 1645. 

WEBSITE_plaatje.04-Fregat-Boreas-voor-Elmira-invnr-A.20466-01_scheepsvaartmuseumOs holandeses não só precisavam dos índios na guerra contra os ibéricos, como sentiam profunda empatia pelos indígenas, pois, como eles, também estavam sendo oprimidos pela União Ibérica, a superpotência mundial da época. 

LIBERTAÇÃO DOS INDÍGENAS

Os Senhores XIX insistiram para que fossem postos em liberdade os brasilianos escravizados pelos portugueses em 1625, depois da partida da esquadra holandesa. Esta libertação demorou, e começou a se tornar concreta com o início do trabalho missionário. 

Em 1638, descobriu-se que os moradores portugueses de Recife ainda mantinham indígenas como escravos domésticos. Boa parte desses índios havia sido aprisionada pelas expedições punitivas levadas a efeito ao redor da baia da Traição, em 1625. O governo ordenou que todos os escravos fossem libertados imediatamente.

O governo holandês também combateu duramente a semi-escravidão, lembrando aos proprietários rurais, em Alagoas, que índios somente poderiam trabalhar nas lavouras por livre vontade e recebendo a devida remuneração. O sub-pagamento foi outra forma de exploração firmemente reprimida no Nordeste holandês. O governo determinou que os capitães que abusassem de sua autoridade fossem exemplarmente castigados. 

het-nederlandse-fort-cinco-pontas-bij-recifeOs índios, por sua vez, desejavam se transferir para as aldeias que possuíam missionários e, após intervenção do Presbitério, as autoridades promoveram as transferências para colaborar com o crescimento da igreja de Deus. 

Na história da luta da Igreja Reformada no Brasil em favor da libertação dos índios é necessário lembrar a lei do ventre livre de 1645, originária de consulta do pastor Kemp sobre a situação de brasilianos casados com escravas africanas e escravos negros casados com indígenas. 

Em resposta, as autoridades decidiram que a parte escrava do casal não se libertava pelo matrimônio, mas podia ser alforriada, e que os filhos resultantes desse tipo de casamento seriam considerados livres, reiterando que brasilianos, sem exceção, eram livres. 

EM RELAÇÃO À ESCRAVIDÃO DOS NEGROS AFICANOS, AS CONSCIÊNCIAS CRISTÃS ERAM PRIMITIVAS, CONSIDERAVAM-NA UM ESCRÚPULO DESNECESSÁRIO

Infelizmente, quanto à escravidão africana, na época as consciências cristãs era subdesenvolvidas. Quando o pastor Jacobus Dapper questionou se era lícito ao cristão negociar ou possuir escravos africanos, até o conde de Nassau afirmou que se tratava de escrúpulos desnecessários. 

Indios Tapuias Albert Eckhout 1640Nassau se conformava ao espírito de seu tempo, mas contrariava o pensamento do pai espiritual da Companhia, o belga Willem Usselinex, e do patriarca da Igreja Reformada, o francês João Calvino.

O derradeiro período da missão da Igreja Cristã Reformada começou com a realização de duas importantes assembléias, uma eclesiástica, outra política. A mesa da Assembléia Geral das Igrejas recebeu pedidos de tribos que queriam receber seus próprios obreiros. 

O professor Dionísio Biscareto foi ordenado pastor e dois brasilianos nomeados professores. Poucos meses antes da chamada insurreição pernambucana, em 1645, realizou-se a primeira grande assembléia indígena, com 120 representantes, em Itapecerica, na capitania de Itamaracá. 

brholandes_179Foram organizadas três câmaras,: a câmara de Itamaracá, dirigida pelo índio Carapeba; a de Paraíba, pelo índio Pedro Poti; e a do Rio Grande, pelo índio Antônio Paraupaba.

O teste final e violento da missão reformada veio com a eclosão da guerra de restauração portuguesa. Os documentos atestam a impressionante fidelidade dos brasilianos refugiados ao redor das fortalezas litorâneas. 

O mais famoso desses registros são as chamadas cartas tupis, trocadas entre dois primos colocados em campos opostos, o capitão-mór Filipe Camarão e Pedro Poti. Camarão era defensor do lado luso-católico na guerra; Poti, defensor do lado flamengo-reformado. Essa correspondência deixa claro a estreita vinculação entre fé e nação, igreja e Estado. Filipe Camarão escreveu: não quero reconhecer a Antônio Paraupaba, nem a Pedro Poti, que se tornaram hereges […]. 

Batalha dos Guararapes
Batalha dos Guararapes

Em resposta datada de 31 de outubro de 1645, dia da Reforma Protestante, Poti garante que seus índios viviam em maior liberdade do que os outros, ressaltando que os portugueses queriam apenas escravizá-los. 

Poti lembra a Camarão as matanças ocorridas na baia da Traição e em Sirinhaém, havia poucas semanas, quando os portugueses, após a rendição da frota holandesa, mataram perversamente 23 índios prisioneiros de guerra, quebrando as condições previamente acordadas. 

Confessou também ser cristão, crendo somente em Cristo, não desejando contaminar-se com a idolatria, e convidou seus parentes e amigos a passar para o lado dos piedosos, que nos reconhecem no nosso país e nos tratam bem. 

Ambos os primos não veriam o final dessa luta sangrenta: Camarão faleceu em 1648, depois da primeira batalha de Guararapes, e Poti no ano seguinte foi preso no cabo Santo Agostinho pelos portugueses. Segundo testemunho de Paraupaba, Poti foi lançado num poço, onde permaneceu durante seis meses. 

Insurreição Pernambucana
Insurreição Pernambucana

Retirado de vez em quando, padres se atiravam sobre ele, tentando obrigá-lo a abjurar a religião protestante. Poti, entretanto, resistiu bravamente na fé protestante, e foi embarcado para Portugal, para as câmaras de tortura do Santo Ofício, mas a viagem não acabou, atalhada pela morte.

A guerra de restauração aproximou ainda mais os índios dos holandeses e apenas o pacto com os brasilianos garantiu a resistência flamenga durante nove anos. 

Quando não houve mais condições de manter Recife, com as tropas luso-brasileiras às portas das fortificações e a armada portuguesa á entrada do porto, o Nordeste foi devolvido a Portugal. Terminava, também, a missão cristã reformada, impossível sem a proteção de um país protestante. 

Fonte – http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/indios_protestantes_no_brasil_holandes.html

A MARAVILHOSA E HISTÓRICA PRAIA DO MARCO

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Voltando do Planalto Central, mas precisamente de Goiânia e Brasília, hoje (9/4/2014) a tarde fui a bela e tranquila Praia do Marco, no município de Pedra Grande, a 170 km de Natal. É uma paisagem bem distinta do centro do Brasil e fantástica.

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Quer conhecer um paraíso? Visite a Praia do Marco, fica entre Pedra Grande e São Miguel de Gostoso aqui no Rio Grande do Norte. Formada por dunas enormes, a praia é linda, aconchegante, própria para o descanso, com piscina natural, arrecifes, boa para prática de windsurfe, boa para pesca, muitas áreas virgens ainda sem ser habitada, e o principal: o primeiro marco colonial implantado no Brasil.

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Apesar da importância histórica desse marco colonial, o fato é conhecido, no geral, apenas por estudiosos e historiadores. Existem investigações e até livro publicado sobre a história do Marco que para maior parte da população estava incógnito.

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Por ordem real do rei D. Manuel I, 3 embarcações comandada pelo o capitão-mor André Gonçalves, Gaspar de Lemos e Américo Vespúcio, deixaram Portugal com destino a nova terra. Dia 7 de Agosto de 1501 a frota chegou à orla marítima da cidade de Touros na divisa dos municípios de São Miguel de Gostoso e Pedra Grande: praia do Marco.

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Para Câmara Cascudo, o Marco de Touros muda a rota do Descobrimento. Suas pesquisas e estudos comprovam que a posse e a propriedade do Brasil se deram, não em Porto Seguro na Bahia, mas na praia do Marco. Do ponto de vista jurídico, pode-se dizer que o Brasil nasceu, para conhecimento de outras nações, no Rio Grande do Norte.

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Cascudo descobriu o monumento, identificou o Marco e fez um livro sobre o assunto. O dia 7 de agosto foi escolhido como a data do aniversário do Rio Grande do Norte, porque nesta mesma data, no ano de 1501, aconteceu, em terras potiguares, um dos mais importantes fatos históricos do país: a fixação do primeiro Marco de Posse colonial da terra brasileira por Portugal.

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Fato que para muitos historiadores, representa o registro de nascimento do Brasil. e para muitos o mais antigo, existente, da toda colonização portuguesa, e sua fincagem foi o primeiro acontecimento histórico no território potiguar e também o evento oficial de posse do país.

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Outros Marcos foram deixados no litoral brasileiro, um no litoral baiano e outro na praia da Cananéia, São Paulo, sendo o de Touros o mais antigo. A esquadra que realizara esta travessia era formada por três caravelas, saindo de Lisboa. Quando os portugueses, na sua política expansionista, chegavam às terras descobertas, deixavam o marco, oficializando a tomada de posse de territórios que descobriam como sendo exclusivamente de Portugal. Eram colunas de pedra, de altura variável, encimadas por uma cruz com inscrições em português, latim e árabe, que os portugueses passaram a usar como prova de suas descobertas e símbolos de sua fé.

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O Marco de Touros é uma pedra calcária de granulação fina, provavelmente de mármore português ou lioz, medindo 1,20 m de altura; 0,20 m de espessura, 0,30 m de largura; 1,05 m de contorno. Na parte superior, contém a cruz da Ordem de Cristo (a famosa Cruz de Malta) em relevo e, abaixo, as armas do rei de Portugal e cinco escudetes em aspas com cinco quinas, sem as bordaduras dos castelos.

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O Marco de Touros é também cultuado pela comunidade de Cauã, como se fosse santo, e o chamam até de “Santo Cruzeiro”. O culto ao Marco surgiu em decorrência da falta de conhecimento das características da pedra e das inscrições nela contidas, como, por exemplo, a cruz que representa o símbolo da Ordem de Cristo. Esses fatores levaram a comunidade a crer que o Marco era realmente divino, vindo diretamente de Deus para eles.

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Os habitantes dessa comunidade acreditavam que tirar algumas lascas de pedra do Marco de Touros para fazer chás não se constituía como uma agressão e sim como uma cura para suas doenças. A comunidade, pela sua obsessão religiosa, contribuiu para que o avanço do mar não viesse a destruir o precioso acervo – que foi o primeiro monumento histórico do Brasil português – pois, a cada avanço do mar, o Marco era deslocado do alvo das ondas.

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Desde 1976, encontra-se nas dependências da Fortaleza dos Reis Magos, quando ele foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural. Na praia do Marco, existe uma réplica do Marco, que mantém a tradição, os mitos, a crença do povo e reforça a ideia de que a ação religiosa dos habitantes preservou um patrimônio que, de outra forma, teria sido destruído.

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Fontes – http://geovanycavalcante.blogspot.com.br/2011/01/conheca-praia-do-marco-paraiso-potiguar.html

http://nataldeontem.blogspot.com.br/2009/11/marco-de-touros.html

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SOBRENOMES DE JUDEUS EXPULSOS DA ESPANHA EM 1492 – VEJA SE O SEU ESTÁ NA LISTA

Expulsão dos judeus da Espanha
Expulsão dos judeus da Espanha

Autor – Rostand Medeiros

Uma grande amiga, que dá muito valor a história, me mandou a dica desta postagem.

Ela é feita sob medida para aqueles que buscam saber se descendem, ou não, de judeus.

Mas vamos aos fatos.

Bem, em um site de notícias mexicano temos a informação que o governo espanhol publicou uma lista com 5.220 nomes e sobrenomes de origem judaica, que serão reconhecidos pela Espanha após mais de 500 anos de exclusão.

Informa o site que dias atrás o parlamento espanhol começou uma análise para devolver a cidadania para os descendentes dos judeus expulsos em 1492.

Veja o link – http://www.sdpnoticias.com/internacional/2014/03/21/atencion-si-tu-apellido-aparece-en-esta-lista-podras-recibir-nacionalidad-espanola

Aqueles que possuem estes sobrenomes, que vivam ou não na Espanha, poderão obter a dupla cidadania. Pois segundo o site de notícias, o artigo 23 º do Código Civil Espanhol, afirma que “Os cidadãos estrangeiros sefarditas, que provem a sua condição e sua ligação especial com o nosso país, mesmo sem residência legal em Espanha, qualquer que seja a sua ideologia, religião ou crenças”.

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Expulsão de judeus – Fonte – https://lahistoriajudiadeandalucia.files.wordpress.com/2012/08/aenfardelar.jpg

Bem, se isso é sério e real eu não tenho como corroborar.

Mas sabemos que no final do século XV, os judeus compunham entre 10% e 15% da população de Portugal — isso somando os cerca de 50 mil judeus portugueses, mais os quase 120 mil que cruzaram a fronteira vindos da vizinha Espanha em 1492, quando os Reis Católicos Fernando e Isabel expulsaram toda a população judaica daquele reino. Nos primeiros dois séculos depois do Descobrimento, o Brasil recebeu boa parte dessa população, os chamados Cristão-novos, convertidos ao cristianismo à força. Um em cada três portugueses que imigraram para a colônia era Cristão-novo.

Até recentemente, acreditava-se que esses judeus conversos abandonaram seus sobrenomes “infiéis” para adotar novos “inventados” baseados exclusivamente em nomes de plantas, árvores, frutas, animais e acidentes geográficos.

Como identificar, então, quem era Cristão-novo?

A mais importante pista está justamente nos arquivos da Inquisição. Aproximadamente 40 mil julgamentos resistiram ao tempo, 95% deles referentes a crimes de judaísmo. Anita Waingort Novinsky, historiadora da Universidade de São Paulo, encontrou exatos 1.819 sobrenomes de Cristão-novos detidos, só no século XVIII, no chamado “Livro dos Culpados”. Os sobrenomes mais comuns dos detidos eram , Nunes (120), Henriques (68), Mendes (66), Correia (51), Lopes (51), Costa, (49), Cardoso (48), Silva (47) e Fonseca (33). A Inquisição anotava todos os nomes dos detidos cuidadosamente, como se fosse a Gestapo nazista e mantinha uma relação de bens de Cristão-novos para confisco.

Isso não quer dizer, no entanto, que todas as famílias com esses sobrenomes eram marranas. Nas investigações, sob tortura, os detidos diziam tudo o que os inquisidores queriam ouvir, acusando vizinhos, empregados e parentes “inocentes”. Fora isso, os sobrenomes eram realmente comuns.

O historiador paulistano Paulo Valadares, autor do “Dicionário Sefaradi de Sobrenomes”, no qual destaca 14 mil sobrenomes oriundos de judeus da Península Ibérica, alerta que é preciso ir além: identificar se há antepassados portugueses que chegaram ao Brasil nos séculos XVI ou XVII ou se foram citados nos anais da Inquisição até o século XVIII, se a família se estabeleceu em alguma região específica e se guarda tradições “estranhas” (Ver – http://www.olhardireto.com.br/conceito/noticias/exibir.asp?id=3514 ).

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Fonte – http://blogs.yahoo.co.jp/

Bom, mas em relação a como se consegue esta dupla nacionalidade?

Aí não sei mesmo!

Mas acho que isso é difícil, pois assim a população Espanha dobraria de tamanho rapidamente. Tanto que depois saiu uma notícia que a pretensa concessão de cidadania espanhola através da ligação histórica com antepassados judeus seria falsa.

Em todo caso, no meu ponto de vista, o legal da postagem foi a publicação dos 5.220 sobrenomes de origem judaica. De pessoas que, segundo o site, foram comprovadamente expulsas daquele país após a Reconquista do território espanhol dos Mouros.

Eu encontrei meu sobrenome (ou “apellido”), Medeiros, entre os listados.

Mas os meus antepassados partiram, em um dia bem remoto, nesta situação de perseguição lá da Espanha ?

Esse material me incentivou a pesquisar mais fundo na história dos meus antepassados e o que descobri é que eles são realmente oriundos da Península Ibérica.

Brasão da freguesia da Ribeira Seca
Brasão da freguesia da Ribeira Seca

É certo também que eles vieram de Portugal, pois consegui alcançar dois irmãos Medeiros que emigraram para o Brasil, mais precisamente para a vila (atual cidade) de Santa Luzia, na Paraíba e depois para o Seridó Potiguar.

Um deles fincou raízes na região da cidade potiguar de Caicó e seu irmão em Acari, de quem descendo. Isso tudo na primeira metade do século XVIII. Constam que eram oriundos da Ilha de São Miguel, nos Açores, mais precisamente da freguesia (aqui no Brasil é o distrito) da Ribeira Seca, também conhecida como São Miguel da Ribeira Seca. Esta freguesia pertence a cidade de Ribeira Grande.

Bem o que apurei sobre estes meus antepassados reproduzo mais adiante, logo após a lista com os nomes.

Mas voltando a questão judaica – Os antepassados destes irmãos Medeiros poderiam ter vindo da Espanha? Seriam eles eram judeus ou cristãos?

Confesso que nada sei. Mas buscar este passado remoto, as minhas raízes, isso é legal de se conhecer e espero aprofundar mais e mais estas pesquisas.

Segue a lista –

A.Abad, Abadía, Abarca, Abastos, Abaunza, Abbot, Abdallá, Abdalah, Abdallah, Abdelnour,Abdo, Abea, Abel, Abela, Abelado, Abella,Abellán, Abendaño, Abou, Abraham, Abrahams, Abrahán, Abrego, Abreu, Abrigo, Abril, Abufelo, Abugadba, Aburto, Acabal, Acebal, Acedo, Acevedo, Acosta, Acuña, Adames, Adamis, Adanaque, Adanis, Adis, Aedo, Agababa, Agámez, Agayón, Agrazal, Agreda, Aguayo, Agudelo, Agüero, Aguiar, Aguilar, Aguilera, Aguiluz, Aguilve, Aguinaga, Aguirre, Agurto,Agustín, Ahuja, Ahumada, Aiello, Aiza, Aizprúa, Aizpurúa, Alache, Alama, Alan, Alani, Alanis, Alanís, Alaniz, Alarcón, Alas, Alavez, Alayón, Alba, Albarello, Albarracín, Albelo, Albenda, Alburola, Alcaíno, Alcanzar, Alcázar, Alcazar, Alcibar, Alcócer, Alcóser, Alcóver, Alcózer, Aldana, Aldaña, Aldapa, Aldecoba, Alderrama, Alegría, Alejos, Alemán, Alexander, Alexandre, Alfaro, Alfonso, Algaba, Alguera, Aliaga, Alicama, Alier, Alizaga, Allan, Allon, Alluín, Almanza, Almanzar, Almanzo, Almaraz, Almazan, Almeida, Almendares, Almendárez, Almendáriz, Almengor, Almonte, Aloisio, Aloma, Alomar, Alonso, Alonzo, Alpírez, Alpízar, Altamirano, Altenor, Alterno, Altino, Altonor, Alva, Alvarado, Alvarenga, Alvares, Álvarez, Alvaro, Alvear, Alverde, Alvergue, Alvir, Alzate, Amado, Amador, Amalla, Amaris, Amaya, Amor, Amora, Amores, Amoros, Ampie, Ampié, Ampiée, Ampiee, Anaya, Anchetta, Anchez, Anchía, Anchieta, Andia, Andino, Andrade, André, Andrés, Andujar, Andújar, Andujo, Angele, Angelini, Anglada, Angulo, Anice, Anjos, Ansorena, Antelo, Antero, Antezana, Antich, Antillón, Antón, Antúnez, Anzora, Aparicio, Apolinar, Apollonio, Aponte, Aquiles, Aquino, Aragón,Aragones, Aragonés, Araica, Arana, Arancibia, Aranda, Arando, Arango, Aranjo, Araque, Arata, Araujo, Araus, Arauz, Araya, Arbaiza, Arballo, Arbelo, Arbizu, Arbizú, Arboleda, Arburola, Arca, Arcarate, Arce, Arceyudh, Arceyut, Arceyuth, Arcia, Arcía, Arciniegas, Ardila, Ardín, Ardón, Ardonnix, Areas, Arellano, Arena, Arenas, Arévalo, Argudo, Arguedas, Argüelles, Argüello, Argueta, Arguijo, Arias, Ariasdes, Arica, Arie, Ariño, Arispe, Arista, Ariza, Arjona, Armada, Armas, Armenta, Armento, Armeras, Armesto, Armijo, Arnáez, Arnau, Arnesto, Anuelo, Arnuero, Arone, Arosemena, Arquín, Arrazola, Arrea, Arredondo, Arreola, Arriaga, Arriagada, Arrieta, Arriola, Arrocha, Arroliga, Arrollo, Arrone, Arrones, Arronés, Arronez, Arronis, Arroniz, Arroyave, Arroyo, Arrubla, Artavia, Arteaga, Artecona, Artiaga, Artiga, Artiles, Artiñano, Artola, Artolozaga, Aruj, Aruizu, Arze, Arzola, Ascante, Ascencio, Asch, Asencio, Asero, Así, Asís, Aspirita, Astacio, Astete, Astorga, Astorquiza, Astúa, Asturias, Asunción, Asusema, Atehortúa, Atein, Atencio, Atensio, Atiensa, Atienza, Augusto, Ávalos, Avelar, Avellán, Avendaño, Ávila, Avilés, Avilez, Ayala, Ayales, Ayara, Ayarza, Aybar, Aycinena, Ayerdis, Aymerich, Azar, Azaria, Asofeifa, Azqueta, Azua, Azúa, Azuar, Azucena, Azul, Azuola, Azurdia.

B. Babb, Babar, Baca, Bacca, Bacigalupo, Badilla, Bado, Báez, Baeza, Baidal, Bairnales, Baizan, Bajarano, Balarezo, Baldares, Balday,Baldelomar, Balderas, Balderrama, Balderramos,Baldí, Baldi, Baldioceda, Baldivia, Baldizón,Balladares, Ballar, Ballard, Ballester, Ballestero,Ballesteros, Ballón, Balma, Balmaceda, Balmacera,Balon, Balser, Baltodano, Banegas, Banet, Banilla, Baños, Bañuelos,
Baquedano, Baquero, Baradín, Baraen, Barahoma, Barahona, Barajas,Baraquiso, Barat, Barba, Barbagallo, Barbagebra, Bárbara, Barbena, Barben,Barberena, Barbosa, Barboza, Barcelas, Barcelata, Barcenas, Barcia, Bardayan,Barguil, Barillas, Barletta, Baro, Barón, Barquedano, Barquero, Barquette, Barra, Barracosa, Barrante, Barrantes, Barraza, Barreda, Barrenechea, Barrera,Barrero, Barreto, Barrias, Barrientos, Barriga, Barrio, Barrionuevo, Barrios,Barroso, Barrot, Barrott, Barrundia, Barsallo, Bart, Bartal, Barteles, Bartels,Barth, Barvas, Baruch, Basadre, Basán, Basilio, Basti, Bastida, Bastos, Bastti,Batalla, Batán, Batista, Batres, Bautista, Bauzid, Baviera, Bayo, Bazán, Bazo,Beatriz, Becancur, Becerra, Becerril, Bedolla, Bedoya, Beeche, Beeché,Beingolea, Beita, Bejarano, Bejos, Bel, Belette, Belgrave, Bellanero, Bellido,Bello, Belloso, Belmonte, Beltrán, Beltre, Benach, Benambourg, Benambugr,Benambur, Benavente, Benavides, Benavídez, Benda, Bendaña, Bendig,Bendij, Benedictis, Beneditt, Benevides, Bengoechea, Benites, Benítez, Benito,Benzón, Berasaluce, Berciano, Berdasco, Berdugo, Berenzón, Bermejo,Bermeo, Bermudes, Bermúdez, Bernadas, Bernal, Bernardo, Bernat, Berrios,Berríos, Berrocal, Berrón, Bertel, Bertrán, Betancort, Bentancourt,Betancourth, Betancur, Betancurt, Beter, Beteta, Bethancourt, Betrano, Better,Biamonte, Binda, Blanco, Blandino, Blando, Blandón, Blau, Blum, Bobadilla,Bodán, Bogán, Bogantes, Bogarín, Bohorguez, Bohorquez, Bojorge, Bolaños,Bolívar, Bonice, Boniche, Bonichi, Bonilla, Borbas, Borbón, Borda, Bordallo,Borge, Borges, Borja, Borjas, Borjes, Borloz, Borras, Borrasé, Borredo,Borrero, Bosque, Botero, Boza, Bran, Bravia, Bravo, Brenes, Breve, Briceño,Brilla, Briones, Brito, Brizeño,Brizuela, Buencamino, Buendía, Bueno, Bueso,Buezo, Buga, Bugarín, Bugat, Bugria, Burgos, Burguera, Burgues, Burillo,Busano, Bustamante, Bustillo, Bustillos, Busto, Bustos, Buzano, Buzeta, Buzo.

C. Caamano, Caamaño, Cabada, Cabadianes, Cabal, Cabalceta, Caballero, Cabana, Cabaña, Cabeza, Cabezas, Cabistán, Cabral, Cabrera, Cabrerizo, Cáceres, Cadenas, Cadet, Cageao,Caicedo, Cairol, Cajas, Cajiao, Cajina, Cala, Calatayud, Calazán, Calcáneo, Caldas, Caldera, Calderón, Calero, Caliva, Calix, Calle, Calleja, Callejas, Callejo, Calles, Calvo, Calzada, Camacho, Camaño, Camarena, Camareno, Camarillo,Cambronero, Camona, Campabadal, Campabadall, Campodónico, Campos, Canales, Canalias, Canas, Candamo, Candelaria, Candelario, Canejo, Canessa, Canet, Canetta, Canizales, Canizález, Canizares, Canno, Cano, Canossa, Cantarero, Cantero, Cantillano, Canto, Cantón, Cañas, Cañizales, Cañizález, Capón, Carabaguias, Carabaguiaz, Caranza, Caravaca, Carazo, Carbalda, Carballo,Carbonell, Carbonero, Carcache, Carcachi, Cárcamo, Carcedo, Carcía, Cárdenas, Cárdenes, Cardona, Cardos, Cardoso, Cardoza, Cardoze, Cares, Carias, Caridad, Carit, Carlos, Carmiol, Carmona, Carnero, Caro, Carpio, Carranza, Carrasco, Carrasquilla, Carreño, Carrera, Carreras, Carrillo, Carrión, Carrizo, Carro, Cartagena, Cartago, Cartín, Carvajal, Carvalho, Carvallo, Casa, Casaca, Casafont, Casal, Casanova, Casañas, Cásares, Casas, Casasnovas, Casasola, Cascante, Casco, Casorla, Cassasola, Cásseres, Castaneda, Castañeda, Castañedas, Castaño, Castañón, Castaños, Castelán, Castellano, Castellanos, Castellón, Casteñeda, Castiblanco, Castilla, Castillo, Castro, Catania, Cateres, Catón, Cavalceta, Cavaller, Cavallo, Cavanillas, Cavazos, Cavero, Cazanga, Ceba, Ceballos, Ceciliano, Cedeño, Cejudo, Celada, Celedón, Celís, Centella, Centeno, Cepeda, Cerceño, Cerda, Cerdas, Cerna, Cernas, Cerón, Cerpas, Cerros, Cervantes, Cervilla, Céspedes, Cevallos, Cevedo, Cevilla, Chabrol, Chacón, Chamarro, Chamorro, Chanquín, Chanta, C 84 Chanto, Chavarría, Chavera, Chaverri, Chaves, Chávez, Chavira, Cheves, Chévez, Chica, Chicaiza, Chicas, Chilquillo, Chinchilla, Chinchillo, Chirino, Chirinos, Chocano, Choza, Cid, Cifuentes, Cintrón, Cisar, Cisne, Cisnero, Cisneros, Cisternas, Claro, Cleves, Cobaleda, Coe, Coello, Coen, Cohen, Coles, Colina, Colindres, Collado, Collina, Colom, Coloma, Colombo, Colomer, Concepción, Concha, Conde, Condega, Condes, Conedo, Conejo, Congosto, Conte, Contreras, Corales, Corao, Cordeiro, Cordero, Cordido, Córdoba, Cordón, Cordonero, Córdova, Cordoze, Corea, Corella, Cornavaca, Cornejo, Corona, Coronado, Coronas, Coronel, Corrales, Correa, Corredera, Corro, Corta, Cortaberría, Cortés, Cortez, Cortinez, Cortissoz, Corvera, Cosio, Cosiol, Cosme, Cossio, Costa, Cotera, Coto, Crespo, Crispín, Crispino, Cruces, Cruz, Cuadra, Cuadrado, Cuan, Cuaresma, Cuarezma, Cuarta, Cubas, Cubenas, Cubero, Cubías, Cubias, Cubilla, Cubillo, Cubillos, Cubria, Cuebas, Cuellar, Cuéllar, Cuello, Cuenca, Cuendis, Cuernavaca, Cuervo, Cuesta, Cueva, Cuevas, Cuevillas, Cunill, Cunillera, Curbelo, Curco, Curdelo.

D. Da Costa, Da Silva, Dacosta, D’Acosta,Dalorso, Dalorzo, Dalsaso, Damaceno, Damito,Daniel, Daniels, Dapuerto, Dapueto,Darce, Darche,Darcia, Darío, Dasadre, Dasilva, Dávalos, David,Dávila, Davis, D’Avola, De Abate, De Aguilar, De Alba, De Alvarado, De Benedictis, De Briones, De Camino, De Castro, De Céspedes, De Espeleta, De Ezpeleta, De Falco, De Faria, De Franco, De Jesús, De Jorge, De Juana, De La Cruz, De La Cuesta,De La Espriella, De La Fuente, De La Garza, De La Guardia, De La Herran, De La Hormaza, De La Jara, De La Mata, De La Nuez, De La O, De La Osa, De La Ossa, De La Paz, De La Peña, De La Rocha, De La Rosa, De La Selva, De La Teja, De La Torre, De La Trava, De La Vega, De Largaespada, De Las Casas, De Las Cuevas, De Las Heras, De Lemos, De León, De Lev, De Lima, De López, De Luz, De Miguel, De Miranda, De Moya, De Odio, De Óleo, De Ona, De Oña, De Paco, De Paredes, De Pass, De Paz, De Pazos, De Pedro, De Pinedo, De Prado, De Rayo, De Sárraga, De Sá, De Trinidad, De Ureña, De Vega, De Yglesias, Del Barco, Del Barrio, Del Bello, Del Busto, Del Carmen, Del Castillo, Del Cid, Del Pilar, Del Pimo, Del Río, Del Risco, Del Socorro,Del Solar, Del Valle, Delatolla, Delgadillo, Delgado, Deliyore, Dellale, Dellanoce, Delso, Delvo, Dengo, Denis, Dennis, Detrinidad, Devanda, Devandas, Devoto, Dias, Díaz, Díez, Díjeres, Díjerez, Dimas, Dinares, Dinarte, Discua, Doblado, Dobles, Dodero, Dalmus, Dalmuz, Domingo, Domínguez, Donado, Donaire, Donato, Doña, Doñas, Donzón, Dorado, Dormos, Dormuz,Doryan, Duar, Duares, Duarte, Duartes, Duenas, Dueñas, Duque, Duque Estrada, Durall, Durán, Durante, Duval, Duvall, Duverrán.

E.Echandi, Echavarría, Echeverri, Echeverría, Eduarte, Egea, Elías, Eligia, Elizalde, Elizonda, Elizondo, Elmaleh, Emanuel, Enrique, Enriques, Enríquez, Eras, Erazo, Escabar, Escalante, Escamilla, Escarré, Escobar, Escobedo, Escocia, Escorriola, Escosia, Escoto, Escovar, Escribano, Escude, Escudero, España, Esparragó, Espelerta, Espeleta, Espinach, Espinal, Espinales, Espinar, Espino, Espinosa, Espinoza, Espitia, Esquivel, Esteban, Esteves, Estévez, Estrada, Estrella.

F.Faba, Fabara, Fabián, Fábrega, Fabregat,Fabres, Facio, Faerrón, Faeth, Faiges, Fait, Faith,Fajardo, Falco, Falcón, Falla, Fallas, Farach, Farah,Fargas, Farias, Farías, Faries, Fariña, Fariñas,Farrach, Farrer, Farrera, Farrier, Fatjo, Fatjó, Faundez, Faune, Fava, Fazio, Fermández, Fermán,Fernandes, Fernández, Fernando, Ferrada, Ferrán, Ferrando, Ferraro,Ferreira,Ferreiro, Ferrer, Ferrero, Ferris, Ferro, Ferros,Fiallos, Fictoria, Fidalgo,Fierro, Figueiredo, Figuer,Figueras, Figueres, Figueroa, Filomena, Fletes,Fletis, Flores, Fonseca, Font, Forero, Formoso, Fornaguera, Fraga,Fraguela,Francés, Frances, Francesa, Francia, Francis,Franco, Fray, Frayle, Freer,Freira, Fresno, Freyre, Frías,Frutos, Fuentes, Fumero, Funes, Funez, Fúnez,Fuscaldo, Fusco.

G. Gabriel, Gadea, Gaete, Gago, Gainza, Gaitán,Galacia, Galagarza, Galán, Galarza, Galaviz, Galba,Galcerán, Galeano, Galeas, Galeno, Galera,Galiana, Galiano, Galindo, Galino, Galiñanes, Gallardo, Gallegas, Gallegos, Gallo, Galo, Galtés,Galván, Gálvez, Galvis, Gamarra, Gamazo, Gambo,Gamboa, Gámez, Garay, Garayar, Garbanzo, Garcés, García, Gardela,Gargollo, Garino, Garita, Garmendia, Garner, Garnier, Garreta, Garrido, Garro,Garrón, Garza, Garzel, Garzón, Garzona, Gaspar, Gateno,Gateño, Gavarrete,Gavilán, Gaviria, Gavosto, Gayoso,Gaytán, Gazel, Gazo, Geoyenaga, Gil,Gillén, Gilles, Giral, Giraldo, Giraldt, Giralt, Giro, Girón, Gladis, Goches,Góchez, Godines, Godínez, Godoy, Goic, Goicoechea, Goicuria, Goldenberg,Golfín, Gomar, Gómez, Gomis, Gondres,Góndrez, Góngora, Gonzaga,Gonzales, González, Gonzalo, Goñi, Gordon, Górgona, Goyenaga, Gracía,Gracias,Gradis, Grajal, Grajales, Grajeda, Grana,Granada, Granados, Granda,Grandoso, Granera, Granizo, Granja, Graña, Gras, Grau, Greco, Greñas,Gridalva, Grigoyen, Grijalba, Grijalda, Grijalva, Grillo, Guadamuz, Guadrón,Guajardo, Guardado, Guardano, Guardia, Guardián, Guardiola, Guarín,Guasch, Gudino, Gudiño, Güel, Güell, Güendel, Güendell, Guerra, Guerrero,Guevara, Guido, Guie, Guier, Guifarro, Guilá, Guillarte, Guillén, Guillermet,Guillermo, Guilles, Güillies, Guillies, Guillis,Guilloch, Guiménez, Guindos,Guitiérrez, Guitta, Guix,Gulubay, Gunera, Guntanis, Gurdián, Gurrero,Gurrola, Gustavino, Gutiérrez, Guzmán.

H.Haba, Habibe, Haenz, Harrah, Hénchoz,Henríquez, Henrriquez, Herdocia, Heredia,Herencia, Heríquez, Hermann, Hermosilla, Hernández, Hernando, Hernánez, Herra, Herradora,Herrán, Herrera, Herrero, Hevia, Hidalgo, Hierro,Hincapié, Hinostroza, Horna, Hornedo, Huerta,Huertas, Huete, Huezo, Hurtado, Hurtecho.

I. Ibáñez, Ibarra, Ibarras, Icaza, Iglesias, Ilama,Incapié, Incer, Incera, Inceras, Inces, Infante,Iracheta, Iraheta, Irastorza, Irias, Iribar, Irigaray,Irola, Isaac, Isaacs, Israel, Ivañez, Izaba, Izaguirre,Izandra, Iznardo, Izquierdo, Izrael, Izurieta

J.Jácamo, Jacobo, Jácome, Jácomo, Jaen,Jáenz, Jara, Jaramillo, Jarquín, Jarrín, Jerano, Jerez,Jiménez, Jimera, Jinesta, Jirón, Joseph, Jovel,Juárez, Junco, Juncos, Jurado.

K. Kaminsky, Klein, Kuadra.

L.La Barca, Labra, Lacarez, Lacayo, Lafuente,Lago, Lagos, Laguardia, Laguna, Lain, Laine,Lainez, Laitano, Lamas, Lamela, Lamicq,Lamugue, Lamuza, Lancho, Lanco, Landazuri,Lández, Lanuza, Lanza, Lanzas, Lapeira, Laporte,Laprade, Lara, Lares, Largaespada, Largo, Larios,Larrabure, Larrad, Larragan,Larragán, Larraguivel, Lasa, Lasantas, Láscares,Láscarez, Láscaris, Lasso, Lastra, Lastreto, Latiff,Latino, Latorraca, Laurito,Laverde, Lázaro, Lázarus, Lázcares, Lazo, Lazzo, L’Calleja, Leal, Leandra,Leandro, Ledezma, Ledo, Leitón, Leiva, Lejarza, Lemmes,Lemos, Lemus,Lemuz, Leñero, León, Lépiz, Levi, Leytón, Leyva,Lezama, Lezana, Lezcano,Lhamas, Lieberman, Lima, Linares, Linarte,Lindo, Lines, Líos, Lira, Lizama,Lizana, Lizano, Lizarme, Llabona, Llach, Llado, Llamazares, Llamosas, Llano,Lanos, Llanten, Llaurado, Llerena, Llibre, Llinas, Llobet, Llobeth,Llorca, Llorella, Llorens, Llorente, Llosent, Lloser, Llovera, Llubere,Loáciga,Loáiciga, Loáisiga, Loaissa, Loaiza, Lobo,Loeb, Loew, Loinaz, Lombardo,Londoño, Lope,Lopes, Lopera, López, Lopezlage, Loprete, Lora, Loredo, Lorente,Lorenz, Lorenzana, Lorenzen, Lorenzo, Loría, Lorío, Lorio, Lorz, Losada,Losilla,Louk, Louzao, Loynaz, Loza, Lozano, Luarca, Lucas, Lucena,Lucero,Lucke, Lugo, Luis, Luján, Luna, Lunaza, Luque, Luquez.

M.Macaya, Macedo, Maceo, Machado, Machín, Machuca, Macia, Macias, Macías, Macís, Macre, Macrea, Madariaga, Maderos, Madinagoitia, Madrano, Madrid, Madriga, Madrigal, Madril, Madriz, Maduro, Magalhaes, Magallón, Magaña, Magdalena, Maguiña, Mahomar, Maikut, Maingot, Mairena, Maisonave, Maita, Majano, Majarres, Malaga, Maldonado, Malé, Malespín, Malestín, Maltés, Maltez, Malvarez, Manavella, Mancheno, Mancia, Mancía, Mandas, Mangaña, Mangas, Mangel, Manjarres, Mans, Mansalvo, Mansilla, Manso, Mantanero, Mantica, Mantilla, Manuel, Manzanal, Manzanares, Manzano, Manzur, Marabiaga, Maradiaga, Marbes, Marbis, Marcenaro, March, Marchena, Marcia, Marcías, Marcillo, Marcos, Mardones, Marenco, Margules, María, Marichal, Marín, Marinero, Marino, Mariñas, Mariño, Marot, Maroto, Marqués, Marquez, Marreco, Marrero, Marroquín, Marsell, Marte, Martell, Martén, Martens, Martí, Martin, Martínez, Martins, Marvez, Mas, Masía, Masís, Maso, Mason, Massuh, Mastache, Mata, Matamoros, Matarrita, Mate, Mateo, Matera, Mateus, Matías, Matos, Mattus, Mattuz, Matul, Matus, Matute, Maurel, Maurer, Mauricio, Mauro, Maynard, Maynaro, Maynart, Mayo, Mayor, Mayorga, Mayorquín, Mayre, Mayrena, Maza, Mazariegos, Mazas, Mazín, Mazón, Mazuque, Mazure, Medal, Mederano, Mederas, Medeiros, Medina, Medinilla, Medoza, Medrano, Meira, Mejía, Mejías, Melara, Meléndez, Melgar, Melgarrejo, Mellado, Melo, Membreño, Mena, Menayo, Menchaca, Mendea, Méndez, Mendiantuba, Mendieta, Mendiola, Mendives, Mendivil, Mendoza, Mendreño, Menéndez, Meneses, Menjibar, Menjivar, Menocal, Meono, Meoño, Merayo, Meraz, Merazo, Merazzo, Mercado, Mercelina, Mercer, Mergarejo, Mérida, Merino, Merizalde, Merlo, Mesa, Mesales, Mesalles, Meseguer, Mesén, Messeguer, M 95 Mestayer, Meszaros, Meza, Michelena, Michelino, Micillo, Miguez, Mijangos, Mijares, Milanés, Milano, Millet, Mina, Minas, Minero,Miño, Miqueo, Miraba, Miralles, Mirambell, Miramontes, Miranda, Miro, Mirquez, Mitja, Mitjavila, Mizrachi, Mojarro, Mojica, Molestina, Molian, Molín, Molina, Molinero, Molleda, Mollinedo, Mollo, Moncada, Mondol, Mondragón, Moneda, Moneiro, Monestel, Monga, Mongalo, Móngalo, Monge, Mongillo, Monguillo, Monjarres, Monjarrez, Monjica, Monserrat, Montagné, Montalbán, Montalbert, Montalto, Montalván, Montalvo, Montana, Montanaro, Montandón, Montano, Montealegre, Montealto, Montecino, Montecinos, Monteil, Montejo, Montenaro, Montenegro, Montero, Monterosa, Monteroza, Monterrey, Monterrosa, Monterroso, Montes, Monterinos, Monteverde, Montiel, Montier, Montoya, Monturiol, Mora, Moraes, Moraga, Morales, Morán, Morazán, Moreira, Morejón, Morena, Moreno, Morera, Moriano, Morice, Morillo, Morín, Moris, Morise, Moro, Morote, Moroto, Morraz, Morúa, Morún, Morux, Morvillo, Moscarella, Moscoa, Moscoso, Mosquera, Motta, Moxi, Moya, Mozquera, Mugica, Muiña, Muir, Mulato, Munera, Mungía, Munguía, Munive, Munizaga, Muñante, Muñiz, Muñoz, Murcia, Murgado, Murgas, Murias, Murillo, Murilo, Muro, Mussap, Mussapp, Mussio, Mustelier, Muxo.

N.Naim, Naira, Nájar,Nájares, Najarro, Nájera, Nájeres, Naranjo, Narvaes, Narváez, Nasralah, Nasso, Navaro, Navarrete, Navarrette, Navarro, Navas, Nayap, Nazario, Nema, Nemar, Neyra, Nieto, Nino, Niño, Noble, Noboa, Noel, Nogebro, Noguera, Nomberto, Nora, Noriega, Norza, Nova, Novales, Novo, Novoa, Nuevo, Nuez, Nunga, Núñez.

O.Obaldía, Obanbo, Obando, Obares, Obellón, Obon, Obrego, Obregón, Ocampo, Ocampos, Ocaña, Ocaño, Ocario, Ochoa, Ocón, Oconitrillo, Ode, Odio, Odir, Odóñez, Odor, Oduber, Oguilve, Ojeda, Okarlo, Okendo, Olarte, Olaso, Olaverri, Olazaba, Olguín, Oliva, Olivar, Olivares, Olivárez, Olivas, Oliver, Olivera, Oliverio, Olivier, Oliviera, Olivo, Oller, Olmeda, Olmedo, Olmo, Olmos, Omacell, Omodeo, Ondoy, Onetto, Oñate, Oñoro, Oporta, Oporto, Oquendo, Ora, Orama, Oramas, Orantes, Ordeñana, Ordoñes, Ordóñez, Orduz, Oreamuno, Oreas, Oreiro, Orella, Orellana, Orfila, Orias, Orios, Orjas, Orjuela, Orlich, Ormasis, Ormeño, Orna, Ornes, Orochena, Orocu, Orosco, Orozco, Ortega, Ortegón, Ortiz, Ortuño, Orve, Osante, Oseda, Osegueda, Osejo, Osequeda, Oses, Osorio, Osorno, Ospina, Ospino, Ossa, Otalvaro, Otárola, Otero, Oto, Otoya, Ovares, Ovarez, Oviedo, Ozerio, Ozores, Ozuno.

P.Pabón, Pacheco, Paco, Padilla, Páez, Paguaga, País, Países, Paiz, Pajuelo, Palacino, Palacio, Palacios, Palaco, Paladino, Palazuelos, Palencia, Palma, Palomar, Palomino, Palomo, Pamares, Pampillo, Pana, Pandolfo, Paniagua, Pantigoso, Pantoja, Paña, Papez, Parada, Parado, Parajeles, Parajón, Páramo, Pardo, Paredes, Pareja, Pares, París, Parra, Parrales, Parreaguirre, Parriles, Parrilla, Pasamontes, Pasapera, Pasos, Passapera, Pastor, Pastora, Pastrán, Pastrana, Pastrano, Patiño, Patricio, Paut, Pauth, Pavez, Pavón, Paz, Pazmiño, Pazos, Pedraza, Pedreira, Pedreiro, Pedroza, Peinador, Peinano, Peláez, Pellas, Pellecer, Pena, Penabad, Penado, Pendones, Penón, Penso, Peña, Peñaloza, Peñaranda, Peñas, Peñate, Penzo, Peñón, Peraldo, Perales, Peralta, Peraza, Perdomo, Perea, Perearnau, Pereira, Pereiras, Perera, Pereyra, Pérez, Perezache, Pergo, Pericón, Perla, Perlaza, Pessoa, Peynado, Peytrequín, Pezo, Picado, Picasso, Picavea, Pichardo, Pico, Picón, Piedra, Piedrafita, Pila, Pilarte, Pimente, Pina, Pinada, Pinagel, Pinagen, Pinar, Pincai, Pincay, Pinchinat, Pineda, Pinel, Pinell, Piney, Pinillos, Pinkay, Pino, Pintado, Pinto, Pinzas, Piña, Piñar, Piñate, Piñeiro, Piñeres, Pinzón, Pío, Pion, Piovano, Piovet, Pitalva, Piza, Pizarro, Pla, Plá, Placeres, Pláceres, Plácido, Placidón, Plaja, Platero, Poblador, Poblete, Pocasangre, Pochet, Podoy, Pokoy, Pol, Polamo, Polo, Polonio, Poma, Pomar, Pomareda, Pomares, Ponares, Ponce, Pontigo, Pool, Porat, Porquet, Porras, Porta, Portela, Porter,Portero, Portilla, Portillo, Portobanco, Portocarrera, Portugués, Portuguez, Posada, Posla, Poveda, Povedano, Pozo, Pozos, Pozuelo, Prada, Pradella, Pradilla, Prado, Prat, Pratt, Pravia, Prendas, Prendis, Pretiz, Prettel, Prieto, Prietto, Primante, Prior, Prioto, Privatt, Procupez, Puente, Puentes, Puertas, Puga, Puig, Pujo, Pujol, Pulido, Pulis, Pull, Pulles, Pupo, Purcallas.

Q.Quedo, Queralt, Queredo, Querra, Quesada, Quevedo, Quezada, Quiel, Quijada, Quijano, Quinaz, Quinde, Quino, Quintana, Quintanilla, Quinter, Quintero, Quinto, Quiñones, Quiñónez, Quirce, Quiroga, Quirós, Quiroz.

R.Raa, Raabe, Raba, Rabetta, Raga, Raigada, Raigosa, Ramírez, Ramón, Ramos, Randel, Randuro, Rangel, Raphael, Rauda, Raudes, Raudez, Raventos, Raventós, Raygada, Rayo, Rayos, Real, Reales, Reazco, Recinos, Recio, Redondo, Regaño, Regidor, Regueira, Regueyra, Reich, Reina, Renderos, Rendón, Reñazco, Repeto, Repetto, Requene, Requeno, Requeño, Rescia, Resenterra, Restrepo, Retana, Reuben, Revelo, Revilla, Revollar, Revollo, Rey, Reyes, Reyna, Riba, Ribas, Ribera, Ribero, Ricardo, Ricaurte, Riera, Rileva, Rincón, Río, Ríos, Riotte, Rivalta, Rivardo, Rivas, Rivel, Rivera, Rivero, Riverón, Riveros, Rizo, Roa, Roba, Robelo, Roble, Robles, Robleto, Roboz, Roca, Rocabado, Rocca, Roch, Rocha, Roda, Rodas, Rodesma, Rodesno, Rodezno, Rodó, Rodo, Rodrigo, Rodríguez, Roe, Roig, Rois, Rojas, Rojo, Roldán, Romagosa, Román, Romano, Romero, Roque, Rosa, Rosabal, Rosales, Rosas, Rouillón, Rovillón, Rovira, Roviralta, Roy, Royo, Roys, Rozados, Rozo, Ruano, Rubí, Rubia, Rubín, Rubino, Rubio, Rucavado, Rudín, Rueda, Rugama, Rugeles, Ruh, Ruilova, Ruin, Ruiz, Romoroso, Russo.

S.Saavedra, Saba, Sabah, Saballo, Saballos, Sabat, Sabate, Sabba, Sabín, Sabogal, Saborío, Saboz, Sacasa, Sacida, Sada, Sadaña, Sáenz, Saer, Saerron, Sáez, Safiano, Sage, Sagel, Sagot, Sagreda, Saguero, Sala, Salablanca, Salamanca, Salas, Salazar, Salbavarro, Salcedo, Salcino, Saldaña, Saldivar, Salgada, Salgado, Salguera, Salguero, Saliba, Salinas, Salmerón, Salmón, Salom, Salomón, Salumé, Salume, Salustro, Salvado, Salvatierra, Salvo, Samaniego, Sambrana, Samper, Samudio, Samuel, San Gil, San José, San Juan, San Martín, San Román, San Silvestre, Sanabria, Sanahuja, Saname, Sanamucia, Sanarrusia, Sánchez, Sancho, Sandí, Sandigo, Sandino, Sandoval, Sandria, Sandy, Sanga, Sangil, Sanjines, Sanjuan, Sansebastián, Sansilvestre, Sanson, Sansores, Santa Ana, Santa Cruz, Santa María, Santacruz, Santamaría, Santana, Santander, Santiago, Santibanes, Santiesteban, Santillán, Santín, Santisteban, Santoanastacio, Santos, Sanvicente, Sanz, Saraiva, Saravanja, Saravia, Sardinas, Sardiñas, Sariego, Sarmiento, Sárraga, Sarratea, Sarraulte, Sarria, Sas, Sasso, Satjo, Sauceda, Saucedo, Sauza, Savala, Savallos, Savedra, Savinón, Saxón, Sayaguez, Scriba, Seas, Seballos, Secades, Secaida, Seco, Sedano, Sedo, Segares, Segovia, Segreda, Segura, Sehezar, Selaya, Selles, Selva, Selvas, Semerawno, Semeraro, Sepúlveda, Sequeira, Sermeño, Serra, Serracín, Serrano, Serrato, Serraulte, Serru, Serrut, Servellón, Sevilla, Sevillano, Sibaja, Sierra, Sieza, Sigüenza, Siguenza, Siles, Siliezar, Silva, Silvera, Silvia, Simana, Simón, Sinchico, Sio, Sion, Siri, Sirias, Siverio, , Siz, Sobalvarro, Sobrado, Sojo, Sol, Solana, Solano, Solar, Solares, Solarte, Soldevilla, Solé, Solemne, Soler, Solera, Soley, Solís, Soliz, Solno, Solo, Solórzano, Soltero, Somarriba, Somarribas, Somoza, Soria, Sorio, Soro, Sorto, Sosa, Sossa, Sosto, Sotela,Sotelo, Sotillo, Soto, Sotomayor, Sotres, Souto, Soutullo, Sovalbarro, Soza, Suárez, Suazao, Suazo, Subia, Subiros, Subirós, Subisos, Succar, Sueiras, Suñer, Suñol, Surroca, Suyapa, Suzarte.

T.Tabah, Tabares, Tablada, Tabor, Tabora, Taborda, Taco, Tagarita, Tagarró, Tal, Talavera, Taleno, Tamara, Tamargo, Tamayo, Tames, Tanchez, Tanco, Tapia, Tapias, Taracena, Tardencilla, Tarjan, Tarrillo, Tasara, Tate, Tato, Tavares, Tedesco, Teherán, Teijeiro, Teixido, Tejada, Tejeda, Tejos, Tellería, Telles, Téllez, Tello, Tellos, Tencio, Tenorio, Terán, Tercero, Terrade, Terrientes, Terrin, Terrín, Thames, Theran, Thiel, Thiele, Thuel, Tíjeres, Tijerino, Tinoco, Toala, Tobal, Tobar, Tobe, Tobella, Tobín, Tobón, Toledo, Toletino, Tomas, Tomás, Tomeu, Toribio, Torijano, Tormo, Toro, Torralba, Torre, Torrealba, Torregresa, Torregroza, Torrente, Torrentes, Torres, Tórrez, Tortós, Tortosa, Toruño, Tosso, Touma, Toval, Tovar, Trala, Traña, Traures, Travierzo, Travieso, Trediño, Treguear, Trejos, Treminio, Treviño, Triana, Trigo, Triguel, Triguero, Trigueros, Trilite, Trimarco, Trimiño, Triquell, Tristán, Triunfo, Troche, Trocanis, Troncoso, Troya, Troyo, Troz, Trueba, Truffat, Trujillo, Trullas, Trullás, Truque, Tula, Turcio, Turcios.

U.Ubach, Ubao, Ubeda, Ubico, Ubilla, Ubisco, Ubizco, Ucanan, Ucañan, Ugalde, Ugarte, Ujueta, Ulacia, Ulate, Ulcigrai, Ulcigral, Ulecia, Uley, Ulibarri, Ulloa, Umaña, Umanzor, Ungar, Urain, Uralde, Urbano, Urbina, Urcuyo, Urdangarin, Urea, Urela, Ureña, Urgellés, Uriarte, Uribe, Uriel, Urieta, Uriza, Uroz, Urquiaga, Urra, Urraca, Urrea, Urroz, Urruela, Urrutia, Urtecho, Urunuela, Urzola, Usaga, Useda, Uva, Uveda, Uzaga, Uzcategui.

V.Vadivia, Vado, Valdelomar, Valderama, Valderrama, Valderramo, Valderramos, Valdés, Valdescastillo, Valdez, Valdiva, Valdivia, Valdivieso, Valencia, Valenciano, Valentín, Valenzuela, Valera, Valerín, Valerio, Vales, Valiente, Valladares, Vallarino, Vallcaneras, Valldeperas, Valle, Vallecillo, Vallecillos, Vallejo, Vallejos, Valles, Vallez, Valls, Vals, Valverde, Vanegas, Vaquerano, Vardesia, Varela, Varga, Vargas, Vargo, Varsi, Varsot, Vartanian, Varth, Vasco, Vasconcelos, Vasílica, Vásquez, Vassell, Vaz, Veas, Vedoba, Vedova, Vedoya, Vega, Vegas, Vela, Velarde, Velasco, Velásquez, Velazco, Velázquez, Vélez, Veliz, Venegas, Ventura, Vera, Verardo, Verastagui, Verdesia, Verdesoto, Vergara, Verguizas, Vertiz, Verzola, Vesco, Viales, Viana, Viatela, Vicario, Vicente, Vico, Víctor, Victores, Victoria, Vidaechea, Vidal, Vidales, Vidalón, Vidaorreta, Vidaurre, Videche, Vieira, Vieto, Vigil, Vigot, Vila, Vilaboa, Vilallobos, Vilanova, Vilaplana, Villar, Villareal, Villarebia, Villareiva, Villarreal, Villarroel, Villas, Villaseñor, Villasuso,Villatoro, Villaverde, Villavicencio, Villeda, Villegas, Villejas, Villena, Viloria, Vindas, Vindel, Vinueza, Viñas, Víquez, Viscaino, Viso, Vivallo, Vivas, Vivero, Vives, Vívez, Vivies, Vivó, Vizcaíno, Vizcayno.

W.Wainberg, Wolf.

Y.Yaacobi, Yanarella, Yanayaco, Yanes, Yepez, Yglesias, Yllanes, Yurica, Yzaguirre.

Z.Zabala, Zabaleta, Zabate, Zablah, Zacarías, Zacasa, Zalazar, Zaldivar, Zallas, Zambrana, Zambrano, Zamora, Zamorano, Zamudio, Zamuria, Zapata, Zaragoza, Zárate, Zarco, Zaror, Zarzosa, Zavala, Zavaleta, Zayas, Zayat, Zecca, Zedan, Zegarra, Zelada, Zelaya, Zeledón, Zepeda, Zetina, Zonta, Zoratte, Zuleta, Zumba, Zumbado, Zúñiga, Zunzunegui.

Bem, como comentei anteriormente, este material me ajudou incentivou muito a buscar mais informações e o que apurei sobre o meu primeiro antepassado a chegar ao Brasil eu reproduzo agora….

Sebastião de Medeiros Matos – Natural da Ilha de São Miguel, nos Açores, Sebastião (também Sebastião Afonso de Medeiros, conforme alguns genealogistas) migrou para o Brasil na primeira metade do século XVIII, estabelecendo-se, inicialmente, em Santa Luzia, na Ribeira do Sabugi, na Paraíba, juntamente com seu irmão e companheiro de migração Rodrigo de Medeiros Rocha (nascido a 21 de janeiro de 1709, batizado no dia 26 seguinte, na igreja de São Pedro da Ribeira Seca, na mencionada Ilha de São Miguel).

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Igreja paroquial de São Pedro da Ribeira Seca (século XVI), onde meus antepassados foram batisados – Fonte – https://pt.wikipedia.org/wiki/Ribeira_Seca_(Ribeira_Grande) 

Eles eram filhos de Manuel Afonso de Matos, Alferes, e Maria de Medeiros Pimentel, os quais haviam casado nos Açores, a 17 de junho de 1693, e, conforme o grande e seguro historiador e genealogista Olavo de Medeiros Filho, faleceram a 7 de novembro de 1729 e 27 de novembro de 1734, respectivamente, no lugar chamado Lomba de Santa Bárbara.

Pelo lado paterno, foram seus avós Rodrigo de Matos e Catarina de Fontes, e, pelo materno, Bartolomeu de Frias Camelo e Maria de Medeiros Rocha (casaram 31 de março de 1674), esta, filha de Francisco Lopes da Costa e Maria de Medeiros (casaram a 15 de outubro de 1650.

Em Santa Luzia, casaram-se ambos os irmãos com duas irmãs – Sebastião de Medeiros Matos, com Antônia de Morais Valcácer, e Rodrigo de Medeiros Rocha, com Apolônia Barbosa de Araújo. Eram elas filhas de Manuel Fernandes Freire, natural de Olinda, e de Antônia de Morais Valcácer, também Antônia de Morais, a qual era filha de Pedro Ferreira das Neves, conhecido como Pedro Velho, e sua mulher Custódia de Amorim Valcácer – ele, natural de Mamanguape, transladou-se para a Ribeira do Sabugi, onde viveu na Fazenda Cacimba da Velha e se tornou um patriarca e proprietário de muitas terras.

Aliás, juntamente com o cunhado Sebastião de Medeiros Matos, um filho homônimo do patriarca requereu a sesmaria transcrita abaixo, publicada por João de Lyra Tavares: 

“Nº 497 em 24 de Março de 1759 – Tenente Vicente Ferreira Neves e Tenente Sebastião de Medeiros, moradores nesta capitania, dizem que a custa de sua fazenda e risco de suas vidas, tinham descoberto sobre a serra da Borburema, sertões deste governo, terras devolutas e desaproveitadas, com sufficiencia de crear gados e como careciam de terras para os crear pretendiam que se lhes concedesse por sesmaria em nome de S.M. tres leguas de comprido e uma de largo, para ambos, na dita serra, logar chamado Albino riacho chamado Olho d’Agua Grande que nascia da pedra chamada o Fundamento cujas terras confrontam em muita distância pela parte do nascente com R.R.P.P. da companhia do sitio do Poço, pela parte do poente com terras do defunto Izidoro Hortins, pela do norte com as de Antonio de Araujo Frazão e Cosme Dias de Araujo e pela do sul com José da Costa Romeo ou com quem verdadeiramente pertencesse, podendo fazer do comprimento largura ou da  largura comprimento, pedindo em conclusão se lhe concedesse as ditas terras por sesmaria com as confrontações declaradas para fazer a sua situação e peão no dito logar chamado Albino e Riacho chamado Olho d’Agua Grande. Foi feita a concessão, no governo de José Henrique de Carvalho.”

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A cidade de Acari, na ribeira do Rio Acauã, no Seridó Potiguar, surgiu de um pouso de viajantes, a partir da construção da Capela de Nossa Senhora da Guia (foto) pelo sargento‐mor Manuel Esteves de Andrade, em 1737. Foi neste templo religioso que meus antepassados buscaram conforto espiritual no Brasil – Fonte – http://vlogdocatiripapo.blogspot.com.br/2010/04/cantos-de-acari-igreja-do-rosario.html

Posteriormente, o Alferes, depois Tenente e, finalmente, Capitão Sebastião de Medeiros Matos e sua mulher, Antônia de Morais Valcácer, passaram para o Seridó do Rio Grande do Norte, região vizinha do Sabugi, onde até hoje proliferam seus descendentes. Todos os estudiosos da história e da genealogia do Sabugi e do Seridó são unânimes em afirmar que daqueles dois casais – Sebastião de Medeiros Matos e Antônia de Morais Valcácer, Rodrigo de Medeiros Rocha e Apolônia Barbosa de Araújo – descendem todos os que portam o sobrenome Medeiros, originados do sertão do Rio Grande do Norte e do da Paraíba. Aqui se deve registrar, ainda, que um sobrinho dos dois irmãos, de nome José Inácio de Matos, igualmente açoriano, também esteve muito ligado a eles, havendo migrado junto ou chegado logo pouco tempo depois; ele casou com uma filha de Sebastião de Medeiros Matos, Quitéria Maria da Conceição. Não se sabe exatamente quando aqueles irmãos chegaram ao Brasil, mas é razoável acreditar que aportaram aqui no final da terceira década do século XVIII. Sabe-se que Rodrigo teve seu inventário iniciado em 1757, ficando seu irmão como tutor dos órfãos; sua viúva, Apolônia, faleceu e foi sepultada a 28 de novembro de 1802, estando com 88 anos de idade, conforme o registro do seu sepultamento. De Sebastião e de sua mulher, Antônia, não tenho as datas de falecimento, mas ele estava ainda vivo em 1793, com uma avançadíssima idade.

Estas informaçãoes são oriundas do site http://www.geocities.ws/dinoamedeiros/SebastiaoAfonsoMed.html

Bom, é isso pessoal, espero que tenham curtido esta viagem genealógica.

Entretanto, confesso que por mais que descubra coisas interessantes nesta questão, o que me dá orgulha mesmo de ser quem sou, é o fato de ser Nordestino. Talvez eu não fosse tão feliz em ser brasileiro se não tivesse nascido nesta região e morasse aqui.



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AUTÓPSIA DE D. PEDRO I

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Revelação inédita da autópsia de D. Pedro I aponta para a sua saúde frágil e livra seu médico particular da acusação de envenenamento

O médico e o doente. Mas não era um médico qualquer, era daqueles que acompanham o paciente por anos, conhecendo seus hábitos, suas aflições, suas fraquezas. O doente também não era comum: um jovem que se tornou imperador aos 26 anos, boêmio, um tanto fogoso, e que enfrentou guerras, acidentes e uma série de percalços de saúde. Dr. João Fernandes Tavares e D. Pedro I se encontravam nos momentos mais vulneráveis do monarca. Dos sintomas aos diagnósticos, a relação de confiança se fortalecia e fazia o médico conhecer ainda mais o paciente. A prova está no registro de autópsia feita pelo Dr. Tavares. O médico expõe os diversos problemas de saúde que debilitaram a vida de D. Pedro.

Mas a forma como o documento é escrito extrapola as notações técnicas da função. Linha por linha, o médico narra a história de cada órgão, como personagens de um grande drama. E sofre. Quando descreve o estado dos rins, por exemplo, põe-se no lugar do enfermo: “E que transtorno e perturbação não devia causar na regularidade das funções dos demais órgãos tão aturado, e tão intenso padecimento!”.

Tanto sofrimento e intimidade também tinham um quê de defesa, já que as más línguas suspeitavam de que o médico havia envenenado D. Pedro, como conta Claudia Thomé Witte. Seu artigo nos brinda com este documento exclusivo e apresenta o complexo contexto da morte de D. Pedro, mergulhado na disputa familiar pelo trono português.

Em 2012, o corpo de D. Pedro I começou a ser estudado pela primeira vez com todos os recursos da atual medicina. Esse trabalho, conduzidopela arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel para o Museu de Arqueologia e Etnologia da USP com o fim de preservar os corpos, confirmou que nosso primeiro imperador fraturou quatro costelas ainda em vida e que seu coração foi retirado do corpo logo após falecer.Um documento histórico inédito, publicado nas próximas páginas, traz a versão da morte de D. Pedro I por meio do relato de seu médico particular, Dr. João Fernandes Tavares (1795-1874), que assinou o atestado de óbito e realizou a autópsia do ex-imperador do Brasil.

Até agora se conheciam apenas as informações que D. Amélia de Leuchtenberg, viúva de D. Pedro, relatara em uma carta para sua enteada Januária. O resultado da autópsia, impresso avulso em 1834, foi localizado em uma coleção particular no Brasil e seu proprietário gentilmente concordou em divulgá-lo. Com isso, temos finalmente acesso ao relato completo da morte de D. Pedro e das semanas que a antecederam, além de um histórico de sua saúde. Nas entrelinhas, percebe-se que o médico João Fernandes Tavares foi bastante explícito e detalhista ao narrar as causas da morte. Procurava, com isso, justificar sua conduta e afastar as suspeitas que recaíam sobre ele.

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Quando D. Pedro I faleceu em Portugal, em 1834, o Dr. Tavares foi acusado de tê-lo envenenado. Era natural que se buscasse um bode expiatório, afinal, a morte ocorria pouco após D. Pedro vencer uma guerra civil contra seu irmão, o absolutista D. Miguel. Todas as esperanças de reconstrução de Portugal repousavam sobre D. Pedro. Havia dúvidas de que a nova rainha, D. Maria II, com seus 15 anos, fosse capaz de assumir as grandes responsabilidades que exigia um país recém-saído de uma guerra. A morte de D. Pedro podia significar uma nova oportunidade para os miguelistas.

São artigos que provam que história se faz também – e principalmente – com sentimento.

25 CURIOSIDADES SOBRE A HISTÓRIA DO NATAL

 

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Fonte – http://www.historiadigital.org/curiosidades/25-curiosidades-sobre-a-historia-do-natal/

Dia 25 de dezembro, comemoramos o Natal. Por ser uma tradição cultural, esta festa se manifesta de diferentes formas no mundo, dependendo da região ou mesmo religião. Para conhecer um pouco mais sobre esta data comemorativa, conheça 25 curiosidades sobre a história do Natal.

Esta lista foi extraída e adaptada do Guia dos Curiosos – (http://guiadoscuriosos.com.br/)

– Na Europa, antigamente, as pessoas deixavam a porta de casa aberta durante a noite para que viajantes e pessoas pobres pudessem participar da ceia de Natal. Até hoje, a refeição é o momento de confraternização entre amigos e familiares. No Brasil, o prato mais tradicional é o peru assado.

Fonte - icarjcriadolerj.blogspot.com
Fonte – icarjcriadolerj.blogspot.com

– A criação da Missa do Galo é atribuída a São Francisco de Assis, que teria construído o primeiro presépio em 1224, na cidade de Greccio, na Itália. O ato era seguido de uma missa e, como os galos cantavam às primeiras horas da madrugada, o povo deu a essa celebração o nome de Missa do Galo.

– Há uma lenda que diz que foi um galo que anunciou o nascimento de Cristo. O animal cantou exatamente à meia-noite de 24 de dezembro, horário e dia que o rebento nasceu. Em Portugal, Espanha e Brasil, havia o costume de levar um galo à missa. Se ele cantasse, era sinal de bom agouro para o próximo ano.

– A canção natalina Noite Feliz nasceu na Áustria, em 1818. O padre Joseph Mohr saiu atrás de um instrumento que pudesse substituir o antigo órgão da igreja. Em suas peregrinações, começou a imaginar como teria sido a noite em Belém, fez anotações, e procurou o músico Franz Gruber para criar a melodia.

Frei Pedro Sinzig (1876-1952) - Fonte - http://www.franciscanos.org.br
Frei Pedro Sinzig (1876-1952) – Fonte – http://www.franciscanos.org.br

– A versão brasileira da canção também foi feita por um religioso: o Frei Pedro Sinzig. Também nascido na Áustria, em 1876, veio morar na cidade de Salvador, na Bahia, em 1893. O frei naturalizou-se brasileiro em 1898 e se destacou como um grande incentivador da música religiosa no país.

– A maioria das versões sobre a procedência da árvore de Natal indica a Alemanha como seu país de origem. A mais aceita atribui a novidade ao padre Martinho Lutero. Ele montou um pinheiro enfeitado com velas em sua casa, para mostrar às crianças como deveria ser o céu na noite do nascimento de Cristo.

Martinho Lutero - Fonte - www.recantodasletras.com.br
Martinho Lutero – Fonte – http://www.recantodasletras.com.br

– Outra versão atribui a criação ao anglo-saxão Vilfrido. Ele teria ido pregar o cristianismo na Alemanha e teria usado a figura triangular de um pinheiro para explicar a Santíssima Trindade. A partir de então, a árvore passou a ser reverenciada como uma planta divina.

– A tradição de relacionar árvores a divindades vem da mitologia grega. As plantas, para o gregos, intermediavam o céu e a terra e simbolizavam a evolução e a elevação do homem. O carvalho homenageava Júpiter; a oliveira, a deusa Minerva; e a videira, o deus Baco. Para os chineses, o pinheiro significa longa vida.

– Já na Roma antiga, existia o costume de pendurar máscaras de Baco em pinheiros para comemorar uma festa chamada de Saturnália, que coincidia com o nosso Natal. Na Europa, durante o século 12, havia a tradição de pendurar um pinheiro no teto das casas, de ponta-cabeça, como símbolo da fé cristã.

848, em Inglaterra, uma ilustração com a família real inglesa em Windsor, junto  à árvore de Natal, é publicada no Illustrated London News - Fonte - http://relvateresa.blogspot.com.br/2011/12/arvore-de-natal.html
Imagem inglesa de 1848, com a família real inglesa em Windsor, junto a árvore de Natal. Foi publicada no Illustrated London News – Fonte – http://relvateresa.blogspot.com.br/2011/12/arvore-de-natal.html

– Foram os ingleses quem popularizaram a árvore de Natal. Eles tomaram contato com a tradição por volta de 1850. Quando o príncipe Albert se casou com a rainha Vitória, ela começou a montar árvores majestosas em sua residência de férias na ilha de Wight. A população passou a imitá-los.

– Natal é uma festa cristã, sendo encarado de forma diferente por outras religiões. Os hinduístas reconhecem Cristo como um avatar (encarnação de Vishnu, uma das principais entidades divinas). O dia 25 de dezembro é reservado à comemoração da Festa das Luzes  pois, neste dia, o nascimento da luz venceu a escuridão.

Muçulmanos hindus na festa do Eid al-Adha em Nova Deli - Fonte - blogs.sacbee.com
Muçulmanos hindus na festa do Eid al-Adha em Nova Deli – Fonte – blogs.sacbee.com

– Para os muçulmanos, Cristo é uma espécie de profeta, mas os fieis não possuem uma data especial para comemorar seu nascimento. As duas principais festas da religião são a Eid el-Fitr, celebração do desjejum realizada após o Ramadã, e o Eid el-Adha, que marca o encerramento da peregrinação a Meca.

– Os judeus não reconhecem Jesus Cristo como Filho de Deus e, portanto, não comemoram seu nascimento. No período do Natal, eles realizam o Chanuká, ou a Festa das Luzes. Ela relembra a reinauguração do Grande Templo de Jerusalém, reconquistado pelos judeus após 3 anos de guerras.

– Como entendem que festas de aniversário são um costume pagão, as Testemunhas de Jeová não fazem nenhuma comemoração no dia 25 de dezembro. Apesar de prestarem devoção a Cristo, eles preferem negligenciar a data.

Caracterização de Ogum - Fonte - gustavoserrate.wordpress.com
Caracterização de Ogum – Fonte – gustavoserrate.wordpress.com

– Em algumas religiões afro-brasileiras, como a Umbanda, existe um forte sincretismo religioso, que associa figuras cristãs às suas entidades, como o caso de São Jorge (Ogum). Esta religião associa Cristo a Oxalá, maior de todos os Orixás. No dia 25 de dezembro, os umbandistas agradecem à entidade.

– No Brasil, o Natal se manifesta de forma diferente nas várias regiões. Em algumas áreas do nordeste, nesta época, encena-se a Chegança, a luta entre cristãos e mouros que ocorria durante a Idade Média. Na Paraíba, a Chegança recebeu o nome de “barca”.

Chegança do Almirante Negro, Maricá, Rio de Janeiro - Fonte - http://roselypellegrino.wordpress.com/
Chegança do Almirante Negro, Maricá, Rio de Janeiro – Fonte – http://roselypellegrino.wordpress.com/

– No nordeste também são encenados os Autos de Quilombolas. Com danças e cânticos, procura-se reconstituir os quilombos, núcleos povoados por escravos fugitivos no século XVII. São representadas duas guerrilhas: uma de índios, outra de negros aquilombados.

– No Pará, existe uma tradição chamada Círio de Nazaré, que consiste em uma procissão realizada no segundo domingo de outubro, na capital Belém, em homenagem a Nossa Senhora de Nazaré. Os paraenses dão a ele uma importância equivalente à do Natal. Preparam ceia com pratos típicos e trocam presentes.

– Os fandangos são danças rurais regionais, divididas em dois grupos: as batidas, apresentadas só por homens sapateando forte; e as valsadas (ou bailadas), em que casais arrastam os pés no chão. São representados na época do Natal. No Sul e no Sudeste, recebe o nome de marujada.

Folia de Reis em Minas Gerais - Fonte - http://www.reidaverdade.net/
Folia de Reis em Minas Gerais – Fonte – http://www.reidaverdade.net/

– Durante a Folia de Reis, homens caracterizados de Reis Magos saem pelas ruas das cidades do interior de todo o país e param nas casas onde há presépios. Cantam, dançam e abençoam a família com uma bandeira que representa o anúncio do nascimento de Jesus.

– Em países africanos, acontece no Natal uma cerimônia chamada Kwanzaa para agradecer a boa colheita. Na ocasião, acende-se uma vela para cada um dos 7 princípios necessários para o sucesso: união, auto-determinação, trabalho coletivo e responsabilidade, economia cooperativa, propósito, criatividade e fé.

– Na Alemanha, quatro domingos antes do Natal, as famílias mantêm a tradição de fazer a Coroa do Advento, formada por quatro velas. A cada domingo, uma vela é acesa. A árvore é decorada com os pfefferkuchen, bolachinhas recobertas de glacê colorido.

Natal em Bangladesh - Fonte - mwww.asianews.it
Natal em Bangladesh – Fonte – mwww.asianews.it

– Em Bangladesh, , os cristãos plantam bananeiras para decorar a entrada de casas e de igrejas. Fazem arcos utilizando folhas das bananeiras e pedaços de bambu. Depois, colocam óleo e “forram” as paredes das casas, de modo que elas fiquem cheias luz.

– Na Bélgica, São Nicolau (como Papai Noel é conhecido por lá) visita a casa das crianças para saber quem se comportou direitinho. Dois dias depois, ele volta para pôr presentes em cestinhas que meninos e meninas deixaram perto da porta. Algumas crianças colocam junto cenouras para alimentar as renas de Papai Noel.

– Na China, são montadas árvores artificiais nas casas, decorando-as com enfeites feitos de papel, como flores e lanterninhas. As crianças penduram meias na sala e ficam à espera de Papai Noel, que é chamado de Dun Che Lao Ren (“Homem velho do Natal”, em chinês).

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SÚPLICA CEARENSE

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Decifre se for capaz! Requerimento assinado em 1744 por padre de vila no Ceará pede ao rei de Portugal, D. João V, para comprar ornamentos e paramentos para a igreja da vila, em situação de miséria devido à seca 

Autor – Expedito Eloísio Ximenes

O original deste documento, datado de 20 de agosto de 1744, encontra-se no Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa. Mas não é difícil acessar sua versão fac-similada nos arquivos públicos dos estados brasileiros.

O texto se inicia pelo vocativo Senhor abreviado, e as 22 linhas do documento são preenchidas até o fim da margem direita, com espaços regulares entre as linhas, ao fim das quais aparece a assinatura do reverendo padre João Saraiva de Araújo. Na margem esquerda inferior, há uma informação que parece escrita por outra mão. Na margem superior, dois despachos do Conselho Ultramarino – com seis rubricas dos conselheiros no primeiro, e quatro no segundo. À esquerda, mais duas informações escritas por outras pessoas.

A escrita é a humanista, em vigor desde o século XVI, de fácil leitura por sua simplicidade, apesar das variações conforme o grau de conhecimento e o estilo de quem escreve. O traçado é regular e inclinado para a direita, mas as hastes de algumas letras são caídas para a esquerda – caso da letrad. Em finais de palavras, a letra sapresenta uma cauda longa para a esquerda, semelhante ao formato doj interno, como nas palavras paramentos e hajão. No início e no meio de palavras, porém, o s tem formato diferente. O f tem formato semelhante ao L maiúsculo, como na palavra Leal, masé escrito da linha para cima, enquanto o L é da linha para baixo; da parte inferior do traçado vertical puxa-se outro para a esquerda formando um ângulo reto, como em falta e fallencia. A letra h tem forma de E maiúsculo, o grafemar no início de palavra tem formato grande e muitas vezes se confunde com maiúsculo.

Os escribas costumavam juntar as palavras clíticas – pronomes oblíquos, preposições e conjunções – com as palavras que seguem. A conjunção aditivae se emenda à palavra seguinte em casos como eoutros, e a preposição de, em degadosedoque.

O requerimento é bem escrito, com linguagem culta e um discurso convincente. A grafia não apresenta muitas variações, pois o autor tem bom domínio da língua por tratar-se de um padre com boa formação. Há falta de acentuação em algumas palavras e uso de letras maiúsculas desnecessárias, ocorrências típicas do período em que não havia normas ortográficas.

Expedito Eloísio Ximenes – é professor da Universidade Estadual do Ceará e autor de Fraseologias Jurídicas: estudo filológico e linguístico do período colonial (Appris, 2013).

Igreja de Nossa Senhora da Expectação (Matriz de Icó) na década de 1920. Construção que remonta ao século XVIII
Igreja de Nossa Senhora da Expectação (Matriz de Icó) na década de 1920. Provavelmente foi neste local que este documento histórico pode ter sido produzido. A construção deste templo remonta ao século XVIII

Quando a seca é real

O requerimento assinado pelo padre João Saraiva de Araújo, da vila do Icó, no centro-sul do Ceará, é um pedido ao rei de Portugal, D. João V, para comprar ornamentos e paramentos para a igreja da vila, em situação de miséria devido à seca. Ele pede melhores condições de trabalho para administrar a vida espiritual dos vassalos de Sua Majestade, para que não lhes falte o “pasto espiritual”. O Ceará era uma das capitanias mais pobres do Brasil Colônia.

Além da situação caótica da vila do Icó, o documento é um testemunho da relação entre Igreja e Estado, quando os religiosos eram funcionários da Coroa e dela dependiam para tudo. O monarca era quase onipresente em qualquer rincão de seus domínios.

Primeira construção edificada na cidade de Icó, por volta de 1709. Época de grandes agitações e bravas lutas, entre as famílias, Montes e Feitosas, que com prestígios e bravura defendiam suas terras. Por ocasião de uma destas lutas, a filha do coronel Francisco Monte e Silva, foi assassinada. A esposa deste bravo pioneiro, sensibilizada por sepultar sua filha em pleno campo doou 1 légua de terra e mandou erigir uma capelinha para servir de túmulo a sua filha, sob invocação de Nossa Senhora do Ó. Também por essa época, o lugar antes chamado Icó dos Montes passou a ser conhecido como Arraial, depois Sítio Nossa Senhora do Ó. Hoje a capelinha que serviu de túmulo para os dominantes daquela época, é a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Expectação. Duas grandes reformas sofreu a capela para se tornar a então matriz de hoje, uma em 1785 e outra em 1911. No ano de 2000 a Igreja Matriz foi restaurada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, e devolvida à comunidade local em 15 de abril e 2000. A sua padroeira é Nossa Senhora da Expectação. Faz parte do Patrimônio Histórico Nacional.  Fonte:http://cdlico.com - Fonte da foto - aldecyalves.blogspot.com.br/2012/01/igrejas-do-ceara-vii-patrimonio.html
Primeira construção edificada na cidade de Icó, por volta de 1709. Época de grandes agitações e bravas lutas, entre as famílias, Montes e Feitosas, que com prestígios e bravura defendiam suas terras. Por ocasião de uma destas lutas, a filha do coronel Francisco Monte e Silva, foi assassinada. A esposa deste bravo pioneiro, sensibilizada por sepultar sua filha em pleno campo doou 1 légua de terra e mandou erigir uma capelinha para servir de túmulo a sua filha, sob invocação de Nossa Senhora do Ó. Também por essa época, o lugar antes chamado Icó dos Montes passou a ser conhecido como Arraial, depois Sítio Nossa Senhora do Ó. Hoje a capelinha que serviu de túmulo para os dominantes daquela época, é a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Expectação. Duas grandes reformas sofreu a capela para se tornar a então matriz de hoje, uma em 1785 e outra em 1911. No ano de 2000 a Igreja Matriz foi restaurada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, e devolvida à comunidade local em 15 de abril e 2000. A sua padroeira é Nossa Senhora da Expectação. Faz parte do Patrimônio Histórico Nacional.
Fonte:http://cdlico.com – Fonte da foto – aldecyalves.blogspot.com.br/2012/01/igrejas-do-ceara-vii-patrimonio.html

Solução do “Decifre”

Haja vista o procurador da fazenda. Lisboa, 23 de janeiro de 1745.

[Rubricas dos conselheiros do Conselho Ultramarino]

Informe o provedor da fazenda real de Pernambuco

com seu parecer. Lisboa, 10 de fevereiro de 1745.

[Rubricas dos conselheiros do Conselho Ultramarino]

Este requerimento é de

graça a que Sua Majestade

deferirá como for servido.

[Rubrica – não é possível identificar]

Senhor

Provido no benefício de cura desta freguesia de Nossa Senhora da

Expectação do Icó, capitania do Ceará Grande, por provimento

de meu Prelado e Excelentíssimo Bispo de Pernambuco, entrei a exercer

o ofício pastoral, e tomando posse do curato no ano de mil sete-

centos e quarenta e dois achei a Igreja Matriz tão falta de

ornamentos, e paramentos necessários para cinco altares com o maior

e outras tantas portas com a principal, e um púlpito, que já

os não tem capazes com que se celebrem os sacrifícios nas festas

solenes, e ofícios funerais, sendo motivo e causa a grande pobre-

za desta terra, na qual suposto hajam alguns efeitos de gados

vacum e cavalar, estes há bastante anos não rendem dinheiro pela

falência do negócio, além de estar muito destruída, e vexada com secas

e esterilidades que tem experimentado, à vista do que brevemente ficará

o povo sem o pasto espiritual, se Vossa Majestade como monarca tão

zeloso do culto divino não posar os olhos de sua benigna piedade

e clemência em tanta necessidade, provendo a dita matriz com os ditos

ornamentos, e paramentos por esmola, para maior honra de Deus,

e salvação de seus católicos vassalos. Vila do Icó, 20 de agosto

de 1744.

Os pés de Vossa Real Majestade

os beija o mais  reverente  e leal vassalo

João Saraiva de Araújo

Do cura do Icó

Fonte – http://www.revistadehistoria.com.br/secao/decifre/suplica-cearense

Sobre a Igreja Matriz de Icó – CE – http://iconacional.blogspot.com.br/2008/10/ic-cear-brasil-igreja-de-nossa-senhora.html

A FUGA DE D. JOÃO VI DE PORTUGAL PARA O BRASIL – NOVEMBRO DE 1807 (POR OLIVEIRA MARTINS)

Embarque para o Brasil

“(…) Quem faria face a Napoleão, cuja corte atravessara a Espanha e pisava já o solo português?
Não seria o príncipe-regente, nem a rainha doida, nem as altas classes ensandecidas, nem o povo faminto, indiferente, sebastianista.

À voz do verdadeiro Anticristo português, que foi Junot, desabou tudo por terra!

A nação, roída nos ossos pelo térmita infatigável, o jesuíta, nem já era o esqueleto, era apenas o pó de um cadáver.

Três séculos antes, Portugal embarcara, cheio de esperanças e cobiça, para a Índia; em 1807 (Novembro, 29) embarcava num préstito fúnebre para o Brasil.

A onda da invasão varria diante de si o enxame dos parasitas imundos, desembargadores e repentistas, peraltas e sécias, frades e freiras, monsenhores e cadastrados.

Dom João VI

Tudo isso, a monte, embarcava, ao romper do dia, no cais de Belém.

Parecia o levantar de uma feira e a mobília de uma barraca suja de saltimbancos falidos: porque o príncipe, para abarrotar o bolso com louras peças de ouro, seu enlevo, ficara a dever a todos os credores, deixando a tropa, os empregos, os criados, por pagar.

Desabava tudo a pedaços; e só agora, finalmente, o terramoto começado pela natureza, continuado pelo marquês de Pombal, se tornava um facto consumado. Os cortesãos corriam pela meia-noite as ruas, ofegantes, batendo às lojas, para comprarem o necessário; as mulheres entrouxavam a roupa e os pós, as banhas, o gesso com que caiavam a cara, o carmim com que pintavam os beiços, as perucas e rabichos, os sapatos e fivelas, toda a frandulagem do vestuário.

D. João VI e Carlota Joaquina

Era um afã, como quando há fogo; e não havia choro nem imprecações: havia apenas uma desordem surda. Embarcavam promiscuamente, no cais, os criados e os monsenhores, as freiras e os desembargadores, alfaias preciosas e móveis toscos sem valor, nem utilidade.

Era escuro, nada se via, ninguém se conhecia. Os botes formigavam sobre a onda sombria, carregando, levando, vazando bocados da nação despedaçada, farrapos, estilhas, aparas, que o vento seco do fim dispersara nessa noite calada e negra.

(…) O príncipe regente e o infante de Espanha chegaram ao cais na carruagem, sós: ninguém dava por eles; cada qual cuidava de si, e tratava de escapar. Dois soldados da polícia levaram-nos ao colo para o escaler.

Depois veio noutro coche a princesa Carlota Joaquina, com os filhos.

E por fim a rainha (D. Maria I), de Queluz, a galope. Parecia que o juízo lhe voltava com a crise. Mais devagar!, gritava ao cocheiro; diria que fugimos!

A sua loucura proferia com juízo brados de desespero, altos gritos de raiva, estorcendo-se, debatendo-se às punhadas, com os olhos vermelhos de sangue, a boca cheia de espuma.

O protesto da louca era o único vislumbre de vida. O brio, a força, a dignidade portuguesa acabavam assim nos lábios ardentes de uma rainha doida!

Tudo o mais era vergonha calada, passiva inépcia, confessada fraqueza.

O príncipe decidira que o embarque se fizesse de noite, por ter a consciência da vergonha da sua fuga; mas a notícia transpirou, e o cais de Belém encheu-se de povo, que apupava os ministros, os desembargadores, toda essa ralé de ineptos figurões de lodo.

Chegada ao Brasil

E – tanto podem as ideias! – chorava ainda pelo príncipe, que nada lhe merecia. D. João também soluçava, e tremiam-lhe muito as pernas que o povo de rastos abraçava.

A esquadra recebera 15 000 pessoas, e valores consideráveis, em dinheiro e alfaias.

Levantou ferro na manhã de 29, pairando em frente da barra até o dia seguinte, às sete horas, que foi quando Junot entrou em Lisboa. Os navios largaram o pano, na volta do mar, e fizeram proa a sudoeste, caminho do Brasil.

Enquanto a esquadra esteve à vista, pairando, os altos da cidade, donde se descobre o mar, apareciam coroados de povo mudo e aflito.

As salvas dos navios ingleses que bloqueavam o Tejo troavam lugubremente ao longe.

O sol baixava, a esquadra perdia-se no mar, ia-se toda a esperança, ficava um desespero, uma solidão… Soltou-se logo a anarquia da miséria, e na véspera da chegada do Anticristo, Lisboa correu risco de um saque.

Napoleão estava burlado.

Napoleão

O príncipe D. João, a bordo com as mãos nos bolsos, sentia-se bem remexendo as peças de ouro: ia contente com a sua esperteza saloia, única espécie de sabedoria aninhada no seu gordo cérebro. Bocejava ainda: mas porque o enjoo começava com os balanços do mar.

É o que sucede à história, com os miseráveis balanços do tempo: vem o enjoo incómodo e a necessidade absoluta de vomitar.”

Autor – Oliveira Martins (1845-1894) – História de Portugal – 1.ª ed. – 1879 – Lisboa – Portugal.

FONTE – http://torredahistoriaiberica.blogspot.com.br/2009/11/fuga-de-d-joao-vi-de-portugal-para-o.html

A EXPULSÃO DOS JUDEUS DE PORTUGAL

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Expulsão dos judeus de Jerusalém pelo Imperador Adriano, 135 d.C. – Fonte – https://pt.wikipedia.org/wiki/Judeus_em_Portugal

«Andem estes mal baptizados tão cheios de temor desta fera [a Inquisição] que pela rua vão voltando os olhos [para ver] se os arrebata, e com os corações incertos, como a folha da árvore movediça, caminham, e se param atónitos.»

Samuel Usque, Consolação às Tribulações de Israel, Diálogo III, Cap. 30, 1533.

Com o advento do Cristianismo, leis discriminatórias contra os judeus começaram a ser aprovadas – primeiro, pelos romanos, e depois pelos bárbaros Visigodos que invadiram a península em 409 d.C.. Entre outras coisas, foram proibidos os casamentos mistos entre judeus e cristãos e até mesmo instituída uma conversão forçada ao cristianismo (a qual não parece ter surtido grande efeito, visto que outras conversões em massa foram realizadas ao longo da História).

Em 711 d.C., tropas mouras invadem a Península Ibérica e derrotam os visigodos. Os mouros foram encarados como libertadores pelos judeus, uma visão até certo ponto correta, visto que cristãos e judeus eram incluídos pelos muçulmanos no grupo dos “Povos do Livro” (Bíblia, Torá etc). Os indivíduos que professavam tais crenças podiam continuar a praticá-las sob domínio islâmico, desde que pagassem uma taxa (a jizya) aos governantes e respeitassem as leis islâmicas.

Da Reconquista ao sequestro dos inocentes

Com a Reconquista da Península Ibérica pelos cristãos, os judeus passaram a temer novamente pela sua sorte. Todavia, pelo menos em Portugal até meados do século XV, eles gozaram de relativa liberdade, embora tivessem de pagar impostos escorchantes. Obtiveram mesmo grande destaque na vida pública portuguesa, como diplomatas, conselheiros reais, administradores, médicos, matemáticos, astrônomos, comerciantes e banqueiros (embora a maior parte da população judaica fosse composta de pessoas com profissões bem mais modestas, a saber, alfaiates, sapateiros, tecelões, pastores e pequenos comerciantes). Tal projeção começou a gerar descontentamento entre o povo, que sentia estar “a cristandade submetida à jurisdição judaica” (conforme queixou-se um frade em carta a Dom Afonso V). Tal clima de insatisfação generalizou-se e os judeus começaram a ser vítimas de perseguições e violência por parte de populares.

A situação na Espanha a partir de meados do século XIV já prenunciava o destino que esperava os judeus portugueses. Em Toledo, em 1355, 12 mil judeus morreram vítimas de perseguição religiosa; o número atingiu 50 mil em Palma de Mallorca, em 1391. Com o início das operações da Inquisição, ou “Santa Inquisição”, em 1478, o temor se espalhou entre os judeus da Espanha. Temendo pela própria sorte, milhares se converteram ao catolicismo, enquanto outro tanto buscou refúgio em Portugal. O volume de refugiados aumentou dramaticamente quando em 1492 foi decretada a expulsão dos judeus da Espanha.

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Esse grande contingente de milhares de judeus (93 mil segundo as contas do contemporâneo Andrés Bernaldez) fugitivos sem bens e dinheiro acirrou os ânimos dos portugueses.

A maioria dos fugitivos atravessou a fronteira em busca de abrigo, mediante licença de trânsito por oito meses atribuída pelo rei D. João II.

Além da ira popular, os imigrantes tiveram de lidar com a esperteza de Dom João II, que vislumbrou uma oportunidade de lucrar com a desgraça alheia: o rei instituiu a cobrança de dois escudos (Outros pesquisadores afirmam que era um tributo de 8 cruzados)  por cada imigrante, para que pudessem permanecer em Portugal por oito meses.

Como ao fim do prazo de permanência os judeus não conseguiram sair de Portugal (não havia navios suficientes para transporta-los – ou assim foi dito), o rei ordenou que fossem vendidos como escravos. As crianças entre dois e dez anos foram tiradas de seus pais, batizadas e levadas para colonizar as ilhas de São Tomé e Príncipe, onde a maioria não resistiu às condições do clima.

Apesar disso ainda vivem naquelas ilhas descendentes destes judeus, os quais, como prova de extrema resistência cultural, ainda conservam alguns costumes judaicos.

Da Expulsão ao Pogrom de Lisboa

Com a ascensão de Dom Manuel I ao trono português, em 1495, os castelhanos escravizados foram libertados. Todavia, o casamento anunciado do rei com a princesa Isabel da Espanha colocou os judeus novamente em clima de tensão. Isto porque o contrato de casamento incluía uma cláusula que exigia a expulsão dos hereges (mouros e judeus) do território português, tal como os reis espanhóis haviam feito em 1492. O rei Manual I tentou fazer com que a princesa reconsiderasse (já que precisava dos capitais e do conhecimento técnico dos judeus para o seu projeto de desenvolvimento de Portugal), mas foi tudo em vão. Em 5 de dezembro de 1496, Dom Manuel assinou o decreto de expulsão dos hereges, concedendo-lhes prazo até 31 de outubro de 1497 para que deixassem o país. Aos judeus, o rei permitiu que optassem pela conversão ou desterro, esperando assim que muitos se batizassem, ainda que apenas pro forma.

Os judeus, no entanto, não se deixaram convencer e a grande maioria optou por abandonar o país. O rei, ao ver cair por terra sua estratégia, mandou fechar todos os portos de Portugal – menos o porto de Lisboa – para impedir a fuga.

Uma vez que os Judeus constituíam uma parte importante da elite econômica, cultural e científica do país, o rei queria evitar a sua fuga e concentrou no porto de Lisboa cerca de 20 mil judeus, esperando transporte para abandonar o território português.

Em abril de 1497, o rei manda sequestrar as crianças judias menores de 14 anos, para serem criadas por famílias cristãs, o que foi feito com grande violência. Em outubro de 1497, os que ainda resistiam à conversão foram arrastados à pia batismal pelo povo incitado por clérigos fanáticos e com a complacência das forças da ordem.

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Uma das duas únicas gravuras sobreviventes até os dias atuais e intitulada em alemão “Von dem Christeliche – Streyt, kürtzlich geschehe – jm. M.CCCCC.vj Jar zu Lissbona – ein haubt stat in Portigal zwischen en christen und newen chri – sten oder juden, von wegen des gecreutzigisten [sic] got.” (Da Contenda Cristã, que recentemente teve lugar em Lisboa, capital de Portugal, entre cristãos e cristãos-novos ou judeus, por causa do Deus Crucificado”).

Foi desses batismos em massa e à força que surgiram os marranos, ou cripto-judeus, que praticavam o judaísmo em segredo embora publicamente professassem a fé católica.

Os “cristãos novos” nunca foram realmente bem aceitos pela população “cristã velha”, que desconfiava da sinceridade da fé dos conversos. Essa desconfiança evoluiu para a violência explícita em 1506, quando ocorreu o Progom de Lisboa. A peste grassava na cidade desde janeiro, fazendo dezenas de vítimas por dia. Em abril, mais uma vez insuflados por clérigos fanáticos, que culpavam os “cristãos novos” pela calamidade, o populacho investiu contra eles, matando mais de dois mil deles, entre homens, mulheres e crianças.

A nova diáspora

Para os judeus portugueses, o Pogrom de Lisboa foi a gota d’água final. Iniciava-se nova diáspora judaica, tendo alguns rumado para o norte da Europa, onde fundaram comunidades nos Países Baixos e Alemanha. Outros se dirigiram para o sul da França, e até mesmo para a Inglaterra. Alguns judeus preferiram retornar ao Oriente Médio, tendo sido bem recebidos pelos turcos otomanos.

 Expulsão dos judeus de Espanha em 1492,xilogravura, posteriormente colorida, de Michaly Von Zichy, 1880, AKG Imagens/Latins Tock – Fonte – http://www2.uol.com.br/historiaviva

Os judeus portugueses também chegaram com os holandeses na Capitania luso-brasileria de Nova Lusitânia, Pernambuco, e consecutivamente a toda região setentrional do Nordeste brasileiro, outrora conquistado aos portugueses pela Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais, entre os anos de 1630 a 1654, onde fundaram no Recife, capital da Nova Holanda, a primeira sinagoga das Américas, a Sinagoga Kahal Zur Israel, sob a direção do grande Hakham Issac Aboab da Fonseca, que foi autor dos primeiros textos literários e religiosos escritos em língua hebraica nas Américas. Com a reconquista portuguesa do Nordeste setentrional do Brasil, e a proibição de praticar o judaismo, a comunidade dispersou-se, sendo que alguns voltaram para Amsterdã, outros migraram para outras colonias holandesas nas Américas do Sul, Central e do Norte e uma parcela permaneceu, refugiando-se nos sertões, interior do Nordeste Brasileiro onde se converteram em cripto-judeus.

Em Nova Iorque, que foi colonia holandesa com o nome de Nova Amsterdão, chegaram do Recife um grupo de 23 judeus em Setembro de 1654, onde fundaram a primeira comunidade judaica dessa cidade.

Embora a presença judaica no continente americano date de um século e meio antes da conquista da Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais ao Nordeste brasileiro, os judeus convertidos (cristão-novos) fizeram parte da expedição portuguesa que, sob o comando do capitão Cabral, “descobriu” o Brasil em 22 de abril de 1500.

Mesmo depois da abolição do Tribunal do Santo Ofício, em 1821, o cripto-judaísmo continuou a ser praticado em Portugal, em especial na Beira Interior e Trás-os-Montes. Em Belmonte, só terminaria já depois do 25 de Abril.

Fonte – http://pt.wikipedia.org/wiki/Judeus_em_Portugal


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UM TESOURO DE PORTUGAL – O MOSTEIRO DE ALCOBAÇA

Mosteiro de Alcobaça - Fonte - http://codigodacultura.wordpress.com

Fundada pelo primeiro rei Português em 1153, o cisterciense Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça foi um dos mosteiros mais ricos e mais prestigiados na Europa medieval. A sua igreja foi o primeiro edifício em Portugal a adoptar o estilo gótico e ainda é s maior igreja do país.

História

Em março de 1147, em uma importante batalha em Santarém frente aos mouros, D. Afonso Henriques prometeu que iria construir um grande mosteiro se Deus lhe concedesse a vitória. Após vencer a batalha e se tornar o primeiro Rei Português, Afonso manteve a sua promessa. Ele fundou o Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça em 1153 e o entregou a Bernardo de Claraval, um abade cisterciense que promoveu fortemente as Cruzadas.

Os monges cistercienses viviam em simples casas de madeira por várias décadas, enquanto esperavam para o mosteiro a ser construído. As obras começaram em 1178, eles foram capazes de ocupar os edifícios do mosteiro em 1223.

Os arquitetos são desconhecidos, mas provavelmente eram de origem francesa e basearam o seu projeto na Abadia de Clairvaux, fundada por São Bernardo em 1115. Esta abadia não sobreviveu aos dias atuais, tornando o Mosteiro de Alcobaça uma testemunha importante para a arquitetura cisterciense. Quando a igreja foi concluída em 1252, ele foi o primeiro edifício totalmente gótico e a maior igreja de qualquer estilo em Portugal. No final do século 13, o rei D. Dinis acrescentou o claustro gótico, poeticamente conhecida como o Claustro do Silêncio.

Ao longo dos séculos, os monges de Alcobaça fizeram contribuições significativas para a cultura portuguesa. Em 1269 eles foram os primeiros a dar aulas públicas ao seus seguidores e, posteriormente, produziram a história oficial sobre Portugal em uma série de livros. A biblioteca de Alcobaça foi uma das maiores de Portugal. Muitos monarcas portugueses foram sepultados no Mosteiro de Alcobaça nos séculos 13 e 14, incluindo Afonso II, D. Afonso III, e suas rainhas, bem como D. Pedro I e sua amante, a malograda Inês de Castro.

Escapou do Terremoto, Mas Não da Espada dos Invasores

Durante o reinado de D. Manuel I, um segundo andar foi adicionado ao claustro e uma sacristia nova foi construída em estilo manuelino, ricamente ornamentada. O mosteiro foi ainda mais ampliado no século 18 com a adição de um novo claustro e torres de igrejas novas. O mosteiro escapou de grandes danos com o forte terramoto de 1755. Em 1794, o escritor de viagens, crítico e colecionador de artes inglês, o Lorde William Thomas Beckford visitou o local e comentou que ele encontrou cerca de 300 monges “que vivem de uma maneira muito esplêndido!”. Mas a vida monástica em Alcobaça estava prestes a acabar.

Fonte - http://www.tripadvisor.com.br

Em 1810, as tropas invasoras francesas saquearam a famosa biblioteca, roubaram os túmulos, e roubaram e queimaram parte da decoração interior da igreja. O que quer que tenha sobrado deste saque gaulês foi posteriormente roubado em 1834 durante uma revolta anticlerical, que acompanhou a dissolução oficial da vida monástica em Portugal e a partida dos últimos monges de Alcobaça.

Mosteiro de Alcobaça foi designado como Património Mundial pela UNESCO em 1989 porque “seu tamanho, a pureza do seu estilo arquitetônicos, a beleza dos materiais e o cuidado com que foi construído tornar esta uma obra-prima da arte gótica cisterciense”.

Fonte - http://www.flickr.com

A fachada oeste da igreja do mosteiro cisterciense é o majestoso estilo gótico com enfeites barroco. No seu interior é um exemplo requintado de arquitetura gótica cisterciense. Em conformidade com princípios austeros cistercienses, decoração é mínima, permitindo que a apreciação máxima das linhas de subida verticais. Os corredores laterais são tão altos como a nave central. As abóbadas nervuradas são suportadas em arcos transversais e grandes pilares com colunas envolvidas. A abside, inundado de luz de grandes janelas góticas, tem um ambulatório com capelas radiantes.

A partir do ambulatório de um corredor leva para a sacristia, construída em estilo manuelino no início do século 16, onde existe um cofre Lierne esplêndido e um portal manuelino ricamente ornamentados com o brasão de armas Português.

Um Amor Real Perpetuado em Pedra

Mas é no transepto da igreja que está uma das atrações do mosteiro: os túmulos góticos reais de Pedro I (1320-1367) e Inês de Castro (1325-1355) , filha de um aristocrata castelhano. Tão importante quanto a magnífica arquitetura gótica da própria igreja são estes túmulos e sua história.

Fonte - http://www.flickr.com

Eles se conheceram quando Pedro foi forçado a se casar com a jovem Constanza de Castela em 1339, mas Pedro se apaixonou por Inês e a tomou como sua amante. Depois de Constanza morrer em 1349, Pedro se recusou a casar-se novamente e continuou a ser dedicado a Inês, com quem teve vários filhos.

Pedro reconheceu todos os seus filhos com Inês e favoreceu os castelhanos na corte, levando o pai de Pedro, o rei Afonso IV, a considerá-la como uma ameaça ao seu reino. Assim, em 1355, o rei mandou matá-la.

Fonte - http://1.bp.blogspot.com

Dois anos depois, Afonso IV morreu e Pedro tornou-se rei. D. Pedro I declarou imediatamente que ele havia se casado com Inês em uma cerimônia secreta em Bragança, fazendo dela a rainha de direito. Segundo a lenda, o rei enlutado, em seguida, tomou sua vingança terrível, ele exumou o corpo de Inês, apresentou o cadáver na corte e ordenou que todos os seus cortesãos em homenagem à sua mão decomposta. Também forçou seus assassinos ao mesmo castigo e depois os matou. Este evento dramático mais tarde iria inspirar Camões, Velez de Guevara e tantos outros autores contemporâneos e cineastas.

Fonte - http://www.tripadvisor.com.br

D. Pedro encomendado suntuosos túmulos de mármore para si e para sua amada.  Ambos os túmulos têm efígies do falecido assistido por anjos. Os lados do túmulo de Pedro são decorados com episódios da vida de São Bartolomeu e as cenas de sua vida com Inês, incluindo a promessa de que eles estarão juntos até o fim do mundo. Os túmulos estão decorados com cenas da vida de Cristo e do Juízo Final estátuas de anjos prontos para despertar Pedro e Inês no Dia do Juízo, e criaturas grotescas que representam seus inimigos forçados a suportar o peso das tumbas. Embora danificados, os sarcófagos são as maiores peças de escultura do século 14 em Portugal.

Fonte - http://www.viagens.org

O Que Ver…

Além dos túmulos dos dois amantes reais, existem neste local os túmulos do século 13 da rainha Urraca de Castela e Rainha Beatriz de Castela. O túmulo mais notável é o da rainha Urraca, que é ricamente decorado.

Existe a sala do capítulo, ligado ao claustro por um portal de estilo românico, cheio de estátuas barrocas criadas pelos monges. Os visitantes também podem explorar o dormitório dos monges e do “scriptorium” onde eles copiaram manuscritos.

Fonte - http://www.viagens.org

A cozinha monástica é uma visão impressionante e interessante. Os monges de Cister, conhecidos por suas habilidades de engenharia, desviaram um braço do rio Alcoa direito pela cozinha, criando um permanente fornecimento de água corrente e límpida, além de um conveniente local de pescaria. A cozinha tem uma enorme chaminé. Afirma-se que até oito bois poderiam ser simultaneamente assados ali A cozinha é acompanhada por um refeitório espaçoso.

Os restos da biblioteca do mosteiro, incluindo centenas de manuscritos medievais, agora são mantidos na Biblioteca Nacional em Lisboa.

Se você tem interesse em história, arquitetura gótica ou de ambos, Alcobaça é para ser visto.

Acredito que este local é perfeito para escutar com um bom fones de ouvido (para não perturbar ninguém) a bela música “12 O’clock II”, do instrumentista grego Vangelis, do seu disco de 1975, “Heaven and Hell”.

Fonte - http://www.viagens.org

A INÚTIL GUERRA DE PORTUGAL NA ÁFRICA

Destruição de reduto de guerrilheiros em 1973 – Foto – Mário Ferreira da Silva – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Autor – Rostand Medeiros

Quando trabalhava como Guia de Turismo, na época do auge da vinda dos visitantes estrangeiros para Natal, tive oportunidade de manter muitos contatos com espanhóis e portugueses.

Normalmente os turistas ibéricos retornavam para as suas terras com uma boa impressão de Natal e região e o trato era normalmente mais fácil com os portugueses.

Mas de vez em quando, entre os portugueses, apareciam alguns senhores que por mais que tentássemos atende-los da melhor forma possível, sempre se mostravam insatisfeitos. Normalmente se apresentavam irritados, nervosos, muitas vezes fumando muito e denotando um constante stress. Em uma ocasião, em um hotel na Via Costeira, uma colega teve um problema com um casal de portugueses e houve uma alteração. Na companhia de um colega tentamos buscar ajudar, mas não teve muito jeito e o Senhor subiu para o seu quarto chateado com uma questão que depois soube ser uma coisa simples.

Perto de Sanza, Angola – Foto – Fernando de Sá Ferreira – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Tanto assim que logo a sua Senhora, com muita gentileza típica da maioria dos portugueses, se dirigiu até a nossa colega e pediu desculpas pelo ocorrido. E argumentou para justificar a reação do seu esposo que ele era um “neurótico de guerra”.

Na hora nós três não compreendemos muito bem o que ela quis dizer, mas me recordei que quando era criança, ouvi falar que os portugueses haviam tido sérios problemas em suas antigas colônias africanas.

Procurei então aprender um pouco mais sobre este assunto.

ANTECEDENTES 

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a imagem política africana sofreu uma alteração profunda em vinte anos. Surgidos nas primeiras décadas do século XX, foi no final da Segunda Guerra Mundial que os pequenos movimentos nacionalistas e pro-independência ganharam força, levando à queda das potências colonizadoras. Vários países colonizados principalmente por ingleses e franceses buscaram se libertar de suas Metrópoles, muitas vezes utilizando o conflito armado em busca deste desejo de liberdade.

1914 – Hasteamento da bandeira portuguesa em Angola – Fonte – http://angola-luanda-pitigrili.com

O fim do colonialismo na África passou por várias etapas até que os países sob a influência estrangeira conseguissem alcançar a tão sonhada independência. As principais organizações que contribuíram para o arranque deste processo foram a Sociedade das Nações, sucedida pela ONU, que após a Segunda Guerra Mundial começou a pressionar a Europa no sentido de pôr termo às tradições colonialistas.

Mas enquanto as nações colonizadoras europeias deixavam suas antigas colônias livres, Portugal, que não havia participado da Segunda Guerra Mundial, não dava mostras de abrir mão de comandar os destinos em Angola, Guine Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Moçambique.

Salazar – Fonte – http://marcomoreiras.blogspot.com

Desde 1932 comandava o Presidente do Conselho de Ministros de Portugal o  nacionalista Antônio de Oliveira Salazar, que havia implantado o chamado Estado Novo, uma ditadura antiliberal e anticomunista, que se orientava segundo os princípios conservadores autoritários. Interessante era que o povo português elegia Presidentes da República, regularmente eleitos por sufrágio universal, mas que tinham na prática funções meramente cerimoniais. O detentor real do poder era o Presidente do Conselho de Ministros e era ele que dirigia os destinos da Nação.

Durante o seu regime Salazar afirmava que Portugal era um país “Pluricontinental e multirracial” e isso era passado aos portugueses desde a tenra idade. Um senhor de Leiria me comentou que na década de 1940 era normal nas escolas mostrarem aos alunos um mapa da Europa, onde se admitia que Portugal fosse uma pequena nação naquele continente. Mas os professores faziam questão de sobrepor no mesmo mapa, desenhos com os contornos das quatro colônias portuguesas na África e assim mostrar aos garotos que daquela forma, Portugal passava a ser “A maior nação da Europa Ocidental”.

Tropas seguindo para a África em 1972 – Foto – Mário Ferreira da Silva – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Salazar não daria a tão sonhada liberdade aos africanos sem uma luta.

Depois de mais de 400 anos de colonização ininterruptas, em meio a uma ditadura nacionalista que não tinha intenção de abandonar a sua fonte de riqueza africana, somado a toda uma verdadeira “lavagem cerebral” que transmitia a ideia que as colônias eram parte indelével de Portugal e que os jovens militares portugueses estavam defendendo aquilo que era considerado parte do seu território nacional, estava montado o palco de uma grande tragédia.

Soldados portugueses prontos para embarcar para a África – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

GUERRA AFRICANA

Por iniciativa do MPLA (Movimento Popular e Libertação de Angola) começa a guerra colonial em Luanda, com o ataque à prisão de São Paulo. Guine seguiu o exemplo em 1963, Moçambique em 1964. Já no arquipélago de São Tomé e Príncipe em Cabo Verde, segundo fui informado, não chegou a existir uma luta armada mais intensa, mas houve muita movimentação política em prol da independência destas colônias.

Tropas portuguesas participando de uma festa com moradores e Cabuca, Guine Bissau – Foto – Antonio Manuel da Silva Barbosa – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Estava iniciada a “Guerra Colonial”, “Guerra em África”, ou “Guerra do Ultramar” (designação oficial portuguesa) Para os africanos seria tão somente a sua “Guerra de Libertação”.

Com o início dos conflitos, Salazar não poupa esforços e começa a reforçar seus contingentes militares nos três teatros de operações e logo os combates começam a tomar proporções enormes para um país de recursos limitados como Portugal.

UM comboio de tropas motorizadas – Foto Manuel Alves B. – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Para se ter ideia deste crescimento, no final do ano de 1960, o dispositivo militar português em Angola limitava-se a três regimentos, dois batalhões de Caçadores (infantaria), um grupo de reconhecimento e um batalhão de Engenharia, num total de 6.500 militares, dos quais 1 500 eram oriundos de Portugal. Um ano depois este número saltou para 33.000 militares, valor que foi subindo sempre até 1971, quando o efetivo era de 65.000 combatentes portugueses em Angola. Em Moçambique as forças de Portugal foram reforçadas em 1961 com 11.000 homens, aumentando até 1973, ano em que esta cifra chega a 51.000. Na Guine, de cerca de 5.000 homens, os portugueses chegaram a ter 32 mil homens dez anos depois.

Decolagem de avião Texan T-6, de combate a guerrilha – Foto – Mario Arteiro – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Até 1974, ano final de todos os conflitos, serão mobilizados mais de 800 mil combatentes.

O regime do Estado Novo nunca reconheceu a existência de uma guerra, considerando que os movimentos independentistas eram apenas terroristas. Os africanos por sua vez, diante de limitações bélicas, sendo profundos conhecedores do terreno, utilizam em larga escala a guerra de guerrilha como forma de combater os portugueses, provocando inúmeras baixas nas tropas metropolitanas.

Descanso em Mueda, Moçambique – Foto – Sérgio Faustino das Neves – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

As ações dos africanos eram realizadas por pequenos grupos armados e estas guerrilhas não foram facilmente contidas, tendo conseguido controlar uma parte importante do território, apesar da presença de um grande número de tropas portuguesas que, mais tarde, seriam em parte significativa recrutadas nas próprias colónias.

Durante o conflito, uma das estratégias das forças portuguesas foi igualmente caracterizada por uma forte ação psicológica junto à população local. O objetivo era obter o apoio da população, desmoralizar o inimigo, procurando mesmo que este passasse a cooperar com o seu adversário e manter elevado a moral das próprias tropas.

Panfleto espalhado na Guine, incentivando a entrega de armas entre os guerrilheiros – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Os principais meios utilizados para a ação psicológica eram a propaganda, a contrapropaganda e a informação. Em relação às populações africanas, fazia-se o possível para lhes “conquistar o coração” através de programas de educação, ajuda sanitária, económica e religiosa, dando-lhes melhores condições de vida.

ocamento em zona de combate – Foto – Fernandos Ramos – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

A política de ação social das forças portuguesas materializava-se nos “aldeamentos” e “reordenamento rural”, criando, assim, um ordenamento e controlo da população, dificultando o seu contato com os guerrilheiros. Estes “aldeamentos” eram vigiados pelo exercito português, como por uma milícia composta por elementos da própria população, que também fazia parte da rede de informação da polícia secreta portuguesa. No entanto, este sistema de concentração da população em aldeias começou a ser posto em causa por volta de 1967, quando alguns oficiais, polícia e funcionários públicos argumentaram sobre a ruptura causada à área rural abandonada e ao seu futuro desenvolvimento. No início da década de 1970, cerca de um milhão de pessoas tinham sido realojadas em Angola, e outro tanto em Moçambique, no âmbito do programa.

Guarnecendo uma vila – Foto – Domingos Pereira Martins – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Enquanto isso em Portugal, durante muito tempo, grande parte da população foi iludida pela censura à imprensa. Onde se vivia sob a ilusão de que não havia uma guerra na África, mas apenas alguns ataques de terroristas.

UM ALTO CUSTO 

Enquanto os portugueses enfrentavam os africanos, no outro lado do mundo os norte-americanos se atolavam na cruel Guerra do Vietnam.

Muito antes de Rambo – Foto – Horácio Costa – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Sob muitos aspectos os dois conflitos possuem muitas similaridades; guerra de guerrilhas, um exército mais forte que não consegue vencer um oponente teoricamente mais fraco, uso de guerra psicológica, etc. Mas se existiam similaridades, as diferenças eram enormes, pois Portugal não possuía apenas um “Vietnam”, mas três conflitos para dar conta no mesmo continente.

Uma grande diferença nestes conflitos estava no fato das forças armadas dos Estados Unidos utilizarem armamentos de última geração, enquanto Portugal possuía um equipamento extremamente obsoleto, com alguns aviões ainda do período da Segundo Guerra Mundial.

Patrulha – Foto – Fernando Ramos – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Tal como os americanos no Vietnam, na África os deslocamentos dos militares portugueses eram constantes, mas sujeitos a emboscadas ou destruição de veículos com o uso de minas terrestres de alta potência explosiva.

Outubro de 1972, guerrilheiro preso – Foto – Jaime Catarino – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

A mata era a melhor proteção para os guerrilheiros, sendo necessários fortes deslocamentos de unidades portuguesas nestas regiões, com a destruição de acampamentos dos inimigos. Durantes estas guerras os portugueses fizeram largo uso de artilharia pesada e bombardeios através do uso de aviões.

Janeiro de 1973, artilharia em Canacassala, Angola – Foto – Alvaro Sacadura Nunes – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Durante os 13 anos de guerra africana, registou-se um total de 8 290 mortos nas três frentes de combate. O número mais elevado registou-se em Moçambique (1 481); seguem-se Angola (1 306) e Guine (1 240)

Já em relação aos feridos, o número é difícil de calcular, estimativas apontam para um total de 30.000. Mas talvez a pior situação seja daqueles que foram afetados pelas sequelas psicológicas das ações de combate. Acreditasse que em Portugal que são cerca de 140.000 os antigos militares com “stress de guerra”, uma doença mais grave do que se supõe.

Portugueses mortos em explosão de mina terrestre – Foto – João Petrucci – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Mas há outra ferida que as próprias autoridades procuram esconder o mais possível: os desaparecidos em combate.

Isso ocorreu devido a uma situação verdadeiramente nefasta que, segundo fui informado por um veterano, ocorreu por parte do governo português em relação aos seus soldados. Enquanto no conflito do Vietnam, os norte-americanos possuíam a política de nunca deixar um companheiro para trás e faziam questão de transportar os corpos dos caídos em combate de volta para casa. No caso dos combatentes portugueses, se a família tivesse dinheiro para pagar o caixão, traslado e as obrigações de praxe, bem, o militar era enterrado em casa. Se não, deixava o falecido enterrado no solo da antiga colônia e longe da família.

Resultado de outra explosão de mina terrestre – Foto João Petrucci – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Em meio a áreas de mata fechada, sem apoio de helicópteros (que até existia, mas em número limitado), com o inimigo rondando pela região, algumas vezes os combatentes portugueses mortos foram enterrados onde e como fosse possível. Isso se houvesse condições.

Muitas famílias portuguesas não tiveram o privilégio de prantear seus entes queridos mortos em uma guerra tão inútil.

PORTUGAL PERANTE O MUNDO DURANTE A GUERRA

No auge do conflito Portugal pagava quase 40% do seu Orçamento do Estado para sustentar a sua máquina de guerra. Situação que ajudou a manter o país extremamente pobre em relação ao padrão Europeu. Nesta época houve um forte crescimento da imigração de portugueses para outros países.

Desembarque em helicópteros no norte de Angola – Foto – Mário Ferreira da Silva – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Enquanto isso no exterior, a guerra na África tornava Portugal cada vez mais impopular perante o resto do Mundo.

A partir de 1960, com a adesão de 17 novos países a ONU, resultado das independências que ocorreram na África e Ásia, cresceu a contestação à política colonial portuguesa. Desencadeou-se, dentro e fora da ONU, um forte movimento contra Portugal que levaria à aprovação, nos diversos órgãos da instituição com sede em Nova York, de numerosas resoluções visando combater a política colonialista portuguesa. Tanto que em 1967, como forma de apoio concreto aos movimentos de libertação, começa as pressões dentro da ONU para que Angola, Moçambique e Guine Bissau, passem a ter representantes próprios nas várias instituições especializadas da organização e que Portugal fosse excluído como país membro da instituição.

Muitas fotos mostram os soldados portugueses barbudos e com aspecto pouco militar. Mas eles eram eficientes – Foto – José Piteira – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Em Setembro de 1968, ocorre a substituição de Salazar (que vem a falecer em 1970) por Marcelo Caetano na chefia do governo português. Criou-se, tanto interna como externamente, a expectativa de uma possível evolução do regime e na possibilidade de se encontrar uma solução política para a questão da luta. Mas na prática nada muda e a guerra continua.

Em Fevereiro de 1972, o Conselho de Segurança reúne pela primeira vez em África e os representantes dos movimentos nacionalistas das colónias portuguesas são recebidos.

Blindado no meio da selva – Foto – Manuel Alves – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

O Conselho de Segurança da ONU reconhece a legitimidade das lutas travadas pelos movimentos de libertação para alcançar o direito à autodeterminação e independência. Para o governo português esta resolução seria objeto de repúdio, sendo considerada não obrigatória e uma inadmissível intromissão nos assuntos internos de um Estado membro. Mas logo o governo português sofre outro revés com a proclamação da República da Guine Bissau, a 24 de Setembro de 1973 e o isolamento internacional de Portugal acentua-se ainda mais. A independência da Guine viria ser reconhecida pelas Nações Unidas durante a XXVIII sessão da Assembleia-geral, pela resolução 3061, de 2 de Novembro do mesmo ano.

A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS E O FIM DA GUERRA 

Em Portugal qualquer tentativa de reforma política era impedida pela própria inércia do regime e pelo poder da sua polícia política, a temida PIDE. Nos finais de década de 1960, o regime exilava-se, envelhecido, num ocidente de países em plena efervescência social e intelectual.

A Revolução dos Cravos de 25 de abril de 1975 – Fonte – http://www.forte.jor.br

Internamente a guerra colonial tornava-se tema forte de discussão. Muitos estudantes e opositores viam-se forçados a abandonar o país para escapar à guerra, à prisão e à tortura. Nesta época muitas família e jovens portugueses vieram para o Brasil.

Diante deste quadro, começam a existir divisões no seio do regime. Oficiais de baixa e média patente, formada e criada na guerra, que aprendera a agir com autonomia, dos três ramos das forças armadas, decidem criar o MFA-Movimento das Forças Amadas e levar adiante um golpe de estado.

Armas apreendidas com os guerrilheiros – Foto – Henrique Paulino Serrão – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Em 25 de abril de 1974 estoura a revolta que ficaria conhecida como “Revolução dos Cravos”. O Programa do MFA apresentava, de forma inequívoca, a vontade de possibilitar a independência das colônias.

Com a descolonização se reconfigurou a situação no continente africano, com a criação de novos países independentes em busca dos seus próprios rumos e afirmação nacional.

Avião PV-2 em voo rasante – Foto – Mário Arteiro – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htmMãe Guerrilheira do MPLA de Angola – Fonte – http://www.portaldoprofessor.mec.gov.br

Uma consequência após a independência foi que uma grande massa de combatentes africanos que lutaram ao lado dos portugueses foram abandonados à própria sorte. Logo muitos destes homens sofreram perseguições e vários foram assassinados pelos seus antigos inimigos. Estima-se que (não sei se de forma exagerada), que apenas na Guine Bissau tenham sido assassinados sumariamente onze mil ex-combatentes africanos que lutaram nas forças armadas de Portugal.

As florestas africanas era o local onde os portugueses muitas vezes conseguiam carne. Aqui vemos um javali sendo abatido – Foto – Mario Ferreira da Silva – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Já em Angola foi assinado o chamado “Acordo do Alvor” em Janeiro de 1975, onde participaram além do MPLA, membros do FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), os três principais movimentos de libertação do país e o governo português. Pouco tempo depois do Acordo assinado, os três movimentos independentistas envolveram-se num conflito armado pelo controle da nova nação no que ficou conhecido como a Guerra Civil de Angola, onde as perdas humanas foram muito significativas.

Artilharia – Foto – Mário Ferreira da Silva – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Já em Moçambique a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) foi o movimento que após a independência passou a controlar exclusivamente o poder na região, aliada aos países do então bloco socialista, e introduzindo um sistema político de partido único. O regime provocou a hostilidade dos estados vizinhos segregacionistas existentes na época na África do Sul e Rodésia (atual Zimbábue), que apoiaram guerrilhas oposicionistas internas. Esta situação viria a se transformar em uma guerra civil que durou 16 anos.

 INUTILIDADE

Conforme fui aprendendo cada vez mais sobre esta situação que envolveu e marcou os portugueses e os africanos, comecei a perceber o quanto aquele conflito foi totalmente inútil. Depois, com jeito e calma, buscava conversar isso com senhores portugueses, na faixa de 65 a 70 anos, ex-combatentes e pude perceber que quase todos concordavam plenamente com esta minha opinião.

Tanto sofrimento e morte em meio a tantos anos de guerra e para quê?

Hoje, em meio a uma forte crise econômica,  muitos cultuam Salazar. Se esquecendo que na época em que ele estava no poder não havia liberdade democrática.

Já a Revolução dos Cravos, mesmo se nunca foi uma unanimidade, parece ficar cada vez mais esquecidas por uma juventude que percebi pouco se importar com esta época e seus acontecimentos.

Certamente a população nativa e civil, foi quem mais perdeu – Fonte – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

Fontes – http://ultramar.terraweb.biz/index.htm

http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_descoloniza%C3%A7%C3%A3o_de_%C3%81frica

http://www.projecto10.pt/arquivo-3-cs-livre.htm

http://www.historiadeportugal.info/guerra-colonial-portuguesa/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_dos_Cravos

http://www.slideshare.net/cristinabarcoso/a-guerra-colonial-em-angola-9b

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O RIO GRANDE DO NORTE HÁ DUZENTOS ANOS

UM MAPA DE 1811 MOSTRA INTERESSANTES ASPECTOS DA TERRA POTIGUAR

Rostand Medeiros – IHGRN

Através do amigo José Cardoso de Paula Morais, que da sua bela Cidade Maravilhosa, me manda dos arquivos da fantástica Biblioteca Nacional, um interessante mapa digitalizado do nosso Rio Grande do Norte, do qual tenho enorme orgulho de ser filho desta terra.

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A foto do mapa, conforme recebi no original. Fonte – Biblioteca Nacional, através de José Cardoso de Paula Morais 

ATENÇÃO – NO LINK QUE SEGUE É POSSÍVEL VISUALIZAR O MAPA EM ARQUIVO HTM, COM ÓTIMAS POSSIBILIDADES DE AMPLIAÇÃO. 

http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart542340.htm

Intitulado “Mappa Topographico da Capitania do Rio Grande do Norte”, é datado de 1811 e a sua execução e foi realizado sob as ordens do então governador das terras potiguares, José Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, um homem aparentemente bastante interessado em saber o que havia na área sob a sua administração, conforme veremos mais adiante.

Aparentemente o autor específico da carta topográfica é um sábio de nome “Montenegro”, conforme está mostrado no canto esquerdo inferior deste material. Se não estou errado, vemos escrito “Montenegro desenhou” e acompanha um indicativo do local e do ano onde o “Mappa Topographico da Capitania do Rio Grande do Norte” foi finalizado – “Recife:1811”.

Um ponto de interesse são as desembocaduras dos rios, os cursos destes para o interior, o quanto estes eram caudalosos etc. Como na carta não aparece o mínimo rasgo de uma simples estradinha, estes rios eram os verdadeiros caminhos potiguares da época. Vemos os Rios Piranhas, “Apody”, o Maxaranguape, entre outros.

Já a nossa capital é denominada “Cidade do Natal” e está junto a “Barra do Rio Grande”.

Destaque também para as pequenas áreas habitacionais, muitas destas nada mais que simples arruados, marcados com uma uma cruz. Esta era uma marcação muito comum em mapas desta época, que servia também para mostrar a um crente seguidor da igreja que naqueles ermos havia uma casa do senhor, onde ele poderia fazer suas orações.

Como era uma época sem estradas de qualidade, sem placas indicativas (a maioria do povo era analfabeta) e muito menos GPS, o mapa mostra as muitas serras do nosso sertão, servindo como pontos de referência para possíveis viajantes que seguissem a conhecer a região.  Vemos a Serra de Martins, a de Luís Gomes, de “Sta. Anna” e a grande Serra do Camará, hoje mais conhecida como Serra de São Miguel.

O mapa se encontra bastante amarelado, mas ainda bem visível no original. Não tenho ideia de suas dimensões reais. Mesmo com todas as dificuldades da baixa resolução, vemos que o autor olhou o nosso estado como um observador posicionado ao norte, parecendo a olhos atuais que a carta está de cabeça para baixo.

Mas na perspectiva de quem o concebeu, importava mostrar principalmente a localização dos pontos de atracação ao longo do nosso litoral (marcado com pequenas âncoras), uma ação muito importante para o uso do principal meio de transporte e de escoamento de mercadorias da época – o marítimo.

Tanto assim que na base do mapa encontramos 34 indicações dos pontos do nosso litoral, com informações para os navegantes e marcações de áreas ao longo de nossas praias. Tudo de suma importância para os navegadores daquela época.

Muitas das denominações litorâneas foram esquecidas, ou alteradas. É o caso da de número 1, com a denominação “Mossoró”, onde vemos a nossa primeira praia a partir do Ceará e acompanhado do indicativo “Banco de Areia”, provavelmente a região da praia de Areias Alvas.

Já outras marcações permanecem, como as de números 2 e 3, onde aparece a denominação ainda corrente da bela praia de Redonda. Interessante é que neste ponto do mapa já aparece o nome “Ponta do Mel”, mas a localidade não foi contemplada com uma numeração e nem algum indicativo sobre a área.

O mapa com alterações do programa PICASA

Já na de número 9 aparece o nome “Guamaré” e não mais “Água-Maré”, como era denominado em tempos anteriores a feitura desta carta.

A marcação 10 é apresentada como “Gallos” (ainda existente, próximo ao município de Galinhos) e seguem inúmeras outras como o Cabo de São Roque e Maxaranguape (25), Ponta Negra (28), Pirangí (29), Tabatinga (31) e Baía Formosa como a nossa última praia antes da mal traçada fronteira com a Paraíba.

O mapa chega a mostrar locais que sumiram da face da terra, como no caso da Ilha de Manuel Gonçalves.

Neste local consta que existiu uma pequena fortaleza, construída pelo mesmo governador que mandou fazer o mapa aqui mostrado. Ali teve início uma povoação que hoje é a cidade de Macau. Ocorre que devido a ações da natureza, esta ilha desapareceu, tornando-se uma verdadeira “Atlântida Potiguar”. Com ela sumiu o fortim, as primeiras casas de Macau e grande parte de sua história. Os Macauenses mudaram suas casas para outro local e lá a cidade permanece até hoje.

Detalhe do mapa de 1811, mostrando a região de Macau

Mas o mapa mostra que a “Manoel Gonçalves”, com o número 7, estava lá em 1811.

A partir do local onde está a desembocadura do Rio Piranhas, seguindo os contornos do rio um pouco mais acima, vamos encontrar o local “Oficinas”. Esta era uma antiga povoação que aproveitava a grande quantidade de sal existente na região, junto com a carne de gado dos rebanhos que ali eram criados e produzia charque em suas denominadas oficinas. Um pouco mais acima de “Oficinas” encontramos a “Villa da Princeza”, o atual município de Assú. E por aí vai o que se pode aproveitar desta interessante carta.

Sobre o homem que mandou confeccioná-lo, consta que José Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque foi um militar de artilharia e funcionário público da coroa portuguesa com muitos serviços prestados.

Mas nem tanto assim.

Segundo os “Annais de Pernambuco”, em 21 de Maio de 1801, um delator informou às autoridades da Capitania de Pernambuco os planos de um grupo de conjurados, que desejavam deflagrar um movimento separatista, o que conduziu à detenção de diversos implicados. Vejamos o que foi publicado sobre o fato.

O Forte dos Reis Magos, na Barra do Rio Grande, na época dos holandeses. Fonte – Foto do autor, feita no Instituto Ricardo Brennand, em Recife, Pernambuco

“Em 10 de junho do mesmo ano é preso o comandante militar da freguesia do Cabo de Santo Agostinho, Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, ilustre e alentado fidalgo, senhor do engenho Suassuna em Jaboatão, como chefe de uma conspiração política, que tinha por objeto formar de Pernambuco uma república independente sob o protetorado de Napoleão Bonaparte, o grande líder francês.

Um dos seus irmãos, o terceiro, José Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, então em Lisboa, figurava na conjuração como agente no Reino, e escapou de ser preso, fugindo para a Inglaterra.

O público jamais penetrou os esconderijos deste mistério, porque molas reais e secretas fizeram correr sobre ele cortinas impenetráveis; foi certo, contudo, que rios de dinheiro correram pelas religiosas mãos de Frei José Laboreiro, respeitável pelo seu saber e virtudes, lente de teologia dogmática do Seminário Episcopal de Olinda, e de grande prestígio na corte, de onde recentemente chegara, tirando por fruto serem os acusados restituídos à liberdade, à posse dos seus bens sequestrados, e à estima e prêmios do soberano”.

José Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque soube dar a volta por cima nesta situação e em 23 de março de 1806 é designado para governar a capitania do Rio Grande do Norte.

Câmara Cascudo (In “História do Rio Grande do Norte”, MEC, 1955, páginas 130 e 131) comenta que Cavalcanti foi um dos melhores governadores que o estado já teve e exerceu seu mandato até maio de 1811.

Além de erguer pequenos fortes de pedra e cal ao longo do litoral potiguar, entre outras ações Cavalcanti fundou um asilo para as viúvas dos soldados.  O governador mandou proceder em 1805 a um censo demográfico, que apontou existirem 49.181 potiguares, sendo 24.834 homens e 24.347 mulheres, entre brancos, pardos, negros e índios.

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Escreveu Cascudo que este governante se preocupava desde abrir estradas, a comida dos presos e teria sido o primeiro a promover, em 1809, a vacinação de potiguares contra doenças, tendo sido utilizada a vacina jenneriana. (1)

Cavalcanti estava no poder quando o viajante inglês Henry Koster passou por Natal a cavalo, vindo de Recife e seguindo em direção ao Ceará. Cascudo informa que Koster, apesar da miudeza do lugar, elogiou alguns aspectos gerais da capital da pequena província. (2)

Este governador reformou até mesmo os costumes sociais em Natal, onde introduziu o uso de tecidos ingleses e promoveu o costume das reuniões sociais. Será então que os natalenses cobriam suas “vergonhas” com simples panos de chita e mal colocavam a cabeça para fora de seus alpendres de tão matutos que eram?

Não sei se José Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque esteve envolvido na Revolução de 1817. Creio que não, pois em fevereiro de 1817 ele assumiu o posto de governador de Moçambique, na África. Consta que lá restaurou a Fortaleza de Mossuril e faleceu em setembro do ano seguinte.

Notas

Nota 1 – Descoberta pelo criador da vacinação, o médico inglês Edward Jenner (1749 a 1823), a forma como esta vacina chegou ao Brasil é uma verdadeira história do terror, do que era a escravidão e de como seus senhores utilizavam suas “peças”.

Em 1804 comerciantes baianos, sob o patrocínio de Felisberto Caldeira Brant Pontes Oliveira e Horta, o poderoso Marquês de Barbacena, bancaram a viagem de alguns escravos à Europa para serem inoculados com o chamado “pus vacínico” e trazerem a vacina jenneriana para o Brasil. Já no ano seguinte, os capitães-mores de algumas províncias tornavam a vacinação obrigatória, entre estes estava o atuante Cavalcanti.

Para entender melhor o porquê de enviar escravos nesta viagem nada turística, a vacina descoberta por Jenner no final do século XVIII a partir de observações sobre a relação entre a varíola e a imunidade provocada no homem quando em contato com o “cow-pox”, ou pústula da vaca, doença similar à varíola desenvolvida pelos bovinos. O produto extraído do “cow-pox” foi denominado “vacina” e ao ser inoculado no homem causava erupções semelhantes às da varíola. A vacina jenneriana consistia na inoculação da “linfa” ou “pus variólico” produzido por estas erupções da pele humana provocadas pelo “cow-pox”. Por este motivo, também era chamada vacinação “braço a braço” devido ao método. Este tipo de vacina, porém, começou a ser questionado quando se percebeu que, além de perder o efeito após algum tempo, ele poderia estar associado à transmissão de outras doenças, em particular da sífilis.

Ver – http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/P/verbetes/instvacimp.htm

Nota 2 – Filho do comerciante inglês de Liverpool, John Theodore Koster, Henry Koster nasceu em Lisboa, Portugal. Não se sabe ao certo a data do seu nascimento, mas ao chegar no Recife, no dia 7 de setembro de 1809, consta que tivesse 25 anos de idade. Considerado um dos mais importantes cronistas sobre o Nordeste brasileiro, Koster viajou para o Brasil em busca de um clima tropical para curar uma tuberculose.

Teve um papel importante na vida social, artística e até política do Recife na época. Fez muitas amizades, conheceu governadores, senhores-de-engenho, comerciantes, coronéis.

Falava o português com fluência, o que fazia com que algumas pessoas duvidassem da sua nacionalidade, tratando-o brasileiramente por Henrique da Costa.

Em 1810, sentindo-se bem melhor da doença que o acometia, resolveu viajar a cavalo para a Paraíba e de lá foi até Fortaleza, no Ceará. Voltou ao Recife no início de fevereiro de 1811 e já no final do mês viajou novamente, desta vez por mar, para o Maranhão, de onde regressou para a Inglaterra.

Em 27 de dezembro do mesmo ano, voltou ao Recife e fez uma viagem ao sertão de Pernambuco. Quando retornou, arrendou o engenho Jaguaribe, na ilha de Itamaracá, tornando-se agricultor e senhor-de-engenho.

Como bom observador anotava, com detalhes, tudo o que via em suas viagens e no seu dia-a-dia. Tomava parte da vida brasileira, conhecendo seu povo, seus usos e costumes, convivendo nas ruas com as mais diferentes camadas da população e frequentando festas da sociedade local.

Retornando à Inglaterra, em 1815, resolveu escrever um livro sobre o Brasil. Publicou-o em Londres, sob o título “Travels in Brazi”l, em 1816. A obra obteve uma grande repercussão na Europa, com várias edições publicadas em diversas línguas. A primeira edição brasileira do livro, com tradução de Luís da Câmara Cascudo foi publicada em 1942, com o título Viagens ao Nordeste do Brasil.

Koster não pretendia voltar ao Brasil, mas ao concluir o livro e sentindo o recrudescimento da tuberculose, retornou a Pernambuco em 1817.

Transferiu-se depois para a Goiana, ao norte de Pernambuco, à procura de um clima melhor para sua saúde. Segundo informações de um outro viajante inglês, seu contemporâneo James Henderson, Henry Koster teria retornado ao Recife em fins de 1819, onde faleceu no início de 1820, sendo enterrado no Cemitério dos Ingleses, em local não identificado.

Ver http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=291&Itemid=187

 P.S. – Antes que alguém reclame da resolução do mapa, eu recebi o material com 406 KB e, mesmo não sendo nenhum expert, tentei dar uma melhorada através do programa PICASA. Mas o resultado não ficou 100%. De forma alguma reclamo o regalo recebido, antes disso. Mas é o que tenho para mostrar.

Um forte abraço ao amigão José Cardoso de Paula Morais, a Laura, a Paulinha e estou na luta para ir para o Rio no fim do ano e visitar estes maravilhosos arquivos.

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O RICO MANUEL MACHADO E A SUA VIÚVA

Rostand Medeiros – Escritor e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

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Amélia Duarte Machado, a viúva Machado.

No início do século XX, o comerciante Manuel Machado, nascido em Portugal era o homem mais rico de Natal. Consta que sua prosperidade econômica vinha principalmente do seu comércio.

Pela propaganda que vemos mais adiante, dá para ver que ele trabalhava com importação e exportação de uma grande gama de produtos, muitos de primeira necessidade, e ainda tinha uma participação em negócios marítimos.

Logicamente que apenas esta propaganda não explica o poder econômico deste comerciante. Aparentemente são os investimentos em terras, onde ele tinha muita visão na hora das aquisições, que fez aumentar seus rendimentos. Era casado com a natalense Amélia Duarte Machado, que lhe proporcionou uma longa união, mas que não deixou filhos.

Manuel Machado faleceu na metade da década de 1930 e começa uma interessante história envolvendo a sua mulher, que passa a ser conhecida apenas como a Viúva Machado.

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Ela se torna muito rica, que vive de uma polpuda renda deixada pelo espólio do marido. Mas que ao invés de abrir seu suntuoso palacete (construído em 1910) para a provinciana sociedade natalense, localizado próximo a Igreja do Rosário, ela se fecha em sua residência. Consta que ela recebia poucas visitas, saia muito pouco de casa (até porque tinha uma igreja na porta) e ainda sofria de uma estranha doença, onde se comentavam que suas orelhas eram muito grandes.

Daí as pessoas de Natal associavam este estranho fato ao de não ter filhos, dela ser viúva e diziam que isto tudo seria um “castigo divino”. Outros comentavam que a Viúva Machado teria realizado um “pacto com o cão” para ficar rica e agora pagava pelos seus erros com esta doença.

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Em meio à ignorância reinante, as pessoas tolas e invejosas perceberam que a Viúva Machado, talvez para compensar a ausência de filhos naturais, adorava conviver com crianças dos poucos amigos e dos seus parentes.  Não demorou muito e se espalhou na cidade ela comia o fígado (ou o “fígo”) de crianças. Consta que Amélia teria sido até mesmo agredida verbalmente e sido alvo de chacota publicamente.

Muitas mães de Natal, ao longo de muitos anos, aproveitaram a deixa para espalhar o terror entre seus rebentos, dizendo que se eles não se aquietassem, “a Viúva Machado vinha comer seu fígado, para evitar que suas orelhas crescessem”. A coitada da viúva passou a ser conhecida como “papafigo” e isso só aumentou seu isolamento. Amélia Duarte Machado faleceu no início da década de 1960.

Se é verdade essa história das alterações em suas orelhas, provavelmente ela sofria de uma rara doença denominada Síndrome de Treacher Collins. Esta nada mais é que um distúrbio genético que gera defeitos no crânio e nas características faciais do seu portador. Descrita em 1900 pelo cirurgião inglês Edward Treacher Collins, esta doença afeta o tamanho e o formato das orelhas, pálpebras, maças do rosto, maxilar inferior e superior. A Síndrome de Treacher Collins pode ser grave em alguns casos e a maioria dos que são afetados não possuem problemas mentais.

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Pessoalmente acredito que além de sua rara doença, Amélia Duarte Machado padeceu de duas enfermidades típicas existentes entre a sociedade de Natal; a inveja e a eterna mania de dar conta da vida alheia.

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1922 – O POEMA DE PALMYRA WANDERLEY AOS AVIADORES

Rostand Medeiros – Escritor e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Verso de Palmyra Wanderley sobre o aviador,18-06-1928-1

AVIADOR

Por ocasião da viagem aérea de Sacadura e Coutinho, de Portugal ao Brasil.

Alonga o voo. A imensidão recorta.

Domina assim o espaço, o Azul domina,

Já que o seio da terra não comporta,

O grandioso ideal que te fascina.

Sonha! Teu próprio sonho te transporta.

Acima de ti mesmo – Asas empinam!

Es quase um Deus! Ser homem pouco importa.

Se a conquista do céu, faz-se divina.

Ser como as águias. Voa nas alturas.

Transpõem o etéreo, as siderais planuras,

Da Via Láctea a célica mansão.

Sobe ainda mais, num frêmito inaudito.

-Percorre as cordilheiras do infinito.

Heroico bandeirante da amplidão.

Palmyra Wanderley

Em 1922 o mundo voltou seus olhos para dois oficiais da marinha portuguesa, que tentavam em um frágil aeroplano monomotor e anfíbio, cruzar pela primeira vez a parte sul do grande Oceano Atlântico. Estes dois homens eram Carlos Viegas Gago Coutinho e Artur Sacadura Freire Cabral.

Gago Coutinho e Sacadura Cabral.

O voo teve início no dia 30 de março, em Lisboa, e só se encerrou, depois de muitas peripécias e problemas, em 17 de junho em 1922, no Rio de Janeiro. Apesar de toda esta quantidade de tempo para realizar um voo, que atualmente um moderno jato de passageiros realiza em oito ou nove horas, os dois portugueses são merecedores de todos os méritos.

Natal, que na época tinha pouco mais de trinta mil e seiscentos habitantes, sonhava em ver o hidroavião Fairey F III-D Mk2 pousando tranquilamente nas águas calmas do Rio Potengi e assim ter a oportunidade de conhecer o que era uma máquina “mais pesada que o ar”. Os jornais da época mostram toda uma expectativa que se criava na cidade, conforme a empreitada aérea avançava através do Oceano Atlântico. Mas depois da perda do aparelho nas proximidades do Arquipélago de São Pedro e São Paulo e da reposição por parte do governo português de um novo Fairey para completar a jornada, os natalense imaginavam que, após a passagem por Fernando de Noronha, os dois aviadores lusos sobrevoariam a capital potiguar. Mas tal fato não ocorreu.

Reprodução em Lisboa do hidroavião utilizado pelos portugueses. Fonte-Wikipédia

Fosse pelo atraso da viagem ou pelo desconhecimento das condições que Natal oferecia como ponto de apoio, Gago Coutinho e Sacadura Cabral seguiram para a capital pernambucana, onde tiveram uma recepção apoteótica. Finalmente em 17 de junho de 1922 chegaram ao Rio de Janeiro, onde a consagração foi total.

Para a capital do Rio Grande do Norte sobrou os belos versos da poetisa Palmira Wanderley, publicado no jornal “A Republica”, no dia 16 de junho, um dia antes da chegada dos portugueses ao Rio.

Jornal “A Republica”, 16 de junho de 1922.

A natalense Palmira Guimarães Wanderley nasceu no dia 6 de agosto de 1894, no seio de uma família de intelectuais. Mesmo vivendo em uma sociedade provinciana e extremamente elitizada, ela possuía um pensamento aberto e um maravilhoso talento para a poesia. É considerada uma precursora do jornalismo feminino no Rio Grande do Norte, pois aos vinte anos criou, junto com sua prima Carolina Wanderley, a Carola, e outras “senhorinhas”, uma revista denominada “Via-Láctea”. Esta foi a primeira publicação periódica dirigida ao público feminino potiguar e se tornou um ótimo espaço para a difusão da produção cultural feminina local.

Palmira colaborou em diversos jornais e revistas. Seu primeiro livro, “Esmeralda”, foi publicado em 1918. Em 1929 foi a vez de “Roseira Brava”, obra que lhe valeu menção honrosa no Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras, além de uma ampla repercussão nos meios literários do país. Ela ainda contribuiu na realização da opereta “Festa das Cores” e foi membro da Academia de Letras do Rio Grande do Norte, onde ocupou a cadeira nº 20.

Em seus poemas exalta Natal, seus acontecimentos, suas formas, sua fauna, flora e tipos da terra, sendo considerada como a “poetisa oficial” da cidade do Natal.

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A poetisa Palmira Wanderley

Esta mulher, uma das maiores referências da cultura potiguar, faleceu no dia 18 de novembro de 1978, em Natal e segundo seus biógrafos, pobre e solitária.

Apesar que, afora o falecido Nevaldo Rocha, quem é realmente rico nesta terra cheia de gente que come cuscuz e arrota caviar?

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