1941 – SÓ UM VOLTOU… E PASSOU PELO RIO, RECIFE E NATAL

A Interessante História do Piloto da Luftwaffe Franz von Werra, o Único Prisioneiro de Guerra Alemão Que Conseguiu Voltar Para a Sua Pátria. E no Caminho Dele Estava o Brasil. Uma Vitória da Espionagem Nazifascista em Nosso País e Como Eles Enganaram a Polícia de Getúlio Vargas..

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Franz von Werra, cujo nome original era François Gustave von Werra, nasceu em Leuk, no cantão suíço de Valais, em 13 de julho de 1914. Era filho do Barão Leo von Werra, um nobre empobrecido devido a decadência econômica dos seus negócios.

Quando a família perdeu as finanças, seu pai confiou a educação de Franz e de sua irmã Emma à família da Baronesa von Haber, uma representante autorizada da aristocracia alemã. Eles cresceram na casa Haber e o menino mudou seu nome, tornando-se Franz von Werra.

Franz von Werra

Em 1936, após a sua formatura, Werra alistou-se na Luftwaffe, a Força Aérea da Alemanha de Hitler. Obteve sua licença de piloto em 1938 e foi designado para um esquadrão de caça. Com a eclosão da Segunda Guerra, Werra e a sua unidade participam da conquista da França e em maio de 1940 ele derruba sozinho dois bombardeiros franceses e é condecorado com a Cruz de Ferro. Consta que teria destruído mais duas aeronaves inimigas.

Desenho com o esquema de cores do caça Messerschmitt ME 109 do tenente Werra.

A Autopromoção de Um Piloto de Caça.

Durante a Batalha da Inglaterra, quando os pilotos alemães se bateram contra os aviadores da Força Aérea Real, ou Royal Air Force (a famosa RAF), Werra alegou que derrotou e destruiu nove aviões ingleses, quatro no ar e cinco em terra. No entanto, por falta de testemunhas, seus superiores creditaram apenas quatro aeronaves abatidas em voo e ele recebeu uma segunda condecoração.

Werra e o filhote de leão.

Ambicioso, o tenente Franz von Werra logo percebeu que para ter uma carreira de sucesso na Luftwaffe não bastava apenas conquistar vitórias no ar, era necessário realizar muita autopromoção. Ele começou a usar regularmente o título de “Barão” e em uma ocasião, quando um grupo de jornalistas visitou a sua esquadrilha para uma sessão de fotos e entrevistas, o tenente Werra apareceu com um pequeno leão vindo de um zoológico alemão. O animal era chamado de Simba e o piloto disse aos visitantes que ele era “o mascote da unidade”. Como era uma mascote bem diferente, os fotógrafos fizeram a festa. A série resultante de fotografias mostrava Werra posando no cockpit de seu caça Messerschmitt ME 109, usando o boné de oficial e segurando Simba para a câmera. As imagens do piloto e do leãozinho apareceram nas mais populares revistas da Alemanha.

Em 5 de setembro de 1940, caças ME 109 decolaram de Calais, França, em direção à Inglaterra, como parte de uma escolta para um ataque de bombardeiros, sendo um dos caças pilotado por Werra. No retorno da missão eles foram atacados por vários aviões de caça Spitfire e a aeronave de Werra foi atingida. Ele então realizou um pouso de emergência bem sucedido em uma área de plantação. Depois que a nuvem de poeira baixou, o piloto do Messerschmitt danificado levantou o capô e saiu do cockpit ileso. Percebeu que não tinha como fugir e ficou ao lado da aeronave. Seus captores o encontraram queimando calmamente seus documentos de voo.

O caça Messerschmitt ME 109 de Werra nas mãos dos ingleses.

O Cativeiro e as Fugas.

Franz von Werra foi levado pelos militares para interrogatório. Ocorre que os ingleses sabiam do gosto daquele alemão pelos holofotes e lhe dedicaram uma atenção especial.

Os oficiais dos serviços de informação lhe questionaram várias vezes, usando seus melhores meios disponíveis para fazê-lo falar. Segundo Werra explicou em seu relatório, produzido após ele conseguir retornar para Berlim e que depois foi transformado em um livro (Einer kam durch. Fluchtbericht des Fliegerleutnants Franz von Werra / Um conseguiu passar –  Relatório de fuga do Tenente Franz von Werra), ele resistiu e nunca perdeu a calma, fechando-se em um silêncio quase absoluto.

Depois de vinte dias de infrutíferos interrogatórios, os britânicos o transferiram para um campo de prisioneiros em uma antiga casa chamada Grizedale Hall, localizada em um pântano a 30 quilômetros do Mar da Irlanda, no noroeste da Inglaterra.

Grizedale Hall.

O piloto alemão estava determinado a escapar e logo estudou as características daquela prisão. Em 7 de outubro, com a cooperação dos outros prisioneiros, Werra realizou a sua fuga. Durante uma caminhada diurna fora do acampamento, quando os ingleses ordenaram uma parada para descanso, o piloto alemão deslizou sobre um muro de pedra seca e ganhou o campo. Após descobrirem que ele fugira, os guardas alertaram os agricultores locais. Werra conseguiu ficar escondido durante três dias, mas no quarto foi localizado por dois soldados da Home Guard, a força de vigilância interna da Inglaterra na época. Estava em uma cabana de materiais agrícolas, mas percebeu a chegada dos seus captores e novamente conseguiu escapar. Em 12 de outubro ele foi visto por agricultores, que informaram as autoridades e a área onde se encontrava foi cercada. Finalmente Werra foi achado em uma depressão lamacenta no chão completamente exausto. Foi levado de volta para Grizedal Hall, onde passou 21 dias de confinamento na solitária.

Local da prisão em Swanwick, o casarão “The Hayes”.

Mais tarde o piloto alemão foi transferido para Swanwick, região de Derbyshire, centro da Inglaterra, onde foi encarcerado em uma grande casa construída na década de 1860. Chamada “The Hayes”, essa velha residência foi denominada na Segunda Guerra como “Campo 13” e apesar das medidas de alta segurança desse local, Werra começou a estudar a possibilidade de uma nova fuga.

Werra conseguiu desenvolver um plano com outros quatro companheiros e começou a construir um túnel subterrâneo. Trabalharam por cerca de um mês e mesmo com um colapso parcial do teto da galeria e o risco constante de serem capturados, os cinco presos fugiram na noite de 20 para 21 de dezembro de 1940.

O túnel aberto por Werra e seus companheiros no subsolo do casarão “The Hayes” ainda existe.

Segundo Werra comentou em seu relatório, o plano era um tanto simples, como imprudente: ele iria até uma base aérea dos ingleses, se apresentaria na porta da frente como um capitão da aviação holandesa e tentaria na base da conversa se apossar de uma aeronave.

Nessa época a Holanda havia sido ocupada pelos alemães e muitos dos seus pilotos voavam agora em esquadrilhas britânicas. Ele deu um jeito de fazer junto com seus companheiros de prisão um traje de voo improvável e uma identidade falsa. Mas as suas principais armas eram o seu talento e a sua audácia para inventar histórias.

Aviadores holandeses na Inglaterra, sendo fotografados em um caça Spitfire.

Aproveitando-se de seu bom conhecimento de inglês, o jovem tenente chegou a uma base aérea da RAF chamada Codnor Park Station, onde convenceu os guardas que era o “capitão van Lott” e entrou. Disse então a um funcionário local que seu avião teve que fazer um pouso forçado ao retornar de uma missão sobre a Dinamarca e que ele telefonasse para a base de Hucknall pedindo que fosse buscá-lo. Esperando o carro, a polícia submeteu o piloto a algumas perguntas sobre a sua história, concluindo que aquele estranho dizia a verdade. O carro chegou e ele partiu.

Base de Hucknall.

Na base de Hucknall sua história foi ainda verificada por um oficial de plantão, que telefonou para uma base, a qual o holandês disse que pertencia. Nesse meio tempo Von Werra pediu para ir ao banheiro e deixou a sala, caminhou até o hangar e, com a ajuda involuntária de um mecânico, entrou na cabine de um avião de caça Hurricane. Enquanto tentava freneticamente ligar a aeronave, o oficial de serviço saltou sobre a asa com a arma na mão e o prendeu. Os ingleses ficaram impressionados, pois até então ninguém tinha sido capaz de entrar em uma base aérea pelo portão da frente e quase se apossar de uma aeronave para fugir. O audacioso piloto alemão foi enviado de volta para o campo Swanwick.

Os ingleses já estavam fartos dele e decidiram enviá-lo em janeiro de 1941 para o distante Canadá, junto com outros 1.050 prisioneiros alemães.

A Fuga do Navio.

Ele cruzou o Oceano Atlântico no navio Dusshes of York e a bordo começou a arquitetar uma nova fuga.

Navio Dusshes of York.

Werra conheceu entre os prisioneiros alguns oficiais de submarinos alemães e descobriu que se o navio fosse tomado à força, seria possível conseguir apoio dos submarinos germânicos espalhados pelo Atlântico Norte e chegar até a costa da França dominada pelos alemães.

Mas havia um empecilho: o Dusshes of York transportava 1.050 alemães prisioneiros e 1.500 soldados britânicos armados, que iriam para a África do Norte lutar contra as tropas do Afrika Korps, comandado pelo famoso general Erwin Rommel. Aí realmente complicou para um possível motim a bordo.

Prisioneiros alemães desembarcando no Canadá.

Mas o endiabrado piloto da Luftwaffe não parou. Logo ele deu um jeito de roubar os documentos, dinheiro e um uniforme do contramestre Arthur Wood, um dos tripulantes do navio. Preparou-se corretamente e escapuliu quando a nave atracou no porto da cidade canadense de Halifax. Demorou mais de três horas para os ingleses e canadenses descobrirem a sua fuga e começaram uma busca pela cidade.

Apesar de ter conseguido com esse roubo certa quantidade de libras esterlinas, a moeda da Inglaterra, Werra descobriu amargamente que o comércio local estava proibido de transacionar com dinheiro estrangeiro devido ao estado de guerra. Continuou então a circular feito um vagabundo pelos próximos dias. Chegou a ver a sua foto em um cartaz de procura-se e tratou de ser ainda mais cauteloso. Por onde passou em Halifax se apresentou como um marinheiro inglês em busca de trabalho. Chegou a dormir no relento e conseguiu alguma comida.

Docas de Halifax em 1941.

Espertamente ele lembrou que próximo aos portos de todo mundo, sempre existiram pessoas para as quais as regras e as leis normalmente são burladas. Ele encontrou essa pessoa na figura de um chinês, que tinha um bar perto do cais. Era um lugar de péssima fama, que aparentemente também servia de prostíbulo, mas o proprietário do estabelecimento não teve problemas em trocar o dinheiro inglês por dólares canadenses e conseguiu para ele um quarto verdadeiramente imundo, mas com uma cama grande e alguma comida.

Marinheiros na região do Porto de Halifax durante a Segunda Guerra Mundial 

Mas a Real Polícia Montada do Canadá continuava procurando Werra em toda Halifax e eles fizeram uma verdadeira operação pente fino na área do porto. Não demorou quando dois homens da lei chegaram até o seu quarto e procuraram saber quem ele era. Em um primeiro momento os policiais até acreditaram na sua conversa de homem do mar desempregado e em busca de trabalho. Só que um deles desconfiou do linguajar refinado daquele homem, bem diferente do rude e típico palavreado dos marinheiros ingleses, normalmente cheio de palavrões. Werra continuou tentando levá-los na conversa, mas acabou novamente preso.

Nessa ocasião, por um ato de rebeldia ao se negar a colocar algemas com a alegação que era um oficial da Luftwaffe, levou foi uma boa surra dos policiais canadenses!

Cruzando a Fronteira e Se Tornando Uma Estrela.

Ele foi colocado em um trem com os mesmos prisioneiros que conhecera no Dusshes of York e, sem nenhuma novidade, começou a planejar uma nova fuga.

Soube que o trem estava seguindo para um lugar chamado Schreiber, no Lago Superior, na província de Ontário, onde os oficiais alemães seriam alojados no chamado “Campo W” e que o trajeto levaria três dias para ser completado.

Para a sorte de Werra, os canadenses colocaram cerca de 200 homens da Guarda de Veteranos Canadenses, que já haviam servido na Primeira Guerra Mundial. Aquilo para alguém com o currículo de Franz von Werra era uma situação muito positiva.

Não demorou e ele conseguiu saltar do seu vagão quando a composição fazia uma curva e diminuiu a velocidade. Só que a ação foi à noite, com uma temperatura de menos 20 graus célsius, a neve com mais de um metro de profundidade e um céu magnificamente estrelado.

Werra novamente deu muita sorte, pois a fuga só foi descoberta na manhã seguinte. Sete outros prisioneiros tentaram escapar do mesmo trem, mas foram logo recapturados.

Já o fugitivo solitário alcançou a pé a fronteira com os Estados Unidos, delimitada pelo Rio São Lourenço, que na época estava congelado. Ele tentou atravessar o rio caminhando sobre o gelo, mas então encontrou um canal aberto e foi obrigado a desistir. Voltou então para a região canadense, tomou posse de um barco a remos e conseguiu chegar ao território dos Estados Unidos.

Nessa época esse país mantinha-se neutro em relação à guerra na Europa, mas o clima interno era completamente a favor dos ingleses.

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Foto do tenente Werra em jornais americanos.

O fugitivo conseguiu chegar à cidade americana de Ogdensbur, no estado de Nova York, e entregou-se à polícia. Quando encontrou um guarda caminhando na rua, ele levantou os braços e disse “- Eu me rendo!”.

As autoridades de imigração o acusaram de entrar ilegalmente no país e foi arbitrada uma fiança de 5.000 dólares. No outro dia o advogado do consulado alemão de Nova York chegou à cidade e pagou a fiança. O juiz local encerrou o processo e Franz von Werra estava novamente livre. Naquela mesma noite ele viajou para Nova York, onde a colônia alemã o recebeu com entusiasmo.

No outro dia após a sua chegada, esteve com o Cônsul Geral Dr. Hans Borchers e o General Friedrich von Bötticher, adido militar da Embaixada da Alemanha em Washington. Diante da situação, o consulado alemão lhe deu dinheiro, e crédito para ele comprar ternos caros das melhores lojas de roupas masculinas da Quinta Avenida.

Logo ele começou a sair pelas ruas da “Big City” americana e se apresentar a todos como o “Barão von Werra”. As qualidades de autopromoção de Werra o fizeram rapidamente se tornar famoso em todo o país, enquanto a história de sua fuga se espalhava por todo o mundo.

A chegada de Werra em um joprnal americano.

Ele se deixou fotografar com mulheres bonitas, visitou os teatros da Broadway e as pequenas e intimistas casas noturnas da Times Square. Quase sempre estava acompanhado por uma legião de admiradores. Deu entrevistas e, sem nenhuma surpresa, começou a se gabar por se considerar “um estrangeiro ilegal nos Estados Unidos”. Aos jornalistas, Werra deu uma versão muito embelezada de sua história.

Nesse meio tempo o governo canadense passou a exigir a sua extradição como um reles ladrão, pois ele havia roubado um barco para escapar pelo Rio São Lourenço. Essa era uma forma de contornar a extradição ilegal de um prisioneiro de guerra de um país neutro. O Cônsul Geral Borchers ofereceu-se para enviar aos canadenses um cheque de 35 dólares — o valor que o barco havia custado. Os canadenses recusaram. Eles queriam Werra, não o cheque.

Em 1º de fevereiro, um tribunal federal em Albany, capital do estado de Nova York, julgou o imigrante ilegal Franz von Werra. O tribunal não conseguiu chegar a um veredito final, sendo a audiência adiada e a sua fiança foi arbitrada em 10.000 dólares (algumas fontes afirmam que foram 15.000). Mas o Cônsul Geral Borchers pagou sem pestanejar.

Werra e sua fuga foram noticiados em jornais de todo o mundo.

Nos bastidores, uma batalha feroz por Werra se desenrolava.

Enquanto o público americano estava, em geral, bastante satisfeito com o fugitivo e suas aventuras, as relações entre os Estados Unidos e a Alemanha Nazista pioravam a cada dia e se tornou óbvio que aquele fugitivo era um problema complicado.

Já para o governo inglês, além de Werra ter se tornado um sério aborrecimento pelas muitas fugas empreendidas, havia algo muito pior. Aquele piloto havia se tornado um perigo para a segurança militar, pois testemunhara as técnicas de interrogatório durante a sua prisão e, se conseguisse retornar a Alemanha, levaria para os nazistas toda a sua experiência. Algo que futuramente poderia ser utilizado contra os ingleses.

Nova York em 1941.

Em meio a toda essa confusão, na noite de 24 de março de 1941, Franz von Werra partiu de Nova York sem que as autoridades americanas percebessem.

Ele então embarcou em sua última grande jornada, que o levaria a percorrer metade do mundo, com passagem pelo Brasil.

Rumo ao Sul Caliente.

Passando por uma longa série de mudanças de trem, táxis, ou carros particulares, Werra chegou à cidade de El Paso, no Texas, onde ele poderia misturar-se a uma verdadeira legião de humildes trabalhadores mexicanos, que cruzavam a fronteira do seu país com os Estados Unidos em busca de trabalho nas lavouras texanas.

Cartão postal de El Paso, no Texas, em 1941.

O fugitivo ultrapassou a fronteira em meio aos que retornavam dos Estados Unidos e conseguiu chegar à estação ferroviária de Ciudad Juárez, onde comprou uma passagem de trem destinada à Cidade do México.

Werra viajou na terceira classe, a mais barata, reservada apenas para os mexicanos mais pobres. Mas ele tinha certeza que os funcionários da alfândega mexicana deixariam em paz aqueles que utilizavam aquela parte do trem. E acertou, pois ninguém lhe perturbou naquela longa viagem através do território mexicano.

Trabalhadores mexicanos em uma lavoura nos Estados Unidos na década de 1940.

O alemão sentou-se espremido entre fazendeiros, operários, trabalhadores do campo, moças de pele escura, velhas de cabelos brancos emaranhados e crianças chorando. Em seu relatório afirmou que “Os mexicanos tagarelaram da manhã à noite”. Mas eram pessoas de boa índole, que lhe ofereceram um pouco da sua comida e lhe estenderam jarras de barro com água e vinho. Ele tentou se comunicar com muitos gestos, mas os nativos não entenderam absolutamente nada.

Depois de dois dias e meio viajando 1.970 quilômetro no compartimento superlotado e quente, ele não precisava mais se preocupar em ser reconhecido. Estava suado, com o terno amassado, sujo, coberto com a poeira cor vermelha-tijolo daquele país e que constantemente entrava pelas janelas abertas do vagão.

Estação Central da Cidade do México.

Na noite de 28 de março, Werra chegou à Cidade do México, na Estação Central. A embaixada alemã havia recebido a informação que o fugitivo era esperado naquele dia. Quando a multidão se dispersou, Werra foi até o pátio da estação e viu um grande Mercedes-Benz preto, com o motorista examinando as pessoas que saíam. Ele não prestou atenção alguma a Werra em seu traje mexicano. O piloto então ficou na sua frente e lhe disse sorrindo: “Grüß gott!” (Bom dia!). O motorista o encarou e então compreendeu a situação. Com uma risada larga, abriu a porta do carro, bateu discretamente os calcanhares e disse “Seja bem-vindo à Cidade do México tenente Werra”.

Na embaixada alemã, Franz von Werra se transformou no estudante “Bernd Natus”, o nome que constava em um passaporte falso, que incluía vistos de trânsito para o Peru, a Bolívia e o Brasil.

Consulado da Alemanha Nazista no México em 1940.

Evidentemente tudo foi tratado de maneira muito discreta, sem recepções à imprensa, entrevistas ou celebrações públicas no México. Werra conta que passou o fim de semana recluso na propriedade do cônsul alemão em Cuernavaca e chegou até a fazer algumas compras para sua noiva Elfi, e ainda lhe escreveu contando suas aventuras. Werra visitou vários monumentos astecas e ficou maravilhado diante dessas testemunhas do grande passado do México.

A Fuga Durante a Semana Santa.

Voou do México para o Peru em 1º de abril. Após três dias deixou Lima, onde havia se hospedado com o cônsul alemão, e seguiu em um avião de transporte trimotor Junkers Ju 52 para a Bolívia. Passou uma noite na capital La Paz, e em 9 de abril voou para o território brasileiro em uma aeronave do Lloyd Aéreo Boliviano, pertencente a empresários alemães. Chegou sem problemas a Corumbá, Mato Grosso.

Aquele era um tempo onde viajar de avião no Brasil era para muito poucos e os jornais da época registravam os que tinham esse privilégio. Era normalmente divulgadas as listas de passageiros, que também não eram muitos. Assim é possível compreender a operação de apoio ao tenente Werra no Brasil.

O hidroavião JU-52 Maipó, do Sindicato Condor.

Os jornais informaram que no dia 8 de abril de 1941, partiu do Rio de Janeiro o hidroavião Junkers Ju 52, batizado como “Maipó”, e pertencente à empresa aérea Sindicato Condor. Essa era uma subsidiária da Deutsche Lufthansa, que operava em todo o Brasil. A aeronave tinha como destino Cuiabá, com escala em Corumbá, e transportava onze passageiros, entre eles o engenheiro alemão Gustav Albert Salz, que desembarcou em Cuiabá. Consta então nos jornais que Salz retornou para o Rio um dia após a sua chegada à capital mato-grossense, utilizando o mesmo hidroavião “Maipó” e que na escala de Corumbá embarcou um certo elemento de nome Bruno Krause. Eles dois estavam entre os quatro passageiros que desembarcaram no Rio no dia 10 de abril, que Werra afirma em seu relatório ter sido a data de sua chegada à então Capital Federal.

Seria então Bruno Krause uma nova e falsa identidade de Franz von Werra?

Notícia publicada após a passagem do tenente Werra pela América do Sul, mostrando a rota da sua fuga.

Meses depois que esse piloto alemão passou pela América do Sul e conseguiu chegar ao seu país, jornais cariocas publicaram uma nota vinda da agência de notícias norte-americana United Press, que basicamente resumiu parte da trajetória do fugitivo pelos países sul-americanos e informou que ele vinha com nome falso. Isso pode apontar que os americanos da OSS que estavam no encalço de Werra, tenham perdido a sua pista na capital peruana por ele utilizar os nomes falsos de Bernd Natus e Bruno Krause. Em tempo, a OSS era a sigla em inglês para o antigo Office of Strategic Services, ou Escritório de Serviços Estratégicos, o serviço de inteligência dos Estados Unidos na época da Segunda Guerra e que hoje é conhecido como CIA.

E qual foi à razão do engenheiro alemão Salz realizar essa viagem tão longa e de maneira tão rápida? Seria para ele dar apoio e cobertura a Werra? Não sabemos!

Mas temos conhecimento que o engenheiro Salz havia inicialmente chegado ao Brasil em 29 de maio de 1940, vindo do Peru, passando depois pela Bolívia e utilizando a mesma rota aérea que o “Maipó” percorreu em 10 de abril de 1941 para chegar ao Rio. Outra informação aponta que ele morava no 8º andar de um prédio na Avenida Rio Branco, 128, Centro do Rio. Guardem o endereço!

Rua Paissandu, no bairro do Flamengo, onde ficava a sede da Embaixada Alemã no Brasil em 1941.

Em seu relatório Werra não informa, mas como ele fez isso no México e no Peru, é muito provável que após a sua chegada ele tenha se dirigido a Embaixada da Alemanha, que nessa época ficava na bela e arborizada Rua Paissandu, número 53, no bairro do Flamengo.

Se em seu relatório Werra não comenta nenhuma visita a embaixada do seu país no Rio, entretanto afirma que esteve na sede da empresa LATI, ou Linee Aeree Transcontinentali Italiane. Essa era uma empresa de aviação e também um verdadeiro valhacouto de espiões do Eixo atuando no Brasil. Sua sede ficava no térreo de um edifício na Avenida Rio Branco, 104, Centro do Rio, a poucos metros de onde morava o engenheiro alemão Gustav Albert Salz.

Propaganda da empresa LATI no Rio, com seu endereço.

Seria apenas coincidência?

Independente dessa questão, temos que observar a astúcia das autoridades alemãs que atuaram na fuga do piloto da Luftwaffe, que culminou com a sua chegada ao Rio em plena Quinta Feira Santa. Em um país que nessa época era majoritariamente católico, o feriado da Semana Santa era o melhor momento para qualquer fugitivo estar circulando tranquilamente por aqui.

Mas qual seria a melhor maneira de continuar essa fuga e voltar ileso para a Alemanha?

Uma Empresa Complicada.

Certamente o avião era o melhor transporte para Werra e naquele momento no Brasil só os italianos da LATI poderiam resolver a questão.

Chegada de avião da LATI no Rio – Fonte – Arquivo Time-Life.

A LATI foi oficialmente fundada em 11 de setembro de 1939, dez dias após o início da Segunda Guerra Mundial, como uma empresa aérea destinada a atuar em uma rota que buscava ligar a Itália à América do Sul em menos de 48 horas.

Os voos experimentais foram então iniciados em 3 de outubro de 1939 e a empresa contava com apoio do governo italiano. Tanto que o seu diretor era simplesmente Bruno Mussolini, filho do ditador Benito Mussolini. Com esse aporte a organização da empresa e dos seus voos seguiu bem rápido e em 22 de dezembro ocorreu o voo inaugural partindo do Brasil para a Itália.

Chegada de avião da LATI no Rio – Fonte – Arquivo Time-Life.

Os italianos utilizaram nesta rota da LATI os confiáveis e resistentes aviões trimotores Savoia Marchetti SM.75, SM.76, SM.82 e SM.83. Até 19 de junho de 1940, essas aeronaves conseguiram realizar quase 60 travessias atlânticas, levando principalmente correspondência, a uma média de 260 a 330 kg de malotes por voo, além de alguns passageiros adicionais.

A linha previa uma viagem semanal nas duas direções, com a rota partindo de Roma (Itália), depois Sevilha (Espanha), Lisboa (Portugal), Villa Cisneros (atual cidade de Dakhla, no Saara Ocidental, na época uma possessão espanhola), Ilha do Sal (no Cabo Verde, então colônia portuguesa), Natal, Recife e Rio de Janeiro.

Chegada de avião da LATI no Rio – Fonte – Arquivo Time-Life.

Com o tempo, os voos regulares entre o Brasil e a Europa passaram a transportar importantes figuras nacionais e estrangeiras, além de correios especiais dos diplomatas alemães e italianos, que não podiam ser violados. Muitos desses diplomatas eram na verdade espiões nazifascistas disfarçados. Já nos voos de retorno a Europa seguiram materiais raros e estratégicos, como diamantes, platina, mica, substâncias químicas, livros e filmes de propaganda dos Aliados. Um verdadeiro “buraco” no bloqueio militar e econômico efetuado pelos ingleses contra a Alemanha e a Itália.

Mas tinha mais. O historiador norte-americano Stanley E. Hilton, em seu livro Hitler’s Secret War In South America, 1939-1945: German Military Espionage and Allied Counterespionage in Brazil informou que membros da embaixada americana no Brasil transmitiram aos britânicos que durante as travessias no Oceano Atlântico, os pilotos da LATI estavam visualizando navios britânicos, marcando suas posições em mapas e informando os alemães para enviar seus submarinos e afundá-los.

Mas os voos da LATI não seguiam sem problemas e houve um bem sério!

Em 15 de janeiro de 1941, um SM.75C com a matrícula I-BAYR, partiu de Natal para a ilha do Sal com dez tripulantes e passageiros. Ao se aproximarem de Fernando de Noronha o motor central nº 2 perdeu potência e o piloto foi forçado a descer a aeronave no mar. Ninguém que estava a bordo foi encontrado com vida. Existiu na época a informação que esse acidente poderia ter ocorrido pela sobrecarga de minerais estratégicos sendo contrabandeados para o aliado alemão, ou por uma bem montada operação de sabotagem dos ingleses.

Houve outras situações negativas envolvendo a LATI e sua atuação no Brasil, mas agora uma de suas aeronaves serviria para uma missão diferenciada; transportar clandestinamente um combatente das forças armadas nazistas para a Alemanha. 

A Viagem Para o Nordeste do Brasil.

Como comentamos anteriormente, Franz von Werra chegou na Quinta Feira Santa ao Rio de Janeiro. Já a sua partida se deu no dia 13 de abril de 1941, Domingo de Páscoa. E o que ele fez no Rio enquanto ali esteve? Não sabemos, pois nada deixou escrito em seu relatório.

Provavelmente ele ficou mesmo escondido na embaixada, ou na casa de algum funcionário. Até porque a espionagem britânica atuava então fortemente no Brasil e recapturar Werra, ou mesmo matá-lo, seria algo bastante desejado.

Campo do Ibura durante a Segunda Guerra Mundial.

Nos jornais cariocas não existe nenhuma informação da partida de alguma aeronave da LATI para o Nordeste do Brasil no dia 13. Mas no Diário de Pernambuco, encontrei uma nota (abaixo) que comenta sobre a aterrissagem da aeronave Savoia Marchetti SM.83, prefixo I-ASSO, no Campo do Ibura, Recife. Eram 13h50min do domingo e a bordo vinha um único passageiro – Berd Notus.

Após desembarcar e diante de sua situação, seria de esperar que esse único passageiro agisse de maneira discreta e sem chamar a atenção. Mas foi tudo exatamente o contrário.

Notus (Werra) não resistiu e começou a dar declarações ao encontrar o jornalista do Diário de Pernambuco que estava de plantão no Ibura e acompanhava os pousos e as decolagens das aeronaves. Apresentou-se como “estudante” e “filho do ministro da Alemanha no México” e chegou ao cúmulo de afirmar que “vai à Alemanha alistar-se na Luftwaffe” e que “esperava lutar ainda esse ano”. Só faltou dizer que era um “Barão”!

Era uma total falta de senso de segurança, muita irresponsabilidade e, certamente, um extremo excesso de arrogância. Aparentemente o tenente alemão nem se importou com a presença de Gino Portesi, um capitão da Regia Aeronáutica, a força aérea fascista, que além de ter sido o piloto do avião que trouxe Werra do Rio, era o subdiretor no Brasil da Ala Littoria, a companhia aérea nacional italiana e controladora do capital da LATI.

Através de um documento (acima) da Delegacia de Ordem Política e Social, DOPS, de Recife, produzido em 5 de maio de 1942, descobrimos que realmente o piloto alemão quase colocou tudo a perder no Campo do Ibura. Nesse documento, produzido um ano depois da passagem de Franz von Werra pela capital pernambucana, existe a informação que um inspetor da Polícia Marítima desconfiou do jovem falastrão que se dizia “estudante” e apresentou o passaporte nº 298. Mas ficou só nisso.

A verdade é que Werra passou pelo Brasil e a polícia do ditador Getúlio Vargas nem se deu conta e nem tomou conhecimento. Isso se ele não recebeu algum tipo de ajuda de alguma autoridade brasileira. Situação que não duvido, dado o grande número de simpatizantes nazifascistas em nosso país.

Esquema de cores de um trimotor SM.82 da empresa LATI.

Na mesma tarde o fugitivo embarcou em um moderno Savoia Marchetti SM.82 de prefixo I-BATO. Era uma aeronave recém-construída, que transportava dez passageiros, possuía um piloto automático, banheiro, rádios aprimorados e dois tanques de combustível adicionais. Além da tripulação, o I-BATO transportava oito passageiros, sendo cinco alemães e três italianos, entre eles Werra e Portesi. A aeronave decolou do Ibura utilizando a potência máxima de seus três poderosos motores Alfa Romeo 128RC e chegou a Natal cerca de uma hora depois.

No Campo de Parnamirim.

A pista era longa, mas de terra batida. Entretanto era boa, bem preparada, com 700 metros de extensão, 40 de largura e o SM.82 aterrissou sem problemas no chamado Campo de Parnamirim. Sabemos que Natal entrou na rota de retorno da LATI porque Recife não possuía em seu campo de pouso uma pista longa o suficiente para permitir a decolagem das aeronaves completamente carregadas.

A aeronave chegou pilotada por Guido Pavia, com Bruno Palermo como copiloto, Michele de Toma como radiotelegrafista e Alfredo Piacentini como mecânico. Foi informado que transportava “grande quantidade de mercadoria e malas postais”.

No antigo jornal natalense O Diário, futuro Diário de Natal, encontrei a informação que normalmente o avião da LATI vinha para a capital potiguar na sexta feira, mas aquele chegou em pleno Domingo de Páscoa e isso aparentemente não foi visto como estranho ou anormal.  

Os tripulantes e passageiros foram então acomodados no que era conhecido como “Hotel da LATI”, próximo do hangar da empresa. Não existem maiores informações sobre esse local, mas tudo indica que era tipo uma estalagem, sem maiores confortos, servindo apenas para acomodar os que embarcariam na manhã seguinte para a travessia do Atlântico Sul.

Situação atual da antiga casa de apoio construida para os aviadores franceses no Campo de Parnamirim.

Próximo ao hangar dos italianos existia outros dois Hangares, uma casa de apoio, uma estação de rádio e outras infraestruturas. Elas pertenciam aos franceses da Air France e algumas delas estavam ali desde o início da década anterior. Inclusive a casa de apoio havia servido em algumas ocasiões ao mítico piloto francês Jean Mermoz, quando das suas passagens por Natal. Não era sem razão que nos primeiros tempos de sua utilização, aquele local era conhecido como o “Campo dos Franceses”.

Não sabemos de nenhuma outra movimentação específica no Campo de Parnamirim naquela tarde e início da noite de 13 de abril de 1941, mas sabemos que nessa época o aeroporto estava com uma boa movimentação de estrangeiros, com vários deles circulando por Natal e as regiões Norte e Nordeste. Segundo os jornais natalenses, poucos dias antes de Werra desembarcar no Campo de Parnamirim, em 5 de abril, esteve em Natal uma “missão comercial japonesa” com quatro membros. Eles viajavam em um hidroavião do Sindicato Condor batizado como “Curupira”, que depois de Natal seguiu para Belém do Pará.

Situação atual do antigo hangar da LATI no Campo de Parnamirim.

E após a chegada do fugitivo Werra ao Rio Grande do Norte, ele teria vindo para Natal? Acho difícil!

Era algo que chamaria bastante a atenção para alguém com um passado que, se não era muito conhecido pela população local, certamente era conhecido de muitos estrangeiros que circulavam na cidade, a grande maioria deles de países contrários aos interesses da Alemanha, Itália e Japão, os países do Eixo. E em caso de Werra ser reconhecido, coisa que poderia acontecer com a sua terrível e constante indiscrição, logo os ingleses estariam no seu encalço.

Além do mais, se havia alguma coisa interessante naquela parte do Brasil para ser vista por um piloto da Luftwaffe, estava no próprio Campo de Parnamirim onde ele havia desembarcado. Pois dali era possível ver como o dinheiro do governo americano alterava drasticamente aquele lugar.

A grande base de Parnamirim Field durante a Segunda Guerra Mundial.

Desde novembro de 1940 que o governo de Franklin Delano Roosevelt, utilizando a fachada de uma das empresas de aviação do país, estava construindo vários aeroportos em todo o Brasil, sendo o maior o de Parnamirim. Pelo mesmo motivo, estes eram empreendimentos destinados à aviação civil. Mas que sem muitas alterações poderia acomodar centenas de aeronaves militares e com diversas finalidades.

Diante daquela situação e da oportunidade, acredito que dificilmente Werra e os outros ocupantes deixaram de dar uma espiadinha no que estava acontecendo naquela grande obra e levar essa informação aos seus superiores em Roma e Berlim. E se assim fizeram, certamente visualizaram a partir do hangar da LATI e com a utilização de binóculos, pois as construções estavam a 1.700 metros de distância.

Aeronave da companhia aérea LATI – Este tipo de aeronave opera voos entre Roma e Rio de Janeiro – Fonte – http://www.spmodelismo.com.br/howto/ac/lati.php

No outro dia, por volta das cinco da manhã, o Savoia Marchetti SM.82 de prefixo I-BATO decolou de Natal.

O Fim da Sua Sorte.

A estrela da sorte brilhou mais uma vez para Franz von Werra.

A aeronave italiana cruzou o Atlântico Sul sem problemas. Na sequência aterrissou em Barcelona e Werra trocou de avião pela última vez. Na quinta-feira, 17 de abril de 1941, ele chegou a Roma, desembarcando no Aeroporto de Guidonia, pisando em solo do Eixo pela primeira vez em mais de meio ano.

Werra estava livre e sua fuga foi bem-sucedida. Ele voou para a Alemanha a bordo de um bimotor Junkers Ju 90 e finalmente chegou em Berlim, no Aeroporto de Tempelhof, onde sua noiva Elfi e os amigos lhe esperavam.

Haviam decorrido exatamente 32 semanas desde a derrubada do seu avião de caça e sob todos os aspectos, a sua audaciosa fuga foi realmente prodigiosa.

Foi algo que o levou desde os campos de prisioneiros da Inglaterra, através do Atlântico, até chegar ao Canadá. Depois atravessou o congelado Rio São Lourenço e entrou clandestinamente nos Estados Unidos. Mesmo em meio a muita divulgação, ele conseguiu burlar as autoridades daquele país e atravessou sua larga extensão até o México, circulando completamente incógnito. Finalmente chegou à América do Sul, passou sem problemas pelo Brasil e em poucos dias atravessou o Atlântico Sul até a Europa.

O agora capitão Franz von Werra.

Rapidamente Franz von Werra tornou-se um herói em toda a Alemanha.

Houve um encontro com Adolf Hitler, que lhe concedeu uma alta condecoração.

Já Joseph Goebbels, o Ministro da Propaganda do Reich alemão, celebrou freneticamente o jovem Werra, que adorava ser o centro das atenções. Foi Goebbels que afirmou que durante o curso de sua fuga, Werra escreveu regularmente cartões postais para a sua irmã e nunca se esqueceu de enviar postais para os oficiais ingleses que haviam lhe interrogado.

O intrépido aviador foi promovido a capitão e chegou a ser recebido pelo obeso Hermann Goering, o todo poderoso chefe da força aérea alemã. Nesse meio tempo von Werra se casou com a sua noiva, na melhor tradição da pompa nazista.

O antigo prisioneiro relatou ao comando alemão sobre seu tratamento como um prisioneiro de guerra e com base em sua própria experiência esses relatos ajudaram a melhorar as técnicas para os pilotos alemães capturados atrapalharem ao máximo os britânicos no momento dos interrogatórios. Inclusive consta que esses relatos ajudaram a melhorar o tratamento dos prisioneiros de guerra dos países aliados presos na Alemanha.

O agora capitão Franz von Werra retornou então à luta e foi inicialmente enviado para frente russa. Nesse front de guerra ele elevou até julho de 1941 o seu registro para 21 vitórias aéreas. Quando sua esquadrilha foi retirada da Rússia, ele passou a voar em patrulhas sobre o Mar do Norte.

Em 25 de outubro de 1941, apenas sete meses depois de seu retorno à Alemanha, Werra estava realizando um voo de rotina, em mais um patrulhamento solitário, quando a sua sorte acabou. Ele desapareceu sobre o Mar do Norte, nas proximidades da cidade holandesa de Vlissingen. Provavelmente foi uma falha no motor da aeronave que o levou ao desastre e seu corpo nunca foi encontrado. Ele viveu apenas 27 anos.

O ator alemão Hardy Krüger no papel do tenente Werra.

Em 1957 a história de Werra foi tema de um filme chamado The One That Got Away, estrelado pelo alemão Hardy Krüger no papel principal. Consta que a película produzida pelo cinema inglês conseguiu uma grande bilheteria na Europa, principalmente na Alemanha.

Atualmente o avião com o qual ele caiu na Inglaterra, está em exposição no Museu da Força Aérea Real em Folkestown, Kent, sul do país.

ÍTALO BALBO – O VOO ÉPICO E O BANHO DE MAR DO PILOTO ITALIANO EM NATAL

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

O que significa essa foto com essas pessoas em uma praia? Quando e onde ela foi feita? Quem são as pessoas que estão nessa foto?

Artigo originalmente pulicado na Revista Bzzz Número 110, nov. e dez. 2024, páginas 20 a 29.

Ela foi realizada em 10 de janeiro de 1931, na praia de Areia Preta, Natal, e entre os que foram fotografados estava a matriarca de uma das mais importantes famílias potiguares, Branca Pedroza, e seus três filhos, cujo um deles seria prefeito da capital potiguar e governador do Rio Grande do Norte, Sylvio Piza Pedroza. Já os homens clicados eram dois italianos, dos mais importantes aviadores do mundo naquela época e que lideraram uma esquadrilha de doze hidroaviões hidroavião Savoia-Marchetti S.55A que voaram desde a Itália até Natal, em um voo de grande destaque mundial. Além disso, eles trouxeram do seu país o presente mais importante que Natal já recebeu em sua História, a Coluna Capitolina. Esses homens também eram membros proeminentes de uma ditadura que propagava uma ideologia política nefasta, de caráter ultranacionalista, fortemente autoritário e altamente sanguinário. Era o fascismo implantado por Benito Mussolini na Itália. Ítalo Balbo era Ministro da Aviação desse governo, sendo um dos principais executores da política de aviação italiana no período fascista..

Balbo e sua equipe iniciaram no final da década de 1920 diversos estudos para a realização de grandes voos com várias aeronaves, algo até então nunca realizado e que repercutiria nas ações da Itália Fascista em todo o mundo. Um desses voos teve como destino o Brasil.

No dia de Natal de 1930, Balbo e seus comandados chegaram na Ilha de Bolama, no arquipélago dos Bijagós, na Guiné Portuguesa, atual Guiné Bissau. Ficaram alguns dias realizando testes de decolagem e, com o resultado dessas provas, na madrugada de 5 de janeiro de 1931, segunda-feira, decolaram para várias horas depois amerissarem no Rio Potengi, em Natal. No percurso, houve problemas sérios com perdas de aeronaves e a morte de cinco homens.

O hidroavião Savoia-Marchetti S.55A – Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

Enquanto eles realizavam seu voo, em Natal, na Catedral de Nossa Senhora da Apresentação, na Praça André de Albuquerque, foram colocadas no alto da sua única torre duas grandes bandeiras do Brasil e da Itália. Escoteiros se posicionaram naquele local equipados com binóculos e lunetas. Tinham ordens expressas para quando avistassem as primeiras aeronaves informassem imediatamente o sineiro da velha igreja, que começaria a badalar os sinos pesados para que o povo fosse informado da chegada dos hidroaviões Savoia-Marchetti.

Pessoas se aglomeraram no cais do Porto de Natal, na Av. Tavares de Lira e nos prédios e casas às margens do Rio Potengi. Quem tinha alguma coisa que flutuasse estava dentro do rio, o que deu muito trabalho para o pessoal da Capitania dos Portos, pois o plácido Potengi tinha de ser liberado para a amerissagem das aeronaves.

O general italiano Aldo Pellegrini havia desembarcado em Natal no começo de dezembro para preparar a chegada de Balbo e dos seus aviadores. No dia 5 de janeiro esse militar ficou muito tempo em uma estação de rádio montada pelo Telégrafo Nacional no bairro do Alecrim, na Rua Coronel Estevão. Paulo Pinheiro de Viveiros nos conta em sua placa denominada “Presença de Roma em Natal” (1969), que essa estação possuía transmissores de ondas curtas de 250 e 500 watts e o responsável era Augusto Mena Barreto. Quando ficou certo que as aeronaves estavam chegando, o general Pellegrini foi para a Ribeira e por onde passou recebeu manifestações entusiásticas de carinho.

Os jornais comentaram que várias pessoas vieram de outros estados para acompanhar a chegada da esquadrilha italiana. Sei que por aqui se encontravam Antenor de França Navarro, então Interventor Federal da Paraíba, acompanhado de vários elementos do seu governo. Por volta das três horas o comércio e as repartições públicas fecharam suas portas e a massa de gente cresceu nas ruas. Finalmente, por volta das quatro horas os escoteiros na catedral viram surgir em direção ao norte os primeiros hidroaviões S.55A e logo os sinos começaram a badalar.

“Giovinezza” no Rio Potengi

Hidroavião italiano no Rio Potengi– Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

Antes mesmo de colocarem os pés na terra, flutuando a bordo dos S.55A no Rio Potengi, Balbo e seus homens ouviram um outro som, esse mais familiar, que os deixaram maravilhados. Assim Balbo falou: “As alegres fanfarras de “Giovinezza” já tocam e saúdam nossa vitória”. A “Giovinezza” era o hino oficial do Partido Nacional Fascista Italiano e no cais da Tavares de Lira ela foi tocada pela Banda da Polícia Militar.

Desembarque de Ítalo Balbo em Natal. Fernando Pedroza é o segundo da direita para a esquerda– Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

Balbo e a maioria dos seus homens desembarcaram trajados à moda fascista – calças brancas, camisas negras, luvas e botas marrons. Os jornais apontaram que o ministro italiano foi apresentado com ar fatigado, olheiras, mas afável, sorridente e a todo momento externando agradecimentos. Em meio às autoridades brasileiras e italianas que receberam os aviadores, estava o industrial Fernando Gomes Pedroza, um apaixonado pela aviação.

A Esquadrilha Balbo no Rio Potengi– Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

O comandante afirmou em seu livro que desembarcou muito cansado e sem demora foi logo de carro para a Vila Cincinato, residência oficial do governador do Rio Grande do Norte. Uma verdadeira carreata, na época chamada de “corso de carros”, seguiu atrás do veículo do comandante italiano. Após chegar à residência, Balbo se trancou e foi descansar, mas lá fora uma multidão se formou na calçada para tentar ver o líder fascista italiano. Já os oficiais ocuparam a antiga sede da Escola Doméstica, na Praça Augusto Severo, que estava toda ornamentada, iluminada, com várias bandeiras italianas e brasileiras e sem alunas, pois estavam de férias. Os sargentos foram alojados num prédio recém-construído pela administração do porto. Esses últimos almoçaram no Hotel Avenida, na Tavares de Lira, pertencente ao “majô” Theodorico Bezerra.

Camisas Negras no Palácio Potengi

No outro dia, Ítalo Balbo foi até a sede do Telégrafo Nacional, na Av. Tavares de Lira, 88. Ali foi atendido por Augusto Gonçalves Marques, chefe da estação, onde Balbo lhe agradeceu o apoio nas comunicações durante o voo e depois passou a enviar telegramas. Consta que o primeiro foi para Alberto Santos Dumont, na França, com os seguintes dizeres: “Tocando na sua bela terra depois de um voo transatlântico, eivo-vos, pioneiro das empresas aeronáuticas, a minha calorosa saudação”. O segundo telegrama foi para Mussolini, onde transmitiu as últimas notícias e informou que os membros da esquadrilha “voltavam o seu pensamento devotado ao Duce”. Finalmente escreveu para o ditador Getúlio Vargas uma mensagem de agradecimento, mas sem tantos salamaleques.

O contratorpedeiro Lanzerotto Malocello– Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

Natal estava em verdadeiro êxtase. Para aonde Balbo e seus homens seguiram eram acompanhados por muita gente. Na passagem dos aviadores o povo ecoava vários “Vivas” a Balbo, Mussolini e à Itália. O movimento das pessoas foi tão grande que até os soldados do 29º Batalhão de Caçadores do Exército fizeram a guarda e a contenção nos locais onde eles se hospedaram e circularam. Enfim, eram figuras de destaque em todos os jornais do mundo e com uma atração que hoje em dia, talvez, só se compare às astronautas. Uma noite os italianos participaram de um jantar de “50 talheres” na Escola Doméstica.

Atracado no Porto de Natal estava o contratorpedeiro Lanzerotto Malocello. Do seu porão foi discretamente retirado um grande e pesado engradado. Este foi levado para uma área próxima ao porto, onde trabalhadores locais construíram uma grande base de alvenaria com três metros de altura e um imenso círculo no centro.

No Palácio do Governo, os italianos foram recebidos pelo então interventor federal Irineu Joffily e o interventor da Paraíba, Antenor Navarro, que ergueram brindes de champanhe pelo sucesso da empreitada de Balbo e seus comandados. Nessa ocasião, Balbo, general Giuseppe Valle e o coronel Umberto Maddalena estavam vestidos com uniformes de gala, mas vários italianos envergavam as nefastas camisas negras fascistas.

Ítalo Balbo e seus comandados com os interventores Irineu Joffily e Antenor Navarro (de óculos)– Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

Na noite de 7 de janeiro, todos os aviadores foram para o salão nobre do Aeroclube de Natal, para um recital. Foram recebidos pelo casal Fernando e Branca Pedroza e se juntaram as autoridades, entre essas os interventores Joffily e Navarro. De início, Alberto Roseli, um rico comerciante de origem italiana que vivia em Natal há muitos anos, leu uma saudação a Balbo e aos aviadores. Após, um grupo de alunas do último ano da Escola Normal cantaram entusiasticamente a “Giovinezza”, para delírio e encanto dos militares italianos. Todos se colocaram de pé, cantando o hino com vigor e realizando a saudação fascista.

Depois, houve as apresentações musicais de alunos do Instituto de Música do Rio Grande do Norte, escola fundada pelo maestro Waldemar de Almeida. Entre os que se apresentaram estavam Dulce Cicco, Maria da Glória de Vasconcelos Sigaud, Odila Garcia, Anadyl Roseli, Eurídice Vilar Ribeiro Dantas, Dulce Wanderley, Ivone Barbalho. Waldemar de Almeida tocou ao piano a “Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro”, uma composição do pianista e compositor norte-americano Louis Moreau Gottschalk. Para orgulho de Fernando e Branca Pedroza, o jovem Fernando Pedroza Filho também se apresentou, tocando ao piano as obras “Gavota” opus 123, da compositora e pianista francesa Cécile Chaminade, e o Prelúdio nº 20, de Frédéric Chopin.

Balbo e seus comandados cantando a “Giovinezza”– Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

Outro que se apresentou foi um garoto de nove anos chamado Orianne Corrêa de Almeida, primo de Waldemar de Almeida, que tocou uma “Marcha Militar” de Franz Shubert. Tempos depois esse garoto seria conhecido apenas como Oriano de Almeida e se tornou um dos maiores pianistas da história da música brasileira. Segundo me informou o professor Claudio Galvão, autor do livro “O Céu Era O Limite: Uma Biografia De Oriano De Almeida” (2010), não dá para cravar que essa exibição no Aeroclube em 7 de janeiro de 1931 tenha sido a primeira de Orione, provavelmente ele já tinha feito outras em Natal, mas o garoto chamava atenção pela precocidade que, talvez, tenha visto Balbo e seus comandados.

A Coluna Romana

No dia 8 de janeiro de 1931, uma quinta-feira, foi seguramente o mais movimentado dos italianos em Natal. De manhã cedo ocorreu a missa campal presidida pelo Bispo Dom Marcolino Dantas, com saudação aos aviadores que chegaram a Natal, homenagem aos que morreram na travessia e também a memória do falecido aviador italiano Carlo Del Prete, que esteve em Natal em 1928 junto com o colega Arturo Ferrarin. Estavam presentes todos os tripulantes dos hidroaviões, os militares do Lanzerotto Malocello, autoridades potiguares e italianas, além de uma multidão de natalenses, principalmente os moradores da região da Ribeira e das Rocas. Durante a realização da missa, uma aeronave Breguet, da companhia de aviação francesa Latécoère, fez evoluções sobre a audiência e a multidão. Então, novamente a “Giovinezza” foi excetuada na capital potiguar e dessa vez pela banda do 29º Batalhão de Caçadores. Realmente esse hino, que não era o hino oficial do então Reino da Itália, estava fazendo um sucesso danado por aqui.

A Coluna Capitolina em Natal– Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

Em seguida, Dom Marcolino benzeu uma Coluna Romana de estilo coríntio, feita de mármore cinza, com cinco metros e oitenta centímetros de altura, uma base de três metros quadrados e confeccionada há mais de dois mil anos. Ela foi originária do Templo de Júpiter, na Colina do Capitólio, ou Monte Capitolino, uma das sete elevações sobre as quais foi fundada a cidade de Roma. Essa era uma das quatro colunas romanas existentes no Novo Mundo e foi um presente do regime de Benito Mussolini à cidade do Natal. Inclusive, a razão oficial para Natal receber um presente tão interessante e importante tinha relação com a passagem de Del Petre por aqui.

Após Ferrarin e Del Petre partirem de Natal em seu voo histórico de 1928, ocorreu um acidente aéreo no Rio de Janeiro e Carlo Del Petre faleceu, fato que gerou enorme repercussão mundial. No ano seguinte Arturo Ferrarin lançou um livro intitulado “Voli por Il Mondo”, onde conta detalhes do voo e descreveu de maneira muito positiva sobre como agiu o Governo do Brasil em relação a morte de Del Petre e como ele e seu amigo foram recebidos em Natal. A repercussão dessa obra então teria gerado no governo Mussolini, ao menos em parte, o desejo de realizar a doação da coluna romana para Natal. Evidentemente que razões estratégicas, ligadas à expansão da aviação comercial italiana no Brasil, também explicaram a doação desse importante monumento histórico.

Rota do voo da Esquadrilha Balbo – Fonte – Arquivo do autor..

Após a missa, Balbo e os militares italianos estiveram na Praça Augusto Severo, onde prestarem uma homenagem ao aviador potiguar, que morreu em seu balão “Pax”, na cidade de Paris em dia 12 de maio de 1902. Balbo solenemente colocou uma coroa de flores na base da estátua de bronze do antigo aviador, abraçou seu filho Sérgio Severo Maranhão e todos os italianos realizaram a saudação fascista.

A noite, novamente os italianos e a sociedade natalense estiveram no Aeroclube, onde os italianos foram apresentados a dança do Maxixe. Conhecido como “Tango Brasileiro”, o Maxixe era uma dança de salão onde um casal se apresentava com bastante sensualidade dos movimentos corporais, o que causou grande furor na arcaica sociedade brasileira. É bem verdade que no início de 1931 essa dança andava meio fora de moda nas grandes cidades brasileiras, mas naquela noite no Aeroclube ninguém se importou muito com isso. Bem, tudo indica que nessa noite, enquanto a maioria dos aviadores assistiam, ou se arriscavam, no Maxixe no Aeroclube, o comandante Ítalo Balbo e alguns poucos oficiais se dirigiram para a casa do rico industrial potiguar Fernando Pedroza.

Fonte – Arquivo do autor.

E o Banho na Praia de Areia Preta?

A mansão dos Pedroza se localizava onde atualmente existe o encontro das Avenidas Nilo Peçanha e Getúlio Vargas, bem próximo do Hospital Universitário Onofre Lopes. Então, para saber mais desse encontro e sobre os anfitriões, procurei o funcionário público Antônio Carlos Magalhães Alves, mais conhecido em Natal como Toninho Magalhães, filho de Elza Pedroza e neto de Fernado e Branca Pedroza. Toninho me narrou que seu avô Fernando Gomes Pedroza nasceu em 30 de março de 1886, no chamado Casarão dos Guarapes, na zona rural da cidade potiguar de Macaíba. A família Pedroza possuía muitos recursos, tendo Fernando ido estudar na Inglaterra e junto com ele seguiu o natalense Manoel Augusto Pereira de Vasconcelos. Um dia Fernando e Manoel viajaram para a Suíça, onde duas irmãs de Manoel estudavam em uma tradicional escola feminina daquele país. Nesse encontro, Fernando conheceu uma moça chamada Branca Fonseca Toledo Piza, natural de Sorocaba, São Paulo e amiga das irmãs de Manoel. Não demorou e o namoro começou entre Fernando e Branca, tendo logo resultado em casamento. Vieram viver em Natal e Fernando Pedroza cresceu na exportação de algodão, a principal fonte de riqueza do Rio Grande Norte durante décadas.

Poster do voo da Esquadrilha Balbo entre a Itália e o Brasil – Fonte – Wikipedia.
Toninho Magalhães fala sobre a recepção pelos seus avós Branca e Fernando Pedroza – Foto – Rostand Medeiros

Certamente deve ter sido um encontro bem interessante e positivo. Tanto que no outro dia, 10 de janeiro, enquanto Balbo e seus oficiais aguardavam a chegada do último S.55A de Fernando de Noronha, ele e o coronel Umberto Maddalena foram aproveitar a praia de Areia Preta. Estavam acompanhados de Dona Branca Pedroza, seus filhos Fernando, Sylvio Piza Pedroza e a caçula Elza Piza Pedroza, e quem fez a foto foi Fernando Pedroza. Todos se mostram muito alegres e molhados, realizando aquilo que é muito normal e natural aos natalenses – Levar para as nossas belas e calientes praias, os visitantes que vem de perto e de longe. Ali já não estavam mais dois dos membros mais importantes do Partido Fascista Italiano e renomados aviadores do seu tempo. Eram apenas dois turistas italianos deslumbrados com nossas belezas naturais e recebendo atenções que tão bem sabemos ofertar a quem nos visita.

Ítalo Balbo em foto após o voo para o Brasil – Fonte – Arquivo do autor.

Já Ítalo Balbo, após completar com sucesso o voo para o Brasil, realizou entre julho e agosto de 1933 um voo com vinte e cinco hidroaviões S.55X, com destino final aos Estados Unidos, sendo essa uma empreitada de enorme repercussão internacional. Balbo levou adiante a construção de um culto político em torno da aviação, tendo alcançado enorme popularidade em todo o planeta, mas sendo considerado politicamente um forte rival de Mussolini. Então a situação de Balbo começou a declinar ante o Regime Fascista.

O final do voo da Esquadrilha Balbo foi no Rio de Janeiro– Fonte – Livro “Stormi in volo sull oceano”.

HENRY FONDA EM NATAL – O DIA EM QUE O ASTRO DO CINEMA NORTE-AMERICANO, PAI DE PETER E JANE FONDA, PASSOU PELA CAPITAL DO RN

HENRY FONDA EM NATAL

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Na metade do século XX, o ator norte-americano Henry Fonda (1905-1982) era um dos maiores astros de cidema dos Estados Unidos, intérprete de heróis inesquecíveis. E no auge dessa carreira estrelada em Hollywood, ele resolveu aliviar o clima de estresse que aumentava de acordo com a tensão que rondava a China e a Europa, com o seu país sempre em alerta. Decidiu, então, desembarcar em um local interessante e calmo, algo como o exótico Brasil. E foi nesse percurso que Natal, capital do Rio Grande do Norte, entrou no seu roteiro.

Esse texto foi originalmente publicado na Revista BZZZ, número 107, edição de nov. 2023 a jan. de 2024.

Esse momento passa pelo período de janeiro a abril de 1939, quando o ator tinha concluído três filmes e estava bastante cansado, somado aos conflitos que cobravam um alto preço em sangue na China, nuvens negras da guerra se aproximavam cada vez mais da Europa e ameaçavam englobar o Velho Mundo em um grande entrevero.

Aderbal de França e a Melhor Notícia

A sede do jornal natalense “A República” estava bastante agitada na manhã do do dia 13 de maio de 1939, devido à inauguração das obras de saneamento de Natal, que iriam acontecer às oito horas na Praça 7 de Setembro, em frente ao Palácio do Governo. Para o interventor federal Rafael Fernandes Gurjão aquela era uma das principais obras da sua gestão e custou a fortuna de quase cinco milhões e meio de contos de réis.

Aderbal de França.

A movimentação entre autoridades e políticos foi muito intensa e todo mundo que “era gente” em Natal se fez presente. Veio até o interventor da Paraíba, Argemiro de Figueiredo, e entre os que estavam lá, encontrava-se o muito satisfeito Francisco Saturnino de Britto Filho, cujo Escritório de Engenharia Civil e Sanitária Francisco Saturnino de Britto, com sede no Rio de Janeiro, foi o responsável pelo planejamento e execução da obra.

Entretanto, um dos mais importantes jornalistas de “A República” parece que pouco se importou com toda aquela movimentação política e tudo indica que ele nem sequer esteve naquele evento, pois não escreveu uma só linha sobre a festa. Mas isso não era problema, pois Aderbal de França, depois de quase onze anos publicando a mais importante e lida coluna social do principal jornal do Rio Grande do Norte, tinha cacife e prestígio suficientes para faltar ao evento na Praça 7 de Setembro.

O Sikorsky S-43 Baby Clipper.

E tudo indica que Aderbal estava naquele sábado com sua atenção voltada para o terminal de passageiros da empresa aérea Panair, uma subsidiária no Brasil da empresa de aviação norte-americana Pan American World Airways, uma das maiores do mundo naqueles tempos.

No dia anterior, Aderbal havia recebido um telefonema de Arlindo Moura, o agente da Panair em Natal, cujo escritório ficava no primeiro andar de um edifício na ladeira da Rua Sachet, 79, na Ribeira. Arlindo lhe informou que no dia seguinte, por volta das duas da tarde, chegaria uma aeronave do tipo “Baby Clipper” procedente dos Estados Unidos, trazendo a bordo o ator de cinema Henry Fonda e ele desembarcaria em Natal.

Realmente aquela notícia era bem mais interessante que a inauguração das obras de saneamento.

Em Natal

Aderbal de França, que assinava sua coluna com o pseudônimo de Danilo, escreveu que foi para o terminal de passageiros da Panair e ficou “com os olhos pregados no horizonte” esperando a aeronave. Essa havia partido de Miami, Flórida, tinha atravessado o Mar do Caribe, parou em Belém do Pará para pernoite e seguiu sem escalas para Natal. Essa ideia de pernoite era porque o bimotor “Baby Clipper” nem chegava a 300km/h de velocidade máxima.

Enfim, a aeronave anfíbia prateada surgiu no horizonte. Sobrevoou os sítios e fazendas onde atualmente existem os bairros da Zona Norte de Natal e passou sobre a ponte metálica de Igapó, que ainda estava completa. Fez uma volta sobre as poucas residências na região das Quintas, depois sobre o proletário bairro do Alecrim, e começou a diminuir de altitude. Voou sobre a igreja de São Pedro, o velho Cemitério do Alecrim, e logo amerissou no calmo Rio Potengi. De forma lenta e tranquila, o piloto se dirigiu até o flutuante da Panair, onde os hidroaviões dessa empresa atracavam.

Em 1939 Natal recebia uma média de três voos semanais de empresas aéreas alemãs, italianas, francesas e norte-americanas, que utilizavam ou o campo de pouso em Parnamirim, ou as águas do Potengi, mas mesmo esse terminal da Panair estando às margens do rio ele era chamado de “aeroporto”. E lá já se concentrava um certo número de fãs para olhar o astro de Hollywood e tentar conseguir um autógrafo.

Fonda desceu da aeronave por último, acompanhado de sua segunda esposa, a loiríssima Frances Ford Seymour, uma socialite canadense, oriunda de uma família de classe média alta e mãe do casal Jane e Peter Fonda, futuros astros de Hollywood. Eles caminharam com calma e tranquilos pela passarela de acesso ao terminal de passageiros e pareciam cansados. Fonda acendeu um cigarro para sua esposa, comentou alguma coisa sobre a paisagem e o fotógrafo João Alves de Melo começou a clicar o casal.

Após algum tempo, Aderbal começou um diálogo com Fonda e sua esposa, sendo traduzido por Franklin Willian Knabb, de 18 anos, um natalense filho de um casal de americanos que há anos viviam na cidade. Ao jornalista de “A República”, o casal comentou que a viagem estava sendo “Magnífica”, principalmente naquele sábado, onde tudo seguia corretamente. Disseram que “Gostaram imensamente desse aeroporto”, com seu calmo rio e a pequena cidade de casinhas claras.

Houve um momento de descontração quando Aderbal informou que no Cinema Royal, na Cidade Alta, estava reprisando naquele dia o filme “Idílio Cigano”, que Fonda havia rodado na Inglaterra no final de 1936 e atuou com a atriz francesa Annabella. Vale ressaltar que naquele mês de maio de 1939, acabava de estrear no Brasil o faroeste “Jesse James”, que demoraria um tempo para chegar nos cinemas da capital potiguar. Nesse filme Henry Fonda contracenou ao lado de Tyrone Power, que anos depois também passaria por Natal.

Apesar de Aderbal de França não comentar em sua coluna, os fãs e jornalistas de Belém, Recife e Rio de Janeiro se impressionaram com a altura do ator, o fato dele estar com cabelos considerados grandes, desalinhados e a barba por fazer. O que eles não sabiam era que Fonda estava se preparando para seu próximo filme – “O Jovem Abraham Lincoln” – e até penteava o cabelo da mesma maneira como fazia o antigo presidente dos Estados Unidos.

Foto da época que Henry Fonda veio ao Brasil.

Todos observaram a forma displicente do ator hollywoodiano se vestir. Numa época onde as roupas masculinas eram basicamente monocromáticas, ele andava “com excesso de cores”. Ao ponto de um jornal do Rio de Janeiro comentar que ele desembarcou no Brasil “Colorido e descabelado, com paletó cor de palha, gravata cinzenta, calça marrom, mulher loira…”

Ao final, Aderbal de França perguntou a Frances Seymour se ela era também atriz em Hollywood. Espontaneamente e com um sorriso no rosto de satisfação, ela respondeu:

– Apenas Mrs. Fonda.

Grandes Mudanças

O casal Fonda pernoitou naquele mesmo dia em Recife e logo pela manhã seguiu para o Rio de Janeiro.

Na então Capital Federal, o ator Henry Fonda chamou atenção pelo jeito sincero, desleixado e tranquilo. Nem parecia os outros artistas de Hollywood que haviam passado pela cidade e deixado uma péssima recordação com suas afetações e chiliques.

Foto autografada de Henry Fonda, entregue para uma sortuda fã no Rio de Janeiro.

Passeou pela cidade, deu autógrafos, falou no programa radiofônico “A Voz do Brasil” em cadeia nacional e até arriscou enviar uma mensagem aos ouvintes em português. Depois passou alguns dias na bela e então pouco habitada Ilha de Paquetá, na Baía da Guanabara, a convite do empresário Darke Bhering de Oliveira Mattos, e depois partiu para Buenos Aires.

A história de Henry

Nascido em 16 de maio de 1905, na pequena cidade de Grand Island, estado norte-americano de Nebraska, Henry Fonda era filho do impressor William Brace Fonda e Henryne Jaynes. Os biógrafos apontam que a sua família era muito unida e que o apoiou muito durante sua vida.

Na escola, Henry se mostrou um menino tímido, reservado, que tendia a evitar as meninas, exceto suas irmãs. Mas era tido como um bom patinador, nadador e corredor. Tempos depois, o jovem passou a trabalhar meio período na gráfica de seu pai e desde cedo manifestou o interesse em ser jornalista. Anos depois conseguiu até frequentar o curso de jornalismo na Universidade de Minnesota, mas por razões financeiras desistiu. Em 1925, conseguiu um emprego temporário em um teatro comunitário chamado “Omaha Community Playhouse”.

Henry Fonda, um dos maiores astros da História de Hollywood – Fonte – Wikipédia.

Trabalhava como assistente de direção e pintor de palco, mas Dorothy Brando, diretora do teatro e mãe do futuro ator Marlon Brando, reconheceu imediatamente o seu talento e trouxe Henry Fonda para o palco. O jovem percebeu a beleza de atuar nessa profissão e pelos três anos seguintes desempenhou pequenos papéis e tudo mudou em sua vida. Em 1928, Fonda decidiu ir para o leste dos Estados Unidos em busca de fortuna. 

Acabou em Nova York, onde conseguiu seus primeiros papéis na Broadway e dividiu um quarto barato com seu colega James Stewart, onde formaram uma amizade para toda a vida. Henry se juntou aos “University Players”, um grupo de jovens atores que incluía Margaret Sullivan, sua primeira esposa de um casamento de curta duração.

Durante os anos na Broadway ele se manteve à tona com pequenos papéis e como cenógrafo, antes de ser descoberto e conseguir em 1935 a sua primeira chance em Hollywood. Foi protagonista de uma comédia romântica intitulada no Brasil de “Amor Singelo”, uma adaptação cinematográfica da 20th Century Fox para a peça de teatro “The Farmer Takes a Wife”, onde atuou ao lado da atriz Janet Gaynor. 

Fonda impressionou imediatamente a crítica e o público. De repente estava convivendo com as grandes estrelas de Hollywood, atuando com diretores renomados, ganhando cerca de 12.000 dólares por mês e nos anos seguintes seria guindado ao patamar de estrela global. 

Nenhum outro ator personificava o tipo de americano honesto, tão direto e carismático quanto Henry Fonda. Isso se devia ao seu físico especial: 1,85 m de altura e olhos azuis. Mas havia também o andar ligeiramente cambaleante e o leve cansaço. Parece que, mesmo no início dos seus filmes, seus personagens estão exaustos pelas justas lutas que os aguardam.

Henry Fonda interpretando o pistoleiro Frank James, no filme “Jesse James”, de 1939

Da sua estreia até os primeiros meses de 1939, Henry Fonda protagonizou dezoito filmes, entre eles “Eu Sonho Demais” (1935), onde fez par romântico com Carole Lombard. Esteve no faroeste “A Trilha do Pinheiro Solitário” (1936), trabalhando com o ator Fredy MacMurray. Depois veio “Você Só Vive Uma Vez” (1937), cuja direção ficou a cargo do alemão Fritz Lang. Houve também o clássico “Jezebel” (1938), onde contracenou ao lado da grande atriz Bette Davis. Fonda considerou esse filme um dos mais importantes que até então ele tinha realizado e Davis a sua companheira de atuação mais profissional e preparada.

Em 1940, Henry Fonda conseguiu o papel no filme “As Vinhas da Ira”, de John Ford, sendo considerado por muitos como seu melhor papel, que fez dele um dos grandes atores de sua geração e lhe rendeu uma indicação ao Oscar. Mas logo a Segunda Guerra Mundial fez tudo mudar.

Fonda se alistou aos 37 anos na Marinha dos Estados Unidos e entre 1942 e 45 interrompeu sua proeminente carreira como ator de cinema para servir ao seu país. Inicialmente esteve a bordo do destróier USS Satterlee como um simples marujo intendente de 3ª classe, cuidando do estoque de materiais do navio.

Tenente Henry Fonda– Foto US Navy.

Mais tarde foi comissionado como tenente na Inteligência de Combate Aéreo no Pacífico Central, a bordo do navio de apoio de hidroaviões USS Curttis, na área do Atol de Kwajalein. As funções de Fonda centravam-se nas operações aéreas, especificamente na interpretação e avaliação de grande quantidade de material fotográfico e outros materiais de inteligência necessários para levar adiante a invasão do Arquipélago das Marianas e mais tarde da Ilha de Iwo Jima.

Em dezembro de 1944, o USS Curttis estava na Ilha de Saipan, quando a rádio japonesa transmitiu abertamente que sabia onde estava o navio, que o ator de cinema Henry Fonda estava a bordo e que a Marinha Japonesa iria afundá-lo. Por essa razão a nave foi retirada da área.

USS Curttis – Foto – US Navy

Por seu trabalho, Fonda recebeu a Medalha Estrela de Bronze e a Menção de Unidade Presidencial da Marinha.

Oscar no Último Filme

Com sua aura de compostura e incorruptibilidade, ele também interpretou advogados, senadores, governadores – e um total de cinco personagens presidenciais. Fonda também realizou quase vinte faroestes e foi em um filme com essa temática que sua personalidade na tela foi quebrada pela primeira vez.

Os filmes de faroeste produzidos nos Estados Unidos já haviam ultrapassado o seu apogeu na década de 1960, quando a Europa foi inundada pelos chamados “Westerns Spaghetti”, a maioria produzidos por italianos, a baixo custo e quase todos rodados na ensolarada região de Almeria, sul da Espanha. Apenas alguns se destacaram na produção em massa e “Era Uma Vez no Oeste” se tornou um clássico do gênero. A questão é que nesse filme Fonda interpreta um frio assassino e ele lembraria mais tarde – “Na minha primeira cena eu e meus comparsas assassinamos toda uma família de fazendeiros a sangue frio, mas a câmara só mostrou meu rosto e meus olhos azuis de bebê depois do massacre. O diretor Sergio Leone queria que as pessoas dissessem: Meu Deus, esse é Henry Fonda!”

Henry Fonda na película de Sergio Leone “Era Uma Vez no Oeste”.

O único prêmio Oscar que recebeu por atuação em toda a sua longa carreira foi pelo seu último filme – “Num Lago Dourado”. Lançado no final de 1981, ele atuou ao lado de Katharine Hepburn e de sua filha Jane Fonda, sendo um sucesso. O filme recebeu outros dois Oscars, sendo um para Hepburn como melhor atriz e outro para melhor roteiro adaptado.

Enfermo e com insuficiência cardíaca, Henry Fonda não pôde receber a honraria mais que merecida e poucos meses depois, em 12 de agosto de 1982, faleceu aos 77 anos, em um hospital de Los Angeles.

UM HERÓI POTIGUAR DA FEB – A HISTÓRIA DO SARGENTO RODOVAL CABRAL DA TRINDADE E O COMBATE DE SAN QUIRICO

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Agradecimento especial ao escritor e pesquisador Durval Lourenço Pereira pela ajuda com informações adicionais para esse texto.

Sabemos que seis potiguares morreram na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, integrando a Força Expedicionária Brasileira, a famosa FEB. Eles eram os soldados Belarmino Ferreira da Silva, José Varela, Manoel Lino de Paiva, Cosme Fontes Lira e os sargentos Wilson Viana Barbosa e Rodoval Cabral da Trindade.

Mas quando buscamos maiores informações sobre cada um desses participantes do conflito, os resultados são bem limitados, com lacunas bastante amplas para compreender suas histórias. Um exemplo é o caso do sargento Rodoval Cabral da Trindade.

Rodoval Cabral da Trindade.

Basicamente temos as informações que ele era um sargento do Exército Brasileiro, que havia nascido na cidade de Ceará-Mirim e que morreu de um acidente de jipe no dia 6 de junho de 1945, após o final da Guerra na Europa.

Mesmo com dificuldades, conseguimos mais detalhes sobre a vida desse homem e a sua participação nesse conflito. Elas mostram interessantes informações do envolvimento de um potiguar na Segunda Guerra e aprofunda o entendimento sobre aqueles que partiram para lutar na Europa.

Tiro de Guerra 18

Rodoval era filho do funcionário público João Cândido da Trindade, casado com Emília Cabral da Trindade. Tudo indica que o casal era natural da cidade de Ceará-Mirim, onde seu filho Rodoval nasceu em 1909. Ele era um dos nove filhos do casal, sendo seis homens e três mulheres. Não sabemos a data, mas, provavelmente, em algum ano da década de 1920 a família Cabral da Trindade se mudou de Ceará-Mirim para Natal, onde moravam na Rua Laranjeira, número 26, na Cidade Alta, perto da Igreja do Galo.[1]  

A antiga e simples residência da família Cabral da Trindade em Natal.

Tudo aponta que essa família era muito católica, pois todos os anos, sempre no mês de abril, Seu João Cândido participava da tradicional e secular Procissão do Encontro. Essa tendência foi seguida pelo seu filho Rodoval, que participou da Congregação Mariana de Moços, tradicional organização católica da cidade. E Seu João tinha de ter mesmo muita fé, pois para sustentar a esposa e nove filhos só possuía os minguados salários do cargo de porteiro do Serviço de Estatística do Estado do Rio Grande do Norte.[2]

Mesmo com as limitações, sabemos também que o jovem Rodoval foi membro do tradicional Centro Náutico e remava com seus amigos no tranquilo e, na época, limpo rio Potengi, certamente competindo com os adversários do Sport Club de Remo.

Outra atividade desse jovem em Natal, que certamente marcou sua vida, foi participar do Tiro de Guerra 18, ou T. G. 18.

Rodoval Cabral da Trindade – Foto gentilmente cedida pelo escritor e pesquisador Durval Lourenço Pereira.

Essa era uma pequena unidade do Exército Brasileiro mantida em parceria com o município de Natal e responsável pela formação de reservistas de segunda categoria do serviço militar. Fundado em 1908, tinha sede no bairro do Alecrim, sendo normalmente comandada por um sargento, ou um tenente, com turmas que variavam anualmente de 35 a 45 rapazes. Esse pessoal fazia muita ordem unida, longas marchas, treinos de tiro ao alvo e desfilava garbosamente na Avenida Deodoro durante as comemorações do 7 de setembro. Entre os participantes ilustres do Tiro de Guerra 18 consta o maestro Waldemar de Almeida [3], que lá esteve na segunda metade da década de 1920. Outro que recebeu a sua carteira de reservista de segunda categoria foi o advogado, professor e político mossoroense Otto de Brito Guerra. Esse último foi contemporâneo do jovem Rodoval Cabral da Trindade quando esteve nessa instituição em 1928. Consta que Otto Guerra participou da marcha de 24 quilômetros, com fuzil no ombro e tudo mais.  

O Tiro de Guerra 18 era um lugar onde o esporte era intensamente praticado e incentivado.[4] Um dos feitos esportivos mais marcantes foi ter participado e vencido a primeira competição pública de basquete realizada no Rio Grande do Norte.

Arquibancada coberta do “Stadium” Juvenal Lamartine, onde aconteceu a primeira disputa pública de basquete no Rio Grande do Norte em 1931 e o Tito de Guerra 18, onde Rodoval Cabral serviu ganhou a disputa com o 29º Batalhão de Caçadores.

O fato ocorreu em 1931, em pleno estádio de futebol Juvenal Lamartine, onde improvisaram uma quadra de basquete não sei de que jeito e o Tiro de Guerra 18 venceu a poderosa equipe do 29º Batalhão de Caçadores do Exército Brasileiro. Digo poderosa porque o pessoal do 29º treinava muito e tinha até mesmo à disposição uma quadra de basquete. Mesmo sendo de barro batido essa quadra possuía dimensões oficiais e ficava onde atualmente se encontra o SESC da Cidade Alta. A equipe do 18 era formada, entre titulares e reservas, por Humberto Nesi, Luiz Tavares de Souza, Alberto Gentile, Zacarias Cunha, José Maia Mousinho e Miguel Ferreira da Silva. Esse pessoal era treinado pelo tenente Francisco Antônio do Nascimento, o conhecido “Chicó”, por anos comandante do Tiro de Guerra, e pelo soldado Severino Estevam dos Santos, o “Jaú”. Todo esse pessoal foi contemporâneo de Rodoval.[5]

Caminho da Guerra

Após deixar o Tiro de Guerra 18 temos a informação que Rodoval Cabral da Trindade passou a ser aluno da Escola Técnica de Comércio do professor Ulisses de Góis, que na década de 1930 ficava na Rua João Pessoa, no Centro de Natal [6]. Rodoval se preparava para exercer a função de guarda-livros, ou seja, escriturar e manter em boa ordem os livros mercantis das empresas comerciais. O que hoje chamamos de contadores.

Bairro da Ribeira, na bucólica Natal das primeiras décadas do século XX. : Fonte – https://www.brechando.com/2017/09/esta-praca-parece-do-interior-do-estado-mas-fica-em-natal/

Naquela época esse era o típico trabalho desejado pelas famílias de classe média baixa de Natal. A maior parte delas formada por funcionários públicos de baixo escalão, que recebiam minguados rendimentos e que através de favores políticos entravam aos montes no serviço público estadual.

Certamente pelo tempo e pelas experiências vividas no Tiro de Guerra 18, o jovem Rodoval largou a Escola de Comércio no último ano e se alistou voluntariamente no Exército Brasileiro como soldado. Provavelmente essa sua deliberação não deve ter sido tomada sem rupturas na sua família, pois Rodoval acabava de tomar a decisão de descer voluntariamente os poucos degraus que a sua condição social lhe proporcionava naquela provinciana Natal de pouco menos de 40.000 habitantes e uma elite extremamente preconceituosa e abertamente racista.

Foto de um soldado da Forças Pública, nesse caso de Pernambuco. Nas décadas de 1920 e 1930 os uniformes militares dessas instituições militares estaduais pouco diferiam, sendo sempre na predominante cor cáqui. na imagem vemos o Soldado Heleno Tavares de Freitas – Fonte – Valdir José Nogueira de Moura.

Naqueles dias para ter prestígio como membro das Forças Armadas só sendo oficial, algo para poucos. Já ser um soldado no Exército Brasileiro não era uma situação considerada “desrespeitosa” pela sociedade, mas era o tipo de profissão que, no entendimento geral, só entrava quem não tinha maiores perspectivas, ou por pura vocação. Mas estava um patamar acima da pessoa que era soldado na Força Pública, atual Polícia Militar.

No caso de Rodoval eu acho que foi vocação mesmo, pois ser um guarda-livros em Natal, mesmo com perspectivas salariais baixas, poderia ser um caminho para conseguir através de apadrinhamento político uma sinecura em alguma repartição pública e ter a tão sonhada estabilidade.

1939 – 6º Regimento de Infantaria de Caçapava. Foto: Iris, Créditos: Nelson de Luccas – Fonte – Caçapava/SP História, Fotos e Caçapavenses

A próxima notícia que temos sobre esse potiguar é que ele foi servir bem longe do Rio Grande do Norte. Seguiu para São Paulo, onde esteve aquartelado em unidades militares existentes nas cidades de Jundiaí, Taubaté e Caçapava. Nessa parte do Brasil ele se casou com a jovem Araci Marques da Trindade, mas não tiveram filhos.[7]

Em 1941 encontramos Rodoval servindo no 6º Regimento de Infantaria de Caçapava, com a extinta patente de “primeiro cabo”, sendo promovido em 25 de julho daquele ano ao posto de terceiro sargento, conforme está descrito na notificação existente no Boletim Interno número 171 do Exército Brasileiro.[8]

Nesse meio tempo nuvens negras surgiram no horizonte do Brasil, com o intenso rufar dos tambores de guerra ecoando na Europa e na Ásia. Em 22 de agosto de 1942, após a declaração de guerra do Brasil à Alemanha Nazista e à Itália Fascista, o país entra em mobilização total.

Militares norte-americanos em Parnamirim Field – Fonte – Getty Images

Não sei se através de jornais, ou por contatos com a sua família, Rodoval soube que na cidade onde seus parentes viviam e onde passou grande parte de sua juventude, estava ocorrendo uma intensa mudança. Milhares de militares dos Estados Unidos e do sul do Brasil ocupavam a capital potiguar. Nos céus aeronaves de vários tipos partiam e chegavam diariamente, aproveitando a privilegiada posição estratégica do Rio Grande do Norte em relação ao Atlântico Sul e a costa ocidental africana.

Através de outras pesquisas realizadas pelo autor, descobri que não era raro a transferência para Natal de militares nascidos no Rio Grande do Norte e que se encontravam servindo em outras regiões do país. Isso certamente se destinava a facilitar o entrosamento dos muitos militares brasileiros que desembarcavam em Natal para reforçar as defesas na região. Mas essa situação não aconteceu com o sargento Rodoval.

No começo de 1943 ele recebeu ordens de se apresentar no Quartel General do Exército no Rio de Janeiro, para participar do C. R A. S, sigla do Curso Regional de Aperfeiçoamento de Sargentos.[9] Dois meses depois, Rodoval foi promovido a segundo sargento, junto com outros 21 colegas do 6º Regimento de Infantaria.[10] Em agosto ele concluiu o C. R. A. S. e aguardou novas ordens.[11]

Símbolo da FEB.

Certamente o sargento Rodoval e seus companheiros sentiam que se aproximava a hora de pegar em armas e partir para o front de combate, onde comandariam grupos de soldados destinados a matar o maior número de inimigos, pois era para nisso que treinavam arduamente. Logo o governo brasileiro publicou a Portaria Ministerial nº 4.744, que criava a Força Expedicionária Brasileira, que se tornaria a primeira e única força militar formada na América Latina a lutar na Europa. Rodoval recebeu o número 2-G-87320 para sua identidade militar.

No General Mann

Quase um ano depois, em uma quinta-feira, 29 de junho de 1944, o sargento Rodoval e centenas de companheiros partiram da Vila Militar, na zona oeste do Rio, em um trem da Estrada de Ferro Central do Brasil até o cais da Praça Mauá. Ali começou o embarque dos soldados da FEB no grande navio USS General William Abram Mann (AP-112), ou simplesmente General Mann, como ficou mais conhecido entre nossos soldados.

Força Expedicionária Brasileira embarcando no Rio de Janeiro. Destino – A frente italiana.

Aquela grande nave da Marinha dos Estados Unidos (US Navy) estava atracada no Píer 10 e era enorme. Pesava mais de 17.000 toneladas, tinha quase 200 metros de comprimento, navegava com a velocidade máxima de 19 nós (35 km/h) e podia transportar 5.000 homens destinados ao combate em qualquer parte do Globo. A grande nave era comandada pelo capitão Paul Sylvester Maguire.

Ao redor do porto havia muita segurança e isolamento. Gente de toda parte do país, com seus sotaques, cores, trejeitos e maneiras próprias entraram na grande nave carregando sacos de lona. O general Mascarenhas de Moraes, o comandante da FEB, embarcou para o exterior junto com 5.074 homens que formavam o 1º Escalão de combatentes.

Navio transporte de tropas USS General W. A. Mann. Em 1944 ele levou os primeiros combatentes da FEB para a Itália.

Mascarenhas de Morais listou as primeiras unidades da FEB transportadas no General Mann – Escalão Avançado do Quartel General da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (1ª DIE), Estado Maior da Infantaria Divisionária da 1ª DIE, 6º Regimento de Infantaria, 4ª Companhia e 1º Pelotão de Metralhadoras do 11º Regimento de Infantaria, II Grupo do 1º Regimento de Obuses Auto Rebocados, 1ª Companhia do 9º Batalhão de Engenharia, uma parte da Seção de Suprimento e Manutenção do 9º Batalhão de Engenharia, 1º Pelotão do Esquadrão de Reconhecimento, Seção de Exploração e elementos da Seção de Comando da 1ª Companhia de Transmissões, 1ª Companhia de Evacuação, o Pelotão de Tratamento e elementos da Seção de Comando, todos do 1º Batalhão de Saúde, Companhia de Manutenção, Pelotão de Polícia Militar, um pelotão de viaturas, uma Seção do Pelotão de Serviços e elementos da Seção de Comando da 1ª Companhia de Intendência, o Correio Regulador, o Depósito de Intendência, a Pagadoria Fixa, os jornalistas que iriam trabalhar como correspondentes de guerra, elementos do Hospital Primário, Serviço de Justiça e o pessoal do Banco do Brasil.[12]

Militar brasileiro de patente elevada passando em ordem a guarda de Fuzileiros navais (Marines) a bordo do General Mann. Eram estes fuzileiros que mantinha a ordem a bordo.

Não sabemos quantos, mas temos a certeza que o sargento Rodoval Cabral da Trindade não era o único potiguar a bordo do General Mann. Outro Norte-rio-grandense era o soldado João Alves Coelho, nascido em 1923 e que em 1940 havia seguido para o Rio de Janeiro com o intuito de aprender uma profissão para melhorar a sua vida e a de sua família. Ele estudou mecânica na então Capital Federal, quando foi convocado para a guerra como integrante da FEB. Foi incorporado na Companhia de Manutenção, onde praticou extensamente a profissão que aprendeu no Rio. Não sabemos se o sargento Rodoval e o soldado Coelho se conheceram.[13]

No domingo, 2 de julho, às cinco e quarenta e três da manhã, o General Mann desatracou e partiu. Nos próximos quatorze dias a nave seguiria pelo Oceano Atlântico e pelo Mar Mediterrâneo a velocidade média de 17 nós e sempre ziguezagueando para evitar ataques de submarinos. Inicialmente essa nave americana foi escoltada pelos destroieres brasileiros Marcílio Dias, Greenhalgh e Mariz e Barros.[14]

A chegada no Porto de Nápoles, sul da Itália, ocorreu no dia 16 de julho, às 12:20 horas, também num domingo. No cais havia um destacamento norte-americano de quarenta e cinco homens e uma banda para as honras militares.

A guerra para a FEB estava começando!

Um Líder Controverso

Desembarque da FEB em Nápoles em 1944.

Após o desembarque em Nápoles, a FEB ficou acampada no subúrbio da cidade, na região de Agnaro/Bagnoli, perto do mar. O interessante foi que eles acamparam dentro da cratera do extinto vulcão Astroni, cujas bordas possuem 70 metros de altura e atualmente é uma área de preservação. Nessa cratera a temperatura variou bastante, com picos de elevação durante o dia de 30 graus à sombra e a noite descendo para terríveis 10 graus. O contingente brasileiro logo se mudou desse local complicado e ficou aguardando receber seus equipamentos de combate e suas viaturas. 

Veículos da FEB prontos para serem entregues em 1944.

Um dia, em 19 de agosto, enquanto recebeiam seus apetrechos e mais de 220 veículos de todos os tipos, quem deu uma passadinha para dar um alô a brasileirada foi ninguém menos que Sir Winston Churchill, primeiro ministro do Reino Unido e um dos principais líderes Aliados. A ilustre figura estava inspecionando as tropas do 5º Exército dos Estados Unidos (US Army), sob o comando do tenente-general Mark Clark. O contingente da FEB fazia parte do 5º Exército e o general Mascarenhas de Morais respondia a Clark, um militar tido como controverso, planejador débil, líder fraco, além de ser considerado um “caçador de publicidade” e com extrema aversão aos seus aliados ingleses.

Mas o fato que pesou mais negativamente na biografia de Mark Clark durante a Segunda Guerra ocorreu em junho de 1944, durante a chamada Operação Diadem (Diadema).

O mais alto na foto é Mark Clark e o mais baixo Mascarenhas de Moraes.

Comandada pelo general inglês Sir Harold Alexander, líder do 8º Exército Britânico, essa operação consistia em um cerco aos alemães, com o objetivo de fazer com que as forças inimigas ficassem amarradas na Itália e não pudessem ser redistribuídas para a França. O problema foi que para muitos Clark não comandou corretamente o seu 5º Exército, o que permitiu que o 10º Exército Alemão escapasse do cerco. Para piorar a situação pesa sobre Mark Clark a acusação de que ele priorizou tomar Roma (o que realizou com relativa facilidade) em uma tentativa de ganhar a glória marcial imortal. Consta que ele desejava ser o primeiro general a “tomar Roma pelo sul em 1.500 anos”. Se assim foi, Clark recebeu apenas um dia de publicidade por dominar a “Cidade Eterna”, pois após a sua conquista ocorreu o grande desembarque Aliado na França, o famoso “Dia D”, e sua glória foi totalmente ofuscada.[15]

Para os soldados da FEB essas tricas e futricas de altos comandantes pouco importava. Importava mesmo era quando entrariam em combate e, principalmente, fazer tudo para voltarem vivos para o Brasil.

Encarando a Linha Gótica

Na noite de 15 para 16 de setembro o contingente do 6º Regimento de Infantaria, comandado pelo coronel João de Segadas Viana substituiu na frente de combate o 434th Antiaircraft Artillery Automatic Weapons Battalion (434th AAA-AW Bn), ou 434º Batalhão de Armas Automáticas de Artilharia Antiaérea, que foi convertido em batalhão de infantaria. Ficou sob a responsabilidade dos brasileiros uma frente de combate de uns 4.500 a 4.800 metros.

Símbolo da 232a Infantariedivision der Wehrmacht, ou 232º Divisão de Infantaria do exército nazista.

Os pessoal da FEB naquele setor eram inferiores a 900 homens e seus comandantes sabiam que a sua frente estavam elementos da 232a Infantariedivision der Wehrmacht, ou a 232º Divisão de Infantaria do exército nazista. Unidade comandada pelo generalleutnant (tenente-general) Eccard Freiherr von Gablenz, um veterano das campanhas da Polônia, França e da invasão da União Soviética, onde combateu nesta última área de 1941 a 43 e ele escapou por pouco do cerco realizado pelos soviéticos na Batalha de Stalingrado. Von Gablenz estava comandando a 232 na Itália desde o primeiro semestre de 1944 e junto a essa divisão estavam unidades militares formada por italianos favoráveis aos alemães.

O círculo negro mostra a área de atuação da FEB nos primeiros meses de combate na Itália.

A partir desse ponto o avanço brasileiro colidiu com um setor da chamada Linha Gótica, a última linha de defesa inimiga na Itália.[16]

Em agosto de 1944 as forças alemãs estavam há mais de dois anos travando uma guerra defensiva e se retirando para o norte da Itália. Foi quando decidiram criar a linha defensiva chamada Gótica, que atravessava o país de um lado ao outro, desde o mar da Ligúria até o mar Adriático, aproveitando o terreno montanhoso e assim deter seus inimigos. Os alemães esperavam que a defesa da cordilheira dos Apeninos negasse aos Aliados a vantagem tática que significaria a conquista do Vale do Pó, pois ali ficavam as cidades de Bolonha, Modena e Milão, além das ricas terras agrícolas que forneciam grande parte dos alimentos. Para reforçar a Linha Gótica os alemães construíram muitos baluartes de defesa.

Foto ilustrativa que mostra o terreno de luta da FEB, nesse caso na região de Montese.

Os brasileiros do 6º Regimento de Infantaria atuavam intensamente a linha de frente, onde seus homens foram gradativamente ganhando experiência. Sofriam e infligiam baixas, mas a FEB ganhava terreno. Em 16 de setembro os brasileiros conquistaram as localidades de Massarosa e no dia seguinte Camaiori.

No início de outubro, com o frio aumentando pela iminente chegada do inverno, o 6º de Infantaria foi deslocado para o vale do rio Serchio, ao norte da cidade de Lucca. Nessa área as operações começaram no dia 6 e aos soldados da FEB foi ordenado lutar e ocupar pequenas comunidades e elevações, que eram chamadas “Cotas” e recebiam um número. O 6º Regimento de Infantaria atacou um setor defendido pelos italianos da 4ª Divisione Alpina Monterosa, formada pelos batalhões Bergamo, Aosta e Bréscia e comandadas pelo general Mario Caloni, que seis meses depois se renderia aos brasileiros da FEB.[17]

Símbolo da Divisão Monterosa.

Os combatentes sul-americanos avançaram para o norte por treze quilômetros, onde atravessaram o riacho Lima em Bagni di Lucca, cerca de vinte quilômetros ao norte da cidade de Lucca. Já os italianos, mostrando pouca ânsia de se levantar e lutar, recuaram lentamente para a solidez das altas montanhas que conheciam tão bem. No dia 11 de outubro a FEB capturou as cidades de Barga e Gallicano.

Ao completar um mês da entrada do 6º Regimento na área de combate, a imprensa nacional divulgou que os soldados brasileiros haviam avançado 28 quilômetros para o norte, conquistando do inimigo uma área de 273 Km², onde viviam mais de 100.000 pessoas, em sete cidades e vinte e três vilas. Não sabemos o grau de envolvimento do sargento Rodoval nessa fase da luta, mas o seu regimento participou ativamente desses combates, como ponta de lança da FEB.[18]

A aldeia medieval de San Quirico, município de Pescia, província de Pistoia, região da Toscana. Itália.

Daí então, entre os dias 12 e 30 de outubro, os brasileiros conquistaram várias outras vilas e pequenas aglomerações urbanas italianas, entre elas um lugar chamado San Quirico, que caiu no dia 30 de outubro de 1944, no começo da tarde. O lugarejo era defendido pelos italianos do batalhão Aosta, da divisão Monterosa, mas não ofereceram muita resistência.[19]  

O Massacre na Aldeia Medieval

O sargento Rodoval Cabral da Trindade estava entre os brasileiros que ocuparam San Quirico. O correspondente de guerra Sílvio Fonseca, enviado da Agência Nacional junto a FEB, comentou que em 31 de outubro de 1944 os militares do 6º Regimento de Infantaria conquistaram “La Rochette, Lama di Soto e Pradoscello”, entre outras localidades que se localizavam nas proximidades do rio Serchio. Informou também que outros soldados “mais a oeste, apoderaram-se de San Quirico”. Era a tropa que o potiguar Rodoval fazia parte.[20]

Soldados brasileiros encarando o frio italiano com a ajuda de um aquecedor à lenha.

Ao chegar em San Quirico estava frio e chovia, com a temperatura caindo para uns 10 ou 12 graus com a chegada da noite. A tropa brasileira estava cansada após vários dias de lutas e avanços pelas elevações daquela região da Toscana. É provável que a antiga igreja e o fato da maioria das casas estarem queimadas, tenha chamado a atenção de Rodoval e seus colegas. Mas o que importava naquele momento era consolidar a conquista do lugar, comer algo, descansar e seguir adiante.

Acredito que eles então se dirigiram para uma das poucas casas que não estavam queimadas e se acomodaram. Também é provável que sobre aquela pequena comunidade e seu montanhoso entorno, o potiguar só soubesse informações militares. Enfim, a vila e a região eram muito parecidas com outras tantas vilas e montanhas que ele vinha combatendo e ocupando no último mês junto com seus companheiros. Mas talvez Rodoval se espantasse ao saber o quanto aquele lugarejo era antigo.

A igreja de San Quirico, com seus mais de 10 séculos de construida.

Quando a primeira notícia oficial e conhecida sobre San Quirico foi publicada, um pequeno texto sobre os bens da “Ecclesia S.Quirici de Arriano“, somente 520 anos depois o navegador luso Pedro Álvares Cabral colocaria seus pés nas belas praias de Porto Seguro.[21]

Atualmente San Quirico pertence ao município de Pescia, na província de Pistoia, região da Toscana. Está fincada no alto de um monte com quase 550 metros de altitude e foi um lugar que presenciou guerras, passagem de exércitos em luta, pestes, terremotos, secas, enchentes e muito mais. É um lugar conhecido por ali ter vivido famílias que se especializaram na fabricação de sinos, sendo respeitados em toda a península italiana. Sua arte remonta à Idade Média, onde em algumas casas do lugarejo ainda é possível ver lagartos esculpidos em pedra, símbolo desta arte na Itália. É um testemunho da presença de tais mestres, sendo os mais conhecidos pertencentes às famílias Angeli, Fontana e Magni.[22]

Rua em San Quirico.

Durante a Segunda Guerra Mundial, dois meses antes da FEB chegar a essa vila medieval e do potiguar Rodoval ter combatido nas suas ruas, San Quirico viveu uma tragédia, quando foi palco de um dos muitos massacres perpetrados pelos alemães contra os civis italianos.

A coisa toda começou assim – Na noite de 7 de agosto de 1944, dois oficiais alemães foram convidados para jantar em uma casa da aldeia e tudo parecia estar indo bem. Por volta das 11 da noite, quando retornavam ao seu acampamento, eles foram mortos. Para alguns foi obra de guerrilheiros italianos que lutavam contra a ocupação alemã, os chamados “Partigiani”, mas outras fontes apontam que os atiradores seriam seis soldados alemães desertores e um deles, chamado Franz, foi quem matou os oficiais. Independentemente disso, a resposta alemã não se fez esperar! 

Outra vista da vila.

Naquela época os nazistas deixaram claro que para cada alemão morto, dez italianos pagariam com a vida. Na manhã do dia 19, muitos soldados da 65º Divisão de Infantaria da Wehrmacht chegaram a San Quirico e cercaram a aldeia[23]. Aos gritos, empurrões e muita violência mandaram todos sair das casas somente com a roupa do corpo e começaram a saquear e queimar praticamente todo o pequeno burgo, deixando de incinerar umas poucas casas e a igreja milenar. Roubaram gado, objetos de valor, os melhores móveis, roupas de cama e provisões. As antigas casas da vila de ruas apertadas arderam fortemente. Às quatro da tarde os nazistas separaram da população detida um grupo de velhos, doentes e mulheres, que imaginaram o pior para eles, pois todos foram obrigados a abrir uma grande cova coletiva no cemitério local.

San Quirico e as montanhas do seu entorno.

Mas o comandante alemão informou ao pároco Dom Vicenzo del Chiaro que seriam fuzilados vinte homens detidos pela manhã, na estrada que ligava a localidade de Pietrabuona até a cidade de Pescia. Eram pessoas de várias vilas da Toscana que, depois de serem obrigadas a trabalhar para os alemães no reforço de fortificações da Linha Gótica, foram libertadas e voltavam para suas casas, quando foram novamente detidas. Esse grupo foi conduzido para perto do cemitério de San Quirico em um caminhão. No local da execução um dos presos tentou escapar, mas foi perseguido e morto. Os dezenove restantes foram divididos em três grupos e sumariamente fuzilados. Hoje um desses infelizes ainda repousa neste campo santo e, para se ter uma ideia do nível de destruição em San Quirico, provocado pelos nazistas naquele 19 de agosto de 1944, ainda na década de 1970 cerca de 50% das casas do lugar estavam destruídas e enegrecidas.[24]

Monumento existente em San Quirico para homenagear os vinte fuzilados de 19 de agosto de 1944.

Enquanto os cansados oficiais e praças brasileiros do 16º Regimento de Infantaria encontraram abrigo do frio da noite nas casas de San Quirico, na madrugada os alemães e italianos contra-atacaram os brasileiros sem dó e nem piedade!

O Duro Combate de San Quirico

Em 2012, quando se comemorou os 70 anos da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, o jornalista Marcelo Godoy participou de uma série de reportagens do jornal paulista Estadão sobre a participação brasileira nesse conflito. Ele escreveu um interessante material sobre o combate de San Quirico – “Os brasileiros dormiam, quando começaram a ouvir vozes na madrugada fria. Eram do inimigo. De repente, um tiro de carabina. A bala tombou um alemão que descia a colina em direção à ravina atrás da casa dos brasileiros. Atratino Côrtes Coutinho, comandante da 1.ª Companhia de Petrechos Pesados (CPPI), foi o autor do disparo que instalou o inferno na paisagem. A resposta veio das metralhadoras alemãs. Tiros encurralaram o capitão e sua tropa. Havia uma única saída: fugir pela janela dos fundos. Todos passaram. Chegou a vez do tenente José Maria Pinto Duarte. Ao pular, balas lhe alcançaram o corpo. Uma rajada apanhou o tenente no ar. Os tiros do inimigo não permitiram que o corpo do oficial fosse resgatado e enterrado. “O Atratino tentava arrastar, mas ele (Duarte) era muito alto, pesado, era difícil… Lembro quando (Duarte) falou: “Cuidem bem da minha filha’, como uma súplica”, diz João Gonzales, de 92 anos (em 2012), na época da guerra um terceiro sargento. Atratino não se conformava. Montou duas patrulhas para encontrar o corpo. Sem sucesso. Cansado, escreveu: “O moral da tropa foi abalado pelos insucessos causados pelo contra-ataque inimigo”. A ideia de que era preciso enterrar Duarte atormentaria o capitão até o fim da guerra”.[25]

Soldados da FEB em posição de combate.

Outro oficial da FEB presente ao confronto de San Quirico foi o então capitão Moziul Moreira Lima, que deixou o seguinte registro – “O Destacamento da FEB conquistou Barga e tentou conquistar as alturas dos Montes Quíricos (SIC) e infelizmente essa tentativa terminou em revés sério e serviu-nos como um grande ensinamento. Casualmente eu estava lá, junto do comandante do 1º Batalhão do 6º RI (Regimento de Infantaria), Major João Carlos Gross, meu grande amigo. A ordem fora conquistar aquelas alturas. Era uma conquista difícil, um terreno escarpado e o Comandante do Batalhão foi comigo ao Quartel-General pedir que ficasse à disposição da Unidade, uma Companhia de muares, porque ele achava difícil levar munição e alimento quando estivéssemos lá na crista do monte.

Poder de fogo de um militar da FEB com uma submetralahdora M3  “Grease Gun” e fitas de munição. Foi apontado para o autor desse texto que o militar da foto seria o sargento Rodoval Cabral da Trindade, mas sem confirmação.

Foi prometida essa Companhia de muares, mas a mesma não nos foi fornecida e com muito sacrifício o Batalhão conquistou aquela posição. Pela experiência que tínhamos das nossas guerras, quando escurecia as operações paravam e, conquistada a posição, o pessoal se preparava apenas para passar a noite. Pois nessa noite o alemão desencadeou um contra-ataque com uma Unidade de Choque, especializada em ataques noturnos. Essa Unidade veio em cima do flanco esquerdo do nosso dispositivo e fomos tomados de surpresa, inesperadamente e sem a munição necessária. Foi uma surpresa total, o Batalhão começou a recuar pelo flanco esquerdo e foi nessa ocasião que morreu o tenente Pinto Duarte. Dois oficiais se atiraram por uma janela para não caírem prisioneiros, ele e o capitão Atratino, que era o Comandante da Companhia. O tenente foi ferido numa perna e na barriga e não conseguia se locomover, o Atratino procurou carregá-lo, mas não conseguiu e o corpo teve que ficar insepulto naquele local. Com esse revés ficou evidente que deveríamos nos reajustar muito rapidamente ao modo de combater de elementos que já tinham no mínimo cinco anos de experiência de guerra, enquanto estávamos começando a adquirir a nossa naqueles combates” [26].

Tropa do 2º Pelotão, da 8º Companhia, do 6º Regimento de Infantaria da FEB. É provável que alguns dos fotografados estiveram no combate de San Quirico – Foto devidamente cedida pelo Museu da Imagem e do Som da Associação Nacional da FEB.

O então capitão Hélio Portocarrero de Castro foi outro oficial da FEB que lutou em San Quirico naquela madrugada e deixou o seguinte registro – “Cheguei no 2º Escalão e, logo em seguida, fui designado para assumir o Comando da 7ª Companhia, 3º Batalhão do referido 6º Regimento de Infantaria. Não tive nenhuma adaptação. Segui direto, assumi o comando num ataque ao Morro de San Quirico. Foi um batismo de fogo sui-generis. Ataquei e fui contra-atacado violentamente pelos alemães. Eles avançavam gritando Heil Hitler! Portavam suas “lurdinhas” (apelido), excelentes metralhadoras de mão, com uma violenta cadência de tiro. Suas rajadas se assemelhavam a uma gargalhada. Algum soldado brasileiro colocou esse apelido nessa arma e pegou. Toda a FEB a designava pelo nome de “lurdinha”. [27]

Soldados da FEB.

O soldado José Otaviano Soares, que morava na rua Dr. Betim, 315, Vila Marieta, em Campinas, São Paulo, tempos depois comentou ao correspondente de guerra americano Henry Bagley, da Associated Press, que naquela madrugada estava com outros dezesseis companheiros da 8º Companhia, do 16º Regimento de Infantaria, quando “capturaram uma casa na aldeia de San Quirico, ao norte de Barga, no vale do rio Serchio, mas os alemães contra-atacaram pela madrugada de 31 de outubro. O inimigo concentrou um fogo de morteiro e metralhadoras contra a casa, matando um e ferindo oito, inclusive José Soares, que foi ferido por estilhaço de morteiro desde o pé ao ombro esquerdo, bem como dois fragmentos maiores na perna direita”. José Soares foi capturado bastante ferido, mas se recuperou em um campo de prisioneiros na Itália, de onde foi libertado ao final do conflito. Ao retornar ao encontro da sua tropa, concedeu essa entrevista a Henry Bagley[28].

Foto ilustrativa de soldados da FEB em uma cidade italiana e sobre um veículo de combate.

O que sabemos da participação do sargento Rodoval são informações muito limitadas, mas é certo que durante o tiroteio o seu pelotão recuou de sua posição original, talvez a mesma casa onde estava o capitão Atratino, ou alguma outra que foi “requisitada” para descanso. É provável que Rodoval tenha continuado na casa para cobrir a retirada dos seus companheiros. A vivenda foi então cercada pelos alemães. Tudo indica que o potiguar, mesmo com sua munição escasseando, ficou na casa até o último disparo. Os registros existentes não explicam como, mas Rodoval manteve a calma e de alguma forma conseguiu romper o cerco para retornar as linhas brasileiras. Sabemos que na madrugada de 31 de outubro de 1944 predominava a lua cheia no norte da Itália, o que possibilitou aos participantes daquele combate vantagens e desvantagens. Talvez o sargento potiguar tenha utilizado o luar para sair vivo daquela complicada situação. Ao sobreviver a esse combate Rodoval foi agraciado com a medalha da Cruz de Combate de 2ª Classe, destinada a participantes de feitos excepcionais praticados em conjunto por vários militares.[29]

Para Sílvio Fonseca a localidade de San Quirico era “uma importante posição dominante que os alemães tentaram inutilmente conservar em seu poder”. Tanto era importante que os nazistas e fascistas executaram o contra-ataque. O jornalista informou que os brasileiros resistiram a três investidas dos inimigos, mas na quarta recuaram.[30]

O complicado terreno de luta da FEB na Itália.

Segundo a falecida historiadora paranaense Carmen Lúcia Rigoni, na página 122 de sua interessante tese de mestrado intitulada La forza di spedizione brasiliana” (FEB) – Memória e história: Marcos na monumentalistica italiana, defendida 2003 na Universidade Federal do Paraná, informou que no momento da ocupação de San Quirico pelos membros da FEB o ambiente entre eles era de “otimismo”. Contudo a autora aponta, através de relatos de participantes, que “ninguém no comando se apercebia de que os combatentes estavam no limite e o cansaço era extremo”. A autora também conseguiu a informação que o “otimismo exacerbado e a subestimação do inimigo” estavam na ordem do dia dos brasileiros. E continua Carmen Lúcia Rigoni – “Segundo as narrativas de diversos veteranos, a frente de combate era muito extensa e o terreno criava todo o tipo de dificuldades, em razão da topografia ser acidentada, e era de difícil acesso. O transporte de víveres e munição para a tropa, debaixo de chuva, comprometia as reservas, entre outras questões afeitas ao comando” (Pág. 122).

Soldados da FEB.

Em outra parte do seu trabalho Carmen Lúcia Rigoni comentou o final da luta – “Diante das intempéries climáticas daquela jornada e da falta de munição e mais a desorganização do comando, a FEB se retira, deixando sobre o terreno mortos, feridos e muitos prisioneiros. As brigadas italianas sofreram também pesadas baixas. Os mortos e prisioneiros do efetivo de 200 homens da Companhia Aosta somaram-se mais de 80 homens” (pág. 126).  

Como um jornal dos Estados Unidos comentou as vitórias da FEB em outubro de 1944.

A Morte em Voghera

A partir desse momento da história da FEB na Itália não consegui encontrar mais nenhuma referência sobre o sargento Rodoval Cabral da Trindade.

Soldados da FEB em uma aparente comemoração, com instrumentos musicais em um caminhão de transporte. Talvez algo alusivo ao final da guerra.

Finalmente a Guerra na Europa se encerra em 8 de maio de 1945 e a Força Expedicionária Brasileira se preparava para retornar ao Brasil. É quando o sargento Rodoval morre em um acidente de jeep em Voghera, uma cidade ao norte de Gênova, no dia 6 de junho de 1945. Das causas e razões do acidente automobilístico não consegui nenhuma informação. 

Apenas descobri que Rodoval não foi o primeiro membro da FEB a morrer nessa estrada. No dia 8 de maio de 1945, no Dia da Vitória, e praticamente um mês antes da morte de Rodoval, o segundo sargento Fábio Pavani, de Capivari, São Paulo, faleceu ao cair da viatura em que estava se deslocando na mesma estrada de Voghera. Segundo a listagem de mortos da FEB, encontrada no texto intitulado Lista detalhada e ilustrada dos mortos da Força Expedicionária Brasileira na Campanha da Itália, constam os nomes de 34 militares que morreram em acidentes de veículos [31].

Para o pesquisador Durval Lourenço Pereira, essa situação ocorreu por várias razões. Desde a imperícia pura e simples dos motoristas da FEB, a complicada situação das estradas italianas, nevoeiro, fadiga, lama, neve, stress por dirigir em zona de guerra e outras mais.

Notícia da morte do sargento Rodoval em jornal de Natal.

Em Natal a notícia foi divulgada com bom espaço nos três principais jornais da cidade – A República, A Ordem e O Diário.  A única rádio da cidade, a REN – Rádio Educadora de Natal, noticiou extensivamente o falecimento do sargento Rodoval. Vários membros da comunidade foram pessoalmente até a casa da família externar os pêsames pelo ocorrido. Já o tenente coronel Edgar Alves Maia e o Dr. Jacob Wolfson, oftalmologista de renome e um dos líderes da comunidade judaica natalense, foram até a casa da família Cabral da Trindade levar o apoio da Comissão de Homenagem, Assistência e Recepção à FEB.[32]

Cemitério de Pistoia e o enterro de um combatente da FEB.

O corpo do sargento Rodoval Cabral da Trindade foi primeiramente sepultado no Cemitério Militar Brasileiro de Pistoia, na quadra D, fileira nº 1, sepultura nº 5. Depois seus restos foram transladado para o Rio de Janeiro, onde repousam no Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Aterro do Flamengo. No Rio Grande do Norte ele é lembrado com seu nome em uma rua em Ceará-Mirim e outra em Natal. Na capital essa artéria fica na Cidade Alta, vizinho a Igreja do Galo e perto de onde ele viveu.

Pessoalmente a história do sargento Rodoval me traz maravilhosas lembranças do meu tio-avô Luís de França Moraes, o nosso poeta e um devotado funcionário dos Correios e Telégrafos. 

Ainda garoto, foi dele que ouvi pela primeira vez os fatos ligados ao sargento Rodoval, até porque tio Luís moravam na Rua Laranjeira, número 18, a poucos metros da casa de Seu João Cândido da Trindade. Ele conheceu Rodoval, foi um dos que foram à casa de seu pai dar os pêsames pelo seu falecimento na Itália, esteve no enterro de Seu João em 1957 e chegou a trabalhar nos Correios e Telégrafos com José Augusto, Clotilde e Margarida, todos irmãos de Rodoval. Eu era muito jovem quando ouvi seu relato, mas jamais esqueci quando ele me narrou do orgulho que ele e todo o pessoal da Rua Laranjeira ficou ao saber que Rodoval tinha ido para a Guerra e da enorme tristeza que se abateu com a notícia da sua morte.

NOTAS

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[1] Ver O Poti, Natal-RN, ed. 06/07/1957, sábado, pág. 3.

[2] Ver A Ordem, Natal-RN, ed. 14/03/1940, quinta-feira, pág. 2. Não encontramos nenhuma outra indicação de fonte de renda desse funcionário público para sustentar sua família.

[3] Ver Galvão, Claudio. O nosso maestro: biografia de Waldemar de Almeida – Natal, EDUFRN, 2019, pág. 97.

[4] O antigo Tiro de Guerra 18 não existe mais, contudo esse tipo de organização é bastante presente em outros estados brasileiros e no Rio Grande do Norte ainda existe um em Mossoró, com mais de 120 anos de atuação.

[5] Ver O Poti, Natal-RN, ed. 09/08/1981, domingo, pág. 14.

[6] A Escola Técnica de Comércio foi fundada em 1919 pelo professor Ulysses de Góis. Em dezembro de 1950 essa escola se mudou da Rua João Pessoa para a Avenida Junqueira Aires, 390, na Ribeira e serviu de embrião para a criação da Faculdade de Ciências Contábeis e Atuariais de Natal em 1957.

[7] Ver A Ordem, Natal-RN, ed. 17/07/1945, quarta-feira, pág. 4.

[8] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 26/07/1941, sábado, pág. 10.

[9] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 17/01/1943, domingo, pág. 14. A ordem veio através do Boletim Interno nº 13, de 16/01/1943.

[10] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 16/03/1943, terça-feira, pág. 6. A ordem veio através do Boletim Interno nº 62, de 15/03/1943.

[11] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 14/08/1943, sábado, pág. 8.

[12] Enciclopédia da II Guerra Mundial, Editora Globo, Livro VI, páginas 285 e 286, 2ª edição, 1956.

[13] Informações transmitidas oralmente por José Renato Coelho ao autor. Renato é filho do soldado Coelho, já falecido.

[14] Diário de bordo do USS General A. W. Mann, 2 de julho de 1944, pág. 2.

[15] Sobre essa questão ver https://www.vqronline.org/essay/question-leadership-5th-army-italy (em inglês).

[16] Mais detalhes sobre a 232º Divisão, ver https://www.axishistory.com/

 [17] A divisão Monterosa nasceu em 1 de janeiro de 1944 em Pavia, mas foi mobilizada apenas em 15 de fevereiro do mesmo ano. Em 16 de julho Benito Mussolini entregou a bandeira aos regimentos em Münsingen, Alemanha, no final do período de treinamento realizado com padrões germânicos. Era composta por cerca de 20.000 homens, dos quais 20% provenientes do Exército Real Italiano, que se rendeu aos Aliados em 1943. Foi criado pelos líderes fascistas da chamada República Social para combater nas montanhas ao lado do exército alemão e suas armas vieram dos armazéns da Wehrmacht. A divisão voltou à Itália em julho de 1944 e ficou na área da Ligúria, para neutralizar um possível desembarque das forças aliadas. Posteriormente foi transferido para a Garfagnana entre o rio Serchio e os Alpes Apuanos, combatendo as unidades brasileiras da FEB e outras forças do 5º Exército.

[18] Ver A Noite, Rio de Janeiro, ed. 27/04/1946, sábado, pág. 8.

[19] Segundo o ótimo material produzido pelo escritor e pesquisador Durval Lourenço Pereira, que apresenta um interessante e didático roteiro do avanço da FEB, os locais e as datas das conquistas da foram as seguintes – 11/10/1944 – Ocupação de Barga e Gallicano; 24.10.1944 – Ocupação de Sommocolonia; 25.10.1944 – Ocupação de Trassilico e Verni; 28.10.1944 – Captura de Monte Facto; 29.10.1944 – Ocupação de Colomini; 30.10.1944 – Conquista de San Quirico, Lama di Sotto, Lama di Sopra, Pradoscello e Pian de Los Rios. Ver https://memorialdafeb.com/2012/05/15/roteiro-da-feb-na-italia-o-destacamento-feb2/

[20] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 02/11/1944, quinta-feira, pág. 1

[21] No entorno de San Quirico já foram encontrados marcos do Império Romano e até ferramentas do neolítico, que apontam uma antiguidade muito mais ampla.

[22] Sobre San Quirico e sua história ver https://digilander.libero.it/sanquiricovalleriana/lastoria.htm  https://www.ilturista.info/guide.php?cat1=4&cat2=8&cat3=5&cat4=142&lan=ita

[23] Na área de operações da 65ª Divisão foram identificados 26 atos separados de violência onde civis italianos foram sumariamente mortos. Em junho de 1944 aconteceram cinco massacres (18 vítimas), três em julho (22 vítimas), nove em agosto (42 vítimas, entre estas as de San Quirico), oito em setembro (125 vítimas, o pior mês) e um em outubro de 1944 (2 vítimas). Entre 28 e 30 de setembro, em Ronchidoso, na região da Emilia-Romagna, foram executados 66 civis pelos homens da 65º Divisão, que nesse caso atuaram juntos com membros da 42ª Divisão Jäger. Várias dessas execuções foram represálias precipitadas pela morte de soldados alemães por guerrilheiros do movimento de resistência italiano, que surgiu no norte da Itália para se opor ao estado fantoche fascista. Mas os revisores dessas histórias, muitos deles neonazistas disfarçados de pesquisadores, comentam que muitos dos relatórios carecem de evidências dos perpetradores específicos. Minimizam que esses relatórios apenas apontam que os assassinatos ocorreram na área de operações da 65ª Divisão. Pode até ser que esses argumentos sejam verdadeiros, mas fica difícil justificar que ao longo de cinco meses, na área de atuação dessa divisão, ocorreram 26 massacres de gente detida e desarmada, com um total de 205 vítimas. Ver – https://en.wikipedia.org/wiki/65th_Infantry_Division_(Wehrmacht)#Partisan_warfare_and_alleged_war_crimes

[24] A memória da tragédia continua presente naquela gente até hoje, onde todos os dias 19 de agosto existe uma comemoração em Pescia rememorando o que ocorreu em San Quirino e em outras comunidades da região. Ainda sobre o massacre de San Quirico ver o documento existe neste sítio da internet – http://www.straginazifasciste.it/wp-content/uploads/schede/SAN%20QUIRICO%20IN%20VALLERIANA%20PESCIA%2019.08.1944.pdf

[25] Ver https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,na-linha-de-frente-a-historia-da-primeira-tropa-a-lutar-na-italia,921569

[26] História oral do Exército na Segunda Guerra Mundial / Coordenação geral de Aricildes de Moraes Motta. – Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2001. T. 3. Págs. 56 e 57. O capitão Moziul Moreira Lima era gaúcho de Cruz Alta e alcançaria o posto de general de brigada do Exército Brasileiro.

[27] História oral do Exército na Segunda Guerra Mundial / Coordenação geral de Aricildes de Moraes Motta. – Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2001. T. 4. Págs. 70 e 71. O capitão Hélio Portocarrero de Castro era natural da cidade do Rio de Janeiro e alcançaria o posto de divisão do Exército Brasileiro.

[28] Ver O Jornal, Rio de Janeiro, ed. 30/05/1945, quarta-feira, pág. 8.

[29] Sobre a atribuição dessa medalha e sobre os 68 sargentos do Exército Brasileiro mortos na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, ver o interessante trabalho Os 68 sargentos mortos em operações de guerra, do coronel Cláudio Moreira Bento, em http://www.ahimtb.org.br

[30] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 02/11/1944, quinta-feira, pág. 1

[31] Ver https://xdocs.com.br/doc/lista-detalhada-e-ilustrada-dos-mortos-da-fora-expedicionaria-brasileira-na-campanha-da-italia-4ol2mkp55ynm Infelizmente não descobri o autor desse trabalho.

[32] Ver A Ordem, Natal-RN, ed. 04/08/1945, sábado, pág. 2.

UMA PEQUENA HISTÓRIA DOS RESTAURANTES DE NATAL E O “ACAPULCO” DE RÔMULO MAIORANA

Rostand Medeiros – Escritor e Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

Quando a Segunda Guerra terminou os comerciantes de Natal perceberam que logo os tempos de fartura proporcionado pela presença das tropas norte-americanas na cidade, com muitos dólares nos bolsos e nas mãos, chegaria ao fim. Fato que efetivamente aconteceu quando os últimos gringos partiram em 1947.

Oficiais militares brasileiros e possíveis técnicos americanos norte-americanos, no restaurante do Grande Hotel – Foto – Life Magazine

Mas muitos setores da cadeia produtiva da cidade aproveitaram a circulação dessa gente por aqui, principalmente o de bares e restaurantes. Que nutria expectativas positivas em relação ao futuro, pois nessa época Natal havia chegando aos 100.000 habitantes.

Apesar de todo esse movimento e otimismo, ao analisarmos os antigos jornais percebemos um elevado número de reclamações dos frequentadores dos restaurantes locais.

Lugares Para se Comer, dar Tiros e Brigar

No velho bairro da Ribeira existia um local que para alguns era apenas um café, para outros um restaurante, mas o certo é que no final da década de 1940 o “Cova da Onça” era um dos pontos mais tradicionais da cidade. Com bons quinze anos de funcionamento, ficava localizado na Avenida Tavares de Lira, bem próximo ao Rio Potengi, sendo um ambiente muito ligado às questões políticas da cidade. Basicamente era frequentado por homens, sendo também “um ponto de intercâmbio da grei intelectual da terra”, como certa vez comentou o escritor natalense Francisco Amorim.

Mas na década de 1930, como muita coisa que se relacionava com a política local era motivo para extremas violências, o “Cova da Onça” também teve seu momento de medo e tensão.

Na manhã do dia 29 de outubro de 1935 estava deixando Natal o bacharel em Direito Mário Leopoldo Pereira da Câmara, que desde 2 de agosto de 1933 exercia a interventoria federal no Poder Executivo do Rio Grande do Norte. Seu governo foi marcado por muitas obras, mas também por despotismo, radicalismo, extremismo e violência, até que a oposição local manobrou para lhe apear do poder e Getúlio Vargas o chamou de volta ao Rio de Janeiro.

Nesse dia Mário Câmara se dirigiu ao cais da Avenida Tavares de Lira para embarcar em um hidroavião da empresa aérea Sindicato Condor, sendo seu carro acompanhado por um grande número de membros da Guarda Civil, órgão de segurança pública criado por ele anos antes. Justamente ao passar em frente ao “Cova da Onça”, os adversários cobriram na vaia o ex-interventor e os membros dessa força policial. Diante da afronta esse pessoal armado não contou conversa e, em meio a tensão reinante, sacaram de suas armas e mandaram bala em direção ao restaurante. Na confusão teve até padre de Parabélum na mão, que abriu fogo contra outros cristãos. Por milagre, só quatro ficaram feridos.

Não está acreditando que na bela e tão decantada Natal do passado existiam esses arroubos de violência política? Então veja essa foto acima, de uma das páginas do processo aberto sobre os fatos ocorridos naquele dia, com o depoimento do comerciante José Mesquita.

Voltando aos restaurantes…

Nesse final da década de 1940, quando a Ribeira era muito frequentada e o transporte ferroviário tinha uma atuação muito intensa, com linhas de trens chegando ao distante interior potiguar, dentro da Estação Ferroviária da Central, na Praça Augusto Severo, existia o “Restaurante Café-Central”, com serviço de bar e restaurante, onde se destacava um farto almoço e um gostoso “Café Expresso” para o público que embarcava e desembarcava dos vagões.

Área do Grande Ponto, no centro de Natal, em 1941 – Foto – Life Magazine

Nesse período o principal restaurante da cidade ficava na esquina das ruas João Pessoa e Princesa Isabel, no centro da cidade e pertinho da área conhecida pelos natalenses como Grande Ponto. O local se dividia entre restaurante e sorveteria e se chamava “Cruzeiro”, pertencendo a Afonso China, tendo a parte operacional ficado a cargo de Francisco de Assis Bezerra. Essa casa abriu em fevereiro de 1945, onde ali aconteceram muitos eventos importantes do “Grand Monde” da cidade.

Pertinho dali existia o “Bar e Restaurante Grande Ponto”, do qual consegui poucas informações. As mais relevantes foram duas e que nada comentaram sobre questões gastronômicas. Em maio de 1947, provavelmente por razões ligadas à política, os bacharéis de Direito Romildo Fernandes Gurgel e João Medeiros Filho saíram no bofete dentro desse local. Um ano depois estavam respondendo ao competente processo, que seguia tendo à frente o promotor Aderson Dutra Lisboa. A bronca judicial, como era normal, não deu em nada, mas o restaurante palco do pugilato de tão nobres figuras foi logo posto à venda [1].

Tempos depois um articulista desconhecido reclamou que esse local deixou de ser um restaurante para se tornar um salão de bilhar e sinuca e que tal fato também tinha acontecido anteriormente com uma popular sorveteria chamada “Rio Branco”, na avenida homônima, que deixou de vender gelados para se tornar um salão de esporte de tacos e bolas [2].

Havia o “Restaurante Rinder Bar”, também conhecido como “Restaurante de Areia Preta”, localizado na praia do mesmo nome, que tinha boa comida, principalmente frutos do mar. Mas naquela época o lugar era considerado tão longe da cidade que em maio de 1946, quando ali foi organizado um jantar para homenagear o Sr. José Anselmo, novo diretor dos Correios e Telégrafos, foi necessário disponibilizarem um ônibus no Grande Ponto para levar os convidados [3].

Na Rua João Pessoa, número 118, funcionava o “Restaurante Dois Amigos”, vizinho ao “Taco de Ouro” (outro bilhar), creio que na área da atual Praça Kennedy, antiga Praça das Cocadas. Era pequeno, mas muito conceituado e tinha ótima comida, sendo muito bem frequentado.

Segundo me informou o amigo Vidalvo Silvino da Costa, o querido Dadá, empresário de sucesso, proprietário da renomada Cachaça Samanaú e grande referência da cidade seridoense de Caicó, seu irmão Ridalvo Costa, Desembargador Federal da 5ª Região, frequentou quando jovem o Restaurante Dois Amigos e lembrou algumas coisas interessantes sobre esse local.

Apesar do nome do estabelecimento, havia uma sociedade que envolvia três seridoenses. Dois deles eram os irmãos Neo e Eustáquio, donos da camisaria União e naturais da cidade de Parelhas, e Antônio Alves da Costa, cunhado dos dois irmãos e tio de Ridalvo e Dadá. Para Ridalvo o Restaurante Dois Amigos foi o primeiro que ele conheceu. Possuía mesas pequenas com toalhas brancas, serviam pães em rodelas, acompanhados de manteiga em pequenos recipientes de vidro. Ele comentou que nunca tinha visto manteiga de lata e nem camarão, mas viu e degustou essas novidades no Dois Amigos.

Foto – Coleção Eduardo Alexandre Garcia.

Na antiga Praça Pio X, onde hoje se ergue a Catedral de Natal, existia um restaurante, ou uma peixada, bem no meio da praça e que tinha uma arquitetura bem peculiar, sendo o prédio conhecido como “avião”. Era pequeno e aparentemente muito simples, mas existem inúmeras referências de encontros sociais e recepção de ilustres visitantes neste local. Como não tinha nada melhor pelo preço cobrado, levavam para esse mesmo. O lugar era conhecido nessa época como “Restaurante da Praça Pio X”, ou “Restaurante Noturno”, pois como a praça não tinha árvores e o calor era grande durante o dia, ele só abria a noite. Também encontrei referências que chamavam o local como “Peixada do Gabriel”. E como tudo nesse estabelecimento se ligava a Igreja, ele deixou a Pio X em 1955 e abriu suas portas na Praça Padre João Maria [4].

Muitas Reclamações

De maneira geral era isso que havia para degustar em Natal, com certo nível de qualidade. Mas quando lemos a quantidade de críticas sobre os restaurantes na urbe, percebemos que a situação era um tanto complicada nesse setor.

E críticas sobre essa questão vinham de todos os lados!

Começamos pelo Mestre Luís da Câmara Cascudo, que em uma “Acta Diurna” denominada “Natal precisa de cardápio…”, afirmava que Natal precisava “ter o direito de conquistar um cardápio brasileiro” e que era “preciso estabelecer dias certos para os pratos nacionais e divulgar na imprensa quais são esses dias”. O ilustre escritor, no alto dos seus conhecimentos sobre a alimentação no Brasil, afirmou que essa ideia não se tratava de “modificar o paladar, mas de ampliar os conhecimentos culinários e degustativos do cidadão natalense”.

Ele não reclamava de uma alguma possível invasão de comida yankee nos pratos natalenses, mas da “uniformização dos cardápios” existente nos restaurantes locais. Para ele isso era uma “catástrofe”. O interessante é que o exemplo que Cascudo apresenta para essa uniformização, ainda vemos a rodo nos “PFs” da vida. – “Fatalmente encontramos os mesmos pratos, com o mesmo arroz embolado e o mesmo falso churrasco com farinha amarela”.

Foto atual do restaurante “Farrta Brutus”, em Lisboa, comentado em 1948 por Câmara Cascudo como um exemplo de restaurante a ser seguido em Natal – Fonte – https://www.tripadvisor.com.br/Restaurant_Review-g189158-d983771-Reviews-Farta_Brutos-Lisbon_Lisbon_District_Central_Portugal.html.

Como referência do que poderia ser feito em Natal, Cascudo comentou que, através de informações que recebeu de oficiais norte-americanos servindo na capital potiguar, conheceu em Lisboa um restaurante maravilhoso. O lugar se chamava “Farta Brutus”, era muito bem recomendado por não abrir mão da tradicional culinária lusitana, com muita variedade e alta qualidade do que era oferecido [5].

O interessante é que o “Farta Brutus” ainda funciona no mesmo local desde 1904, mais precisamente no Bairro Alto, Travessa da Espera, número 20. Atende com a mesma proposta do passado, mantendo a mesma qualidade e atraindo uma clientela fiel. Entre estes o escritor português José Saramago, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1998 e falecido em 2010, que tinha até uma mesa preferida no salão principal da casa [6].

Uns dois meses antes de Cascudo publicar essa “Acta Diurna”, no mesmo texto que um autor desconhecido reclamou da transformação do restaurante “Grande Ponto” em salão de sinuca, ele realizou uma severa crítica sobre os restaurantes de Natal. E o cidadão “rasgou o verbo”.

Afirmou que apesar de existirem muitos bares e restaurantes na cidade, nenhum deles “estava à altura do nosso progresso”. Reclamou da apresentação de pratos e talheres nesses estabelecimentos, onde existiam “xícaras de beira tiradas” e lamentava o “descuido” com a conservação desses lugares. Já as cozinhas normalmente estavam abertas, mas não primavam pela limpeza. Com uma péssima impressão em relação ao asseio [7].

Um outro articulista, sem declinar o nome, não reclamou da questão do estilo dos pratos preparados, ou da conservação e limpeza dos restaurantes, mas chiou com os preços altos e o péssimo atendimento. Afirmou que comer fora em Natal no ano de 1948 era caro, talvez “a cidade no Brasil onde se paga muito pela alimentação e a que pior serve”.

Essa pessoa comentou essa questão no momento em que Natal perdia alguns voos internacionais que aqui realizavam suas paradas para reabastecimento, embarque e desembarque de passageiros. Como nessa época a questão da autonomia e velocidade dos aviões de transporte não contava com as vantagens tecnológicas dos dias atuais, muitas das aeronaves dessas empresas realizavam paradas de algumas horas em Parnamirim e seus passageiros pernoitavam em Natal. Pernoitavam mal e comiam pior! [8].

Uma charge publicada no Diário de Natal em 1949, sobre a situação dos restaurantes em Natal.

Em meio a essas situações, a cidade oferecia a possibilidade de sucesso para um empreendedor que tivesse a iniciativa de abrir um bom restaurante.

Uma Família de Italianos Que Aprendeu Que em Natal “Se Paga 20, Para não Ver o Outro Ganhar 10”

Provavelmente após o fim da Segunda Guerra, talvez em 1946, foi quando Francisco Maiorana veio junto com sua família para a capital potiguar, oriundos de Recife, Pernambuco. Na realidade seu nome era Francesco, mas aqui teve o nome abrasileirado para Francisco. Acredito que nasceu no final do Século XIX, ou nos primeiros anos do Século XX. Era oriundo do sul da Itália, da cidade de Totora, região da Calábria, província de Cosenza [9].

Em Recife ele era conhecido como “comerciante”, sendo casado com Angelina Chiappetta Miorana, que provavelmente também nasceu no sul da Itália. Eles tinham um filho de nome Rômulo Elégio Dario Severo Miorana Chiappetta, nascido em Recife no dia 20 de outubro de 1922. Sabemos que Rômulo tinha um irmão chamado Francisco (ou Francesco?), que se formou em economia, mas dele não obtive maiores informações.

Descobrimos também que esse casal de italianos morava na região da Várzea, zona oeste de Recife [10]. Inclusive para corroborar a localização onde vivia essa família, existe uma notícia de 1928 informando que Rômulo Maiorana, quando tinha apenas seis anos de idade, se destacou nos quesitos de “comportamento e aplicação”, no curso infantil do Colégio Oratório da Divina Providência, no bairro da Várzea, comandado na época pelas irmãs Magdalena e Veronica [11].

Os jornais não esclarecem qual era a atividade comercial que Francisco realizava, mas trazem bastante informações sobre a movimentada e respeitada “Escola de Corte e Alta Costura de Mademoiselle Angelina Maiorana”, que funcionava no primeiro andar do número 76, na Praça do Mercado São José, também conhecida como Praça Dom Vital, vizinho a Basílica da Penha [12]. E o negócio andava tão bem que encontrei a informação que Dona Angelina e o jovem Rômulo, então com 16 anos, partiram de Recife no transatlântico Oceania, em direção ao porto de Nápoles, Itália [13].

Provavelmente foi nesse momento que Rômulo ficou na Itália para estudar e foi envolvido pela participação desse país na Segunda Guerra. Ele foi incorporado ao exército de Mussolini, mas ficou na retaguarda, com a função de datilógrafo. Já sua família passou por dificuldades no Brasil.

Segundo uma notícia do jornal recifense Diário da Manhã, de 21 de agosto de 1942, Francisco Maiorana foi preso em Maceió, Alagoas, juntamente com outros oito homens, todos acusados de serem “Súditos do Eixo”, ou seja, simpatizantes do nazifascismo. Não sei se pesou nessa decisão o fato do seu filho se encontrar na Itália, envergando o uniforme do exército desse país.  

O certo é que em agosto de 1942 Francisco Maiorana esbarrou com o bacharel em Direito Ari Boto Pitombo, um dos mais severos e duros homens da lei em Alagoas durante o período da Ditadura Vargas.

Consta que após os afundamentos dos navios brasileiros nas costas dos estados de Sergipe e da Bahia, que levaram à morte de mais de 500 pessoas, o Dr. Pitombo mandou encarcerar mais de 30 “súditos dos países totalitários” e colocou esse pessoal todo para trabalhar de enxada na mão, abrindo valas nos bairros de Maceió para o “Serviço da Malária” e sob guarda fortemente armada [14].

Alemães e italianos presos e no trabalho forçado em Maceió.

Não sabemos a razão de Francisco Maiorana ficar preso na “Terra dos Marechais”, mas é importante ressaltar que em nossa pesquisa nos jornais disponíveis no Arquivo Nacional e na Biblioteca Nacional, não encontrei a menor referência que ele tenha atentado contra a integridade da nação brasileira em Estado de Guerra.

Tudo indica que para ele e sua família a situação foi muito pesada. Com o fim da Segunda Guerra e o retorno do seu filho Rômulo da Europa, eles decidiram se mudar para Natal.

Na capital potiguar Francisco Maiorana abriu as portas de um comércio na Rua Princesa Isabel e o batizou de “Casa Vesúvio”. O nome era em alusão ao Monte Vesúvio, um dos mais ativos e perigosos vulcões do mundo, que fascina os italianos do sul, fica a poucos quilômetros do centro da cidade de Nápoles e a cerca de 200 km ao norte de Totora.

Os Maiorana trabalhavam bastante no seu comércio, vendendo roupas, perfumarias, miudezas, bicicletas, plásticos, rádios valvulados, brinquedos e muito mais. Era uma típica loja daquelas “tem de tudo” e por preços em conta. Mas eu percebi que conforme os Maiorana cresciam, aqueles italianos começaram a incomodar.

Foto – Coleção Eduardo Alexandre Garcia.

Infelizmente Natal é uma cidade conhecida pela inveja e mau-caratismo para com os comerciantes que crescem trabalhando. Tanto que por aqui se criou uma expressão onde se diz que “fulano paga 20, para não ver o outro ganhar 10”. E logo os Maiorana aprenderam essa lição!

Uma pessoa que se identificou apenas como “Um leitor”, escreveu no jornal católico natalense A Ordem, que os proprietários da “Casa Vesúvio” não respeitavam do descanso dominical, trabalhando nesses dias e que durante a semana só fechavam o estabelecimento após as 19 horas e assim desrespeitavam a “legislação municipal” [15].

Eu não descobri se os Maiorana pagavam corretamente aos seus funcionários por horários extras, mas não encontrei reclamações desses trabalhadores junto ao Sindicato dos Comerciários, que era bem ativo e forte nesse período. E vale frisar que a reclamação desse dito “Um leitor”, em nenhum momento comentou qualquer preocupação com a situação dos trabalhadores de Francisco Maiorana.

Centro de NatalFoto – Coleção Eduardo Alexandre Garcia.

O certo é que um ano depois esse mesmo jornal divulgava, até com destaque, que a “Casa Vesúvio” havia ofertado “10 saquinhos de pipocas” para um sorteio do “Suplemento do Boletim Católico”, a página infantil publicada semanalmente pelo jornal. Não sei se os Maiorana continuaram abrindo nos horários e dias que geraram a reclamação, mas o certo é que não surgiram mais publicações negativas para a “Casa Vesúvio” nesse jornal [16].

É fácil perceber que a firma dos Maiorana teve um crescimento e ascensão muito rápido na capital potiguar no final da década de 1940. Daí, quem começa a surgir nas páginas dos jornais é Rômulo, que se aproximava dos 30 anos de idade.

Esquina das ruas João Pessoa e Princesa Isabel, no centro de Natal, onde funcionou o restaurante “Acapulco” – Foto – Google Street Wiel

Três situações parecem ficar patentes em relação a Rômulo e sua convivência com Natal e sua gente – A sua paixão pelo carnaval, pelo América Futebol Clube e por cultivar bons relacionamentos e amizades. Talvez por essas razões (e outras que desconheço) ele decidiu abrir nos primeiros meses de 1950 um tipo de negócio que estava bastante carente em Natal – Um restaurante com um elevado padrão de qualidade.

O “Acapulco”

Aproveitando que o restaurante “O Cruzeiro” havia fechado na esquina das ruas Princesa Isabel com João Pessoa, Rômulo Maiorana negociou o ponto. No dia 30 de março de 1950, uma quinta-feira, abriu um novo restaurante que ele denominou “Acapulco”.

Consta que ele se aliou com um húngaro chamado Zoltan Fried, que havia deixado a cidade de Kisvárda em 1946, certamente quando começou a perceber que o seu país caminhava para se transformar na República Popular da Hungria, fato que efetivamente aconteceu em 18 de agosto de 1949. Aparentemente ele procurou refúgio na Itália, pois morava na cidade de Florença, na Via Pandolfini, número 27. Em 21 de outubro de 1946 conseguiu o visto no Consulado do Brasil em Livorno e veio para o nosso país. Certamente esse húngaro chegou em Natal após ter tido algum nível de contato com Rômulo na Itália.

Em Natal já existiam locais que ofereciam um “chá das cinco”, até bombonieres e charutarias bem sortidas. O que aparentemente o “Acapulco” trouxe de diferente foi reunir tudo isso em um único local junto ao atendimento implementado pelo húngaro Zoltan.

Os dois sócios começaram a oferecer sistema de “delivery”, além de quase 50 pratos diferentes, com destaque para o “Filé Acapulco”, e mais de 30 tipos de sobremesas. Eles tinham uma adega bem sortida com vinhos portugueses, franceses, italianos, chilenos e nacionais. Logo a classe política se fez presente no restaurante “Acapulco”, conforme podemos ver na nota abaixo.

Além dos políticos, os jornalistas eram frequentadores habituais do local. Uma noite Aderbal de França, o conhecido cronista “Danilo”, chegou acompanhado de Veríssimo de Melo e Waldemar Araújo. Gostaram do que viram, do que comeram e “Danilo não economizou nos comentários positivos ao restaurante – “Convenhamos que numa cidade onde praticamente não existem hotéis e as casas de pasto primam sempre pelo péssimo serviço que oferecem e pela mais absoluta falta de higiene, um restaurante e quem se esforça por servir bem a clientela tem o direito de sobrevivência”.

“Danilo” também comentou que no “Acapulco” foram todos muito bem atendidos por Rômulo Maiorana, que colocou um garçom chamado Menezes, que os frequentes fregueses do meio político acharam de chamá-lo de “Senador” [17]. 

O “Acapulco” se tornou a nova coqueluche de Natal e começou a ser frequentado até pelos artistas de renome nacional e internacional que vinham se apresentar na cidade.

Um ano depois de inaugurado chegaram ao restaurante as cantoras paulistas Hebe Camargo e Lolita Rodrigues, acompanhadas do cantor italiano Ernesto Pietro Bonino. Esse trio realizou três noites de apresentações no palco da Rádio Poti de Natal, a ZYB-5, com grande sucesso de público [18]. Mas, segundo os jornais locais, foi a cantora Ademilde Fonseca, potiguar de São Gonçalo do Amarante e conhecida como “Rainha do Chorinho”, que verdadeiramente roubou a cena. Ademilde morava no Rio de Janeiro desde 1941, sendo a primeira cantora nordestina a encantar o país com esse gênero gracioso, brejeiro e bastante difícil de ser cantado.

Logo o “Acapulco” se tornou o ponto de referência dos artistas locais. Em 28 de janeiro 1952 o teatrólogo Inácio de Meira Pires lançou uma peça chamada “Alguém chorou a perdida“, escrita por Jaime dos G. Wanderley. Meira Pires se apresentou sozinho, interpretando os dramas do personagem “Evaldo”, que ele apontou como sendo “um homem só, com o seu desespero”. A apresentação foi um sucesso, sendo o cenário e o cartaz criações do pintor Newton Navarro.

Depois da apresentação Meira Pires, Wanderley, Navarro e Celso da Silveira, que contribuiu para a apresentação teatral, chegaram por volta das 23 horas no “Acapulco” para comemorar. O jantar contou com a participação de várias personalidades, como Aldo Cavet, Diretor do Serviço Nacional de Teatro, que veio do Rio de Janeiro para o lançamento. Além dele políticos da terra como Aluízio Alves e seu irmão Garibaldi estiveram presentes. Otoniel Menezes, apresentado pelos jornais como “príncipe da poesia potiguar”, declamou versos no “Acapulco” que foram apreciados por todos.

No Pará

Apesar do sucesso do empreendimento, ainda em 1952 Rômulo Maiorana deixou a sociedade desse restaurante e logo se mudou para o norte do país, para a cidade de Belém, no Pará. Não descobri a razão para isso!

Rômulo Maiorana

Lá ele esteve envolvido em vários negócios comerciais e se tornou dono de um jornal chamado “O Liberal” e anos depois criou o “Grupo Liberal”, que atualmente é o maior grupo de comunicação do estado do Pará e o 9.º maior grupo de comunicação do Brasil.

Nos jornais potiguares estão registradas várias visitas de Rômulo Maiorana a Natal e em várias ocasiões ele recebeu os muitos amigos natalenses que estiveram em Belém. Como foi o caso de Aderbal de França, que lá esteve em 1957 e lembrou essa visita anos depois [19]. 

Apesar de Rômulo Maiorana ser um homem de jornalismo muito respeitado no norte do país, ter muitos amigos em Natal e manter boas relações com os órgãos de imprensa do Rio Grande do Norte, quando ele faleceu aos 63 anos, no dia 22 de abril de 1986, me causou estranheza ter sido publicado praticamente nada sobre esse fato. 

Rômulo Maiorana conseguiu muito sucesso na área de comunicação no Pará.

Se não fosse seu amigo Mozart de Almeida Romano ter mandado rezar uma missa de sétimo dia pelo seu falecimento e o jornalista Vicente Serejo ter publicado uma nota sobre essa missa na sua coluna “Cena Urbana”, do jornal dominical O Poti (ed. 27/04/1986), muita gente em Natal desconheceria sobre o seu passamento. 

Atualmente uma rua no Conjunto Morada Nova, no bairro de Felipe Camarão, homenageia o jornalista Rômulo Maiorana.

NOTAS


[1] Ver Diário de Natal, edições de 14/03/1948, domingo, p. 12 e 11/04/1948, domingo, p. 7.

[2] Ver Diário de Natal, ed. 05/08/1948, sexta-feira, p. 3.

[3] Ver A Ordem, Natal-RN, ed. 01/03/1946, terça-feira, p. 4.

[4] Ver Diário de Natal, edição de 17/02/1950, sexta-feira, p. 6. e o jornal O Poti, 02/12/1955, sexta-feira, p. 3.

[5] Ver Diário de Natal, ed. 02/07/1948, sexta-feira, p. 2.

[6] Sobre o Restaurante “Farta Brutus” de Lisboa, ver – https://www.tripadvisor.com.br/Restaurant_Review-g189158-d983771-Reviews-Farta_Brutos-Lisbon_Lisbon_District_Central_Portugal.html

[7] Ver Diário de Natal, ed. 05/08/1948, sexta-feira, p. 3.

[8] Ver Diário de Natal, ed. 10/08/1948, terça-feira, p. 4. 

[9] Ver Diário de Natal, ed. 21/11/1972, terça-feira, p. 8. Existe uma outra informação, não confirmada, de que Francisco seria da cidade de Aieta, ao sul de Totora.

[10] Ver Diário de Pernambuco, ed. 31/12/1930, quarta-feira, p. 3.

[11] Ver Diário de Pernambuco, ed. 05/12/1928, quarta-feira, p. 4.

[12] Ver Diário da Manhã, Recife-PE, ed. 07/02/1937, domingo, p. 3.

[13] Ver Diário da Manhã, Recife-PE, ed. 09/01/1938, domingo, p. 4.

[14] Ver jornal Diretrizes, Rio de Janeiro, ed. 14/01/1943, quinta-feira, pág. 9 e https://www.historiadealagoas.com.br/ari-pitombo-getulista-e-lider-trabalhista.html

[15] Ver A Ordem, Natal-RN, ed. 21/03/1947, sexta-feira, p. 4.

[16] Ver A Ordem, Natal-RN, ed. 13/04/1948, terça-feira, p. 3.

[17] Ver Diário de Natal, ed. 23/15/1950, terça-feira, p. 5.

[18] Ver Diário de Natal, ed. 17/04/1951, terça-feira, p. 6.

[19] Ver Diário de Natal, ed. 13/09/1963, sexta-feira, p. 4.

OS PESCADORES NORDESTINOS QUE ENCONTRARAM UM SUBMARINO NAZISTA E SOBREVIVERAM PARA CONTAR A HISTÓRIA

Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Tal como em 2020, o ano de 1942 foi bastante sombrio para o mundo e para o Brasil. Se no atual período, em pleno século XXI, uma pandemia vindo da China que apavora e mata, nos anos 40 do século passado eram submarinos nazifascistas que assolavam os oceanos, especialmente o Atlântico, com suas ações de combate que infligiram muitas mortes e destruição.

Tal como no início de 2020, quando as primeiras notícias da expansão do COVID-19 parecia algo distante e que não afetaria tanto o nosso dia a dia, algo semelhante ocorreu no Brasil durante os momentos iniciais da Segunda Guerra Mundial. Toda a problemática parecia distante, do tamanho do mar que separa nosso país da Europa. Em minha opinião isso durou até o momento da queda da França.

Soldados alemães desfilam no Champs Élysées em 14 de junho de 1940 (Bundesarchiv) – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Paris_in_World_War_II#/media/File:Bundesarchiv_Bild_146-1994-036-09A,_Paris,_Parade_auf_der_Champs_Elys%C3%A9e.jpg

Uma situação que realmente abalou a sociedade brasileira, até pela influência que a cultura francesa exercia em nosso país. Nessa época os alemães conquistaram vários portos franceses e passaram a utilizá-los com seus submarinos, ampliando a capacidade de ação dessas naves. Logo chegavam mais e mais notícias de ataques contra o transporte marítimo Aliado.

 O Oceano Atlântico se tornou um verdadeiro campo de lutas, que ficou marcado na História como a Batalha do Atlântico.

Foto de 1943, da ação da Marinha do Brasil na Batalha do Atlântico – Fonte – Marinha do Brasil.

Essa foi a mais longa campanha militar da guerra. Durou de setembro de 1939 até a derrota da Alemanha em maio de 1945 e durante esses seis anos navios e submarinos alemães – mais tarde com a participação de italianos – lançaram-se com eficiência e coragem para controlar as rotas marítimas e atacar os comboios aliados que transportavam equipamentos e suprimentos vitais.

A Guerra no Mar

No início os navios de guerra alemães realizaram uma série de incursões, mas tiveram sucesso limitado, levando à perda de grandes navios, incluindo os poderosos encouraçados de bolso Graf Spee e Bismarck. O foco da marinha alemã passou então a ser a escalada da guerra submarina, com a construção de várias unidades.

Os submarinistas alemães atacavam os navios mercantes inimigos de forma solitária ou em grupos, as chamadas “Alcateias de lobos”. Disparavam com destreza torpedos e tiros de canhões e depois submergiam para fugir dos contra-ataques dos navios escolta. Os alemães obtiveram muito sucesso nos primeiros anos da Guerra, chegando a afundar em 1941 um total de 875 navios Aliados. O entusiasmo dos germânicos era tão elevado, que eles classificaram esse período como “Tempos felizes”.

Mas os britânicos não fraquejaram. Eles conseguem algumas vitórias com o apoio dos canadenses e a ajuda dos Estados Unidos, através do envio de 50 destroieres seminovos, recebidos em troca do acesso a bases britânicas.

Um marinheiro mercante observa o destróier canadense HMCS Swansea em serviço de escolta no Atlântico Norte. Crédito da foto: Library Archives Canada PA-112995

Não podemos esquecer que a evolução tecnológica, trabalhou em favor dos Aliados, incluindo a colocação de radares em navios de escolta a partir de agosto de 1941. No entanto, os comboios eram ainda muito vulneráveis, principalmente em áreas onde a cobertura e a proteção oferecida pelos aviões antissubmarinos eram limitadas pelo alcance.

Em 1942 novos submarinos alemães entraram em serviço a uma taxa de vinte por mês. Embora a Marinha dos Estados Unidos tenha entrado na Batalha do Atlântico no final de 1941, estes foram incapazes de evitar o afundamento de quase 500 navios, entre janeiro e junho de 1942.

Primeiro Ministro Winston Churchill.

O caso era tão sério que o abastecimento de gasolina e comida para a Grã-Bretanha atingiu níveis criticamente baixos. Até mesmo o inquebrantável Primeiro Ministro Winston Churchill, comentou em suas memórias que durante a guerra seu maior medo em relação aos inimigos era a ação dos seus submarinos.

O Brasil no Caminho da Guerra

As primeiras notícias de algum navio brasileiro atacado pelos nazistas nada teve haver com a ação de um submarino no Oceano Atlântico, mas foi resultado de um ataque aéreo alemão no Mar Mediterrâneo.

Foi no dia 22 de março, em um trajeto entre a ilha de Chipre e a cidade egípcia de Alexandria, que o cargueiro Taubaté, de 5.099 toneladas, foi atacado com bombas e tiros de metralhadoras de um avião bimotor alemão. Nesse episódio o conferente José Francisco Fraga, quando tentava com outros colegas içar uma bandeira brasileira para que o avião cessasse o ataque a uma nave neutra, foi crivado de balas. Fraga se tornou o primeiro brasileiro morto por uma ação de combate realizada por forças nazistas. Mesmo danificado o Taubaté conseguiu chegar ao porto de Alexandria e entre os membros da tripulação que testemunharam o ataque estavam o foguista João Lins Filho, potiguar, e o 2º cozinheiro Teodoro da Silva Ramos, pernambucano. Ramos inclusive levou vários estilhaços nas costas, ocasionando feridas que deixaram grandes cicatrizes (Detalhes sobre esse ataque ver https://tokdehistoria.com.br/2018/02/01/1941-o-ataque-de-um-aviao-nazista-ao-cargueiro-taubate-e-o-primeiro-potiguar-a-testemunhar-o-horror-da-segunda-guerra/ ).

Esquadrão de caça e destruição de submarino VP-52, equipado com hidroaviões Catalina. Eles foram a primeira unidade militar dos Estados Unidos a chegar em Natal, Rio Grande do Norte, no dia 11 de dezembro de 1941. Depois se notabilizaram destruindo navios de cargas japoneses no teatro de guerra do Oceano Pacífico – Fonte – Coleção do autor.

Nesse meio tempo os brasileiros que viviam na porção nordeste do país começaram a perceber a chegada paulatina da guerra.

Em 18 de abril de 1941, uma sexta-feira, pescadores da bela praia potiguar de Rio do Fogo, ao norte de Natal, ajudaram no resgate de dezenove náufragos do cargueiro inglês Ena de Larrinaga, afundado próximo ao Arquipélago de São Pedro e São Paulo pelo submarino U-105. No dia 11 de dezembro chegava a Natal seis hidroaviões Catalina da esquadrilha VP-52, da Marinha dos Estados Unidos, que passaram a patrulhar o nosso litoral e o Atlântico Sul. No primeiro mês do novo ano de 1942, mais precisamente em 28 de janeiro, o Brasil decidiu romper relações com a Alemanha após a III Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, realizado no palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro.

A partir desse acontecimento, a destruição de navios brasileiros por submarinos se tornou comum nos jornais. A primeira vítima ocorreu em fevereiro de 1942 e foi o navio de carga e passageiros Buarque, de 5.152 toneladas, que foi afundado na costa dos Estados Unidos no dia 12, com a morte de um tripulante. No mesmo mês se juntou ao Buarque no fundo do mar os cargueiros Olinda e o Cabedelo. O primeiro foi destruído, sem vítimas, pelo submarino alemão U-432. Já o Cabedelo desapareceu na segunda quinzena de fevereiro, sem deixar vestígios, em algum ponto do Oceano Atlântico, onde pereceu toda a tripulação. Acredita-se que esse afundamento foi uma ação do submarino italiano Da Vinci.

Lista de sobreviventes do navio de carga brasileiro Comandante Lira, transportados pelo cruzados USS Omaha, da Marinha dos Estados Unidos, após seu torpedeamento pelo submarino italiano Barbarigo, em 18 de maio de 1942.

Entre o final de fevereiro e o final de julho, outros onze barcos de bandeira brasileira foram atacados no Atlântico Norte, na costa norte-americana e no Mar do Caribe, totalizando 80 mortos e 51.728 toneladas perdidas. Somente o cargueiro Comandante Lira, danificado a 900 milhas náuticas de Natal, e o veleiro de transporte de cargas Paracury, com 265 toneladas é atingido por disparos ao sul da República Dominicana, conseguiram sobreviver para retornar ao serviço. Sobre esse último caso ver https://uboat.net/allies/merchants/ship/1745.html

Mas quando agosto chegou os alemães abriram as portas do inferno nas calientes águas do litoral nordestino.

O Submarino Alemão

Oficiais na torre do U-507.

O U-507 era um submarino do tipo IXC, comandado pelo Korvettenkapitän (capitão de corveta) Harro Schacht, um alemão de 35 anos de idade, originário de uma cidade portuária na Baixa Saxónia chamada Cuxhaven, localizada no norte daquele país. Até agosto de 1942 Schacht e seus 53 tripulantes haviam enviado para o fundo do mar nove navios mercantes e danificado um. Estas ações ocorreram em duas patrulhas de combate, ocasionando a morte de 98 pessoas e totalizando 51.543 toneladas de material flutuante perdido.

Símbolo da torre do U-507.

Segundo os dados existentes, a terceira patrulha de combate do U-507 começou no dia 4 de julho, quando os alemães partiram da cidade francesa de Lorient. Em 13 de julho Schacht passou a poucos quilômetros a leste da ilha da Ribeira Grande, no Arquipélago dos Açores, aparentemente sem chamar atenção das autoridades portuguesas. Depois seguiu em patrulha até o dia 25 de julho, onde realizou um encontro na região de Cabo Verde com o submarino U-116, para receber 28 mil litros de óleo combustível e suprimentos.

Entre 30 e 31 de julho, o U-507 se encontrava a norte/noroeste do Arquipélago de São Pedro e São Paulo e seguiu em direção a costa brasileira. Três dias depois informou que alcançou as coordenadas geográficas 03°, 27’ S 36°, 33’ W, um local a cerca de 90 a 100 milhas náuticas da costa do Ceará e do Rio Grande do Norte, algo entre 165 a 185 quilômetros de distância. Depois se afastou da costa nordestina, retornando em direção a São Pedro e São Paulo, onde no dia 8 de agosto passou ao norte desses isolados pontos rochosos. Depois manobrou em direção sudoeste, apontando novamente para a costa brasileira. Nesse trajeto esteve entre 11 e 12 de agosto a poucas milhas náuticas a noroeste de Fernando de Noronha e continuou se aproximando do nosso litoral de forma decidida. Dois dias depois estava na altura de Maceió.

Um hidroavião Consolidated PBY Catalina – Fonte – NARA. 

Aqui cabe abrir um parêntese para comentar que nessa época em Natal operava o esquadrão VP-83 da Marinha dos Estados Unidos, a US Navy, equipado com uma dezena de hidroaviões Catalina, que realizavam constantes patrulhas de vigilância nessa região. Essas aeronaves estrangeiras eram apoiadas por vários aviões e hidroaviões da Força Aérea Brasileira, que mesmo carente de materiais modernos, se desdobrava ao máximo para patrulhar o litoral. Além desse material aéreo, a US Navy, operava algumas unidades navais, onde se destacavam os cruzadores USS Omaha e USS Milwauke, além de alguns destroieres e navios de apoio. Essas naves eram subordinadas ao grupo de operações navais denominado Task Force Twenty Three (Força Tarefa 23), ou TF23, sob o comando do almirante Jonas Howard Ingram. A TF23, que futuramente se transformaria na Four Fleet, ou Quarta Frota, operava em conjunto com a Marinha do Brasil, que por sua vez se esforçava para cumprir suas missões com uma pequena e bastante envelhecida frota de navios.

Mas como ninguém se colocou na sua frente, Schacht continuou seguindo direto para o litoral brasileiro.

Inferno em Alto Mar

Segundo o interessante livro “Operação Brasil”, de Durval Lourenço Pereira, que trás informações do diário de bordo do U-571 e mostra a ação de forma intensa, às sete da noite de 15 de agosto começou o ataque do U-507 ao navio brasileiro Baependi.

O navio brasileiro Baependi – 270 pessoas mortas.

No primeiro momento dois torpedos são disparados, mas erram. Entretanto o navio segue lento e o alemão consegue reposicionar seu submarino, ultrapassando o barco brasileiro. As 19h12 abre fogo com outros dois torpedos e logo o navio vai para o fundo do mar.  Depois de tantos dias de navegação Schacht e seus homens exultam com a vitória. Já no Baependi sobrevivem apenas 36, dos seus 322 tripulantes e passageiros.

O navio brasileiro Araraquara – 131 pessoas mortas.

Logo após o ataque, Schacht segue atrás de outro alvo, que surge bastante iluminado. É o navio de passageiros Araraquara, construído na Itália em 1928 e considerado uma nave luxuosa. Pouco depois das nove da noite é disparado um torpedo que faz o Araraquara partir-se ao meio e afundar em cinco minutos. Salvam a vida apenas 11, dos seus 142 tripulantes e passageiros. Esses afundamentos, que ocorreram com uma diferença de menos de duas horas, foram em pontos defronte a divisa entre a Bahia e Sergipe.

O navio brasileiro Aníbal Benévolo – 150 pessoas mortas.

Depois, já na madrugada do dia 16, o U-507 se coloca em um setor mais ao sul da primeira carnificina, já no litoral norte da Bahia, onde um novo alvo é localizado. Depois de realizar certas manobras o alemão coloca seu submarino a apenas mil metros do novo ponto visado e as 04h13 ataca e afunda o navio de passageiros Aníbal Benévolo. O Suplício dessa nave foi extremamente rápido e extremo. Em poucos minutos ele desapareceu nas águas e das 154 pessoas a bordo, só se salvaram quatro tripulantes.

A ação do alemão foi tão contundente e destruiu seus alvos de forma tão avassaladora, que nenhum dos três navios afundados emitiu quaisquer sinais de socorro. O caçador alemão podia continuar agindo impunemente no litoral nordestino.

Farol da Barra e salvador antes da Segunda Guerra Mundial – Fonte – http://www.bahia-turismo.com/salvador/barra/barra-antiga.htm

Na sequência do dia 16 de agosto, o U-507 se aproxima de Salvador e às sete da noite Schacht avista os faróis de Itapuã e depois o de Santo Antônio da Barra, na entrada da baía de Todos os Santos, além das luzes de Salvador. Mas nada de navios.

O navio brasileiro Itagiba – 36 pessoas mortas.

Na manhã de 17 de agosto outro navio é avistado ao norte da ilha de Tinharé, próximo ao farol do Morro de São Paulo. Esse é o Itagiba, que vinha do Rio para Salvador e, quase as onze da manhã, é atingido por torpedo e afunda em 10 minutos. Morreram 36 pessoas e 145 sobrevivem pelo valoroso trabalho de resgate realizado pelo iate Aragipe, um barco costeiro de 300 toneladas, comandado por Manoel Balbino dos Santos, que passava pelas proximidades seguindo para Salvador, ou Ilhéus, segundo outras fontes.

O navio brasileiro Arará – 20 pessoas mortas.

Schacht tem tempo de observar pelo periscópio o trabalho de resgate realizado por Balbino e sua tripulação, mas logo avista outro navio, outro alvo. É o pequeno cargueiro brasileiro Arará, de apenas mil toneladas de deslocamento, que se aproxima para ajudar a recolher os náufragos. Durval Lourenço aponta corretamente que Schacht “mostrou total desprezo pela vida humana”, quando atacou um navio desarmado que recolhia náufragos e disparou sua carga de torpedos a menos de 500 metros do alvo. O ataque ao Arará ocorreu duas horas após o fundamento do Itagiba. O saldo trágico deste último afundamento foi de 20 mortos e 16 sobreviventes. Segundo uma notícia publicada em O Jornal, do Rio de Janeiro (21/08/1942, págs. 1 e 6), depois de recolher um grande número de náufragos do Itagiba o mestre do iate Aragipe, Manoel Balbino dos Santos, quis ir até o local do sinistro do Arará e ajudar os necessitados. Mas foi veementemente impedido pelos náufragos do Itagiba e seguiu para a cidade de Valença. Outras fontes apontam que na verdade o Aragipe estava mesmo era lotado e por isso teve de sair da área.

Pouco depois das cinco e meia da tarde o U-507 avista outro navio e parte para o ataque. Seria a sua terceira vitima do dia, mas dessa vez Schacht não obtém sucesso. O torpedo falhou e o navio, que seria de nacionalidade sueca, estava se movendo rápido demais para o U-507 pegá-lo antes de entrar na baía de Todos os Santos.

Catalina do VP-83, que atuou no Brasil.

Após o fracasso ele decide navegar para o sul da Bahia. No outro dia o U-507 está imóvel na superfície, com sua tripulação realizando o concerto de um tubo lança torpedo. Um serviço que deixa aquela nave de guerra vulnerável. É quase uma e vinte da tarde de 18 de agosto, quando o submarino é visto pela tripulação do Catalina do VP-83, pilotado pelo tenente John M. Lacey. Os americanos atacam com disparos de metralhadoras e o lançamento de cargas de profundidade. Após os impactos o piloto achou que havia afundado o submersível porque viu uma mancha de óleo e bolhas de ar na superfície, mas Schacht escapou com seu submarino.

Não consegui encontrar um foto identificando o Jacyra. Talvez ele fosse parecido com o barco da foto, certamente maior. Não houve mortos no afundamento do Jacyra – Fonte – TIME/LIFE

O capitão alemão continuou levando sua nave em direção sul, até as proximidades de Ilhéus. Na madrugada de 19 de agosto os alemães encontram um pequeno veleiro costeiro de transporte de mercadorias chamado Jacyra, que foi abordado. Os nazistas revistam o veleiro, mas não encontram nada de útil. A seguir ordenam a tripulação brasileira que sigam para a praia e o barco é dinamitado. Foi uma parada arriscada, realizada perto do litoral, para revistar e depois afundar um veleiro que nem ultrapassava as 100 toneladas. 

Todos esses barcos brasileiros foram atacados e afundados em posições que variam de 7 a 30 milhas náuticas de distância, algo entre 13 a 55 quilômetros das belas praias dos litorais da Bahia e Sergipe. No total morreram 607 pessoas, entre homens, mulheres e crianças e foram perdidos 14.911 toneladas em naves afundadas.

O navio sueco Hammaren – Seis pessoas mortas.

No dia seguinte após o afundamento do Jacyra, por volta do meio dia, o U-507 está novamente próximo da bela localidade de Morro de São Paulo e a noite avistam as luzes de Salvador. Schacht permanece com seu submarino na área da entrada da baía de Todos os Santos  por todo o dia 21, mas não visualizam nenhum alvo. Na madrugada do dia 22, na altura do farol de Itapuã, Schacht encontra o navio sueco Hammarem, que navega sem luzes. Mesmo trazendo no seu mastro a bandeira de um país neutro, o alemão ordena o lançamento de dois torpedos, com resultados negativos. Ele espera o dia amanhecer para disparar tiros de canhão. O Hammarem é atingido na proa e para as máquinas, Schacht então dispara seus torpedos para enviar o navio para o fundo. Seis tripulantes morrem na ação. Depois o alemão segue em direção norte. 

Guerra

Para o Brasil de 1942, aqueles afundamentos ocorridos em poucos dias foi um verdadeiro choque. Algo que abalou fortemente a população. Conforme os dias foram passando e fotos terrivelmente duras de cadáveres em decomposição nas praias sergipanas e baianas foram mostrados nos jornais e revistas, o povo brasileiro se encheu ainda mais de indignação, dor e raiva. Milhares de pessoas saíram espontaneamente às ruas de várias cidades pedindo a declaração de guerra contra a Alemanha. No entanto a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas levou alguns dias para assinar essa declaração, fato ocorrido em 22 de agosto. Isso tudo em meio a um forte clamor popular nas ruas do Rio, algo que Vargas não tinha muita prática e experiência de lidar.

Aquela atitude popular, considerada inusitada em meio a uma das ditaduras mais terríveis e nefastas da história do Brasil, para mim não é surpreendente. Naquele tempo viajar de navios era algo extremamente normal em todo planeta e também para os brasileiros. Estes últimos viviam em um país continental com muita agricultura e poucas indústrias, com uma malha ferroviária relativamente pequena para as suas necessidades, desprovido de boas estradas, sem uma indústria automotiva que suprisse a demanda e com um transporte aéreo destinado basicamente aos mais ricos. O transporte marítimo era muito popular, até mesmo para alguém que vivia com poucos recursos no Brasil. Navegar, mesmo mal acomodados na terceira classe dos barcos de cargas e passageiros, era a única opção para seguir para rincões mais longínquos.

Além do livro de Durval Lourenço, outra maneira de visualizar a rota do que o U-503 realizou para destruir sete barcos na costa brasileira, é através do interessante site https://uboat.net/ Seguramente o melhor existente na internet, com uma enorme gama de informações sobre a ação dos submarinos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Na imagem vemos o traçado em vermelho da rota da patrulha de combate do U-507 , que durou de 4 de julho até 12 de outubro de 1942. Na imagem, os pontos em laranja são os barcos afundados na costa brasileira – Fonte – https://uboat.net/boats/patrols/patrol_1099.html

Na página 177 do livro “Operação Brasil”, encontramos um interessante mapa que mostra a rota percorrida pelo U-507 no litoral brasileiro. Após o último ataque próximo a costa baiana, o submarino navegou várias milhas mar adentro e passou longe de Aracajú. Mas quando estava na altura de Maceió, o comandante alemão começou a retornar para perto da costa nordestina. Ele planejava realizar um ataque contra o porto de Recife, Pernambuco, então um dos mais movimentados no Brasil daquela época.

Os Quatro Pescadores do Pina

Provavelmente o comandante alemão desejava atacar disparando torpedos nos vapores ali ancorados, ou utilizando o canhão de 105 m.m. que existia em sua nave para destruir estruturas portuárias. Em 23 de agosto Schacht enviou uma mensagem ao B.d.U., ou Befehlshaber der Unterseeboote, o Comandante dos submarinos alemães, cargo exercido pelo almirante Karl Dönitz, informando sobre suas intenções. Apesar de ter liberdade de ação no litoral do Brasil, no outro dia Schacht  recebeu uma resposta proibindo esse tipo de ataque por razões políticas, mas ordenava que ele e sua nave continuassem avançando para o porto e esperasse por tráfego.

Almirante Karl Dönitz

Enquanto o U-507 se aproximava do litoral pernambucano, ao meio dia de 25 de agosto na praia do Pina, uma das mais tradicionais de Recife, um grupo de pescadores se preparava para o trabalho. Eles se chamavam Elviro Izidro de Miranda, João Francisco dos Santos, Manoel Alves do Nascimento e Francisco Bezerra da Silva e aparelhavam o bote Ivo para mais uma saída para o mar. Esse barco um barco limitado, que possuía pequenas dimensões, utilizava uma única vela triangular, ou “pano”, no dizer dos pescadores, e tinha um pequeno castelo de proa. Eles faziam parte da Colônia de Pescadores do Pina, a Z-1, que nessa época tinha sede na Rua da Cabanga.

Não consegui uma foto que apontasse com clareza como era estrutura de um bote em Recife no ano de 1942. Já em Natal, o que se conhece como bote são os barcos que aparecem nessa foto de Hart Preston, atracados no cais da Tavares de Lira, as margens do Rio Potengi. Essa foto foi realizada em Natal no ano de 1941 – Fonte – TIME/LIFE

Evidentemente, como trabalhadores do mar, aqueles homens já tinham conhecimento dos ataques realizados pelo U-507 entre Sergipe e a Bahia. Certamente estavam com raiva, como a maior parte dos brasileiros e muito mais preocupados do que a maioria, pois a sua labuta era justamente no mar, onde talvez encontrassem o inimigo. Inimigo esse que destruiu navios que vez por outra frequentavam o porto de Recife.

Segundo a cópia de um depoimento existente no Arquivo Nacional, aqueles homens informaram que o bote Ivo estava equipado com gelo, o que garantia condições de permanecer mais tempo no mar com o pescado conseguido. Eles iriam pescar a cerca de 30 milhas da costa, pouco mais de 55 quilômetros de distância. Por volta de meio dia zarparam.

No livro “A Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial”, de Arthur Oscar Salgada da Gama, nas páginas 29 e 30, ele informa sobre um levantamento realizado pelo Adido Naval dos Estados Unidos, que concluiu existirem mais de 73.000 pescadores associados às muitas colônias de pescadores organizadas no litoral brasileiro. Outra coisa interessante estava no fato desses homens pescarem a distâncias que podiam chegar a 120 milhas náuticas da costa, onde  poderiam denunciar quaisquer ocorrências estranha as autoridades marítimas.

Ação dos pescadores no apoio a marinha do Brasil no Ceará.

Ainda segundo esse autor, no dia 14 de julho de 1942 o CEME – Comando do Estado Maior da Armada, emitiu uma Circular aos Comandantes Navais e aos Capitães dos Portos, orientando como arregimentar os pescadores para ajudar no esforço geral da Marinha em relação a proteção do litoral. Havia também orientações de como aqueles homens simples poderiam estabelecer ligações rápidas com os Comandos Navais.

Praia do Pina e suas jangadas. Pelo depoimento que consegui, tudo indica que os quatro pescadores não utilizaram esse tipo de barcos tradicionais.

Não sabemos se os quatro pescadores da Praia do Pina receberam informações sobre esse tipo de procedimento, mas no começo da noite de 25 de agosto eles chegaram ao ponto de pesca, sendo comandados por Elviro Izidro. Logo amarraram a vela ao mastro de madeira e baixaram a âncora do bote Ivo, ou fateixa. Segundo os pescadores a fateixa alcançou 29 braças de profundidade, ou 53 metros. Desse ponto não se avistava a terra e eles então trataram de pescar.

“-É um submarino”

Os quatro pescadores relataram que “reinava um bom tempo, apenas refrescado pelos ventos de quadrante sul”, que o período de lua cheia dava uma forte claridade. Uma condição muito perigosa para um submarino de ataque, pois aumentava a possibilidade dessas naves furtivas serem facilmente observadas.

Cópia do depoimento dos quatro pescadores.

Era por volta das nove da noite e foi o pescador João, que se achava no castelo da proa, quem primeiro viu uma embarcação estranha e disse “-Vem lá uma navegação!”. Suas palavras chamaram a atenção de Manoel, que estava sentado a meia nau. Manoel observou e, de fato, na direção Leste-Oeste, isto é, do mar para terra, navegava uma embarcação não muito alta, que, aos poucos, veio crescendo na direção do bote Ivo, até passar a cerca de 100 braças, pouco mais de 180 metros dos pescadores, pelo lado sul do seu pequeno barco. Manoel não teve duvidas e disse “-É um submarino”.

Notícia da visita dos submarinos brasileiros ao Recife em 1938.

Segundo a declaração prestada ao inspetor da Polícia Marítima e Aérea quando retornaram ao Recife, os quatro pescadores foram contundentes e convictos ao afirmarem ser aquele estranho barco era um submarino. Em 1938 eles tiveram oportunidade de ver de perto os três submarinos que o Brasil havia adquirido da Itália. Esses eram os submarinos da classe Perla, de 860 toneladas cada um, batizados como S-11 Tupy, S-12 Timbira e S-13 Tamoyo e que, conforme notícia que apresentamos, estiveram em Recife em 11 de fevereiro de 1938, quando realizaram uma parada para abastecimento antes de seguir para o Rio de Janeiro.

Em relação ao misterioso submarino observado na noite de 25 de agosto de 1942, os quatros pescadores da praia do Pina comentaram algo que considerei interessante e estranho – Eles afirmaram que o submarino trazia acessas duas lâmpadas em seus bordos, ou seja nas laterais, uma na cor vermelha e outra na cor verde. Como fossem luzes normais de navegação. Mas os pescadores comentaram admirados que essas luzes só se tornaram visíveis no momento que o submarino passou por eles e a ré da nave, ou popa, como é conhecida a parte traseira de uma embarcação, ficou inteiramente visível para os tripulantes do bote Ivo.

A silhueta mais característica dos submarinos alemães.

Estariam os alemães com essas luzes utilizando alguma espécie de ardil, se passando, atalvez, por um barco de pesca? Ou seriam essas luzes de algum instrumento de combate, ou de navegação do U-507?

Para os pescadores o submarino tinha um tamanho “comum” e comentaram que viram de maneira bem visível a torre e o periscópio, mas não divisaram os tripulantes. Perceberam que a nave seguia a boa velocidade, com o mar passando sobre o convés e a luz da lua refletindo sobre o casco. Os pescadores do Pina comentaram que se haviam tripulantes na torre do submarino (e certamente eles estava lá), estes provavelmente não viram o Ivo, pois o submarino seguiu em frente sem alterações. 

Navio da TF-23 da US Navy no porto de Recife. Foto de Hart Preston– Fonte – TIME/LIFE

Naturalmente os pescadores ficaram bastante assustados e depois do submarino desaparecer da vista deles, prontamente cortaram a corda da âncora, abriram a vela e trataram de retornar. Eles declararam que aproveitaram o vento que soprava e navegaram com o bote Ivo em direção a Olinda, pois o litoral nessa área possui pouca profundidade e recifes de coral, local impróprio para se colocar um submarino. Não sabemos o grau de instrução desses homens, mas pelo que ficou descrito no depoimento prestado por eles, em termos de conhecimentos marítimos e de navegação eles eram verdadeiros mestres.

Os pescadores nunca mais viram o submarino que, segundo o livro de Durval Lourenço, conseguiu chegar próximo do porto de Recife. Harro Schacht visualizou vários navios prontos para serem destruídos, mas não desobedeceu a ordem recebida. Em seu ótimo livro Durval comenta (pág. 178) que o alemão se aproveitou de uma situação natural para chegar próximo da entrada do porto em uma noite de lua cheia. Houve um eclipse lunar que literalmente “apagou” a lua!

Quando um submarino alemão retornava vitorioso a sua base francesa, era normal a tripulação colocar essas bandeiras triangulares, onde anotavam a tonelagem de cada navio afundado durante a patrulha. Nesta foto o submarino que retornou, que não era o U-507, afundou pelo menos dez navios inimigos. Certamente a tripulação do U-507 deve ter confeccionado as bandeirolas com as tonelagens dos navios que afundou na costa brasileira.

Se a ordem do B.d.U. para a realização de um ataque fosse positiva, as consequências para a história da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial e de Recife teriam sido bem diferentes.

Quando o dia amanheceu os alemães viram aeronaves e, para evitar ser visto nas águas claras do mar nordestino, o comandante submergiu sua nave a cerca de 35 metros de profundidade e assim passou todo o dia. À noite, oito horas e trinta e seis minutos, Schacht volta até a superfície e vasculha com o periscópio o horizonte. Ele então viu um destroier iluminado pela lua, a três quilômetros de distância. Segundo Durval Lourenço o alemão não disparou devido à intensa claridade noturna, a pouca profundidade e a perda do elemento surpresa com essa ação, o que poderia lhe impedir de atacar outros navios mercantes mais ao norte.

Mas qual era esse destroier e o que ele estava fazendo fora do porto de Recife?

Talvez a resposta esteja na ação dos pescadores do bote Ivo!

Era o USS Winslow?

Na manhã de 26 de agosto, os quatro pescadores alcançaram a área do então povoado de Maria Farinha, hoje um bairro da cidade de Olinda, depois de navegarem por mais de seis horas. Depois seguiram bordejando o litoral em direção sul, até o meio-dia, quando adentarem o porto de Recife. Seguiram pelo quebra-mar, até ancorarem nas proximidades da centenária Torre Malakof, onde se localizava a sede da Capitania dos Portos. 

Torre Malakof, onde em 1942 se localizava a sede da Capitania dos Portos em Recife – Fonte – https://guia.melhoresdestinos.com.br/

Elviro Izidro de Miranda, João Francisco dos Santos, Manoel Alves do Nascimento e Francisco Bezerra da Silva prestaram depoimento ao capitão de mar e guerra Nelson Simas de Souza, então Capitão dos Portos de Pernambuco, cargo que assumiu em maio de 1942, no lugar do capitão de fragata Harold Reuben Cox.

Aparentemente o relato dos quatro pescadores chamou a atenção do capitão Simas, pois ele logo seguiu com esses homens para o gabinete do contra-almirante José Maria Neiva, na própria Torre Malakof. O almirante Neiva estava à frente do recém-criado (04/06/1942) Comando Naval de Pernambuco, que poucos dias depois seria transformado no Comando Naval do Nordeste, onde essa nova grande unidade seria o braço armado da Marinha do Brasil na defesa das águas nordestinas, em parceria com os americanos da TF-23.

O contra-almirante José Maria Neiva e Getúlio Vargas – Fonte – Arquivo Nacional.

Pelo depoimento sabemos que após a audiência com o almirante Neiva, os pescadores se dirigiram para a sede da Polícia Marítima e Aérea, localizado na  rua, atualmente avenida, Marquês de Olinda. Nessa repartição relataram o que viram para Renato Medeiros, inspetor chefe da repartição.

A partir desse ponto nada mais descobri sobre os quatro valorosos pescadores do Pina. As autoridades igualmente nada mais comentaram do caso. Nada existe nos jornais sobre o caso.

Entretanto, nos arquivos militares da Marinha dos Estados Unidos existe uma indicação de algo aconteceu no começo da noite do dia 26 de agosto e, aparentemente, o depoimento prestado pelos pescadores Elviro, João, Manoel e Francisco foi levado em consideração.

Às seis horas e sete minutos da noite zarpou do Atracadouro 5 do porto de Recife o destroier americano USS Winslow. Tinha a missão de patrulhar nas proximidades do porto e a ordem para a realização dessa missão foi transmitida verbalmente pelo comando da TF-23.

O USS Winslow nada encontrou naquela noite, mas continuou patrulhando nos dias posteriores.

Fim Trágico

Teria sido esse o navio visualizado pelo Korvettenkapitän Harro Schach no periscópio do U-507? E a ordem verbal de partida do USS Winslow, teria se originado nas informações transmitidas pelos quatro pescadores do Pina ao capitão Simas e o almirante Neiva e depois retransmitida para o almirante Ingram?   

Uss Winslow no porto do Rio de Janiro – Fonte – US Navy.

Realmente eu não tenho respostas para essas perguntas. Tudo pode ser uma coincidência. Mas o documento com o depoimento dos pescadores, que foi repassado a Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco, e o livro “Operação Brasil”, de Durval Lourenço Pereira, que considero um dos melhores já escritos sobre o tema, apontam que essa situação parece ter sido bem real.

Inclusive esse autor aponta, de maneira correta, que após os afundamentos das naves brasileiras no final de agosto de 1942, praticamente em todo nosso litoral foram relatados inúmeras visualizações de submarinos inimigos. Mas a maioria se mostrou erros gerados pelo clima tenso e o nervosismo que o povo vivia. Entretanto, eu acredito que o caso dos pescadores do bote Ivo é real!

Independente dessa questão, ao saírem da Torre Malakof os pescadores Elviro Izidro de Miranda, João Francisco dos Santos, Manoel Alves do Nascimento e Francisco Bezerra da Silva foram completamente esquecidos.

O U-507 sendo destruído em 13 de Janeiro de 1943, por um Catalina a noroeste de Fortaleza, Ceará- Fonte – NARA.

Já Harro Schacht, depois de visualizar o que parecia ser o USS Winslow sob a luz do luar, e nada poder fazer, mandou acelerar os motores e sair da área de Recife. No outro dia estava diante da cidade portuária de Cabedelo, na Paraíba. Olhou durante a noite para o porto, mas não viu nada de interessante. Depois mergulhou para evitar ser visto por aviões e logo partiu. Tempos depois o U-507 retornou ao litoral brasileiro. Mas desta vez seu capitão e sua tripulação, um total de 54 pessoas, foram atacados e destruídos em 13 de Janeiro de 1943, por um Catalina a noroeste de Fortaleza, Ceará, que utilizou cargas de profundidade nessa ação. Essa aeronave era do mesmo VP-83, que atacara esse submarino em 18 de agosto do ano anterior. Os restos do U-507 e dos seus tripulantes se encontram a grande profundidade.

OUTROS TEXTOS DO TOK DE HISTÓRIA SOBRE ESSA TEMÁTICA

O COMANDANTE DE UM SUBMARINO ALEMÃO DA SEGUNDA GUERRA QUE VIVEU NO BRASIL – https://tokdehistoria.com.br/2017/04/20/o-comandante-de-um-submarino-alemao-da-segunda-guerra-que-viveu-no-brasil/

HÁ 73 ANOS, O SUBMARINO ALEMÃO U-199 ERA AFUNDADO POR AERONAVE DA FABhttps://tokdehistoria.com.br/2016/08/11/ha-73-anos-o-submarino-alemao-u-199-era-afundado/

1941 – O ATAQUE DE UM AVIÃO NAZISTA AO CARGUEIRO TAUBATÉ E O PRIMEIRO POTIGUAR A TESTEMUNHAR O HORROR DA SEGUNDA GUERRA

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Rara foto da Historic Images, do Ebay, mostrando o Taubaté danificado dia 22 de fevereiro de 1941. Foto provavelmente batida pelo hidroavião inglês que deu apoio ao navio brasileiro.

Rostand Medeiros – Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN

Já faz muito tempo que a terra potiguar é um lugar complicado para quem nasceu por aqui sem um sobrenome familiar nobre, com a coloração mais escura na pele e principalmente sem dinheiro no bolso. Por isso era bem normal, na época em que o transporte marítimo era mais utilizado, que muitos jovens das camadas mais humildes de nossa população se concentrassem no Cais da Tavares de Lira. Local importante de Natal, ali atracavam os antigos navios mistos de passageiros e cargas conhecidos como paquetes, principalmente das empresas Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro e Companhia de Navegação Nacional. Estes jovens então tentavam ganhar alguns trocados carregando malas, transportando mercadorias, ou servindo como os primeiros Guias de Turismo da capital potiguar. Além do mais, está no ponto de embarque e desembarque mais importante da nossa cidade, era onde poderia surgir o que para muitos era uma verdadeira oportunidade de ouro – Se tornar um trabalhador embarcado em uma das naves que aqui passavam. Além de, obviamente conhecer o mundo, estes jovens tentavam conseguir novas opções longe desse belo lugar cheio de racismos e preconceitos.   

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Cais da Tavares de Lira, no bairro da Ribeira, em Natal. Uma provinciana capital do Nordeste do Brasil.

Mas para quem embarcava vindo de um porto nordestino, com poucos recursos e instrução quase zero, sobrava geralmente os locais mais sujos e escuros da embarcação, onde o trabalho principal era ser foguista. Como nessa época a maioria destes barcos não tinha motor a diesel, o foguista era aquele que colocava carvão nas caldeiras a vapor, para assim conseguir energia suficiente para o deslocamento do navio. Uma função importante, mas certamente uma das mais desprezadas.

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Porto de Natal no início do Século XX.

Não sei se João Lins Filho foi um dos que ficavam no Cais da Tavares de Lira batalhando uma vaga em alguns destes barcos, mas sei que era potiguar e que ele era um dos 58 tripulantes listados a bordo do navio Taubaté, para uma viagem a portos na África e no perigosíssimo Mar Mediterrâneo de 1940![1]

Internamento

O Taubaté era uma nave velha, construída em 1905 pelo estaleiro alemão Bremer Vulkan AG, da cidade de Bremen. Recebeu inicialmente o nome de Franken, que batizou toda uma classe de nove navios cargueiros e esta nave pertenceu inicialmente a empresa de navegação Norddeutscher Lloyd. Estes navios percorriam principalmente as rotas entre a Alemanha e a Austrália, além da América do Sul.  

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O Hessen, navio cargueiro alemão da classe Franken, a mesma do Taubaté.

Tanto o Franken como seus navios irmãos eram equipados com um motor a vapor de 3.200 HP, que lhe proporcionavam a velocidade máxima de 11,5 nós (cerca de 21 quilômetros por hora), possuíam em média 130 metros de comprimento e 16 metros de largura, deslocando 5.055 toneladas.

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Propaganda da Norddeutscher Lloyd no Brasil em 1911, mostrando que o Franken, futuro Taubaté, já frequentava o porto do Rio de Janeiro antes da eclosão da Primeira Guerra.

Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial quase todos esses barcos foram capturados pelos Aliados, ou se internaram em portos neutros. O Franken, sob o comando do capitão H. Lindrob buscou o porto do Rio de Janeiro procedente da Austrália, transportando minério destinado ao porto de Antuérpia, Holanda [2]. Ele era um dos 49 navios espalhados em dez portos brasileiros, que aqui estavam em sistema de internamento[3].

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Com a deterioração das relações diplomáticas entre o Brasil e a Alemanha os navios desta nação em nossos portos foram confiscados pelo nosso governo, sendo rebatizados e entregues a companhias de navegação nacionais. O Franken recebeu a denominação de Taubaté, e ficou sob a responsabilidade da empresa Lloyd Brasileiro. Logo estava navegando com uma carga de café para a Índia[4]. Desde 1917 este navio vinha ostentando a nossa bandeira verde e amarela e cumprindo o seu papel de transportar cargas pelos mares[5].

Navegando Para Onde Os Alemães Estão Combatendo!

No final do ano de 1940 o Taubaté era comandado pelo experiente capitão de longo curso Mario Fonseca Tinoco, um homem que possuía uma longa e respeitável carreira, mas talvez pelos seus posicionamentos políticos e um problema ocorrido quando estava no comando de um dos barcos do Lloyd Brasileiro, quase sempre foi designado para comandar navios velhos e pequenos.

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Capitão de longo curso Mario Fonseca Tinoco.

Mesmo assim o capitão Tinoco sabia conduzir seus comandados e seus barcos de maneira correta. E ele precisava exercer bem sua função em 1940, pois naquele tumultuoso período inicial da Segunda Guerra Mundial, quem estava a bordo do Taubaté e de outros navios sem dúvida realizava um trabalho bem arriscado[6].

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Outro navio irmão do Taubaté, o Westfalen – Fonte – passengersinhistory.sa.gov.au

E em novembro daquele ano o velho navio foi contratado por uma empresa exportadora do Rio de Janeiro para levar uma carga de 3.000 toneladas de café, acondicionadas em 110.000 sacas, até a beligerante área do Mar Mediterrâneo [7]. Esta carga foi anteriormente carregada no porto de Santos e eles partiram do porto do Rio em 14 de novembro. Como medida de precaução/ foram pintadas duas grandes bandeiras brasileiras nos costados do Taubaté para identificar a nação a qual a nave pertencia[8].

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Enquanto o navio brasileiro seguia sua viagem, os combates da Segunda Guerra cresciam em violência em várias partes do mundo.

Na Europa a Inglaterra ainda se defendia dos ataques dos aviões alemães na Batalha da Inglaterra e, apesar de sofrerem bombardeios em suas cidades principais, já haviam mostrado aos nazistas que pelo ar eles não conseguiram dobrar o Império e nem a intrépida RAF. No Extremo Oriente, antes do ataque a base naval americana de Pearl Harbor, os japoneses continuavam sua luta para aniquilar os chineses. Na Grécia os italianos sofriam para derrubar a resistência do exército grego e em dezembro de 1940 pediam ajuda aos alemães. No norte da África os italianos também viam sofrendo sistemáticas derrotas para os britânicos, principalmente após o início da Operação Compass, que objetivava a recuperação do oeste do Egito aos italianos e a captura da Cirenaica, uma possessão italiana no norte da África, na atual Líbia.

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Benito Mussolini e seu grande aliado.

Em janeiro de 1941 a ofensiva das forças Britânicas e da Commonwealth nesta região obteve muito sucesso e estes se aproximavam cada vez mais da cidade Líbia de Tobruk. É quando o ditador Benito Mussolini pede socorro a Adolf Hitler para salvar suas tropas e sua honra e o alemão concorda em fornecer ajuda. Mas antes mesmo que as tropas germânicas do chamado Afrika Korps ponham suas botas na África, comandados pelo competente general Erwin Rommel, a aviação militar alemã, a Luftwaffe, já está com suas asas sobre o Mar Mediterrâneo.

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JU 88 da X. Fliegerkorps – Fonte – worldwarphotos.info

Entre janeiro e fevereiro de 1941 a Luftflotte 2, uma das principais divisões da Luftwaffe, sob o comando do marechal Albert Kesselring, recebe ordens para se deslocar a sua X. Fliegerkorps (X. Fl. Kps.) da gélida Noruega até a caliente Itália. Este era um formidável corpo aéreo com mais de 250 aviões de combate de vários modelos e divididos em doze unidades aéreas.

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O encouraçado alemão KMS Gneisenau, sobrevoado por um Heinkel He 111.

Durante esses dois meses esse grande grupo de aviação vai utilizar as bases italianas de Catania, Comisso, Palermo, Trapani e Gela, todas localizadas na Sicília[9]. A ideia de Albert Kesselring de posicionar a X. Fliegerkorps nesta área era reprimir a interferência da Marinha Britânica, a Royal Navy, nas rotas de abastecimento marítimo para a Península Italiana e reduzir a capacidade estratégica da ilha de Malta como base militar.

E logo os aviadores alemães começam o seu “show” pelo Mediterrâneo![10]

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O porta aviões inglês HMS Illustrious sob ataque da Luftwaffe em 10 de janeiro de 1941 – Fonte – http://ww2today.com

Em 10 de janeiro de 1941 o porta-aviões inglês HMS Illustrious, que se dirige para a ilha de Malta, é atacado por bombardeiros de mergulho alemães Junkers JU 87 Stukas vindos da base de Trapani e fica seriamente avariado[11]. No outro dia, no início da tarde, doze Stukas afundam o cruzador HMS Southampton[12]. Esses ataques deixam claro que a Luftwaffe tem o comando do ar sobre o Mediterrâneo. Eles também apontam para a verdadeira agonia que a ilha de Malta vai sofrer nos próximos meses e criar uma das páginas mais intensas da História da Segunda Guerra Mundial.

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o Schleswig, outro navio irmão do Taubaté – Fonte – http://www.simplonpc.co.uk

Certamente os tripulantes do Taubaté ouviam nos rádios valvulados de ondas curtas o noticiário em português da rádio britânica BBC e sabiam o que ocorria na região[13].

Dando A Volta Na África

Do jeito que a coisa estava Mar Mediterrâneo e desejando evitar problemas, o Lloyd Brasileiro ordenou ao capitão Mario Fonseca Tinoco que atravessasse o Atlântico Sul até o Cabo da Boa Esperança, na África do Sul, contornasse esta perigosa área marítima e entrasse no Oceano Índico. Daí ele deveria acompanhar a costa leste africana até o Golfo de Áden, entre os atuais países do Iêmen e do Djibuti. Daí o Taubaté iria entrar no Mar Vermelho e seguir até o Canal de Suez, ultrapassá-lo para navegar pelo Mar Mediterrâneo e chegar a Port Said, no Egito, seu destino final. Realmente o foguista João Lins podia se um homem pobre e trabalhar em uma função muito humilde no Taubaté, mas certamente era um potiguar que conhecia muito mais do mundo do que a maioria dos seus conterrâneos daquela época.

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O Taubaté.

Esta era uma Viagem longa, com muitas milhas marítimas a serem percorridas, mas o Lloyd estava colocando na mesma época não apenas o Taubaté, mas outros navios nessa mesma rota. Como foi o caso dos vapores Juazeiro e Atlântico, que saíram dias depois do Rio de Janeiro e seguiam a esteira do Taubaté.[14]

A viagem foi tranquila até o porto da cidade iemenita de Áden, dali o barco brasileiro foi escoltado por destróieres ingleses até o Canal de Suez. Essa prevenção tinha sentido, pois ali perto, na Etiópia e outras áreas da África Oriental, estavam se desenrolando sérios combates entre britânicos e italianos pela conquista desta região[15].

O Taubaté então atravessou o Canal de Suez sem problemas e chegou a Port Said.

Um Novo E Perigoso Contrato

Após descarregar todo o café e ficar com porões vazios a espera da próxima carga, mais de quarenta dias se passam desde a chegada do Taubaté naquele porto. É quando surgem as empresas Société de d’Avances Commerciales, do Egito, e a Shalon Brothers, de Isaac Shalon, um judeu radicado na Turquia.

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Port Said – Fonte – servatius.blogspot.com.br

Ambas as empresas fecham um acordo com o representante do Lloyd Brasileiro, que talvez fosse o próprio capitão Tinoco, para realizar um fretamento do porto egípcio de Alexandria até o porto de Boston, Estados Unidos. Mas antes disso o navio teria de pegar cargas em portos na ilha Chipre e mais cargas em Port Sudan, principal porto marítimo sudanês, às margens do Mar Vermelho. Na sequência haveria paradas nos portos de Buenos Aires, Montevideo, Santos, Rio de Janeiro, Nova York, Baltimore e finalmente Boston. O seguro da tripulação ficou a cargo dos contratantes estrangeiros.

Esse tipo de fretamento nada tinha de errado, o problema era percorrer a distância entre o Egito e o Chipre, uma ilha extremamente estratégica e colônia britânica no Mediterrâneo. Mesmo sendo apenas umas 200 milhas náuticas (380 quilômetros), quase nada em termos de distâncias marítimas, o que ocorria a volta de Chipre na época é que era o problema.

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Outra imagem do navio Schleswig, irmão gêmeo do Taubaté.

Acredito que, além de possíveis vantagens comerciais, o tempo de inatividade no Egito em meio a notícias dos combates cada vez mais intensos entre os britânicos e o Afrika Korps no vizinho deserto da Líbia, tenha feito com que o representante do Lloyd Brasileiro decidisse fechar o acordo com os contratantes da Société de d’Avances Commerciales e da Shalon Brothers. Mesmo com o risco, o Taubaté partiu para o Chipre. No futuro o Lloyd Brasileiro vai responder na justiça por liberar seu barco para percorrer esse trajeto[16].

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Porto de Limassol, Chipre, em 1941.

O navio brasileiro partiu e, segundo os jornais de época, esteve nos portos cipriotas de Limassol, Lanarca e finalmente Famagusta. Após o recolhimento de cargas, o Taubaté está de partida da ilha de Chipre para o Egito na manhã do dia 22 de fevereiro de 1941.

De Famagusta o conferente de cargas José Francisco Fraga, de 28 anos, que morava na Rua Souza Valente, n° 7, São Cristóvão, Rio de Janeiro, escreveu uma carta para sua família onde comentou que eles não “esperassem notícias dele nem tão cedo”[17].

Ele não tinha ideia de quanto tragicamente estava certo!

Alemães Ao Ataque

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O interessante livro do pesquisador inglês John Weal, JU 88 – Kampfgeschwader of north Africa and the Mediterranean (© 2009 Osprey Publishing Limired), aponta que entre janeiro e fevereiro de 1941, as três esquadrilhas de JU 88 A 4 que atuaram no X. Fliegerkorps tiveram uma vida bem movimentada naqueles dias.

John Weal é um autor especializado na história da Luftwaffe, com mais de 30 livros publicados sobre o tema e na sua obra afirma que estas aeronaves realizaram ataques aéreos a ilha de Malta, apoio as tropas do Afrika Korps que lutavam contra os britânicos, ataques a Benghazi e Tobruk na atual Líbia, ataques contra alvos no Egito, além de patrulhas marítimas e ataques a navios que seguiam em todo Mediterrâneo em comboios, ou solitários.

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Um Ju 88 do I. / LG 1, no Norte da África em 1942- Fonte – http://www.worldwarphotos.info

Isso é referente especificamente as missões dos JU 88 A 4. Fora estes aviões ainda estavam na região os formidáveis bombardeiros HE 111 H 3, os bombardeiros de mergulho Ju 87 R 1 Stukas, os caças bombardeiros BF 110 D 3 e outros mais. A Luftwaffe verdadeiramente malhava em ferro quente todo o Mar Mediterrâneo e o Norte da África[18].

Em 21 de fevereiro a Luftwaffe atacou o comboio AS.21, que seguia escoltado por três destróieres do porto de Piraeus, na Grécia, para Alexandria, Egito. Tudo começou com três JU 88 A 4 que caíram em cima dos treze navios do comboio quando estes navegavam no canal da ilha Citera, ao largo da extremidade sul da região do Peloponeso, a parte meridional da porção continental da Grécia. Os JU 88 atingiram o petroleiro dinamarquês, mas trabalhando para os ingleses, Marie Maersk, de 8.271 toneladas. Este foi rebocado para o porto de Piraeus bastante danificado, com seis tripulantes mortos, oito desaparecidos e quatro que foram capturados.

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Uma bela foto de um HE 111 do II. / KG 26, ainda em 1939 – Fonte -www.worldwarphotos.info

Após o amanhecer do dia 22 de março, quinze aeronaves alemãs novamente atacaram o comboio AS.21, desta vez a 22 milhas náuticas (35 quilômetros) ao sul da ilha de Gavdos, um pequeno promontório considerado um dos pontos mais extremos da Europa, a poucas milhas ao sul da ilha de Creta. Desta vez foi uma ação conjunta de bombardeiros Ju 88 A 4 e HE 111 H 3 que lançaram várias bombas e afundaram o mercante grego Embiricos Nicolaos (3.798 ton.) e o petroleiro norueguês Solheim (8.070 ton.)[19].

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Nariz de um HE 111. O metralhador disparava deitado – Fonte – http://www.theatlantic.com

Enquanto tudo isso ocorria, a quase 500 milhas náuticas de distância a leste dali (cerca de 930 quilômetros), por volta das cinco da manhã desse intenso dia 22 de março, o Taubaté deixava a ilha de Chipre[20].

Die Walküre

Sem maiores dados é impossível apontar se foi um Ju 88 A 4 ou um HE 111 H 3 alemão que atacou o navio brasileiro, bem como não sabemos de onde ele partiu e nem de qual esquadrilha fazia parte. Entretanto eu acredito que a ação ocorrida no começo da manhã contra o comboio AS.21, ao sul da ilha de Gavdos, pode ter feito com que outros bombardeiros nazistas continuassem a buscar o comboio para um novo ataque. Como os navios do AS.21 tentavam chegar a Alexandria, o mesmo destino do Taubaté, não é difícil supor que alguma destas aeronaves alcançou à área ao sul de Chipre e houve o encontro com o navio brasileiro[21].

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Representação artística de um JU 88 atacando um cargueiro. No caso do ataque ao navio brasileiro, sendo o atacante um avião deste modelo, essa bem poderia ser uma imagem próxima dos fatos.

Conjecturas a parte todas as informações apontam que por volta do meio dia, com o sol a pino, quando o navio estava a cerca de 100 milhas náuticas de Lanarca, surgiu um avião bimotor voando lento, baixo e ostentando a inconfundível suástica nazista na cauda, além de cruzes gamadas nas laterais e nas asas. Esses aviadores teutônicos não chegaram ao som do Ato terceiro da ópera Die Walküre, de Richard Wagner, mas ao som de potentes motores Jumo[22].

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Representação artística de um bombardeiro HE 111 atacando navio mercante. Imagem meramente ilustrativa.

A aeronave passou sobre o Taubaté e começou a realizar voltas. A tripulação ficou surpresa, mas tranquila, pois nos costados a bandeira brasileira estava nitidamente pintada e o Brasil ainda mantinha relações diplomáticas com a Alemanha Nazista. Entretanto, logo depois de dar algumas voltas o avião alemão começou a virar diretamente para o navio e veio em alta velocidade, foi quando a primeira de seis (algumas fontes apontam quatro) bombas foi lançada e uma coluna de água emergiu do Mediterrâneo. Imediatamente após o lançamento da primeira bomba começou as rajadas de metralhadoras do tipo MG[23].

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Metralhadora MG de um bombardeiro alemão em ação.

O capitão Mario Fonseca Tinoco contou que em um primeiro momento houve pânico a bordo. Certamente nessa hora o pessoal que não estava no convés, talvez por medo de alguma bomba atingir o casco e a nave afundar rapidamente, veio para fora da nave. Pode ser que nesse momento o potiguar João Lins tenha visto o avião atacante.

Os oficiais e os marujos mais experientes então transmitiram ordens e informações que conseguiram colocar a situação sob algum controle. O capitão Tinoco contou a um jornal de Recife que após a primeira bomba cair a sua ideia foi manter o curso do barco firme, permanecendo na mesma direção, sempre em frente. Não sei se essa era a melhor tática contra esse tipo de ataque, mas no caso do Taubaté deu certo[24].

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Imagem ilustrativa de um a bombardeiro alemão atacando um navio mercante com bombas.

O capitão tentou enviar toda sorte de sinais para o avião, mas a resposta eram mais disparos[25]. O avião nazista voltou e uma das bombas caiu muito perto do navio brasileiro, estremecendo tudo a bordo, varando o casco da embarcação com estilhaços, ferindo tripulantes e danificando o leme, que ficou inoperante. Os telegrafistas Américo Rodrigues da Silva, Josias Correia de Castro e Raimundo Evangelista Monteiro enviaram mensagens telegráficas sobre o ataque, mas seu posto de trabalho recebeu vários disparos e um deles foi ferido.

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Metralhador de bombardeiro alemão enquadrando um navio mercante com a sua MG. Imagem Meramente ilustrativa.

O capitão Tinoco mandou que içassem uma bandeira branca, mas nada disso demoveu os alemães do seu ataque. Ele também afirmou ao Diário de Notícias do Rio que algumas bombas eram pintadas de preto e uma de vermelho. Tripulantes comentaram que o avião passava muito baixo, “rente as antenas telegráficas” e chamou atenção dos brasileiros a insistência dos alemães em atirar com suas metralhadoras contra o navio e sua tripulação. Certamente aqueles aviadores queriam pintar na cauda de sua aeronave a silhueta do Taubaté, indicando seu afundamento.

Morto Agarrado à Bandeira do Brasil

Conforme o avião despejava bombas e balas, membros da tripulação eram feridos. O 2° cozinheiro Teodoro da Silva Ramos, morador da Rua Faria Braga, 34 A, morro de São Roque, São Cristóvão, Rio de Janeiro, levou vários estilhaços nas costas, ocasionando feridas que deixariam grandes cicatrizes. Outro ferido com gravidade foi Henrique Leandro da Silva, colega do potiguar João Lins Filho, que ficou com uma fratura no crânio. O maquinista Aníbal Landelino Borges levou tal quantidade de ferimentos, com alta gravidade, que ninguém a bordo acreditava na sua sobrevivência. Foi o valoroso trabalho do enfermeiro Emiliano Priamo da Silva que salvou sua vida e de mais outros doze feridos[26].

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Cargueiro debaixo de bombas.

Existe uma notícia coletada após o ataque, já em Alexandria, e transmitida inclusive por agências internacionais, que chamou muito a atenção do povo brasileiro – Um grupo de quatro tripulantes subiu em dos pontos mais altos do Taubaté levando uma grande bandeira do Brasil. Nesse local, em um intervalo dos disparos, cada um dos quatro homens segurou em uma das pontas do nosso pavilhão nacional para que pudesse ser visto e reconhecido pelo avião atacante. Mas se alguém no avião viu a bandeira verde e amarela foi para melhor fazer mira, pois o conferente José Francisco Fraga foi atravessado por vários tiros e morreu praticamente na hora. Dois dos seus colegas também ficaram feridos nesse momento.

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O carioca Fraga foi o primeiro brasileiro a perecer em decorrência de ação inimiga direta durante a Segunda Guerra Mundial[27].

Sem o leme o Taubaté então parou, o que o deixou completamente pronto para ser afundado. Neste ponto as narrativas são conflitantes, mas, ou por que a carga de bombas do avião havia encerrado, ou por imperícia dos aviadores em acertar o Taubaté, ele não foi atingido.

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Os aviadores nazistas até que tentaram, mas o Taubaté não foi fazer parte do desenho da cauda deste JU 88 baseado na Itália em 1941.

Mesmo assim o capitão deu ordens de abandonar o navio, mas os tripulantes do bombardeiro continuaram disparando suas M.G., frustrando as tentativas de fuga dos marinheiros e também atingindo, ou “picotando”, os barcos salva vidas. Foi neste momento que o foguista João Pereira da Silva, que segurava uma das cordas utilizadas para arriar uma das baleeiras do navio recebeu uma saraivada de estilhaços, caiu sobre o convés e desmaiou[28].

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Nesta foto de jornal vemos na extrema esquerda o conferente Fraga e o cachorro Taubaté, mascote do navio brasileiro.

A mastreação, a chaminé, o casco, tombadilho, ponte de comando, o camarote do capitão, a sala de radiotelegrafia ficaram crivados de disparos. As metralhadoras do avião varreram o convés de popa a proa. O mascote de bordo, um cachorro chamado Taubaté, foi ferido duas vezes, mas sobreviveu[29].

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HE 111 atacando nave mercante – Fonte – warfarehistorynetwork.com

O imediato Armando Viana comentou ao Diário de Pernambuco que o ataque só parou quando surgiu outro avião no horizonte. Alguns tripulantes ficaram assustados com o novo “visitante”, mas o bombardeiro nazista desapareceu “como por encanto”, pois a nova aeronave era inglesa. Para o imediato era um “Spitfire”, mas documentos oficiais do Almirantado, que aqui reproduzo abaixo, apontam que a aeronave salvadora era um hidroavião.

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Os informes que li afirmam que o ataque do avião alemão durou, dependendo da fonte, de 60 a 90 minutos[30].

Notícias no Brasil

O Taubaté consegue chegar a Alexandria, onde está atracado o vapor Juazeiro, que dá todo apoio ao pessoal do navio atacado, bem como as autoridades consulares brasileiras do Cairo, as autoridades britânicas e egípcias. Em meio a muito buraco de bala, pedaços de estilhaços e sangue, os tripulantes são removidos para o hospital.

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O conferente José Francisco Fraga é enterrado em cerimônia simples, mas carregada de muita emoção, no Cemitério Cristão de Alexandria. Ele morreu um dia antes de completar 29 anos e deixou no Rio a noiva Geraldina Gonçalves com o enxoval pronto para o casamento que iria se realizar no seu retorno. Mas o sonho foi desfeito.

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Pelos próximos dias do ditador Getúlio Vargas e seus Ministros, juntamente com o Lloyd Brasileiro, prometem apoio às famílias e especialmente atender o pedido de Dona Isabel Maria Fraga –  O de trazer o cadáver do conferente Fraga para ser enterrado no Rio[31]. Outra situação envolvendo a Senhora Isabel foi que ela declarou a imprensa que não dormiu direito na noite do dia 22 de março e sonhou com seu filho vestindo seu imaculado uniforme branco da Marinha Mercante, mas este estava manchado de sangue[32].

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No Brasil a notícia do ataque ao Taubaté causa surpresa e indignação, mas não ao ponto de gerar protestos públicos. O tema é notícia de primeira página em todos os jornais do país. Mas estranhamente em Natal, capital do Estado onde o foguista João Lins Filho é natural, os dois principais jornais locais, A República e A Ordem, pouco comentou sobre o ataque em si e apenas lançaram pequenas notas sobre a situação do conterrâneo. Mas temos a informação que seus familiares foram até a Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS, na Ribeira, onde procuraram o Diretor José Gomes da Costa em busca de notícias junto ao Lloyd Brasileiro sobre o tripulante potiguar do Taubaté, que felizmente eram positivas.

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O Itamaraty emite uma nota de protesto para a Alemanha Nazista, cuja chancelaria respondeu cerca de oito dias depois informando que iria apurar o caso e punir quem tivesse cometido erros. Mas ficou só nisso[33].

Lento e Complicado Retorno

O navio atacado e sua tripulação permaneceram 47 dias no Egito, onde foram feitos reparos e os tripulantes feridos gradualmente se recuperavam. Foi classificado de verdadeiro milagre ter havido um único falecimento devido ao ataque aéreo. No dia 25 de março o foguista João Pereira da Silva é operado por hábeis médicos e enfermeiras ingleses do B.M.H. Alexandria (British Military Hospital Alexandria). Estes profissionais retiram do seu corpo quatro estilhaços de projetis de metralhadora da região frontal e dois estilhaços do braço. O foguista perdeu todos os dentes de sua arcada superior[34].

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O B.M.H. Alexandria (British Military Hospital Alexandria) – Fonte – http://www.mycommunity.org.sg

Durante este período a tripulação do Taubaté testemunhou alguns ataques aéreos germânicos, tanto de dia quanto a noite, bem como a ação defensiva britânica com o uso de canhões antiaéreos. Felizmente o navio não foi atingido[35].

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Porto de Alexandria, Egito.

Finalmente chegou o dia de partir. O navio estava extremamente carregado de algodão egípcio, couros, lã, goma arábica e outras cargas menores. Seguiu em direção sul, bordejando a costa leste africana, refazendo em sentido contrário seu caminho anterior. Houve escalas em Port Sudan, Áden e Lourenço Marques, capital do então o território da África Oriental Portuguesa (atual Maputo, capital de Moçambique).

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Nesta cidade as autoridades coloniais portuguesas realizaram uma recepção tão acolhedora que o capitão Tinoco considerou como uma verdadeira “homenagem”. Provavelmente foi neste porto que o comandante percebeu que a sua tripulação precisava de um descanso. Eles estavam longe de casa há vários meses e tendo passado por problemas complicados, vendo alguns companheiros feridos e um morto, em meio a uma situação inusitada. O capitão decidiu então refazer o roteiro e seguir para Recife. Ali seria feita a troca da tripulação, antes de ir para os Estados Unidos.

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Mas antes houve uma parada no porto de East London, uma cidade localizada na costa sudeste da África do Sul. Parada rápida, mas ao voltar ao alto mar em direção ao Brasil o Taubaté foi atingido por uma violenta tempestade, que no pensamento do imediato Armando Viana “Só não foi ao fundo porque estava bem carregado”. Mas essa tempestade marcou a tripulação já atingida, pois um dos seus membros foi simplesmente levado do convés pela força das águas e desapareceu.

O Taubaté segue então para a capital pernambucana atravessando o Oceano Atlântico com suas combalidas máquinas, conseguindo ridículos quatro nós de velocidade. Leva mais de um mês para conseguir esse feito.

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Ao entrar no porto, as cinco da tarde do dia 13 de agosto de 1941, a situação do navio era de tal penúria, que somente com o apoio do rebocador 4 de outubro é que ele entra no porto.

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Porto do Recife

Uma verdadeira multidão de pernambucanos vai ao cais do porto testemunhar a chegada do Taubaté, que ancora no Armazém 5, onde as autoridades portuárias, a imprensa e até mesmo alguns parentes do pernambucano Teodoro da Silva Ramos esperavam ansiosos para visitar o 2° cozinheiro ferido. Chama atenção de todos os furos dos projetis e estilhaços em vários locais do barco. Quando desembarcam um dos tripulantes mostra a imprensa uma caixa cheia de estilhaços que atingiu o barco Taubaté [36].

Finalizando

Após os reparos o Taubaté retornou as atividades de navegação comercial em meio a Segunda Guerra Mundial. Documentos apontam que esse navio participou de vários comboios entre o Brasil e a ilha de Trinidad, ou de Nova York para Guantánamo, Cuba, e de lá para a zona do Canal do Panamá. Em agosto de 1944, conforme podemos ver neste documento da US Navy, o Taubaté inclusive comandou um destes comboios.

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Mas em um sábado, 3 de julho de 1954, o velho navio com mais de cinquenta anos de mar encalhou na ponta do molhe do porto de Recife e ali encerrou a sua trajetória[37].

Provavelmente após a volta do Taubaté Dona Isabel Fraga, a mãe do falecido tripulante, soube dos detalhes do ocorrido e não se conformou. Certamente açodada pelo não cumprimento da promessa do retorno do corpo de seu filho de Alexandria para o Rio, ela abriu um processo contra o Lloyd Brasileiro perante a vara dos feitos da fazenda do Rio de Janeiro. Representada pelo advogado Alberto de Oliveira, a querelante reclamava do contrato firmado pelo Lloyd para ir ao Chipre, em meio a um conflito bélico e a revelia da tripulação. Ela pedia uma indenização de 100 contos de réis.  

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Mas parece que a opinião pública não compreendeu muito bem a busca de Dona Isabel por uma indenização. Ainda mais em uma época onde o que não faltava no Brasil eram famílias chorando o desaparecimento de seus entes queridos, em meio a dezenas de afundamentos de navios nacionais provocados por submarinos do Eixo. Dois anos depois mais de 25.000 homens seguiriam para a Itália com a missão de combater diretamente os nazistas e o caso de Dona Isabel cairia no esquecimento. Não descobri os desdobramentos do seu processo[38].

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Foto de jornal da tripulação do Taubaté.

Outro que sofreu no corpo foi o foguista João Pereira da Silva, que dois anos depois ainda sofria de terríveis dores físicas por causa de vários estilhaços no seu corpo. Em março de 1942 ele se encontrava internado no Hospital Gaffrée e Guinle, no Rio de Janeiro, para mais uma operação de retirada de estilhaços. Este era a décima “lembrança” daquele dia a ser retirado, desta vez na região temporal direita e ele seria operado pelo médico Armando Amaral. O foguista João Pereira da Silva se encontrava internado neste hospital através de ações do Instituto dos Marítimos, entidade que defendia sua classe. Mas Pereira estava sem receber um centavo de fonte alguma[39].

Nada mais encontrei sobre o discreto potiguar João Lins Filho, que aparentemente nunca se interessou de contar esse episódio fora de seu círculo mais próximo de parentes e amigos, sobre o seu destino. Talvez, como aconteceu com muitos potiguares humildes que conheciam outras terras naquele tempo, decidiu deixar para trás o Rio Grande do Norte.

Última questão – É possível que João Lins Filho não tenha sido o primeiro potiguar a testemunhar os horrores da Segunda Guerra Mundial?

Sim, é possível.

Mas até que alguém prove o contrário, pelo menos em termos documentais, ele foi dos nossos conterrâneos o que primeiro viu algo que nunca deveria ter acontecido.

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NOTAS

[1] A família Lins era muito numerosa na área do Engenho Cajupiranga, cujo dono na década de 1920 era o fazendeiro Virgílio Lins, senhor de largas faixas de terras e essas áreas são hoje parte da cidade potiguar de Parnamirim. Sei também que os Lins se espalharam pela região litorânea, na área da antiga cidade de Papary, hoje Nísia Floresta, e na área das praias de Pirangi e Tabatinga.

[2] Ver jornal A Noite, Rio de Janeiro-RJ, edição de quarta-feira, 7 de junho de 1917, pág. 3 e o jornal O Imparcial, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta-feira, 9 de agosto de 1917, pág. 6.

[3] Ver Relatório do Ministério da Marinha, Abril de 1916, Imprensa Naval, Rio de Janeiro, pág. 135

[4] Algumas fontes apontam que o Taubaté só teria sido adquirido pelo Lloyd Brasileiro em 1925. Mas os jornais de época apontam a versão que desde o seu confisco ele já passou para a responsabilidade desta empresa

[5] Ver jornal O Imparcial, Rio de Janeiro-RJ, edição de domingo, 7 de outubro de 1917, pág. 6.

[6] Mario Fonseca Tinoco foi imediato no vapor Acary durante a Primeira Guerra Mundial, quando este navio foi torpedeado em 3 de novembro de 1917 pelo submarino alemão U-151, próximo ao arquipélago de Cabo Verde, África. Logo foi promovido a comandante de navios, mas em 1932 Fonseca se aliou aos paulistas na Revolução Constitucionalista e foi por isso foi exilado em Portugal. Já em 1936 a situação dele ficou complicada no Lloyd Brasileiro, pois estava no comando do navio Una quando este afundou na costa catarinense em 26 de outubro de 1936. Sobre o afundamento do Acary, ver jornal A Razão, Rio de Janeiro-RJ, edição de domingo, 4 de dezembro de 1917, pág.1. Sobre a participação do capitão de longo curso Mario Fonseca Tinoco na Revolução Constitucionalista ver https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/108009/ISSN1808-1967-2007-3-1-108-123.pdf?sequence=1 Em relação ao afundamento do Una ver jornal A Razão, Rio de Janeiro-RJ, edição de terça feira, 27 de outubro de 1936, pág.5.

[7] Ver o jornal O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta feira, 27 de março de 1941, pág. 4.

[8] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 27 de março de 1941, pág. 1.

[9] As unidades, as bases e os aviões da X Fliegerkorps na Itália entre janeiro e fevereiro de 1941 foram os seguintes –

Unidade          Base         Avião

Stab / LG 1   Catania       Ju 88 A-4

  1. / LG 1 Catania        Ju 88 A-4

III. / LG 1      Catania      Ju 88 A-4

  1. / KG 26  Comiso      He 111 H-3
  2. / KG 4 Comiso         He 111 H-3

(F)/121          Catania        Ju 88 D-1

III. / ZG 26     Palermo    Bf 110 D-3

Stab / St.G 3  Trapani     Ju 87 R-1

I./ St.G 3       Trapani       Ju 87 R-1

  1. / St.G 3 Trapani     Ju 87 R-1
  2. / JG 26 Gela            Bf 109 E-7
  3. / NJG 3 Gela           Bf 110 E-3

[10] Sobre a Luftflotte 2 ver https://weltkrieg2.de/luftwaffe-2-september-1939/ . Sobre a X Fliegerkorps ver https://www.asisbiz.com/Luftwaffe/xfk.html e http://deacademic.com/dic.nsf/dewiki/2635768 . Sobre o marechal Albert Kesselring ver http://www.fliegerhorste.de/rothwesten.htm .

[11] Sobre o ataque ao HMS Illustrious ver http://ww2today.com/10th-january-1941-luftwaffe-planes-attack-hms-illustrious .

[12] Sobre o afundamento do HMS Southampton ver https://maltagc70.wordpress.com/tag/hms-southampton/ .

[13] As fontes aqui pesquisadas informam que o Taubaté possuía como sistema de comunicação apenas o posto telegráfico para emitir sinais em código Morse. Mas encontrei a informação que eles possuíam rádios de ondas curtas e certamente captavam o serviço em português da BBC, o principal meio que os brasileiros do início da década de 1940 utilizavam para conseguir notícias internacionais.

[14] . Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro-RJ, edição de sábado, 5 de abril de 1941, pág. 1.

[15] Os combates na África Oriental, ocorridos entre 1940 e 1941 são episódios pouco conhecidos no âmbito da Segunda Guerra Mundial. Ver https://web.archive.org/web/19970121012937/http://gi.grolier.com/wwii/wwii_8.html e http://www.bbc.co.uk/history/ww2peopleswar/timeline/factfiles/nonflash/a1057547.shtml

[16] Toda a questão do trajeto deste navio, a questão do fretamento e outras considerações estão incluídas no processo aberto pela mãe de José Francisco Fraga, a Senhora Isabel Maria Fraga, que processou judicialmente o Lloyd Brasileiro em 1942 pela morte do seu filho. Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 13 de fevereiro de 1942, pág. 1.

[17] Ver Diário Carioca, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 4 de abril de 1941, pág. 1.

[18] John Weal é escritor, artista gráfico, autor prolífico e bem estabelecido sobre assuntos ligados a aviação militar alemã na Segunda Guerra Mundial. Possui uma das maiores coleções privadas de literatura original de língua alemã sobre este conflito e sua pesquisa sobre a Luftwaffe está firmemente baseada neste enorme arquivo. Ele mora na histórica vila de Cookham, Berkshire, a oeste de Londres, Inglaterra.

[19] Sobre os ataques da Luftwaffe no Mar Mediterrâneo nos dias 21 e 22 de março de 1941, especialmente o ataque ao sul da ilha Gavdos ver http://www.warsailors.com/singleships/solheim.html  e http://www.naval-history.net/xDKWW2-4103-30MAR02.htm .

[20] O Chipre era na Segunda Guerra um local extremamente estratégico como importante base de fornecimento de materiais e treinamento, além de possuir uma estação naval.

[21] No processo aberto pela Senhora Isabel Maria Fraga contra o Lloyd Brasileiro em 1942, existe a ideia que a saída do Taubaté de Chipre tenha sido comunicada por espião nazista a Luftwaffe, que então enviou um avião para o ataque. Apesar de plausível, essa versão carece de maiores dados para sua corroboração. Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 13 de fevereiro de 1942, pág. 1.

[22] Segundo dados existentes, deferentes versões deste tipo de motor equipavam tanto o JU 88 A 4 como o HE 111 H 3 da LuftWaffe, então em ação naqueles dois primeiros meses de 1941 no mar Mediterrâneo e no Norte da África.

[23] As várias voltas do bombardeiro talvez possam indicar que a tripulação da aeronave viu a pintura da bandeira brasileira, sabidamente um país neutro. Mas era inegável para eles que a proa do navio apontava em direção ao Egito, local onde se encontravam seus inimigos. Aí fica mais fácil, embora sem justificativa, entender a razão do ataque pelos aviadores alemães.

[24] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de terça feira, 26 de agosto de 1941, pág. 5.

[25] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro-RJ, edição de sábado, 5 de abril de 1941, pág. 1.

[26] O 2° cozinheiro Teodoro da Silva Ramos, também é apresentado por alguns jornais como Teodósio da Silva Ramos. Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 14 de agosto de 1941, pág. 5.

[27] Confesso que pensei não ser real a notícia envolvendo a morte do conferente Fraga segurando a nossa bandeira. Imaginei que poderia ser o tipo de notícia ufanista, típica da propaganda do governo Vargas. Uma “patriotada” como se diz hoje em dia. Mas tudo indica que a história é verídica, segundo notícias vinculadas na época pela própria BBC. Ver o jornal O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta feira, 27 de março de 1941, pág. 4 e o jornal A Noite, Rio de Janeiro-RJ, edição de sábado, 5 de abril de 1941, págs. 1, 2 e 3.

[28] Ver o jornal O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta feira, 17 de março de 1942, pág. 2.

[29] Ver Diário da Noite, Rio de janeiro-RJ, edição de sexta-feira, 4 de abril de 1941, págs. 1 e 2. Os jornais cariocas basicamente reproduziram uma reportagem feita pelo jornal A Tarde, de Salvador, que deu o furo com as informações transmitidas pelo jornalista Larry Alena, da Associated Press, que realizou uma visita ao Taubaté em Alexandria após a sua chegada.

[30] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 27 de março de 1941, pág. 1.

[31] Mas essa situação só vai acontecer depois da deposição de Getulio Vargas. Somente em agosto de 1946, durante o governo de Gaspar Dutra, o navio “Camboinhas” chega ao Rio com os despojos de José Francisco Fraga.

[32] Ver Diário Carioca, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 4 de abril de 1941, pág. 3.

[33] Ver jornal A Noite, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 3 de abril de 1941, pág. 1 e a edição de sábado, 12 de abril de 1941, pág. 3.

[34] Ver o jornal O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta feira, 17 de março de 1942, pág. 2.

[35] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 14 de agosto de 1941, pág. 5.

[36] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 14 de agosto de 1941, pág. 5.

[37] Ver Diário de Pernambuco, Recife-PE, edição de quinta feira, 8 de julho de 1954, pág. 3.

[38] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro-RJ, edição de sexta feira, 13 de fevereiro de 1942, pág. 1.

[39] Ver o jornal O Radical, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta feira, 17 de março de 1942, pág. 2.

O BRASIL TAMBÉM TEVE CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO

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Durante a Segunda Guerra Mundial, também tivemos nossos campos de concentração – onde japoneses, italianos e principalmente alemães ficaram confinados. Conheça as histórias dessas pessoas.

Manhã de 2 de março de 1944. Na Estação Experimental de Produção Animal de Pindamonhangaba, uma fazenda no interior de São Paulo, ouviu-se um som que não era comum no local. Era o choro de uma criança nascendo. Mas não uma criança qualquer. O choro era de Carlos Johanes Braak, o único brasileiro nascido em um campo de concentração – e em seu próprio país. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil manteve 31 campos de concentração, para onde mandava os cidadãos de países do Eixo – a coligação formada por Itália, Japão e Alemanha. Os pais de Carlos, que eram alemães, estavam entre as centenas de pessoas que viveram esse lado menos cordial da história brasileira. “Era uma fazenda. O estábulo virou um dormitório. Minha mãe ficava numa casa, separada. Foi onde passei os dois primeiros anos da minha vida”, lembra Carlos.

O pai de Carlos se chamava August Braak. Sua mãe, Hildegard Lange. Eles partiram de Hamburgo, na Alemanha, em direção à Cidade do Cabo, na África do Sul. Estavam a bordo de um navio chamado Windhuk, no qual August trabalhava como comissário e tesoureiro.
O Windhuk era uma embarcação turística, mas também coletava mercadorias. Quando a 2ª Guerra começou, o navio já estava no continente africano – em Lobito, Angola, recebendo um carregamento de laranjas. O navio não tinha como voltar para a Alemanha em guerra, pois estava sendo perseguido por embarcações inglesas. O capitão decidiu fugir para o Brasil. E a embarcação acabou chegando ao Porto de Santos disfarçada de navio japonês, com o nome de Santos Maru, em 7 de dezembro de 1939.

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Assim que o navio chegou aqui, ficou evidente que ele não era japonês coisa nenhuma. Mas os alemães foram bem recebidos. August e Hidelgard, bem como os outros 242 tripulantes, viviam em Santos e redondezas. Alguns moravam no próprio barco, outros, em pensões. Todos recebiam salários do governo alemão, e levavam uma boa vida. Em 19 de abril de 1940, os pais de Carlos se casaram numa festa a bordo do navio.

Mas, em 1942, tudo mudou. O Brasil rompeu relações diplomáticas com os países do Eixo – cujos cidadãos passaram a ser considerados inimigos. “O governo brasileiro precisava fazer isso [criar os campos de concentração] para se alinhar com as estratégias dos Aliados e dos EUA”, explica a pesquisadora Priscila Perazzo, autora do livro Prisioneiros da Guerra (Ed. Humanitas). Alguns estrangeiros foram mandados para presídios comuns – como os de Ilha Grande e Ilha das Flores (RJ). Mas a maioria foi para campos de concentração, organizados pelo Ministério da Justiça.

Os pais de Carlos foram parar num desses campos – a fazenda em Pindamonhangaba, onde ficaram confinados 136 alemães do navio Windhuk. Eles foram presos porque seu navio tinha chegado ao Brasil durante a guerra, coisa que o governo interpretou como uma ameaça.

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Os prisioneiros não podiam manter suas tradições. Nada de ler livros em alemão, por exemplo. Mas o clima era relativamente tranquilo. Alguns prisioneiros podiam visitar o centro da cidade aos sábados, aonde iam acompanhados pelos guardas. “Era comum os presos chegarem carregando os fuzis dos guardas, que sempre voltavam bêbados”, diz Carlos.

Trabalhos forçados 

A outra parte da tripulação do navio foi parar no campo de Guaratinguetá – entre eles Horst Judes, também tripulante do Windhuk, que tinha 19 anos. Quando desembarcou em Santos, foi um dos que ficaram vivendo no navio, até ser preso em 1942. No campo de concentração de Guarantinguetá, o tratamento não era tão bom. “Éramos obrigados a trabalhar no campo”, conta o alemão em entrevista em 2011, com 87 anos e dono de uma chácara no interior de São Paulo. A rotina no campo de Guarantinguetá era acordar cedo, pegar enxada e picareta e dar duro. Cada prisioneiro levava um número nas costas. “O meu era 17”, conta Horst. O café da manhã tinha dois pãezinhos e uma caneca de café. No almoço e no jantar era só arroz com feijão. Às quintas e aos domingos, era dia de macarrão. Mas a comida nem sempre era suficiente, e os prisioneiros dependiam de padrinhos, geralmente alemães livres, que os ajudavam de diversas maneiras. Alemães livres? Sim. A maior parte dos imigrantes não foi presa. Iam para os campos aqueles que chegavam ao Brasil em plena guerra, ou eram suspeitos de espionagem.

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Foi graças a esse apadrinhamento que Horst conseguiu sobreviver depois de ser solto, em 1945. “Saímos do campo sem dinheiro nem emprego. Foram os padrinhos que nos ajudaram. O meu era de São Paulo. Trabalhei como mordomo e até como taxista”, conta. Como a maioria desses estrangeiros, ele também constituiu uma família brasileira, e diz gostar do país que adotou de maneira forçada.

Na época, o governo brasileiro fazia de tudo para mostrar que os prisioneiros de guerra eram bem tratados – o que nem sempre era verdade. O tempo de internamento variava. Houve pessoas que ficaram 3 anos presas, mas outras conseguiam ser libertadas mais cedo. Também é difícil definir exatamente o número de presos que foram mandados para os campos de concentração brasileiros entre 1942 e 1945, pois os registros são vagos. Mas existe uma documentação que revela nomes e, em alguns campos, o número exato de prisioneiros que passaram por lá. Os registros comprovam que a maioria era de alemães, seguidos de japoneses em bem menor número, italianos e um ou outro austríaco.

Juventude Hitlerista 

Poucas pessoas foram tão afetadas com o internamento nos campos quanto Ingrid Helga Koster, cujas memórias registrou no livro Ingrid, uma História de Exílios (Ed. Sagüi). Nascida no Paraná, ela se tornou órfã de pai com apenas 1 ano de idade. Quando tinha 5 anos, sua mãe se casou novamente, com um alemão. Seu padrasto, Karl von Schültze, tinha migrado para o Brasil em 1920, para fugir da crise que castigava a Alemanha depois da 1ª Guerra Mundial. Schültze chegou aqui e, junto com outros estrangeiros, começou a trabalhar em uma empresa alemã, a AEG, fazendo instalações elétricas em vários lugares do país. Ele se casou com a mãe de Ingrid no início dos anos 30, em Rio Negro, no Paraná. Pouco depois a família, já com duas outras filhas, se mudou para Joinville, em Santa Catarina, cidade dominada pela cultura alemã. Ingrid se lembra de ouvir no rádio um novo chanceler que assumira o poder na Alemanha, cujo carisma a deixava emocionada. “Eu ficava arrepiada. Ele sabia falar com o povo. Nós não imaginávamos o que estava acontecendo”, conta Ingrid. O tal chanceler era Hitler.

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Então começou a guerra, e o pai de Ingrid pressentiu que as coisas ficariam ruins. Ele proibiu, mais de uma vez, que Ingrid se unisse ao movimento Juventude Hitlerista que existia em Joinville. Na Alemanha, esse grupo foi criado para reunir e doutrinar ideologicamente os jovens de 6 a 18 anos. No Brasil, o grupo assumiu um tom mais brando – servia principalmente como ponto de encontro para os imigrantes alemães. Mas o pai de Ingrid não quis nem saber. E também queimou todos os livros em alemão que tinha em casa. Entre eles o famoso Mein Kampf (Minha Luta), de Hitler.

Até que, em 1942, a polícia bateu à porta. “Eles chegaram procurando pelo meu pai, o levaram e ficamos dias sem notícias. Até que chegou um comunicado dizendo que ele estava preso aqui em Joinville”, lembra ela, que depois de algum tempo passou a levar marmitas para seu pai no Hospital Oscar Schneider, adaptado como campo de concentração à época. O governo brasileiro acreditava que Karl fosse um espião nazista.

Por isso, o regime de confinamento dele era rígido. Nos dois meses em que ficou em Joinville, nenhum familiar pode visitá-lo. A marmita era entregue aos guardas. Até que certo dia, quando Ingrid foi levar a comida, lhe avisaram que seu pai não estava mais lá: tinha sido transferido para o Presídio da Ilha das Flores, no Rio de Janeiro. “Nosso dinheiro acabou e tivemos que voltar para o Paraná, viver do jeito que dava”, diz Ingrid. “Nossa casa era apedrejada, pichavam a suástica nos muros. Nós éramos o inimigo.”

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Daí em diante, ela só pôde visitar o padrasto uma vez por ano – no Natal. Quando a guerra acabou, Karl foi libertado por falta de provas. Mas seu chefe na AEG, Albrecht Gustav Engels, acabou condenado a 8 anos de prisão por fazer espionagem nazista. “Meu pai nunca falou sobre os tempos em que ficou preso. Mas acredito que tenha sofrido muito, inclusive tortura, porque antes era uma pessoa alegre e depois se tornou calado, triste”, conta Ingrid. Ela chegou a perguntar antes de o padrasto morrer, em 1966, se ele realmente espionara. Karl deu uma resposta vaga, e disse apenas que não foi condenado. Então ele era mesmo um espião nazista? “Até hoje não tenho certeza”, admite Ingrid.

Mesmo tendo passado por sofrimentos e humilhações, os prisioneiros alemães não quiseram deixar o Brasil depois da guerra. Como o padrasto de Ingrid. “Quando eu perguntava se ele não gostaria de voltar, ele dizia que, apesar de tudo, agora era brasileiro.”

Os principais campos de detenção
1. Tomé-Açú (PA)
A 200 km de Belém. Recebeu alemães e japoneses.
2. Chã de Estêvão (PE)
Abrigou empregados alemães da Cia Paulista de Tecidos (hoje conhecida como Casas Pernambucanas).
3. Ilha das Flores (RJ)
Nessa cadeia, prisioneiros de guerra foram misturados com detentos comuns – uma violação das leis internacionais.
4. Pouso Alegre (MG)
O campo de Pouso Alegre reunia presos militares: os 62 marinheiros do navio Anneleise Essberger.
5. Guaratinguetá e Pindamonhangaba (SP)
Fazendas que pertenciam ao governo e foram adaptadas para receber alemães.
6. Oscar Schneider (SC)
Hospital transformado em colônia penal.

FONTE – http://noitesinistra.blogspot.com.br/2013/09/o-brasil-tambem-teve-campos-de.html

 

É VERDADE QUE O BRASIL VENCEU UMA GRANDE BATALHA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL?

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O mais correto seria dizer que o Brasil conseguiu grandes vitórias em pequenas batalhas da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

A Força Expedicionária Brasileira (FEB) entrou em combate na Europa a partir do segundo semestre de 1944. Do lado dos aliados (Inglaterra, França, União Soviética e Estados Unidos), a FEB enfrentou as forças do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) em território italiano, no chamado front do mediterrâneo. “Tivemos duas importantes vitórias em pequenas batalhas: Monte Castelo, em fevereiro de 1945, e Montese, em abril de 1945”, afirma o historiador Vágner Camilo Alves, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

Se alguém duvida de que essas batalhas foram secundárias no contexto geral da Segunda Guerra, basta analisar o efetivo brasileiro em ação. A FEB participou do conflito com apenas uma divisão de infantaria, enquanto só no front do Mediterrâneo os aliados contavam com um total de 23 divisões.

Aqui no Brasil, propagandas ufanistas, principalmente na época do governo militar (1964-1985), criaram a impressão de que a conquista de Monte Castelo – montanha da cordilheira apenina, no norte da Itália – foi uma batalha fundamental na Segunda Guerra.

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Apesar dessas ressalvas sobre a real dimensão de nossas vitórias, a atuação dos soldados brasileiros foi heróica. Mesmo mal treinados, com equipamento inadequado e enfrentando um frio de até 15 ºC negativos, eles conseguiram derrotar as forças alemãs que estavam entrincheiradas no alto do monte Castelo.

A ação brasileira fez parte de uma ofensiva maior de todo o IV Corpo do Exército dos Estados Unidos – do qual a FEB era uma das divisões. O resultado dessas operações conjuntas foi a expulsão dos alemães dos montes Apeninos, permitindo uma ofensiva dos aliados no norte da Itália que marcaria o fim dos confrontos no país.

Guerra no morro Tropas brasileiras enfrentaram até “fogo amigo” para conquistar Monte Castelo.

  1. A FEB já havia tentado tomar o monte Castelo três vezes no fim de 1944, acumulando cerca de 400 mortos e feridos. Na noite de 20 de fevereiro de 1945, a artilharia brasileira bombardeia os alemães posicionados na montanha dando início à quarta tentativa. Cinco ou seis caça-bombardeiros, possivelmente do esquadrão “Senta Pua”, metralham os alemães
  2. Na manhã do dia 21, três batalhões de infantaria da FEB recebem ordem de avançar para tentar tomar o monte. Os alemães respondem com fogo cerrado e a artilharia brasileira dá o troco, mas perde a mira e quase atinge nossas próprias tropas. O avanço é interrompido
  3. Ao meio-dia, o general americano Mark Clark, comandante das operações na Frente Italiana, visita o general brasileiro Mascarenhas de Moraes e vem a ordem para o avanço continuar. Uma unidade de elite americana toma espinhaços próximos para ajudar a subida dos brasileiros
  4. Perto das 14 horas, batedores relatam a chegada de reforços alemães que vieram de regiões próximas. Mesmo assim, as tropas brasileiras seguem avançando e atacam o penúltimo ponto antes de alcançar o cume do Monte Castelo
  5. Às 15h30, os combates diminuem e uma relativa calma se impõe na montanha. Os soldados brasileiros aproveitam para atender feridos e acompanhar as evoluções de um teco-teco da FEB que sobrevoa lentamente a área em missão de reconhecimento
  6. Às 16h20, a artilharia brasileira concentra seu fogo sobre a montanha, e o cume se transforma numa grande cratera. Oculta pela fumaça, uma unidade da FEB avança, mesmo sabendo que os aliados americanos ainda não conseguiram conquistar um ponto estratégico
  7. Sob uma chuva de morteiros nazistas, patrulhas brasileiras e alemãs se enfrentam em combates corpo-a-corpo, usando submetralhadoras, pistolas e fuzis com baioneta. Às 17h50, o tenente-coronel brasileiro Emílio Rodrigues Franklin anuncia pelo rádio: “Castelo é nosso!”

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Atrás da linha vermelha

As forças do Eixo na Itália tinham uma linha de defesa chamada Gustav. Quando ela foi rompida pelos aliados, em 1944, os alemães se retiraram para o norte, no alto da cordilheira apenina. Lá, montaram nova linha defensiva, a Gótica, da qual fazia parte o Monte Castelo.

Mergulhe nessa

Na livraria:

O Brasil e a Segunda Guerra Mundial: História de um Envolvimento Forçado – Vagner Camilo Alves, Editora Loyola, 2002

Guerra em Surdina: Histórias do Brasil na Segunda Guerra Mundial – Boris Schnaiderman, Editora Brasiliense, 1995

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Na internet:

http://www.exercito.gov.br/NE/2001/02/9801/feb801.htm

http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos37-45/ev_brnaguerra_operacoes.htm

FONTE – Roberto Navarro | Edição 36, Revista Mundo Estranho – http://mundoestranho.abril.com.br/materia/e-verdade-que-o-pais-venceu-uma-grande-batalha-na-segunda-guerra

UM LEGÍTIMO PILOTO BRASILEIRO NA RAF – FATO OU MITO?

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SERIA REAL A HISTÓRIA DE UM MARANHENSE VOLUNTÁRIO NA FORÇA AÉREA DE SUA MAJESTADE DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL?

Autor – Rostand Medeiros

Os leitores que acompanham nosso blog, sabem que não é raro a publicação de temas que envolvem os fatos relativos a Segunda Guerra Mundial. Para aqueles que gostam deste assunto e frequentam nosso espaço, certamente já tiveram a oportunidade de conhecer algumas histórias sobre combatentes de países aliados que viveram, ou nasceram no Brasil.

Ver – https://tokdehistoria.wordpress.com/2012/12/07/4574/

https://tokdehistoria.wordpress.com/2013/12/08/um-heroi-da-raf-em-malta-que-cresceu-em-recife/

Estes eram filhos de pais estrangeiros que aqui trabalhavam e outros tinham mães brasileiras. O certo é que diante do conflito que a terra de seus antepassados estava envolvida eles não titubeavam em trocar a segurança proporcionado pela distância geográfica do nosso país em relação aos locais de combate e partiam para a guerra. Se eles não eram brasileiros legítimos, na concepção legal a situação, certamente em suas mentes e corações possuíam muito do que é proporcionado àqueles que vivem neste belo e intrigante país tropical.

Apesar do prazer de trazer ao conhecimento dos nossos leitores estes interessantes fatos, pessoalmente sempre busquei alguma história que envolvesse brasileiros natos, que não fossem descendentes de pessoas oriundas dos países beligerantes e serviram voluntariamente a outras nações contra o totalitarismo durante a Segunda Guerra Mundial.

Símbolo, ou badge, oficial da RAF - Royal Air Force
Símbolo, ou badge, oficial da RAF – Royal Air Force

Pouco sucesso tive, até que recentemente me deparei com uma história realmente diferente; as aventuras de um jovem brasileiro, um maranhense, que teria combatido na famosa RAF, a Royal Air Force, a Força Aérea Real da Inglaterra.

Mas seria esta história verdadeira?

TAMBORES DE GUERRA

Em fevereiro de 1942 os ecos da guerra estavam cada vez mais fazendo parte do imaginário e do dia a dia do brasileiro comum.

O Brasil já havia rompido relações diplomáticas com a Alemanha e a Itália, os norte-americanos construíam várias bases aéreas ao longo do nosso litoral e a presença militar estadunidense se fazia mais forte a cada dia. Até o final daquele mês quatro navios civis brasileiros haviam sido atacados por submarinos do chamado Eixo. Destes três haviam sido afundados, com a morte de 56 pessoas.

O navio brasileiro Buarque foi um dos afundados em fevereiro de 1942
O navio brasileiro Buarque foi um dos afundados em fevereiro de 1942

Se os tambores de guerra já não estavam mudos, também ainda não tocavam com toda força, pois apesar da gravidade destes afundamentos ele aconteceram longe do Brasil e, para completar o quadro, ainda não havíamos declarado oficialmente guerra contra alemães e italianos.

Mas isso não impediu que um maranhense de 22 anos estivesse naquele ano voando em um veloz caça Spitfire da RAF. Que ele houvesse participado de combates aéreos e derrubado de cinco caças Messerschmitts alemães, sendo ele próprio derrubado duas vezes e sido salvo em ambas.

A inusitada história foi publicada na primeira página do periódico carioca “Diário da Noite”, edição do dia 13 de fevereiro de 1942, sendo a reprodução de uma reportagem realizada pelo jornalista Thomas de Sancha, da “The Atlantic-Pacific Press Agency”, com sede em Londres.[1]

Foto original do The Embassy Club, na Bond Street, Londres, no período da II Guerra
Foto original do The Embassy Club, na Bond Street, Londres, no período da II Guerra

Sancha informou que o maranhense se chamava Luiz de Souza Pereira e o encontrou para realizar a sua entrevista em um “nitgh club” londrino chamado “Embassy”, sendo apresentado ao mesmo por um outro piloto brasileiro.[2]

Em meio ao ambiente lotado, com predominância de muitos uniformes, onde a orquestra de Henry Roy se apresentava tocando uma rumba, o jornalista foi apresentado ao maranhense Luiz de Souza Pereira. Consta que para o orgulho masculino nacional, o aviador brasileiro estava com uma bela loira e atendeu o jornalista meio que a contragosto, pois a platinada inglesa já lhe havia prometido a próxima dança. Sancha não se mostrou chateado com o brasileiro, pois sabia que nas horas de folga o pessoal da RAF queria mesmo era muita diversão.[3]

Sentado à mesa do jornalista, sorvendo um copo de whisky, Luiz de Souza Pereira narrou que havia nascido em 1920, em uma fazenda dedicada a cultura do algodão, próxima a São Luiz, capital do Estado do Maranhão. Era de estatura mediana, moreno e no passado havia perdido o pai. Com a parte que lhe cabia na divisão de bens o maranhense seguiu para Montevideo, capital do Uruguai, onde primeiramente trabalhou no escritório de uma firma brasileira de seguros. Consta que devido a negócios sem o devido planejamento Luiz perdeu muito dinheiro e decidiu não retornar ao Brasil para ser chamado de fracassado e ter de pedir ajuda a parentes.

A capital uruguaia na década de 1940
A capital uruguaia na década de 1940

Para sobreviver o maranhense arranjou um trabalho em um bar elegante na capital uruguaia, mas logo se aborreceu deste serviço. Ele igualmente não gostou de trabalhar em uma revendedora de automóveis de fabricação americana e na representação de máquinas de venda de bebidas.

Sem muitas perspectivas, mesmo com a guerra arrebentando com meio mundo, para não passar a vergonha de voltar para casa com uma mão na frente e a outra atrás o maranhense Luiz decidiu radicalizar. Partiu para trabalhar em uma atividade extremamente arriscada naqueles dias conturbados; ele se incorporou a tripulação de um mercante inglês que estava no porto de Montevideo.

PILOTO DA RAF

Sem declinar o nome do vapor que trabalhou, Luiz narrou que a sua primeira viagem foi difícil, tendo a nave de carga levado quatro semanas para chegar as Ilhas Canárias. Antes de entrar em águas espanholas o navio cargueiro foi torpedeado por um submarino do Eixo e Luiz conseguiu embarcar em uma baleeira com mais sete companheiros de infortúnio. Três dias depois foram resgatados por um pescador espanhol.

O barco onde o maranhense Luiz seguia foi afundado por um submarini, talvez alemão, como o U-103 da foto - Fonte - Bundesarchiv
O barco onde o maranhense Luiz seguia foi afundado por um submarino, talvez alemão, como o U-103 da foto – Fonte – Bundesarchiv

Nas Ilhas Canárias foram presos por falta de documentos, tendo a barra ficado mais leve com o apoio de diplomatas britânicos lotados naquelas ilhas. O próximo destino foi a Grã-Bretanha, onde, mesmo sem nunca ter tido anteriormente a possibilidade de pôr os pés em um avião, Luiz alistou-se na RAF através do apoio do Comité do Rio de La Plata.[4]

Não foi comentado maiores detalhes de como se deu a entrada do maranhense em uma das forças aéreas mais profissionais, modernas e atuantes da época e nem como foi sua ascensão naquela organização. Mas na época da entrevista a Sancha o brasileiro já era piloto da RAF desde maio de 1941, o que não o colocaria no palco da Batalha da Inglaterra, ocorrida em 1940.

Um caça britânico Supermarine Spitfire - Fonte - BBC
Um caça britânico Supermarine Spitfire – Fonte – BBC

Mesmo assim ele narrou um confronto que teve com um caça alemão Messerschmitt, que o derrubou no Canal da Mancha. Luiz se salvou milagrosamente, mas o inimigo também caiu em chamas na contenda aérea. O maranhense passou então 14 horas flutuando em uma balsa salva-vidas, até ser avistado por um bimotor Lockheed Hudson da RAF. Foi recolhido por um barco caça minas da Royal Navy (Marinha Real Britânica), onde foi muito bem tratado pelos marujos. Ao chegar ao camarote tomou sozinho uma garrafa de conhaque, adormeceu e só acordou no porto. O maranhense Luiz de Souza Pereira narrou ainda um episódio em que foi perseguido por três caças alemães e outro em que atacou um grupo de caças que escoltavam bombardeiros.

Factoide Criado Para Vender Jornal

Gostaria de estar errado, mas em minha opinião o maranhense Luiz de Souza Pereira foi uma criação da redação do periódico “Diário da Noite”. Este era um periódico muito ativo, que possuía nos seus quadros grandes repórteres e chegou a ter uma tiragem de 200 mil exemplares. Este jornal carioca foi fundado em 1929 pelo controverso Assis Chateaubriand, dono da rede de jornais Diários Associados.[5]

Assis Chateaubriand (1892-1968) - Fonte - escola.britannica.com.br
Assis Chateaubriand (1892-1968) – Fonte – escola.britannica.com.br

Ao longo de sua vida Chateaubriand se caracterizou pela polêmica e controvérsia, não obstante fosse um gênio para ganhar dinheiro e amealhar poder. Não podemos esquecer que a época de Chateaubriand era uma época de verdadeiros absurdos da imprensa brasileira. Jornais invadidos para que matérias não fossem publicadas, reportagens falsas, tráfico de influências e polêmicas que atualmente dariam cadeia, e que antes eram consideradas simples provocações.

E fevereiro de 1942 era um momento bem propício para a publicação de uma reportagem sobre um pretenso maranhense na RAF. Como a guerra vinha cada vez mais chegando perto do Brasil, nada melhor do que apresentar um pseudo herói brazuca lutando nos céus europeus e isso tudo vendia jornais. Acredito que “Chatô”, como era conhecido Assis Chateaubriand, na verdade comprou uma matéria feita pela “The Atlantic-Pacific Press Agency”, sobre algum outro piloto voluntário lutando pela RAF, colocou como sendo o maranhense Luiz de Souza Pereira e foi “dourando a pílula” desta incrível história.

Aviões britânicos Spitfire e Hurricane sobreviventes da II Guerra, sobrevoando os rochedos brancos de Dover, as margens do Canal da Mancha
Aviões britânicos Spitfire e Hurricane sobreviventes da II Guerra, sobrevoando os rochedos brancos de Dover, as margens do Canal da Mancha

Apesar de interessante o relato ele é extremamente falho, principalmente na ordem cronológica referente a idade do maranhense, sobre a morte do seu pai, a ida para as Ilhas Britânicas e outras informações. Para corroborar o que digo, veja a extensa lista de pilotos que se tornaram ases sob as cores britânicas. Não esqueçam que nos registros históricos os britânicos são Mestres – http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_World_War_II_aces_from_the_United_Kingdom

Infelizmente nesta lista não temos nenhum Luiz de Souza Pereira, mas temos nomes de alguns estrangeiros. Como o grego Basilios Michael Vassiliades (10 vitórias confirmadas), ou do malaio Cyril Talalla (5 vitórias). Ou seja, se um brasileiro nato fosse voluntário da RAF e tivesse abatido 5 aviões inimigos, certamente os britânicos não criariam caso algum para colocar seu nome nesta lista e ele seria ovacionado na terra de Sua Majestade.

Mas porque ninguém foi atrás da verdade e reclamou aqui no Brasil?

Bem naquela época Chateaubriand era poderoso demais e o Maranhão longe demais para alguém ir lá conferir.


[1]Nada encontrei sobre o jornalista Thomas de Sancha. Mas aparentemente este era um pseudônimo utilizado pelo jornalista espanhol Manuel Chaves Nogales. Este nasceu em uma família de classe média Sevilha em 1897, foi autor de 14 livros, militante da causa republica espanhola,cujos ideais eram muito firmes e claros, como demonstrado em vários de seus editoriais. Ficou na Espanha até a derrota republicana para os franquistas, seguindo para o exílio na França. Democrata convicto, trabalhou incansavelmente contra o fascismo que ameaçava a Europa durante o seu exílio em Paris. Diante do avanço das tropas nazistas, Nogales seguiu para Londres, onde ele logo retomou sua atividade jornalística. Dirigiu a The Atlantic-Pacific Press Agency, tinha sua própria coluna no periódico “Evening Standard” e trabalhou na rádio BBC, nos serviços radiofônicos estrangeiros. Morreu de peritonite em 1944, em Londres. Ver – http://es.wikipedia.org/wiki/Manuel_Chaves_Nogales

[2] Em nenhum outro momento da reportagem é comentado quem seria este outro piloto brasileiro amigo de Thomas de Sancha, que vivia na Inglaterra. Já sobre este “Club”, realmente existia na época da Segunda Guerra um estabelecimento com este nome. Era o “The Embassy Club”, localizado na Bond Street, na região londrina do West End e sua maior frequência era de oficiais. Ver – http://www.formerdays.com/2011/07/nightlife-in-london-blackout.html

[3] O londrino Henry Roy, ou Henry Lipman, foi o líder do grupo musical Harry Roy’s Tiger Ragamuffins e conhecido clarinetista. Na sua biografia existente no site Wikipédia, temos a informação que ele tocava no “The Embassy Club” em 1942. Ver –  http://en.wikipedia.org/wiki/Harry_Roy

[4] Este comité foi uma instituição criada para apoiar filhos de famílias britânicas nascidos na Argentina, que decidiram seguir para as Ilhas Britânicas e lutar contra alemães e italianos. Cerca de 500 a 600 destas pessoas decidiram se juntar à RAF como voluntários, ou via Canadá, na RCAF – Royal Canadian Air Force e alguns eram argentinos que não descendiam de ingleses. Estes voaram com britânicos, canadenses, poloneses, tcheco-eslovacos, franceses e outros aviadores de muitas outras nações sob a bandeira do Reino Unido. Eram tentas pessoas vindos da Argentina que os britânicos criaram uma esquadrilha só deles. Este foi o 164 Squadron, cujo lema oficial era “Firmes Volamos” (escrito em castelhano). Para melhor entender a questão não podemos esquecer que durante o período de 1939 – 1945, a República da Argentina manteve uma política de oposição aos interesses de os Estados Unidos e seus aliados, tendo declarado simpatia para com a Alemanha e Itália. No entanto, desde o início do conflito, por causa do bloqueio de todo o comércio marítimo para os países do Eixo, a Argentina foi incapaz de manter seus laços comerciais com Roma e Berlim. Nestas circunstâncias continuou com negociações comerciais com os Estados Unidos e seus aliados, especialmente a Grã-Bretanha, que dependia de suprimentos de carne que partiam da Argentina para alimentar sua população. Mais sobre o tema veja a reportagem televisiva “Fuimos Heroes” (em castelhano) https://www.youtube.com/watch?v=pJVxzgfHiBs

[5] Foi no “Diário da Noite” que o dramaturgo Nelson Rodrigues escreveu folhetins usando o pseudônimo de Susana Flag. O jornal funcionava no famoso Edifício da Noite, construído pelo próprio jornal, na Praça Mauá, nº 7, onde sempre funcionaram, no último andar, os estúdios da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.

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70 ANOS DA ENTRADA DO BRASIL NA II GUERRA MUNDIAL – “FIZ A GUERRA DO COMEÇO AO FIM. ELA É UMA SELVAGERIA”

Depoimento: Boris Schnaiderman, escritor e tradutor

FONTE – http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,fiz-a-guerra-do-comeco-ao-fim-ela-e-uma-selvageria,921586,0.htm

Boris Schnaiderman na época da guerra.

Meu nome? Sou Boris Schnaiderman, com “sch”.

Nasci em 1917 em Úman, na Ucrânia, vim para o Brasil em 1924 e lutei no 2.º Grupo de Artilharia. Fui para a guerra porque queria ir. Era pacifista, mas achava absolutamente necessário lutar contra a Alemanha de Hitler. Fui convocado na véspera do embarque à Itália. Tudo foi em segredo. Tomamos o trem – luzes apagadas – e fomos ao porto. A viagem à Europa foi inesquecível. Enquanto viver, vou lembrar: foi terrível.

Na Itália, fui calculador de tiro. Eu era o controlador vertical, calculava o deslocamento do tubo-alma. O tubo do canhão se chama tubo-alma e eu calculava seu deslocamento vertical – havia outro sargento que media o horizontal. O primeiro tiro da artilharia brasileira fui eu que calculei. Atirei muito em cima de Monte Castelo. Inclusive vi de longe a nossa aviação em voo picado, descendo sobre as posições das metralhadoras alemãs. Depois, vi o chão estremecer com o bombardeio em Montese.

Dormíamos junto da central de tiros, caso fosse necessário atirar à noite. E tinha medo. Não há quem não tenha. Recebíamos bombardeio de artilharia. Caía a primeira granada e a gente sabia que o inimigo estava regulando o tiro. Ouvíamos o zunido e nos jogávamos no chão.

Mas é preciso frisar que havia uma diferença muito grande entre a nossa condição, na artilharia, e a do soldado de infantaria. Tanto é que eles nos chamavam de “saco B”. Eles passavam de caminhão e nos chamavam: “Ô, saco B!” Sabe por quê? Porque havia o saco A e o saco B. O A nós carregávamos nas costas em qualquer mudança de posição, com os objetos de uso imediato. O B era para objetos de reserva…

No dia da vitória, nós estávamos entrando na cidade de Stradella, na Lombardia, e eu desci do caminhão. Aí veio um italiano barbudo, bigodudo. Ele me agarrou, me deu um beijo na face e disse: “Eu estava te esperando. Faz 20 anos que eu te espero e só agora você chegou”.

O escritor e tradutor Boris Schnaiderman na atualidade

Fiz a guerra do começo ao fim. Ela é uma selvageria, mas naquela guerra todos tínhamos de nos unir. Se a Alemanha vencesse, o que seria de nós, não é? Uma coisa terrível.

Eu era de uma família de judeus completamente assimilados. Eu não tinha nenhuma formação de tradição judaica. Não falava iídiche, mas com a guerra ficou o sentimento de que pertencia a uma comunidade perseguida. Sentia-se o antissemitismo mesmo no Brasil. Eu lembro de tudo… e, às vezes, ainda tenho pesadelos com a guerra.” / MARCELO GODOY (TEXTO) e EVELSON DE FREITAS (FOTO)

O BRASIL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL – AVIÃO FEZ O PRIMEIRO ATAQUE DO BRASIL NA GUERRA

O B-25, bombardeio usado no primeiro ataque do Brasil na guerra – o alvo foi o submarino italiano Barbarigo- , patrulhou o oceano Atlântico a partir das base de Fernando de Noronha. Um desses também atuou na Itália como avião de transporte e apoio -REPRODUÇÃO/HERÓIS DOS CÉUS

Capitão-aviador Oswaldo Pamplona atacou submarino italiano três meses antes de o País declarar guerra

AUTOR – Marcelo Godoy

FONTE – http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,aviao-fez-o-primeiro-ataque-do-brasil-na-guerra,921227,0.htm

O céu estava limpo a cerca de 300 quilômetros de Fernando de Noronha quando, às 13h57, o

O céu estava limpo a cerca de 300 quilômetros de Fernando de Noronha quando, às 13h57, o capitão-aviador Oswaldo Pamplona avistou o alvo. Lá embaixo, com seus dois canhões de 100 mm e quatro metralhadoras, estava o submarino italiano Barbarigo, que atacara recentemente embarcações brasileiras na região. Era 22 de maio. Pamplona estava prestes a lançar o primeiro ataque brasileiro na guerra.

O capitão desceu até 900 pés (300 metros )de altitude e lançou 10 bombas de 45 quilos sobre a embarcação, danificando o submarino. O fogo antiaéreo italiano impediu ao capitão de verificar estragos feitos pelo ataque. Outros aviões tentaram localizar o Barbarigo em seguida, mas não conseguiram.

A ação no meio do Atlântico teria uma grande repercussão. Ela foi usada como pretexto pelo Alto Comando alemão para a ordem de se atacar indiscriminadamente os navios brasileiros – até então eles diziam que os ataques ocorriam por engano. Em três meses, a escalada levaria o Brasil a declarar guerra à Alemanha e à Itália.

A patrulha de nosso litoral envolveu diversos tipos de aviões. Duas bases em solo brasileiros foram entregues para os Estados Unidos – Belém e Natal – e pilotos daquele país também patrulharam nossa costa. Até o fim do conflito, o Brasil receberia mais de 400 aviões dos Estados Unidos. Além dos B-25, vieram Catalinas, Hudsons, Venturas e P-40.

O submarino italiano Barbarigo, no porto francês de Bordeaux.

Em 1943, com a decisão de se mandar tropas brasileiras para a guerra, foi criado o 1º Grupo de Aviação de Caça. O grupo treinou no Panamá e nos Estados Unidos. Em 6 de outubro de 1944, o grupo chegou à Itália, onde foi incorporado ao 350º Fighter Group da Força Aérea dos americanos.

Durante a guerra, o grupo executou  2.546 saídas ofensivas. Lançou 4.442 bombas nos inimigos e disparou mais de 1 milhão de tiros de metralhadora calibre .50. Oito pilotos brasileiros morreram na Itália e um durante treinamento no Panamá.

As fotos nesta página foram feitas pela Força Aérea Brasileira ou por seus pilotos. Parte delas pertence a acervos de pilotos como os brigadeiros José Meira Vasconcelos ou Rui Moreira Lima. Outras são da FAB e, por fim, algumas foram editadas no livro Heróis dos Céus, sobre a história de nossos pilotos na 2.ª Guerra Mundial.

avistou o alvo. Lá embaixo, com seus dois canhões de 100 mm e quatro metralhadoras, estava o submarino italiano Barbarigo, que atacara recentemente embarcações brasileiras na região. Era 22 de maio. Pamplona estava prestes a lançar o primeiro ataque brasileiro na guerra.

O capitão desceu até 900 pés (300 metros )de altitude e lançou 10 bombas de 45 quilos sobre a embarcação, danificando o submarino. O fogo antiaéreo italiano impediu ao capitão de verificar estragos feitos pelo ataque. Outros aviões tentaram localizar o Barbarigo em seguida, mas não conseguiram.

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A ação no meio do Atlântico teria uma grande repercussão. Ela foi usada como pretexto pelo Alto Comando alemão para a ordem de se atacar indiscriminadamente os navios brasileiros – até então eles diziam que os ataques ocorriam por engano. Em três meses, a escalada levaria o Brasil a declarar guerra à Alemanha e à Itália.

A patrulha de nosso litoral envolveu diversos tipos de aviões. Duas bases em solo brasileiros foram entregues para os Estados Unidos – Belém e Natal – e pilotos daquele país também patrulharam nossa costa. Até o fim do conflito, o Brasil receberia mais de 400 aviões dos Estados Unidos. Além dos B-25, vieram Catalinas, Hudsons, Venturas e P-40.

Em 1943, com a decisão de se mandar tropas brasileiras para a guerra, foi criado o 1º Grupo de Aviação de Caça. O grupo treinou no Panamá e nos Estados Unidos. Em 6 de outubro de 1944, o grupo chegou à Itália, onde foi incorporado ao 350º Fighter Group da Força Aérea dos americanos.

Durante a guerra, o grupo executou  2.546 saídas ofensivas. Lançou 4.442 bombas nos inimigos e disparou mais de 1 milhão de tiros de metralhadora calibre .50. Oito pilotos brasileiros morreram na Itália e um durante treinamento no Panamá.

As fotos nesta página foram feitas pela Força Aérea Brasileira ou por seus pilotos. Parte delas pertence a acervos de pilotos como os brigadeiros José Meira Vasconcelos ou Rui Moreira Lima. Outras são da FAB e, por fim, algumas foram editadas no livro Heróis dos Céus, sobre a história de nossos pilotos na 2.ª Guerra Mundial.

O BRASIL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL – NO IMPROVISO, PAÍS SE UNE AOS ALIADOS


Marcelo de Moraes / BRASÍLIA

FONTE – http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,no-improviso-pais-se-une-aos-aliados,921558,0.htm

Documentos inéditos e classificados do Conselho de Segurança Nacional mostram como o Brasil estava despreparado para enfrentar a 2.ª Guerra Mundial e precisou recorrer aos Estados Unidos para conseguir enviar suas tropas para o combate na Europa. A decisão de participar da guerra fez com que o governo brasileiro se deparasse com a incrível falta de infraestrutura de suas tropas, deficientes em efetivos, armas, equipamentos e treinamentos. Os documentos, aos quais o Estado teve acesso, estão guardados no Arquivo Nacional, em Brasília, e foram liberados na íntegra graças à Lei de Acesso à Informação.

O Brasil declarou guerra à Alemanha em 1942, mas decidiu mandar tropas para o conflito apenas no ano seguinte. Documento de 2 de junho de 1943, classificado como secreto e enviado pelo Conselho de Segurança Nacional para o então presidente Getúlio Vargas, trata do acordo político-militar firmado com os Estados Unidos para o envio de tropas. No documento, o Brasil chega ao inusitado ponto de tentar escolher o local onde as tropas brasileiras iriam combater para evitar que os soldados nacionais sofressem com o frio europeu.

Segundo o documento, o Ministério da Guerra salientava “ser absolutamente imprescindível assentar, por uma questão de clima e condições mesológicas, que, em princípio, o emprego de nossa força expedicionária se restrinja à região sul mediterrânea da Europa”.

Nesse documento, o Ministério da Guerra também deixa clara a precariedade dos armamentos nacionais e pede que o governo avise os americanos sobre a questão. O texto diz que o Brasil deve “estipular, de modo explícito, o problema do armamento do Corpo Expedicionário, como dos demais elementos guarnecedores do território nacional”.

Getúlio Vargas no interior de navio de transporte de tropas, conversando com soldados brasileiros a caminho da Itália.

Outro documento reservado, enviado em 8 de novembro de 1943 pelo Conselho de Segurança Nacional para Getúlio Vargas, trata justamente da criação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e narra a preocupação que o Ministério da Guerra tinha com as medidas que deveriam ser adotadas para evitar “os inconvenientes de uma improvisação”.

As deficiências brasileiras eram totais. Arquivo secreto de 5 de janeiro de 1944 mostra a solicitação do Ministério da Guerra para enviar à América do Norte um oficial para “estudar a organização da Infantaria do Ar – tropa especialmente adestrada para o transporte aéreo”. A exposição de motivos não poderia ser mais direta: os militares brasileiros simplesmente não tinham nenhum conhecimento sobre o uso militar de tropas de paraquedistas.

“Alega o senhor ministro que nada possuímos a respeito, não passando os exercícios de paraquedismo entre nós de meras demonstrações de eficiência dos aparelhos na salvação das equipagens de aviões no caso de acidente”, cita o texto do documento secreto.

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Coluna motorizada da FEB

A improvisação do governo brasileiro alcançava todas as suas áreas. Excertos tirados da Ata da Comissão de Estudos de Segurança Nacional mostravam a preocupação com abastecimento de alimentos para regiões do Brasil mais diretamente envolvidas com o conflito, como o Nordeste. A região era considerada um ponto estratégico nas operações militares e a comissão chegou a ter dúvida entre a fomentação de frigoríficos para estocar carne no Nordeste ou o incentivo a uma prosaica “indústria do charque”, carne menos perecível.

Rapadura. Se equipamentos e armas faltavam para as tropas, integrantes da comissão avaliaram que não poderia faltar também rapadura. Nessa reunião, os estudiosos consultados pelo governo defenderam a estocagem de gêneros e lembraram “ser a rapadura produto primordial na alimentação do nordestino”.

ASAS ALEMÃS SOBRE O RIO POTENGI

Hidroavião Dornier DO-26, batizado “Seefalk” (Falcão do Mar), da empresa aérea alemã Lufthansa, pousado na margem do Rio Potengi, na chamada Paraia da Limpa.

A Presença Germânica Em Natal Antes da Segunda Guerra Mundial

Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Publicado originalmente no jornal TRIBUNA DO NORTE.

A importância de Natal como ponto estratégico para a aviação mundial já foi apontada de diversas formas, principalmente no período da Segunda Guerra Mundial. Entretanto no período anterior ao conflito, mas especificamente sobre a atuação da aviação comercial alemã na nossa cidade, a sua base e os motivos da sua implantação e desativação, são fatos hoje pouco conhecidos.

Durante a segunda metade da década de vinte do século passado, se desenrolava uma forte disputa comercial entre estrangeiros pelo Mundo afora. Competia-se por vantagens no novo e promissor negócio do transporte do correio aéreo e de passageiros. No Rio Grande do Norte, inicialmente os primeiros atores envolvidos foram franceses e alemães, sendo seguidos pelos norte-americanos e italianos.

Os franceses iniciaram suas atividades em 1927, com um serviço de transporte de cartas e encomendas que ligava a França e a Argentina. Nesta operação, aviões partiam de Paris em direção a Dacar, capital da então colônia francesa do Senegal, na costa africana. Os malotes com correspondências, eram então embarcados em navios pequenos e bastante velozes, conhecidos como os “Avisos Rápidos”, que atravessavam o oceano até Natal. Daqui, outros aviões transportavam o correio aéreo até Buenos Aires. Antes deste novo  serviço, uma carta transportada em linhas de navegação normais, poderia demorar até trinta dias entre a França e a Argentina. Com a mala postal aérea francesa, este tempo caiu para no máximo 8 dias.

Os Alemães em Natal e a sua “Rampa

Já os alemães, através da empresa “Sindicato Condor”, que desde janeiro de 1927 operava no Brasil, logo perceberam o enorme potencial que Natal possui como ponto estratégico para a aviação comercial. Em setembro de 1928 eles realizam visitas a cidade, planejando a instalação de uma “hidro-base” na região, mas somente em janeiro de 1930, com irrestrito apoio do então governador Juvenal Lamartine de Faria, esta base de operações e uma linha aérea que transportava cargas e alguns poucos passageiros, passou a funcionar com regularidade semanal. O local escolhido pelos alemães para construírem suas instalações era conhecido como “Praia da Limpa”, as margens do rio Potengi. Ali foram erguidos dois grandes hangares, com rampa de acesso para hidroaviões, alojamento para tripulantes, sala de leitura, e uma estação de rádio. Os hidroaviões eram trazidos para os hangares através de uma rampa, onde uma espécie de carroça puxada por um cabo era colocada no rio, sendo esta colocada embaixo da aeronave, então através de um sistema de trilhos a aeronave era puxada para fora do rio. Este sistema de retirada e acesso de aeronaves, através de uma rampa as margens do Potengi, precede a famosa “Rampa americana”, que seria construída algum tempo depois ao lado da base alemã. Os jornais da época apontam que a população de Natal, passou a denominar o local como “Base da Condor” ou “Base da Limpa”.

Já em relação às cargas vindas da Europa, primeiramente os alemães desenvolveram uma operação trabalhosa e perigosa; um hidroavião saia de Natal em direção a Fernando de Noronha, amerissava ao largo da ilha, encontrando-se com um navio de passageiros e cargas, de forma arriscada eram passadas mercadorias e malotes em meio às ondas. O hidroavião então decolava para Natal, reabastecia e seguia em direção ao sul do país. Durante algum tempo esta operação continuou, mas na noite de 11 de setembro de 1931, um destes hidroaviões do “Sindicato Condor”, batizado como “Olinda”, após retornar de Fernando de Noronha, sofre uma pane na tentativa de decolagem para Recife e explode na margem esquerda do rio Potengi, ocasionando a morte de todos os três tripulantes. Percebendo os riscos e as desvantagens desta operação, os alemães decidem desenvolver novos meios para que a ligação aérea entre a Alemanha e os países sul-americanos fossem mais segura, prática e rentável.

Em 1933, com uma concepção audaciosa para a época, a empresa alemã “Lufthansa”, que controlava administrativamente o “Sindicato Condor”, decide utilizar dois “navios-catapulta”, como ponto de apoio e reabastecimento de hidroaviões. Chamados “Schwabenland” e “Westfalen”, estas naves se revezavam em uma posição no meio do Oceano Atlântico, entre a costa africana e o Brasil, onde a idéia básica seria receber um hidroavião vindo da Europa, para que suas malas postais fossem repassadas para um outro aparelho, que seria catapultado para Natal e depois esta carga seguiria em outras aeronaves em direção sul. O hidroavião que havia chegado da Europa, era então reabastecido e catapultado para o Velho Continente com as cartas vindas do sul.

O Incremento do Transporte Aéreo Alemão

Este revolucionário serviço é inaugurado no dia 3 de fevereiro de 1934, quando uma aeronave decolou de Stuttgart, no norte da Alemanha, para a Espanha, transportando 100.000 cartas. Um outro aparelho transportou as malas postais em direção à cidade africana de Bathurst, na então colônia britânica da Gâmbia e finalmente um dos hidroaviões seguiu por 1.500 km até o “Westfalen”. No dia 7 de fevereiro a tripulação deste navio catapultou com sucesso um hidroavião modelo “Dornier Wal”, batizado “Taifun”. Este aparelho possuía dois motores, montados sobre asas altas, tinha 23,20 metros de envergadura, 18,20 metros de comprimento, raio de alcance de 2.000 mil quilômetros e desenvolvia uma média de 225 km/h. A tripulação alemã era formada pelo comandante Joachim Blankenburg, co-piloto Walter Blume, mecânico de vôo Otto Gruschwitz e o rádio-operador Guenther Fechner. Após um cansativo voo o arquipélago de Fernando de Noronha é sobrevoado e o comandante Blankenburg amerissa na baía da ilha.

Hidroavião alemão pousado no Rio Potengi, em uma área onde atualmente se encontra o quartel do 17º GAC, do Exército Brasileiro.

Neste local um segundo hidroavião da empresa aguarda o “Taifun”. Algum tempo depois os dois aparelhos decolam em direção ao território potiguar. Segundo os jornais da época, eram duas horas da tarde em Natal, quando os dois hidroaviões sobrevoaram o rio Potengi. Autoridades potiguares e um grande número de populares aguardavam na praia da Limpa a chegada do vôo histórico, mas para surpresa de todos, o racionalismo técnico dos alemães, entrou em ação; dez minutos após o pouso, antes mesmo de serem iniciadas as diversas homenagens previstas, as malas postais foram prontamente passadas para um hidroavião modelo Junkers trimotor, batizado como “Tietê”, que rapidamente seguiu em direção ao sul do país. Se para os natalenses a chegada das aeronaves era quase uma festa, para os alemães tudo não passava de negócios.

Mesmo depois de voarem quatorze horas sobre o oceano, a tripulação que havia decolado do “Westfalen”, participou do evento, onde foi coberta de atenções pelo povo de Natal e tratados como heróis. Autoridades visitaram o “Taifun”, foram erguidos brindes pela realização do vôo e a banda da Polícia Militar tocava para os presentes.

A Influência Alemã na Cidade

Com o passar do tempo, à chegada e a partida de hidroaviões alemães no rio Potengi, se tornou mera rotina. Todas as sextas-feiras havia aeronaves amerissando ou decolando no tranquilo rio que banha a capital potiguar. Em meio ao crescimento do movimento aviatório em Natal, aumenta o número de germânicos vivendo na pequena urbe de 35.000 habitantes. O expoente mais importante desta comunidade, além de ser um dos alemães que há mais tempo viviam em Natal, era o empresário Ernest Walter Lück.

Base alemã em Natal.

Nascido em 1883, na cidade de Gevelsberg, estado da Westfalia,  Alemanha, Lück chegou a Natal em 1911, em companhia de um amigo chamado Richard Bürgers, vinham com a intenção de trabalhar em uma firma inglesa que efetuava perfurações no interior do Rio Grande do Norte. Ao desembarcarem descobriram que a firma havia falido, mesmo assim permaneceram na região. Em 1922 Lück e um outro sócio fundaram a empresa “Gurgel, Lück & Cia. Ltda”, com a intenção de importarem produtos alemães e exportarem matérias-primas potiguares para aquele país. Logo os horizontes se ampliaram e a empresa tornou-se representante de linhas de navegação alemã, bem como das empresas aéreas “Lufthansa” e do “Sindicato Condor”. O empresário Lück foi designado cônsul alemão na cidade e coube a ele a ligação entre empresas e o governo da Alemanha, junto às autoridades potiguares.

A comunidade germânica cresce. Logo uma “Escola Alemã” foi fundada sob os cuidados do professor Alonso Meyer. Funcionando na antiga “rua do Norte”, esta escola informava através dos jornais, que oferecia o curso primário completo e o curso de língua alemã, sempre com “Disciplina, ordem e respeito garantidos”. Na ocasião da chegada do hidroavião “Taifun”, o hino alemão entoado pelas crianças desta escola, emocionou a experiente tripulação do comandante Blankenburg.

A partir de 1933, a nova ideologia nazista implantada com a ascensão de Adolf Hitler ao governo alemão, chega à colônia germânica no Rio Grande do Norte. Segundo a edição do jornal “A Republica”, de 25 de abril de 1934, quatro dias antes, em uma festa ocorrida pela dupla comemoração do aniversário de Hitler e da morte de Tiradentes, na chácara pertencente a Richard Bürgers, esteve presente a totalidade da colônia alemã em Natal. Entre estes o Sr. Lück e o diretor da base da Condor, Sr. Neulle. Este último era veterano da Primeira Guerra Mundial e estava na festa com suas medalhas de combate e o traje tradicional nazista. O ponto alto ocorreu às vinte horas, quando após serem entoados os hinos alemão e brasileiro, os participantes postaram-se solenemente diante de um rádio de ondas curtas, para através da emissora de rádio oficial da Alemanha, escutarem um discurso proferido por Joseph Goebbles, o todo poderoso ministro da propaganda do governo de Hitler. Este discurso era destinado especificamente às comunidades alemãs existentes na América do Sul. A importância dessa festa pode ser medida pelo fato de estarem presentes altos membros do governo e da sociedade potiguar da época, entre estes o chefe do executivo estadual, o Interventor Mario Câmara.

Apesar de toda esta movimentação cívica, de forma geral, o comportamento dos membros da colônia alemã em Natal, era extremamente discreto.

O fim da “Base da Condor”

A operação aérea da base alemã em Natal continuou ativa e rotineira até o início da Segunda Guerra Mundial. Foram efetuadas quase 500 travessias utilizando os “navios catapulta” como ponto de apoio entre a Europa e a América do Sul. Grandes pilotos germânicos trabalharam nesta travessia e estiveram na capital potiguar, como Richard Heinrich Schimacher, que por possuir muita experiência nas travessias oceânicas, entre 1938 e 1939 é convocado para participar da grande expedição cientifica alemã a Antártica. Em um “Dornier-Wal” batizado como “Borea”, este aviador realizou diversos voos pioneiros, no praticamente inexplorado continente gelado. Outro piloto foi Ernst-Wilhelm Modrow, que durante a guerra se tornou um às da aviação de caça noturna da “Luftwaffe” (Força Aérea Alemã), onde abateu 34 aviões aliados.

Hidroaviões da marinha dos Estados Unidos baseados no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial

Com o crescimento do conflito, o afundamento de navios brasileiros por submarinos alemães e a entrada oficial do Brasil na guerra, a “Base da Condor” e a comunidade alemã na cidade foram igualmente afetados pela conflagração. O local foi primeiramente ocupado por forças navais norte-americanas.

Segundo o jornalista Roberto Sander, autor do livro “O Brasil na mira de Hitler”, após a chegada das forças norte-americanas a Natal, Ernst Walter Lück, Richard Bürger e um outro alemão de nome Hans Weberlig, foram formalmente acusados e presos pelo FBI, como agentes de espionagem alemães.

Com o fim do conflito, a Marinha Norte-americana entregou grande parte das antigas instalações aéreas ao Exército Brasileiro. Atualmente a área é ocupada pelas instalações do Iate Clube de Natal e pelo 17º Grupamento de Artilharia de Campanha e quase nada mais resta da antiga base alemã na velha praia da Limpa.

* Como em relação à pesquisa histórica nada é realizado sem a fraternal ajuda de outras pessoas, o autor deste artigo gentilmente agradece ao pesquisador Luiz G. M. Bezerra pela seção de fotos e informações.