Fiscais encontraram pinturas rupestres às margens do rio São Francisco, em Alagoas – Fonte – Divulgação/Ministério Público de Alagoas
Pinturas rupestres de povos que viveram às margens do rio São Francisco na pré-história foram descobertas nessa terça-feira (29) em uma região rural do município de Olho D’Água do Casado, no sertão alagoano. As imagens estavam em rochas em três pontos diferentes e foram achadas durante uma força-tarefa de vários órgãos que investiga e previne irregularidades na região ribeirinha.
O belo Rio São Francisco – Foto Rostand Medeiros
As imagens estão localizadas dentro do território do assentamento Nova Esperança. A maioria das pinturas é de formas geométricas. Ao lado dos desenhos, há alguns pequenos buracos no chão, que devem ser espécies de pilões cavados com intuito de amassar sementes para produção de tinta.
Segundo a arqueóloga Rute Barbosa, do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), não é possível definir há quanto tempo as pinturas foram feitas. “Sabemos que se trata de sítios arqueológicos relacionados a povos que habitaram o baixo São Francisco na pré-história, mas não temos o período exato”, disse.
Entre os sertanejos, as imagens são conhecidas como ‘letreiro de caboclo brabo’ – Fonte – Divulgação/Ministério Público de Alagoas
Ao todo, o Instituto já possui mais de 300 sítios arqueológicos na região do Baixo São Francisco. Entre os sertanejos, as imagens são conhecidas como “letreiro de caboclo brabo”. As imagens dão indícios de que vários povos passaram pelo local, mas apenas pesquisas mais detalhadas podem confirmar a hipótese.
Ocupação antes de Cristo
A arqueóloga conta que descobertas já realizadas garantem a presença de comunidades há pelo menos 3.500 anos na região. “O registro mais antigo até o presente momento encontrado em Alagoas foi localizado no sítio arqueológico ‘São José 2’, no município de Delmiro Gouveia [sertão alagoano], onde foram encontrados 29 esqueletos humanos, além de outros artefatos líticos e cerâmicos, com datação aproximada de 3.500 AP [anos presentes]”, afirmou.
A região tem presença de comunidades há pelo menos 3.500 anos – Fonte – Divulgação/Ministério Público de Alagoas
Barbosa ressalta a nova descoberta vai ajudar nas pesquisas sobre como era a vida pré-histórica na região. “Estamos ampliando o conhecimento sobre o homem na pré-história, seus costumes e modos de viver. Os sítios encontrados contribuirão nesse sentindo, dão maiores subsídios para o aprofundamento dessa compreensão”, disse.
Com a descoberta das novas pinturas, haverá agora o início uma série de ações do setor público. “O Iphan irá registrar o sítio arqueológico e pretende desenvolver, a curto prazo para região, um projeto de educação patrimonial junto a comunidade local. É necessário um trabalho de conservação nesses sítios e iremos trabalhar nisso”, explicou.
Foto – Rostand Medeiros
Barbosa ressalta a nova descoberta vai ajudar nas pesquisas sobre como era a vida pré-histórica na região. “Estamos ampliando o conhecimento sobre o homem na pré-história, seus costumes e modos de viver. Os sítios encontrados contribuirão nesse sentindo, dão maiores subsídios para o aprofundamento dessa compreensão”, disse.
Com a descoberta das novas pinturas, haverá agora o início uma série de ações do setor público. “O Iphan irá registrar o sítio arqueológico e pretende desenvolver, a curto prazo para região, um projeto de educação patrimonial junto a comunidade local. É necessário um trabalho de conservação nesses sítios e iremos trabalhar nisso”, explicou.
As imagens estavam em rochas em três pontos diferentes das margens do rio – Fonte – Divulgação/Ministério Público de Alagoas
Segundo o Ministério Público Estadual, as pinturas sofrem com a ameaça da degradação do homem. Em um dos sítios arqueológicos visitados, o MP encontrou um desenho coma palavra “Erica”, ao lado das rochas com os desenhos e gravuras.
Outro problema seriam as queimadas, que soltam fuligem que podem encobrir e até mesmo apagar os desenhos. A força-tarefa encontrou vários locais com vegetação queimada durante a visita aos sítios.
Autor – Carlos Madeiro -Colaboração para o UOL, em Maceió
“Uma enorme bola de fogo riscou o céu de Nova York, nos Estados Unidos, na manhã deste domingo, 30 de outubro. O que se acreditava ser um meteoro era, na verdade, uma grande cápsula de metal, que assustou os moradores e curiosos que foram verificar o local. Um ataque, vindo de um laser da cápsula, deixou dezenas de vítimas. As autoridades ainda não confirmaram a autoria do atentado, mas sabe-se que o exército já foi chamado para conter a situação.”
Você certamente achou este texto estranho e já pesquisou em outros sites para comprovar que tudo não passa de uma mentira. Mas, em 30 de outubro de 1938, mais de 1 milhão de pessoas passaram por momentos de pânico ao ouvir a suposta notícia da invasão alienígena na rádio CBS. Na verdade, tudo não passava de uma peça de Orson Welles, encenada pelo “Mercury Theater on the Air”.
Mesmo com os anúncios nos jornais de que naquela noite a rádio iria transmitir a história, muitas pessoas mudaram de estação e sintonizaram na CBS quando a “invasão” já havia começado.
Na época, a atração com a maior audiência era o “Chasen and Saborn Hour”, de uma emissora concorrente. Porém, 11 minutos após o início do quadro, um cantor entrou no ar e fez com que os ouvintes buscassem outros programas. Estima-se que 2 milhões de pessoas trocaram de estação, muitas encontrando a “Guerra dos Mundos” em seu ápice.
A música da Ramon Raquelo Orchestra era transmitida do Meridiam Room do Park Plaza Hotel, em Nova York, quando a programação foi interrompida para noticiar a queda de um meteoro. Entra em cena um astrônomo da Universidade de Princeton para dar as devidas explicações. A realidade é que o tal “professor” era o próprio Orson Welles, e a famosa orquestra era composta por músicos da própria rádio, sob a regência de Bernard Herrmann, que posteriormente iria compor a trilha de “ Psicose”.
A transmissão ia aumentando o clima de tensão, enquanto mais especialistas relatavam a cena de terror que acontecia em Nova York. O ator Frank Readick, inspirado na trágica transmissão do incêndio do dirigível Hindenburg, narrou aos ouvintes a descoberta de um cilindro de metal de onde saía um terrível “monstro”. Um primeiro confronto teria matado 40 pessoas. No segundo, sete mil homens do exército americano teriam sido dizimados.
Outras nações ofereciam ajuda, enquanto os alienígenas prosseguiam pela cidade lançando um gás venenoso, deixando um rastro de morte e destruição. Do outro lado, relatos contam que pessoas estavam em pânico, grupos saíram às ruas armados e cidadãos cometiam suicídio para não presenciar o ataque.
Percebendo a proporção que o “especial de Dia das Bruxas” havia tomando, Davidson Taylor, supervisor da CBS, pediu para que Welles parasse a transmissão e tranquilizasse os ouvintes, dizendo que tudo não passava de ficção. Porém, Welles se recursou, afirmando que um anúncio tiraria o público daquele estado de “fantasia”.
Hadley Cantril, um dos cientistas que estudou o pânico criado pelo falso ataque, entrevistou pessoas que afirmaram ter sentido o cheiro de gás naquela noite e até visto as chamas da batalha entre alienígenas e o exército. Um ouvinte chegou a relatar que a parte mais realista era a que “as chamas varriam o país”, porém este trecho não constava no roteiro.
Pode parecer impossível que as pessoas acreditem novamente em uma história como essa, mas aconteceu. Em 12 de novembro de 1944, um ator interpretou o Ministro do Interior em uma transmissão na cidade de Santiago, Chile. O resultado? Uma mobilização das tropas de infantaria do país.
Em 12 de fevereiro de 1949, a história foi ainda pior: uma versão de “Guerra dos Mundos”, feita pela Rádio Quito, no Equador, resultou em um ataque por parte da população. Ao saberem que tudo não passava de encenação, alguns ouvintes colocaram fogo no estúdio da emissora, causando a morte de pelo menos seis pessoas.
Nesta última segunda-feira (17/10/2016) aconteceu às 20h, na Casa-Laboratório, localizada na alameda Gabriel Monteiro da Silva, 224, bairro dos Jardins, em São Paulo um positive encontro entre os artistas plásticos Sergio Azol, Aecio Sarti e o escritor e historiador potiguar Rostand Medeiros, responsável pela edição do blog tok de história.
Ali discutimos sobre sertanismo, estética do Cangaço e processo criativo. O bate-papo contou com a mediação de Yael Steiner e Daniel Sarti.
Casa Laboratório, nos Jardins, em São Paulo, onde ocorreu o encontro e a exposição A Bela Crueza do Cangaço.
O encontro foi extremamente evocativo ao sertão nordestino, em um espaço onde atualmente ocorre a mostra A Bela Crueza do Cangaço, de Sérgio Azol.
Sérgio Azol
Dois artistas unidos pelo Sertão. Sergio Azol traz a História e a estética do Cangaço. Aecio Sarti extrai sua matéria-prima – as lonas de caminhão que protegem, pela estrada seca, os vasos de barro produzidos por uma pequena comunidade de Malhada Seca, Bahia, que serão utilizados por outras comunidades que necessitam de água. “As lonas de caminhão viram arte com a minha intervenção.
Aécio Sarti
Os potes de barro já nascem arte”, afirma Sarti, que usa a lona como plataforma para sua pintura, em Céu de Querubins, dirigido por Daniel Sarti e ganhador do prêmio de Melhor Documentário em Curta-Metragem no festival de Santa Mônica, Califórnia, Estados Unidos. Esteve presente ao evento o diretor Gustavo Massola, realizador deste documentário.
Rostand Medeiros
A conversa foi bastante produtiva e aberta, com os artistas plásticos mostrando os seus respectivos processos criativos. Foi também bastante comentado as respectivas viagens para ajudar a fomentar estes processos criativos, permeado por muitas histórias relativas ao sertão e ao Cangaço.
Procurei apresentar os aspectos dos caminhos que percorri junto com Sérgio Azol em maio e junho de 2016, onde lhe apresenta uma parte da história do cangaceiro Lampião e evoquei o que o sertão nordestino pode produzir de interessante para várias formas de artes.
Rostand Medeiros, Sérgio Azol, Daniel Sarti, Yael Steiner, Aécio Sarti, Gustavo Massola e Carol Emereciano.
Sobretudo este foi um momento de congregação de pessoas de vários pontos do país, que trabalham com cultura e valorizam aquilo que se encontra de belo e interessante no sertão nordestino.
As fotos aqui publicadas foram realizadas pela fotógrafa Denise Andrade, do jorna O Estado de São Paulo.
O diretor do documentário “Céu de Querubins”, Gustavo Massola, que merece todos os elogios pela forma soberba e sensível em retratar o povo nordestino.
Um Grupo de Judeus Que Começou Sua Vitoriosa Trajetória Empresarial Trabalhando Junto aos Mais Pobres de Natal
Autor – Rostand Medeiros
A foto e o texto acima mostram o lugar onde os destinos administrativos de Natal, capital do Rio Grande do Norte, são traçados e executados desde 1922. Oficialmente conhecido como Palácio Felipe Camarão é um marco na cidade, mas o que importa mesmo nessa nota de jornal é um pequeno detalhe no final do texto. Ali ficamos sabendo que os móveis construídos na época da inauguração desta marcante edificação, que não sei se ainda estão por lá, foram executados pela firma “Tobias Palatnik & Irmãos”.
Os proprietários desta empresa, com um sobrenome tão diferenciado dos tradicionais nomes familiares de origem portuguesa existentes em Natal, eram os membros de uma família de judeus ucranianos, que em poucos anos foram considerados os membros mais proeminentes da comunidade judaica em Natal.
3 de janeiro de 1947
Nada mal para estes imigrantes que haviam chegado apenas dez anos antes ao Brasil e tinham começado suas atividades na capital potiguar vendendo seus produtos diretamente nas casas dos moradores da pequena urbe. Trabalharam sem diferenciar classe nem cor, atendendo inclusive os mais humildes.
Em Busca de Novos Espaços
Segundo a historiadora Luciana Souza de Oliveira, através de sua monografia de mestrado em História “A fala dos passos: imigração e construção de espaços judaicos na cidade do Natal (1919-1968)”, a história dos judeus na capital potiguar começa a ser contada no ano de 1911, com a chegada ao Brasil de Tobias Palatnik e seus irmãos Adolfo, Jacob e José (este último com apenas 16 anos) e um tio Beinish (Braz) Palatnik. Eles deixaram para trás a fria região da Podólia, no sudoeste da Ucrânia e seguiram esperançosos para recomeçar a vida no grande país tropical.
Para a historiadora este processo migratório dos judeus vai muito além de uma mera necessidade econômica. A questão judaica na Europa durante o século XIX até a primeira metade do século XX foi marcada por pressão e opressão, onde o espírito antissemita se manifestou nas esferas política, econômica e social, atingindo grande parte da população que hostilizava e culpava os judeus por toda sorte de mazelas. Deixar a Europa no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX representava para eles antes de tudo uma questão de sobrevivência.
Em calientes terras tupiniquins o Rio de Janeiro foi a primeira parada de Tobias Palatnik e seus parentes. Mas foi por um período curto e logo aqueles judeus seguiram para Salvador. Mas também a capital baiana não foi o melhor dos destinos e eles partiram para o norte, em direção à cidade do Recife, onde os Palatnik começaram a fazer sua clientela, em grande parte composta por operários.
Luciana Souza de Oliveira aponta que na cidade conhecida como “Veneza Brasileira” eles aprenderam que, além do comércio realizado de porta a porta, mesmo falando o português ainda de forma rudimentar, eles podiam comprar no atacado e com exclusividade. Neste período a cambraia bordada foi seu principal produto.
Recife certamente ajudou os irmãos Palatnik a assegurar alguns lucros, mas a concorrência comercial na cidade era um problema complicado, que contava naquele período com 80 judeus atuando como prestamistas. Segundo a autora estes judeus que já atuavam em Recife eram em sua maioria rapazes solteiros, provenientes da Bessarábia (região histórica da Europa Oriental, cujo território se encontra principalmente na atual Moldávia), Polônia e a Ucrânia, que batalhavam duro para poder concretizar um objetivo comum – o desejo de conseguir meios para poder se estabelecer na Palestina com os demais familiares que deixaram na Europa Oriental.
Tobias Palatnik – Fonte –
Foi então que Tobias Palatnik, o mais velho dos quatros irmãos, resolveu transferir-se para Natal objetivando fugir daquela concorrência.
Vencendo Onde os Outros nem Percebiam que Existiam Consumidores
Para a autora do texto a escolha de pegar o trem e seguir em direção a Natal foi a melhor decisão que Tobias tomou quando chegou ao Brasil. Nessa época Natal ainda era uma pequena capital com população inferior a 25.000 habitantes, com apenas 27 famílias formada por estrangeiros, três linhas de bondes elétricos, uma catedral, um cinema mudo e que estava começando a passar por intensas transformações. A cidade estava aos poucos desabrochando e vivenciando o início da modernidade tão desejada pela elite local.
Navios no Rio Potengi, em Natal
Mas se por um lado a elite natalense se deleitava com os avanços e belezas da “Belle Époque”, uma grande parcela da sua população – os mais pobres – eram tratados de maneira verdadeiramente invisível.
Aqueles ucranianos, que sabiam bem o que significavam as violentas exclusões dos pogroms contra judeus na Europa Oriental, certamente perceberam que também havia exclusão em Natal. Mas esta era extremamente sutil, realizada de maneira covarde, praticada sem violência física contra uma massa morena, mas carregada de extrema hipocrisia. A exclusão em Natal diferenciava os seres humanos principalmente pela cor e condição socioeconômica.
Acredito que Tobias Palatnik percebeu de maneira muito correta que aquelas pessoas excluídas, mesmo com uma condição financeira mais limitada, apontavam para a possibilidade de um mercado consumidor extremamente promissor em Natal. Já a maioria dos seus concorrentes, membros de uma elite branca e racista, que praticavam intensos atos de exclusões sociais contra aquelas pessoas consideradas ralé, jamais iriam ate eles, bater nas portas dos seus “mocambos” para vender alguma coisa.
Os conhecidos Mocambos, as moradias dos mais pobres de Natal
Tobias Palatnik se deparou com um espaço que estava pronto para ser explorado. Percebeu que a venda a prestação tinha futuro na cidade e que a oportunidade comercial era bem melhor que em Recife. Logo avisou aos seus irmãos e estes seguiram para o novo destino e começaram um novo investimento.
Percebi lendo o texto da historiadora Luciana Souza de Oliveira e os jornais de época, que para os Palatnik a diferenciação dos natalenses abonados com os “negos”, como os mais ricos da cidade pejorativamente chamavam os mais pobres (que nem precisavam ser claramente afrodescendentes para assim serem classificados), era algo que nada lhes importava.
O que importava mesmo era negociar, chegar até o cliente, atender o desejo das pessoas, independente de onde eles moravam, ou da cor da sua pele…
As Rocas, área de atuação dos Palatnik em Natal
Logo na primeira investida Tobias Palatnik pôde observar que só nas Rocas, a região dos pescadores, onde viviam os mais pobres da cidade, ele poderia conquistar facilmente mais de 200 clientes. Outra coisa que certamente o judeu percebeu foi que aquelas pessoas, não obstante suas limitadas condições financeiras, possuíam um acentuado sentido de honra em relação a quitação de suas dívidas financeiras, onde poucos se davam ao papel de caloteiros.
Era tudo que um prestamista desejava!
Assim os produtos foram sendo oferecidos de porta em porta e logo se estabeleceram fortes laços econômicos. Mensalmente os irmãos passavam nas casas dos clientes, oferecendo novas mercadorias e estes pagavam as parcelas dos produtos que haviam sido anteriormente vendidos. Esse tipo de procedimento tornava a relação entre comerciante e cliente mais estreita, fazendo com que os anseios de consumo da sociedade local, mesmo dos mais humildes, fossem supridos de maneira pessoal. Segundo Luciana Souza de Oliveira os irmãos Palatnik foram os primeiros que trouxeram para a cidade essa nova maneira de comercializar.
Natal no início do século XX
Com arrojo e garra, aliado ao desejo de trabalhar e de prosperar em Natal, Tobias e seus irmãos alcançaram seus objetivos iniciais em menos de seis meses, quando conseguiram conquistar cerca de mil clientes.
Boa Relação Com os Natalenses, Mas Mantendo as Tradições
A prosperidade econômica veio logo, rápida mesmo.
A historiadora Luciana Souza de Oliveira aponta que 1915 os Palatnik puderam adquirir uma fazenda com uma usina de açúcar, álcool e aguardente. Mas o forte daqueles judeus era o comércio e foi com ele que a família Palatnik escreveu uma história de prosperidade na cidade.
Familia Palatnik – Em pé, a partir da esquerda: Adolfo Palatnik, Jacob Palatnik, Braz Palatnik, Tobias Palatnik, José Palatnik, Tobias Prinzak, Moisés Kaller e Horácio Palatnik. Sentadas: Cipora Palatnik, Dora Palatnik (com Chimonit Palatnik no colo), Rivca Palatnik, Olga Palatnik (com Ester Palatnik no colo), Sônia Palatnik, Dora Kaller e Augusta Palatnik – Fonte – LUCIANA SOUZA DE OLIVEIRA, A FALA DOS PASSOS: IMIGRAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS JUDAICOS NA CIDADE DO NATAL, (1919-1968), NATAL, 2009, UFRN.
Com a estruturação e o crescimento econômico daqueles judeus em Natal, esses jovens tiveram a oportunidade de ir à Palestina algumas vezes visitar seus parentes. Foi nessas poucas visitas que os jovens Palatnik constituíram suas famílias com as moças que residiam na chamada “Terra Santa”.
Mesmo construindo as suas vidas em Natal, mesmo aqui sendo a cidade que esses judeus escolheram para desenvolverem suas famílias, a cidade não poderia lhes oferecer alguns elementos responsáveis pela continuidade de sua identidade.
O escritor Luís da Câmara Cascudo participou da festa do Yom Kippur junto aos judeus de Natal e descreveu a visita em um interessante artigo – Fonte – Jornal ” A República” 12/11/1933
Faltavam-lhes garotas que professasse a mesma fé e que tivesse os mesmos conceitos e valores para manter uma identidade judaica em seus lares. Vale ressaltar que aqueles jovens judeus conseguiram se relacionar muito bem com as pessoas em Natal, mesmo criando essa delimitação de não envolvimento de caráter íntimo e pessoal com aqueles que eram diferentes a sua cultura.
Ocorreram então várias uniões a partir de 1920. Com esses casamentos, muitos outros familiares, entre eles primos, irmãos, pais, tios e outros membros, decidiram deixar seus países e foram atraídos para a capital potiguar.
Jose e Sonia Palatnik – – Fonte – LUCIANA SOUZA DE OLIVEIRA, A FALA DOS PASSOS: IMIGRAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS JUDAICOS NA CIDADE DO NATAL, (1919-1968), NATAL, 2009, UFRN.
Essas ramificações e parentescos foram os elementos principais para que a família Palatnik se destacasse, tornando-se os membros proeminentes para o estabelecimento de uma comunidade judaica na cidade, pois o número de pessoas que gravitavam em torno deles crescia com o passar dos anos.
Preocupações Com Coisas da Vida e da Morte
Segundo informa o site judaismohumanista.ning.com, em 1925 foi fundado na capital potiguar o Centro Israelita, que funcionava também como uma sinagoga.
Ainda na década de 1920 os judeus natalenses foram os primeiros a construir um jardim de infância, que até aquele período não havia sido estabelecido na cidade de Natal. Esta escola para crianças começou a funcionar, junto a um programa de educação judaica complementar e uma de suas professoras foi a Sra. Sara Branitzak, que teria vindo da Palestina e, segundo a historiadora Luciana Souza de Oliveira, chegou em 1927, mas ela passou pouco tempo neste trabalho.
Jardim de Infância Palatnik – A partir da esquerda, em pé: Eliachiv Palatnik, Sofia Kaller, Ester Palatnik, David Fassberg, Ester Palatnik (filha de Elias) e Moisés Palatnik. Sentados: Aron Horovitz, Aminadav Palatnik, professora Sarah Branitzky, Sarita Volfzon, Raquel Horovitz, Nechama Kaller e Simon Masur. Na frente: (?), Nechama Palatnik, Achadam Masur e Genita Volfzon – Fonte – LUCIANA SOUZA DE OLIVEIRA, A FALA DOS PASSOS: IMIGRAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS JUDAICOS NA CIDADE DO NATAL, (1919-1968), NATAL, 2009, UFRN.
Muitas crianças judias que nasceram em Natal participavam não apenas da vida judaica, também se relacionavam com as outras crianças da cidade sem, no entanto, esquecer que mesmo sendo Potiguares, eram acima de tudo judeus, guardando e seguindo as tradições que eram ensinadas pelos seus pais. Uma destas crianças foi Uma das crianças judias nascidas em Natal, mais precisamente em 19 de fevereiro de 1928, foi Abrahan Palatnik.[1]
Ainda segundo o site judaismohumanista.ning.com, um censo oficial da cidade de Natal em 1940 registrou um total de 54.836 habitantes e 109 eram judeus.
Túmulo de Rosinha Palatnik no Cemitério Público do Alecrim – Foto do autor.
Com o natural crescimento da comunidade local, que passou a contar com mais de trinta famílias de judeus, logo não eram apenas os aspectos ligados a vida terrena que preocupavam esta comunidade, as questões de morte também se tornou uma preocupação.
Em 10 de janeiro de 1931, através de contatos entre os líderes da comunidade e a Prefeitura de Natal, cujo prefeito a época era o Sr. Gentil Ferreira de Souza, foi doada uma quadra murada no Cemitério Público do Alecrim para que os membros da comunidade judaica fossem enterrados mediante seus rituais tradicionais. Igualmente foi fundada uma sociedade funerária chamada Chevra Kadisha.
Rosinha Palatnik
Até hoje existe este espaço exclusivo no Cemitério do Alecrim e entre os vários judeus natalenses enterrados está a lápide de Rosinha Palatnik. Ela faleceu no dia 7 de agosto de 1936, com apenas 20 anos de idade, depois de uma permanência no hospital de um mês e quinze dias em razão de uma apendicite. Rosinha era carioca, nascida Rosinha Tendler, filha de Boris e Anna Tendler e era casada com Horácio Palatnik (ver jornal “A República”, edição de domingo, 9 de agosto de 1936).
Crescimento dos Negócios
O trabalho dos Palatnik prosperou ao longo dos anos e foi se diversificando.
De prestamistas eles abriram uma fábrica e uma loja de móveis chamada Casa Sion, sendo localizada a rua Dr. Barata, número 6, no bairro da Ribeira, uma das principais artérias comerciais da cidade na época.
Braz Palatnik
Já Braz Palatnik surge com uma casa comercial na década de 1920, que inclusive era batizada com o seu nome e ficava localizada igualmente na rua Dr. Barata, nos números 204 e 205 e ali parece que ele vendia de tudo um pouco. Anúncios no jornal “A República”, o principal da cidade, mostra uma propaganda onde se oferecia guarda-chuvas, cobertas para camas, calçados para homens, tolhas, tecidos de cambraia e muitas outras coisas. Tempos depois esta loja mudou para a rua Ulisses Caldas, na esquina com a rua Felipe Camarão, no Centro da cidade, muito próximo, ou mesmo vizinho, ao Centro Israelita.
Em 1931 os irmãos Tobias e Braz Palatnik estão com uma fábrica de mosaicos na rua Extremoz e uma loja destes produtos na rua Dr. Barata, mas no número 190. Tinham também uma serraria na rua Ulisses Caldas e mantinham a Casa Sion para vender os móveis por eles fabricados.
5 de fevereiro de 1937
Em 1936 o antigo e marcante cinema Polytheama, referência da sétima arte na história da cidade e localizado na Praça Augusto Severo, 252, se torna a Casa Palatnik. Como em outros comércios destes judeus a diversificação e a variedade de produtos é a tônica da casa comercial. Ali se vendia desde camas de ferro, passando por móveis de vime e junco e até mesmo pedras para túmulos.
Conforme os Palatnik vão prosperando, eles vão participando de atividades junto à sociedade natalense. José Palatnik, por exemplo, se torna conselheiro da Associação Comercial de Natal e do conselho fiscal do Banco Industrial Norte-rio-grandense S.A.
25 de janeiro de 1939
Além da diversificação de negócios, pesquisando nos jornais antigos fica patente como os Palatnik investiram forte na aquisição de imóveis por toda a área de Natal. Nessa época era normal que os documentos emitidos pela prefeitura da cidade nas negociações ligadas a imóveis, com exceção de valores, fossem divulgados nos jornais locais. Neste aspecto, principalmente no início da década de 1940, os Palatnik estão sempre presentes com pagamentos de impostos referente a muitas aquisições e venda de imóveis. Provavelmente perceberam que, mesmo de forma lenta, a cidade se expandia e a compra de imóveis era outra nova oportunidade de negócios a ser trabalhada.
A Jerusalém do Brasil
O jornal Tribuna do Norte, na sua edição de 22 de novembro de 2013, informa que os irmãos Palatnik investiram na construção civil em Natal. Eles foram pioneiros na construção de conjuntos habitacionais: as primeiras casas da Ponta do Morcego (numa delas veraneava o governador Juvenal Lamartine) e a famosa Vila Palatnik, pegando a avenida Deodoro, rua Ulisses Caldas (em frente ao Colégio da Conceição) e rua coronel Cascudo.
Região da Ponta do Morcego, em Natal
Durante a Segunda Guerra Mundial o Rio Grande do Norte sediou uma das maiores bases de aviação dos Aliados no hemisfério ocidental, a famosa Parnamirim Field. Este fato, ocorrido antes mesmo da declaração formal de guerra do Brasil contra os países do Eixo, proporcionou a chegada de muitos militares estadunidenses a Natal. Logo alguns soldados judeus servindo as forças armadas dos Estados Unidos começaram a participar e animar a vida comunitária dos judeus em Natal.
Em agosto de 1942 era o próprio Brasil que entrava na Segunda Guerra Mundial. Em Natal e a população foi chamada para participar do esforço de guerra, com ações da defesa passiva. A tradicional comunidade sírio-libanesa de Natal, tendo a frente Neif Habib Chalita e Kalil Abi Faraj, participou deste processo junto com outras colônias de estrangeiros que viviam na cidade, entre estas os judeus. Nestas atividades eles eram liderados por José Palatnik e Leon Volfzon. Não sabemos em que grau ocorreu a participação destas comunidades no processo de defesa passiva de Natal, nem como foi a interação de sírio-libaneses e judeus neste objetivo, mas tudo leva a crer que transcorreu sem maiores alterações em razão da inexistência de notícias apontando problemas.
Participação da tradicional comunidade sírio-libanesa de Natal no processo de defesa passiva da cidade durante a Segunda Guerra Mundial, juntamente com a comunidade judaica.
Com a chegada dos estadunidenses houve um aporte financeiro muito intenso na capital potiguar. Consequentemente a cidade se encheu de forasteiros em busca dos preciosos dólares e este aumento populacional trouxe consequências para Natal. Entre estes figuram o aumento da carestia e a falta de moradias e esse ultimo fato motivou os Palatnik a abrir um novo negócio – Uma loja de material de construção para abastecer um mercado que construía novas casa.
Mas a pequena e calma cidade, que crescia a olhos vistos, já não atraia os judeus como no passado.
Vila Palatnik
Após a Segunda Guerra Mundial tem início a migração dos judeus natalenses para outros centros urbanos como Rio de Janeiro e Recife, mas alguns seguiram para o recém-criado Estado de Israel. Assim, com o número de judeus extremamente reduzidos em Natal, as atividades do Centro Israelita foram encerradas em novembro de 1968.
Segundo a historiadora Luciana Souza de Oliveira a história da presença dos judeus em Natal foi algo expressivo. Eles foram os responsáveis por construir na capital Potiguar uma das comunidades judaicas mais atuantes do Brasil, que chegou a ser conhecida na Palestina como a Jerusalém do Brasil.
Irmãos Palatnik
As famílias judias que se estabeleceram na cidade mudariam não apenas a história dos judeus em Natal, mas o próprio espaço urbano e cultural. Foi na capital potiguar que eles tiveram a oportunidade de (re)construir as suas vidas oferecendo a cidade o que eles tinham de melhor: o trabalho e suas mercadorias. Em contrapartida a cidade os recebeu consumindo os seus produtos importados e dando a eles uma condição de vida digna na qual puderam oferecer a suas famílias o suprimento de suas necessidades.
A imigração deste grupo de judeus para Natal representou mais que um simples evento, foi a importante inserção de um povo, de uma cultura, uma religião, uma economia, organização espacial e social, bem como a (re)construção do “seu lugar” na capital Potiguar.
VEJA MAIS POSTAGENS SOBRE TEMAS LIGADOS A JUDEUS NO TOK DE HISTÓRIA
CASCUDO, Luís da Câmara. Yom Kippur em Natal. Jornal A República, Natal, n. 881, p.7, 12 nov. 1933.
OKSMAN. Sérgio (dir.). Irmãos de Navio: Histórias da Imigração Judaica no Brasil. São Paulo: Documenta Filmes, 1996. DVD (60 min), son., color.
ROZENCHAN, Nacy. Os judeus de Natal: Uma comunidade segundo o registro de seu fundador. Revista Herança Judaica, n. 106, abr. 2000. São Paulo: B´nai B´rith 2000.
SCHEINDLIN, R. História ilustrada do povo judeu. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
WOLFF, Egon; WOLFF, Frieda. Natal, uma comunidade singular. Rio de Janeiro: Cemitério Comunal Israelita, 1984.
NOTA
[1]Abrahan Palatnik é filho de Tobias e Olga Palatnik e com apenas quatro anos de idade imigrou de natal para a região onde, atualmente, se localiza o Estado de Israel. Entre 1942 e 1945, frequenta a Escola Técnica Montefiori, em Tel Aviv, e se especializa em motores a explosão. Só retorna ao Brasil, para o Rio de Janeiro, em 1948. Por volta de 1949, inicia estudos no campo da luz e do movimento, que resultam no Aparelho Cinecromático, exposto em 1951 na 1ª Bienal Internacional de São Paulo, onde recebe menção honrosa do júri internacional. Desenvolve a partir de 1964 os Objetos Cinéticos, um desdobramento dos cinecromáticos, mostrando o mecanismo interno de funcionamento e suprimindo a projeção de luz. O rigor matemático é uma constante em sua obra, atuando como importante recurso de ordenação do espaço. É considerado internacionalmente um dos pioneiros da arte cinética. Abraham Palatnik é consagrado pioneiro, o primeiro que explorou as conquistas tecnológicas na criação de vanguarda brasileira, tornando as máquinas aptas a gerarem obras de arte. Ver –https://www.escritoriodearte.com/artista/abraham-palatnik/
Há 120 anos, no dia 16 de setembro, morria aos 60 anos o maestro e compositor campineiro Carlos Gomes em Belém, no Pará, vítima de um câncer na língua. A vida do Tonico de Campinas (SP), como gostava de ser chamado, mais parecia uma de suas óperas, já que foi marcada por alegrias, tristezas, sucessos e fracassos, numa dramaticidade típica desse gênero artístico que combina música e teatro.
Para lembrar a data, o G1 preparou um especial em três atos com toda a trajetória de vida do compositor até seu gran finale. Acompanhe os altos e baixos do menino humilde de Campinas que ganhou o mundo por meio da música.
A vida de Carlos Gomes desde a sua infância esteve ligada ao universo musical. Tonico nasceu em Campinas em 11 de julho de 1836. Seu pai, conhecido como Maneco Músico, era responsável pela música nas cerimônias religiosas da região, além de ser compositor e regente de banda.
Segundo a curadora do museu Carlos Gomes e professora do curso de música da Unicamp, Lenita Mendes Nogueira, a vivência nesse universo foi fundamental para a carreira do maestro.
“Desde pequeno, ele começa a trabalhar na música, essa que foi a grande escola dele. O início da carreira dele foi com o pai, que também foi seu professor”, destaca.
Carlos Gomes teve oito irmãos, mas apenas um da mesma mãe, o também músico Sant’Anna Gomes, que esteve ao seu lado ao longo da vida e sempre o ajudou financeiramente.
Mas, a infância de Tonico aos 8 anos foi abalada pela primeiro grande drama da sua ópera pessoal: a morte da mãe. Fabiana Maria, conhecida como Nhá Biana, foi assassinada no quintal de casa a punhaladas e tiros. Como ela só se casou com Maneco Músico depois que Carlos Gomes já tinha nascido, o nome do pai na certidão dele está rasurado.
Segundo a professora, o crime nunca foi esclarecido. “Mas, o pai do Carlos Gomes, Maneco Músico, dizem que ele tava jogando carta no dia que mataram. […] Ele tinha esse álibi. Ela era muito mais nova que ele”, destaca.
Depois de uma infância musical, aos 24 anos, Carlos Gomes se mudou para o Rio de Janeiro para estudar. Ele queria escrever ópera. Na capital carioca, foi apresentado a D. Pedro II, que se tornaria seu admirador e mecenas.
No Rio teve febre amarela, se recuperou e um ano depois fez sua primeira ópera “A noite do castelo”.
Após sua segunda obra, “Joana de Flandres”, ele ganhou uma bolsa por ser o melhor aluno do conservatório e foi estudar em Milão, na Itália, em 1864. “Ele só foi para lá porque já tinha um certo nível. A base familiar foi importante. Vários irmãos dele foram músicos […] O Sant’Anna Gomes ficou aqui trabalhando e é importante na música. Mas, o Carlos Gomes tinha um talento que era a audácia, o cara que quebra a cara, que vai. Então, ele foi”, destaca Lenita.
Na Itália, o “selvagem” ou “cabeça de leão”, apelidos que ganhou por lá, começou uma nova fase. Ele estudou no conservatório de Milão, onde recebeu o diploma de maestro-compositor. Foi nesta época que conheceu a pianista italiana Adelina Conte Peri, com quem se casou e teve 5 filhos ao longo do relacionamento que durou oito anos.
Foram cinco meses em terras estrangeiras até Carlos Gomes se destacar no Teatro Alla Scala de Milão, um dos mais prestigiados da época, com a ópera “II Guarany”, baseada no romance de José de Alencar, que conta o romance de Ceci e Peri.
“II Guarany é uma obra diferente do que se fazia lá. E tava bem na moda o exótico”, conta Lenita.
No entanto, para colocar sua música no teatro, o compositor precisou pegar dinheiro de D. Pedro II e do irmão Sant’Anna Gomes. Apesar de muito apresentada no período, a ópera nunca deu para o compositor retorno financeiro, já que ele vendeu os direitos da obra.
Após o sucesso, o compositor passou a gastar muito em festas e luxos e por isso, vivia endividado e pedindo favores a amigos e conhecidos. Algum tempo depois, Carlos Gomes lançou a ópera, “Fosca”, que fugia do exótico.
“Ele não queria ser reconhecido como o cara que escreve sobre índio. Tanto que Fosca não vai para esse lado”, explica a curadora.
Mas, ao mesmo tempo que sua carreira decolava, ele vivia outra tragédia em sua ópera pessoal: a morte de uma filha ainda bebê.
Algum tempo depois, ele lançou sua terceira ópera em solo italiano “Salvador Rosa”, que conta a luta dos napolitanos contra os espanhóis e que fez muito sucesso. Com ela, o maestro ganhou prestígio, dinheiro e viveu um longo período de glória.
Mas, essa fase terminou com o lançamento de “Maria Tudor”. A ópera não emplacou e a crítica sobre a peça foi péssima. Era o início do fim dos anos de glória vividos pelo Tonico de Campinas na Itália.
Nesse período também terminou, de forma traumática, o casamento do compositor após ele suspeitar que a mulher o traía. Pouco tempo depois, uma nova tragédia cruzou seu caminho.
Durante uma viagem com os filhos para Gênova, Mário, de 5 anos, que era o mais próximo do maestro, morreu no caminho. O menino tinha saúde frágil e não aguentou o longo trajeto.
O compositor se sentia culpado pela morte do filho. Com isso, entrou em depressão, passou por grandes dificuldades financeiras, teve crises nervosas, passou a beber mais do que de costume e adquiriu vícios como o ópio.
Um ano depois, tentou recuperar a rotina e retornou ao Brasil. Fez uma temporada de apresentações e passou a dividir seu tempo entre o país e a Itália.
Na região de Leco, gastou dinheiro construindo a mansão Villa Brasilia. A casa foi feita em um terreno de 10 mil metros quadrados e luxuosamente decorada com itens que lembravam o Brasil. Mas, sete anos depois dela ficar pronta, teve que vender por problemas financeiros. Atualmente, o espaço abriga uma escola de música.
“Ele ganhou dinheiro com Salvador Rosa, não foi com Guarani. E aí ele resolve comprar uma vila perto dos Alpes. Ele levou várias coisas do Brasil e tinha piso de mosaico escrito Pró Brasilia. Ele também comprou um barco. Ele se divertia com esse negócio de barco. Só que isso levou ele a falência “, ressalta Lenita.
Depois de ficar quase 10 anos sem fazer uma nova obra, ele lança “Lo Schiavo”, em 1889. “Ele retoma o exótico, que é ligado a abolição, depois mudaram para índio por razões provavelmente comerciais”, explica.
Mas, o maestro, que vivia indo e voltando ao Brasil, começou a sentir os efeitos da República na sua obra. Ele era símbolo do período que o país queria esquecer. “Ele tinha uma amizade com o imperador, mas ele não tinha noção nenhuma de política. Quando o império caiu, ele ficou marcado”, pontua a curadora.
Na Itália, escreveu ainda “Condor”, que foi a única obra que ele fez por encomenda e depois “Colombo”, que foi a última. “A essa altura ele também já não era mais querido na Itália, porque era estrangeiro”, afirma.
A partir disso, a vida de Carlos Gomes começa a entrar no último grande ato. Após não ser mais bem-vindo na Itália, ele decide retornar para o Brasil em 1895. Já bastante doente e em dificuldades financeiras, foi para o Pará para ocupar a diretoria do Conservatório de Música de Belém, cargo criado pelo governador Lauro Sodré para ajudá-lo.
Ele ficou no cargo até morrer no dia 16 de setembro de 1896, aos 60 anos, de câncer na língua. “Dizem que ele fumava uma piteira, que chamava Virgínia. Aquilo foi fazendo um calo. Têm relatos que dizem que ele nem podia falar mais”, explica Lenita.
Após a morte, o corpo foi embalsamado e homenageado no Rio e em São Paulo. Depois, o maestro foi transferido para Campinas.
“Quando o corpo veio para cá, ele ficou primeiro na Capela do Cemitério da Saudade que é da família Ferreira Penteado”, relembra a curadora.
Depois, surgiu a ideia de fazer um monumento-túmulo no marco zero da cidade, que ficou pronto em 1905.
A pedra fundamental foi colocada em 1903 pelo aviador Santos Dumont, que retornou ao município, anos depois de ter estudado no colégio Culto à Ciência.
“O Santos Dumont foi convidado para colocar a pedra fundamental no túmulo. O museu tem a pá que foi usada para por a pedra fundamental. Esse convite foi feito pelo Cesar Bierrenbach, que é a pessoa que capitaneou todas essas coisas depois que o Carlos Gomes morreu e a ideia de fazer um monumento”, explica.
E enfim, depois de 37 anos fora, o gran finale de Carlos Gomes se deu quando ele retornou para sua cidade natal, onde repousa até hoje, como o Tonico de Campinas, lugar do qual sempre teve muitas saudades.
“No fim da vida, ele escreve cartas e nela sempre falava que tinha saudades da infância. Ele tinha uma relação de carinho com a cidade”, finaliza a curadora.
Foto da antiga igreja matriz de Nossa Senhora da Apresentação, na Praça André de Albuquerque, centro de Natal. No início do século XX era normal que escoteiros ficassem no alto da torre e desfraldassem bandeiras quando um barco era visto se dirigindo para o porto da cidade. Estas bandeiras possuíam cores distintas para diferenciar se os barcos vinham do norte, ou do sul. Durante anos este foi o local mais elevado da cidade, de onde fotógrafos registraram a evolução da cidade.
O historiador Câmara Cascudo em sua História da cidade do Natal, relata a saga de um alvissareiro, que do alto da torre da matriz, era testemunha ocular das transformações ocorridas na cidade. Nesta pesquisa apresentamos o “alvissareiro” da história, materializado em Manoel Dantas, Luís da Câmara Cascudo, Eloy de Souza, Jorge Wilheim, Henrique Castriciano, Alberto Maranhão, Januário Cicco (memorialistas, poestas, romancistas, entre outros artesãos da palavra) e Bruno Bougard, João Galvão, Manoel Dantas (fotógrafos). A imagem e a literatura, como fonte de pesquisa da história. A imagem sempre esteve presente como fonte importante para entender o passado. Ao longo dos séculos XIX e XX, a fotografia se consolidou como invento, essencial no registro de paisagens naturais e culturais. O documento histórico, não é mais restrito a documentos escritos, cada vez mais, a imagem ganha campo entre historiadores. A utilização desta nova fonte histórica faz parte da nova historiografia.
A literatura em todas as suas vertentes, compõem hoje, com a fotografia uma fonte repleta de possibilidades para a pesquisa histórica. O historiador, por seu oficio, dialoga permanentemente com o passado. Este fazer histórico o leva a andar entre arquivos públicos e privados, buscar construir os caminhos e descaminhos das gerações passadas é a tarefa primeira. Um labutar, por entre, poeiras, revirando velhos manuscritos, documentos, hoje, fontes que dizem mais do que uma carta de amor ou um balancete comercial. O objeto pesquisado não exerce a mesma função de outrora.
Outra visão da matriz.
No tempo presente o olhar do historiador, dá “voz” ao passado através de sua interpretação do documento selecionado. Construir os caminhos do passado, através da palavra e da imagem, este é o desafio da historiografia atual. Esta pesquisa histórica objetiva a construção da história da cidade de Natal através da utilização do acervo fotográfico do IHGRN (Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte) e do jornal A República, e da produção literária do Rio Grande do Norte, tendo como recorte temporal 1901 e 1920. Neste sentido, selecionamos algumas “vozes do passado”, poetas, ficcionistas, memorialistas, enfim narradores de uma época passada, o que possibilita conhecer a transformação do espaço urbano a partir do “olhar” do cronista, materializado no fotografo, muitas vezes não identificado, e dos escritores que testemunharam a ocupação da capital Potiguar.
O educador Henrique Castriciano, Potiguar de Macaíba, amante dos velhos e empoeirados papéis, em uma de suas crônicas publicadas em A República, de 18 de março de 1908, afirmou: sinto um intenso prazer quando me cahe sob a vista, bordado pelos arabescos que as traças costumam por nas laudas antigas, um documento qualquer, onde ventou algum traço de vida dos nossos antepassados (CASTRICIANO in ALBUQUERQUE, 1994, p. 129). É muito prazeroso encontrar testemunhos de nossos antepassados, entre os caminhos das traças.
Os historiadores, até por força do seu oficio, em muitos momentos, já vivenciaram a mesma sensação relatada pelo idealizador da Escola Doméstica. Sobre o trabalho em arquivos, recorremos ao historiador Bacellar(2006,p24):
O trabalho com fontes manuscritas é, de fato, interessante, e todo historiador que entra por essa seara não se cansa de repetir como os momentos passados em arquivos são agradáveis. Grandes obras historiográficas tiveram sua origem nas salas de arquivo, onde muito suor e trabalho foram gastos, após semanas ou meses de paciente e dedicada fase de pesquisa.
Na foto de Bruno Bougard, do alto da torre, vista parcial do rio Potengi e a direita da antiga Casa de Câmara e Cadeia, atualmente demolida. Natal, 1908.
Revisando baús antigos, encontramos os testemunhos das gerações de outrora, fontes materializadas em correspondências, relatórios de governos, inventários, testamentos, periódicos, enfim, em uma profusão de fontes impressas das mais variadas matrizes. Em visitas a arquivos públicos ou particulares, também encontramos fotografias, outra fonte importante na compreensão da sociedade do passado, seus costumes, seus dilemas.
Esta construção histórica, caminha de mãos dadas com a memória. A memória constitui-se no elemento essencial na construção da identidade. Deste modo, pode-se apreender que as identidades, coletiva ou individual, formam-se a partir dos elementos da memória. Vejamos o que diz a professora Ferreira(2004, p.98):
A iniciativa de diferentes setores da sociedade para recuperar e divulgar suas memórias, através de livros, exposições, inauguração de monumentos e criação de centros de memória, tem como objetivo reelaborar identidades, difundir uma determinada visão sobre o passado (é bom lembrar que a memória, como a história, é sempre produto de seleção feita no vasto campo do passado), e reforçar a imagem pública de grupos ou personagens. São projetos em geral concebidos para valorizar o registro de trajetórias institucionais ou pessoais, para confirmar, a importância de eventos considerados fundadores, bem como para instituir ou atualizar determinadas celebrações.
Do alto da torre a visão da Praça Padre João Maria e a área do atual Parque das Dunas ao fundo.
A memória é, então, resultado dos vestígios das gerações passadas, ainda preservados, sejam eles na forma material ou imaterial. Reveste-se no elo atemporal, fator de pertença das gerações. A memória social, é assim, o reconhecimento do cidadão do hoje, enquanto construção dos seus antecessores. Como afirmou o professor Mesentier(2005, p.168):
Diferente da memória individual, a memória social se constrói ao longo de muitas gerações de indivíduos mergulhados em relações determinadas por estruturas sociais. A construção da memória social implica na referência ao que não foi presenciado. Trata-se de uma memória que representa processos e estruturas sociais que já se transformam. A memória social é transgeracional e os suportes da memória contribuem para o transporte da memória social de uma geração a outra.
Construir uma “cidade memória” é fazer uma viagem no tempo através de livros, fotografias e periódicos. Fontes encontradas em arquivos particulares e públicos. E como Henrique Castriciano, poder sentir imensa alegria ao encontrar, por exemplo, em um número de “A República”, notícia referente aos espetáculos ocorridos no saudoso Polytheama, brindar nossos olhos com as imagens de Natal, captadas pelo fotografo suíço Bruno Bougard e nos deliciarmos com prazerosas leituras de poetas, ficcionistas, memorialistas e pesquisadores da história urbana de Natal.
Ao olhar o passado através do cronista da palavra ou da imagem, o historiador esta utilizando uma fonte documental importante na construção de um tempo determinado, é o caso de Natal dos primeiros anos de 1910. Exemplo são as crônicas de Henrique Castriciano, publicadas na A República, e as fotos de Bougard, tiradas no alto da torre da igreja matriz de Nossa Senhora da Apresentação. Vejamos:
“Sempre surgem idéias neste sentido apparecem os inveterados pessimistas: ‘Natal não é terra para isto’; cream-se dentes quando tal reconhecer; ora carrapato com tosse; taes são as phrases que somos obrigados a escutar, não raro com impectos de concentrada revolta.
No entanto vamos caminhando, vagarosamente embora, porque os nossos recursos são insufficientes.
De alguns annos a esta parte, construímos o theatro, o jardim, nivelamos e calçamos diversas ruas, entre as quaes a Avenida Rio Branco, cujo aformoseamento era um dos impossíveis desta terra, concertamos o Baldo e o Mercado, a cidade substituiu os seus velhos lampeões de gaz commum pelos de acetyleno”. (CASTRICIANO, 1994, p.15-17).
Este fragmento do texto de Castriciano é bem ilustrativo quando nos referimos a construção histórica, tendo como fonte crônicas, pois, demonstra a utilização de pressupostos históricos na pesquisa do passado urbano. Um viés presente nas abordagens da história das cidades, espaço privilegiado quando se pensa na produção de periódicos locais.
A imagem também tem na construção histórica do espaço da urbe uma importância fundamental, ver a evolução através de fotos captadas no inicio do século XX, é um instrumento metodológico de grande valia para o historiador da cidade. Neste sentido as fotos de Bruno Bougard, fotógrafo suíço que visitou Natal na primeira década do século passado, tem uma relevância muito grande para o oficio do historiador.
A Natal de 1908, encontrada pelo fotografo suíço, tinha pouco mais de 20.000 habitantes, era uma cidade ainda com características coloniais, com ruas estreitas, casas conjugadas e erguidas em um enorme areal. Sua situação geográfica dificultava a locomoção de pessoas, o “caminho” do rio e do mar, eram talvez as melhores opções para os viajantes que aqui aportavam.
Praça André de Albuquerque e a foz do rio Potengi.
Do alto, então, nasceu a cidade sob a vigilância do “alvissareiro”, testemunha ocular da abertura de ruas, do nascimento de bairros e da construção de pontes, Natal de mar, rios e dunas, esta era a cidade vista do alto da torre da matriz, local onde o observador do tempo, pode presenciar as intervenções urbanas ocorridas na urbe. Como fez Bougard em 1908.
Uma cidade em transformação, que conhece o Bond, a energia elétrica, as ruas planejadas de Cidade Nova, bairro criado pela elite republicana, havida em fazer esquecer o passado monárquico, com as vielas do período colonial, com suas habitações insalubres. Essa cidade, então, caminhando para a modernidade tem na escrita poética de Jorge Fernandes o registro do novo tempo construído no período, aqui um pouco tardio, da Belle Époque.
O BONDE NOVO
O bonde que inauguraram
É amarelo e muito claro…
Sua campa bate alegre e diferente das outras…
E seus olhos vermelhos indicam Petrópolis…
Anda sempre cheio por que é novo…
Chega na balaustrada espia o mar…
E os passageiros todos nem olham pro mar…
Só vêem o bonde novo…
Aquele bonde só devia sair aos domingos
Pois ele é a roupa domingueira
Da Repartição dos Serviços Urbanos…
(FERNANDES, 1970, p. 83).
A poesia de Jorge Fernandes, apresenta a cidade moderna, com seus novos meios de transporte, sua nova forma de sentir e ver a paisagem. Uma cidade se modernizando e deixando no baú da memória relatos como o de Eloy de Souza, sobre a dificuldade dos antigos moradores da urbe em acompanhar os cortejos fúnebres. Como sair da Ribeira, bairro baixo da cidade, ir segui até o alto, do hoje Alecrim, onde se encontra o primeiro cemitério da cidade.
Quase o mesmo foco da foto anterior, mas realizado anos depois.
“Já perdemos o hábito de fazer quarto aos moribundos e breve chegaremos à perfeição de deixar os defuntos entre a Bica e o Alecrim, por falta de convidados que cheguem ao cemitério.
Pobres mortos! Também é tão difícil ir à vossa morada! O caminho é tão áspero e a areia tão mortificante! […]
Natal, minhas senhoras e meus senhores, se transforma e sente-se que aos poucos irá deixando essa amarga tristeza que ainda lhe dá um aspecto soturno e mau.
Há jardins desgradados e felizmente livres da retouça dos herbívoros e da maldade destruidora de que nos vamos libertando. As árvores já podem crescer na santa paz do Senhor, e a Natureza completará certamente o esforço do homem.
A cidade desperta de seu sonho três vezes secular e eu sinto bem a alegria de ver que a estão vestindo de novo, para alegria de uma vida nova. […]
O mesmo esforço que tem rasgado avenidas empedra o areal, ameniza as ladeiras, saneia as terras alagadas. Começou a viação urbana e o bonde cimentará de vez a obra de pacificação entre os dois bairros”. (SOUZA, 1999, P.44-45)
Na história da cidade encontramos nos cronistas fonte ricas em informações referentes ao processo de urbanização, como essa supracitada de Eloy de Souza, em Costumes Locais. A cidade de Natal em seu processo de urbanização avança em direção as dunas, vencendo as diversidades de sua geografia, chega ao alto, desce o canal do Baldo e aporta no hoje Alecrim. Parte distante da urbe, constrói dois equipamentos urbanos, que os cidadãos de outrora queriam longe do perímetro urbano: O Cemitério e o Lazareto da Piedade, símbolos da intervenção do poder público na zona até então tida como rural. O medico Januário Cicco, descreve o Alecrim dos primeiros anos da década de 1920:
O bairro do Alecrim se desdobra em Bôa Vista, Baixa da Belleza e Refoles. Em plenas ruas do Alecrim, cercado pelas habitações, está o Cemitério de Natal, de edade secular e impróprio, pela saturação, de exercer a sua funcção bíblica de reverter em pó o envolucro da alma do peccador. A uns 200 metros da Cidade dos Mortos ficam fontes de abastecimento d’agua á população de toda a Natal. (CICCO, 1920, p.7-8)
Enfim, como propomos neste artigo, a construção histórica da cidade de Natal através de seus fotógrafos e cronistas, busca encontrar novos caminhos metodológicos da pesquisa histórica, tendo como referencial a produção de imagens e de escritos produzidos entre 1901 e 1920, na cidade de Natal. Ao concluir, lembro Câmara Cascudo e seu Alvissareiro, personagem que nesta pesquisa não encontra-se no alto da torre e sim na produção literária e fotográfica da capital Potiguar.
REFERÊNCIAS
CASTRICIANO, Henrique. A esmo. In: ALBUQUERQUE, José Geraldo de (Org.). Seleta: textos e poesias.Natal: RN Econômico, 1994, p. 15-17.
FERNANDES, Jorge. Livro de poemas. Natal: Fundação José Augusto, 1970.
FERREIRA, Marieta de Morais. Nossa história. Rio de Janeiro, v. I, n. 8, p. 98, jun. 2004.
MESENTIER, Leonardo Marques de. Patrimônio urbano, construção da memória social e da cidadania. Vivência. Natal, n. 8, p. 167-177, 2005.
(Discurso proferido por Odúlio Botelho Medeiros na solenidade de posse de novos sócios efetivos do IHGRN realizada no dia 14 de julho de 2016)
“Várias são as linguagens do aprendizado existencial. E algumas frases trazem o efeito dessa ilustração: ‘A história é a mestra da vida’ (Cícero); ‘A filosofia é uma preparação para a morte’ (Sócrates); ‘A arte justifica o sofrimento da vida’ (Schopenhauer)” – Poeta Horacio Paiva, em seu discurso de posse em 29.03.2016 no IHGRN – publicado na Revista nº 93- ano 2016 – página 79.
“Esta é a vitória que venceu o mundo: a nossa fé” (1 JO 5.4).
“É melhor a sabedoria do que a força” (Eclo. 9,16).
“Mais vale o bom nome do que muitas riquezas; acima do ouro e da prata, está o bom acolhimento” (Pr 22,1).
“A memória guardará o que vale a pena. A memória sabe de mim mais do que eu; e ela não perde o que merece ser salvo” (Eduardo Galeano – escritor e pensador uruguaio, falecido em 14 de abriu de 2015).
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN, fundado em 29 de março de 1902 – Fonte – ormuzsimonetti.blogspot.com
Após os pensamentos acima transcritos, que merecem de todos nós algumas reflexões, eis um pouco da longa vida deste Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Como é público e notório sempre existiram os “loucos geniais”, como disse certa vez o inesgotável Câmara Cascudo. E é puramente verdadeira essa máxima do velho Mestre. O Des. Vicente Simões Pereira de Lemos ao lado de 25 outros pioneiros fundaram este instituto. Registre-se que dentre esses sócios-fundadores, cinco se destacaram como ex-governadores do Estado: Alberto Maranhão, Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, Joaquim Ferreira Chaves, Augusto Tavares de Lyra e Antônio José de Melo e Souza. A ata de instalação do IHGRN ocorreu precisamente aos 29 dias do mês de março do ano de 1902, décimo quarto da Republica, no salão do Atheneu Norte-rio-grandense, tendo sido aclamada a Diretoria Provisória, com a seguinte formação – Presidente: Dr. Olympío Vital; Vice-presidente: Dr. Alberto Maranhão; Primeiro secretário: Dr. Pinto de Abreu; Segundo secretário: Dr. Luiz Fernandes; Orador: Des. Meira e Sá; Tesoureiro: Veríssimo de Toledo. Nesta oportunidade o Presidente declarou instalado o instituto, cujos fins e objetivos estão contidos no art. 1º do Estatuto da entidade, assegurando que trata-se de uma associação civil sem fins econômicos, com sede e foro na cidade de Natal capital do Estado.
Para não importunar a eminente plateia afirmamos, de viva voz, que os institutos pertencem ao gênero academia, conforme o entendimento do historiador gaúcho Paulo de Azeredo:
“O termo Academia tem sua origem na Grécia, em torno do século III AC, quando Platão passou a reunir pensadores que discutiam questões filosóficas em um local chamado Jardins de Akademus (herói Ateniense). O grupo passou a ser conhecido por Akademia. Com o tempo, a reunião de pessoas especializadas em uma determinada área também passou a receber a mesma denominação. Mais tarde o termo passou a ser usado também para designar estabelecimentos de ensino superior e posteriormente escolas onde se ministram práticas desportivas, artísticas e outras. Sociedades de caráter científico, artístico ou literário também passaram a ser denominadas de academia. Atualmente, quando nos referimos genericamente à ACADEMIA, estamos nos referindo ao sistema educacional e ao meio intelectual como um todo.”
Outra parte da sede do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN – Fonte – ihgrn.blogspot.com
O eminente Presidente Honorário Vitalício, Jurandyr Navarro, em trabalho ainda inédito também descreve o nosso instituto da seguinte forma:
“Essa entidade secular guarda, em seu acervo, obras raras, separadas pelo seu valor em depósito selecionado, podendo enumerar algumas delas: o livro de Barleus, encontrado somente um exemplar no Rio de Janeiro, segundo alguns; a obra do Padre Luiz Monte ‘Fundamentos Biológicos da Castidade’ (primeira edição), escrita no início da década de 1930, redigida por um sacerdote católico, a única sobre o assunto, analisada sob o ângulo científico e não, apenas, sob o aspecto moral por outros já debatidos; uma Bíblia escrita em idioma estrangeiro; a obra do Cônego Jorge O’Grady de Paiva, ‘Dicionário de Astronomia e Astronáutica’, o primeiro escrito na América Latina sobre o assunto. Assim como objetos, considerados relíquias, tais a Estola do Padre Miguelinho; as vestes sacras do primeiro Bispo Dom Antônio de Almeida, etc.”.
Em verdade convivemos com as dificuldades que são próprias de entidades culturais públicas e privadas, especialmente em relação aos poderes constituídos. Entretanto, esses óbices vêm sendo paulatinamente ultrapassados, mercê da vontade de todos os que se envolvem nos campos da intelectualidade. Com a máxima sinceridade não poderemos somente admirar e contemplar. Os tempos são outros exigem muito esforço e a necessidade de fazer e de produzir. Precisamos, assim, interagir com os seus dirigentes para que a chama idealística dos mais antigos, não se limite, apenas a quimeras e sonhos idos e vividos. A Casa da Memória precisa somar o seu passado aos dias que virão, porque o Instituto Histórico pertence aos mais novos, ou seja, as futuras gerações. Assim, estamos aqui para aprender, colaborar, unir e produzir visando, primordialmente, o desenvolvimento cultural do Estado.
Convite para discussão dos estatutos do IHGRN em 1902, ano de sua criação.
Mas, minhas senhoras e meus senhores que abrilhantam esta reluzente noite, chega de saudade, como diria o poeta. Vamos falar de forma direta sobre os novos valores que passam a compor o quadro de sócios efetivos da instituição que são nomes importantes da magistratura, da advocacia privada ou institucional, do Ministério Público, do magistério universitário e, por que não dizer, da própria cultura norte-rio-grandense. São eles: Dr. Francisco Eduardo Guimarães Farias – Juiz Federal; Dr. Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador da República; e Dr. Washington Alves de Fontes – brilhante advogado, atualmente exercendo o cargo de Procurador-Chefe da Assembleia Legislativa do RN.
Como se vê, o quadro do instituto recebe de braços abertos os seus novos membros que com certeza muito contribuirão para o aperfeiçoamento desta entidade cultural.
Lembro a todos os presentes, que por aqui já passaram muitos valores intelectuais ao longo dos 114 Anos de existência da gloriosa Casa da Memória. Dentre esses destacamos, nesta oportunidade, o mestre Câmara Cascudo, Manoel Rodrigues de Melo, Oswaldo de Souza, Hélio Dantas, Nestor dos Santos Lima, João Medeiros Filho, Enélio de Lima Petrovich, Otto de Brito Guerra e Olavo de Medeiros. Hodiernamente contamos com a experiência e o inestimável apoio dos ex-presidentes Jurandyr Navarro, Valério Mesquita e do atual Presidente Ormuz Barbalho Simonetti.
Foto da década de 1920, mostrando a sede do IHGRN, ao lado da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, na Praça André de Albuquerque, centro de Natal.
Falemos agora sobre a nossa estrela maior – Glorinha Oliveira que recebe nesta solenidade o merecido título de Sócia Honorária, por tudo que vem fazendo pela música popular brasileira, especialmente neste Estado. Seus dons artísticos são múltiplos: canto, rádio teatro, declamação, arte cênica, sendo, também, uma grande contadora de estórias. Valério Mesquita que se cuide! Bem, Presidente Ormuz, declaro que cumpri com muito prazer a missão de bem receber os novos sócios efetivos e a sócia honorária Glorinha Oliveira que vem nos brindando há muito tempo. Desta forma, os confrades ora empossados passam a fazer parte do acervo cultural deste Instituto.
Resta lembrar a máxima popular de que “a união faz a força”. Assim, estamos evidentemente agrupados para projetar o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte para a frente e para o alto. Castro Alves já dizia: “sou pequeno, mas só fito os andes”.
Acho que foi em novembro de 2015 que a minha mãe, Creuza de França Medeiros, uma pessoa bastante interessada em artes e pinturas, me comentou sobre uma exposição que estava acontecendo em Natal, no velho e suntuoso Solar Bela Vista, no bairro da Ribeira.
Ela me falou que um jovem pintor estava apresentando vários quadros sobre Lampião e o Cangaço, mas que estes eram criados de uma forma diferenciada, com uma apresentação bastante interessante e que certamente eu gostaria de ir lá ver.
Bom, como eu frequentemente não sou de discordar da minha mãe e como estes temas nordestinos sempre me interessaram desde que me entendo por gente, eu não perdi tempo e fui lá visitar a exposição.
Realmente para alguém muito pouco ligado aos pincéis, como é o meu caso, os quadros que encontrei no velho Solar eram bem diferentes do que eu já havia visto. Vi trabalhos de variadas dimensões, com muito colorido, pinceladas livres, que na minha visão possuíam algo de muito interessante, belo e poético.
Logo fui apresentado ao artista plástico Sérgio Azol pelo jornalista Thiago Cavalcanti, que realizava a assessoria de imprensa do evento. Na conversa, para minha surpresa, descobri que Azol conhecia o nosso blog TOK DE HISTÓRIA, que era de Natal e que havíamos estudado em turmas deferentes no velho Salesiano da Ribeira, na época do ensino colegial.
No contato soube que a família de Sérgio Azol possui profundas raízes sertanejas, que ele tem um forte sentimento de orgulho em relação a estas origens e a sua arte tem muito dessa ligação afetiva com a sua história familiar.
Apesar disso ele me comentou que cedo deixou Natal, viveu em grandes cidades do sul do Brasil e nos Estados Unidos e pouco conhecia do sertão. Ele desejava ter um maior contato com a região, principalmente na área aonde o chefe cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, atuou mais fortemente junto com seus homens.
Comentei-lhe que compartilhávamos origens parecidas e que tenho o mesmo sentimento de orgulho em relação ao fato de ser um nordestino. Daí o papo correu solto e logo estávamos planejando uma viagem que pudesse abranger, em um espaço determinado de tempo, o máximo de locais que lhe proporcionasse descortinar muito da intensa vida deste cangaceiro.
Na estrada. Aqui realizando uma visita ao Museu do Artesanato de Bezerro e agradecendo o profissionalismo do pessoal.
Este planejamento ocorreu sem maiores alterações, pois, além de escritor e pesquisador de temas nordestinos, eu sou um Guia de Turismo credenciado pelo Ministério do Turismo, com mais de quinze anos de experiência e já possuo muitos quilômetros de estradas percorrendo o Nordeste.
Neste sentido o objetivo ficou centrado principalmente na região do Pajeú Pernambucano, área de nascimento de Lampião. Depois seguiríamos para a cidade de Piranhas, no oeste do estado de Alagoas, as margens do Rio São Francisco e próximo da Grota do Angico, local da morte de Lampião e localizado no belo estado de Sergipe.
Em Floresta estivemos juntos dos maravilhosos amigos (da esq. para dir.) Cristiano Luiz Feitosa Ferraz, Djanilson Pedro e Marcos Antonio de Sá, o conhecido como “Marcos De Carmelita”.
Logo contatei pessoas maravilhosas, grandes amigos, que se colocaram a disposição para ajudar no que fosse necessário. Entre estes estava Carmelo Mandu, da cidade paraibana de Princesa Isabel e André Vasconcelos, em Triunfo, Pernambuco. Já da bela cidade de Floresta, também em Pernambuco, os escritores e pesquisadores Marcos Antonio de Sá, conhecido como “Marcos De Carmelita”, e Cristiano Luiz Feitosa Ferraz, autores do livro “As cruzes do Cangaço – Os fatos e personagens de Floresta – PE”, recentemente lançado, se prontificaram a ajudar.
Apesar deste contato extremamente positivo, por diversas razões o “OK” para iniciarmos esta viagem demorou um pouco mais do que planejamos. Mas finalmente a ordem de partida foi dada e caímos na estrada.
Saí de Natal para me encontrar com Azol em uma segunda-feira de madrugada, seguindo para Recife, onde ele desembarcaria no Aeroporto dos Guararapes. Ocorre que cheguei na capital de todos os pernambucanos em um dia que esta cidade literalmente ficou debaixo d’água. Trechos que levaria 20 minutos para percorrer foram completados em uma hora e meia e era tanta água que cheguei a duvidar se conseguiria mesmo alcançar ao aeroporto. Graças a Deus deu tudo certo.
Partimos com uma paisagem e um clima que mais lembravam a Serra Gaúcha, do que o agreste pernambucano. Mas foi legal para ambientar Azol e lhe contar aspectos da história da expansão da cultura canavieira e como se deu à ocupação do sertão pelos portugueses, a origem dos cangaceiros e vários outros temas.
O papo ia rolando, a BR-232 se abrindo na nossa frente e isso tudo com o som do carro tocando o Mestre Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Trio Nordestino, Quinteto Armorial e o Quinteto da Paraíba, Zé Ramalho, Elomar, Fagner, Genival Lacerda, Alceu Valença, Antônio Nóbrega, Mestre Ambrosio e muito mais.
Inspirado, logo Azol foi pedindo para que eu realizasse várias paradas para executar muitas fotos. Muitas delas estão aqui para os leitores do TOK DE HISTÓRIA.
Pelos dias seguintes estivemos nas cidades de Bezerros, Belo Jardim, Arcoverde, Serra Talhada, São José de Belmonte, no local da mística Pedra do Reino, na região da cidade de Floresta, nas ruínas da casa onde nasceu Lampião, em Piranhas, navegamos pelo Rio São Francisco, caminhamos pela trilha que leva até a Grota do Angico. Depois retornamos por Garanhuns, Caruaru e Recife. Infelizmente, devido ao tempo curto que dispúnhamos e da necessidade de realizar muitas paradas, não foi possível visitar Princesa Isabel e Triunfo. Peço desculpas aos amigos Carmelo Mandu e André Vasconcelos.
Mas percorremos muitas estradas de barro em plena caatinga braba. Paramos para conversar com sertanejos, com vaqueiros e outros mais. Conversamos com pessoas que sabem transmitir, com narrativas extremamente dignas, várias histórias sobre Lampião, sobre outros cangaceiros, sobre as volantes policiais, as sangrentas guerras de famílias no sertão, sobre as secas, as enchentes e outros temas. Foi possível apresentar o rico artesanato, a culinária e a história desta região extremamente singular e representativa desta parte do Brasil.
Para mim (e acredito que igualmente para Sérgio) os momentos particularmente mais interessantes foram em Floresta.
Conhecendo o gosto do cacto “Coroa de frade”.
Maravilhosamente apoiados pelos escritores e pesquisadores Marcos Antonio de Sá e Cristiano Luiz Feitosa Ferraz, percorremos inúmeros locais que foram palco de lutas entre valentes florestanos contra Lampião e seus cangaceiros.
Marcos de Carmelita explicando a Sérgio Azol aspectos históricos da luta travada na Tapera dos Gilo em 1926.
Entre estes locais o mais significativo sem dúvida alguma foi à visita a propriedade da Tapera dos Gilo, local do maior massacre da história do Cangaço. Nesta propriedade conhecemos o nobre sertanejo Djanilson Pedro, o conhecido “Pané”, descendente dos membros da família Gilo.
Cemitério onde descansam eternamente os membros da família Gilo massacrados por Lampião em 1926.
Em razão de um ardiloso e nefasto estratagema orquestrado por um inimigo, esta família foi atacada no dia 26 de agosto de 1926 pelo bando de Lampião e um grupo em torno de 120 cangaceiros. Neste dia sangrento mais de 10 pessoas foram mortas na propriedade e nas redondezas pelos bandoleiros das caatingas. Tivemos a oportunidade de ouvir a narrativa oral que é transmitida pela família de Djanilson sobre os episódios de 1926, sua opinião sobre aquele momento extremamente difícil para sua família, as consequências disso e foi possível visitar os locais de luta. Foi um dia muito positivo e produtivo, que só engrandeceu a nossa busca pelo conhecimento.
Djailson relatando a tradição oral referente ao massacre da família Gilo.
Eu acredito que o mais importante em qualquer viagem não é o destino, mas o caminho e não existe coisa melhor na profissão de Guia de Turismo do que conhecer pessoas. Principalmente pessoas que amam aprender viajando e que gostam de transmitir aquilo que conhecem. E isso fica ainda melhor quando a estrada é percorrida junto de alguém que possui muita humildade, algo fundamental em um bom viajante.
E por isso considero Sérgio Azol é um ótimo viajante…
Que Estranho Cortejo Percorria as Ruas da Cidade do Natal, Com Homens Pintados de Negro, Imitando Demônios e Realizando uma Comemoração? Teria algo Haver Com Um Moderno Bloco Carnavalesco da Redinha?
Autor – Rostand Medeiros
Tradição é tradição e, quer você goste, ou não, uma das manifestações mais tradicionais, autênticas e originais do moderno carnaval de Natal é o irreverente bloco “Os Cão”.
Em 2016 “Os Cão” (no singular mesmo) comemorou 52 anos de tradição e muita folia na região da Praia da Redinha, na Zona Norte da capital potiguar. Segundo Francisco Ribamar de Brito, Seu Dodô, um dos criadores do bloco, tudo começou quando ele, Zé Lambreta, Chico Baé e mais dois amigos brincaram a festa de Momo de 1964 em um bloco chamado “Brasinhas”, que só saia nas ruas até a segunda-feira de carnaval. Eles resolveram esticar a festa até a terça, mas não tinham nenhuma fantasia para usar naquele último dia de folia!
Enquanto pensavam em como resolveriam esta questão, os rapazes resolveram pegar camarões para servir de tira gosto em um local conhecido como Porto D’água, na área de mangue do estuário do Rio Potengi. Quando lá estavam Chico Baé melou seus cabelos de lama, querendo estirar o cabelo crespo. Todos acharam idéia engraçada e igualmente melaram o corpo de lama. Completaram a fantasia com pedaços de galhos e saíram se divertindo pelo mercado e ruas da Redinha.
Logo quem passava, ou se recusassem a dar cachaça ao grupo, eles assustavam e as pessoas diziam – “Lá vem os cão!”. Nos anos seguintes eles repetiram a brincadeira e o grupo foi crescendo.
É patente que o “Grand Monde” natalense jamais teve maiores simpatias por este bloco carnavalesco da Redinha. No máximo eles e sua lambuzada festa são vistos como “exóticos” e aturados, pois os políticos da cidade dos Reis Magos não podem ficar indiferentes a uma festa que arrasta mais de 2.000 pessoas para as ruas. Mesmo com pouco apoio os “Os Cão” vão resistindo com sua festa original. Sempre brincando pela Redinha, acompanhados por uma legião de demônios usando como fantasia basicamente a lama do mangue do Potengi, muitos portando tridentes, chifres de animais e galhos de árvores. Sempre pedindo cachaça nas terças-feiras de Momo e com muita irreverência.
O interessante é que descobri uma nota de jornal onde temos a informação que há quase um século e meio, de uma maneira diferenciada e bem distinta, já circulou pelas velhas ruas de Natal algumas pessoas que se fantasiaram de demônios enegrecidos em meio a um festejo religioso, mas que estranhamente parece possuir algumas similaridades com o moderno bloco “Os Cão”.
O Correspondente
Em setembro de 1862 o Brasil ainda era um imenso Império com vastas extensões de terras quase virgem, com forte economia agrícola, tocada pela mão de obra escrava, poucas modernidades e grande número de analfabetos. Apesar de todas as deficiências já existiam muitos jornais nas capitais das Províncias, que hoje chamamos de Estados.
Antônio Carlos Mariz e Barros, comandante da corveta Belmonte em 1862, que visitou Natal e foi morto na Guerra do Paraguai.
Este era um dos principais meios de circulação de informações, onde os melhores jornais contratavam correspondentes nas Províncias vizinhas para reproduzirem notícias regionais. Este era o caso do “Jornal de Recife”, um dos principais jornais de Pernambuco na época, que em Natal tinha como correspondente Joaquim Ignácio Pereira Junior, um súdito português, que também era o Vice-Cônsul honorário de seu país no Rio Grande do Norte. Este informava de Natal, principalmente os eventos sociais e políticos. Notícias do interesse de uma pequena parcela de potiguares, membros da elite local, que tinham negócios, ou estudavam na capital pernambucana.
Há quase 154 anos, na edição do “Jornal de Recife” de quinta-feira, dia 17 de setembro de 1862, Joaquim Ignácio, como era de costume, iniciou sua coluna informando que na manhã do dia 24 de agosto, Pedro Leão Veloso, então Presidente da Província do Rio Grande do Norte, recebeu no Palácio do Governo o jovem primeiro tenente Antônio Carlos Mariz e Barros, comandante da corveta Belmonte, da Marinha do Brasil, que se encontrava no porto para concertar uma pequena avaria na hélice. O encontro protocolar ocorreu no sobrado localizado no bairro da Ribeira, na então Rua do Comércio, atual Rua Chile, a mais imponente e alta edificação (com apenas dois andares) existente em Natal na época[1].
Nota da edição do “Jornal de Recife” de quinta-feira, dia 17 de setembro de 1862.
Então na sequência do seu informativo, até com certa surpresa, o correspondente Joaquim Ignácio apresentou uma outra notícia que não tinha nenhum caráter oficial.
O Estranho Cortejo
Cerca de vinte “marmanjões” haviam desfilado pelas ruas de terra da pequena Natal, trajando muito pouca roupa, pintados completamente de preto (seria de lama do mangue?) e figurando demônios. Durante o desfile estes homens eram “açoitados” por um figurante vestido de São Miguel, o santo guerreiro, que protegia uma pobre alma vestida de branco da ação dos pretensos membros da legião do mal.
Mesmo estando com a presença de São Miguel, aquele estranho cortejo fazia parte de uma comemoração pelo dia de São Bartolomeu, um dos doze primeiros apóstolos de Cristo.
Consta que São Bartolomeu nasceu em Caná, a quatorze quilômetros de Nazaré, na Galiléia, tendo sido apresentado a Jesus pelo apóstolo Filipe, seu maior amigo. Assim como o apóstolo Tomé, Bartolomeu foi um grande viajante e teria passado por locais no Irã, Síria, Índia, Armênia e por algum tempo na Grécia, com Filipe, especialmente na região da Frigia. Na Índia o apóstolo Bartolomeu pregou a verdade do Senhor Jesus, segundo o Evangelho de São Mateus, onde conseguiu converter muitas pessoas naquela região. Já na Armênia ele conseguiu converter o rei Polímio, sua esposa e muitas outras pessoas em mais de doze cidades. Essas conversões, no entanto, provocaram uma enorme inveja dos sacerdotes locais, que, por meio do irmão do rei Polímio, conseguiram a ordem de tirar a sua pele e depois decapitá-lo[2].
Imagem de São Bartolomeu.
Apesar daquele cortejo em Natal glorifica a figura de um santo católico, percebemos na pequena e, para tristeza deste pesquisador, econômica nota, que aquele ato público causava estranheza em pessoas da comunidade. Tanto que o correspondente do “Jornal de Recife” apontou que ele estava na função de “transmitir factos, que demonstrem o progresso” e, após informar sobre este estranho evento religioso-teatral pelas ruas da urbe, completava afirmando em tom jocoso se aquilo “É, ou não, civilização!”.
Personagens Estranhos
Segundo Luís da Câmara Cascudo, em seu livro “História da Cidade do Natal” (Edição do IHG-RN, 1999, páginas 122 a 124), ninguém soube lhe dizer como começou aquele estranho cortejo, mas soube que ele não era autorizado pela igreja católica, tinha um aspecto um tanto macabro e havia sido iniciado por pessoas do povo.
O evento ocorria sempre pela tardinha do dia 24 de agosto, na medida que as ruas estreitas da cidade começavam a ficar no escuro[3].
Entre hurros, gritos, risadas histéricas, pulos, guinchos e outras diabruras, os jovens surgiam pintados de preto, com chifres na cabeça, estirando suas línguas cobertas de tecidos vermelhos feitos de baeta e trazendo pequenas asas. Fico imaginando o choque dos natalenses daqueles tempos coloniais.
Mas o Mestre Cascudo aponta algumas diferenças entre o que ele registrou através da memória dos mais velhos que assistiram estes desfiles e o relato de Joaquim Ignácio. Entre estas estava a que existia uma pessoa fantasiada como o próprio demônio, comandando a sua legião de diabos negros e um homem vestido com um larguíssimo hábito de monge, com cordões de São Francisco na cintura, grande capuz que escondia seu rosto e afugentava os “filhos do cão” com chicotadas cênicas.
Outra diferença apontada e que fazia o medo se estampar tanto na cara dos pequenos, quanto dos marmanjões, era a figura da morte.
O ator que interpretava a figura que lembra o fim de todos os seres viventes apresentava-se andando em pernas de pau, com uma roupa alva, que arrastava pelo chão. Mas os textos nada trazem sobre alguma foice estilizada levada pelo pretenso ator.
Uma outra representação da morte em um jornal carioca no fim do século XIX.
Independentemente disso ele parecia realizar sua função com esmero, pois a figura sinistra era temida e batiam-lhe portas e janelas na cara. Como resposta a afronta, a morte então riscava no ar uma cruz latina e bradava a plenos pulmões “Vá se preparando! Vá se preparando! Eu volto em breve para vim buscá-lo…” Daí a pouco o cortejo parava em frente a alguma outra casa e, se recebesse porta na cara, vinha nova praga rogada. Pelos escritos de Cascudo, essa era a parte mais “terrível” do cortejo[4].
Certamente aquele cortejo fazia muita criança natalense daquele tempo se mijar de medo e seria desaprovada pelas modernas técnicas e normas da psicologia infantil.
Não nós esqueçamos que esta era uma época de medicina limitadíssima, onde morrer por doenças variadas era algo comum e uma sentença dessas proferida na porta de casa, mesmo por brincadeira, certamente deixaria muitos se benzendo, se ajoelhando diante de seus oratórios e declamando benditos.[5]
Estranhamente o fim do cortejo acontecia diante da Igreja Matriz, na antiga Rua Grande, atual Praça André de Albuquerque, com todos os integrantes rezando uma solene ave maria.
Para Cascudo o fim desta estranha manifestação popular ocorreu com um fato pitoresco e bastante hilário…
Não sabemos a data exata, mas entre os anos de 1836 e 1838, o capitão Antônio José de Moura exercia o cargo de primeiro comandante do recém criado Corpo Policial, atual Polícia Militar, e tinha a sua residência na Rua da Palha (atual Rua Vigário Bartolomeu, no Centro). Durante um destes anos, quando o cortejo de 24 de agosto passou em frente à casa do policial, dois cachorros de sua propriedade ficaram extremamente agoniados com a gritaria, pularam a janela da residência e partiram para cima dos integrantes do desfile. Foi literalmente um Deus nos acuda, com satanás e sua legião de demônios fugindo para todos os lados, gente caindo no chão, o capitão Moura no meio da rua apenas vestido de chambre (um roupão caseiro comprido) e com muito trabalho para segurar os seus endiabrados mastins. Paradoxalmente quem mais sofreu foi à morte, pois o ator despencou das pernas de pau e foi mordido “na parte mais carnuda do corpo”.
Ainda segundo Câmara Cascudo o cortejo caiu em desgraça diante do escárnio pelo ocorrido, perdeu força e sumiu.
Eterna Estranheza
Mas diante da nota publicada pelo correspondente do “Jornal de Recife”, vinte anos depois do ataque dos cães do capitão Moura na Rua da Palha, mesmo sendo vistos com estranheza, como algo diferente e burlesco, o desfile do dia de São Bartolomeu em Natal resistiu e continuou de alguma forma.
Nada sabemos quem eram seus participantes, apenas que eram pessoas “conhecidas de todos”. Mas acredito que provavelmente não pertenciam as classes privilegiadas da provinciana cidadela e não existe nada sobre a presença feminina no desfile.
O desfile foi esquecido e São Bartolomeu em Natal é lembrado atualmente na comunidade de Vila Paraíso, na Zona Norte, por uma capela que inclusive desabou devido a chuvas em julho de 2013. Não sei se esta pouca lembrança nos dias atuais seria devido ao desfile do dia de São Bartolomeu no século XIX, mais que festejar o santo, servir para que uma parte da população, de maneira alegre e irreverente, afrontasse indiretamente a elite e as instituições da cidade?
Em tempo – Nada encontrei que ligasse o desfile do dia de São Bartolomeu, com seus demônios pintados de negro, ao moderno bloco carnavalesco “Os Cão”.
A não ser uma estranheza da elite de outrora e atual, com tudo que é espontaneamente criado pelo povo de Natal, que parece nunca acabar e onde se percebe muito preconceito.
[1]Quatro anos depois este mesmo tenente Mariz e Barros se tornaria um dos grandes heróis da Marinha do Brasil, quando no comando do encouraçado Tamandaré em plena Guerra do Paraguai, morreu no combate travado contra o forte Itapiru.
[2]O dia de São Bartolomeu é bastante festejado em Portugal, possuindo extensa tradição. Em vários locais deste país este dia é dedicado àquele que é conhecido como padroeiro das crianças, fazendo reviver tradições que se misturam com a fé e devoção. Na foz do rio Douro, no Porto, norte de Portugal, ainda hoje se acredita que o banho de mar tomado no dia 24 de Agosto serve para a cura e prevenção contra o mal, sendo todo malefício exorcizado pela ação da água tornada miraculosa nesse dia por parte de São Bartolomeu. Nesta região além do banho ritual existe a tradição do cortejo de São Bartolomeu, também conhecido como Cortejo do Traje de Papel. Trata-se de um desfile, com centenas de figurantes com trajes feitos de papel crepe de diversas cores, onde ao final os participantes se juntam para um banho coletivo.
[3]Pesquisando nos jornais antigos eu descobri que o evento de 1862 ocorreu no início da lua nova do mês de agosto, quando provavelmente as velhas ruas natalenses, que não tinha mesmo muita iluminação pública, estavam bem escuras.
[4]Provavelmente a propagação da sentença final ocorria defronte a casa de alguém que recusava dar aos integrantes do cortejo algum alimento, ou uma bebida.
[5]Joaquim Inácio, o correspondente do “Jornal de Recife”, na mesma nota sobre o cortejo do dia de São Bartolomeu, descreveu que naquele agosto de 1862 a cólera não apareceria em Natal, que havia se extinguido na Penha, atual Canguaretama, mas grassava no engenho “Estrella”, próximo à comunidade de Flores.
Pintura de uma festa junina em Currais Novos (Foto: Assis Costa) – Fonte – G1
‘Não podemos negar nossas origens’, diz o curraisnovense Assis Costa.
Para pintar, ele lembra das brincadeiras de criança e dos banhos de açude.
Nascido na cidade de Currais Novos, no Seridó potiguar, o artista plástico Assis Costa retrata o cotidiano do sertanejo através das próprias recordações. Prestes a fazer 40 anos, o pintor ainda lembra da sensação única de construir os próprios brinquedos, tomar banho de açude e subir em árvores.
Circo na cidade (Foto: Assis Costa) – Fonte – G1
O gosto pela arte começou cedo. “Quando eu era criança, comecei a experimentar e usar tintas, além de desenhar. Fiz um curso e, com 14 anos, comecei a vender minhas telas”, disse. Hoje, ele vive da venda das obras.
Com mais de 15 exposições durante a carreira, Assis tem uma preferida. Em 2012, fez uma mostra chamada ‘Seridós’. Ao portal G1, ele disse que foi uma maneira marcante de expor a cidade para quem não conhecia. “Quero ressaltar meu respeito pela cultura potiguar. O que eu vejo é que a religião é muito forte no interior, principalmente a católica. A fé, a paisagem e o povo sertanejo são minhas maiores inspirações”.
Paisagem do Seridó (Foto: Assis Costa) – Fonte – G1
Os trabalhos sobre o Seridó continuam. “Minha memória reflete em tudo que produzo. Uma das minhas telas mostra como era quando um circo chegava a cidade. Era extraordinário. Toda a população assistia os espetáculos. E é esse o sentimento que procuro demonstrar”, relembrou.
Assis também lembra de situações engraçadas que serviram de inspiração. “Eu estava tomando vinho na casa de um amigo e ele me disse ‘rapaz, você está bebendo muito e daqui a pouco você não vai saber com o que está pintando’, e eu comecei a experimentar o vinho como tinta. E deu certo! Resultou em uma exposição chamada Dom Quixote de Las Manchas de Vinho”, emendou.
Teatro de João Redondo (Foto: Assis Costa) – Fonte – G1
Não há dúvidas sobre o futuro. “Sempre fui artista e vou continuar sendo. Apesar de morar no interior, pretendo mostrar minhas obras para pessoas do Brasil inteiro, quem sabe até de outros países. Não podemos negar nossas origens. E é por isso que retrato minha cidade com tanto carinho”, afirmou Assis.
AS FOTOS QUE ILUSTRAM ESTE TEXTO SÃO DE ORGULHOSOS NORDESTINOS QUE CONHECI EM VÁRIOS LOCAIS DA NOSSA REGIÃO, JUNTO COM OUTROS AMIGOS, NOS ÚLTIMOS SEIS ANOS. SÃO PESSOAS QUE NÃO SE ENVERGONHAM DE USAR O CHAPÉU DE COURO – Fazenda Colônia – Carnaíba – Pernambuco – Foto – Solón Almeida Netto – 2008.
Autor – Rostand Medeiros
Este é um artefato que funciona como verdadeiro distintivo do Nordeste e do nordestino. Creio que talvez não existe um material com um aspecto tão forte em termos de identidade, tão representativo do nosso sertão do que o belo e tradicional chapéu de couro.
Um Material Com Fins Práticos
A pecuária, a criação de gado no interior da atual Região do Nordeste do Brasil foi o primeiro grande fator de geração de renda e permanência do homem nesta região árida. Da atividade de criar o gado se obtinha a carne para alimentação, o leite e em seguida o couro, que era utilizado de diversas maneiras nas propriedades rurais. Em algumas fazendas se desenvolveram rústicos curtumes, que serviram para transformar o couro em mais um meio de geração de renda. Certamente foi nestes locais que se iniciou a tradição da manufatura dos chapéus de couro.
Este tradicional artefato nordestino inicialmente serviu basicamente para fins práticos, principalmente como parte da indumentária de proteção dos vaqueiros.
Além de primariamente servirem para proteger a cabeça dos sertanejos do inclemente sol e das chuvas temporárias, igualmente era utilizado para proteger seus usuários das ervas espinhosas da vegetação de caatinga, juntamente com o gibão e a perneira.
Mas apesar da designação comum, os chapéus de couro não possuíam um formato único. Variavam imensamente conforme a localidade do vaqueiro, servindo até mesmo como um identificador de sua proveniência.
Muitos acreditam que o tradicional chapéu de couro nordestino foi criado pelos cangaceiros. Mas isso não é verdade!
Distrito de Nazaré, município de Floresta – Pernambuco – Foto – Rostand Medeiros – 2016
Entretanto devemos a estes bandoleiros das caatingas a transformação deste material em uma peça característica extremamente marcante na história deste movimento. Os cangaceiros faziam questão de colocar várias moedas (talvez para mostrar o apurado dos saques?), santinhos, cruzes, estrelas e outros símbolos, criando peças únicas em termos de estética e simbologia.
Fabricação Nada Fácil
Fabricar os tradicionais chapéus de couro nordestinos não é nada fácil. Primeiramente o couro do animal é levado para o curtimento vegetal. Lá ele é tratado, onde pode permanecer cru, com ou sem pelo, ser tingido, ou não.
Barro – Ceará – Foto – Rostand Medeiros – 2015
Na segunda parte do processo o couro é cortado, dependendo das medidas determinadas, sendo tudo geralmente produzido à mão por jovens artesões. Depois do corte o couro é molhado para ficar mais elástico e assim ser colocado em moldes. É lá que eles ganham forma e vão para a secagem. Esse processo depende da temperatura ambiente e pode durar de duas horas ou mais. Como chove pouco no sertão nordestino, isso não é um grande problema.
Em seguida o chapéu ganha a aba que vai proteger o rosto do vaqueiro. As oficinas fazem o tamanho das abas de acordo com o gosto do comprador, mas na Paraíba elas se caracterizam por serem curtas, já em algumas regiões da Bahia ela costuma ser maior. A última etapa é a costura. Primeiro o material vai para a máquina de costura reta receber o acabamento. Mas os desenhos e aplicações ficam por conta da máquina manual, que apesar de ser mais trabalhosa é quem vai dar riqueza de detalhes ao chapéu de couro.
Todo esse trabalho, realizado por abnegados artesões, no meu entendimento o que mais valoriza este rico material.
Identidade Cultural
No meu entendimento foi a partir do sucesso de Luís Gonzaga no Sudeste, que utilizava vários modelos de chapéu de couro em suas apresentações, como marca de sua origem nordestina, estes acessórios passaram gradativamente a ser utilizado como símbolo da vida sertaneja e do homem nordestino. Alem do Velho Lua, estas verdadeiras coroas nordestinas foram, e ainda são, utilizadas por gente do nível de Dominguinhos, Santana e tantos outros verdadeiros cantadores nordestinos.
Vaqueiro depois de retornar da caatinga – Barro – Ceará – Foto – Rostand Medeiros – 2015
Entretanto, artistas que atualmente se dizem “forrozeiros”, que infelizmente são oriundos do próprio Nordeste, não utilizam mais em suas apresentações estes artefatos característicos.
Que eles não queiram usar estes símbolos nos grandes palcos é problema deles. Até aí tudo bem, gosto não se discute!
Mas o que se lamenta aqui é esse pessoal, travestidos de “modernos”, menosprezarem não apenas o velho e autêntico chapéu de couro, mas toda uma secular e tradicional cultura criada na região.
Fazenda Barreiras, região da Serra Grande – Serra Talhada – Pernambuco – Foto – Rostand Medeiros – 2013
No meu entendimento o pior é que estes “artistas”, junto com a sua perniciosa e maciça “indústria cultural”, tentam de todas as formas mostrar a cultura tradicional nordestina como algo decadente, ultrapassada, sem serventia e em desuso. Estes seguem propagando músicas de extremo mau gosto, baixo nível e cantadas por gente que no máximo deveria utilizar suas vozes para vender jerimum na feira (com todo respeito aos feirantes).
A coisa é tão forte e o jogo é tão sujo que cheguei a ponto de perceber que aqueles que decidem utilizar um chapéu de couro em algumas regiões do próprio sertão nordestino são vistos de forma jocosa e com um olhar que fica entre o espanto e o mais completo escárnio. Interessante que há tempos atrás eu percebia isso apenas nas capitais.
Apesar desta questão, o bom e velho chapéu de couro está firme e forte na cabeça daqueles nordestinos que valorizam a cultura tradicional de sua terra. Até mesmo como símbolo de resistência cultural.
E a melhor notícia é que a produção destes belos artefatos está tendo continuidade.
Resistência e Continuidade
Certamente que a maioria destes “artistas” não possuem capacidade mental de perceberem a beleza da arte que está por trás das tradicionais vestimentas e acessórios dos nossos vaqueiros. Verdadeiras obras de arte produzidas com maestria, por quem abraça um artesanato digno de exportação.
Barro – Ceará – Foto – Rostand Medeiros – 2015
Não posso negar que em toda a região não são muitos os artesões envolvidos no processo de fabrico do tradicional chapéu de couro. Mas, para a sorte dos que valorizam a autêntica cultura nordestina, temos verdadeiros Mestres produzindo e ensinando a sua arte aos seus filhos e netos pelo Nordeste afora.
Este é o caso dos descendentes de Antônia Maria de Jesus, a conhecida “Totonha Marçal”, que continuam a manter a tradição no trabalho com chapéus de couro no Distrito da Ribeira, no município de Cabaceiras, Paraíba. Inclusive este município do Cariri Paraibano, situado a 180 Km de João Pessoa, capital da Paraíba, é atualmente o maior produtor de chapéus de couro do Brasil.
Fino trabalho de Mestre Aprígio, de Ouricuri, Pernambuco, fotografado na Loja do Vaqueiro, em Caruaru – PE – Foto – Sérgio Azol – 2016.
Temos em Salgueiro, Pernambuco, mais precisamente na Fazenda Cacimbinhas (a 14 quilômetros do centro da cidade), o exemplo de uma família que há um século perpetua o ofício de transformar pedaços de couro em peças artesanais que conquistaram personalidades do mundo artístico e da política brasileira. Tudo começou em 1909 com Mestre Luiz, depois passou o oficio para seu filho, o conhecido Zé do Mestre. Este chegou a fabricar vestimentas (só gibões) para o amigo Luiz Gonzaga, o ex-presidente Médici, o rei Juan Carlos da Espanha e até para o Papa João Paulo II, em sua última visita ao Brasil. Atualmente a arte está preservada e nas mãos de seu filho Irineu Batista, mais conhecido como Irineu do Mestre.
Já em Ouricuri, também em Pernambuco, temos o Mestre Aprígio e o seu filho Romildo, que trabalham juntos mantendo a tradição. Mestre Aprígio tem orgulho em exibir pelas paredes de sua oficina, que outro denominam acertadamente de ateliê, as fotos que contam a história do artesão que começou a trabalhar aos 24 anos de idade. Já são mais de 50 anos de profissão e criatividade produzindo chapéus de couro, gibões e bolsas personalizados.
Evidentemente que não posso esquecer de Espedito Velozo de Carvalho, o Mestre Espedito Seleiro, de Nova Olinda, no Ceará. Ele tinha oito anos de idade quando começou a ajudar o pai em sua oficina. As histórias que ouvia quando criança eram célebres: foi o pai quem criou as sandálias do cangaceiro Lampião. Com o passar dos anos Mestre Espedito só cresceu na qualidade do seu trabalho, chamando a atenção de estilistas do Sudeste do país e foi ele que assinou as peças que o ator Marcos Palmeira usou no filme “O Homem que Desafiou o Diabo”, de 2007.
Eu acho muito bonito quem, mesmo que se abra para outras culturas, tem orgulho de sua terra e de sua identidade cultural. Para mim, junto com a bondade ao próximo e a humildade, é o tipo de situação que torna um outro ser humano verdadeiramente digno de respeito.
Sendo assim, não posso negar que fico muito feliz quando vejo alguém utilizar o bom e velho chapéu de couro nordestino. Quando eu encontro uma pessoa utilizando este tipo de material, penso que a cultura da minha terra ainda resiste em meio a um mar de muita mediocridade.
Eu também tenho os meus chapéus de couro (3) e tenho muito orgulho de utilizá-los, pois tenho a sorte de ser nordestino e amar minha região.
O russo Serguei Prokúdin-Górski (1863-1944) tralvez seja um fotógrafo desconhecido até mesmo de muitos fotógrafos, mas foi este russo que desenvolveu as técnicas para a realização das primeiras fotografias coloridas. Em 1905, Prokudin-Gorskii concebeu o grande projeto de documentar, com fotografias a cores, a enorme diversidade de história, cultura e avanços do Império russo, para ser utilizado nas escolas do Império.
Dorrit Harazim é uma das mais célebres e respeitadas jornalistas do Brasil, com passagem por publicações como as revistas piauí, Zum e Veja. Agora, pela Companhia das Letras, lança o seu primeiro livro, O Instante Certo,que reúne textos em que conta as histórias de algumas das mais célebres fotografias já feitas. Com o olhar voltado para os aspectos humanos das imagens, Dorrit enxerga para além de jogos de luzes e sombras, mirando sempre nas narrativas que as fotografias por vezes revelam e por vezes ocultam.
Leia a seguir um trecho do livro em que Dorrit fala das fotografias de Sergei Prokudin-Gorskii, que registrou em cores paisagens e pessoas da Rússia.
Raras vezes o título de um livro foi tão feliz. Nostalgia, o volume de 320 páginas com imagens laboriosamente captadas pelo fotógrafo russo Sergei Mihailovitch Prokudin‑Gorskii no início do século XX, é uma experiência quase sensorial. Ele faz renascer um regime moribundo — no caso, o vasto império do czar Nicolau II — em todo o seu esplendor e dimensão.
Nostalgia (editora Gestalten) é uma versão em livro da monumental obra do pioneiro da cor. Tornou‑se assim possível apreciar também em papel impresso imagens que até então só podiam ser admiradas on‑line ou precisavam ter os negativos em lâminas de vidro projetados em alguma superfície.
Em se tratando de Prokudin‑Gorskii, nem poderia ser diferente. Tudo na trajetória desse cientista‑inventor da era pré‑Revolução Bolchevique é incomum, empolgante e sobretudo lento. A começar pela milagrosa ressurreição digital de sua obra pela Biblioteca do Congresso americano, que levou mais de meio século para ser realizada.
Sergei Mikhailovich Prokudin‑Gorskii pertenceu a uma das antigas famílias da nobreza russa cujos ancestrais serviram o país por cinco séculos. Só no XIX haviam participado da derrota para Napoleão em Austerlitz, da desforra na Guerra Patriótica de 1812 e da Guerra da Crimeia. Os interesses do jovem Sergei, contudo, passavam longe de qualquer farda. Embora tivesse estudado física, matemática e química, além de ter cursado a Academia Imperial de Medicina, sua curiosidade maior era pela fotografia, então ainda uma arte e ciência em construção.
Ele tinha apenas dois anos em 1861, quando o físico inglês James Clerk Maxwell realizou seu histórico experimento de três filtros com que obteve a primeira imagem fotográfica colorida. Era precária, porém revolucionária. Ao longo das quatro décadas seguintes os melhores profissionais europeus, inclusive Prokudin‑Gorskii, que já se tornara fotógrafo com estúdio próprio, se desdobraram em experimentos para obter uma gama de cores mais naturais, com nuances intermediários.
Prokudin‑Gorskii foi o mais arrojado deles. Graças aos conhecimentos de química, produziu uma emulsão ultrassensível para a fixação de cores em lâminas de vidro e encomendou a fabricantes alemães uma câmera específica que atendesse a suas necessidades.
Tinha em mente um projeto quixotesco: documentar toda a diversidade natural, arquitetônica e etnográfica do Império Russo. Queria viver da venda de cartões‑postais coloridos que retratassem a imensidão do país.
Faltava‑lhe apenas o essencial: dinheiro para a empreitada.
Liev Tolstói, em maio de 1908, quatro meses antes de seu 80º aniversário. Fotografado em Yasnaya Polyana por Sergey Prokudin-Gorsky. Esta é a primeira fotografia colorida tomada na Rússia.
Foi salvo por Liev Tolstói. Na primavera de 1908, por ocasião dos oitenta anos do já na época mundialmente cultuado autor de Guerra e paz e Anna Kariênina, Prokudin‑Gorskii obteve permissão para fotografá‑lo em sua propriedade de Yasnaya Polyana, perto de Tula.
Levou exatos seis segundos para fazer o único retrato em cores existente do escritor, que morreu dois anos mais tarde. Nele, Tolstói mais se assemelha a um patriarca do Velho Testamento que ao homem que Nicolau II no fim da vida chamou de “gênio do mal”. Reproduzido milhares de vezes desde então — em forma de cartão‑postal, pôster, páginas de revista ou jornal —, o instantâneo é o mais famoso retrato de um personagem da história da Rússia.
Kush-Begin, ministro do Interior de Bukhara, na Ásia Central, Império Russo, região do Uzbequistão
Maksim Górki, compatriota e admirador de Tolstói, assim descreveu a foto ao vê‑la pela primeira vez: “Lá está ele, como um deus. Não um deus do Olimpo, mas o tipo de deus russo que senta num banco de carvalho sob um limoeiro dourado. Não muito majestoso, porém mais astuto do que todos os outros deuses”.
O retrato de Tolstói e algumas fotografias que Prokudin‑Gorskii captou em curtas viagens ao mar Negro, Crimeia e Turquestão, abriram‑lhe as portas das cortes europeias e dos salões dos Romanov em Copenhague. Aproveitando‑se de uma audiência com Nicolau II, então imperador e autocrata de Todas as Rússias, o fotógrafo decidiu expor ao monarca seu ousado projeto: percorreria os domínios czaristas ao longo de dez anos, numa expedição que o levaria do Ártico à fronteira com a China. No final, a nação estaria documentada em 10 mil fotos.
O czar, ele próprio um fotógrafo amador, foi fisgado pela proposta. Além de atender à sua vaidade pessoal, a empreitada teria um propósito educativo — em cada escola elementar seria instalado um projetor, e os alunos teriam a oportunidade de conhecer a riqueza e as belezas nacionais em toda a sua vastidão e diversidade.
Antes de partir em campanha, o intrépido explorador obteve autorização para circular por áreas de acesso restrito a civis. Nicolau II também lhe cedeu um vagão transformado em câmara escura e laboratório que foi sendo acoplado aos trens utilizados para cruzar o dilatado território russo.
Dois homens sobre um tapete, em frente a um yurt, uma tenda ou cabana circular usada tradicionalmente pelos pastores nômades mongóis e de outros povos da Ásia Central, como os quirguizes – Fonte – http://www.loc.gov/pictures/collection/prok/item/prk2000002448/
Durante os dois primeiros anos Prokudin‑Gorskii mapeou a região industrial dos Urais, percorreu toda a extensão do rio Volga, enfronhou‑se pelo território da histórica Batalha de Borodino e fez duas expedições pela província Transcaspiana. Nos anos seguintes, outros rumos, novos mapas, mais fronteiras reveladas.
As imagens coletadas iam de castelos a catedrais, trabalhadores do campo a senhores feudais, barqueiros a emires, famílias judaicas a clãs de cossacos. Como seus conterrâneos, Prokudin‑Gorskii não fazia a mais vaga ideia de como eram os compatriotas das regiões mais distantes da Rússia — como viviam, que feições tinham, que dialeto falavam, quais crenças os moviam. Daí o valor histórico e insuperável de sua obra. As imagens, originalmente reunidas sob o título “Fotografias para o czar” e destinadas a documentar os vastos domínios do imperador, acabaram desempenhando um papel inesperado: conseguiram criar um embrião de identidade comum a uma população formada por povos que nada tinham em comum, exceto a geografia política.
A técnica da fotografia colorida da época, da qual Prokudin‑Gorskii foi o grande inovador, consistia em fazer três fotos monocromáticas em rápida sucessão, cada uma através de um filtro de cor diferente (azul, verde e vermelho). Para visualizar a imagem, faziam‑se projeções em tela (ainda não era possível fazer cópias em papel — o primeiro filme colorido Kodak só chegou ao mercado mundial trinta anos mais tarde). Os negativos em lâminas de vidro eram colocados num projetor oblongo de lente tripla, também fabricado sob encomenda para o fotógrafo, e reproduziam a imagem como sendo uma só, de cores vibrantes e saturadas.
Passados seis anos de expedições exaustivas e custosas, nem mesmo Prokudin‑Gorskii aguentou o tranco. Como os cofres do czar custeavam apenas o transporte, o resto da empreitada ficara por sua conta e risco. E, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914, ele se tornara obrigado a desviar a função do vagão‑laboratório para trabalhos militares.
Após a Revolução Bolchevique de 1917, sua sobrevida como membro do Comitê de Organização do Instituto de Fotografia e Fototécnica seria tênue. Por isso, precavido, decidiu fazer de uma missão à Noruega, uma viagem sem volta a sua terra. Levou consigo todos os negativos que conseguiu socar nas malas e terminou a vida como tantos russos anônimos que emigraram para a Europa Ocidental. Morreu na Maison Russe, nas cercanias de Paris, em 1944, pouco depois da libertação da cidade pelas tropas aliadas. Está enterrado no cemitério russo de Sainte‑Geneviève‑des‑Bois.
Foi então que começou a tortuosa trajetória póstuma de sua obra.
Durante todo o período de ocupação de Paris pelos nazistas, a coleção de Prokudin‑Gorskii permaneceu escondida em porões úmidos da capital francesa. Em 1948, no miserê europeu do pós‑guerra, os herdeiros do fotógrafo foram contatados por emissários da Fundação Rockefeller, interessada na aquisição do lote completo para doá‑lo à Biblioteca do Congresso americano. Fecharam negócio: por 4 mil dólares, doze volumes de folhas de contato indexadas pelo autor e 1902 negativos em lâminas de vidro trocaram de dono e atravessaram o Atlântico. Foram mantidos em Washington, intocados, por mais de cinco décadas.
Foi somente em 2001, portanto quase um século depois de Prokudin‑Gorskii ter superado as primeiras dificuldades técnicas da cor na fotografia, que a ciência encontrou na tecnologia digital a chave para enfim poder mostrar ao mundo a obra do mestre russo. Através de uma técnica chamada digicromatografia, a Biblioteca do Congresso restaurou todos os negativos em lâminas de vidro e colocou esse tesouro on‑line gratuitamente, em alta resolução, com a riqueza de informações e dados típica das grandes instituições culturais.
Desde então, uma exposição itinerante com uma seleta das 58 melhores imagens de Prokudin‑Gorskii percorre o mundo.
Faltava apenas uma versão da obra em livro, para quem não gosta de degustar fotos de arte em computador ou tablet. Nostalgia, com suas 283 imagens de página inteira, preenche a lacuna.
Sergei Mikhailovich Prokudin‑Gorskii retratou um império que não sabia estar às vésperas de sua maior revolução. Nada mais apropriado, portanto, que também ele, autor de obra tão arrojada, tenha sido o precursor de uma revolução — na fotografia e no seu foco.
O sertão brasileiro e o cangaço apareceram em mais de um desfile no SPFW, sendo a grande inspiração de Lilly Sarti e Helo Rocha. Descobrimos, então, um artista que há algum tempo já trabalha lindamente com a temática. Azol é o nome artístico de Sérgio Oliveira, o artista originário de Natal, que trabalha o cangaço com uma estética colorida e alegre, com vida e muito frescor. Fizemos uma entrevista com ele sobre suas inspirações, processos artísticos e planos! Confira abaixo e não deixe de ver a nossa galeria com algumas de suas obras!
Quando surgiu a paixão pelas artes plásticas?
O meu primeiro contato com as artes foi no ensino fundamental, lá pela 7ª ou 8ª série. Eu costumava desenhar muito nas contracapas dos meus cadernos e fazia tirinhas cômicas usando meus colegas como personagens.
Quando e como ela deixou de ser um hobby e passou a ser o seu trabalho? Aconteceu há uns 5 ou 6 anos quando me desliguei da sociedade com uma produtora de áudio/visual e, como além do cinema eu também tenho diploma em artes gráficas e ilustração, decidi me enveredar para este lado. Comecei a desenhar e pintar e, eventualmente, me rendi às redes sociais e comecei a postar. Meu trabalho teve uma aceitação muito grande e os clientes apareceram. Me empolguei e resolvi me atualizar. Participei de alguns ateliês de pintura e escultura e comecei a experimentar a colagem. A abertura do ateliê foi inevitável.
Como é ter o ateliê em casa? Muitas influências da família no trabalho?
Moro em casa, em uma área muito bonita de SP que é o Pacaembu. Posso afirmar que é uma situação extremamente confortável, segura, conveniente e inspiradora pra mim, especialmente porque SP é uma cidade muito complexa, com grande problema de mobilidade, trânsito caótico e segurança. Graças a Deus me considero um felizardo. A família me inspira bastante porque existe muito amor, cumplicidade, admiração e respeito entre nós. São valores importantíssimos pra um indivíduo construir um sólido corpo de trabalho e uma vida de qualidade.
Qual é o seu processo criativo? Como surgem as ideias?
Sempre tive uma cabeça muito visual, daí a paixão pelo cinema. Com o passar dos anos, adquiri o hábito de procurar em meu cotidiano as fontes de inspiração, coisas que me estimulam a criar, como a natureza, os rostos, uma boa leitura, objetos, as máquinas, a cidade, uma conversa, enfim, tudo me inspira. Além do mais, estou sempre me atualizando com relação às exposições que acontecem na cidade e fora do país. Isso me oxigena. Tenho vários cadernos de desenho e, quando pinta algo na cabeça, pego logo um deles e começo a rabiscar. Pesquiso muito sobre o tema cangaço, procuro me abastecer ao máximo de informação pra poder alimentar minha imaginação.
Fiz alguns estudos em arte abstrata e figurativa, mas não encontrei nelas uma identificação, algo que fizesse eu me apegar, sabe? O cangaço chegou em minha vida depois de um longuíssimo processo de autodescoberta. Vivo há muitos anos fora da minha cidade e em todo lugar por onde passei adquiri um sentimento incômodo, uma espécie de falta de pertencimento àqueles locais, do ponto de vista cultural. Parecia uma peça que não se encaixava, mas eu não tinha noção do que estava acontecendo. Me adaptava aos costumes e ao estilo de vida, mas me sentia um “outsider”. Através da análise, pude fazer uma auto-descoberta pra entender essa confusão e, através desse processo, resgatei as minhas origens como num ritual místico e trouxe de volta pra dentro de mim a minha identidade.
Com isso, comecei a olhar profundamente o que eu tinha deixado pra trás e a entender que o lugar de onde vim estava longe fisicamente, mas muito perto espiritualmente e culturalmente. Fazendo essa conexão, eu poderia amenizar esse sentimento incômodo e viver mais em paz comigo mesmo e com meu meio. Foi nesse processo que eu me reencontrei com a poderosa cultura popular nordestina, o folclore, suas tradições e, quando me deparei com a iconografia do cangaço, “BUUMMM”! Foi uma explosão que me nocauteou. Me aprofundei nas pesquisas e encontrei o estudo que o pesquisador e historiador Frederico Pernambucano de Melo fez sobre a Estética do Cangaço, um trabalho rico e minucioso sobre o surgimento da linguagem visual do movimento. Foi inevitável a identificação e comecei a fazer experimentos. Foi um tiro certeiro!
Como você faz pra representar o cangaço? Por que a escolha de cores sempre tão vivas?
O tema cangaço é por natureza muito triste, pois representa um período violentíssimo do nordeste brasileiro. Foi uma época de muita seca e o Brasil estava economicamente muito frágil, então a pobreza imperava na região. A minha paleta de cores, por outro lado, é viva e muito colorida porque retrata o cangaço pela ótica da estética e não antropológica. Imagine que, nos anos 20 e 30, no sertão nordestino, o lugar era inóspito, árido e monocromático. Daí surge uma trupe de loucos criminosos fantasiados daquela maneira que conhecemos. Era um contraste, uma coisa bizarra, alegórica. A vestimenta do cangaceiro era uma “afetação estética”, como diria o Frederico Pernambucano.
Então, a minha arte reflete essa ótica, afetação e contraste. Outro aspecto que eu queria mencionar é que Lampião sofria de um paradoxo. Ao mesmo tempo em que ele matava e degolava sem piedade seus oponentes, ele mantinha uma sensibilidade pra criar suas roupas e acessórios. Sim, Lampião também era estilista, ele desenhava e costurava as próprias roupas e obrigava seus seguidores a fazerem o mesmo. Então, eu também carrego esse paradoxo pra minha arte, ou seja, ela representa um tema triste de uma forma alegre e viva por intermédio da paleta de cores. E essas cores estão associadas à luminosidade do nordeste, à beleza da linguagem visual do cangaço e à nossa herança cultural.
Quais os materiais mais utilizados?
Utilizo tinta acrílica pras telas e vez em quando uso bastões de pastel à óleo. Já pra colagem e esculturas, misturo muito, faço experimentos e lanço mão da técnica mista. Ultimamente, tenho feito esculturas com papelão, isopor, espuma, plástico, galhos, etc.
Como foi pra você expor em Natal e quais foram as emoções? E fora do Brasil?
Expor em Natal foi fantástico! Foi a minha primeira exposição individual na cidade e num local lindíssimo. Era uma casa construída no início do século passado em estilo colonial que hoje funciona como um centro cultural da cidade. Foi uma noite mágica muito bem organizada pela administração do centro e contou com um grande público na abertura. A mídia também fez uma ótima cobertura durante a semana que antecedeu o evento. Fiquei muito satisfeito com o resultado. Com relação ao exterior, participei de algumas exposições coletivas em uma galeria em NY e outra em Paris e também participei de duas feiras internacionais: Artexpo New York e Artshopping Le Carrossel Du Louvre, em Paris. Valeu como experiência e entendimento de como o mercado internacional funciona mas, atualmente, estou mais focado no mercado brasileiro. Existe muito o que se explorar por aqui.
Por que Azol como nome artístico?
AZOL é a junção das iniciais de meu sobrenome, Azevedo Oliveira. Fiz um teste e achei o nome forte, com identidade e potencial.
Existem planos futuros?
Sim, claro! Estou na gestação de um projeto grande aqui pra SP que pretende envolver a experiência sensorial de uma viagem ao mundo onírico do cangaço. Mas, por ora, é tudo que posso revelar!
Através da amiga e competente jornalista Zarife Assi, recebi pelo Facebook estas lindas fotos realizadas por Marc Ferrez (1843-1923). Este foi grande fotógrafo do século XIX em nosso país. Suas imagens formam o patrimônio visual de uma época de transformações no Brasil. Seus retratos de índios, escravos e indivíduos urbanos, são fortes e inesquecíveis e sua obra é considerada um dos mais ricos documentos visuais do período.
Marc Ferrez em 1876 – Fonte – pt.wikipedia.org
Filho de franceses, Marc Ferrez ficou órfão aos 8 anos, em 1851, quando os pais morreram de maneira desconhecida, por envenenamento ou de febre amarela. Depois de uma temporada na França, com um casal amigo, voltou ao Brasil com 21 anos, já interessado em fotografia.
Aqui, especializou-se com profissionais experientes, até fundar, em 1867, um ateliê e sua própria marca, a Marc Ferrez & Cia. No ano seguinte, registrou as comemorações do fim da Guerra do Paraguai e começou a trabalhar para o governo.
A partir de 1872, passou a se apresentar como “fotógrafo da Marinha Imperial e das construções navais do Rio de Janeiro, tendo como especialidade vistas do Rio de Janeiro e arredores, em todas as dimensões a preços acessíveis”.
Ferrez percorreu todas as regiões do Brasil, em expedições governamentais e científicas. Ele documentou tudo o que podia: fazendas de café, árvores, plantas arquitetônicas, praias, praças, navios e pessoas que encontrava em suas andanças.
Ficou conhecido internacionalmente não apenas por suas panorâmicas, mas também pelas pesquisas na área da fotografia. Por exemplo, com equipamentos adaptados para operar dentro de embarcações. Ele era um apaixonado pelo Rio, que descrevia como “uma cidade de beleza luxuriante e risonha”, pelo Brasil e pelas câmeras e lentes.
A maioria dos fotógrafos da época vivia do trabalho com retratos. Ferrez chegou a fazê-los (Machado de Assis, Santos-Dumont, conde d’Eu, etc.), mas não era o que mais o atraía. Gostava mesmo de experimentar, registrar acontecimentos, transformações.
Outro obstáculo ao trabalho de Ferrez vinha da técnica: uma de suas especialidades, a foto panorâmica, exigia esforço imenso. Na segunda metade do século 19, a panorâmica era muito apreciada, mas poucos estavam dispostos a enfrentar as dificuldades operacionais e os elevados custos da produção desse tipo de fotografia.
O processo fotográfico completo, mesmo de imagens em formato convencional, levava cerca de uma hora, para cada foto e o fotógrafo pensava muito, antes de tomar a decisão de uma foto.
Após a morte do fotógrafo, em 1923, o neto e historiador Gilberto Ferrez se dedicou ao estudo do acervo, o que contribuiu para sua divulgação no Brasil e no mundo. O conjunto da obra de Marc Ferrez mostra a vontade quase ufanista de documentar um país em formação, em vez de buscar o “pitoresco”, como faziam muitos na época. Suas imagens formam em nosso imaginário um retrato mais fiel do passado do Brasil.
Em uma quinta-feira comum na capital pernambucana, mais precisamente no dia 9 de novembro de 1972, o tradicionalíssimo Diário de Pernambuco publicava no Segundo Caderno, na quinta página, uma pequena nota que em muitos aspectos era diferenciada e um tanto inusitada.
Explicava que no sábado, dia 11 de novembro, aconteceria no palco de Nova Jerusalém, no distrito de Fazenda Nova, município de Brejo da Madre de Deus, a 200 quilômetros de Recife, o evento denominado “Feira Experimental de Música”.
Segundo os organizadores a ideia tinha o objetivo de mostrar o trabalho de vários conjuntos musicais fora do âmbito comercial que despontavam em Recife e outras cidades do Nordeste. O horário seria “do pôr, ao nascer do sol”, com entrada gratuita, participação de vários artistas, sem premiação, nem jurados e com o pensamento de “ouvir o som do cara que toca berimbau no Mercado de São José e também o som de Laílson, com uma guitarra que tem tanto botão que parece uma central elétrica”.
E como foi esta intensa noite no agreste pernambucano!!!
Tempos Nebulosos
Os primeiros anos da década de 1970 no Brasil foram momentos bem complicados.
Golpe de Militar em 1964, 30/04/1964. Tropas do Exercito saem as ruas e tomam o Palácio do Campo das Princesas em ação rápida. Credito: Reprodução / Petrônio Lins/Arquivo/DP.
Havia a Ditadura Militar, que apertava o garrote contra a sociedade brasileira de várias maneiras e uma forte repressão. Na área artística eram censurados filmes, peças teatrais, músicas e discos.
Na provinciana e caliente Recife, então a terceira maior metrópole do país, o momento conturbado foi sentido de muitas maneiras. Logo após a deflagração do Golpe Militar, em 31 de março de 1964, a capital pernambucana foi um dos lugares que mais sofreu atrocidades dos golpistas, tendo civis agredidos e mortos em passeatas que protestavam a favor da democracia. Tempos depois, em 25 de julho de 1966, opositores da ditadura explodiram uma bomba no saguão do Aeroporto Internacional do Recife.
No início da década de 1970 a barra estava pesadíssima. Até mesmo um núcleo do famigerado Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna, o conhecido DOI-CODI, local de tortura aos opositores do Regime Militar, foi instalado na cidade e ficava localizado ao lado do antigo quartel do 4º Exército.
Fonte – cpdoc.fgv.br
A capital pernambucana vivia um momento pesado, nebuloso, cinzento. Mas por outro lado, chegavam do exterior as luzes de uma nova cultura.
Nos anos 1960 muitos jovens passaram a contestar, a nível mundial, a sociedade e a pôr em causa os valores tradicionais e o poder econômico. Seguindo esses movimentos de contestação, muita gente buscou várias alternativas a uma sociedade repressora e “careta”. Descontentes com a sociedade de consumo jovens começaram a formar grupos pelo mundo afora, desenvolvendo interessantes comunidades alternativas, celebradas por variados músicos e artistas, em meio a uma intensa explosão criativa.
Poster oficial do festival.
A celebração popular mais significativa daqueles dias sem dúvida aconteceu em 1969, com o grande encontro de três dias de música, paz e amor no Festival de Woodstock, no Estado de Nova York.
Em terras tupiniquins, em meio ao clima cinzento e pesado, a interessante experiência de viver em comunidades afastou muitos jovens dos diplomas universitários, dos planos familiares de um “futuro garantido” e da ideia de uma profissão tradicional e segura. Entretanto, foi entre os músicos que o ideal de levar uma vida longe da pressão do sistema vigente nas grandes cidades prosperou com mais sucesso.
Recife na década de 1970.
No Recife, o mesmo espírito mobilizou vários músicos e algum tempo depois aconteceria um evento que seria definido pelo jornalista Celso Marconi como “Uma espécie de Woodstock cabra da peste”.
Figuras Especiais
Muitos dos jovens músicos que tocavam nas grandes cidades brasileiras durante a década de 1960 geralmente se apresentavam com suas bandas em bailes, onde tanto tocavam covers de grupos estrangeiros, como os sucessos populares que eram executados nas rádios. Mas em meio a toda inquietação política, a crescente efervescência cultural, influências musicais do exterior, muitos destes jovens desejavam apresentar um material próprio e diferenciado.
Em Recife esta situação é amplificada pela existência de uma congregação de músicos com extremo talento, que estavam dispersos e buscavam ampliar os horizontes musicais.
Um deles era Laílson de Holanda Cavalcanti. Membro de uma família considerada abastada de Recife fez intercâmbio nos Estados Unidos, mais precisamente em Arkansas. Musicalmente ativo nos “States”, Laílson chegou a montar por lá uma banda onde tocavam músicas do guitarrista Jimi Hendrix e do grupo Creedence Clearwater Revival. Voltou a Pernambuco com mil ideias na cabeça.
Outro destes jovens era Luiz Augusto Martins Côrtes, mais conhecido como Lula Côrtes. Filho de militar, nascido na Base Aérea de Recife, havia morado no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, mas voltou à cidade natal ainda adolescente. Consta que, em razão do trabalho do pai, conseguiu uma maior aproximação com estrangeiros e informações privilegiadas sobre os acontecimentos musicais de fora – gostava de Rolling Stones e Bob Dylan, e ficou sabendo de Jimi Hendrix bem antes de seus conterrâneos. Mesmo sendo oriundo de uma família abastada, resolveu largar tudo quando ainda era moleque, deixou o cabelo crescer e foi morar na rua. Era um hiperativo que dividia seu tempo entre o desenho e o seu inseparável (e legendário) tricórdio.
Lula Côrtes e seu tricórdio.
Outra figura importante deste contexto foi Marco Polo Guimarães, um ex-acadêmico de Direito e poeta. Com 16 anos atreveu-se a mostrar seus poemas a Ariano Suassuna e a Cesar Leal. Foi aprovado pelos dois e lançou seu primeiro livro em 1966. Dois anos depois começou no jornalismo e depois seguiu de carona para o Rio de Janeiro e na sequência São Paulo. “Na cidade que nunca dorme” Marco Polo conheceu o conterrâneo Fernando Portela, um dos editores do Jornal da Tarde, o JT, e conseguiu trabalho. Mas acabou voltando para a capital fluminense, onde vivia de trabalhos freelance para a editora Bloch. Logo virou hippie, trabalhando como artesão na desbundada Praça General Osório, em Ipanema. Consta que nessa temporada no sul maravilha, Marco Polo escreveu e compôs muito. Quando retornou a Recife, no final de setembro de 1972, encontrou uma cena musical efervescente, cheia de gente criativa e talentosa, prontos para despejar energia em suas composições.
Uma banda da época, Os Selvagens, era formada por jovens de classe média baixa – entre eles, o magricela estudante de engenharia Almir de Oliveira, o percussionista Agrício Noya e o talentoso guitarrista Ivson Wanderley, o Ivinho, além de Bira e Rafles. Anos antes, Almir já havia sido apresentado a Marco Polo por Rafles, amigo que era “tipo um imã, agregava todos ao redor dele”, como lembra o jornalista. O mesmo Rafles que, por volta de 1968, era considerado o “pirado” de plantão do Recife. Entre suas maluquices nunca esquecidas está a de enviar, pelo correio, um reforçado baseado, em legítimo papel Colomy, para Paul McCartney. Meses depois, ele recebeu a resposta do Beatle: uma foto autografada como agradecimento.
A aproximação foi inevitável e logo foi criada uma banda, ainda sem nome e cuja estreia ainda não tinha data marcada.
Mas logo esse dia iria chegar.
Os Cabeludos em Nova Jerusalém
Enquanto isso, no início do mês de novembro de 1972, no teatro ao ar livre de Nova Jerusalém, o “sonho de pedra” idealizado pelo gaúcho Plínio Pacheco, estava sendo preparada a encenação da peça Calígula, do francês Albert Camus. Dirigida pelo teatrólogo e ator José Pimentel, tendo como atores os mesmos que realizavam a já famosa encenação da “Paixão de Cristo”.
Encenação da Paixão de Cristo em Nova Jerusalém na década de 1970.
A apresentação aconteceu no sábado, 4 de novembro, foi um sucesso, com público estimado em três mil pessoas e contou até com a presença do cônsul francês no Recife, o Monsieur Jacques Boizet, que declarou que a peça realizada por aqueles atores brasileiros do agreste nordestino “superava as montagens francesas que ele havia assistido”.
Bem, depois de uma apresentação como essa, tão bem comentada pela imprensa recifense da época, era de se esperar outras atrações no mesmo estilo. Entretanto a Sociedade Teatral de Morada Nova, responsável pelo grande teatro ao ar livre, cedeu Nova Jerusalém para a realização de um festival de música ao ar livre, que seria igualmente produzido pelos diretórios acadêmicos dos cursos de medicina, geologia, arquitetura e engenharia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Eu não descobri como rolou a negociação e nem como se desenvolveu a parceria entre os responsáveis por Nova Jerusalém e a galera do DCE. Mas sei que para a coordenação do festival foi convidado Laílson Cavalcanti, então com apenas 19 anos de idade.
Evento teria dois dias de música, com entrada franca, onde a produção tinha o intuito terminantemente categórico da abertura de um espaço para o pessoal que fazia música alternativa, fora do circuito comercial. Estava aberto tanto para a rapaziada de Recife, como músicos de outras cidades do Nordeste.
O evento foi oficialmente intitulado “I Feira Experimental de Música de Nova Jerusalém” e tinha como lema “Abrir os portões do teatro e as portas da percepção”.
Os artistas convidados, em sua grande maioria, tinham a ideia de produzir uma música aberta às referências do rock estrangeiro e das especificidades das músicas produzidas no Brasil. Laílson Cavalcanti comentou anos depois “Era a música pela música, a expressão criativa pelo prazer de criar e apresentar uma proposta original”.
Flávio Lira, o Flaviola, uma das atrações.
O “Woodstock nordestino” iria começar na noite de 11 de novembro de 1972.
Woodstock Cabra da Peste
Dentre os sites na internet, livros, trabalhos acadêmicos e outras fontes que comentam sobre este evento, consta que na Feira Experimental de Música participaram o próprio Laílson, Lula Côrtes, Marconi Notaro, Marco Polo e seus companheiros, Flávio Lira (cujo nome artístico era Flaviola) e o grupo Nuvem 33, onde um dos seus membros era Otávio Teremim e outro era o cearense Tiago Araripe. Araripe possuía uma forte vivência sertaneja, tinha morado até 1968 no Crato, Ceará e trazia sua experiência musical para a feira. Foram convidados pessoas como Jorge Mautner e Hermeto Pascoal (que não vieram). Da Paraíba foi convidada a cantora Katia de França.
No Diário de Pernambuco (10/11/1972, pág. 7, Segundo Caderno), a organização do festival prometia que a música apresentada seria ouvida por “34 caixas de som, 10 amplificadores delta e transmitida por 16 microfones”.
“A turma foi à Nova Jerusalém de ônibus, na sexta, dia anterior ao festival, para ajudar nos preparativos. Passaram a noite toda trabalhando e fazendo farra – quando amanheceu, estavam todos cansadíssimos, não haviam dormido. O único que tinha conseguido pegar no sono era Ivinho – que, na manhã de sábado, acordou com um dos olhos vermelho-sangue, por causa de um inoportuno derrame na vista. O show de estreia da recém-formada banda estava marcado para as 3h da madrugada. Almir de Oliveira mal se aguentava de sono e pediu que Laílson, o organizador, mudasse o horário para meia-noite. O pedido foi negado. “Eu sei que, quando deu uma, duas horas da manhã, eu arriei, fui dormir. E aí, quando deu três horas, acordei com Laílson e Ivinho me chamando”, lembra o baixista. A banda subiu ao palco com ele bêbado de sono e Ivinho tocando de costas para a plateia, de óculos escuros, por causa dos olhos sensibilizados. Apesar do sufoco, foi ali que o grupo ganhou forma e nome: Tamarineira Village. Tamarineira era o nome de um hospício famoso na época em Recife, e o Village (que é pronunciado “Világe”) fazia referência à vila de comerciários da cidade, de onde vinham a maioria dos integrantes”.
Sobre o show Marco Polo comentou que a banda fazia uma fusão da música tradicional do Nordeste com o rock. “Era uma coisa chocante na época ter uma banda influenciada por Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, Beatles, Rolling Stones e Led Zeppelin”, comentou o músico e jornalista.
Já o Diário de Pernambuco (13/11/1972, pág. 5, Segundo Caderno) enviou um repórter para cobrir o evento e esta foi a sua visão.
HIPPIES” INVADEM A NOVA JERUSALÉM E REALIZAM FESTIVAL FAZENDA NOVA
(Do enviado especial) – As ruelas e palácios de Nova Jerusalém foram invadidos, sábado ao entardecer, por “hippies” e estudantes que, entre os sons de guitarras e a estridência “desordenada” de baterias, realizaram o primeiro festival de música de vanguarda de Pernambuco, com a denominação de I Feira Experimental de Música. O espetáculo, que começou às 17h30m do sábado terminando às 4 horas do domingo, reuniu cerca de duas mil pessoas. A Banda de Música de Fazenda Nova e a Banda de Pífanos de Nova Jerusalém abriram a parada musical em meio a um entusiasmo sem precedentes dos jovens aglomerados ante o imponente Palácio de Pilatos. Seguiu-se a apresentação do conjunto Tamarineira Village, culminando com a exibição do Nuvem 33 e Flaviola. Os promotores do certame distribuíram questionários a fim de colher as impressões dos participantes do espetáculo, qualificado pelos observadores como “o primeiro grande passo para a completa renovação da música popular regional.
E como não poderia deixar de ser em um evento com esta finalidade, em termos de “viagens astrais” o “Woodstock cabra da peste” não deixou nada a dever para o original californiano: lendas dão conta que a plateia divertia-se tomando ácido dissolvido em baldes de Q-suco. “O ácido era distribuído ao público, cerca de duas mil pessoas, dissolvido num balde com K-suco”, testemunhou depois Marco Polo numa entrevista ao jornalista pernambucano José Telles (autor de Do Frevo ao Manguebeat, Editora 34).
Uma Ilustre Espectadora
Ao realizar a pesquisa sobre aquela noite “mutcho loka” no agreste pernambucano, eu descobri que entre os presentes na plateia estava uma senhora de 66 anos de idade, educadora, escritora e membro da honorável Academia Pernambucana de Letras. Estamos falando de Maria Dulce Chacon de Albuquerque Nascimento, mais conhecida por Dulce Chacon.
Não tenho a mínima ideia das circunstâncias que levaram àquela senhora a Nova Jerusalém naquela noite. É possível que a presença de Dona Dulce Chacon se devesse a sua própria maneira de ser, que tinha muito de revolucionária.
Nascida no Recife em 8 de janeiro de 1906, era filha, sobrinha e neta de perseguidos políticos. Conviveu com a profusão de ideias e discussões sobre política, democracia e direitos do cidadão. Foi aluna da turma inaugural da Escola Normal de Pernambuco, onde liderou nesta Instituição uma das primeiras greves de estudantes no Brasil. Escolheu a carreira de professora por opção, por reconhecer nesta atividade um campo de atuação que lhe permitia colocar em prática suas ideias de uma nova educação; mais integradora e inclusiva. Paralelamente as sua atividades de educadora escreveu livros, quase todos voltados para sua área de interesse profissional e social.
No Diário de Pernambuco (17/11/1972, pág. 4, Primeiro Caderno), em um pequeno texto intitulado “A 1º Feira Experimental do Som”, a acadêmica Dulce Chacon comentou que assistiu “Um espetáculo espichando pela noite adentro”.
Texto de Dulce Chacon no Diário de Pernambuco
Chamou-lhe atenção a desinibição dos rapazes e moças, todos a vontade, deitados e usando suas mochilas como travesseiros. Informou que muitos dos estudantes vinham de Recife, mas havia gente de João Pessoa, Maceió, Fortaleza e alguns da Pontifícia Universidade Católica (PUC) da Bahia, “com um conjunto de timbales”.
Para ela os grupos que se apresentaram foram dezessete, com nomes como Banda Quebra Resguardo, Bandavoou, Transa Geral, os já citados Nuvem 33 e o Tamarineira Village, que lembrou a acadêmica um grupo de hippies do Greenwich Village, de Nova York.
Frutos
Mas certamente o melhor resultado da “I Feira Experimental de Música de Nova Jerusalém” foram as parcerias surgidas entre os músicos, que gerou marcantes maravilhas para a música nordestina e brasileira e alguns dos discos mais cultuados da psicodelia brasileira.
Interessante ressaltar que o festival aconteceu pouco tempo antes de um momento muito propício para aqueles músicos, pois pouco tempo depois – entre o final de 1973 e o início de 74 – a MPB estremeceu quando surgiram hippies-roqueiros como os Novos Baianos e os Secos e Molhados. As gravadoras do Sudeste descobriram que os jovens cabeludos e desbundados também podiam vender discos e gerar grana.
Foi neste festival que Laílson Cavalcanti conheceu Lula Côrtes e a sintonia foi total. Tanto que dois meses depois, em janeiro de 1973, eles lançavam “Satwa”, considerado um dos primeiros, se não o primeiro, LP independente do Brasil. Era uma mistura do som do Oriente com o do Ocidente, principalmente do blues. Um disco instrumental, para não ter que levar as letras à Polícia Federal.
Desenho de Laílson Cavalcanti, publicado no Diário de Pernambuco, tendo como tema o grupo Phetus.
Depois do lançamento deste disco, Laílson e Lula seguiram caminhos distintos. Laílson criou o Phetus, grupo mais progressivo e barroco, com o guitarrista Paulo Rafael e Zé da Flauta. “Seria o que hoje a gente chama de world music”, ele afirmou anos depois.
Já Lula Côrtes se aproximou de um jovem paraibano que conheceu no festival. Era um magricela de 23 anos, natural de Brejo do Cruz, chamado José Ramalho Neto, mas conhecido como Zé Ramalho. Em Nova Jerusalém eles foram apresentados por um amigo comum, o artista plástico Raul Córdula.
Zé Ramalho e Lula Côrtes
Zé estava de saco cheio de tocar em bandas de iê-iê-iê, animando bailes em de João Pessoa e Campina Grande e desejava novos voos. Isso ele conseguiu com Lula Côrtes.
A amizade, as viagens e a parceria musical entre os dois se ampliou. Foi quando Raul Córdula convocou os jovens músicos para rasgar a trilha seca que partia de Ingá do Bacamarte, a 85 quilômetros de João Pessoa, rumo a Pedra do Ingá, um misterioso monólito, ornado com representações datadas de três a seis mil anos e considerado o maior sítio arqueológico de gravuras rupestre da América Latina.
Pedra de Ingá – Foro – Rostand Medeiros
Naquele lugar a “viagem” dos dois músicos foi total e intensa. Dois anos depois do festival de Nova Jerusalém eles lançavam o LP “Paêbirú-Caminho da montanha do sol”, um clássico psicodélico do pós-tropicalismo que, além de acústicos destacam-se músicas como: “Nas paredes da pedra encantada”, “Pedra templo animal” e “Trilhas de Sumé”, todas dedicadas à Pedra do Ingá.
Paêbirú é das coisas mais malucas e assombrosas que já se fez na música brasileira, mas eu me surpreenderia muito se eu tiver mais de dois leitores que a conheçam. O nome é escrito assim mesmo, com a combinação agramatical de acentos. Foi gravado na Fábrica de Discos Rozenblit, em Afogados, Recife (empresa fundamental para a história da música pernambucana) e lançado imediatamente. Mas na terrível enchente de julho daquele ano no Recife, as águas do Capibaribe invadiram a fábrica e destruíram praticamente toda a prensagem do disco, com a exceção de 300 cópias que haviam sido levadas para a casa de Lula.
Capa de Paêbirú Caminho da Montanha do Sol-1975
Dessas 300 cópias nasceu o mito, que é tão incrível que há gente que não acredita.
Basicamente este disco de vinil é o mais caro de toda discografia brasileira, onde um dos exemplares em bom estado pode alcançar cifras que giram em torno de R$ 5.000,00. Hoje é possível encontrar “Paêbirú” em CD, lançado pela Shadoks, um obscuro selo alemão. Em 2008 o selo inglês Mr. Bongo lançou este trabalho nas terras da rainha.
Lula Côrtes continuou produzindo músicas, tocando, lançando livros de poesia, até a madrugada do dia 26 de março de 2011 quando faleceu aos 61 anos, vítima de um câncer na garganta, no Hospital Barão de Lucena, Recife.
Já Zé Ramalho se tornou um dos maiores nomes da música brasileira.
O pessoal da banda Tamarineira Village saiu de Nova Jerusalém para começar uma caminhada que paulatinamente foi alargando horizontes em Recife. Segundo o vocalista Marco Polo, durante uma dessas viagens pelo Nordeste, eles encontraram com uma cigana no sertão paraibano, que sugeriu a mudança a mudança de nome da banda para Ave Sangria, pois sua música era livre e forte.
Ave Sangria com a formação após a Feiras Experimental – Na frente Marco Polo, Agrício Noya, Almir Oliveira, Ivinho. Atrás Paulo Rafael e Israel Semente Proibhida.
Logo as apresentações do grupo chamaram a atenção do público, com um formato nada convencional dos seus shows.
O grupo Ave Sangria chegou a vir ao Rio para gravar um disco, cujo destaque foi o samba de breque “Seu Waldir”. O disco foi pouco divulgado pela gravadora, mas conseguiu relativo sucesso e vendeu bem no Nordeste e no Sudeste. Mas a música “Seu Waldir” acabou considerada uma apologia ao homossexualismo, quando não passava de uma brincadeira do irreverente grupo. Reza a lenda que a mulher de um general ouviu a música, achou um absurdo, e ela foi censurada. Pouco depois disso, a banda acabou. Interromperam as atividades em uma apresentação histórica em 1974, com o show Perfumes & Baratchos, no Teatro Santa Izabel, em Recife.
Um dos membros do Ave Sangria, o guitarrista Ivson Wanderley Pessoa, o Ivinho, possui o mérito de ter sido o primeiro brasileiro a se apresentar no palco do 12º Festival Internacional de Jazz de Montreux, na Suíça, em 1978. Nesta época estava sendo formado um grupo de artistas brasileiros para se apresentar em Montreux, do qual faziam parte Gilberto Gil, Pepeu Gomes e o grupo A Cor do Som. Naquele ano Ivinho estava no Rio, onde realizou apresentações que chamaram à atenção do pessoal ligado a música na Cidade Maravilhosa e acabou convidado para ir para Suíça.
Ivinho mandando ver em Montreux.
Foi para a Europa com apenas 25 anos, 50 dólares no bolso e uma viola de 12 cordas surrada. Mas ele surgiu no palco surpreendente, empunhando com galhardia seu instrumento e levando o público presente ao delírio. Com sua técnica e ‘feeling’ particular, Ivinho transformou sonoridades regionais em peças totalmente jazzísticas e psicodélicas. O show foi registrado em disco e lançado no Brasil, com excelente repercussão junto aos ouvintes de MPB e também à juventude ligada em rock and roll.
Ivinho foi considerado por muitos como um dos maiores guitarristas da história do rock brasileiro, mas nunca conseguiu o devido reconhecimento. Faleceu em junho de 2015, de hemorragia digestiva, em decorrência de uma cirrose, no Hospital Otávio de Freitas, Tejipió, Recife.
Houve outras histórias de parcerias, de discos lançados e shows alucinantes.
Mas ficou algum legado?
Com certeza!
Creio que o maior deles tenha sido esses músicos terem influenciado muitos outros jovens ao longo dos anos. Como um certo Francisco de Assis França Caldas Brandão, um rapaz que morava em Rio Doce, um bairro do subúrbio de Olinda. Graças aos amigos, com quem trocava discos e fitas K7, além da psicodelia setentista aqui tratada, ele conheceu o hip hop, a black music e se tornou Chico Science.
Chico Science
O interessante é que muitos dos atuais fãs daqueles que estiveram no palco da “I Feira Experimental de Música de Nova Jerusalém” é formada por jovens brasileiros e também por estrangeiros. O interesse por estas músicas e seus protagonistas voltou a ganhar força nos dias atuais com a internet, que facilita a circulação da informação do que rolava naqueles loucos anos da década de 1970.
UMA DAS POSTAGENS DO TOK DE HISTÓRIA SERVIU PARA A REALIZAÇÃO DE UMA ÓTIMA MATÉRIA SOBRE A II GUERRA NO RN
Rostand Medeiros
Aos amigos que visitam o blog TOK DE HISTÓRIA, eu gostaria de informar que essa semana realmente está sendo bem especial.
Primeiramente por havermos alcançado a marca de 2 milhões de visitantes e depois pela grata surpresa de descobrir que uma das nossas postagens sobre o tema Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte, serviu para a jornalista Marina Gadelha escrever um ótimo texto sobre o sargento Thomas Browning, que morreu em solo potiguar durante o conflito e cujos restos mortais repousam até hoje no antigo Cemitério do Alecrim.
Esta reportagem se encontra na edição de número 32 da Bzzz e possui quatro páginas. Sobre a Bzzz posso comentar que no seu terceiro ano de existência ela cumpre um papel maravilhoso, pois já contemplou seus leitores com inúmeras e ótimas reportagens sobre a história potiguar. É um trabalho muito positivo, que vem sendo arduamente realizado pela jornalista Eliana Lima, editora da revista.
O autor deste artigo junto a Lenine Pinto
Não sei se eu posso utilizar este termo, mas eu me sinto um colaborador da Bzzz. Pois, na medida do possível, quando solicitado pelos seus jornalistas, eu tento ajudar as reportagens de cunho histórico.
Outra coisa muito legal nesta reportagem da Marina Gadelha foi a participação do pesquisador Lenine Pinto, a quem só tenho o mais alto grau de respeito e palavras elogiosas pelos seus trabalhos sobre a Segunda Guerra em nossa região.
Já sobre o TOK DE HISTÓRIA ter chegado a 2 milhões de visitantes, é para mim surpreendente, pois é algo que jamais imaginei alcançar. Até mesmo em razão do formato que dou a maioria das postagens publicadas, com muitos dos textos sendo apresentados de forma extremamente longa, com muitas fotos e informações.
Dizem que “blog deve ser uma ferramenta que apresente textos curtos, de rápido entendimento e no máximo com uma foto”.
Eu realmente nunca me importei com isso, pois escrever sobre alguns temas da nossa história fica meio complicado de colocar em dois parágrafos. Ou vai ver que a minha capacidade de síntese é limitada.
Bem, mas isso não importa!
O que importa é agradecer de coração aos leitores do nosso TOK DE HISTÓRIA pelas visitas, opiniões, críticas, sugestões e torcida.
Um forte abraço e muito obrigado!
Capa da edição de número 32 da Bzzz, que está nas bancas.
ALGUMAS IMAGENS DESTA COLEÇÃO SÃO MATERIAIS DE ENORME VALOR PARA HISTORIADORES POTIGUARES E NORDESTINOS DE MANEIRA GERAL, COMO ESSE MAPA DO BRASIL PUBLICADO PELO IRLANDÊS-AMERICANO MATHEW CAREY EM 1814. NESSE CASO, DEVIDO A BOA RESOLUÇÃO DA IMAGEM, É POSSÍVEL VISUALIZAR COM ALGUMA QUALIDADE A REGIÃO LITORÂNEA DO RIO GRANDE DO NORTE, PARAÍBA, PERNAMBUCO E PARTE DO CEARÁ. AQUI PODERMOS OBSERVAR ALGUNS ACIDENTES GEOGRÁFICOS DA COSTA DESTES ESTADOS, COM NOMES QUE SE MANTIVERAM ATÉ OS DIAS ATUAIS.
Acervo contém fotos e ilustrações que mostram cenas do cotidiano e personagens comuns do país entre os séculos 19 e 20
A Biblioteca Pública de Nova Yorkdigitalizoucerca de 180 mil imagens de seu acervo e disponibilizou fotos e ilustrações – algumas inéditas em plataforma digital – do Brasil na era imperial.
São imagens de livros antigos que mostram escravos, índios, soldados, fauna e flora, nobreza e algumas cenas do cotidiano das metrópoles do país nos séculos 19 e 20. Entre o material digitalizado estão fotos inéditas comoessade Dom Pedro II.
FOTO DE D. PEDRO II, IMPERADOR DO BRASIL, NO SÉCULO 19.
O arquivo conta com livros como The Negro in The World, publicado em 1910 pelo explorador inglês Sir Harry Johnston, e o Livro de Figurinos do Exército Imperial Brasileiro de 1866,compiladopor um médico holandês e doado à biblioteca em 1911.
Outro livro digitalizado é o “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”, de Jean-Baptiste Debret, que chegou ao país com a Missão Francesa em 1816. Depois de uma estadia de 15 anos, o pintor e desenhista produziu uma das fontes mais relevantes de imagens sobre a fauna e a flora e a sociedade brasileira da época.
GRAVURA DE UMA VENDA NO RECIFE DO SÉCULO 19, PELO ARTISTA JOHANN MORITZ RUGENDAS.
Para ver tudo o que está disponibilizado sobre o país, bastabuscarpela palavra-chave “Brazil” no site do acervo digital da Biblioteca Pública de Nova York.
Contos de fadas como A Bela e a Fera podem ter milhares de anos, segundo pesquisadores de universidades em Durham, na Inglaterra, e em Lisboa, em Portugal.
Empregando técnicas mais comuns a biólogos, os acadêmicos investigaram as ligações entre diferentes histórias pelo mundo e descobriram que algumas possuem raízes pré-históricas.
Alguns contos, segundo a investigação, são mais velhos do que os registros literários mais antigos – um deles remonta à Idade do Bronze (iniciada por volta do ano 3000 a.C.).
Em geral, acreditava-se que essas histórias datassem dos séculos 16 e 17.
Contos compartilhados
No século 19, os irmãos Grimm – Jacob (1785-1863) e Wilhelm (1786-1859) – acreditavam que muitos dos contos de fadas que eles ajudaram a popularizar tivessem raízes em uma história cultural compartilhada que remonta ao nascimento das línguas indo-europeias.
Pensadores depois mudaram essa concepção, ao dizer que algumas histórias eram bem mais recentes, tendo sido transmitidas pela tradição oral após serem criadas nos séculos 16 e 17.
O antropólogo Jamie Tehrani, da Universidade de Durham, que trabalhou com a pesquisadora de folclore Sara Graça da Silva, da universidade Nova de Lisboa, disse ter reunido evidências que mostram que os irmãos Grimm estavam certos.
“Algumas dessas histórias são muito mais antigas do que os primeiros registros literários, e até mais do que a mitologia clássica – algumas versões dessas histórias aparecem em textos gregos e latinos, mas nossas descobertas sugerem que são bem mais antigas do que isso.”
Histórias milenares
O estudo, publicado na revista científica Royal Society Open Science, utilizou análise filogenética, desenvolvida pela biologia para investigar relações entre espécies.
Também analisou uma árvore de línguas indo-europeias para rastrear a origem de contos compartilhados por diferentes culturas, para verificar até onde poderiam ser identificados no passado.
Segundo Tehrani, o conto João e o Pé de Feijão (Jack and the Beanstalk, em inglês) foram classificados em um grupo de histórias nomeado como “O menino que roubou o tesouro do ogro”, e teve a origem identificada no período da divisão Leste-Oeste das línguas da família indo-europeia, há mais de cinco mil anos.
A análise também mostrou que A Bela e a Fera e O Anão Saltador têm cerca de 4 mil anos de idade.
E a origem de uma história de folclore chamada O Ferreiro e o Diabo (The Smith And The Devil, em inglês), sobre um ferreiro que vende a alma em um pacto para ganhar superpoderes, foi estimada em seis mil anos, na Idade do Bronze.
“É notável que essas histórias tenham sobrevivido sem terem sido escritas. Elas têm sido contadas antes de o inglês, francês ou italiano existir, e provavelmente eram narradas em uma língua indo-europeia extinta”, disse Tehrani.
A Nebulosa da Cabeça de Cavalo – Fonte – apod.nasa.gov – CLIQUE NAS FOTOS PARA AMPLIAR…
Empregada do diretor do Observatório de Harvard virou peça-chave para a astrofísica quando comandou um grupo de mulheres que descobriu milhares de astros celestes. Neste grupo havia uma moça com um nome bem português
“Até minha empregada faria um trabalho melhor!”, mas o professor Pickering jogava com cartas marcadas quando dirigiu essas palavras de encorajamento a seus assistentes em Harvard. Diante deles acumulavam-se chapas fotográficas com os espectros estelares mais detalhados até aquele momento. As primeiras chapas de uma enorme série que, posteriormente, seriam a chave com a qual a antiga astronomia daria lugar a uma nova ciência: a astrofísica.
Como é a vida; um dia você tem 19 anos e sente o tempo voar. Começa a correr sem rumo, provocando o destino, decide se casar, vai para longe e, em menos de dois anos, está sozinha, na rua, grávida e a 5.000 quilômetros de casa. Esses pensamentos deviam rodopiar na mente de Mina Fleming na primavera de 1879, enquanto se adaptava aos imprevistos da vida e deixava de lado seus seis anos de magistério para procurar um trabalho urgente como empregada doméstica. Sua velha cidade natal, Dundee, não era, claro, lugar para uma mente inquieta, oferecendo apenas um difícil, mas estável futuro na crescente indústria têxtil de juta ou nas fábricas de geleia.
Nem seu marido, James Fleming, um contador bancário, viúvo e 15 anos mais velho, era, provavelmente, seu companheiro de viagem ideal. De qualquer forma, a Mrs. Fleming encontrou refúgio e trabalho como empregada doméstica na casa do diretor do Observatório da Universidade de Harvard (Harvard College Observatory), o professor Edward Charles Pickering.
Williamina Paton Stevens Fleming tinha uma personalidade magnética e um rosto atraente, com olhos brilhantes e vivos que aumentavam o efeito encantador, e que, ao entrar, deixava no ar uma saudação alegre, embalada com sotaque escocês. Pickering, cujas habilidades incluíam a de identificar talentos, não duvidou em nenhum momento que, além de todas as outras qualidades, a nova empregada tinha uma educação e inteligência claramente superiores.
Edward Charles Pickering – Fonte – takenote.chs.harvard.edu
Por isso, esperou que ela voltasse da Escócia, para onde Williamina havia retornado para dar à luz a seu filho, e, assim que pisou novamente em Boston, em abril de 1881, ofereceu-lhe um emprego no Observatório. No início, como assistente em tarefas administrativas e para fazer cálculos de rotina para os quais, em sua visão na época, uma mulher teria uma habilidade especial. Pelo menos, mais do que seus assistentes do sexo masculino.
Pickering era um professor de Física no comando de um observatório astronômico, o que não foi facilmente aceito pela velha guarda de Harvard. Acreditava que era hora de introduzir novos métodos. Deixar para trás a antiga astronomia de posição e movimentos e abrir caminho para a fotometria e estudos espectrais. E, embora ainda sem a base física que permitisse compreender a natureza dos objetos, estava certo de que o caminho era a coleta e classificação da maior quantidade de dados.
Para isso, assim como fez Piazzi Smyth em sua campanha pioneira em Tenerife, na Espanha, colocou a técnica à frente do carro da ciência. Com o apoio de seu irmão mais novo, William Henry, começou a adotar o método de obtenção de espectros estelares colocando um prisma na lente do telescópio, para então continuar aperfeiçoando as técnicas espectroscópicas ao longo da década de 1880.
Como sempre na ciência, Pickering foi precedido por gigantes em sua empreitada. Antes dele, as primeiras descrições dos espectros de Sirius e Arturo foram reveladas por William Herschel (1798); a classificação das linhas espectrais do Sol, por Joseph von Fraunhofer (1814); a identificação de elementos químicos na atmosfera solar, por Gustav Kirchhoff e Robert Bunsen (1861); as primeiras chapas e classificações de espectros estelares, por Lewis Rutherfurd (1862); e, finalmente, o trabalho meticuloso do Padre Angelo Secchi (outro jesuíta) durante a década de sessenta (sempre no século XIX), que resultou na primeira classificação de estrelas por sua distribuição de linhas espectrais, ou seja, pelos componentes químicos de suas atmosferas (1867).
As Computadores de Harvard, cerca de 1890. A terceira moça, sentada da esquerda para direita, com uma lupa, era Antonia Caetana de Paiva Pereira Maury, nascida em Nova York, em 1866. Sua avó havia nascido no Brasil, de uma família portuguesa que havia imigrado para o nosso país. Na foto, sentada ao centro, vemos Williamina Fleming – Fonte – https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5a/Astronomer_Edward_Charles_Pickering%27s_Harvard_computers.jpg
Em 1886, chegou o dinheiro da viúva de Henry Draper, um pioneiro na obtenção de fotografias de espectros de estrelas. Em memória de seu marido e para a realização de seu sonho de criar um grande catálogo, interrompido por uma morte prematura, Mary Draper decidiu financiar os trabalhos de Pickering. Fiel ao seu pragmatismo e sem complicar as coisas diante das novidades, Pickering não perdeu tempo. Sua experiência com Williamina Fleming não poderia ter sido melhor, por isso contratou outras nove mulheres para realizar os cálculos de rotina e a classificação dos espectros nas chapas fotográficas.
Era uma equipe de calculadoras humanas que ficariam conhecidas como “computadores de Harvard” ou “o harém de Pickering”, dependendo das intenções. Um grupo de mulheres que continuaria aumentando nos anos seguintes e do qual surgiram algumas representantes da astrofísica mais importantes da história. E, no final das contas, foi uma verdadeira pechincha para o pragmático Pickering, que conseguiu uma brilhante equipe de 10 especialistas ao preço de cinco assistentes homens. Como responsável nomeou Nettie Farrar, que poucos meses depois abandonaria a carreira para se casar. Uma decisão tomada há 130 anos e cujas consequências no presente nos levam a refletir. Pickering não teve dúvidas: Mrs. Fleming iria substituí-la.
Trabalhadora, incansável e corajosa o suficiente para defender seus resultados, Williamina Fleming identificou e classificou os espectros de mais de 10.000 estrelas. Ampliou a classificação de quatro grupos de Secchi e introduziu um novo esquema baseado em 16 tipos, usando como referência as linhas de absorção do hidrogênio, identificados alfabeticamente de A a N (pulando a letra J), mais as letras O para estrelas com linhas brilhantes de emissão, P para nebulosas planetárias, e Q para as estrelas que não se encaixam nos grupos anteriores. Essa primeira parte do catálogo Draper, em compensação pelo financiamento recebido, foi publicada por Pickering em 1890, sem citar Fleming como autora (embora seja citada na parte interna e, posteriormente, não tenha hesitado em reconhecer publicamente sua autoria), e é a base da classificação espectral utilizada atualmente (classificação de Harvard).
As “Computadores de Harvard” em 1891 – Fonte – historyinphotos.blogspot.com
A chegada de espectros de resolução cada vez maior e a instalação de um telescópio em Arequipa, no Peru, no Hemisfério Sul, permitiram que a equipe liderada por Fleming e Pickering avançasse a classificação, especialmente com as importantes contribuições de duas outras “calculadoras”, Antônia Caetano de Paiva Pereira Maury e Annie J. Cannon, que reorganizaram os grupos espectrais e aumentaram o número de estrelas classificadas. Na publicação das ampliações do catálogo Draper lideradas por Maury (1897) e Cannon (em 1901 e várias outras até sua morte, em 1941) seus nomes já constam como autoras do trabalho. No total, as classificações de estrelas realizadas por essas mulheres somaram mais de 400.000.
A contribuição de Fleming poderia ser considerada decisiva e invejável para qualquer astrônomo atualmente, mas também deve ser atribuída a ela a descoberta de 10 supernovas e mais de 300 estrelas variáveis, tendo medido a posição e magnitude de 222 delas (1907), como parte da linha de trabalho que seria conduzida por outro eminente “computador de Harvard”, Henrietta Swan Leavitt, que realizaria uma das descobertas fundamentais da astrofísica: a relação período-luminosidade das Cefeidas, com base na medição de distâncias no Universo. Finalmente, 59 nebulosas, entre as quais se encontra um dos objetos mais belos e fotografados do espaço, a nebulosa Cabeça de Cavalo, na constelação de Orion (1888). Apenas uma descoberta dessa importância serviria para compensar os sacrifícios de qualquer astrônomo. Antes de uma pneumonia matar Mina aos 54 anos, ela ainda teve tempo de publicar uma última classificação de um tipo de estrelas com um espectro particularmente especial e de cor branca, que posteriormente seriam chamadas de “anãs brancas”.
Foto que mostra a Nebulosa da cabeça do Cavalo feita em 1888 – Fonte – freescruz.com
O sucesso no desempenho de suas tarefas e capacidade de trabalhar acabaram sobrecarregando-a com tarefas mais simples que a afastavam, a contragosto, da ciência. Mrs. Fleming foi nomeada curadora da coleção fotográfica do Observatório, sendo o primeiro cargo organizacional ocupado por uma mulher. Mas também passou inúmeras horas, por exemplo, em trabalhos de edição e revisão dos Relatórios Anuais do Observatório. Seu salário “de mulher”, muito inferior ao de seus colegas do sexo masculino, outro motivo de insatisfação e de protesto permanente, pode ser parcialmente compensado, por outro lado, pelo reconhecimento e honras que recebeu de numerosas sociedades astronômicas.
A mesma nebulosa em fotografia recente e com tecnologia mais avançada – Fonte – http://www.bt-images.net
Em alguma tarde de domingo, talvez perto de um estádio de futebol americano depois de ver o Harvard Crimson, com seus pensamentos vagando livremente entre preocupações diárias e cuidados de mãe, pode ser que em sua mente rodopiassem novamente reflexões sobre os meandros da sorte e de como é a vida.
COMPLEMENTO SOBRE ANTÔNIA CAETANA PAIVA PEREIRA MAURY
Como comentamos anteriormente, sabemos que ela nasceu no estado de Nova Iorque em 1866 e recebeu esse nome em homenagem a sua avó materna, Antonia Caetana de Paiva Pereira (1814-1870), que pertencia a uma família nobre que fugiu de Portugal para o Brasil por conta das guerras de Napoleão Bonaparte. Antonia nasceu no Rio de Janeiro, era filha de Daniel Gardner, médico da corte de Dom João VI e de Carlota Joaquina de Bourbon. Existe uma disputa quanto à identidade da mãe de Antonia. Por volta de 1830, ela foi enviada com o seu irmão Daniel para viver com a sua tia em Londres. Na capital da Inglaterra Antonia casou, em 13 de setembro de 1831, com o cientista John Willian Draper e depois o casal emigrou para os Estados Unidos.
Já Antonia Maury estudou no Vassar Colege, graduando-se em 1887 com honras em física, astronomia e filosofia. Depois de completar seu trabalho de graduação, Maury foi trabalhar em Havard, onde observou espectros estelares e publicou um importante catálogo de classificações em 1897.
Sua obra mais famosa é uma análise espectroscópica da estrela binária Beta Lyrae, publicado em 1933. Em 1943 ela foi agraciada com o Annie J. Cannon Award in Astronomy pela American Astronomical Society (AAS).
Antonia Maury faleceu aos 85 anos, no dia 8 de janeiro de 1952, nos Estados Unidos.
AUTOR – Julio A. Castro Almazán é físico e membro do SkyTeam do Instituto de Astrofísica de Canárias (IAC), especialista em Caracterização de Observatórios Astronômicos e Ótica Atmosférica.
Cantor e compositor paraibano cravou o nome da história com canções sociais. Foto: Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press
Recolhido ao isolamento, em São Paulo, cantor e compositor paraibano nem sonha em reaver a projeção conquistada com sucessos da música brasileira nos anos 1960
Desde a fatídica entrevista concedida no aeroporto, na companhia de oficiais do regime militar, para anunciar o retorno forjado à pátria-mãe, a vida e a carreira artística de Geraldo Vandré ganharam contornos mitológicos. Naquele dia 18 de agosto de 1973, o paraibano punha um irrevogável ponto final na trajetória popularizada menos de dez anos antes, com o sucesso de Disparada, apesar da promessa de “fazer canções de amor e paz” a partir de então.
Em 12 de setembro, o cantor e compositor cuja obra mais conhecida, Pra não dizer que não falei das flores (Caminhando), foi tatuada na musicografia nacional como hino durante os anos de chumbo da ditadura militar completará 80 anos em meio ao ostracismo mais notável e longevo de um artista neste país.
Aparições públicas são raras. Na imagem, Vandré em João Pessoa, em 2008. Foto: Arquivo/ON/D.A. Press
As oito décadas são marcadas – especialmente pela liberação das biografias não autorizadas pela Justiça, em junho – com o lançamento de dois livros. Vandré: O homem que disse não, de Jorge Fernando dos Santos, escrito a partir de 2013, após um sonho do autor com o artista, de quem é fã desde a adolescência, foi lançado pela Geração Editorial. Os 100 exemplares de Geraldo Vandré: Uma canção interrompida foram bancados pelo próprio escritor e distribuídos gratuitamente, após recusa das editoras. Com a liberação, sairá em breve por editora já definida.
Funcionário público aposentado, Geraldo Pedrosa de Araújo Dias – Vandré é a corruptela de Vandregíselo, nome do pai, otorrinolaringologista – mora em um apartamento modesto na Rua Martins Fontes, em São Paulo. “Ele passa boa parte do tempo na casa da irmã, em Teresópolis (RJ). Noutras vezes, se hospeda no Hotel da Aeronáutica, no Rio”, conta o biógrafo Jorge Fernando. A poucos é concedida a honra de adentrar o lar. “É tudo espalhado pelo chão, cheio de livro, disco por todo canto”, conta Marcelo Melo, do Quinteto Violado, um dos instrumentistas do quinto e último disco de Vandré (Das terras de Benvirá), gravado na França, em 1971.
Vandré ficou em segundo lugar, mas foi o preferido do público no 3º Festival de Música Popular Brasileira, em 1968. Foto: Ediouro Publicações/Divulgação
São obscuras as teorias sobre a prisão e as sessões de tortura às quais teria sido submetido entre 14 de julho de 1973, quando retornou ao Brasil, e o dia 18 de agosto de 1973, dia no qual foi gravado enquanto descia de avião da Força Aérea Brasileira (FAB) – veementemente negadas por ele. Na entrevista gravada pelo próprio governo e veiculada na tevê, rechaçou qualquer ligação com partidos políticos e se comprometeu a não escrever canções com teor político.
Chico Buarque e Geraldo Vandré – Foto – Revista Sétimo Céu-Reprodução
As aparições públicas são discretas, à margem dos holofotes, mas a última surpreendeu até admiradores mais esperançosos. Em março de 2014, subiu ao palco no primeiro show no Brasil da cantora e ativista norte-americana Joan Baez – barrada pela censura em 1981 -, em São Paulo. “Eu vou convidar para o palco um mito. Ele não gosta disso, prefere ser somente um homem. Ele virá aqui, mas não vai cantar, vai ficar do meu lado”, ela apresentou. Com o boné nas mãos e tão emocionado quanto deslocado, o ermitão foi aplaudido calorosamente. Voltou no dia seguinte e declamou Soberana, dedicado a São Paulo.
“Geraldo Vandré” (1964), “Hora de lutar” (1965), “5 anos de canção” (1966), “Canto geral” (1968) e “Das terras de Benvirá” (1971, na França, e 1973, no Brasil) são os LPS lançados por Vandré
A sonoridade da receptividade remete ao impacto causado pelas letras impactantes e arranjos de apenas duas notas – como instrumentista, ele nunca foi exatamente um virtuoso – nos festivais de música da década de 1960, dos quais foi um dos ícones. Baluarte da música de protesto a partir de 1968, quando enlouqueceu o Maracanãzinho durante a execução de Pra não dizer que não falei das flores (Caminhando), Vandré tem enorme contribuição no processo de incorporação das raízes sertanejas à música brasileira.
Vandré estreou nos concursos em 1965, aos 20 anos. Defendeu, no I Festival Nacional de Música Popular Brasileira, Sonho de um carnaval, do amigo Chico Buarque, sem chegar à final. Em 1966, os dois protagonizaram a acirrada disputa entre Disparada, defendida por Jair Rodrigues, e A banda, pelo próprio compositor, com prêmio dividido entre os dois. Em 1968, Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim, levou a melhor do júri, mas o público preferia Pra não dizer que não falei das flores(Caminhando): Cynara e Cybele foram vaiadas no Maracanãzinho por 10 minutos.
Luiz Gonzaga – Fonte – brasileiros.com.br
O interesse pelas raízes musicais brasileiras e a origem nordestina o levaram a gravar Asa branca, de Luiz Gonzaga, no LP Hora de lutar – Feira de gado, do Rei do Baião e de Zé Dantas, foi registrada, mas incluída depois em compacto do Trio Marayá. “Asa Branca eu cantei como quem aboia mesmo, e a minha ideia era fazer isso à capela, somente a voz angustiada anunciando a rebelião. Essa foi uma reverência mesmo”, contou, ao site Ritmo Melodia, em 2004. Gonzaga retribuiu. Lançou Pra não dizer que não falei das flores em um compacto, o único dele recolhido pela censura, e Fica mal com Deus, em 1971.
Cantor se exilou na França e no Chile durante a ditadura. Foto: Elias Nassef/O Cruzeiro/EM/D.A Press
Muito antes do retorno do exílio e da reclusão, demonstrava traços de uma personalidade forte e difícil. Enfrentava séria dificuldade para seguir uma disciplina de composição ou ensaio e insistia em controlar o processo com modificações e improvisos. Inspirado, modificava letras e melodias constantemente, testando a aptidão técnica – e a paciência – dos colegas.
De volta ao Brasil, após exílio com temporadas na França e no Chile, Vandré morreu. No lugar, renasceu o paraibano Geraldo Pedrosa, filho de José Vandregíselo e dona Martha. Misantropo, o senhor de 80 anos compõe, toca e canta, mas faz questão de passar o aniversário longe dos fãs e da imprensa. A obra, no entanto, dificilmente será esquecida.
A arte da escrita leva vantagem no duradouro relacionamento com a ciência exata. Da interação, surgiu o subgênero “ficção matemática”, cujo expoente brasileiro é Júlio César de Melo e Sousa, mais conhecido pelo pseudônimo Malba Tahan
A voz romântica de Roberto Carlos usou uma expressão matemática, em 1971, para resumir uma fossa amorosa: “Tudo em volta está deserto, tudo certo. Tudo certo como dois e dois são cinco”. Muito antes de a canção composta por Veloso existir, contudo, o escritor George Orwell havia mencionado a soma com resultado errado no clássico 1984 (1949). Era exemplo de falso dogma (se todo mundo acredita, isso se torna verdade?). Mas ele também não foi o primeiro. Quase um século antes de Orwell, Dostoievski já relativizava a questão em Notas do subterrâneo (1864): “Seja como for, ‘duas vezes dois igual a quatro’ é bem insuportável. (…) De mãos nos quadris, ela se atravessa no caminho e nos cospe na cara. Admito que seja uma coisa excelente, mas, se é preciso louvar tudo, eu vos direi que ‘duas vezes dois igual a cinco’ é também, às vezes, uma coisinha muito encantadora”.
Júlio César de Melo e Sousa (Rio de Janeiro, 6 de maio de 1895 — Recife, 18 de junho de 1974), mais conhecido pelo heterônimo de Malba Tahan
Não é possível precisar ao certo quando começou o namoro entre literatura e matemática, mas sem dúvida a arte da escrita leva vantagem no duradouro relacionamento com a ciência exata. Da interação, surgiu o subgênero literário “ficção matemática”, do qual um dos maiores expoentes brasileiros é Júlio César de Melo e Sousa (1875-1974), mais conhecido pelo pseudônimo Malba Tahan, com o qual assinou o bestseller O homem que calculava (1938), agora relançado pela editora Record, em comemoração aos 120 anos de nascimento do autor, um dos ocupantes da Academia Pernambucana de Letras, embora fosse carioca.
No clássico da literatura brasileira, traduzido para mais de dez idiomas, um jovem árabe conquista reis, poetas e sábios ao resolver problemas aparentemente sem soluções por meio do raciocínio lógico. “Na obra do matemático e romancista as fórmulas ou equações matemáticas surgem de maneiras tão sutis quanto o conteúdo literário, como também ocorre em algumas publicações de Monteiro Lobato e Lewis Carrol (autor de Alice no País das Maravilhas)”, diz o doutor em educação matemática Maurílio Antônio Valentim, professor do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora.
Fonte – miconuncamais.blogspot.com
Se, para alguns, os cálculos, fórmulas e medidas soam pouco atraentes (talvez fruto de traumas decorrentes do ensino fundamental e médio), esse universo ganha novos ares quando associado à habilidade de escrever de maneira lúdica. Ao fazer as pazes com os números, fica mais evidente o potencial da matemática de seduzir por meio da complexidade, da precisão, dos enigmas, de quebrar a cabeça do leitor.
Para alcançar tal feito, personagens consagrados como Emília, do Sítio do Pica Pau Amarelo, e Sherlock Holmes, o detetive da obra de Arthur Conan Doyle, chegaram a protagonizar livros-desafios. Mas não é regra. Publicações como O teorema do papagaio, de Denis Guedaj, Tio Petrus e a conjectura de Goldbach, de Apostolos Doxiadis, e O diabo dos números, de Hans Magnus Enzesberger, conquistaram grande séquito de fãs pelo mundo com personagens aparentemente ordinários e abordagens da matemática extraordinárias.
Há ainda, narrativas com figuras reais, como o filósofo Bertrand Russell, peça essencial na elaboração de fundações lógicas do pensamento matemático. Na história em quadrinhos Logicomix – Uma jornada épica em busca da verdade, o estudioso se aventura no mundo dos cálculos. Independente do método, o importante, segundo o próprio Malba Tahan, era conjugar entretenimento e educação de maneira adequada, pelo bem do aprendizado e crescimento individual. Ou, como dizia o protagonista de O homem que calculava: “Por ter alto valor no desenvolvimento da inteligência e do racioncínio, é a matemática um dos caminhos mais seguros por onde podemos levar o homem a sentir o poder do pensamento, a mágica do espírito”.
PARA LER >>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>
O homem que calculava, de Malba Tahan (Record, R$ 45)
Logicomix – Uma jornada épica em busca da verdade, Apostolos Doxiadis e Christos Papadimitriou (Martins Fontes, R$ 72)
Tio Petrus e a conjectura de Goldbach, de Apostolos Doxiadis (Editora 34, R$ 38)
O diabo dos números, de Hans Magnus Enzesberger (Companhia das Letras, R$ 38,90)
O teorema do papagaio, de Denis Guedaj (Companhia das Letras, R$ 51,50)
>>>>>>>>>>>>> MORTE NO RECIFE
Júlio César de Melo e Sousa estava de passagem pelo Recife, em 1974, para uma série de palestras sobre educação, quando morreu, aos 79 anos, vítima de ataque cardíaco. Doze horas antes do incidente, o então repórter do Diário de Pernambuco Geneton Moraes Neto havia entrevistado o matemático e escritor. Mais de quatro décadas depois, pedimos ao jornalista para rememorar a experiência. Confira o depoimento exclusivo:
A ÚLTIMA FALA, O PRIMEIRO SUSTO
O conhecido jornalista Geneton Moraes Neto foi um dos últimos a entrevistyar Malba Tahan – Fonte – Reprodução/Facebook
“Deve ter sido o primeiro susto que tive no jornalismo. Repórter iniciante, eu tinha meus dezessete anos de idade. Trabalhava no Diário de Pernambuco à tarde e fazia o primeiro ano de jornalismo na Universidade Católica à noite. Quando cheguei para trabalhar, pouco antes das duas da tarde, o então chefe de reportagem, Ricardo Carvalho, me perguntou, ansioso: “Você guardou alguma coisa da entrevista com Malba Tahan ou usou tudo na matéria que saiu no jornal de hoje? “. Respondi com uma pergunta: “…Mas por quê?”. E ele: “O homem morreu! Teve um enfarte no hotel! Fulminante!”. A incredulidade se instalou no ar. Só havia uma coisa a dizer: “O quê? Não é possível!”. Mas era: o escritor que me dera entrevista poucas horas antes, na sede do Diário de Pernambuco saíra do jornal para morrer num quarto de hotel, em Boa Viagem.
Eu tinha entrevistado o escritor Malba Tahan no final da tarde do dia anterior, na sala do então superintendente do jornal, Gladstone Veira Belo. A lembrança é clara: eu estava me preparando para deixar a redação e ir para a aula quando fui convocado a comparecer à sala da direção para entrevistar um visitante. Em situações normais, os pobres dos repórteres reagem com um muxoxo quando são chamados a fazer as tais entrevistas com visitantes ( em geral, autoridades que dificilmente pronunciarão algo de relevante numa “visita de cortesia” aos bravos rapazes da imprensa…). Mas ali era diferente.
Posso até ter reagido com um muxoxo, mas o visitante era uma espécie de “ídolo” literário dos meus tempos de infância: eu tinha lido, para um trabalho escolar, o livro “O Homem que Calculava” ( ou terei ganhado de presente um exemplar? Aqui, minha memória claudica miseravelmente ). Depois, um exemplar de Maktub fora parar em minhas mãos. Maktub – a gente logo aprendia – queria dizer “estava escrito”. A palavra “maktub”, portanto, carregava um certo peso dramático: parecia avisar que a vida pode ser regida por maquinações indecifráveis do destino.
Sobre sua morte em 1974
Os livros falavam de mundos mágicos e misteriosos, personagens que se moviam por paisagens orientais de uma beleza cintilante. O nome Malba Tahan tinha o poder de deflagrar, num passe de mágica oriental, essas lembranças “literárias”. E lá estava ele: efusivo, entusiasmado, falava da visita ao Recife como se fosse marinheiro de primeira viagem. Guardei um detalhe: Malba Tahan trajava um paletó quadriculado. Fora visitar o Diário, na Praça da Independência, em companhia da mulher. Voltei às pressas para a redação para redigir a entrevista que seria publicada no dia seguinte. Zarpei para a escola. O escritor seguiu para o hotel. Estava escrito que aquelas seriam as últimas horas do autor de Maktub. Estava escrito que Malba Tahan, na verdade, nunca existiu: era apenas o pseudônimo de um professor de matemática carioca chamado Júlio César. Jamais visitara o Oriente. Que importa?
O que interessa é que tinha virado sinônimo de mundos mágicos, distantes, inalcançáveis. Estava escrito que, lastimavelmente, aquela seria a última fala de Malba Tahan – e o primeiro grande susto do jovem repórter. Estava escrito: maktub,. maktub, maktub.”
PASSEIO DE BUGGY – Também conhecido como famoso passeio das emoções em Natal, já apresentado aos turistas em 1984. O primeiro bugueiro profissional do Rio Grande do Norte, ainda atuando, foi o meu amigo Amigo Roberto Eider Lira – CLIQUE NAS FOTOS PARA AMPLIAR
Recentemente chegou as minhas mãos um exemplar da extinta Revista Geográfica Universal, da Bloch Editores, edição de abril de 1984. Mesmo passados mais de 31 anos o exemplar está muito bem preservado e traz uma interessante reportagem sobre o Rio Grande do Norte.
PRAIA DE GENIPABU
Localiza-se a vinte quilômetros do Centro de Natal, é um dos mais famosos cartões-postais do estado. Em 1984 estava bem menos povoado.
FORTALEZA DOS REIS MAGOS
A Fortaleza da Barra do Rio Grande, popularmente conhecida como Forte dos Reis Magos ou Fortaleza dos Reis Magos, foi o marco inicial da cidade — fundada em 25 de Dezembro de 1599 —, no lado direito da barra do Potengi (hoje próximo à Ponte Newton Navarro). Recebeu esse nome em função da data de início da sua construção, 6 de janeiro de 1598, Dia de Reis, pelo calendário católico. Em formato de estrela, a fortaleza foi construída pelos colonizadores portugueses em 1598. Em 1633 foi invadida pelos holandeses. Anos mais tarde, os portugueses conseguiram retomar a cidade e o forte. O monumento ainda preserva os canhões expostos na parte superior do prédio, capela com poço de água doce e alojamentos. Na foto de 1984 ainda existia a antiga passarela para pedestres, construída na década de 1960.
PRAIA DO MEIO E PRAIA DOS ARTISTAS
Duas das praias mais movimentadas de Natal. Costumam receber um grande número de turistas durante a alta temporada, além de moradores próximos. É conhecida por sua agitação, de dia e à noite. Com uma boa faixa de areia dourada, possui mar de águas transparentes e são bastante procuradas para o banho. O interessante da foto de 1984 é a faixa de areia livre de barracas e quiosques e a paisagem sem tantos edifícios.
VISTA AÉREA DA PRAIA DE JACUMÃ
ATENÇÃO – A foto pode ser de outra praia, mas acredito ser Jacumã. Se não estiver equivocado, esta praia está distante 33 km de Natal,sendo uma das principais escolhas para se aproveitar o veraneio no litoral. Seus arrecifes deixam o mar calmo e próprio para banho. No Rio Grande do Norte o veraneio em praias é uma atividade bem antiga e até hoje apreciada pelo seu povo, apesar de ameaçada pela violência que campeia em nosso litoral.
ARTESANATOS EXISTENTES EM 1984
CENTRO DE CONVENÇÕES DE NATAL
CENTRO DE CONVENÇÕES DE NATAL
Salvo engano o Centro de Convenções de Natal havia sido inaugurado naquele ano. Foi projetado para sediar simpósios, congressos, seminários, reuniões, eventos artísticos, feiras e exposições, o centro de convenções se encontra dentro da área preservada do Parque das Dunas, posicionado de frente para o mar e próximo a vários hotéis luxuosos, com bares, restaurantes, praias, shoppings, ciclovia, agências de turismo, locadora e uma infinidade de serviços.
OUTRAS VISÕES DO LITORAL
Segundo a reportagem desta revista, as selas e alforges colocadas na beira mar de Genipabu, que aparecem na foto, eram utilizadas por jegues de “tropeiros”, que banhavam seus animais na água do mar.
FEIRA DO ALECRIM
A tradicional do bairro do Alecrim era em 1984 uma das atrações turísticas de Natal e hoje pouco lembranda pelos profissionais da área. A feira acontece todos os sábados, oficialmente no horário das 6 às 15h, no cruzamento das avenidas Coronel Estevam e Presidente Quaresma. A primeira edição da feira aconteceu em 18 de julho de 1920, um domingo, organizada pelo paraibano José Francisco dos Santos acompanhado de três amigos. Apenas algum tempo depois a prefeitura moveu a feira para o sábado, e a partir do ano de 1930 passou a cobrar impostos dos feirantes que ali comercializavam suas mercadorias.
SALINAS
Não sei se as salinas faziam parte de algum roteiro turístico em 1984, mas por esta época as salinas ainda estavam bastante presentes como uma das principais identidades do Rio Grande do Norte. E isso era fruto de uma história muito antiga, que gradativamente perde importância.
O sal foi um dos primeiros produtos a ser explorado comercialmente no Rio Grande do Norte. A exploração normal e extensiva das salinas de Mossoró, litoral de Areia Branca, Assu e Macau data de 1802. Mas o conhecimento de jazidas espontâneas na região já era conhecido desde o início da colonização. A primeira referência que se tem sobre sal no Rio Grande do Norte encontra-se registrado no documento que Jerônimo d’Albuquerque escreveu aos seus filhos Antônio e Matias, em 20 de agosto de 1605, onde fala de salinas formadas espontaneamente a aproximadamente 40 léguas ao norte, o que corresponde hoje as salinas de Macau. Desse fato, voltamos a ter notícias quando consultamos o “Auto de repartição das terras” feito em Natal em fevereiro de 1614, onde está escrito que Jerônimo de Albuquerque dera aos filhos Antônio e Matias, em 20 de agosto de 1605, umas salinas que estariam a quarenta léguas para o norte (aproximadamente 240 km), mas que nunca foram utilizadas. Em 1627, frei Vicente do Salvador registrou a colonização norte-rio-grandense. Notou que “as salinas onde naturalmente se coalha o sal em tanta quantidade que se podem carregar grandes embarcações”.
TURISMO NO INTERIOR POTIGUAR
Um fato muito interessante nesta reportagem foi que as atrações turísticas apresentadas como sendo do interior do Rio Grande do Norte, não foram as Serras de Martins, Portalegre, ou de São bento, mas as minerações de caulim de Parelhas e Equador e a extração de água marinha de Tenente Ananias, na zona oeste do Estado.
UM INTERESSANTE DOCUMENTÁRIO REALIZADO POR UNIVERSITÁRIOS PAULISTAS RESGATA ESTE INUSITADO MOMENTO
Em janeiro de 1969, após terem passado o ano novo no Rio de Janeiro, Mick Jagger e Keith Richards, músicos da banda de rock inglesa The Rolling Stones, estiveram durante uma breve temporada de na cidade de Matão, no interior do estado de São Paulo. Os músicos ficaram cerca de quinze dias na cidade e se hospedaram na Fazenda Boa Vista, então propriedade do banqueiro Walther Moreira Salles.
Mas o que estes dois verdadeiros monstros do rock, no auge do sucesso, foram fazer em uma bucólica cidade do interior paulista?
Para saber mais assista o documentário “Aliens 69 – Quando os Rolling Stones invadiram Matão” que relate a história. O documentário mostra que a memória dessa passagem ainda está viva na cidade. Pessoas que conviveram com os Stones durante a visita contam histórias curiosas sobre o dia a dia da dupla de maior nome da história do rock mundial.
PARA ASSISTIR ESTE ÓTIMO DOCUMENTÁRIO CLIQUE NA IMAGEM ABAIXO –
Mas o começo de tudo foi assim – No Rio de Janeiro od roqueiros da terra de Sua Majestade tentaram passar despercebidos pelo Brasil. Mas Mick Jagger e Keith Richards foram descobertos pela imprensa quando vieram pela segunda vez ao País para passarem férias.
Richards (chapéu preto) e Jagger, tentando passar desapercebido no carientismo Brasil de 1969. Fonte – http://acervo.estadao.com.br/
A primeira ocasião foi no réveillon de 1968. Eles desembarcaram no porto do Rio de Janeiro em 29 de dezembro de 1968. Estavam acompanhados de suas namoradas, Jagger com Marianne Faithfull e Richards com Anita Pallenberg, além de seu filho Nicholas, e a babá.
Nas fotos inéditas da viagem, Keith Richard aparece sempre de chapéu encobrindo o rosto. O guitarrista ficou irritado quando lhe foi perguntado se os Rollings Stones estavam em crise por terem aparecido em 16º lugar em um ranking de bandas, e os Beatles em bem acima, em 5º. Sim, respondeu ironicamente, “realmente estamos em grande decadência; cada vez mais para baixo”.
a loucura e o assédio dos fãs, fizeram com que Jagger e Richards fossem se hospedar em São Paulo (SP), no hotel Jaraguá, onde eles encontram o banqueiro Walther Moreira Sales, amigo de Mick. Este sabendo da situação, convidou-os a passar alguns dias na fazenda de sua família, na bucólica cidade de Matão, no interior do estado de São Paulo.
Como não poderia deixar de ser a presença destas figuras internacionais na Fazenda Boa Vista mudou a rotina da pequena cidade, localizado a cerca de 300 quilômetros da capital.
Foi um que. Com direito até mesmo a visita de terreiros de Umbanda e a criação de musicas de sucesso naquele lugar.
Vale a pena assistir!
Este documentário é um trabalho acadêmico dos alunos de jornalismo do Centro Universitário de Araraquara (UNIARA) sob a orientação do professor Fabrício J. Mazocco – Turma 2013: Diego Gibertoni, Fernanda Vilela, Gianfrancesco Bariani, Matheus Carvalho, Rafael Zocco.
Christopher Frank Carandini Lee, ou simplesmente Christopher Lee, nasceu em Belgravia, na área de Westminster, Londres, em 27 de maio de 1922. Era filho da bela Condessa Estelle Carandini di Mari Sarzano, de origem italiana, e do Tenente-Coronel Geoffrey Trollope Lee, um condecorado oficial inglês que serviu na Primeira Guerra Mundial.
Os pais de Lee se separaram quando ele era ainda muito jovem, então ele permaneceu sob os cuidados de sua mãe e foram viver na Suíça. Depois sua família mudou-se para Londres e sua mãe uniu-se ao banqueiro Harcourt “Ingle” Rose, tio do escritor Ian Fleming, criador de James Bond.
Anos depois Lee estudou no Eton College, onde ganhou uma bolsa de estudos para se especializar em Estudos Clássicos. Grande fã dos esportes, participou de equipes de cricket, futebol, hóquei, squash e natação. Ao terminar seus estudos começou a excursionar por vários países europeus. De acordo com sua própria autobiografia, testemunhou em junho de 1939 a morte de Eugen Weidmann, último homem executado publicamente pela guilhotina na França.
Como muitos de sua geração Christopher Lee lutou na Segunda Guerra Mundial. No entanto, a sua história é muito mais fascinante do que a maioria dos soldados que lutaram e está envolta até hoje em mistério.
Primeiramente ele se apresentou no corpo de voluntários que apoiaram a Finlândia na Guerra de Inverno que este país lutou contra a União Soviética, embora a sua unidade não chegasse a entrar em combate. Lee então se alistou na RAF – Royal Air Force, onde recebeu treinamento como piloto, mas eventualmente alguns problemas de visão o deixaram longe de um caça. Lee foi então designado para o 260 Squadron RAF, na África do Norte. Em uma ocasião nesta região Lee quase foi morto quando o aeródromo do seu esquadrão foi bombardeado pelos alemães.
Lee mencionou que em 1941 foi designado para operações especiais e de inteligência no Special Operations Executive (SOE), onde teve um papel ativo, a tal ponto que muitas das suas missões ainda continuam classificados como secretas. Atuou junto ao Long Range Desert Group (LRDG-Grupo de Longo Alcance do Deserto), uma unidade de combate especial que atacava a retaguarda inimiga com jipes e caminhões, utilizando o deserto para deslocamento e proteção.
Muito embora os detalhes sobre as informações das operações em que Lee participou permanecem até hoje classificadas como secretas e sem o público ter acesso aos arquivos, alguns registros mostram os feitos de Lee atrás das linhas inimigas, principalmente destruindo aeródromos da temida Luftwaffe. Lee nunca gostou muito de comentar sua participação na Guerra.
Muitas décadas mais tarde, durante as filmagens da série cinematográfica O Senhor dos Anéis, em uma cena dirigida por Peter Jackson, o veterano de guerra comentou que “esse não é o som emitido por um ser humano ao morrer com uma facada nas costas”. Jackson tomou isso como uma piada, mas Lee comentou que tinha servido nos serviços de inteligência e ações de combate especiais durante a guerra e teve de matar pessoas. Em meio à estupefação geral no estúdio, Peter Jackson decidiu pesquisar e investigar e descobriu que Lee falou a verdade.
Após a Campanha no Norte da África, a unidade militar de Lee seguiu para a Sicília e depois o sul da Itália. Por esta época Lee já havia sido acometido seis vezes com malária e testemunhou a Batalha de Monte Casino. Nessa época quase morreu em um acidente, quando o avião em que estava caiu durante a decolagem.
Em relação aos últimos meses de seu serviço, Lee, que falava fluentemente francês e alemão, além de outras cinco línguas, foi destacado para uma unidade que rastreava e caçava criminosos de guerra nazistas.
Nos últimos anos Lee marcou muitos jovens em todo planeta com a sua interpretação do mago Saruman em “O Senhor dos Anéis”, mas poucos percebem o quanto ele estava bem preparado para o papel.
Lee tem uma longa história com os livros de John Ronald Reuel Tolkien, conhecido internacionalmente por J. R. R. Tolkien. Depois de deixar a RAF em 1945, quando “A Sociedade do Anel“, foi publicado, Christopher Lee leu este trabalho com muita atenção e também teve a experiência de conhecer o próprio Tolkien, sendo o único membro de todo o elenco de “O Senhor dos Anéis” a ter tido este privilégio.
Lee narrou que conheceu o escritor em um pub e comentou que Tolkien era um homem de aspecto benigno, que fumava um cachimbo, aparentando ser um típico inglês do seu tempo e um gênio de grande conhecimento intelectual.
Christopher Klee era, em todos os sentidos, um homem do mundo. Bem versado nas artes, política, literatura, história e ciência. Ele era um estudioso, um cantor, um contador de histórias extraordinárias e, é claro, um ator maravilhoso. Sua carreira como ator começou em 1948 com o filme “Corridor of Mirrors” e seu último trabalho foi no filme“The 11th” em produção e que está previsto a ser lançado ainda em 2016.
Conhecido por sua versatilidade e longevidade cinematográfica, isso trouxe a Lee um impressionante recorde – o de ator mais prolífico. Sua participação no cinema soma o record de 207 filmes no cinema, em filmes de sucesso como Star Wars, A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça e vários filmes de Conde Drácula. Estas interpretações deste personagem de terror o tornaram mundialmente famoso. Ele repetiu o personagem em onze filmes, o primeiro feito em 1958.
Dono de uma voz forte e impressionante, Lee também atuou como cantor de opera e inusitadamente de Heavy Metal. Tendo feito dueto com Fabio Lione, vocalista do Rhapsody of Fire.
Lee recebendo do príncipe Charles o título de Cavaleiro Real – Fonte – http://www.reddit.com
Em 2009, recebeu o título de Cavaleiro Real, a mesma ordem que o professor Tolkien fez parte em 1972. Em 2011 Sir Christopher Lee recebeu o prêmio BAFTA em reconhecimento a sua grande carreira e foi aplaudido com louvor.
Finalmente, no dia 7 de junho de 2015, aos 93 anos, descansou.
Cartola, um dos mais importantes sambistas brasileiros – Fonte – lounge.obviousmag.org
Cartola teve uma vida de altos e baixos, trabalhou como pedreiro, contínuo e lavador de carros. Gravou seu primeiro disco aos 65 anos. Conheceu um pouco de popularidade (mas não dinheiro). Suas melodias e versos são simplesmente incríveis. Compositor de “As Rosas Não Falam”, música e letra de sua autoria, um clássico do samba.
A sorrir
Eu pretendo levar a vida
Pois chorando
Eu vi a mocidade
Perdida
Música – O sol Nascerá / Autor – Cartola
Angenor de Oliveira, ou simplesmente Cartola – apelido que ganhou dos colegas de ofício de servente em virtude de um chapéu-coco que usava para se proteger do cimento que caia – nasceu em 11 de outubro de 1908, no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, porém toda a sua infância foi vivida no bairro de Laranjeiras.
Angenor de Oliveira. Sim: com N depois do A, e não Agenor, como é, quase invariavelmente, publicado em jornais, livros e revistas por alguns desavisados ou mesmo por alguns que se pensam avisados
A vida do cantor não constituiu um mar de rosas, de acordo com o que se pode observar lendo estas informações: aos 15 anos de idade, Cartola perde a mãe; aos 17 anos, rompe com o pai, voltando a encontrá-lo 30 anos depois, quando a necessidade o faz voltar a morar com ele, em Bento Ribeiro.
A família foi atingida por uma série de dificuldades financeiras e, se viu obrigada a trocar de ares, agora para o morro da Mangueira, onde uma simples favela começava a ser construída. Foi neste ambiente que Cartola aprendeu a tocar cavaquinho e violão com o pai ainda moleque, tomando gosto pela música e pelo samba.
Com o amigo Carlos Cachaça, compõem muitos sambas desde os 14 anos de idade. Ainda na companhia de Cachaça e de outros amigos, fundaram o bloco dos Arenqueiros e depois a Estação Primeira de Mangueira. Foi Cartola quem sugeriu o nome e as cores verde e rosa, que consagraram a tradicional escola de samba carioca. Ele também foi compositor do primeiro samba-enredo da escola, intitulado “Chega de Demanda”. No campo da composição musical, Cartola compôs mais de 500 canções, várias delas foram vendidas, por bem dizer, a preço de bananas. Além do mais, nesse aspecto, é preciso considerar que inúmeros intérpretes compravam suas canções e as assinavam como sendo seus reais compositores.
Fonte – jadetambemehcultura.wordpress.com
Para fazer uma ideia aproximada da popularidade alcançada por Cartola, bem como da qualidade inquestionável e duradoura de suas composições, vale dizer que uma de suas músicas, “O sol nascerá”, foi regravada mais de 600 vezes, Nara Leão (1942 – 1989) foi uma das primeiras a gravar o samba, constituindo-se, por tal motivo, na peça musical que mais lhe rendeu dinheiro.
Embora tenha sido muito elogiado por seu círculo de compositores, colegas e admiradores, Cartola só recebeu todos os créditos por sua contribuição à história da música brasileira após sua morte, aos 72 anos, de câncer, quando então já era considerado um dos estetas geniais da música brasileira.
Apesar de ter um determinado reconhecimento dos jornais cariocas das décadas de 1940 e 1950, isso pouco contribuiu para o famoso sambista ter uma melhor condição de vida.
É digno de registro que o compositor ainda é a maior referência para quem quer conhecer a história do samba e compreender muitas das sonoridades presentes no samba contemporâneo.
1930 foi a época de ouro da música brasileira, e Cartola se saiu bem nesse contexto. Isso porque, em 1932, o samba estava valorizado devido ao surgimento da rádio comercial. Com efeito, foi nessa época que Cartola se consagrou como compositor, que Francisco Alves gravou “Divina dama” e que, em decorrência dessa música, que o jornalista Lúcio Rangel lhe deu o apelido de “Divino” Cartola.
Matéria da Revista Semana, 27 de novembro de 1941, quando o pianista e compositor norte-americano Aaron Copland, esteve no Morro da Mangueira visitando Cartola. Ele era membro da equipe de Leopold Stokowki e estava na comunidade na companhia do maestro brasileiro Villa Lobos.
Outro episódio interessante na vida de Cartola foi quando o maestro Villa-Lobos lhe levou a um navio em que estava Leopold Stokowki (1882 – 1977), famoso regente de orquestra inglês, que assistiu às apresentações de compositores brasileiros. Como resultado desse curioso episódio, Cartola foi escolhido para gravar quatro canções no disco “Columbia Presents”.
A despeito desse relativo reconhecimento, não consegue se sustentar continuando a comercializar seus sambas por quantias irrisórias, se comparadas à sua visível genialidade. Nessa ordem de fatos, Tudo piora em 1946, quando contrai meningite. Nesse período de sua vida, sua então esposa Deolinda cuidou-lhe da saúde, mas, no mesmo ano, ela morre vitimada de infarto.
Em 1942 Cartola chegou a se apresentar em programas de rádio.
Extremamente entristecido, Cartola se entrega a uma paixão destrutiva por Donária. Com efeito, deixa a Mangueira e o violão, mudando-se para Caju. No final dos anos 40, ocorreu o que pode ser simbolicamente qualificado como a “morte” de Cartola. Ele afastou-se dos amigos, da Mangueira, afogando-se no álcool e na mágoa de um amor não correspondido. Acrescente-se a isso a doença que lhe deixou sequelas pelo resto da vida. Uma delas no nariz. Ele foi acometido de rosácea, ou acne rosácea, que atinge o rosto, e provoca infecções e abcessos. Por consequência, ficou muito magro, perdendo os dentes. Quanto à rosácea, se agravou ainda mais, deixando o nariz feito uma couve-flor negra. Nessa época, quase não aparecia no morro da mangueira e muitos pessoas já nem se lembravam mais dele. Só o amigo Carlos Cachaça continuava a visitá-lo.
Cartola e Dona Zica – Fonte – acervo.estadao.com.br
Mas foi Euzébia Silva, Dona Zica, que conquista seu coração e o trás de volta à Mangueira.
Em 1950 o samba perde espaço no mercado e Cartola vai trabalhar em um posto de gasolina. Segundo informações do Portal Palmares, Cartola passou anos esquecido e foi dado como morto, até ser encontrado, por acaso, pelo jornalista Sérgio Porto, em 1956, trabalhando como lavador e guardador de carros, em Ipanema.
Na sequência trabalha como zelador na Associação de Escolas de Samba. Depois, junto com Dona Zica, abrem o Zicartola em um casarão da Associação que estava prestes a ser demolido. O lugar serviu de palco para as primeiras apresentações de Paulinho da Viola. Nelson Cavaquinho entre outros sambistas também se apresentavam por lá. Apesar do sucesso só funcionou entre 1963 a 1965. Mas foi devido ao sucesso do Zicartola que trouxe o nome de Cartola de volta e em 1974 ele grava seu primeiro LP, que faz grande sucesso. Logo em seguida lança o segundo de igual sucesso, que traz suas composições“As rosas não falam.” E “O mundo é um moinho”. Ao todo Cartola lançou quatro discos-solos.
acervo.estadao.com.br
Depois disso pode viver com certo conforto ao lado de dona Zica e sua família. Deixou a Mangueira e foi morar em Jacarepaguá.
Estava se apresentando no projeto Pixinguinha, percebeu que havia um caroço na garganta, procurou um médico e foi então que descobriu que a carreira não iria longe, estava com câncer. Compôs a música Autonomia, que retrata exatamente o que ele estava sentindo “Se eu pudesse gritaria, não vou não quero”.
Lutou dois anos contra a doença. Já internado manifestou o desejo a família uma semana antes de sua morte “Quando eu morrer, eu quero que Waldomiro (ritmista da Mangueira) toque bumbo.” Carlos Drummond de Andrade lhe prestou uma homenagem “Cartola, no moinho do mundo”.
Cartola em seus raros momentos de lucidez no hospital conseguiu lê-la, morreu três dias depois. E em 30 de Novembro de 1980 o mundo do samba chorou. Aos 72 anos o poeta silenciou. Seu corpo foi sepultado no cemitério do Caju. Atendendo ao seu último pedido, Waldomiro marcava o ritmo para o coro de “As rosas não falam”, cantado por uma pequena multidão.
Cartola costumava comparar sua vida a um filme de faroeste, no qual era o mocinho e só vencia no final. Apesar do grande sucesso de seus sambas, Cartola morre pobre, morando numa casa doada pela prefeitura do Rio de Janeiro.
Foto e pintura de Gil Elvgren – CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR
Rostand Medeiros
Todas as curvas, dos lábios até os tornozelos, das belas mulheres desenhadas nos principais calendários vendido nos Estados Unidos na década de 1950, passou diante do pintor Gil Elvgren. Atrizes de Hollywood, além de sua própria esposa, Janet, foram modelos de seus sensuais desenhos.
Foto e pintura de Gil Elvgren
As chamadas mulheres Pin-up, com vivos lábios vermelhos e cintura fina foram sua especialidade. Suas longas e torneadas pernas à mostra, que terminavam muitas vezes em um par de saltos altos, eram muitas vezes retratados por Elvgren.
Foto e pintura de Gil Elvgren
Elas são perfeitas em suas belas curvas maravilhosas, seios fartos, coxa roliças e esbanjando beleza até o tornozelo. Isso numa época quando ninguém se atrevia a falar sobre sexo, elas tiraram a roupa (não totalmente) e posaram. Gil Elvgren foi um dos artistas que pintou essas mulheres de carne e osso.
Foto e pintura de Gil Elvgren
Eram as Pin-up (de “pinned-up” significa pendurado na parede), embora também chamadas de “cheesecake”, imaginem o porquê[1].
Foto e pintura de Gil Elvgren
Gil Elvgren tinha muito respeito no meio artístico e belas modelos nunca lhe faltaram. Algumas eram atrizes tão famosas como Myrna Loy, Donna Reed e até mesmo Kim Novak. De fato, na década de 1950, não era raro que atrizes iniciantes em Hollywood fossem ao estúdio de Elvgren pedindo para serem pintadas e aparecem em calendários, era uma ótima oportunidade de ascensão ao estrelato. A esposa de Elvgren, Janet Cummings, também posou muitas vezes para ele.
Foto e pintura de Gil Elvgren
Alguns cartunistas, colegas Elvgren e membros da Society of Illustrators de Nova York, o invejavam. Eles disseram que, embora seu trabalho não fosse muito bem aceito pela crítica, Elvgren tinha sorte. O suficiente para pintar belas garotas quase todos os dias, enquanto eles cumpriam entediantes ordens e, por vezes, eram mal pagos.
Foto e pintura de Gil Elvgren
Na década de 1950, Elvgren, que começava a adquirir muita fama por seus trabalhos publicitários, se mudou com sua família para uma casa maior e decidiu montar um estúdio no sótão, com grandes janelas para a entrada de luz. Embora inicialmente trabalhasse sozinho, logo contratou um assistente para ajudá-lo a fotografar as modelos e preparar os cenários – normalmente simples e modesto – que o pintor transformava em algo exuberante.
Foto e pintura de Gil Elvgren
Quando perguntado o que havia nas modelos que mais lhe interessava, Elvgren respondeu: “A verdadeira joia é uma garota capaz de transmitir emoções muito diferentes”. Ele preferia mulheres muito jovens, entre 15 e 20 anos, que preferencialmente não haviam despontado em carreiras artísticas, pois mantinham muito de espontaneidade que, ao longo do tempo e após serem descobertas, escondiam.
Foto e pintura de Gil Elvgren
Sobre seu trabalho o artista explicou que acrescentava o seu “toque pessoal”, que poderia ser aumentar mais os seios, o alongamento mais pronunciado das pernas, o estreitamento da cintura, tudo para tornar mais atraente (e um pouco menos real) aquela mulher.
Foto e pintura de Gil Elvgren
Ele também tornava os lábios mais carnudos, sempre vermelhos, e deixava os olhos maiores. Elvgren escolhia cuidadosamente o cenário, figurinos e principalmente a modelo, além de levar horas para decidir o seu corte de cabelo. Cada detalhe tinha peso no resultado final. Em seguida, tirava uma foto com sua Rolleiflex e, finalmente, começava a pintar.
Pintura de Gil Elvgren
Muitas dos trabalhos de Elvgren eram contratos publicitários, como o famoso anúncio da marca Coppertone, em que um cão puxa para baixo o calção de uma menina (na imagem acima). Vários desses trabalhos foram encomendados pela editora americana Brown & Bigelow, a maior editora de calendários do mundo na década de 1950. Seus almanaques com anúncios chegavam a milhões de pessoas nos Estados Unidos.
A revista “Esquire” (dirigida principalmente ao público masculino) foi a primeira a publicar desenhos de Pin-up, especialmente de George Petty e de Alberto Vargas, um peruano radicado nos Estados Unidos. Esses desenhos eram o principal atrativo desta revista. Na imagem acima temos, à esquerda, a ilustração da “bailarina”, de George Petty, e a direita, retratada por Alberto Vargas, a atriz Olive Thomas. As meninas pintadas pelo peruano nascido em Arequipa eram conhecidas como as “Vargas Girls” e também estiveram presentes nas páginas da revista “Playboy”.
Foto – USAAF
Os calendários das Pin-up eram muito populares entre os combatentes americanos da Segunda Guerra Mundial e eram bens tão preciosos quanto os fuzis M1 Garand, ou pistolas Colt 45. Sob o som das bombas, os soldados pareciam encantados por aquelas mulheres na parede, transbordando sensualidade e otimismo. Os belos desenhos se tornaram quase um amuleto patriótico. Na foto, vários militares ao lado do famoso bombardeiro B-17 conhecido como “Memphis Belle”, que realizou 25 missões de combate em 1943. No nariz do avião aparece um desenho de uma Pin-up girl feito pelo artista George Petty.
Foto e pintura de Gil Elvgren
Na atualidade o negociante de arte Louis K. Meisel compilou a maior parte do trabalho de Gil Elvgren na galeria Elvgren Great American Pin-up, parte da galeria de propriedade de Meisel, no bairro do SoHo, em Nova York. Meisel é responsável pelo ressurgimento do interesse no subconjunto de ilustrações americanas de Pin-up e é o maior colecionador de arte do gênero no mundo.
Foto e pintura de Gil Elvgren
Gil Elvgren, cujo nome verdadeiro era Gillete A. Elvgren nasceu em Saint Paul, Minnesota, em 15 de março de 1914, frequentou o Minneapolis Institute of Arts. Em seguida, ele se mudou para Chicago para estudar no American Academy of Arts. Ele se formou na Academia durante o período da Grande Depressão, com a idade de vinte e dois anos.
Foto e pintura de Gil Elvgren
Elvgren se juntou ao estável grupo de artistas que trabalhavam na agência de publicidade Stevens and Gross, a mais prestigiada de Chicago. Ele se tornou um protegido do talentoso artista Haddon Sundblom. Era um clássico ilustrador americano e um mestre ao retratar a sensualidade feminina, diante dos rígidos padrões morais da época.
Foto e pintura de Gil Elvgren
Elvgren foi um sucesso comercial, viveu em vários locais e foi ativo de 1930 a 1970. Faleceu em 29 de fevereiro de 1980.
[1]O cheesecake é um bolo muito popular nos Estados Unidos. É normalmente constituído por uma base de bolacha, um recheio à base de queijo, creme e ovos, e uma cobertura de fruta. Já era conhecido dos antigos gregos, mas, segundo os profissionais, existem “mais teorias sobre o bolo de queijo do que pessoas que saibam prepará-lo”.
Eu me fiz esta pergunta na primeira vez que vi em um cartaz esta imagem impressionante. Então eu vi a foto centenas de vezes, em centenas de lugares diferentes, como é seguro que você também já viu: esta foto é uma das mais vendidas em lojas de pôsteres de decoração e de lembranças na Europa.
O farol é chamado La Jument e é um dos mais espetaculares faróis da costa francesa. Fica a dois quilômetros ao largo da ilha de Ouessant e foi construído entre 1904 e 1911 para sinalizar um baixio rochoso muito perigoso, local de vários naufrágios.
A história da foto ocorreu em 21 de dezembro de 1989. O fotógrafo francês Jean Guichard, especializado em imagens de faróis, voou de helicóptero até La Jument em um dia de forte tempestade procurando a imagem perfeita dessas gigantescas ondas do Atlântico batendo contra a estrutura do farol.
No interior, o faroleiro Theophile Malgorn, que na época tinha cerca de 30 anos, ouviu o helicóptero passando repetidas vezes e pensou que algo de errado estava acontecendo; Talvez o piloto estivesse tentando entrar em contato visual com ele devido algum naufrágio, ou outro tipo de acidente. E em um movimento Malgorn abriu a porta para ver o que estava ocorrendo.
Toda a ação durou apenas alguns segundos. Guichard viu o homem na porta e o instinto de fotógrafo disse-lhe que havia uma composição perfeita: um homem e uma incrível força da natureza. Ele começou a fotografar no momento que uma nova e gigantesca onda de maré começou a abraçar com toneladas de fúria a estrutura do farol. Naquele momento, o faroleiro Malgorn, junto às dobradiças da porta, ouviu um trovão seco, algo com uma força brutal (o impacto da onda de frente do farol) e sabia que tinha cometido um erro terrível. Tão rápido quanto ele abriu, ele fechou a porta, apenas um milésimo de segundo antes da onda varrer tudo. Ele ficou vivo por um verdadeiro milagre.
Guichard conseguiu sete fotos sequenciadas através do motor da câmera que o tornaria e, em 1990, obteve o prêmio World Press Photo.
O faroleiro Theophile Malgorn ainda vive na ilha de Ouessant e não gosta de falar sobre a foto que o tornou famoso. Ele comentou com amigos que ficou muito na época porque ele havia sido colocado em uma situação de risco mortal irresponsavelmente e além de tudo visando uma questão comercial; Por profissionalismo ele saiu para ver o que estava acontecendo com aquele helicóptero que circulava o farol e aquilo quase lhe custou a vida. Mas, logo depois o fotógrafo Guichard foi visitá-lo em sua casa e lhe presenteou com uma foto autografada do “momento decisivo”, como dizia Cartier Bresson – e se tornaram bons amigos.
O último faroleiro deixou La Jument em 26 de Julho de 1991. Desde então o farol opera de forma automática. Theophile Malgorn atualmente possue a função de telecontrolador do farol de Creac’h Lighthouse, também em Ouessant.
Vizinhos muitas vezes o veem passeando com seus cães ao longo da trilha que existe na costa da ilha, olhando para o mar selvagem batendo nas falésias, observando a forma escura dos faróis, onde ele passou em sua juventude inúmeros momentos de solidão em uma úmida, sala escura, enquanto lá fora o mar tentava derrubar a estrutura que o protegia.
Os faroleiros franceses como Theophile Malgorn são (ou eram) pessoas muito especiais. Solitários, tinham todo o tempo do mundo para escrever, pintar ou esculpir. Filósofos de uma vida que poucos seriam capazes de suportar em dias de informações instantâneas.
É por isso que atualmente estes homens acham difícil se adaptar a uma vida sedentária, controlando um farol na frente de um computador, em uma sala limpa, aquecida, depois de terem sido os últimos em um mar romântico; filósofos solitários, a cada noite com as luzes acesas, salvando vidas de marinheiros anônimos que nunca iriam conhecê-los ou lhes agradecer pelo seu trabalho.
Existem livros inteiros falando de Cinema Novo, e de como Gláuber foi importante para este movimento e para a história do cinema brasileiro. Eu não discordo disso, mas já estava tão acostumado a colocá-lo entre os meus cineastas favoritos, que sou obrigado a questionar-me de vez em quando sobre quanto desta admiração é sincera e quanto é acomodação; falar que aprecia porque todo mundo, entre os que se declaram intelectuais, apreciam. Eu acho que este exercício é sempre muito proveitoso, desde que não se torne uma paranoia.
Acontece que eu, até certo período de minha “vida cinéfila”, acreditei que só o cinema europeu era cinema de verdade, e por isso seria natural que eu intitulasse o Gláuber como meu diretor brasileiro favorito (ele sofreu bastante influência de cinema europeu). Já tinha na ponta da língua a minha lista de diretores favoritos, que incluía nomes como Godard, Bergman, Luchino Visconti, Tarkovsky, Fassbinder e Fellini. Mas de uns dois ou três anos pra cá, tenho estado muito mais próximo do cinema americano, do cinema de gênero, dos filmes policiais dos anos 70, dos exploitations italianos, dos westerns, dos noir, dos melodramas protagonizados por Joan Crawnford, Bette Davis e Barbara Stanwick.
E quanto ao cinema brasileiro, eu descobri o cinema da Boca do Lixo e o cinema da década de 70 em geral, amparado por alguns blogs que fizeram o resgate destes filmes tão ridicularizados ou simplesmente ignorados no passado, e pelo Canal Brasil, é claro, já que grande parte destes filmes não tem lançamento em DVD. Mas a minha influência maior neste processo foi, sem duvida, o blog de Andrea Ormond, Estranho Encontro. Eu me sentia incentivado a perseguir os filmes que ela comentava, encontrando alguns deles na internet, e aguardando ansiosamente por exibições de alguns deles nas madrugadas do Canal Brasil.
Depois de descobrir que o cinema ia muito além do que eu imaginava, que o cinema americano não tem interesses apenas comerciais, que o cinema brasileiro teve na década de 70 seu período de atividade mais intensa, que o cinema de gênero pode ser muito interessante, e que os recursos utilizados pelos diretores vinculados ao cinema de arte não são infalíveis; eu fiquei com uma grande indagação: e agora?
O que fazer com os Pasolinis, com os Antonionis, com os Bergmans, e com os Tarkovskys? Trocar todos estes por aqueles seria muito óbvio, e muito hipócrita. Idolatrar tudo que é popular e condenar o erudito, é uma atitude tão burra, como idolatrar o erudito e condenar o pop (essa discussão é interminável). Mas eu aprendi que não existe uma forma certa de fazer cinema. Se existisse não teria graça. Eu me impressionei bastante com algumas produções da Boca, e acho um absurdo que algumas destas não encabecem listas de melhores filmes brasileiros. Contudo já revi filmes do Gláuber mais recentemente e não posso deixar de admirá-los.
Então, depois dessa longa introdução falemos de Gláuber. Eu revi “Deus e O Diabo na Terra no Sol’’ e a primeira coisa que me saltou aos olhos foi que não se pode analisar o diretor apenas em termos de sua contribuição para o Cinema Novo. Os cinemanovistas eram parceiros, intelectuais de esquerda que tinham muitas referências em comum, e que tinham como objetivo principal criar uma forma de expressão legitimamente brasileira, calcado principalmente nas referências ao neorrealismo e à nouvelle vague, e no repudio às chanchadas da Atlântida, e às imitações da Vera Cruz das produções hollywoodianas.
Antes de mais nada, poderíamos questionar esse posicionamento do Cinema Novo, em relação ao cinema que se fazia no nosso país até então. Acho louvável que eles quisessem implantar suas influências de cinema europeu em suas produções, e que tenham intencionado criar algo novo, mas é no mínimo estranho que um movimento que pretendia desvendar a cultura brasileira, recusasse, por exemplo, as chanchadas protagonizadas por Grande Otelo e Oscarito. E esse discurso antiamericano é extremamente desgastante. O fato é que Gláuber Rocha compartilhava destes posicionamentos que, como eu já disse, considero questionáveis, mas em sua forma de fazer cinema, não ficava restrito às lições do Cinema Novo.
Em “Deus e o Diabo…’’ temos um diretor que, apesar de adotar algumas medidas que se associem facilmente ao neorrealismo, no engajamento social e na denuncia das mazelas de seu país, e à nouvelle vague, no trabalho de câmera ousado, como no belíssimo travelling, já tão famoso, e no uso de câmera na mão; vai muito além disso. Talvez nesse aspecto Glauber seja muito associado à Godard: os dois não conseguiram restringir-se aos movimentos que encabeçaram, pois tinham ideias maiores.
E isso talvez explique a admiração mútua entre os dois cineastas. No filme de 1964 vemos o uso frequente de teatralidade, que não ia de encontro aos ideais neorrealistas, e que salvo engano, não foi utilizado pelos outros cinemanovistas. Temos um rigor estético, que também não foi visto em outros filmes brasileiros da época. Em alguns enquadramentos a posição dos personagens no espaço filmado é muito marcada, e a movimentação é meticulosamente ensaiada, o que o diferenciaria, creio eu, dos filmes da nouvelle vague.
Eu já li que Gláuber Rocha sofreu influência de Kurosawa, e acho que não seria errado associar esta meticulosidade ao diretor japonês: as atuações que vemos em filmes como Rashomon e Trono Manchado de Sangue são bastante teatrais, e viscerais, com um posicionamento dos personagens muito bem calculado. A identificação da influência do teatro de Brecht também seria cabível, mas minhas limitações intelectuais impedem-me de aprofundar-me nesta questão.
A questão é: o segundo longa de Gláuber tem imagens maravilhosas, atuações impressionantes, a música de Villa Lobos no momento que talvez seja o mais emblemático do filme, e diálogos poéticos, muito bem escritos. Mas em relação ao conteúdo do filme? A crítica às alegorias de Gláuber, ao seu excesso de hermetismo, e de discursos políticos e sociais, procede? Essa é uma questão complicada. “Deus e o Diabo…” não é meu filme favorito do Gláuber (eu prefiro Terra em Transe), mas revendo o filme pela quarta ou quinta vez, eu tenho que afirmar: Gláuber é cinema! Eu reconheço que ele andou se confundindo na década de 70, mas se “Deus e o Diabo…’’ e “Terra em Transe” não são cinema, eu realmente não sei o que é cinema.
Eu já citei em outra postagem uma frase do Kurosawa, em que ele afirma que os grandes filmes tem no máximo uns 5 minutos de puro cinema, e que os filmes dele também tem essa quantidade, e ele se sente satisfeito com isso. E Gláuber consegue no filme de 64 vários momentos de puro cinema: bem mais do que outros diretores consagrados. Um amigo meu, que me acompanhou na exibição me falou que tem a impressão de que o Gláuber está dizendo: “olha só o que sei fazer com a minha câmera”. Eu não vejo problema algum nisso. A arte não está livre do ego do artista. Fazer arte não deixa de ser o ato de se gabar das influências que tenha, ou das influências que se é capaz de superar, criando algo novo. Acho que Gláuber cria, constrói e desconstrói neste filme.
O roteiro de “Deus e o Diabo…” realmente não chega ao nível de genialidade da direção do cineasta baiano. Os que já estão familiarizados com os romances regionalistas não verão novidades no drama do sertanejo Manoel. Gláuber não optou por uma humanização do personagem , a exemplo do que fez Graciliano Ramos, no clássico da literatura “Vidas Secas”, ao falar da vida no sertão.
A universalização do sertão de Guimarães Rosa, com o sertanejo questionando o seu mundo, mesmo recluso nos limites de terra delimitados por uma cerca, também não dá as caras por aqui. Manuel é só mais um sertanejo pobre, que poderia ser José, João ou Joaquim. Não há desenvolvimento do personagem; ele é só mais um dentre muitos que são ludibriados pela religião, e que entram para o cangaço por não ter nenhuma perspectiva de vida. A mulher de Manoel, Rosa, me chamou mais atenção desta vez, do que nas outras vezes em que eu vi no filme.
Ela é submissa, não tem voz no contexto onde está inserida, e por isso tem pouquíssimas falas ao longo do filme. Mas Gláuber a coloca em uma posição de observadora e de julgadora das ações do marido. Yoná Magalhães, em interpretação espetacular, fala com seu olhar inquisidor, o que não tem chance de falar com palavras. Ela tem uma visão muito lúcida e racional, não se deixa ludibriar pelas promessas de um paraíso vindouro feitas por São Sebastião, enquanto seu marido é cegado pela fé.
O que ocorre, porém, é que essas características não são próprias da personagem; estão muito mais ligadas a uma concepção da mulher como voz da razão da família, que embora não possa seguir o papel de chefe, está sempre apta a aconselhar o marido, com argumentos sensatos. A figura feminina, nestes termos, já foi usada no cinema e na literatura inúmeras vezes, e faz parte do senso comum. Rosa não passa, portanto, de uma alegoria. Uma alegoria bem feita, mas ainda assim, uma alegoria. A crítica à religião, visto como um instrumento alienante, que parece ser o mote do filme, e que já havia sido tratado no primeiro longa de Gláuber, Barravento, também não é muito aprofundada, embora gere algumas cenas de grande impacto visual e cênico.
Concluindo, eu digo novamente que eu ainda considero “Deus e o Diabo…’’ uma obra-prima, mas que existem algumas ressalvas que podem ser feitas a respeito do filme, e algumas limitações em seu discurso. A revolução e a fúria da imagem de Gláuber não são acompanhadas por um roteiro muito bem desenvolvido. Já em “Terra em Transe’’ Gláuber encontraria seu lugar. Abraçaria o caos. Em Terra em Transe, além de imagens delirantes, temos os delírios do personagem. Nesse filme, a fúria, a ambição revolucionária e o desespero do personagem, a “fome do absoluto”, do protagonista Paulo Martins, formam um encaixe perfeito com as alucinações do próprio Gláuber e com a revolução cinematográfica que o diretor queria implantar aqui no país.
Terra em Transe é um filme grande em todos os aspectos, e as limitações de roteiro do filme de 1964, são superadas neste filme de 1967. Aqui os discursos esquerdistas e populistas, que seduziam tão facilmente os intelectuais da época, inclusive os cinemanovistas, dão lugar a uma postura mais crítica e desconfiada. A reprodução de estereótipos da vida sertaneja daria lugar a uma revisão complexa das correntes políticas que surgiram no Brasil a partir da década de 30.
E o diretor se permitiria usar do humor e do deboche para retratar o conservadorismo e o populismo e as falhas de discurso de ambas as correntes, de uma forma que com certeza ganharia a aprovação de Sganzerla. Terra em Transe ainda é meu filme brasileiro favorito. Nele Gláuber Rocha está em seu ápice de loucura e de criatividade, arriscando como sempre e acertando mais do que jamais fizera em qualquer outro filme seu.
AUTOR – LUÍS ANTÔNIO DE SÁ
FONTE DO TEXTO E DAS FOTOS – BLOG MARAVILHAS CONTEMPORÂNEAS –
Nesta última quinta-feira, dia 12 de março de 2015, ocorreu no Salão Nobre do centenário Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), na Rua da Conceição, 622, Centro, a entrega de 20 diplomas aos novos sócios efetivos da UNIÃO BRASILEIRA DE ESCRITORES – SECÇÃO DO RN (UBE-RN).
Recebendo o diploma de Sócio Efetivo da UBE-RN das mão do presidente Roberto Lima.
Em uma reunião singela, mas significativa, junto comigo receberam a mesma honraria Aline Pereira Gurgel, Cícero Martins de Macedo Filho, Diulinda Garcia de Medeiros Silva, Dione Maria Caldas Xavier, Eulália Duarte Barros, Gilvânia Machado, Geraldo Ribeiro Tavares, Ion de Andrade, José Ivam Pinheiro, José Evangelista Lopes, José de Castro, Liacir dos Santos Lucena, Luiz Gonzaga Cortez Gomes de Melo, Maria Audenôra das Neves Silva Martins, Moacir de Lucena, Odúlio Botelho Medeiros, Lucimar Luciano de Oliveira, Rinaldo Claudino de Barros, Tânia Mara Silva de Lima e Thiago Gonzaga dos Santos.
Mesa do evento, onde temos da esquerda para direita Eduardo Gosson (Vice presidente da UBE-RN, Roberto Lima (Pres. UBE-RN), Diógenes da Cunha Lima (Pres. da ANL – Academia Norte riograndense de Letras) e Ormuz Simonetti (Vice presidente do IHGRN)
A UBE-RN foi fundada no dia 14 de agosto de 1959, sendo a quarta instituição cultural mais antiga do Rio Grande do Norte. A primeira reunião oficial aconteceu nas dependências do IHGRN. A ideia partiu do jornalista, escritor e magistrado Edgar Barbosa durante a Semana de Estudos Euclidianos, promovida em Natal com o apoio de diversas instituições.
Além de Edgar Barbosa, nesta histórica reunião estavam presentes figuras como o escritor Umberto Peregrino, Aldo Fernandes, Alvamar Furtado, Grimaldi Ribeiro, Dióscoro Vale, Raimundo Nonato e Manoel Rodrigues. A diretoria aclamada para a organização da UBE – Secção do Rio Grande do Norte – ficou assim constituída: Raimundo Nonato – Presidente; Manoel Rodrigues de Melo, Vice-Presidente e Afonso Laurentino – Secretário . Essa Diretoria Provisória preparou o Estatuto e organizou o processo eleitoral em 14 de novembro de 1959, três meses depois, sendo eleitos os seguintes escritores para o biênio 1960/1961:
Junto ao escritor Thiago Gonzaga dos Santos.
(1ª Diretoria)
Raimundo Nonato da Silva, Presidente;
Paulo Pinheiros de Viveiros, 1º Vice-Presidente;
Manoel Rodrigues de Melo, 2º Vice-Presidente;
José Saturnino de Brito, 3º Vice-Presidente;
Afonso Laurentino Ramos, Secretário Geral;
Berilo Wanderley, 1º Secretário;
Leonardo Bezerra, 2º Secretário;
Antídio de Azevedo, 1º Tesoureiro;
Jaime dos G. Wanderley, 2º Tesoureiro.
Junto ao Presidente da Academia Norte riograndense de Letras, o advogado e escritor Diógenes da Cunha Lima.
Já o Conselho Fiscal era formado por Câmara Cascudo, Edgar Barbosa, Alvamar Furtado, Esmeraldo Siqueira e Américo de Oliveira Costa. Naquele 1959 a UBE-RN tinha como seus Vogais os seguintes escritores – Antônio Soares Filho, Vingt-un-Rosado, Jurandir Barroso, Zila Mamede e Veríssimo de Melo.
Junto a amiga Dione Maria Caldas Xavier
Através de um Comunicado datado de 19 de novembro de 1959 e endereçado ao Presidente da UBE nacional, escritor Peregrino Júnior, o escritor Raimundo Nonato da Silva, Presidente da UBE-RN, comunicou a eleição da 1ª diretoria da entidade, bem como solicitou a filiação da UBE-RN à UBE nacional, com sede no Rio de Janeiro.
Com Roberto Lima, Presidente da UBE-RN
Tempo atrás recebi do Presidente da UBE-RN, o poeta Roberto Lima de Souza a informação que ele iria apresentar o meu nome para fazer parte da instituição. Recebi esta notícia com extrema honra e gratidão.
Feliz ao lado da minha mulher Isa Cristina.
Salvo engano, ao longo de 56 anos de atividades, já com a entrada destes 20 novos sócios efetivos, pelos quadros da UBE-RN constam os nomes de 309 sócios, divididos em seis categorias. O que mostra como se escreve muito no Rio Grande do Norte.
Na entrada do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN)
Recebendo da Governadora Rosalba Ciarline a Medalha do Mérito Cultural Professor Deífilo Gurgel – Foto – Eduardo Alexandre Garcia
A Secultrn/FJA realizou nesta quarta-feira, 17 de dezembro de 2014, a solenidade de Outorga da Medalha do Mérito Deífilo Gurgel, às 18h, no Salão Nobre do Teatro Alberto Maranhão. O mérito tem por objetivo reconhecer e valorizar o trabalho de pessoas que se destacaram na salvaguarda da cultura de tradição.
O Mérito Deífilo Gurgel foi criado em 2013, durante as festividades do 3º Agosto da Alegria. O maior homenageado da solenidade da Medalha é o próprio Deífilo Gurgel, que dedicou anos de sua vida à pesquisa e promoção da cultura popular do Rio Grande do Norte.
Deífilo foi diretor de Promoções Culturais da Fundação José Augusto e presidente da Comissão Norte-rio-grandense de Folclore, além de ter lecionado a cadeira folclore brasileiro na UFRN, por 12 anos. Ele se orgulhava de ter “descoberto” a romanceira D. Militana, de São Gonçalo do Amarante, o mamulengueiro Chico Daniel e o mestre Manoel Marinheiro. Publicou vários livros sobre folclore.
Nesta 2ª edição da entrega da medalha, foram homenageados 12 nomes da cultura potiguar, entre artistas, estudiosos, gestores, pesquisadores e instituições, em cerimônia com a presença da Governadora do Estado Rosalba Ciarlini e da Secretária Extraordinária de Cultura Isaura Rosado.
Entre os homenageados estão Cláudio Augusto Pinto Galvão, historiador e gestor público; Carlos André Lopes, cantor, compositor e produtor artístico; Gibson Machado Alves, professor, pesquisador e produtor cultural; Maria das Graças Cavalcante, presidente da Associação Potiguar do Teatro de Bonecos (APOTB); Tião Oleiro, mestre de Congo (Dança Popular); Paulo de Medeiros Gastão, pesquisador e idealizador da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC); Rostand Medeiros, escritor e guia de turismo; Racine Santos, dramaturga, fundadora a Associação dos Dramaturgos do Nordeste. Ricardo Elias Ieker Canella, professor, doutor e pesquisador na área de culturas populares; e Roberto Lima, poeta, compositor e escritor. Na categoria Instituição, a homenagem vai para o Programa Biblioteca Para Todos, e na homenagem aos Brincantes, o Pastoril Dona Joaquina receberá a medalha de mérito.
Programação segue às 19h, nos jardins do TAM, onde será lançado o livro Royal Cinema – Uma Valsa Centenária, de Claudio Galvão, nº 64 da Coleção Cultura Potiguar, com encarte de um CD da Valsa Royal Cinema, cuja renda será revertida para a Liga Norte-rio-grandense Contra o Câncer. Apresentações artísticas começam às 20h, com o espetáculo Quebra-Nozes da Cia. de Dança do Teatro Alberto Maranhão e Concerto da Orquestra Sinfônica do RN.
Apertando a mão da Secretária Extraordinária de Cultura Isaura Rosado, junto com o sub-secretário de agricultura do governo potiguar e ex-prefeito de Carnaúba dos Dantas, Valdenor Euclides
Muita honra receber esta medalha ao lado de um homem que para mim é um verdadeiro gênio – O Professor Claudio Galvão.
Junto a Iaperi Araújo, escritor, pesquisador e Presidente do Conselho Estadual de Cultura do Rio Grande do Norte
Aqui com o amigo Haroldo Pinheiro Borges, grande figura, grande simpatia, escritor de mão cheia e pesquisador de primeira.
Com os velhos amigos Ricardo Sávio Trigueiro de Morais e Solon Almeida Netto.
Con mi gran amigo de Argentina, una gran persona y un estudioso de la historia de la Segunda Guerra Mundial. Gracias por su participación en este evento German Zaunseder.
Convite para a Medalha do Mérito Cultural Professor Deífilo Gurgel
Para minha enorme e grata surpresa fui um dos escolhidos para receber neste ano de 2014 a Medalha do Mérito Cultural Prof. Deífilo Gurgel, a mais importante comenda cultural do Rio Grande do Norte.Esta comenda se torna ainda especial para mim, pois tive duas marcantes oportunidades de manter contato com o Mestre Deífilo Gurgel. Guardo estes momentos com extrema nitidez na minha memória.Meu primeiro encontro foi no lançamento do seu livro “Espaço e tempo do folclore potiguar”, em 19 de agosto de 1999 e tenho muito apreço pelo meu exemplar assinado por ele. Apesar deste se encontrar já todo riscado e bastante mexido de tanto que o leio e utilizo em minhas pesquisas.Em 2007, ou 2008, tive a oportunidade de me reencontrar com ele e poder conversar um pouco mais.
Mestre Deífilo Gurgel – Foto – Canindé Soares
Na época eu trabalhava no Arquivo Público e Mestre Deífilo precisava de alguns materiais históricos, se não me engano para uma pesquisa sobre Mário de Andrade. Com autorização da direção, eu me comprometi a procurar e lhe entregar o dito material. Dias depois, em um sábado, me lembro de ir à casa do seu filho Alexandre, em um apartamento na Jaguarari e lhe entreguei algumas fotos de jornais antigos. Não fiz esta tarefa apenas por uma obrigação de trabalho, ou por dinheiro, mas por admiração a alguém que tanto lutou pela nossa cultura. Uma pena não ter sido seu aluno. Até hoje me recordo impressionado tanta delicadeza naquele corpo franzino, junto com uma extrema e sincera humildade.Receber uma medalha com o nome deste homem, conhecendo o seu trabalho e sua luta pela cultura do nosso Rio Grande do Norte é algo que me deixa muito feliz!O legal é que vou está ao lado de pessoas as quais tenho enorme respeito, como o o amigo Paulo Gastão, o Professor Cláudio Augusto Pinto Galvão, o Professor Roberto Lima, Racine Santos e a todos os indicados.Por isso meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que frequentam as páginas do nosso blog TOK DE HISTÓRIA, ou aos que já leram meus livros, aos meus familiares pela força em continuar com meu trabalho, especialmente a minha esposa Isa Cristina, e pela indicação a receber esta medalha de mérito. Este prêmio é simplesmente combustível para seguir adiante com meus trabalhos e continuar sempre perseguindo o objetivo de democratizar a informação, principalmente em relação à história da minha região.Forte abraço a todos. Rostand Medeiros
Em um passado já distante, quando Natal ainda era uma pequena capital, antes até da existência do Teatro Alberto Maranhão, ocorreu um espetáculo teatral na região do Barro Vermelho que marcou época e ficou na mente dos natalenses por décadas. Como foi este espetáculo e um pouco da vida de Joaquim Lourival, um dos atores desta apresentação e um homem que foi uma grande fonte de informações históricas para Luís da Câmara Cascudo.
História do Teatro em Natal
O historiador Cláudio Augusto Pinto Galvão, em seu maravilhoso sobre a história do Teatro Alberto Maranhão, intitulado “100 anos de arte e cultura – Teatro Carlos Gomes – Teatro Alberto Maranhão” (Natal : Ed. RN, 2005), informa que a mais antiga notícia documentada sobre uma encenação na cidade de Natal deve-se a uma correspondência de D. João V, rei de Portugal, datado de 23 de agosto de 1730 e dirigida ao Governador e Capitão-general da Capitania de Pernambuco, em que informa que o Capitão-mor do Rio Grande (do Norte), em carta dirigida à Sua Majestade, comunica que, ao tomar conhecimento do casamento do príncipe português D. José com a princesa espanhola Dona Maria Ana, fez festejar devidamente o evento nessa capitania, com nove dias sucessivos com comédias e várias festas de cavalo e outras celebridades iluminando-se três noites todas as casas da dita cidade avantajando-se nas ruas, pois se acendiam nela oitenta luzes cada noite sendo toda esta despesa a sua custa, assim descreve o documento.
As imagens que aqui apresentam teatros e peças teatrais do século XIX, são da coleção da Biblioteca Nacional, mas servem apenas de caráter ilustrativo. Nenhuma delas mostra teatros em Natal no século XIX.
Segundo Luís da Câmara Cascudo, no seu livro “História da cidade do Natal” (Páginas 215 a 217, 3ª Ed. Natal, 1999), os documentos existentes sobre o teatro em Natal apontam que em 1841, havia um barracão de palha onde funcionava a Sociedade do Teatro Natalense. Este simples local de apresentação teatral foi construído na antiga praça Gonçalves Ledo, onde atualmente se encontra o prédio do antigo Dispensário “Sinfrônio Barreto”. Sob a batuta de Matias Carlos de Vasconcelos Monteiro, era uma sociedade amadora, onde mulheres não participavam das peças teatrais e que em pouco tempo teve o barraco de palha incendiado. Matias Carlos tentou conseguir apoio governamental, mas quando este saiu em 1843, a sociedade já tinha sido desfeita. Cláudio Galvão aponta que nem são conhecidas as razões da desistência e não há mais notícia do “teatro” da Sociedade de Teatro Natalense[1].
Devido ao autor do texto não possuir fotos de Natal na década de 1880, as ilustrações utilizadas para mostrar a capital potiguar são dos anos finais do século XIX e as primeiras décadas do século XX.
Outros grupos teatrais surgiram em vários locais da cidade, com peças continuando a serem realizadas em simples barracões de palhas. No mesmo local onde a Sociedade do Teatro Natalense construiu seu primitivo local de apresentação, um novo barracão foi construído por outro grupo teatral e novamente queimado em 31 de dezembro de 1853. Iluminar estas apresentações com lampiões a querosene era fogo, literalmente falando!
No ano seguinte, a Sociedade Theatral Apóllo Riograndense alugou uma casa ao negociante português Manoel dos Santos Martins Romano. Aparentemente na capital potiguar esta foi a primeira casa onde se realizou uma peça teatral feita de alvenaria. Cláudio Galvão aponta que o imóvel localizava-se onde se encontra o Instituto Histórico e Geográfico, com a frente para a Rua Grande, atual Praça André de Albuquerque. Consta que lá ocorreram apenas duas apresentações[2].
Outras casas, por outros grupos teatrais amadores foram alugadas e espetáculos eram realizados com muito improviso.
Em 1860 foi realizada uma tentativa oficial de criação de um teatro, o que mostra que havia um anseio, talvez uma cobrança, da população natalense por uma casa de espetáculos digna do nome. Mas esta tentativa não deu certo.
Entre 1865 e 66, em pleno período da Guerra do Paraguai (que ocorreu entre 1864 e 1870), no mesmo local onde o teatro da Sociedade de Teatro Natalense havia sucumbido ao fogo, um terceiro teatro de palha foi construído. Aparentemente esta casa seguia seu curso de apresentações de maneira positiva, proporcionando ao natalense um pouco de diversão entre os dias modorrentos de cidade provinciana e as notícias da guerra. Mas em uma noite de espetáculo o alferes Rolim Cavalcanti de Albuquerque cercou o local com uma patrulha militar e prendeu seis homens que foram levados a força para o Quartel local e encaminhados para combater os paraguaios nos batalhões de Voluntários da Pátria[3].
Conflito armado entre militares e civis brasileiros, no período da Guerra do Paraguai. Esta cena poderia ser parecida com a ocorrida no conflito do antigo teatro.
Logo o barracão de palha foi queimado. Existem duas versões para o episódio. Em uma o fogo realizado a mando do Alferes Rolim, como castigo para aqueles que deixavam as obrigações militares para assistir funções teatrais. Já a outra versão, a mais aceita, foi que o teatro de palha foi queimado pelo povo de Natal para evitar que o local servir-se de nova “ratoeira” para levar jovens para a guerra.
Um Recanto Natalense
O Barro Vermelho é hoje um dos bairros centrais da nossa cidade, ainda com muitas casas antigas, mas que vai se verticalizando rapidamente. Luís da Câmara Cascudo aponta na página 257, do seu livro “História da cidade do Natal” (3ª Ed. Natal, 1999), que esta região de Natal foi uma “Antiga área de sítios, casas de veraneio, longe do mar e da mata, onde aconteceram festas memoráveis e maravilhosas festa juninas”[4].
Um destes sítios pertencia ao Vigário Bartolomeu Fagundes de Vasconcelos, conhecido como padre Memeuzinho. Homem que gostava das artes, maçom, foi o padre que abriu as portas de sua propriedade para que no dia do nascimento de Jesus Cristo de 1886, ali ocorresse as apresentações teatrais[5].
Quase 33 anos depois, o Professor Joaquim Lourival Soares da Câmara, conhecido popularmente como Professor Panqueca, concedeu uma entrevista sobre aquele memorável espetáculo que ficou na mente dos antigos natalenses. Lourival era conhecido na pequena Natal por ser um homem que tinha uma memória prodigiosa, que lhe proporcionava um vasto e profundo conhecimento dos costumes de outrora, que via o presente como um fardo insuportável e que tinha nas recordações do passado um dos consolos da vida. Mas além de tudo isso, Joaquim Lourival foi um dos atores daquele espetáculo.
Parte do relato do conhecido Professor Panqueca, publicado com destaque na primeira página da edição de 14 de dezembro de 1911 do jornal natalense “A República”
O relato foi publicado com destaque na primeira página da edição de 14 de dezembro de 1911 do jornal natalense “A República”[6].
Recordações de Uma Noite Maravilhosa
O autor do texto de 1911 utilizava o pseudônimo de Paulo da Terra. Este encontrou o velho Professor na sua casa, no final da tarde, descansando na sua velha espreguiçadeira e com uma bíblia na mão, livro ao qual ele denominava holofote dos céus.
Rio Potengi
Em uma Natal onde existiam mais cata-ventos para retirar água dos poços artesianos, do que automóveis circulando pelas ruas esburacadas, Joaquim Lourival vivia no final da poeirenta Rua dos Tocos, atual Avenida Princesa Isabel, já nas proximidades da igualmente contemporânea Avenida Deodoro.
Em meio a uma prosa reproduzida em parte pelo jornal, Paulo da Terra perguntou a Joaquim Lourival, homem nascido no ano de 1849, como ele via as mudanças em uma Natal que crescia muito para os padrões da época. Para o velho Mestre o presente lhe invadia a alma de tristeza, enquanto o passado lhe trazia consolação[7]. Preferia o passado, pois não era um homem de deixar amores velhos por novos. Dispensava concertos de palácios para ouvir modinhas cantadas por Botelho, ao som do violão de Heronildes. Era um homem que ainda gostava das Lapinhas e recordava com extrema satisfação as ocasiões em que ia para os “pagodes” da praia da Redinha e dos teatros do Barro Vermelho[8].
Nesse ponto o articulista Paulo da Terra buscou mais informações sobre estes espetáculos teatrais e comentou que não era primeira vez que ouvia falar destas apresentações.
O teatro possuía uma enorme importância na sociedade brasileira na década de 1880.
A apresentação trouxe uma grande multidão, que para o jovem ator Lourival deixou o perímetro da cidade “sem ninguém”. Era o dia 25 de dezembro de 1868, um sábado, era o Presidente da Província, o governador da época, Manuel José Marinho da Cunha, que havia tomado posse do cargo a menos de dois meses e este se fez presente a função com toda seu séquito[9].
Joaquim Lourival tinha entre 17 e 18 anos e foi o protagonista do drama “Camila no subterrâneo ou os alteadores do Montenegro”, do italiano Camillo Frederici[10]. Era a primeira tentativa de se fazer teatro ao ar livre em Natal, aproveitando a noite de lua clara e muitos colaboraram com candeeiros para iluminar o local. Não houve incêndios!
Claudio Galvão, em sua tese de doutorado em história intitulada “Alguns compassos – Câmara Cascudo e a musica (1920 – 1960)”, na página 19, traz um texto do folclorista Câmara Cascudo, através dos relatos do Professor Joaquim Lourival, sobre a peça apresentada no sítio do Barro Vermelho e publicada em um dos capítulos do livro “Histórias que o tempo leva” (1ª ed. Editora Monteiro Lobato, S. Paulo, 1924).
Devido aos preconceitos e as regras sociais da época, nenhuma jovem natalense aceitou o convite de fazer parte do grupo teatral e coube a um jovem ator fazer o papel de uma protagonista da peça. Mas ele foi dublado por uma veterana atriz chamada Maria Epiphania, a quem Câmara Cascudo conheceu pessoalmente e faleceu idosa em 1918. Talvez ela não tenha participado deste evento no Barro Vermelho devido a sua idade e por exigência do roteiro, pois já havia encenado esta mesma peça dez anos antes.
Pouco antes de iniciar a função teatral, mesmo sem explicar a razão, descobriram que não tinha como ser apresentada nenhuma música. Foi o Senhor José Macabeu de Vasconcelos que se lembrou que em casa tinha um realejo de corda e correu a sua residência para pegar o instrumento e salvar o espetáculo. Em sua entrevista ao articulista Paulo da Terra, Joaquim Lourival fala deste realejo, mas informa que também havia flautas, um violino e a apresentação seguiu tranquila para deleite dos antigos natalenses. Houve grande alegria com a apresentação teatral ao ar livre.
A apresentação teatral de 25 de dezembro de 1886 terminou com fogos e balões, quase uma festa junina.
Era alta madrugada quando o espetáculo terminou. Foram soltos balões e disparados vários fogos de artificio.
Diferenças Deixadas de Lado
Mas enfim, porque este espetáculo marcou época em Natal?
Ocorreu um grande afluxo de autoridades e de pessoas do povo ao Barro Vermelho. Aquele congraçamento coletivo, com a presença do presidente da província (o que garantia que ações como a realizada pelo alferes Rolim não se repetissem), igualmente aliviava as tensões.
Não podemos esquecer que a Guerra do Paraguai estava no seu quarto ano e filhos da terra morriam, ou ficavam aleijados em terras distantes. Para aliviar o fardo da saudade nada melhor do que assistir na noite de natal a um belo trabalho teatral, de forma coletiva e democrática.
Aparentemente foram deixadas de lado as provincianas diferenças de classe existentes na pequena Natal e todos que ali estavam aproveitaram muito aquela noite do nascimento de Jesus Cristo em 1868.
Foi uma noite onde as coisas funcionaram a contento, mesmo com certas doses de improviso. E não ocorreram incêndios!
Evidentemente que o trabalho daqueles que estavam no palco e nos bastidores deve ter sido singular. A produção, mesmo sendo tida como simples, parece ter sido muito bem trabalhada pelos atores e a peça do italiano Camillo Frederici caiu no gosto popular.
Joaquim Lourival comentou que a repercussão foi tanta que nos dias posteriores o poeta e acadêmico Manoel Quintiliano dedicou um poema ao espetáculo, que foi publicado com destaque nos jornais de Natal. Em 1911 o velho Professor ainda lembrava das estrofes.
Claudio Galvão aponta, em outro escrito de Câmara Cascudo no livro “Histórias que o tempo leva”, que ocorreu a realização de uma reprise atendendo a inúmeros pedidos, no mesmo local, a 1º de janeiro de 1869.
Parece que Dionísio, o deus grego do teatro, ajudou para que aquela noite de natal, em Natal, fosse mágica e inesquecível!
O Destino de Um Amante da História
Na primeira página do jornal “A República”, de 13 de setembro de 1926, temos a notícia do falecimento de Joaquim Lourival.
Em um longo obituário soubemos que o fato ocorreu na sua casa, às 22 horas de 10 de setembro e houve grande consternação em Natal. Ao seu velório compareceram o governador José Augusto Bezerra de Medeiros e várias autoridades. Tinha o velho Mestre 77 anos de idade, era filho do poeta Lourival Açucena e foi também Professor do poeta Ferreira Itajubá. Era membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Grau 33 da Maçonaria potiguar e estava aposentado. Mas não inativo!
“A República”, de 13 de setembro de 1926, notícia do falecimento de Joaquim Lourival.
Temos a notícia que a sua casa era sempre procurada por aqueles que desejavam saber mais da história da capital potiguar, desde tempos coloniais, sendo ele considerado “tradição viva” da cidade. Grande sabedor da cultura popular, dono de uma memória prodigiosa, Joaquim Lourival Soares da Câmara foi um grande informante de Cascudo e de outros pesquisadores sobre a Natal antiga.
Nas década de 1880, a imagem mais comum ao período natalino estava sempre focada na figura de Jesus Cristo.
Pessoas como o Professor Joaquim Lourival Soares da Câmara, o conhecido Professor Panqueca, merecem todo nosso respeito e admiração. Principalmente por não deixarem a história morrer e democratizarem a esta informação junto aos mais jovens que valorizam o conhecimento do passado.
– COM ESTA HISTÓRIA SOBRE UM INTERESSANTE MOMENTO DAS ARTES NA MINHA MARAVILHOSA CIDADE E A LEMBRANÇA DE UM HOMEM QUE AMAVA A HISTÓRIA, DESEJO A TODOS QUE FREQUENTAM O NOSSO BLOG UM FELIZ NATAL!
NOTAS
[1] Ver Relatório apresentado à Assembleia Provincial do RN pelo Vice-Presidente André de Albuquerque Maranhão no dia 7 de setembro de 1843.
[2] Ver “Acta Diurna”, de Luís da Câmara Cascudo. O teatro em Natal. “A República”, Natal, 15 de agosto de 1940.
[3] Quando a Guerra do Paraguai teve início, aproveitando o patriotismo que tinha tomado conta do país, muitos voluntários se apresentaram para lutar espontaneamente. O governo assegurava vantagens aos voluntários como prêmio em dinheiro, terras, preferência nos empregos públicos, patentes de oficiais honorários, liberdade a escravos, assistência a órfãos, viúvas e mutilados de guerra. Com o passar do tempo, o aumento da mortandade em combate e a diminuição do entusiasmo popular, o governo imperial passou a exigir dos presidentes das províncias cotas de voluntários, que deveriam recrutar. Cada Província foi solicitada prover, no mínimo, 1% da sua população. Essa foi a razão da ação do alferes Rolim no teatro. Por outro lado, havia várias formas de se escapar da convocação: os aquinhoados faziam doações de recursos, equipamentos, escravos e empregados para lutarem em seu lugar; os de menos posses alistavam seus parentes, filhos, sobrinhos ou agregados; aos despossuídos só restava a fuga para o mato. O Rio Grande do Norte formou o 28º Corpo de Voluntários da Pátria (28º CVP) e no 55º CVP os potiguares se uniram aos piauienses. Por razões que não sei explicar, o 28º CVP foi dissolvido durante a guerra e seus homens incorporado aos 34º CVP (Pará) e ao 36º CVP (Maranhão).
[4] A região do Barro Vermelho era assim conhecida já em fins do século XVIII, quando um antigo documento aponta que o sargento João Antônio Freitas era morador do “Barro Vermelho” e requereu mais outros pedaços de terra até a “Lagoa Seca”.
[5] Bartolomeu Fagundes de Vasconcelos nasceu em 1815, na localidade de Vila Flor, no Rio Grande do Norte. Viveu num ambiente onde a política e a religião eram assuntos preponderantes e foi ordenado em 1839, no seminário de Olinda. Além da formação religiosa recebeu também influências de Padres-Maçons que sonhavam com um Brasil livre e governado por Brasileiros. Homem de caráter firme e sentimentos nobres contrariou o poderoso Bispo Dom Vital por não ter abjurado à maçonaria. Serviu ao sacerdócio por 34 anos e a maçonaria por 37. Foi político, chefe de partido e Vice-Presidente de Província. Faleceu em 1877. Texto de Luís Soares de Lima, exibido no endereço eletrônico http://vigariobartolomeu.org/o-patrono/
[6] Segundo Claudio Galvão, o apelido Panqueca se deveu a um personagem que interpretara, ele que fora ator amador na maioria das sociedades teatrais em atividade na Natal do século XIX.
[7] Certamente o rápido crescimento populacional da capital potiguar dos primórdios do século XX, trouxe para o Professor Panqueca a ideia que o passado lhe trazia mais consolo na vida. Mas não é difícil compreender esta situação quando nos debruçamos sobre os números frios do crescimento estatístico de Natal entre 1900 e 1920 (em 1910 não ocorreu o censo demográfico). Observamos que em vinte anos a cidade saltou de 16.056 para 30.696 habitantes. Pode parecer pouco aos olhos de hoje a proporcionalidade deste crescimento, mas ao observarmos o resultado do censo de 1890, quando Natal tinha 13.725, seu crescimento populacional em dez anos foi de meros 2.331 habitantes. Ao passo que entre 1900 e 1920, este crescimento foi de 14.640 pessoas. Mesmo levando em consideração o hiato de tempo entre os levantamentos estatísticos, a forma de coleta destes dados, é perceptível um aumento da população natalense. Em grande parte isso se ocorreu pelo incremento de novas vias de transporte (principalmente ferroviário). Ver – http://pt.wikipedia.org/wiki/Natal_%28Rio_Grande_do_Norte%29
[8] No início do século XX era normal a população de Natal assistir muitos folguedos populares tradicionais, fato que perdurou com maior força até a década de 1930. Provavelmente a Lapinha que Joaquim Lourival assistia era a da velha Rosário, na Santa Cruz da Bica, próximo a atual sede da COSERN. A Lapinha era uma dança tipicamente religiosa, parecida com o Pastoril, mas que divergia em pontos essenciais de sua execução. Os repertórios eram inspirados em motivos religiosos, onde tinham como figura central o “Pastorzinho”, que dançava junto com as pastoras. Vestiam-se de maneira discreta. Ver Deífilo Gurgel, in “Espaço e tempo do folclore potiguar”, págs. 105 e 106 e 112, Natal, FUNCART, 1999.
[10] Camillo Federici, nasceu em Garessio, Itália, em 9 de abril de 1749 e morreu em Padova no dia 23 de dezembro de 1749. Foi um dramaturgo e ator de teatro, cujo verdadeiro nome era Giovanni Battista Viassolo.
Nascido em 16 de junho de 1927, em João Pessoa, quando a capital paraibana ainda se chamava Nossa Senhora das Neves, Ariano Vilar Suassuna era filho de João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassuna, então presidente (governador) de seu estado natal, que exerceu seu mandato entre os anos de 1924 e 1928. Ariano inclusive nasceu no palácio do governo paraibano.
O velho contador de histórias do sertão tinha apenas três anos quando um fato trágico marcou sua infância. No desenrolar da Revolução de 1930, um pistoleiro de aluguel assassinou seu pai com um tiro pelas costas, numa rua do Rio de Janeiro. O assassinato foi motivado por boatos que apontavam o patriarca da família Suassuna como mandante da morte de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, seu sucessor no governo, que pertencia ao grupo político oposto e serviu de estopim para a deflagração da revolução.
Um ambiente assim, com dívidas de sangue e rivalidade entre famílias, cobrava dos órfãos a vingança. Mas, um dia antes de ser assassinado, João Suassuna deixou uma carta aos nove filhos pedindo que eles não se tornassem assassinos por sua causa. Ariano Suassuna obedeceu. A mãe também ajudou, ao dizer que o pistoleiro responsável pelo crime já havia morrido (era mentira).
Com a tragédia, a família mudou-se para a pequena cidade de Taperoá, no interior da Paraíba, onde Ariano morou de 1933 a 1937. Ele herdou a biblioteca do pai e ali encontrou livros importantes para sua formação. Um dos mais significativos foi “Os sertões”, de Euclides da Cunha. A obra lhe apresentou um dos personagens que mais marcaram sua vida: Antônio Conselheiro, profeta e líder de Canudos. Foi também em Taperoá que Ariano Suassuna assistiu pela primeira vez a uma peça de mamulengos e a um desafio de viola, cujo caráter de “improvisação” seria uma das marcas registradas também da sua produção teatral.
Em 1942 foi para Recife concluir o ensino básico. Em 1946 fundou o Teatro do Estudante de Pernambuco, junto com o amigo Hermilo Borba Filho. No ano seguinte escreveu e encenou sua primeira peça teatral: “Uma mulher vestida de sol”. Em 1948, sua peça Cantam as harpas de Sião (ou O desertor de Princesa) foi montada pelo Teatro do Estudante de Pernambuco. Seguiram-se Auto de João da Cruz, de 1950, que recebeu o Prêmio Martins Pena. Neste mesmo ano Ariano formou-se em Direito e advogou até 1956, quando se tornou professor de Estética na Universidade Federal de Pernambuco (onde se aposentou em 1994).
Em 1955 escreveu “Auto da Compadecida”, que conta as aventuras de dois amigos, Chicó e João Grilo, no Nordeste brasileiro. A peça o projetou em todo o país. Em 1962, o crítico teatral Sábato Magaldi diria que a peça é “o texto mais popular do moderno teatro brasileiro”. Sua obra mais conhecida já foi montada exaustivamente por grupos teatrais de todo o país e duas vezes para o cinema, em 1969 e 2000.
Ariano Suassuna continuou criando, escrevendo peças de teatro, romances e poesias, entre estes podemos listar “O Santo e a Porca – Casamento Suspeitoso”, de 1957, “A Pena e a Lei”, de 1959, “A Farsa da Boa Preguiça”, de 1960, e “A Caseira e a Catarina”, de 1961. Outra obra fundamental foi “Romance d’a pedra do reino e o príncipe do sangue vai-e-volta”, é quando o escritor avança em relação à literatura regionalista dos anos 1930, representada por João Guimarães Rosa e José Lins do Rego. Mais tarde, Ariano Suassuna diria que “A pedra do reino” era de certa forma, uma tentativa de trazer seu pai de volta à vida.
Para transformar o local em simbólico e universal, Ariano aliava os valores mais arraigados de sua região a seu imenso arcabouço erudito e teórico. Com uma escrita que une elementos do Simbolismo, do Barroco e da literatura de cordel. Esse ficcionista, poeta, dramaturgo e pensador da cultura, transformou o sertão no palco das questões humanas de qualquer lugar do mundo.
Ele foi o criador do Movimento Armorial, que possuía como projeto central a ideia de gerar uma confluência simultânea de todas as artes populares do Nordeste brasileiro. Lançado oficialmente, no Recife, no dia 18 de outubro de 1970, com a realização de um concerto e uma exposição de artes plásticas realizados no Pátio de São Pedro, no centro da cidade. Surgiu sob a inspiração e direção de Ariano Suassuna, com a colaboração de um grupo de artistas e escritores da região Nordeste do Brasil e o apoio do Departamento de Extensão Cultural da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários da Universidade Federal de Pernambuco. Teve início no âmbito universitário, mas ganhou apoio oficial da Prefeitura do Recife e da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. Seu objetivo foi o de valorizar a cultura popular do Nordeste brasileiro, pretendendo realizar uma arte brasileira erudita a partir das raízes populares da cultura do país.
Segundo Suassuna, sendo “armorial” o conjunto de insígnias, brasões, estandartes e bandeiras de um povo, a heráldica é uma arte popular. Desse modo o nome adotado significou o desejo de ligação com essas heráldicas raízes culturais brasileiras.
A maioria de suas obras foi traduzida para outros idiomas, como francês, alemão, espanhol, inglês e holandês. Em 1989, passou a ocupar a Cadeira nº 32 da Academia Brasileira de Letras.
Ariano Suassuna foi secretário estadual de Cultura no período 1994-1998, durante o governo de Miguel Arraes (1916-2005) e assumiu o mesmo cargo, como secretário especial no primeiro mandato do governo Eduardo Campos (PSB), neto de Arraes, em 2007. Seu foco sempre foi o da valorização da cultura popular, posicionando-se também contra qualquer estrangeirismo da língua portuguesa. Mostrou ao povo brasileiro como ele é inventivo, engraçado, esperto e interessante e provou que não existe nada do lado de lá das fronteiras que possamos invejar.
Foto – Bianca Lima
Carismático e popular, Ariano Suassuna esbanjou simpatia por onde passou. Nos últimos anos apresentava por todo o Brasil suas famosas e concorridas “aulas-espetáculo”, onde ensinou formas de arte para o público e mostrou a riqueza da cultura do país, contando histórias, “causos” e piadas.
Em 2011 foi veemente no apoio ao veto ao patrocínio nas festas juninas das bandas de forró estilizadas, as chamadas “bandas de plástico”, defendido pelo secretário de Cultura do Governo da Paraíba, o cantor Chico César, que defendeu a teses que estes grupos musicais não refletiam a música nordestina. A posição do secretário gerou descontentamento nas prefeituras que promoviam os festejos juninos com o patrocínio do Estado, nos empresários e músicos das bandas de forró estilizado e gerou muita polêmica, mas Ariano esteve ao seu lado.\
Foto – Sergio Enilton
Há uma realista descrição de Ariano feita por seu amigo, o também dramaturgo Hermilo Borba Filho:
“Magro e alto, de uma coerência extremada, radical em suas opiniões, é preciso vê-lo numa discussão com seus amigos (porque, com seus inimigos, basta ler seus artigos); zombeteiro, argumentador, desnorteante, irreverente. Vive, com a maior convicção, o preceito de Unamuno* de que o artista espalha contradições. É capaz de destruir o argumento mais sério com uma piada ou sair-se de um problema metafísico dos mais angustiantes numa conversa ligeira. Tem horror aos aparelhos modernos enceradeira, vitrola, televisão, rádio, telefones, considerando-os coisas do demônio. Gostaria de crer em Deus como as crianças crêem, mas crê com angústia, fervor e perguntas. Não vai a reuniões oficiais, coquetéis, espetáculos, mas amanhece o dia num bate-papo ou ouvindo repentistas. Tem pavor de avião e se martiriza com uma alergia que lhe dá comichões no nariz. Seu caráter é ouro de lei, e, embora o negue, esforça-se para amar os inimigos, como manda o evangelho. A arte e religião são por ele encaradas de maneira fundamental.”
Hoje o Brasil, a Bahia, mais especificamente a bela Ilha de Itaparica, estão mais tristes. Na madrugada desta sexta-feira (18/07) faleceu o escritor João Ubaldo Ribeiro.
Eu fui pego de surpresa e confesso fiquei triste. Fui a minha estante e peguei os livros que possuo deste maravilhoso autor e fiquei lembrando de 1985. Lembrei de quando era estudante do 2º grau em uma Natal muito mais tranquila, em um período de tremendas mudanças econômicas e políticas, onde a esperança era a palavra de ordem e a gente lia muito mais.
Eu tinha um amigo mato-grossense que morava por aqui e se chamava Alberto. Era um leitor assíduo, quase fanático, que andava sempre com um livro embaixo do braço. Eu adorava conversar com ele sobre os textos consagrados e os lançamentos. Um dia, um tanto eufórico, ele me contou sobre um livro chamado “Viva o povo brasileiro”, cujo autor era um baiano “risonho, que tem uns óculos grandes, tipo fundo de garrafa” e que o tal livro era um grande sucesso de vendas, era muito bom, etc.
Apesar de ter lido muitos livros de Jorge Amado, de ter uma relação muito positiva com Salvador e a Bahia, não me mostrei muito interessado. Acho que meio chateado, Alberto me entregou seu exemplar e disse que eu iria ter uma surpresa. Em casa, à noite, o livro foi verdadeiro golpe para mim que gosto de história.
Para mim “Viva o povo brasileiro” possui ótima narrativa, sendo uma verdadeira epopeia de uma gente que ama a liberdade. É baseado em três séculos e meio de fatos reais da história brasileira, com vários personagens fictícios do Recôncavo e da bela Itaparica. Depois li “Sargento Getúlio”, que em minha opinião um romance duro, violento, até exacerbado, mas poético e apaixonante. Depois foi a vez de conhecer “O sorriso do lagarto” e me tornei fã de carteirinha do baiano de riso largo!
Depois de haver lido tanta coisa sobre a Bahia, o Recôncavo e Itaparica, decidi que um dia iria percorrer a região. Mas demorou um pouco. Só em janeiro de 2011, já casado e com uma filha, pude conhecer esta interessante parte do Brasil.
Em 23 de janeiro daquele ano me encontrava na bela ilha de Itaparica, quando soube através de um amigo que lá conheci, que o escritor João Ubaldo Ribeiro estava comemorando o seu aniversário na ilha e iria receber várias homenagens. Este amigo, o dono da pousada onde estava hospedado, sem nenhuma cerimônia me convidou para ir ao evento e conhecer o escritor que tanto admirava. Fiquei surpreso com a tranquilidade do convite, mas nem pensei em recusar!
E já que era um aniversário, decidi presentear João Ubaldo Ribeiro com um exemplar do meu livro “Os cavaleiros dos céus – A saga do voo de Ferrarin e Del Prete”.
A homenagem que o povo itaparicano fez ao ilustre e imortal filho da terra ocorreu no pátio da Biblioteca Juracy Magalhães Jr., na Rua Rui Barbosa, no centro de Itaparica e a programação foi realizada pela Fundação Pedro Calmon e pela Secretária de Cultura da Bahia. Durante o evento ocorreu a exibição de um interessante documentário realizado na ilha, onde diante das lentes o povo da terra teceu comentários, narrou causos e histórias pitorescas sobre o autor de “Sargento Getúlio” e “O sorriso do lagarto”.
As apresentações culturais foram maravilhosas, mas o melhor foi a palestra realizada pelo escritor. Ele falou basicamente de sua Itaparica querida. Relembrou casos, da sua família, de pessoas amigas, de figuras que serviram de inspiração para seus personagens. Estava alegre, tranquilo e em nenhum momento deixou de apresentar seu sorriso característico.
Outra coisa que me chamou atenção foi a tranquilidade e o extremo nível de informalidade do evento.
Não é que ele tenha sido desorganizado, mas o próprio João Ubaldo Ribeiro, um consagrado escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, que teve sua obra “Sargento Getúlio” traduzida em 12 idiomas, foi qualificado pelo jornal The New York Times como “gênio”, estava muito a vontade de chinelos e bermudas. Os quitutes oferecidos não eram imitações sem gosto de iguarias da culinária francesa, era tudo típico da culinária baiana. Já as bebidas eram sucos de frutas da região e cachaça. Não havia ninguém de paletó e gravata. Apesar de o aniversariante ser quem ele era, houve apenas dois rápidos discursos. Até a representante do governador da Bahia não falou sequer três minutos e houve mais ênfase nas apresentações culturais de grupos da região de Itaparica.
Tudo bem simples e tremendamente organizado, com um clima tranquilo e aberto. Bem diferente com os formalismos tacanhos, verdadeiramente paroquianos e quase militarizados a que estamos acostumados a ver em muitos dos eventos ditos “culturais” na nossa terra potiguar.
Passado o evento fui até João Ubaldo e tranquilamente lhe dei os parabéns, lhe desejei felicidades e lhe entreguei meu livro. Ele ficou um pouco surpreso de ver um potiguar por ali, mas no meio do burburinho me comentou que adorava Natal, que gostava da terra potiguar e do seu povo. Perguntou-me sobre o que tratava meu trabalho e me comentou que tudo que envolvia a época retratada no meu livro era do seu interesse. Recebeu minha obra com tranquilidade e satisfação.
No contato que tive com João Ubaldo Ribeiro ele se apresentou como um ser humano tranquilo, sem o mínimo sentido de grandeza e bastante aberto ao diálogo. Coisa que poderíamos ver com maior frequência entre aqueles que escrevem na terra de Cascudo!
Deixando Salvador e seguindo para a ilha de Ferry Boat
João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro nasceu na Ilha de Itaparica no dia 23 de janeiro de 1941. Mais tarde foi levado para o estado de Sergipe, onde ele viveu até os 11 anos de idade com seu pai, um professor e político.No início da década de 1960 estudou Direito, mas não chegou a exercer esta profissão e aos 21 anos escreveu seu primeiro livro, “Setembro não tem sentido”. Fez pós-graduação em Administração Pública pela mesma instituição e mestrado de Administração Pública e Ciência Política pela Universidade da Califórnia do Sul, nos Estados Unidos. Entre outras atividades, foi professor da Escola de Administração e da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia e professor da Escola de Administração da Universidade Católica de Salvador. Seu primeiro emprego foi como repórter no Jornal da Bahia, aonde também viria a atuar mais tarde como redator, chefe de reportagem e colunista.
Homem de inteligência ágil, ocupava a 34ª cadeira da Academia Brasileira de Letras e em 2008 foi agraciado com o Prêmio Camões, considerado o maior reconhecimento da língua portuguesa. Foi um dos autores brasileiros mais traduzidos no exterior.
Morava no Rio de Janeiro, mas todo o ano passava férias na sua casa na Ilha de Itaparica, onde sempre levantava cedo, despreocupadamente ficava lendo jornais, realizava uma pescaria, ou saia simplesmente caminhando pelas ruas da ilha reencontrando amigos.
No outro dia após o evento realizado na Biblioteca Juracy Magalhães Jr., tive a oportunidade de ver o escritor na pitoresca pracinha em frente ao Centro de Artesanato de Itaparica, defronte ao mar. Tal como no dia anterior ele estava muito tranquilo, sentado em uma mesinha do “Restaurante do Negão”, conversando animadamente com amigos e parecia um homem feliz!
Sem dúvida foi uma grande perda para nossa cultura.
No Htl Praiamar o encontro do Prof. Enivaldo Bonelli, o jornalistra da Associated Press Jim Vertuno e Rostand Medeiros
Rostand Medeiros
Ontem (14/06/2014), em meio as fortes chuvas que desabaram sobre a capital potiguar, fui contatado pelo jornalista norte-americano Jim Vertuno, da ASSOCIATED PRESS, para uma entrevista sobre Natal durante a Segunda Guerra Mundial. Entrevista foi distribuída para órgãos da imprensa americana, como –
Até mesmo no jornal STAR AND STRIPES, das forças armadas dos Estados Unidos, esta notícia saiu -( http://www.stripes.com/news/americas/long-before-world-cup-natal-had-big-role-for-us-in-wwii-1.289144)
Para este encontro, devido as minhas limitações no idioma inglês, pedi a ajuda ao meu amigo Enivaldo Bonelli, professor do Departamento de Física da UFRN, que estudou na Cornell University, em Ithaca, estado de Nova York.
O papo foi muito positivo e objetivo, rolou no Hotel Praiamar, em Ponta Negra. O jornalista Jim Vertuno é especialista na parte esportiva, mas queria conhecer aspectos que ligam a história da presença dos militares americanos em Natal durante a Guerra, com o momento atual.
A grande base de Parnamirim Field durante a Segunda Guerra Mundial.
Para Jim os seus compatriotas pouco sabem da importância de Natal para o esforço de guerra Aliado e da importância deste momento para a nossa cidade. Muitos deles estarão conhecendo a capital potiguar para assistirem na próxima segunda feira (16/06/2015) o jogo de futebol entre a seleção dos Estados Unidos e a equipe de Gana.
Pessoalmente não é uma novidade esta informação. Há tempos que percebi que afora os militares americanos que efetivamente ficaram baseados em solo potiguar, apoiando operações aéreas, ou patrulhando e combatendo submarinos nazifascistas no Atlântico Sul, pouco da participação de Natal na Segunda Guerra Mundial é conhecido nos Estados Unidos.
Mas aí caberia a nós potiguares fazer, e ganhar dinheiro, com esta divulgação.
Mas não fazemos!
E a culpa é nossa mesmo! Que votamos em políticos de péssima qualidade, como os que atualmente dirigem e representam o Rio Grande do Norte…
É incrível que em um momento como este o Museu da Aviação, no antigo prédio da RAMPA, não esteja pronto e operacional. Isso depois de sabermos com bastante antecipação que Natal foi escolhida como umas das doze sedes brasileiras da XX Copa do Mundo da FIFA, com a confirmação de uma partida de futebol da seleção dos Estados Unidos.
O jornalista Jim Vertuno pediu para darmos uma volta pela cidade para lhe mostrar “- O que ficou da presença americana em Natal!”. Fui muito sincero e lhe apresentei o que tínhamos sobre nos dias atuais. Ele educadamente recusou. Fica difícil mostrar um prédio em reforma na margem do Rio Potengi, ou encarar de última hora a burocracia para entrar com um jornalista estrangeiro na Base Aérea de Natal e mostrar as antigas dependências de Parnamirim Field.
Foi um encontro positivo e fiquei muito feliz em saber que através do trabalho desenvolvido pelo nosso blog TOK DE HISTÓRIA, o jornalista Jim Vertuno conseguiu nosso contato conseguimos trocar estas ideias.
A FIGURA DO TEMIDO CANGACEIRO EM UMA PEÇA DO TEATRO
DE REVISTA DO RIO DE JANEIRO
Autor – Rostand Medeiros
Era uma época onde o rádio se popularizava, mas os cariocas ainda sabiam dos acontecimentos do seu país e do mundo pelas várias edições diárias dos inúmeros periódicos que circulavam pela então Capital Federal. Já a distração era ocupada em grande parte pelo crescente futebol pré-Maracanã, pelos cinemas e os inúmeros teatros, onde os espetáculos do chamado teatro de revista eram muito populares[1].
No início do século XX este tipo de apresentação teatral apresentava entre outras coisas aquilo que era considerado picante ou obsceno. Tinha a intenção de agradar o público de maneira abrangente, a que preço fosse. Nessa época o teatro popular era a maior diversão e o teatro de revista era o principal polo da cultura popular.
Com a Primeira Guerra Mundial o Brasil ficou separado do resto do mundo, sem receber influências do estrangeiro, e cada vez mais o teatro de revista nacionalizava-se, entrelaçando a música popular de forma estreita e indissolúvel. Afastando-se do modelo luso-francês surgiu uma nova fórmula onde a melodia passou a ser parte integrante do conjunto. O teatro popular havia adquirido um perfil tipicamente nacional iniciando uma nova fase na História Social da cultura brasileira. Havia neste contexto espaço para as criações regionais, colocando no palco personagens sertanejos.
No Rio de Janeiro a dupla Jararaca e Ratinho passa a fazer teatro de revista em 1929. Estes artistas faziam números mistos de músicas e piadas, explorando canções sertanejas, o humor, melodias, o trocadilho, as adivinhações, as críticas e sátiras políticas[2].
Renascendo das Cinzas
O imigrante italiano Pascoal Segreto, um descobridor de talentos, portador de uma visão empresarial extraordinária, mantinha várias companhias. Ele investiu no teatro de revista, sendo chamado pelo ator Procópio Ferreira de “papa do teatro brasileiro“. O seu principal empreendimento teatral foi a Companhia de Operetas, Mágicas e Revistas do Teatro São José, este também de sua propriedade[3].
Em 12 de setembro de 1931, com o São José funcionando como cine-teatro, após a apresentação de “Amores e Modas”, de Mauro de Almeida, quando tinha início o filme “A minha noite de núpcias”, de Leopoldo Fróes, o prédio pegou fogo, só ficando de pé a fachada e as escadas laterais da sala de espera.
Intentando criar a casa da canção nacional, o dançarino e produtor Duque, em parceria com Segretto, aproveitou a parte não incendiada do teatro e instalou a Casa de Caboclo, reproduzindo a morada do nosso tabaréu: o madeiramento rústico, de paus toscos, coberturas de sapé, formando frisas e camarotes; palco e uma varanda de casa da roça, ao fundo[4].
Pascoal Segretto – Fonte – Wikipidea.org
No periódico carioca “Correio da manhã”, de 10 de setembro de 1932, as impressões da nova companhia de revista do Rio de Janeiro foi de certo espanto com o fato que tudo ali apresentado era “brasileiro”. Comentaram que “tudo é nosso: toadas, a suavidade das modinhas, desafios”. A apresentação de espetáculos tipicamente brasileiros não era novidade no Rio, mas a Casa do Caboclo chamou a atenção de maneira positiva da imprensa e do público.
Atores e Músicos de Primeira Qualidade
Dentro da estrutura clássica, entre quadros cômicos, sambas e marchinhas carnavalescas, a tônica dominante incidia no humor caipira, como por exemplo, as famosas imitações que Jararaca e Ratinho faziam de Getúlio Vargas e Washington Luís.
Em 1922 os Turunas Pernambucanos desembarcavam no Rio de Janeiro. Entre eles, Jararaca (o terceiro sentado à direita) e Ratinho (de pé, à esquerda, com o clarinete). Pela foto podemos ver que o carioca conheceu a roupa e o imaginário dos cangaceiros ainda no início da década de 1920 – Fonte – http://mpbantiga.blogspot.com.br/
Certamente que uma das razões deste êxito estava nos atores, atrizes e músicos que ali se apresentavam. Muitos destes fazem parte de qualquer trabalho referencial sobre as artes no Brasil. Além de Alvarenga e Ranchinho estava na companhia uma jovem atriz de 25 anos, chamada Dolores Gonçalves Costa, mas que ficou conhecida como Dercy Gonçalves. No grupo de músicos um negro forte, que era flautista, saxofonista, compositor, arranjador e se chamava Alfredo da Rocha Vianna Filho, mas já era conhecido como Pixinguinha. Dois anos depois da companhia inaugurada foi contratada uma jovem de apenas 16 anos, chamada Vicentina de Paula Oliveira, mas que já se apresentava artisticamente como Dalva de Oliveira. Neste mesmo ano Francisco José Freire Júnior, mais conhecido como Freire Júnior, estreou na Casa de Caboclo com a revista “Carnaval do sertão”, de autoria de Duque.
O Nordestino Mais Comentado no Rio
Em uma entrevista ao jornal “Diário da Noite” (Ed. de 5/7/1933, pág. 3), Duque comentou que seu sucesso em terras estrangeiras se devia muito ao nosso folclore, as características das raízes do Brasil, mas que para ele era muito pouco conhecido pelo público brasileiro em geral. Por isso a razão de criar aquela companhia teatral. Para Duque, tudo que fosse regional e chamasse atenção deveria ser apresentado na Casa do Caboclo. E se havia algo que vinha do Nordeste e repercutia com força nos jornais cariocas, eram as ações do cangaceiro Lampião e seu bando.
Antônio Lopes de Amorim Diniz Miranda, o Duque.
Mesmo atuando em uma região onde a infraestrutura era quase nada, as comunicações precárias, o apoio do Governo Federal mínimo, as peripécias e façanhas de Lampião eram publicadas quase diariamente em alguns periódicos cariocas.
O nome de Lampião tomou outra dimensão no Rio quando, no primeiro semestre de 1931, o capitão do Exército Carlos Chevalier, piloto da Aviação Militar, decidiu criar uma expedição militar ao interior nordestino. Pensava em utilizar aviões e aparato bélico moderno para caçar e matar o “Rei dos Cangaceiros”. Esta pretensa ação militar causou muito estardalhaço na imprensa e no meio do povo. Logo voluntários esbravejando muita valentia apareciam nas páginas dos jornais querendo pegar em armas. O negócio teve tal alcance que o plano foi apresentado a Osvaldo Euclides de Sousa Aranha, então ministro da justiça. Homem inteligente e capaz, mas certamente por ser gaúcho de Alegrete e desconhecer o sertão nordestino, Aranha caiu como um verdadeiro pato nesta maluquice desenvolvida pela mente necessitada de holofotes de Carlos Chevalier[5].
O inusitado plano encheu as páginas dos jornais cariocas, mas jamais saiu do papel para a ação prática. O capitão se tornou motivo de piada e Lampião se tornava cada vez mais conhecido na Capital Federal. Com um nome tão popular entre os cariocas, logo Lampião e o cangaço seriam atrações na Casa do Caboclo.
Lampião Vem Para a Festa
A peça foi promovida e dirigida por Duque. No final de agosto de 1933 ele divulga na imprensa que em breve estrearia “Lampião chegou ao arraiá”.
A primeira apresentação ocorreu no sábado, 26 de agosto. Segundo os jornais cariocas o autor e diretor buscou explorar “a popularidade trágica do célebre cangaceiro nordestino”, mas sem esquecer o lado cômico, reservando aos espectadores “uma surpresa engraçadíssima” durante as cenas. Infelizmente os jornais não detalharam como seria o enquadramento deste contraste entre “a popularidade trágica” envolvendo a figura de Lampião, com “uma surpresa engraçadíssima”. Mas pelo próprio nome da peça “Lampião chegou ao arraiá”, deveria ser uma cena que evocaria uma chegada inesperada do cangaceiro em meio a festejos juninos. Mas isso é pura especulação!
Para promover a peça a “troupe” da Casa do Caboclo decidiu realizar uma “passeata” pela Praça Tiradentes, onde se encontrava o Teatro São José, inclusive com os atores montados em alimárias. Pela foto (acima) existente deste evento, podemos ver que o nível de reprodução cenográfica das roupas e equipagens do grupo de cangaceiro de Lampião ficou muito a desejar.
Nesta época Lampião e outros cangaceiros já haviam sido fotografados e, aparentemente pelo sucesso da companhia teatral, o problema desta cenografia tão limitada não foi dinheiro. Provavelmente tinha mais haver com a ideia de “Lampião chegou ao arraiá” ser uma peça cômica, onde o detalhamento não merecia a devida atenção.
Conclusão
“Lampião chegou ao arraiá” foi, como a maioria do trabalho desenvolvido por Duque na Casa do Caboclo, um sucesso. Ela não sofre nenhum processo de censura e nem os jornais tratam das apresentações de forma negativa. Mas igualmente não trazem maiores detalhes.
Atores e atrizes da Casa do Caboclo.
Certamente este e outros espetáculos que tinham como figura central o “Rei do Cangaço” foram produzidos no Rio de Janeiro. Seguramente estas apresentações ajudaram a popularizar entre os cariocas (talvez de forma destorcida) a imagem de Lampião[6].
Esta popularização só tendeu a crescer nos anos vindouros da década de 1930, principalmente com o trabalho de libanês Benjamin Abrahão Botto. As fotos e o filme por ele realizado, e censurado pelo Estado Novo, de um lado ajudaram a manter na mente de todos os brasileiros a imagem de Lampião, Maria Bonita e seus “cabras”. Mas esta exposição também contribuiu para que as autoridades do regime de força de Getúlio Vargas acentuasse junto às autoridades estaduais nordestinas a necessidade do fim deste cangaceiro. Como de fato ocorreu no dia 28 de julho de 1938.
www.mackenzie.br/…/O_teatro_popular_Rio_de_Janeiro__a_cidade_ polifonica__1930-1945_.pdf– Cadernos de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura, “O teatro popular: Rio de Janeiro, a cidade polifônica (1930-1945)”, artigo produzido sob a coordenação e organização de Arnaldo Daraya Contier (Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie.), com a participação de Andréa Cristina Primerano, Andréa Rodrigues, Keila Haddad de Oliveira, Nívea Lopes (Alunas do Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie).
[1] O que se chama teatro de revista é um género de teatro, de gosto marcadamente popular, que teve alguma importância na história das artes cênicas, tanto no Brasil como em Portugal, que tinha como caracteres principais a apresentação de números musicais, apelo à sensualidade e a comédia leve com críticas sociais e políticas, e que teve seu auge em meados do século XX.
[2] José Luís Rodrigues Calazans, o Jararaca, era natural de Maceió, Alagoas, e Severino Rangel de Carvalho, o Ratinho. era paraibano da cidade de Itabaiana. Formaram uma dupla caipira, ou sertaneja, e fizeram as respectivas carreiras praticamente enfocando o gênero regional. Além de cantores foram compositores, atores e humoristas. Atuaram no teatro, rádio, cinema e televisão.
[3] O Almanak Laemmert aponta que o Teatro São José possuía em 1926 a lotação de 2 frisas, 28 camarotes, 840 poltronas, 57 balcões e 30 gerais.
[4] Duque, cujo nome verdadeiro era Antônio Lopes de Amorim Diniz Miranda, era protético dental de formação, mas dedicou-se à dança, criou coreografias, compôs canções que ficaram famosas. Excelente dançarino encontrou dificuldades e, em 1906, foi para Paris. Sua habilidade no maxixe foi fundamental para o sucesso na França. Maria Lino foi sua primeira parceira na Europa, mas a parceria mais longeva foi com a francesa Gaby. Logo, Duque abriu uma escola de dança em Paris e se apresentou com sucesso na América do Norte. De volta ao Brasil, escreveu e dirigiu revistas, ensinou no Conservatório Teatral e fundou a Casa de Caboclo.
[5] Sabemos que Carlos Saldanha da Gama Chevalier é autor do livro “Os 18 do Forte”, uma coletânea sobre a vida do militar e revolucionário Siqueira Campos. Em 1 de outubro de 1927, o então 1º tenente Chevalier, realizou no Campo dos Afonsos (RJ) o primeiro salto de paraquedas no Brasil. Foi utilizado um avião Breguet 14 pilotado pelo 1º tenente Aroldo Borges Leitão e tendo como observador o capitão Átila Silveira de Oliveira.
[6] Provavelmente o teatro de revista deve ter produzido outros trabalhos com foco em Lampião e no cangaço. Sabemos que em outubro de 1938, após sua morte, foi encenada no Rio a peça “Lampeão, o caboclo máu”.
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Quando se fala em pintura holandesa, a associação imediata da memória é a nomes como Rembrandt, Van Dyck e Van Gogh. Quem se aprofundou um pouco mais no assunto, pode ainda se lembrar de Vermeer, Pieter Claesz e Frans Hals. Não é pra menos. Afinal, qualquer lista séria de maiores pintores da história tem necessariamente de incluir pelo menos 3 desses grandes mestres holandeses.
Entretanto, o mais importante pintor holandês de todos os tempos – pelo menos para a história brasileira – é pouco conhecido por estas bandas. Ele se chama Frans Post.
Frans Post
Post era um sujeito meio azarado. Se tivesse nascido um século antes ou um século depois, Post talvez conseguisse marcar seu nome como um dos grandes mestres da pintura universal. Mas Post teve a má fortuna de nascer em pleno século XVII, justo na época em que a pintura flamenca despertava para o mundo como uma das melhores escolas do planeta. Quem saía de seus países para comprar um quadro na região de Flandres, buscava um Rembrandt ou um Vermeer, mas certamente não um Post. Pra piorar, olhando-se ao redor ainda havia gente como Velásquez na Espanha e Rubens na Bélgica. Certamente, não era um cenário promissor para um pintor em início de carreira.
Como Post não tinha como bater todos esses mestres jogando no campo deles, resolveu radicalizar. E a oportunidade surgiu em 1636, quando um jovem membro e ambicioso membro da nobreza flamenca resolveu “fazer a América”. Seu nome era Maurício de Nassau.
Nassau tinha participado com sucesso de algumas campanhas militares durante a Guerra dos 30 anos, entre Espanha e Holanda. Por causa disso, recebeu um convite da Companhia das Índias Ocidentais: ir ao Brasil administrar as possessões neerlandesas no Novo Mundo. Como a grana era boa, Nassau não pensou duas vezes: se mudou de mala e cuia para o Recife.
Aristocrata refinado, Nassau tinha uma cultura diferenciada. Não queria vir à América apenas a passeio. Queria transformar o lugar por onde passaria. E, claro, registrar em gravuras e quadros os feitos que realizaria como governador-geral das possessões holandesas. Foi aí que entrou Post. Como nenhum dos grandes mestres holandeses se dispunha a atravessar o Atlântico para vir a este fim de mundo, Post enxergou uma fantástica janela de oportunidade. Vindo com Nassau, seria o primeiro pintor a desembarcar no Novo Mundo. Ainda que não fosse o mais sublime dos artistas holandeses, Post estaria na privilegiada posição de ser o primeiro – e, até então, único – a registrar as paisagens desta terra inexplorada. Em outras palavras, se Post não podia ser o melhor, pelo menos seria o pioneiro em alguma coisa. Juntou suas coisas e veio ao Brasil.
Com um pincel na mão e várias idéias na cabeça, Post meteu o pé no barro. Andou por todo o litoral e interior sob domínio holandês, fazendo gravuras e pintando quadros do que via. Infelizmente, Post tinha a mania feia de não datar a maioria de seus quadros, o que torna difícil saber com precisão a ordem cronológica de sua obra. Mesmo assim, a maioria dos especialistas crava que Vista de Itamaracá foi a primeira delas. Não só isso. Foi a primeira pintura realizada nas Américas.
Vista de Itamaracá
Apesar de ter pintado aproximadamente cento e cinquenta quadros, são poucos – talvez 10 – aqueles que Post pintou durante sua estada no Recife. A imensa maioria foi pintada depois de sua partida. O que conduz à seguinte pergunta: por que a produção de pinturas dos domínios holandeses foi mais profícua com Post já na Europa do que quando ainda estava no Novo Mundo?
A resposta é simples: dinheiro. Pelo contrato firmado, todas as obras que Post pintasse durante sua estada no Recife seriam de propriedade de Nassau. Por conta disso, Nassau não ficou com mais do que 10 quadros de seu pintor oficial. Quando voltou à Holanda, munido da memória e de registros em gravuras, Post desceu o pau a pintar tudo o que vira naquela terra exótica. Como era o único a ter pisado em solo brasileiro, o valor de sua obra cresceu à medida que aumentava o fascínio das altas classes européias por aquela terra distante e exótica. Hoje, há obras dele espalhadas por diversos museus europeus. Além daVista de Itamaracá, localizada na Mauristhuis, em Haia, há no Louvre, por exemplo, há o famoso Carro de Bois:
Carro de Bois
Já no Metropolitan de Nova Iorque, há Paisagem Brasileira:
Paisagem brasileira
Felizmente, para quem quiser conhecer mais a fundo a obra de Post, não é necessário atravessar o Atlântico ou viajar para os Estados Unidos. A maior parte de seu acervo encontra-se aqui mesmo. No Instituto Ricardo Brennand, no Recife, é possível ver dezessete de suas obras, entre elas uma do restrito rol das pintadas aqui no Brasil, Forte Frederick Hendrick:
Forte Frederick Hendrick
Agora que a alta do dólar tornou proibitivas as viagens ao exterior, não custa nada pesquisar um pouco os lugares no Brasil onde existem obras desse verdadeiro pioneiro da pintura americana. É pintura de primeira, com o bônus de aprender um pouco de história no pacote.
Em ‘O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro’ Glauber Rocha capta as fissuras da sociedade brasileira. Retratando a violência e a crueza das relações sociais no sertão nordestino, constrói a ‘estética da fome’
Alexandre Leitão
Eu andei por esse mundo gente, e conheci a desgraça dos outros… e aprendi uma verdade que estava na Sagrada Bíblia: É olho por olho e dente por dente!
Cangaceiro Coirana, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro.
Durante o século XX, amadureceu no seio da intelectualidade brasileira o desejo de identificar os traços mais característicos do ethos nacional. Sociólogos, antropólogos, historiadores e artistas se perguntavam no que, de fato, se constituiria o Brasil, e o que o impediria de transformar-se num país plenamente realizado nos planos socioeconômico e político. Nomes como Euclides da Cunha, Gilberto Freyre e Sergio Buarque de Hollanda publicariam obras-chave na tentativa de encontrar um significado para a existência nacional. No campo das artes plásticas, Cândido Portinari retrataria a existência sofrida do sertanejo, e na poesia e dramaturgia Oswald de Andrade ergueria a bandeira do antropofagismo cultural, como resposta e atestado do processo de realização artística no país.
Foi unindo diversas dessas teses, além de criando suas próprias, que Glauber Rocha definiu uma narrativa da história brasileira, expressa em obras como Terra em Transe(1967); e plenamente desenvolvida em O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969). Neste longa-metragem, continuação de Deus e o Diabo na Terra do Sol(1964), acompanhamos o destino melancólico de Antônio das Mortes, personagem vivido por Maurício do Valle, jagunço e matador de cangaceiros, contratado para realizar um último serviço.
Gláuber Rocha
Logo nos créditos iniciais, o filme apresenta um rápido sumário em francês, que Glauber – além de diretor, também roteirista do filme – julgou necessário para a compreensão dos eventos e do recorte histórico que queria construir (fruto de uma coprodução franco-brasileira, o prefácio quer explicar a um público estrangeiro os eventos históricos que considera mais relevantes para a compreensão do filme): “Chamam-se – ‘Jagunços’ assassinos de aluguel; ‘Coronel’ grandes proprietários de terras; ‘Beatos’ comunidade de camponeses miseráveis e místicos; ‘Santo’ pessoa que dirige espiritualmente essas comunidades”. Junto ao glossário se encontra uma rápida descrição dos cangaceiros enquanto “bandidos místicos que desapareceram do Nordeste do Brasil em 1940”, tendo sido Lampião o “mais célebre de todos”.
A apresentação reforça o sentido de disparidade estilística e narrativa em relação a Deus e o Diabo na Terra do Sol, que se passa no final da década de 1930. Ocorrendo em um momento relativamente atemporal, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro retrata um Nordeste em franco processo de modernização capitalista, no qual crescem as cidades, constroem-se estradas e postos de gasolina, e já se considera inevitável o advento da industrialização e da reforma agrária.
O sertão de Glauber
É em meio a esse cenário de abandono forçado de estruturas arcaicas, que um bando de cangaceiros e beatos, liderado pelo bandoleiro Coirana, ataca um pequeno povoado da caatinga, despertando pavor nas pessoas da região, que são forçadas a implorar pela ajuda de Antônio das Mortes – um jagunço aposentado.
Chegando à cidade, um oficial da lei esclarece ao pistoleiro que, diferente do tempo das intensas volantes (expedições militares que partiam à caça dos bandos de Lampião, Corisco, e tantos outros), ele espera que tudo seja resolvido de forma rápida. Percebe-se que o perigo real de rompimento da ordem mantida pelo Estado no Nordeste simplesmente inexiste no que concerne ao bando de Coirana. Eles representam uma mera surpresa inconveniente, já que as condições para o surgimento dos cangaceiros por aquelas paragens já haviam, há muito, desaparecido.
O fato pode ser observado quando ocorre a segunda invasão do povoado pelos cangaceiros, retratada por Glauber em uma interminável panorâmica (como se chama a tomada em que a câmera gira sobre seu próprio eixo), na qual o bando, vestido com roupas tradicionais do sertão nordestino e indumentárias próprias de cultos afro-brasileiros, em vez de disparar suas armas contra o inimigo, dança e canta anarquicamente uma gira de louvor a São Cosme e Damião e ao orixá Xangô. O ataque, neste caso, é alegórico, representando a invasão de todo um legado cultural, popular e mestiço, que as elites brasileiras teriam sempre buscado frear.
E é sob esse aspecto que triunfam as pretensões estilísticas do filme de Glauber Rocha. Ao criar um grupo de cangaceiros extemporâneos, o cineasta retrata uma espécie de vingança histórica, segundo a qual uma segunda vinda do Cangaço tenderia a se justificar pela necessidade de punição simbólica da estrutura agrária brasileira, responsável primeiramente pela opressão secular sofrida pelos sertanejos. O chefe local, coronel Horácio (interpretado por Jofre Soares), longe de representar o perigo dos outrora onipotentes donos de terra do Norte, não passa de um velho cego, cuja vida se resume a divagar sobre uma realidade que ele jamais consegue apreender completamente. O velho é também desprovido do respeito do delegado Mattos (personagem de Hugo Carvana) e de sua própria mulher Laura, interpretada por Odete Lara, cujo caso amoroso é conhecido por todos os personagens.
À ausência da necessidade material de uma rebelião (em vista do processo de modernização do sertão nordestino), corresponderia o imperativo de uma justiça simbólica capaz de punir os poderosos pelos crimes que haveriam cometido em tempos já remotos. É a percepção disso que faz Antônio das Mortes arrepender-se do assassinato de Coirana, a quem fere com uma peixeira, e decidir proteger os beatos. Estes são então chacinados por outro exército de jagunços, convocado pelo coronel Horácio.
Em uma cidade já fantasma, resta a Antônio das Mortes, Antão (comandante negro dos beatos, encarnado pelo ator Mário Gusmão) e ao professor de história do vilarejo, interpretado por Othon Bastos, concluírem a vingança iniciada por Coirana, eliminando o coronel e seus matadores. Ao cabo da trama, porém, não há uma multidão jubilosa tomando as ruas da cidade, ou uma sequência explicativa que mostre a celebração dos sertanejos.
A justiça histórica retratada por Glauber Rocha é crua e desprovida de consequências práticas: o processo de modernização do Nordeste seguirá inexoravelmente, deixando cair por terra as arcaicas relações de trabalho e poder da região, repostas por outras, mais adequadas a um mundo em contínua transformação. Resta a Antônio das Mortes, o pistoleiro redimido, simplesmente marchar sem rumo por uma rodovia empoeirada, tomada por grandes caminhões de carga e ladeada por um posto de gasolina da Shell, símbolos do novo mundo que invade o Sertão e altera sua paisagem.
A estética da fome
A protoanarrativa histórica de Glauber acaba assim por ecoar aquela delineada por Euclides da Cunha, cuja obra Os Sertões, caracteriza a relação entre o Brasil capitalista e modernizante do litoral, e o interior antigo e isolado, como sendo marcada pelo signo da violência. Violência que permeia os laços entre senhores e camponeses – mediada por jagunços – e a violência dos grandes centros urbanos, que desde o final do século XIX buscam sufocar, progressivamente, qualquer experiência ou modelo social que se interponha à marcha do “progresso”.
Em 1965, o próprio Glauber ressaltaria o traço brasileiro da violência e a necessidade desta existir como nervo central do projeto artístico do Cinema Novo (representando ainda um relevante instrumento de transformação política) em seu manifesto “Uma estética da fome”, publicado na Revista Civilização Brasileira.
Nele, o cineasta defende que “somente uma cultura da fome, mirando suas próprias estruturas, pode superar-se qualitativamente: e a mais nobre manifestação cultural da fome é a violência. (…) Pelo cinema novo: o comportamento exato de um faminto é a violência e a violência de um faminto não é primitivismo”. Esta se veria traduzida de maneira ritualizada nas alegóricas cenas de assassinato de O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, primeiro filme colorido do diretor: a paleta de cores de cada plano e cada sequência remete quase sempre ao vermelho, a tons terrosos, à sujeira e ao sangue.
O imenso impacto estilístico e narrativo do Cinema Novo (com destaque para as obras de Glauber Rocha) rondaria fantasmagoricamente a história do cinema nacional, ecoando até os dias de hoje. Como se pode atestar em produções recentes, caso de O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho, escolhido para ser o candidato brasileiro ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2014.
Na trama, seguimos diversos grupos de personagens, de distintos níveis econômicos, habitantes da mesma rua ocupada por um condomínio de luxo, em Recife. Os prédios, que compõem o conjunto habitacional da narrativa, acabam por se tornar o espaço de realização de tensões sociais e históricas, ecoantes do Brasil colonial, tal qual descrito por Gilberto Freyre em seu livro Casa-Grande & Senzala: “Na zona agrária (brasileira) desenvolveu-se, com a monocultura absorvente, uma sociedade semifeudal – uma minoria de brancos e brancarões dominando patriarcais, polígamos, do alto das casas-grandes de pedra e cal, não só os escravos criados aos magotes nas senzalas como os lavradores de partido, os agregados, moradores de casas de taipa e de palha, vassalos das casas-grandes em todo o rigor da expressão”.
Na nova realidade de um Brasil que se urbaniza, o antigo senhor de engenho, representado em O som ao redor pelo personagem Francisco, torna-se investidor imobiliário, não se furtando em considerar a vizinhança em que habita como sua propriedade pessoal. O papel antes reservado aos escravos passa a ser exercido pelas empregadas domésticas, que muitas vezes, quando jovens, são “pegas para criar” por seus patrões, os quais afirmam, por vezes, considera-las “da família” – materializando relações profissionais que estão muito distantes do que se esperaria de uma lógica de trabalho livre. As senzalas transformam-se nas famigeradas “áreas de serviço” e “quartos de empregada”, recintos de dimensões reduzidas e altas temperaturas, por vezes dominados pelo mofo e pela umidade – reservados a uma força de trabalho que, no condomínio, considera-se estar apenas de passagem.
E quanto aos outrora folclóricos jagunços, estes se transmutam nos sempre presentes vigias de rua – representados no filme pelo personagem Clodoaldo, interpretado por Irandir Santos, e seus comandados. Estes deixam de lado o gibão e o chapéu de couro, a peixeira, e a garrucha, para vestirem o já habitual colete preto, sem mangas, marcado nas costas com palavras como SEGURANÇA ou CONTENÇÃO. Longe de visarem cangaceiros e beatos, buscam agora os chamados intrusos, pivetes e trombadinhas, nos quais preferem aplicar seus “cala-boca” ou “sossega-leão”, do que apelar para a lei de um Estado racionalista, sustentado por instituições, ao menos oficialmente, não-patriarcais. E talvez seja neste aspecto que O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro tenha se tornado, infelizmente, defasado. O Brasil arcaico que tanto Glauber Rocha quanto a época em que viveu consideravam moribundo e superado, parece continuar vivo nas entranhas do Brasil moderno.
Hitler, tendo a sua direita o ditador fascista italiano Mussolini, só gostava de arte clássica
Um Verdadeiro e Grandioso Tesouro em Obras de Artes Estavam Escondidasno Apartamento de um Idoso de 80 Anos, Atrás de Latas que Continham Comida Podre
Em 2011, fiscais aduaneiros alemães, em continuação a uma verificação de rotina, descobriram em um apartamento no bairro de Schwabing, Munique, um tesouro com 1.500 obras realizadas pelos melhores pintores do período entre as guerras mundiais do século XX.
Com o valor estimado em quase um bilhão de euros, acreditava-se que estas obras estavam perdidas. Mas estavam escondidos atrás de latas de macarrão, frutas e feijão, já apodrecidas.
São obras realizadas por artista do porte de Pablo Picasso, Marc Chagall, Emil Nolde, Henri Matisse, Max Beckmann, Renoir, Franz Marc, Otto Dix, Paul Klee, Oskar Kokoschka , Ernst Ludwig Kirchner e Max Liebermann.
Esta semana a revista semanal alemã Focus revelou toda esta incrível e surpreendente história de sua recuperação. É como o enredo de um filme de suspense.
“Arte Degenerada”, Para Hitler, Mas Cobiçada Por Muitos Nazistas
Munique, 1937, Hitler e Josef Goebbels, seu terrível ministro da propaganda, realizaram uma exposição conhecida como “Arte Degenerada”. Hitler gostava de um estilo clássico, de pinturas românticas, que idolatrava a sua visão do que ele acreditava ser o super-homem alemão. E seu gosto tinha de ser obrigatoriamente absolvido por aqueles que lhe seguiam. Dezenas de milhares de alemães visitaram a exposição “Arte Degenerada”, para ver seus líderes lhes dizerem o que deviam, ou não, gostar em relação à arte.
Hitler diante de obras que ele considerava como “arte degenerada”, que ordenou retirar dos museus alemães.
Definitivamente o impressionismo, o cubismo e o modernismo não tinha lugar no Terceiro Reich.
Apesar desta aversão de Hitler por estes estilos de pintura, muita gente que participava das altas rodas do Regime Nazista, apreciavam este tipo de arte.
Já era fato conhecido na época que muitas das melhores coleções de obras de arte da Europa, organizadas e montadas ao longo de décadas, estavam nas mãos de judeus. Diante do avanço e da brutalidade do Regime Nazista, temendo por suas vidas, muitos destes judeus entregaram por pouco, ou nenhum dinheiro, grandes clássicos realizados por Matisse, Picasso, Renoir e outros.
Quem adquiria primariamente este material eram membros medianos do regime, mas que possuíam conexões com o setor de transportes do Reich. Em troca das obras, os antigos proprietários recebiam passagens para países distantes e salvavam suas vidas. Normalmente este contrato era cumprido. Mas não por benevolência, ou gratidão.
Hitler e Hermann Göring, seu obeso comandante da aviação militar nazista, apreciando um quadro.
Isso ocorria porque estes funcionários medianos revendiam estas obras a membros de escalões superiores da cúpula nazista, que pagavam preços muito elevados pela sua nova aquisição. Certamente estes últimos não ficariam nem um pouco satisfeitos se descobrissem que pagaram um valor elevado por uma obra de arte, que havia sido conseguida por uma ninharia de um judeu.
Mas havia pessoas que, mesmo sem receberem do Partido Nazista uma maior atenção, também se aproveitavam desta situação. Um deles foi Hildebrand Gurlitt.
O Aproveitador
Este era um dos historiadores de arte mais respeitados na Alemanha no momento em que Hitler chegou ao poder em 1933. Ele continuou a ter sua licença de revendedor de arte durante o regime nazista, mas foi inicialmente odiado pelos novos governantes por ser especialista em arte moderna e ter uma avó judia.
Entre as obras recuperadas em Munique está este quadro do francês Henri Matisse. Os historiadores de arte estão empolgados com a descoberta de uma pintura de Matisse esta.
Apesar deste último e terrível agravante para os nazistas, eles também precisavam de Hildebrand, pois ninguém tinha os contatos que ele possuía com outros colecionadores, dentro da Alemanha Nazista e fora.
Quando a guerra começou ele participou de um intenso intercâmbio artístico para nutrir o grande museu que Hitler pretendia construir na cidade austríaca de Linz, onde nasceu. Este Führermuseum quimérico abrigaria a maior coleção de arte do mundo.
Hildebrandt Gurlitt
De acordo com a revista Focus, conforme Hildebrand assumia uma melhor posição junto aos próceres nazistas, teve maior facilidade em adquirir centenas e centenas de valiosíssimas obras de arte a preços medíocres.
No final da guerra, Hildebrand Guirlitt afirmou as forças Aliadas que o terrível bombardeio efetuado pela RAF contra a cidade alemã de Dresden, em fevereiro de 1945, havia destruído toda a sua valiosa coleção na casa da família, em Kaitzer Strasse.
Obra do pintor Max Beckmann foi uma das pinturas recuperadas.
Tudo que Hildebrand Guirlitt narrou aos Aliados foi dado crédito. Suas raízes judaicas e a raiva inicial dos nazistas com aquele especialista em artes, fez com que ele se tornasse aos olhos dos Aliados uma vítima e não um aproveitador da desgraça alheia. Ele nunca foi acusado de obrigar judeus a vender suas coleções de arte por tostões.
Hildebrand morreu em um acidente de carro no ano de 1956.
O Herdeiro
Em setembro de 2010, autoridades aduaneiras alemãs realizaram uma verificação durante a viagem de um trem entre Munique e a Suíça. Em meio ao trabalho de rotina eles encontraram Cornelius Gurlitt, um ancião com 80 anos, único filho sobrevivente de Hildebrand.
1945 – Soldados americanos recuperando obras uma pintura roubada pelos nazistas em uma mina. Os aliados acreditaram em Hildebrandt Gurlitt.
Percebendo que este parecia nervoso, os oficiais alemães decidiram dar uma verificada. Eles descobriram que aquele velhinho tinha um envelope contendo 9.000 euros em dinheiro vivo, dividido em 18 notas de 500 euros, além de um estoque de envelopes vazios.
É normal que muitos alemães abonados realizem ilegalmente depósitos em dinheiro nos “prestimosos e infalíveis” bancos suíços, tão conhecidos dos nossos políticos em Brasilia. Isso tudo com a intenção de fugir das altas taxas de tributação sobre as suas poupanças em sua pátria. Consequentemente a parada e controle sobre estas pessoas é comum nas fronteiras alemãs. E tem gente que pensa que só no Brasil se busca burlar o leão do fisco.
Realizando verificações sobre Cornelius, os guardas descobriram que ele nunca tinha trabalhado, não tinha qualquer conta bancária oficial, pensão, seguro de saúde e seguro de vida. Aquele homem não estava registrado junto à polícia (obrigatório na Alemanha), ou junto às autoridades fiscais e não tinha passaporte. Segundo estas mesmas autoridades “-Cornelius Gurlitt era um homem que não existia”.
Os fiscais então emitiram um mandado de busca para vistoriar o apartamento alugado de Cornelius.
Um Valioso Tesouro No Meio da Comida Podre
Ao chegarem ao local na primavera de 2011, no bairro Schwabing, ao norte de Munique. Lá os funcionários aduaneiros encontraram um apartamento cheio de lixo, comida podre, uma montanha de garrafas e latas de comidas já vencidas de macarrão, frutas e feijão. Atrás destas latas, ao lado de uma janela gradeada, havia várias caixas empoeiradas e dentro delas um enorme tesouro de valor artístico e econômico.
O edifício em Munique onde se localiza o apartamento que continha o tesouro artístico.
Um porta-voz da alfândega acrescentou: “-Nós fomos para o apartamento esperando encontrar alguns milhares de euros não declarados, mas ficamos impressionados com o que encontramos. Do chão ao teto, do quarto ao banheiro, eram pilhas e pilhas de comida velha, em latas velhas, grande parte delas ainda dos anos de 1980. E por trás de tudo estavam estas obras de arte no valor de centena de milhares de euros”.
A busca no apartamento e a apreensão das peças duraram vários dias, durante os quais Cornelius não ofereceu a mínima resistência. Mas, de forma controversa, os fiscais proibiram a divulgação de maiores informações sobre a apreensão, até a recente divulgação da revista Focus.
As autoridades afirmaram que o governo alemão tem tentado encontrar os herdeiros destas obras de arte ao redor do mundo. É um trabalho árduo, pois são muitos esboços, pinturas a óleo, a carvão, litografias e aquarelas.
Capa da revista alemã Focus sobre a descoberta das obras de arte mantidas. Grande trabalho jornalistico.
Sempre de acordo com a revista alemã Focus, as obras de arte estão agora em um cofre do Serviço de Alfândega da Baviera, em Garching, perto de Munique, onde uma equipe de especialistas está tentando encontrar os herdeiros dos legítimos proprietários.
Enquanto isso os promotores alemães acusaram Cornelius Gurlitt de evasão fiscal, por vender muitas outras obras de arte ao longo dos anos para viver.
A revista Focos informou que os investigadores encontraram um livro de registros bancários, com contas de poupança, onde Cornelius possui cerca de quinhentos mil euros. Fruto da venda destas obras de arte ao longo dos anos.
Ironicamente, embora Cornelius possa enfrentar prisão por evasão fiscal e lavagem de dinheiro, a legislação alemã deixa em aberto a possibilidade de muitas destas pinturas serem devolvidas para ele, se seus legítimos herdeiros não forem encontrados.
Anúncio jornalistico sobre a peça “Lampião”, de Raquel de Queiroz, com o ator Othon Bastos. Estes atores trabalharam na montagem desta peça realizada no Rio de Janeiro.
Rachel de Queiroz (1910-2003) nasceu em Fortaleza – CE e desde cedo conheceu as agruras da seca (com destaque para a grande seca de 1915, a qual inspirou sua obra “O quinze”). O sertão lhe era familiar, seus habitantes e seus costumes eram uma constante na obra de Rachel. Ela teve intensa atuação política, foi membro do Partido Comunista Brasileiro e chegou a ser presa em 1937 por suas ideias de esquerda. Foi também a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, em 1977 e uma das mais importantes romancistas do movimento regionalista de 1930, iniciado com a publicação de “A Bagaceira” de José Américo de Almeida em 1928.
A peça Lampião marca a estreia de Rachel no teatro, é também um exercício de jornalismo, pois Rachel baseou sua criação artística em uma pesquisa investigativa acerca da vida da personagem, seus costumes, suas façanhas, seus companheiros. Apesar de ser fiel à história verídica, a peça não se resume a um relato histórico da vida de Lampião, preso a uma fria narrativa dos fatos, mas é repleta de ação e emoção.
A transição momentânea de Queiroz da literatura para o teatro deu-se num contexto de carência de bons escritores das artes cênicas. A busca por talentos em outras áreas da criação artística tinha a intenção de fomentar o crescimento do teatro do Brasil na época. Uma prática um tanto criticada, pois ao creditar a um romancista uma produção teatral, há o grande risco de perder-se a noção de cenografia. Sobre essa questão, Décio de Almeida Prado (2001, p.93) afirma:
A maneira à primeira vista mais fácil de remediar a pobreza do nosso teatro será a de trazer alguns escritores para o teatro. […] Com isso teríamos o sangue generoso do romance e da nossa mais alta poesia aquecendo as veias algo atrofiadas do teatro […] a fórmula é tão falsa quanto atraente: não adianta a qualidade literária, desacompanhada de um mínimo de qualidades teatrais.
Lampião estreou em 1954 nos teatros Municipal do Rio de Janeiro e Leopoldo Fróes em São Paulo. Apesar das críticas, recebeu o prêmio Saci pela montagem paulista, concedido pelo jornal O Estado de São Paulo. Com cenários de Aldemir Martins (que ainda não estavam totalmente prontos no dia da estreia) e atuação de Sérgio Cardoso como Lampião, contando ainda com participações de Jorge Chaia, Vicente Silvestre e Carlos Zara, a peça foi uma aventura de banditismo, lutas e muita ação.
A cearense Rachel de Queiroz
A trama da peça decorre em meio ao apogeu do cangaço, movimento surgido no Nordeste brasileiro, no início do séc. XX. O cangaceiro era, normalmente, classificado como “bandido”, pois os assim chamados “bandos” seguiam suas próprias normas, ignorando as leis estabelecidas pelo Estado. Parte dessa marginalização do cangaceiro deu-se porque este era um empecilho aos desmandos dos grandes fazendeiros, ou “coronéis” da época, que exerciam grande influência junto ao governo. Na verdade, os primeiros bandos do cangaço eram forças armadas montadas por um “coronel”, para exercer o poder, que se libertaram do jugo do seu mandante.
O sertão de Queiroz, seus encantos e críticas
A autora de Lampião recria em sua obra um ambiente já muito explorado pela literatura da época. O sertão nordestino foi cenário de muitas obras da segunda fase do modernismo brasileiro, também conhecido como período do “Regionalismo”, ou “Romance regionalista de 1930”. Os autores dessa fase uniram a análise sociológica à psicológica, buscando a verossimilhança da narração com a determinação do tempo e do espaço. Por relacionar a linguagem narrativa à realidade, foram chamados de “neorrealistas”.
Queiroz, em particular, retrata o sertão à sua própria maneira, verídica e cativante. Os diálogos de Lampião são sempre arrebatadores, “não há ninguém, no teatro brasileiro, que dialogue melhor do que Rachel de Queiroz” (PRADO, 2001, p. 94), isso porque ela exprime toda a variedade de sintaxe e riqueza de vocabulário presentes na fala das personagens.
Esta cena da peça remete a prisão de dois representantes comerciais no interior de Pernambuco. Este momento é baseado em um fato real que ocorreu em 1926, quando o bando de Lampião sequestrou dois representantes, de duas grandes empresas. Este sequestro culminou indiretamente no combate da Serra Grande, na zona rural de Serra Talhada. Este foi o maior combate da história do cangaço.
Por outro lado, as paisagens de caatinga não são facilmente adaptadas ao palco, as cenas de corridas, lutas e perseguições geralmente perdiam seu teor magnífico quando encenadas, eram reduzidas em seu potencial espetacular pelos limites do tablado.
Dentre as críticas recebidas por Lampião, está a de que há certa falha quanto à manutenção da unidade espaço-temporal na peça. A trama se desenvolve sem preparação e sem continuidade, formando um conjunto de atos pouco articulados entre si. O drama simplesmente acontece, fatos seguem-se uns aos outros sem que haja conexão plausível entre eles.
Em Lampião, Rachel busca mostrar as personagens características da região do interior nordestino, seus loucos, fanáticos religiosos e bandidos. A questão do fanatismo religioso é mais aparente em A Beata Maria do Egito (QUEIROZ, 1958), montada no Teatro Serrador, no Rio de Janeiro, tendo no papel-título a atriz Glauce Rocha. A autora mostra a devoção popular aos líderes religiosos da época como Padre Cícero e Antônio Conselheiro. Na trama, em 1914, a beata Maria do Egito, recém-chegada à delegacia de uma pequena cidade do Ceará, recruta populares para se juntarem à rebelião que Padre Cícero lidera em Juazeiro.
O retrato artístico de um cangaceiro
A trama de Lampião transcorre basicamente no sertão Nordestino, é difícil especificar uma região, pois o bando de cangaceiros é nômade e vive em acampamentos no meio da caatinga. Sabe-se, porém, que Lampião realizou suas pilhagens majoritariamente nos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Alagoas.
Cangaceiro Sabino, interpretado pelo ator Edgar Ribeiro, despoja um inimigo morto.
Virgulino Ferreira da Silva, ou Lampião, nasceu em 1898 no Vale do Pajeú, em Pernambuco. Seu nome remete à palavra “vírgula”, parada, talvez uma profecia de que o sertão iria parar de admiração, indignação e medo por seus atos. Lampião teve uma infância comum a todas as crianças de sua classe social, aprendeu a ler e escrever, mas logo foi trabalhar ajudando seu pai, carregando água, enchiqueirando bodes, dando comida e água aos animais. Mais tarde passou aos trabalhos de gente grande: cultivava algodão, milho, feijão de corda, cuidava da criação de gado. Posteriormente tornou-se vaqueiro e feirante.
Lampião viveu num período instável, de transições de séculos (do XIX para o XX), de amadurecimento da implantação da república, das transformações ocorridas no plano estético da arte com o advento das vanguardas europeias e, posteriormente, do modernismo brasileiro.
Sua entrada para o cangaço foi quase inevitável, depois de ter o pai assassinado por questões de briga familiar com seu vizinho José Saturnino, Virgulino e seus irmãos Antônio, Ezequiel e Livino Ferreira entraram para o bando de Sebastião Pereira, também conhecido como Sinhô Pereira. Em entrevista a Otacílio Macêdo para O Ceará, transcrita no Diário oficial, Recife, 1995, p. 9, Lampião disse:
Chamo-me Virgulino Ferreira da Silva […] Meu pai, por ser constantemente perseguido pela família Nogueira e em especial por Zé Saturnino, nossos vizinhos, resolveu retirar-se para o município de Águas Brancas, no estado de Alagoas. Nem por isso cessou a perseguição. Em Águas Brancas, foi meu pai, José Ferreira, barbaramente assassinado pelos Nogueira e Saturnino, no ano de 1917. Não confiando na ação da justiça pública, por que os assassinos contavam com a escandalosa proteção dos grandes, resolvi fazer justiça por minha conta própria […]
Grupo de cangaceiros jogando cartas. Uma atividade bem comum nos momentos de descanso dos verdadeiros cangaceiros.
O banditismo foi a forma que os irmãos Ferreira encontraram para exercer sua vingança, “procuraram no bacamarte as leis que decidissem a questão por falta de outras” (BARROSO, 1930, p. 93-94). Em 1922 o comando do bando de sinhô Pereira foi dado a Lampião, então com 24 anos. Doravante, o bando do famigerado cangaceiro só cresceria e atemorizaria as regiões por onde passava. Neste ponto dá-se o início da peça de Rachel de Queiroz.
Na única cena do primeiro quadro são apresentados alguns dos personagens principais, a ação transcorre na casa de Maria Déa e seu esposo, o sapateiro Lauro, em ponta de arruado, à margem do rio São Francisco. Logo nos primeiros momentos Maria conta a seu esposo que o bando de Lampião se aproxima da cidade, deixando-o atemorizado, pois, além do medo normal que essa notícia causaria a qualquer pessoa, Lauro era um tanto covarde, o que causava muito desprezo e até náuseas em Maria.
Insatisfeita com seu casamento e a despeito de ter que cuidar de seus dois filhos, Maria Déa manda um recado a Lampião, dizendo que viesse buscá-la se assim quisesse, para viajar o sertão e entrar para a vida do cangaço junto com ele. Eis que Lampião recebe o recado e chega à porta da casa, juntamente com seu bando, para levar Maria Déa, conforme a vontade da mesma. O bando de cangaceiros é então composto basicamente por Sabino, Antônio Ferreira (irmão de Lampião), Ponto-Fino (Ezequiel, também irmão de Lampião), Moderno (cunhado de Lampião), Corisco (ou Diabo-Louro), Volta Seca, Pai-Velho, Zé Baiano, Azulão, Pernambuco e Arvoredo. Apesar das súplicas de Lauro, Maria Déa ganha o mundo com Lampião e seu bando. Num ato de aparente misericórdia, o chefe dos cangaceiros resolve poupar a vida do pobre sapateiro.
Lampião (a esq.) vem buscar a jovem Maria Déa, interpretada pela atriz Ana Maria (do TEB-Teatro do Estudante do Brasil), ante o desespero do seu marido, o sapateiro Lauro. Na vida real o marido de Maria Déa, que seria conhecida como Maria Bonita, era José Miguel da Silva, sapateiro e conhecido como Zé Neném.
O segundo quadro é composto por duas cenas, a primeira dá-se num acampamento na caatinga, um local não muito bem definido, debaixo de um grande Juazeiro. Dois viajantes são interpelados por Corisco, que desconfia que eles possam ser espiões delatores. À chegada de Lampião ao local, segue-se um diálogo no qual o cangaceiro designa os dois viajantes, o capangeueiro (negociador de diamantes) e o agente de seguros, para levar um recado ao interventor de Recife, uma carta de paz. Antônio Ferreira, Pernambuco, Arvoredo e Azulão os acompanharão até a residência de seu Juventino, em Barreiros, de onde seguirão viagem para Recife. Lampião pretendia cessar as hostilidades com os, por ele chamados, “macacos do governo”, trata então de propor um acordo: ele governaria o sertão a seu modo e o interventor governaria a Zona da Mata e o Litoral. Na segunda cena deste quadro o mesmo acampamento é o cenário, algumas horas mais tarde. Lampião e Maria Bonita dialogam, ela mostra-se consciente dos riscos desse modo de vida, cita exemplos de Pedra Bonita e Canudos, casos em que o governo superou a resistência e repreendeu as revoltas populares. Lampião, por sua vez, acha essas comparações infelizes, diz que seu padrinho, padre Cícero, o protege e que tem o corpo fechado para mau-olhado. Ele revela o motivo de ter deixado o ex-marido de Maria e seus filhos vivos: para que tenha em quem “desabafar” quando não puder mais aguentar as pressões da vida no cangaço, da paixão por sua mulher, do medo de uma traição. Chegam ao local Azulão, Arvoredo e Pernambuco, contam que em casa de seu Juventino, Antônio Ferreira foi mortalmente baleado acidentalmente. Lampião parece acreditar na história, porém manda os homens deixarem o bando e as armas e sumirem no mundo. Mas assim que eles viram as costas, desarmados, o chefe dos cangaceiros ordena que abram fogo contra os três homens que ele julga responsáveis pela morte de seu irmão.
Representação do casamento de Lampião e Maria Bonita na caatinga, com o seu marido lhe suplicando que retorne ao lar. Da forma como a cena é retratada, nada disso ocorreu. Mas enfim é teatro!
O terceiro quadro possui apenas uma cena, o cenário é o mesmo, mas foi aperfeiçoado na tentativa de fazê-lo mais aconchegante. Volta-Seca foi fazer compra na cidade mais próxima e encontra um jornal no qual saiu a repercussão da carta enviada por Lampião para oferecer paz. Na primeira página, a foto do cangaceiro, uma matéria sobre a audácia dele em achar que pode tratar o interventor de potência a potência e a promessa do governo de represália a esse “insulto”. Sabino questiona a tentativa de paz de seu líder, diz que com o governo não tem acordo, que o chefe está esmorecendo, perdendo o vigor e a liderança. Lampião vê em Sabino uma ameaça, acusa-o de subverter seu irmão, Ezequiel, e, sem hesitar, fuzila-o com três balas à queima-roupa.
Ainda no mesmo cenário de acampamento, porém desmantelado, desenrola-se a primeira cena do quarto quadro, os cangaceiros e Maria Bonita aparecem em cena feridos e exaustos. O cerco do governo estreita-se sobre o rei do cangaço, e ele sente as consequências de querer ser um “estado dentro de um estado”. Desgastados, os três últimos homens de Lampião, Ponto-Fino, Pai-Velho e Moderno procuram água e mantimentos, já escassos. Ponto-Fino vai à busca de lenha, Moderno de água. Após um breve intervalo ouve-se um tiro, Lampião e Pai-Velho correm para averiguar a origem do disparo. Chega Ponto-Fino ao local em que Maria Bonita tinha ficado sozinha. Ele passa a assediá-la, oferecendo-lhe uma hipotética vida de calmaria na cidade de Juazeiro, proclamando que será o chefe do bando e ela será sua mulher. Maria Bonita fica indignada com tais pensamentos de seu cunhado, repreende-o. Chegam Pai-Velho e Lampião, este com uma fúria nos olhos, censura o irmão por ter atirado, justificando que o Sargento Calu está em sua caça e o tiro seria um chamariz. Ponto-Fino, ou Ezequiel, desafia o irmão, acusando-o de ter mandado matar Antônio Ferreira e questionando a morte de seu outro irmão, Livino, que não aparece na história a não ser por esta citação. Lampião, irado com a ousadia de Ezequiel, desafia-o para uma luta de faca. Segue-se a luta, da qual Lampião sai vencedor. Ponto-Fino fica muito ferido, mas não morre de imediato. Na segunda cena, mesmo cenário, cai a noite, Moderno monta sentinela, na qual é substituído pelo próprio Lampião. Em conversa com Maria, ele tenta justificar o ataque ao irmão, culpando a insolência de Ezequiel. Ela diz que pressente que o castigo está próximo, que o sangue dos inocentes reclama a vingança. Chega ao local Corisco com um pequeno bando de jovens cangaceiros, para se juntar ao Capitão Virgulino e ajudá-lo na sua retirada à grota dos Angicos.
Dez anos depois da montagem carioca da peça “Lampião”, o ator Othon Bastos voltaria a interpretar um famoso cangaceiro. Desta vez seria no cinema, atuando como Corisco, no antológico filme “Deus e o diabo na terra do sol”, dirigido pelo baiano Gláuber Rocha.
No quinto e último quadro o cenário é a Grota dos Angicos, segundo o próprio capitão, o lugar mais seguro de que ele dispunha. Lampião e Maria Bonita dialogam aos primeiros sinais da luz do dia. A mulher ambiciona deixar a vida de banditismo, ir para um lugar longínquo onde jamais se tenha ouvido falar em Lampião, este, por sua vez, afirma que seria como um atestado de covardia, coisa que ele não possuía. De repente, se ouve tiros, o refúgio derradeiro de Lampião é descoberto, ele foi traído. Ele e Maria Bonita são metralhados à morte, juntamente com os outros cabras que ainda dormiam. O fim da história de Lampião coincidiu com a decadência do cangaço. A entrada para a história, infelizmente, contou com a exposição de partes de seu corpo e dos homens de seu bando em praça pública. “As famílias dos cangaceiros do bando de Lampião, após uma longa batalha jurídica, puderam dar um enterro digno a seus parentes, vítimas da sociedade da época” (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1969).
Lampião por Queiroz
A obra Lampião assemelha-se a um quadro expressionista da figura de Lampião. Em vez de imprimir, de fora para dentro, no texto a imagem que tinha do cangaceiro, Rachel exprimiu, com suas palavras, o sentimento que lhe despertava a história de vida do homem Virgulino. Porém, há algo a ser criticado na peça, a escassez de tempo que é dado ao público para que participe emocionalmente da ação. Prado (2001, p.94) afirma que:
De repente um cangaceiro qualquer, mal delineado psicologicamente, desconhecido da plateia, vem ao primeiro plano, revolta-se e Lampião o mata, antes que tivéssemos tempo de tomar pé no assunto […] de participar emocionalmente da revolta e do crime.
Mas isso não tira o mérito da grande Jornalista, cronista, romancista e dramaturga que foi Rachel de Queiroz, nem de sua peça Lampião. O estilo da autora é inconfundível. O Lampião de Queiroz em muito se assemelha ao imperador do sertão que se conhece hoje. Apesar de seus atos violentos, tinha também um lado humano e generoso. Ao Diário Oficial, 1995, p.9, Lampião revelou:
Tenho cometido violências e depredações vingando-me dos que me perseguem e em represália a inimigos. Costumo, porém, respeitar as famílias, por mais humildes que sejam, e quando sucede algum do meu grupo desrespeitar uma mulher, castigo severamente.
Ao mesmo tempo em que roubava e matava, dava também aos pobres, chegou a distribuir mais de um conto de réis com o povo do Juazeiro. Era desconfiado, pois tinha medo de traição por parte dos seus. “Lampião suspeitava de todos os alimentos que lhe entregavam e fazia com que fossem experimentados […] examinava com cuidado as garrafas” (GRUNSPAN-JASMIN, 2006). Católico e devoto a padre Cícero. Lampião certa vez disse (Diário Oficial, 1995, p. 9):
Sempre respeitei e continuo a respeitar o estado do Ceará, porque aqui não tenho inimigos, nunca me fizeram mal, e além disso é o estado do padre Cícero. Como deve saber, tenho a maior veneração por esse santo sacerdote, porque é o protetor dos humildes e infelizes
O homem Virgulino ou capitão Lampião não poderia se queixar da falta de menções ao seu nome, muitos foram os contos, livros, as músicas e cordéis que contaram sua história. “Era brabo, Virgulino Lampião, mas era, pra quê negar, das fibras do coração, o mais perfeito retrato, das caatingas do sertão” (Literatura de Cordel). O rei dos cangaceiros é mais uma vez retratado nessa brilhante obra de Queiroz, dessa vez com a fibra e a força características dos sertanejos.
“Ai, ai, as pinturas mais belas são as que sonhamos deitados na cama, fumando um cachimbo, mas nunca pintamos.”
Vincent Van Gogh
Uma vida curta e conturbada para uma longa biografia de mais de mil páginas, Van Gogh, filho de pastor, depois de fracassar em tudo que tentou fazer, decidiu ser pintor. Um pintor também “fracassado”, ou melhor incompreendido pelo seu tempo, cuja obra imensa e invejável que construiu em sua rápida existência penosa e turbulenta, vem inquietando e provocando as gerações posteriores. O livro escrito por Steven Naifeh e Gregory White Smith, é uma das biografias mais extensas e completas de um artista que se tornou um mito da arte moderna. Do nascimento do pintor à sua morte aos trinta e sete anos, os autores vasculharam a vida de um navegante solitário, remando sempre contra a correnteza.
A biografia de um artista não explica, nem justifica sua obra, mas elas se comunicam, diria o filósofo francês Merleau-Ponty. Em se tratando de Van Gogh e sua vida difícil, com episódios trágicos, é possível ver uma relação estreita entre sua obra e o modo como viveu. Mesmo com todas as dificuldades não desistiu da ilusão de ser pintor. Desde a infância com um olhar desconfiado sobre o mundo, crises de raivas, caminhadas solitárias por lugares distantes, quem sabe para distanciar-se de tudo e de todos. Criado num ambiente religioso, protegido dos excessos do pecado, privado de emoção e cor, criou um mundo colorido e emotivo como meio de transgressão.
Uma vida que colecionava infelicidades, zombarias e desafetos, buscava encontrar na arte o que não via na vida. Talvez o mais deprimido dos artistas, mas com uma produtividade incansável, como se estivesse sublimando na tela a infância não vivida e as emoções reprimidas. Ariscou a vida no trabalho da pintura, produziu como um louco mas sem perder a razão, indispensável ao ofício de pintor, “dedico-me a minhas telas com toda a minha mente”, escreveu para o irmão Theo. Acrescentou ao mundo a verdade da pintura.
Tinha um único amigo, confidente, incentivador e responsável pelo seu sustento, com quem se correspondia e também tinha atritos, o irmão mais novo, Theo. Sem negar a rivalidade familiar, Theo era o filho que deu certo, tinha profissão, ajudava no sustento da família, tinha uma vida correta dentro do esperado nos padrões da classe média. Van Gogh era o contrário, com sua pintura ridicularizada pelos seus contemporâneos, desprovidos de informações para compreendê-las, sem aceitação no mercado. Quanta aflição. Somente mais de cinco anos depois de sua morte é que veio a ser reconhecido e celebrado.
Queria pintar o que via, mas via o que pintava. Uma pintura de uma força irresistível, cor firme, céu agitado, uma forma particular de ver as coisas e a paisagem. Vida e obra se misturavam, o temperamento rebelde do artista, diagnosticado com várias enfermidades, – entre elas esquizofrenia, – desentendimentos, crises existenciais, a amizade tumultuada com Paul Gauguin, amputação da orelha, até a morte trágica, reavaliada no livro. Os autores descartam a hipótese, mais conhecida, de suicídio do pintor. Com um inventário de provas, acreditam em assassinato acidental. Com base em laudos médicos, que informam que a arma do crime foi disparada de certa distância do corpo, declaração do próprio artista que achava o suicídio “uma covardia moral” etc. Um crime misterioso, sem testemunha e sem o local exato do disparo, que até a arma desapareceu, mas não tão misterioso quanto a sua arte.
Suicídio ou assassinato? Longe de mim de tomar partido, não sou advogado nem perito criminal. As condições precárias em que viveu numa sociedade hostil contribuíram, sem dúvida, para o final brutal, por um ferimento de bala na parte superior do abdômen. Mas de uma coisa ninguém duvida, da fascinação e da certeza de sua pintura que muito acrescentou à história da arte. Uma obra inquestionável que ultrapassa os acidentes da vida. Quantos artistas na história viveram à margem do sistema social, com uma vida pouco digna e construíram uma obra que sensibiliza gerações.
O livro faz uma revelação importante, a meu ver, para o meio de arte, hoje em dia, recheado de qualquer coisa e sintomas culturais. Os autores mostram um Van Gogh com uma sólida formação cultural, leitor e frequentador de museus, reflexivo, que planejava suas telas antes de realizá-las e as pintava na mais plena lucidez. “Chamam um pintor de louco se vê as coisas com olhos diferentes dos deles,” dizia nas suas correspondências para Theo. Sua pintura não era obra do acaso ou da loucura, cada gesto, cor e pincelada eram a manifestação de um pensamento.
A problemática e a ambígua relação entre arte e loucura vem à tona. Um artista que passou temporadas internado num abismo moderno chamado hospício, nos últimos anos de sua vida, onde a liberdade humana é restrita, nos deixou uma experiência artística longe do estado de loucura. Através da arte Van Gogh escorregou da psicose, a sua pintura, se nasceu na angústia pessoal, a realidade foi transformada a partir da vontade consciente de um sujeito.
É quase impossível a compreensão da vida humana sem a presença da arte, a irracionalidade está presente na estrutura interna da obra de arte, nos adverte o filosofo alemão Heidegger. Até mesmo a pintura de uma visualidade racional, como a de um Mondrian, não deixa de ser um fenômeno irracional. A suposta loucura na arte de Van Gohg é perfeitamente reconhecida e apreendida em nosso mundo racional.
Se contemplamos nas suas telas paisagens, retratos, campos de trigo, girassóis, corvos, é um problema nosso. Ele fez apenas pintura e por isso nos inquieta até hoje e vai inquietar muitas gerações enquanto a arte existir. Se os autores dedicaram dez anos para escrever esta biografia é porque o seu personagem se entregou ao mundo para transformá-lo em pintura. Lembrei-me de Paul Valery. Van Gogh sabia o que estava pintando e para isso ele precisava não só de telas, tintas e pincéis; precisava também da razão e da imaginação.
A arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina Francisca Fernanda de Habsburgo-Lorena, filha de Francisco I, ex-imperador da Alemanha e então Imperador da Áustria, que contraiu núpcias com Pedro de Alcântara, em 1817, tinha grande interesse pela botânica. Isto ficou evidente quando ela veio para o Rio de Janeiro a fim de unir-se ao príncipe Pedro de Alcântara, com o qual havia contraído núpcias. Á época, a Corte português encontrava-se no Rio de Janeiro e D.João, genitor de D. Pedro, exercia a regência devido à demência da rainha Maria I, sua mãe. Integrando a comitiva da arquiduquesa Leopoldina vieram vários naturalistas, com destaque para o médico, botânico e antropólogo Carl Friedrich Philipp Von Martius e o zoólogo Johann Baptiste Von Spix, integrantes da chamada “Missão Artística Austro-Alemâ”. Eles tinham sido convidados para uma expedição ao Brasil, com o propósito de descrever a fauna e a flora do país. Ambos estavam credenciados pela Academia de Ciências da Baviera. Carl e Spix iniciaram suas pesquisas em 1818, passando por São Paulo, Minas Gerais (Ouro Preto e Diamantina), Bahia, Pernambuco, Piauí e Maranhão e Pará. O percurso foi feito a pé, com uso de animais resistentes ao transporte de carga. De Belém, já em 1819, a expedição subiu o rio Amazonas até atingir o rio Solimões, onde a expedição foi desmembrada. Carl Martius enveredou pelo rio Japurá até alcançar a fronteira com a Colômbia. Johann Spix seguiu sozinho o curso do Solimões, de Tefé a Tabatinga e do rio Negro, de Manaus a Barcelos, estendendo a viagem até o Peru. No retorno, os dois cientistas se encontraram no rio Negro e subiram o rio Madeira. Carl Martius teria permanecido apenas 10 meses na Amazônia. Ao retornar a Alemanha, levou entre objetos de sua pesquisa as 470 plantas medicinais que relacionou junto aos indígenas. Johann Spix demorou mais tempo, cerca de 3 anos, passando por agruras diversas.Percorreu cerca de 10 mil km e só retornou a Alemanha em 1820, conduzindo um apreciável acervo: 6.500 variedades da flora, 85 espécies de mamíferos, 350 aves, 130 anfíbios, 146 peles e 2.700 insetos. O conjunto do material adquirido se constitui na base da coleção do Museu de História Natural de Munique. Sua extraordinária aventura foi registrada no Livro “Reise In Brasilien” cujo titulo em português é “Viagem pelo Brasil -1817 a 1820”. Carl Von Martius também publicou um livro, denominado “Flora Brasilienses”.
Johann Baptiste Von Spix
A EXPEDIÇÃO CIENTÍFICA ALEMÃ – 1935/1937
Expedição alemã singrando as águas do Rio Jari, no trecho navegável antes da cachoeira Santo Antônio. Na popa da embarcação pode ser vista uma bandeira com a cruz suástica, simbolo do nazismo.
Heinrich Himmler, chefe do Departamento Central de Segurança do III Reich, subordinado a SS, acreditava que era possível encontrar na Amazônia, descendentes da Atlântida, de raça pura e vestígios genéticos da “raça ariana”. Ele já havia organizado e enviado expedições cientificas a várias regiões da terra com este propósito. Em 1934, chegou a relacionar entre os enviados ao Tibet, o pesquisador Otto Schulz, filiado ao partido nazista NSDAP, mas este não topou a empreitada. Entretanto, aceitou compor uma expedição formada com apoio de Herman Goring, cujo destino era o vale do rio Jarí, na região norte do Brasil. Otto Schulz-Kampfhenkel era de família rica, formado em geografia e ciências naturais. Tinha paixão pela aviação e integrou a missão cientifica como piloto de hidroavião “Seekadett”, apelidado “Águia Marinha”. Apenas quatro alemães faziam parte da expedição que chegou a Belém no inicio de 1935. O chefe era Gerd Kahh. Joseph Greiner cuidaria da segurança do grupo e guarda do material vindo da Alemanha.
Hidroavião “Seekadett”, apelidado “Águia Marinha”, estacionado na rampa destinada a aviões anfíbios, na atual área ocupada pela Aeronáutica, em Belém. Os 3 alemães que chegaram à capital do Pará, em 1935, são vistos entre militares brasileiros.
Otto Schulz pilotaria o hidroavião, cuja manutenção ficou a cargo do mecânico Gerhard Krause, também técnico de som que operaria os gravadores e as filmadoras. Os quatro alemães eram oficiais do exército nazista de Hitler, e deveriam proceder ao levantamento topográfico da bacia do ri Jarí até suas cachoeiras, com interesse cientifico de pesquisar a fauna e a flora da região e de outra ordem. Schulz-Kampfhenkel e seus companheiros passaram 2 meses, em Belém, requerendo autorização para subir o rio Jarí. Para provar que o objetivo da expedição era eminentemente cientifico, mostrou às autoridades brasileiras as cartas de credenciamento expedidas por institutos de pesquisa e museus de história natural da Alemanha. Foi bastante convincente nas suas explicações, tanto que, conseguiu a adesão do Instituto Emílio Goeldi, de Belém e do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Porém, embora o Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, Getúlio Dorneles Vargas fosse simpático ao nazismo, o aval das Forças Armadas custou a sair.
Os alemães contrataram 30 caboclos da região do Jari para auxiliá-los nos trabalhos da expedição. Nesta fotografia, aparecem 16 homesns engajados na empreitada, acostumados a enfrentar as corredeiras e as cachoeiras do Rio Jari.
Na oportunidade era governador do Estado do Pará o Senhor José Carneiro da Gama Malcher, que tomara posse a 4/5/1934 e nele permaneceu até 25/1/1943. O general baiano Manuel Cerqueira Daltro Filho, que comandava a 8ª Região Militar desde o mês de maio de 1935, exigiu dos alemães o máximo de respeito à soberania nacional e os prestigiou até julho de 1937, ocasião em que foi transferido para o Rio Grande do Sul. Outro importante apoio os alemães receberam do coronel José Júlio de Andrade, afinal de contas, as terras que eles iriam percorrer lhes pertenciam. Indagados sobre tanto interesse pela região do rio Jari, os membros da expedição afirmavam: “Aqui é oferecido um espaço suficiente para imigração e o estabelecimento dos povos nórdicos. Para a mais avançada raça, oferece infinitas possibilidades de exploração”. Comentava-se, entretanto, que a expedição tinha a missão de explorar a região fronteiriça do Brasil com a Guiana Francesa e colonizá-la para o “Terceiro Reich”.
O experiente indio Winnetou foi contratado para servir de guia da expedição. Na proa de sua canoa havia dos poleiros improvisados onde viajavam sossegadamente duas araras e três papagaios.Uma rústica esteira de arumã protege a carga.
Os exploradores trouxeram da Alemanha 11 toneladas de suprimentos e munições para 5 mil tiros. Este material foi transportado para a vila Santo Antônio, próximo à cachoeira que ostenta este nome, no navio “José Júlio”, gentilmente cedido pelo coronel e ali ficou estocado. O acampamento foi montado acima do curso médio do rio Jari, junto à cachoeira Macaquara, em área onde havia uma aldeia dos índios Aparai. Sempre que se fazia necessário, Joseph Greiner, com uso de um pequeno barco de madeira, ia à vila de Santo Antônio para buscar viveres e outros produtos. Apenas ele fazia este trabalho, contando com a ajuda de alguns caboclos engajados na expedição.
Dois membros da expedição, provavelmente o piloto Schulz e o mecânico Gerhard, remam sentados nos flutuadores do hidroavião.Os alemães pretendiam subir o Rio Jari na aeronave, desistindo de fazê-lo depois que conheceram melhor o trecho que precisariam transpor.
O hidroavião “Águia Marinha”, que tanto encantou a população de Belém e causaria tanta perplexidade no vale do Jari, estava dotado de flutuadores revestidos com compensado e equipado com instrumentos de navegação. Nos vôos para registro fotogramétrico, o mecânico, que também era técnico de som, Gerhard Krause, fazia as filmagens. Com alguma freqüência o avião fazia vôos para Belém, levando parte do material coletado nas pesquisas. Consta que o acervo ficava sob a guarda do Instituto Emílio Goeldi.
Uma das corredeiras do Rio Jari sendo transposta com muita dificuldade.
A expedição sempre contou com a especial atenção do coronel José Júlio de Andrade, dos caboclos da região e dos índios Aparai. Além dos Aparai, moravam na área entre o rio Jari e o rio Parú, os Uruguianos, de pele morena e estatura mediana. Estabelecidos em ponto mais distante do local ocupado pelos Aparai, não participaram da expedição. As duas tribos eram materialmente assistidas pelo coronel José Júlio para não cometerem desatinos. No primeiro contato com os Aparai, os alemães disseram que eram filhos do “Pai Grande da Ciência”. Frequentavam assiduamente a aldeia Aparai e chegaram a morar um ano às entre os índios. O geólogo Otto Schulz, por ser piloto, era visto com soberba admiração e acabou se amasiando com a índia Macarrani, tendo com ela teve uma filha chamada Ceçé. Consta que, a criança tinha a pele clara e os olhos incrivelmente azuis. Aliás, os Aparai não eram tão morenos como habitualmente são os gentios brasileiros.
Gerhard Krause mostra a uma velha india como funciona um gravador.
Além de ser o capataz da expedição e cuidar da segurança de seus patrícios, Joseph Greiner era uma espécie de porta-voz do grupo alemão. Ele era o único que não veio com a expedição, pois migrou para o Brasil com 15 anos de idade. Em 1935, morava em São Paulo quando tomou conhecimento da presença da expedição em Belém. Ofereceu seus préstimos aos conterrâneos e foi contratado como mestre bagageiro, capataz e encarregado das provisões Falava fluentemente o português e teve participação importante nas relações que a expedição manteve com o governo brasileiro. Era Greiner quem indicava o local mais adequado para o pouso do hidroavião, mudando-o de acordo com o estágio em que se encontrava a maré. Quando o piloto Otto Schulz retornava de suas atividades diárias ao anoitecer, Greiner acendia uma fogueira para orientá-lo.
A bela e exótica india Okoi, da etnia Aparai, fotografada pelos alemães.
Otto Schulz era um bom piloto, mas as vezes abusava da sorte e da paciência dos patrícios. Certa vez tentou subir o rio Jarí com o avião deslizando em seus flutuadores, deixando de fazê-lo ao ver que a empreitada era impossível de ser realizada. Certa vez, realizando voo para levantamento topográfico, o hidroavião perdeu altura e espatifou-se sobre toras de madeira que flutuavam sobre as águas do rio Amazonas, entre Gurupá e Arumanduba. O piloto Otto Schulz e o mecânico Gerhard sobreviveram e passaram horas agarrados a um dos flutuadores do avião. Foram resgatados por caboclos da região que os encontraram bastante exaustos. Em outra ocasião, sob forte chuva, Oto Schulz subia o rio Jarí, tendo a bordo de uma canoa câmara fotográfica, filmadora, bússola, armas, munições, material cartográfico, comida e roupas, quando foi surpreendido por um repiquete de inicio do inverno. Só não perdeu a vida, mas ficou vagando perdido pela floresta. Os índios o encontraram completamente desnorteado.
A velha india usa um fone de ouvido e ouve as vozes gravadas por Gehard.
Atuando em uma região hostil, os alemães enfrentaram sérios problemas de saúde. Malária, repetidos acidentes, diarreia e apendicite os atacaram. Valiam-se dos remédios trazidos da Alemanha e do conhecimento que os índios tinham das ervas medicinais. No dia 1º de janeiro de 1936, dia da confraternização universal ou ano novo, Joseph Greiner deixou o acampamento da cachoeira Macaquara com destino a vila Santo Antônio, onde pernoitou. Ao amanhecer do dia 2 de janeiro, ele e seus auxiliares iniciaram o transporte de mercadoria para o lombo dos burros que o coronel José Júlio lhes havia emprestado. Os animais levariam a carga até o local onde o barco que utilizavam na viagem tinha ficado atracado. Ao chegar ao atracadouro do barco, bem acima de corredeiras e queda d’água, Greiner ardia em febre e passava mal. Foi levado de volta para a filial de Santo Antônio da Cachoeira onde seu quadro de saúde se agravou.
Índios Aparai junto a cruz de acapu feita em Belém e fixada no local onde morreu o alemão Joseph Greiner.
Sentindo que fatalmente não resistiria à malária, Greiner pediu que sua mercadoria fosse guardada e entregue a seus patrícios, que estavam ausentes. Entrou em coma e faleceu às 20 horas do mesmo dia, aos 30 anos de idade. Na manhã do dia 3 de janeiro, enquanto um mensageiro foi avisar os demais membros da expedição, o pessoal da filial de Santo Antônio realizou o sepultamento de Joseph Greiner no pequeno cemitério local. Na Vila de Santo Antônio, os alemães conheceram os detalhes da morte de Greiner e imediatamente seguiram para Belém, em uma embarcação cedida pelo coronel José Júlio de Andrade. Otto Schulz, Gerd Kahh e Gerhard Krause agiram com prudência, porque também já haviam contraído malária e outras doenças. Permaneceram dois meses em Belém, em busca de cuidados médicos. Ao retornarem ao Jari, levaram uma cruz gamada de origem indo-tibetana, popularizada pelo nazismo, confeccionada em acapú. A haste vertical mede 3 metros de altura e o patíbulo ou braço, tem 2 metros. Ela se destaca de modo imponente entre as demais cruzes do cemitério da antiga Vila da Cachoeira, demarcando o local onde Joseph Greiner foi sepultado.
Estágio atual (2013) do local onde Joseph Greiner foi sepultado.
Na parte superior da haste, está a suástica, símbolo do nazismo. No batibulo, consta o nome do morto: JOSEPH GREINER. No restante da haste, abaixo do patíbulo, lê-se: “Joseph Greiner. Starb Hier. Am 2-1-36. Den Fiebertod In Dienste. Deustscher Furschungs. Arbeit Deustsche. Amazonas. Jary Expedition 1935-37”. A tradução literal para a língua portuguesa quer dizer: “Joseph Greiner Faleceu Aqui Em 2-1-36 De Morte de Febre Em Serviço de Exploração Para Alemanha. Expedição Alemanha. Amazonas. Jary 1935-37”. Durante muito tempo a cruz ficou exposta às intempéries. Recentemente um rústico telhado de fibra-cimento a protege da chuva. Há 76 anos a cruz permanece erguida na sepultura de Greiner.
Gerhard Krauser, mecânico de avião e técnico de som, mostra a alguns índios, as gravações que realizou contendo suas vozes. Os índios Aparai eram bem amistosos, fato que favoreceu a rápida ambientação dos alemães.
A expedição levou para a Alemanha um apreciável acervo: peles de 500 mamíferos diferentes, centenas de répteis e anfíbios e 1500 peças arqueológicas. Produziu 2.500 fotografias e 2.700 metros de filmes de 35 mm focando índios, caboclos, animais, peles, cobras, etc. Detalhes marcantes da expedição estão contidos em um livro editado em 1939, em Berlim, pela editora Deutscher Verlag, com o nome de “Rätsel der Urwaldholle”, significando em português “Mistérios do Inferno na Mata Virgem”, que corresponde ao diário do geólogo e piloto Otto Schulz-Kampfhrnkel. Na edição de 1938, há 60 fotografias. Algumas delas que mostram a cruz suástica e a bandeira nazista. Na reedição de 1953, as fotos foram banidas. As fotografias mostradas neste artigo estão contidas no livro acima identificado.
Quando em 1719 Daniel Defoe publicou seu romance Robinson Crusoé não tinha ideia que este se tornaria mundialmente famosa e lembrada por muitas gerações. No entanto Defoe tinha lido alguns anos antes um livro escrito por um corsário, um certo Woodes Rogers, que narrou a aventura de um de seus marinheiros que afirmava ter passado mais de quatro anos abandonado em uma ilha deserta. O nome deste marinheiro era Alexander Selkirk.
Na pequena Bristol de 1714, todo domingo se via passar pelas ruas um senhor vestido de preto. Por baixo do casaco, o inglês exibia mangas rendadas. Usava uma peruca volumosa e a espada atada à cinta. Entrava nas tabernas para conversar com os operários e marinheiros. Ninguém sabia seu nome, nem o que fazia nos outros dias da semana. Quando o domingo chegava ao fim, ele desaparecia.
Esse comportamento bem peculiar lhe valeu a alcunha de “Gentleman Sunday”, o Cavalheiro Domingo. Almoçava invariavelmente na pensão Leão Vermelho, freqüentada por gente muito esquisita. Num domingo como outro qualquer, entrou nesse estabelecimento um homem vestido de pele de cabra, gorro e botas de cano alto. O Cavalheiro Domingo e o “selvagem” logo simpatizaram e fizeram amizade. Passaram a ouvir juntos o sermão noturno. Ambos eram crentes fervorosos.
Todos conheciam o tal selvagem. Os jornais de Londres já haviam relatado sua extraordinária aventura e ele mesmo contou-a minuciosamente ao Cavalheiro Domingo naquela noite. Seu nome era Alexander Selkirk. Nascido em Lower Largo, na região de Fife, Escócia, em 1776, foi o sétimo filho de um próspero – mas turrão – artesão de peles. Não queria ser comerciante como o pai por nada neste mundo. Aos 19 anos, recebeu uma condenação por indecência pública por namorar na igreja e, ao invés de ir para alguma cela imunda, ele fugiu da cidade e se juntou a tripulação de um barco. Embarcou então em busca de novos horizontes.
Capitão William Dampier, antigo comandante de Selkirk. Esteve na Bahia em 1699 – Fonte – http://pt.wikipedia.org
Atraído pelo mar, Selkirk preferiu os corsários à Marinha Real Britânica. Apesar de mais arriscada, a carreira era mais bem remunerada. Ele participou da expedição dos capitães Thomas Strading e William Dampier numa campanha que prometia muito lucro.
Dampier era inglês, filho de um fazendeiro, tinha sido um marinheiro em um navio mercante desde que tinha dezessete anos e quatro anos mais tarde entrou na Marinha Real, onde participou de várias expedições pelos sete mares e deixou a Marinha após a perda de um barco. Virou corsário!
Depois de vários meses, no entanto, eles não fizeram nenhuma pilhagem. William Dampier, capitão de um barco chamado St. George, revelou-se melhor etnógrafo que pirata. Célebre explorador e navegante talentoso, escreveu diversas obras, entre as quais Discurso sobre os ventos, acerca das correntes e dos ventos marítimos, que seria utilizada depois pelo capitão James Cook e pelo almirante Horatio Nelson.
Selkirk atribuía à indecisão e à indolência de Dampier a ausência de butim. Já Thomas Strading, o capitão do barco Cinque Ports, foi acusado pro ele de ser autoritário e até mesmo ditatorial. Quando estavam navegando ao largo das ilhas Juan Fernández, um arquipélago do Pacífico, Selkirk instigou nada menos que um motim a bordo do navio.
MARES DO SUL
O arquipélago vulcânico ficava a 650 km da costa do Chile. Sem praias de areia fina nem palmeiras, tinha apenas colinas altas e baías tristes, de terra escura. Descoberto em 1574, possuía flora e fauna sui generis. Lá as samambaias chegavam a vários metros de altura e as lagostas pesavam 10 kg. No século XVIII, era uma escala conhecida por todos os navegantes dos mares do sul. Os ingleses, que não dispunham de um único porto no Pacífico, predominantemente dominado pelos espanhóis, costumavam navegar seus corsários pelas águas do arquipélago.
No quadro “A batalha da baía de Vigo”, óleo sobre tela, de Ludolf Bakhuizen, feito em 1702, vemos um episódio da disputa pela sucessão do trono da Espanha opôs a Inglaterra ao país ibérico. Na ilha deserta, Selkirk quase foi pego pelos inimigos espanhois, que desembarcaram de surpresa.
Naquela época, a Guerra de Sucessão espanhola estava no auge na Europa, e os dois países se dilaceravam em todos os mares do globo. Quando os navios britânicos de Stradling e Dampier chegaram a uma das ilhas, no início de 1704, enviaram batedores para verificar se os inimigos hispânicos não estavam por lá. Em vez de espanhóis, encontram uma surpresa: foram recebidos por dois compatriotas. Tratava-se de tripulantes de um certo capitão Davis, que havia desembarcado lá sete meses antes – não era raro abandonarem naquelas ilhas os marinheiros em conflito com o comando: eles deveriam ficar esperando pacientemente a passagem de outra embarcação que se dispusesse a recebê-los a bordo.
Para sobreviver, os dois marujos encontrados pelos subordinados de Stradling construíram uma cabana e se alimentaram de carne de cabra, animal introduzido na ilha pelos espanhóis. A chegada do Cinco Portos pôs fim ao castigo dos dois e deu início ao de Selkirk.
Acreditando contar com a adesão de uma parte da tripulação ao seu motim, Selkirk decidiu desembarcar voluntariamente. Mas nenhum outro membro o seguiu. Decepcionado, ateve-se à certeza de que o São Jorge, normalmente alguns dias atrás do Cinco Portos, não tardaria a ancorar na ilha e acolhê-lo a bordo. Afinal, Selkirk tinha direito à imunidade penal por ter saído do navio por vontade própria. Ou seja, não seria declarado desertor, crime punido com a morte naqueles tempos.
Abandonado à própria sorte, viu-se sozinho com um mosquete, chumbo, apenas uma libra de pólvora, um machado e um facão. Do baú de bordo ele pôde retirar algumas camisas, mudas de roupa e objetos pessoais, entre os quais a Bíblia de Edimburgo e uma coletânea de salmos. Os dois marujos resgatados puseram à disposição de Selkirk os utensílios de cozinha e sua cabana. Ele não tinha a menor idéia que ia passar mais de quatro anos sozinho na ilha.
SOBREVIVÊNCIA
Sua preocupação inicial foi obter alimentos. Decidiu atacar as cabras herdadas dos marujos, já que na ilha não havia caça pequena nem pássaros. No início, tolerou a falta de sal e de pão, convencido de que a chegada do capitão Dampier era iminente. A exploração da ilha, o cuidado com a cabana e o descanso naquele asilo marinho ocuparam seus primeiros dias. Mas, com o transcorrer das semanas, foi obrigado a admitir o óbvio: o São Jorge não despontaria no horizonte. Selkirk ficou arrasado.
Fotografia de 1874 mostra dois homens em caverna utilizada como abrigo por Alexander Silkirk durante os anos que permaneceu na ilha – Fonte – BIBLIOTECA DO CONGRESSO, WASHINGTON
Depois de um tempo, cabisbaixo, encontrou uma morada mais conveniente que aquela erguida à beira-mar, perigosa caso os espanhóis ancorassem na baía. Selkirk descobriu um platô elevado, de difícil acesso. Seria um observatório perfeito para vigiar o mar. A cavidade natural, atrás da qual se estendia um vale de vegetação exuberante e um pequeno córrego, foi o seu novo lar. O escocês demarcou dois espaços nessa caverna: um serviria de quarto e o outro, de cozinha. Construiu um galpão com galhos e cobriu o teto de varas de samambaias. Peles de cabra forravam as paredes do refúgio, escondendo a única janela e a porta. O marujo sabia que o inverno na região era chuvoso e frio.
Levou para lá tudo que tinha. Fez uma cama de galhos, mato seco e pele. Construiu também um redil para as cabras e assim reuniu um pequeno rebanho. Os filhotes nascidos em cativeiro eram menos ariscos. A seguir, tratou de procurar alimentação mais variada. As lagostas diversificaram agradavelmente seu cardápio. As focas do sul da ilha também lhe forneciam uma carne pouco saborosa, mas com óleo em abundância. Terminada a reserva de pólvora, o suboficial modificou seu método de caça. Às vezes tinha de passar horas à espreita dos animais, mortos com uma clava que fabricara. Examinando a flora, descobriu uma espécie de acetosa cujo suco servia de vinagre. Encontrou couve-rábano e nabo plantados por seus predecessores e conseguiu extrair pimenta-do-reino e pimenta-branca de plantas trepadeiras. Este condimento revelou-se precioso: quando sua última pitada de pólvora desapareceu, ele passou a fazer fogo girando uma vareta entre as mãos numa placa de pimenteira. Por fim, obteve o sal fervendo a água do mar.
Na ilha, só não havia nativos. Ela ficava muito longe da costa para que os índios mais próximos, os araucanos, se aventurassem em suas embarcações de tronco de árvore. As duas únicas visitas que Selkirk recebeu foram dos marinheiros inimigos. Na primeira vez, ao voltar da caçada, detectou pegadas na praia e ficou louco de alegria. Mas logo ouviu vozes falando em espanhol. Apavorado, só se salvou graças à falta de disposição dos marinheiros para perseguir aquele selvagem branco mal-cuidado. Passou a noite inteira trepado numa árvore, aguardando a partida dos inimigos. O segundo desembarque não o surpreendeu: ele viu os espanhóis atracarem e se escondeu na floresta.
APEGO À RELIGIÃO
A vida se esvaía monotonamente. Com exceção das cabras, seus únicos companheiros eram os ratos e os gatos, fugidos de algum navio. Não lhe restou outro refúgio senão a Bíblia. Após um período de depressão, ele entregou-se ao misticismo. Observando escrupulosamente os domingos – mais precisamente, os dias que supunha domingo –, celebrava a missa para si próprio. A crença em algo superior revelada pela solidão nunca mais desapareceria.
Já fazia quatro anos e quatro meses que Selkirk vivia na ilha. O capitão Dampier, do São Jorge, não havia aparecido. Ao menos não até aquele momento. Mas foi justamente este homem, tão aguardado, que acabou salvando nosso aventureiro. Depois do São Jorge, Dampier voltara à Inglaterra arruinado por suas aventuras. Sua sede por novos ares levou-o a embarcar novamente em 1708, dessa vez como subordinado do capitão Woodes Rogers, no Duke. Dampier conduziu o navio ao arquipélago Juan Fernández na noite de 31 de janeiro de 1709. Os marinheiros ingleses ficaram alarmados: na escuridão, uma fogueira brilhava na praia e eles não tinham visto nenhum barco espanhol. No dia seguinte, Thomas Dover, médico e imediato do Duke foi encarregado da exploração. Acompanhado de homens armados, ele desembarcou e descobriu um Selkirk saltitante na praia.
Ele contou sua história a Dampier, que o informou do naufrágio do Cinco Portos pelas mãos dos espanhóis. O resto da tripulação estava presa em algum lugar do litoral de Lima e ninguém o procurou porque ele era dado como morto. Stradling, o capitão que não o perdoou, conseguira fugir numa embarcação francesa.
Nas duas semanas que os ingleses passaram na ilha, Selkirk mostrou-lhes seu pequeno mundo. Matou cabras e renovou suas nassas, os cestos de vime feitos para pegar peixes. Assim, os marujos se recuperaram rapidamente dos ataques de escorbuto.
O barbeiro devolveu-lhe a cara de civilizado. Na primeira noite a bordo, ele não conseguiu dormir: perdera o hábito do balanço do navio. Tampouco suportava usar sapatos nos pés. Nomeado segundo suboficial, Alexander Selkirk finalmente deixou a ilha no dia 14 de fevereiro de 1709. Desembarcou na Inglaterra em 1711, com a bolsa recheada de 800 libras. Podia reiniciar a vida.
RETORNO INCÔMODO
Voltou ao lar paterno, na Escócia, mas não conseguiu se readaptar. Arrumou uma pequena gruta atrás da casa e passou a levar uma vida reclusa, tendo como única companhia os gatos que criava. Sem se misturar com os habitantes da aldeia, ele passava os dias no mar, pescando, ou a vagar pelo mato. Interrompeu a solidão voluntária no dia em que conheceu Sophia Bruce, com quem se casou. O casal foi morar em Londres, mas não tardou para que se espalhassem boatos de violência doméstica. Lá, em 1713, Selkirk conheceu o ensaísta Richard Steele, que narrou sua aventura no The Englishman. Selkirk teve um breve momento de celebridade. Mesmo porque o capitão Rogers também o havia mencionado em Uma navegação ao redor do mundo, publicado anteriormente.
Retrato de Daniel Defoe, gravura, autor desconhecido, 1870
A mesma história foi contada por Selkirk ao Cavalheiro Domingo na pensão Leão Vermelho de Bristol, pouco antes de retornar ao mar. Seria exatamente por suas mãos que ele ganhara notoriedade.
O cavalheiro misterioso também era uma figura à parte. Nascido 50 anos antes, filho de um chapeleiro de uma família de puritanos integristas – os dissenters, partidários de Oliver Cromwell –, foi educado para ser pastor. Mas, com o retorno da monarquia e o triunfo do anglicanismo, viu-se perseguido, malquisto na pátria britânica. Tendo retomado o negócio do pai e, posteriormente, montado uma perfumaria, percorreu toda a Inglaterra e viajou à Escócia, à Alemanha, à França, à Itália e à Espanha. Seus fracassos mercantis geraram tantas dívidas que nunca pôde pagá-las. Por isso, escondeu-se em Bristol e só saía aos domingos: os credores não podiam perseguir os devedores no Dia do Senhor.
Dez anos e muitas peripécias depois, inclusive uma passagem pela prisão, ele se inspirou livremente na aventura de Selkirk para produzir uma obra-prima da literatura mundial.
Seu personagem já havia partido novamente para o mar e, algum tempo depois, faleceu, aos 44 anos. Antes, ele deserdou a infeliz Sophia Bruce, de quem não se separou oficialmente, em benefício de sua segunda esposa, Frances Candis. Ao relato do marinheiro, o Cavalheiro Domingo acrescentou a história do índio Will, ao qual deu o nome de Sexta-feira. Ele teria sido esquecido na ilha mais de 20 anos antes.
O escritor transformou o desembarcado num náufrago. Adicionou antropófagos e situou a ilha no Atlântico, nas proximidades do litoral do Brasil, e não no Pacífico original. Por fim, rebatizou o escocês. Deu-lhe um primeiro nome muito comum na região natal de Selkirk e colocou um sobrenome similar ao de um colega de escola que se tornara ministro. Para a posteridade, Alexander Selkirk passou a ser Robinson Crusoé. O Cavalheiro Domingo se chamava Daniel.
UMA ILHA DESERTA MUITO FREQUENTADA
O primeiro Robinson do arquipélago de Juan Fernández foi um índio misquito, Will, esquecido por seu capitão em janeiro de 1681. Ele viveu lá até abril de 1684. O náufrago seguinte, cujo nome não se sabe, o sucedeu durante cinco anos.
Quando Selkirk desembarcou em 1704, dois marinheiros do capitão Davis moravam lá havia sete meses. Em 1741, o almirante Anson permaneceu na ilha por três meses. Em seu relato, ele apresenta o local como um verdadeiro paraíso perdido. No século XVIII, o arquipélago serviu de prisão de criminosos perigosos, alojados em cavernas. Cem anos depois, durante a guerra de independência do Chile, foi utilizado como cadeia de presos políticos.
A colonização iniciou-se em 1877, dirigida pelo barão suíço Alfred de Rodt, que levou seu papel tão a sério que um grande número dos 500 habitantes eram seus descendentes. A ilha ainda conheceria outro “Robinson”: Hugo Weber, marinheiro do Dresden, navio alemão que, em 1915, perseguido por quatro couraçados ingleses, preferiu ser posto a pique na baía a se entregar. Entre os que se salvaram estava Wilhelm Canaris, futuro chefe da contra-espionagem nazista. Quando os marinheiros retornaram à Europa, Weber optou por ficar na ilha, instalando-se nos montes. Recluso na solidão, viveu por 30 anos intrigando os habitantes, que o consideravam espião. Com esse pretexto, as autoridades chilenas o expulsaram em 1945.
Placa erguida pela Marinha britânica em homenagem a Selkirk no arquipélago Juan Fernández. Corajoso, o marujo ainda voltou ao mar após a experiência traumática – Fonte – BIBLIOTECA DO CONGRESSO, WASHINGTON
Atualmente, pela excepcional riqueza de sua fauna e flora, o arquipélago de Juan Fernández foi declarado parque natural pelo Estado chileno e reserva mundial da biosfera pela Unesco.
Yvan Matagon é diplomado em história medieval. Trabalhou no arquivo do castelo de Dourdan e atualmente é bibliotecário da cidade de Troyes, na França
O poeta Renato Caldas nasceu na cidade de Assú no dia 8 de outubro de 1902, sendo considerado o maior representante da poesia matuta no Rio Grande do Norte.
Ficou conhecido como o “poeta das melodias selvagens”, por seus versos apresentarem de maneira simple e espontânea, para alguns até mesmo rude, mas sempre original, aspectos do amor, da simplicidade da vida do homem do campo, da natureza sertaneja e da beleza feminina.
Homem expansivo, o poeta Renato Caldas era um grande boêmio e um apreciador das cantigas populares.
A sua obra mais conhecida é o livro de poesias “Fulô do Mato”.
Em 1987, este jornalista entrevistou longamente o poeta para o Caderno de Domingo, suplemento que então se publicava no jornal natalense “Tribuna do Norte”. Neste trabalho Jorge encontrou o velho homem de letras já “bastante alquebrado pela doença e pela velhice”, mas ainda memorioso, lúcido e frequentando um bar em Assú.
O jornalista comenta que em 1993, pouco tempo depois da morte de Caldas, o então prefeito de Assú, Lourinaldo Soares desejava construir um memorial em honra do poeta. Coube a Franklin Jorge a tarefa de organizar e classificar os papéis de Renato Caldas.
Infelizmente em sua busca, ele encontrou algumas poucas cartas e fotos. Segundo o jornalista “Não havia nenhum livro, nenhum manuscrito; nada, enfim, que justificasse a criação de um memorial. Da sua copiosa produção, dispersa ao longo dos anos, não restara nada”.
É uma pena que nada tenha sido encontrado. Li “Fulô do Mato” e considero uma obra verdadeiramente maravilhosa.
Renato Caldas Fonte – recantodasletras.com
Fui à busca de algum material sobre este poeta nos meus arquivos e encontrei duas interessantes reportagens sobre apresentações realizadas por Caldas.
Em 1937, no dia 7 de agosto, um sábado, o jornal “A Republica” trazia na sua terceira página o anúncio “O sertão na cidade – O que será o recital de Renato Caldas”. Neste jornal o poeta era apresentado como “magnífico intérprete da poesia matuta”.
A apresentação de “O sertão na cidade” aconteceria às oito e meia da noite, no então Teatro Carlos Gomes, atual Alberto Maranhão, no bairro da Ribeira. Para aqueles que se fizessem presentes, o jornal anunciava que a apresentação traria “tudo que o sertão tem de beijo, através dos versos esplêndidos de Renato Caldas”, que era designado pelo jornal como sendo um “folklorista”.
O poeta é apresentado de forma solene e exuberante. Mostrando que parecia estar em uma fase muito positiva de sua carreira e com uma enorme aceitação por parte da sociedade natalense.
Naquela noite de sábado, antes de Renato Caldas começar a declamar seus versos, subiu ao palco do Carlos Gomes o também poeta Genar Wanderley, que logo se tornaria radialista e seria conhecido como o “Cacique do Rádio Potiguar”. Genar fez uma apresentação sobre a vida de Caldas e enalteceu a sua poesia.
Também se apresentou o músico e cantor Santos Lemos, ou Santos Lins (Devido ao estado do jornal não foi possível ter uma certeza deste nome). O jornal informava que este era o “Cantor que todos conhecem”.
Sobre o recital de Renato Caldas propriamente dito, encontramos basicamente a informação que ele foi realizado com “muita expressão” e que o poeta aproveitou e contou “várias anedotas”.
Vemos que o relato da apresentação, publicado em 10 de agosto, foi uma nota extremamente curta e econômica nas informações. Se compararmos com a nota que informava sobre o mesmo espetáculo, percebemos uma nítida diferença.
Devido à qualidade da poesia de Renato Caldas, acho difícil que o público presente ao Carlos Gomes não tenha gostado do que viu e ouviu. O que talvez justificasse uma nota informativa tão limitada.
Não sei se o poeta de Assú, talvez ao contar suas piadas, tenha se excedido perante os rigores da sociedade natalense da época. Não podemos esquecer que era 1937, o ano da implantação do Estado Novo, onde os ideais apregoados pela ditadura Vargas em relação a moral, os bons costumes e o civismo eram extremamente rígidos.
Apesar de não havermos conseguido maiores informações sobre o desenrolar deste evento, vamos encontrar informações de outro espetáculo de Renato Caldas. Mas desta vez seu palco foi em Aracaju, Sergipe.
Quase um ano depois do evento em Natal, no dia 22 de julho de 1938, uma Sexta-Feira, Caldas fazia uma apresentação na Biblioteca Pública de Aracaju.
Na primeira página do periódico “O Nordeste”, de 23 de julho, temos a manchete “Folklorista Renato Caldas”. A nota trás a informação que na Biblioteca Pública, localizada próximo ao palácio do governo, no centro da cidade, o potiguar realizou duas apresentações.
Para a plateia local ele veio como “Um verdadeiro caipira”, provocando no público “Desopitantes gargalhadas”. O jornal afirmou que Caldas soube trazer a alma do matuto ao som de sua viola e dos seus versos.
O poeta José Maria Fontes (1908-1994), precursor do Modernismo em Sergipe, foi quem realizou a apresentação do vate de Assú ao público presente.
Renato Caldas vinha se apresentando em outras capitais nordestinas, pois o poeta Fontes comentou que o mesmo não era um “Neófito”, que já tinha “Seu nome aureolado pelas plateias dos estados nordestinos”. Sobre esta informação, Segundo Fernando Caldas, blogueiro nascido em Assú (http://blogdofernandocaldas.blogspot.com/2007/10/sobre-o-poeta-de-ful-do-mato.html), informa que o autor de “Fulô do Mato” realizou viagens pelo Nordeste, onde se apresentava em palcos de cinemas, teatros e outros locais improvisados, declamando suas poesias irreverentes, amorosas, cantando emboladas e modinhas que também sabia produzir a seu modo.
Estas reportagens mostram que Renato Caldas conseguiu seu espaço fora do Rio Grande do Norte, mostrando a qualidade dos versos que o consagraram. Não sei se devido ao seu espírito irreverente, sua boêmia, sua inquietude, ele não tenha alcançado um espaço mais amplo e merecedor da qualidade do seu trabalho.
Renato Caldas faleceu em 26 de outubro de 1991.
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Contar com o apoio do amigo Zé Gaudêncio Torquato no nosso livro “João Rufino-Um Visionário de Fé” não é um privilégio, mas uma honra.
Este orgulhoso micaelense é um competente arquiteto e trabalha nesta área na Caixa Econômica Federal em Natal. Mas eu acredito que Zé Gaudêncio gosta mesmo é de trabalhar com música, de ter nascido em São Miguel, de sua família e de mais outras coisas boas. Zé possui músicas maravilhosas, escreve letras e poesias desde muito tempo e algumas de suas obras eu tive o privilégio de ouvir. Elas me deixando realmente encantado.
Zé Gaudêncio Torquato lendo seu prefácio para a multidão de 15.000 pessoas presentes ao evento
Ele é um grande incentivador da grande “Banda Independente da Ribeira”, que desde 1999 está na luta pelo espaço na nossa muitas vezes combalida cultura potiguar.
Aqui apresento o seu prefácio.
Valeu micaelense arretado.
Um Cheiro de Café
Nas aulas de catecismo do Grupo Escolar Padre Cosme, ministradas pela professora Branca de Castro, além dos ensinamentos básicos dos princípios da religião católica, as pregações centravam no sentido e aplicação dos dez mandamentos (amar ao próximo, não roubar, não matar, não desejar a mulher alheia, etc. Para os pequenos alunos, com suas mentes infantis, que tinham como divertimento no horário do recreio roubar cajus do sítio de Nucha Augusto, do outro lado da cerca e caçar ovos de passarinhos, saqueando os ninhos nas copas das canafístulas, nada era pecado mesmo porque, menino, passarinho, frutinhas do mato era tudo brincadeira no mundinho restrito daquelas inocentes crianças.
Somente encontrávamos um sentido para aquelas intermináveis repreensões da aguerrida mestra, quando toda manhã, ao sairmos de casa encontrávamos Seu João de joelhos, mãos postas, olhos semi cerrados fitando uma pequena imagem posta no nicho do frontão superior do prédio da torrefação Nossa Senhora de Fátima, a balbuciar o que imaginávamos serem orações debulhadas no terço diário, antes de escancarar as portas do seu estabelecimento comercial e oferecer “um cafezinho” às mulheres freguesas dos pacotezinhos de 200 gramas, distribuídos como em comunhão àquelas pobres Marias, Teresas, Dos Anjos, Antonias, Ritas, Das Dores, peregrinas matinais do santuário do Café Nossa Senhora de Fátima no centro da cidade quase acordada.
São Miguel sempre foi pródiga em cafés, pequenos estabelecimentos que alimentavam as conversas, os encontros, as notícias, as refeições e obviamente, serviam fumegantes xícaras de cafés ao sabor das palestras conduzidas por seus assíduos freqüentadores. O café de Maria Angélica defronte ao Estúdio e Hotel Municipal, o café de Bastião Preto próximo ao posto de gasolina de Gualter, o café de Chico Lero pertinho da Tarimba, o café de Creuza e Nêgo Rico ao lado do Mercado e o café de seu Dito que findou no próprio mercado e que era o mais madrugador da cidade, serviram todos para configurar e consolidar em São Miguel o gosto pelo convívio regado ao sabor das variedades que essa agradável bebida propicia.
Da esquerda para direita vemos Zé Gaudêncio, Seu João, Fagner e o autor
A nossa casa, no cento da cidade, na praça sete de setembro – Praça do Mercado – não tão longe de todos esses cafés, era bem próxima à torrefação Nossa Senhora de Fátima, o café de seu João Rufino, em sua evoluída versão semi industrial. A esquina da torrefação era habitualmente local de encontro e parada obrigatória de tantos e quantos transeuntes que por ali transitavam em torno do mercado em dias de feira. Ponto garantido de Meu Tinhô, o engraxate “oficial” do lugar, sempre a polir não somente os sapatos da freguesia, como a escovar a poeira dos passos mal dados por alguns e tentar limpar a sujeira de uns tantos outros.
Era dali daquela esquina que uma chaminé incensava as manhãs enevoadas de inverno e despejava o cheiro matinal do café torrado que impregnava o ar e a fumaça se encarregava de espalhar por toda a cidade.
Esse cheiro ficou pregado definitivamente em mim e carrego comigo como um bálsamo depositado nos recônditos das minhas melhores memórias e tanto que ao longo de todos esses anos, em todas as cidades que morei, quando os primeiros ruídos despertam os dias, quando fiapos de luzes clareiam as manhãs e quase nítida se esboça a vida entre as frestas da memória, um cheiro gostoso de café me toma e acende em mim a lembrança viva e quase palpável de São Miguel, da praça do mercado, do sino da igreja a repicar, dos burburinhos da rua, do barulho dos cilindros das padarias de Zé Augusto, Nonato e Zé Rocha a desdobrarem as massas para fabricação dos pães e bolachas comuns de cada dia e claro, do café Nossa Senhora de Fátima que da cozinha de casa minha mulher prepara toda manhã, sem perceber.
Obrigado Seu João pelo sabor do café de todos esses dias.
Seu João era especialista em tirar carro do prego. De quem quer que fosse ou viesse de qualquer canto do município, pois possuía uma rara aptidão nata para por em funcionamento engrenagens, máquinas e motores os mais diversos, como se eles lhes obedecessem aos mais simples gestos de mãos, pequenos acenos, cadenciados afagos e ligeiros mas precisos toques aqui, apertos ali, ajustes acolá e pronto, o motor obedecia e danava-se a funcionar, movimentando-se num sincronismo explosivo de velas, pistões, polias, rodas, enfim, de engrenagens em revolução, numa batucada exuberante das engrenagens mecânicas que as juntas e tampões patrocinavam. Esse era seu João que sempre sereno, punha a vida, sem sobressaltos da cidadezinha serrana, a tocar no ritmo de suas destrezas, desprendimento e habilidades.
Seu João é um homem singular, simpático, singelo e simples, mas de gestos largos e uma generosidade imensurável, sem medida mesmo. Sempre que nos encontramos, seja onde for, trocamos um afetuoso e apertado abraço, como aqueles que dava o meu avô em seus amigos diletos e compadres, e ele, aquele graveto de aroeira, aquele garrancho de goiabeira, esbelto mas firme, flexível mas inquebrável, após as brandas tapas nas costas, tentava levantar-me do chão e eu a ele suspendendo-o uns pouco centímetros, confesso sem tanto esforço, não por ele ser magro, muito menos por eu ser forte ou ter tanta força, mas, simplesmente por ele não ter peso nenhum na consciência e possuir uma alma leve, levíssima tenho certeza, daquelas que só os santos possuem e carregam sem o mínimo esforço.
Assim é seu João, uma das melhores essências de gente que habita esse velho mundo de Deus, um santo homem.
Rostand Medeiros – Escritor e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
Ela é morena, baixa, anda curvada pelos anos de trabalhos domésticos, limpezas e lavagens de roupas. Vive em uma pequena casa na Rua Alberto Maranhão, construída pelo seu pai a mais de cinquenta anos, quando o bairro do Tirol era um campo aberto, com poucas residências, sem a forte especulação e valorização imobiliária que ocorreria a partir da década de 1960. Como companhia, apenas uma irmã e sua nonagenária mãe.
Jornal Tribuna do Norte
Nos últimos anos, sua pele está curtida pelo excesso de sol que leva nos fins de semana, mas ao invés de ser em alguma atividade recreativa nas nossas belas praias, esta mulher labuta como vendedora ambulante na urbana praia do Meio, como forma de completar a mirrada pensão que recebe como aposentada pelo INSS.
A situação atual de Neuza Amaro Rodrigues não é muito diferente da vida de milhares de aposentados pelo país afora, que mesmo depois de toda uma vida de muito trabalho, necessitam buscar opções de remuneração para complementar sua renda e ter alguma condição para viver com o mínimo de dignidade no fim de suas vidas.
Neuza Amaro Rodrigues
Dona Neuza não sabe em que ano nasceu (ou não querer dizer?), sabe apenas que seu aniversario é comemorado (ou melhor, lembrado) no dia 6 de março. Ela não sabe ler, não sabe escrever, mas esta condição não foi um problema para que tenha trabalhado na residência da maior figura intelectual que surgiu neste estado, Luís da Câmara Cascudo.
Um Homem Simples
Apesar de afirmar não saber a sua idade, Dona Neuza acredita que tinha em torno de “uns vinte e sete anos” quando foi trabalhar no casarão da Avenida Junqueira Aires. Ela afirma que chegou à casa do folclorista através de uma agência de encaminhamento de empregos que existia na época, uma espécie de S.I.N.E. daquele período.
Luís da Câmara Cascudo
Mesmo não sendo uma pessoa com muita informação, Dona Neuza sabia que o seu novo patrão era um homem conhecido e famoso, mas para ela isto não criava nenhum tipo de intimidação e nem Câmara Cascudo demonstrava algum sinal de superioridade ou afetação pela posição que possuía no meio social e intelectual de Natal e do país. Ele sempre se portou como um homem simples, tranquilo, calmo e preocupado com a situação daqueles que trabalhavam na sua casa. Para Dona Neuza isto ficou claro nas inúmeras ocasiões em que ela presenciou o famoso folclorista, logo após ter acordado, perguntar a sua esposa, Dona Dhalia, “como estavam as empregadas”, “se estavam alimentadas” e “se estavam todas bem”. Por esta época, Dona Neuza não era única “secretária” na casa de Câmara Cascudo, ela dividia o trabalho com Francisca e Anália, esta última uma fiel empregada da família, já falecida.
Sua Principal Tarefa no Casarão
Segundo Dona Neuza seu trabalho na casa não incluía dormir na residência. Todos os dias ela acordava às cinco da manhã, se dirigia ao antigo mercado do centro da cidade (onde atualmente se encontra a agência do Banco do Brasil), para escolher e comprar as frutas preferidas de Cascudo (principalmente mamão e abacaxi) com o dinheiro que Dona Dhalia lhe entregava no dia anterior. Ela afirma que não possuía uma função especifica no trabalho diário na casa, podia fazer a faxina geral, lavar a roupa, ajudar no preparo dos alimentos e o que houvesse.
Escritório do folclorista
A limpeza do vasto e lotado escritório do folclorista era uma atividade bastante trabalhosa, além de ser uma das suas principais tarefas e durava toda uma parte do dia. Dona Neuza tinha que cuidadosamente retirar e limpar vários livros, objetos de decoração e “coisas de boi de reis” como se refere a objetos folclóricos que compunham parte do acervo pessoal do seu patrão.
A limpeza do escritório ocorria sempre pela manhã, quando Câmara Cascudo dormia, após toda uma noite de pesquisas, leitura e elaboração de ideias.
O Dia a Dia do Pesquisador e seus Charutos
Ela afirma que o folclorista sempre acordava entre onze e meio-dia, sendo uma das suas primeiras atividades “ir para os santos”, ou seja, dirigir-se a um oratório e pedir proteção aos santos de sua devoção. Depois almoçava, dando preferência a um prato denominado “pimentão cheio” e voltava para seus amados livros. Se não aparecia nenhuma visita, nem havia algum compromisso, o trabalho no escritório se prolongava por horas.
Durante o tempo que Dona Neuza trabalhou em sua casa, sempre viu, apesar da idade, Cascudo trabalhar só em seu escritório, sem a ajuda de ninguém, de forma silenciosa e calma.
Charutos comprados na “Casa dos Órixas”
Uma particularidade no famoso folclorista era o gosto que ele possuía pelos charutos. Afirma Dona Neuza que muitas vezes comprou caixas destes produtos na “Casa dos Orixás”, localizada na rua Princesa Isabel.
As Visitas ao Casarão da Junqueira Aires
Quando trabalhou para Câmara Cascudo, Dona Neuza afirma que ele já não viajava, em compensação muitas eram as pessoas que o visitavam, dos quais ela não conhecia ninguém e não sabia quem era famoso ou não. Normalmente, quando era uma visita rápida, cafezinhos e sucos eram servidos. Às vezes ocorriam festas de maior vulto, na qual o trabalho da casa era dividido entre as três “secretárias” e garçons eram contratados para servir os convidados. Quando ocorriam almoços especiais, Dona Dhalia pessoalmente era quem organizava tudo na mesa, a disposição de pratos, talheres e sempre com uma impecável toalha de mesa de renda branca do Seridó. A veneranda esposa de Cascudo punha em prática os aprendizados que recebera na década de 1920, na tradicional Escola Doméstica de Natal.
Casarão da Junqueira Aires
Sempre na época do natalício de Câmara Cascudo, em 30 de dezembro, este era visitado por variados grupos folclóricos, cantadores de viola e outros mestres das artes populares, que realizavam apresentações em sua casa, fato que trazia enorme satisfação ao pesquisador.
A Alimentação
Grande parte do trabalho de Dona Neuza era na cozinha da casa, onde o folclorista, além do “pimentão cheio”, sempre apreciava um belo prato de peixe, muito mais do que alguma iguaria a base de carne vermelha. Normalmente ele comia pouco, mas fazia questão de ter uma mesa farta, com diversos pratos, tal como se fazia nas antigas casas-grandes do litoral ao sertão.
Durante seu período de trabalho, ela nunca viu Câmara Cascudo ingerir, ou mesmo degustar, nenhuma espécie de bebida alcoólica e nem refrigerantes, sempre valorizando os sucos a base de frutas da época.
Apresentação folclórica na casa de Cascudo
O autor de “Dicionário do Folclore Brasileiro” possuía uma característica especial para Dona Neuza, tanto fazia que o visitante fosse rico ou pobre, poderoso ou um simples homem do povo, um letrado doutor, ou um analfabeto cantador de feira, todos eram igualmente recebidos com cortesia pelo seu patrão e sua família.
Lembra que todo fim de ano, além da remuneração normal, seu patrão fazia questão de reunir as empregadas para entregar uma gratificação extra, era “para as festas”.
A Saída do Casarão e as Lembranças do seu Patrão
Dona Neuza é uma mulher atenciosa, mas sempre com uma atitude simples, discreta, ostenta um sorriso tímido, se considera uma trabalhadora competente e faz questão de comentar o respeito e admiração que sentia pelo folclorista e sua família.
Encontro entre Câmara Cascudo e Frei Damião
Se defeitos o seu patrão possuía, e com certeza os possuía, pois Câmara Cascudo era humano, Dona Neuza não comentou. Seja pela sua origem, formação, ou consciência, esta senhora considera um sacrilégio comentar fatos negativos relativos a seus patrões, principalmente “quem lhe tratou tão bem”.
Depois de três anos trabalhando junto a Câmara Cascudo e sua família, esta profissional pediu demissão e foi trabalhar na empresa de vigilância “EMSERV”. Mesmo assim ainda realizou frequentes visitas ao casarão da Junqueira Aires, para conversar com Dona Dhalia.
Como já foi escrito anteriormente neste artigo, Dona Neuza é uma mulher que não sabe ler, nem escrever, nem isto a impediu de trabalhar para um homem que foi um prestigiado imortal da nossa Academia Norte-rio-grandense de Letras. Contudo, Câmara Cascudo não foi o único intelectual potiguar a ter os serviços de sua casa atendidos por esta senhora. O falecido poeta e advogado macauense Gilberto Edinor Cabral Avelino, que ocupou a cadeira número 35 de nossa Academia de Letras, cujo patrono foi Juvenal Antunes, conheceu os serviços de Dona Neuza, que inclusive continua até hoje realizando trabalhos domésticos semanais para a família deste saudoso imortal.
D. Neuza, uma pessoa tranquila
As discretas lembranças desta simples trabalhadora doméstica ajudam a compor um quadro que mostram um Luís da Câmara Cascudo, não como um inatingível homem de letras, no alto da sua intelectualidade, imortalizado por uma extensa e soberba obra sobre nossos costumes, lendas, histórias e outros variados assuntos. As lembranças de Dona Neuza mostram pequenos aspectos da vida pessoal, do dia a dia de um homem no limiar de uma vida de intensa produção pessoal, em seu lar, cercado de seus familiares, recebendo seus amigos, vivendo na sua provinciana cidade, longe dos grandes centros, sem pedantismos, tranquilo e sereno.
Rostand Medeiros – Escritor e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
Onde até recentemente estava instalado o Colégio da Imaculada Conceição, na Av. Deodoro da Fonseca, número 540, no atual bairro da Cidade Alta, era o fim das residências da Natal dos primeiros anos do século XX. Uma cidade que contava nesta época com apenas dezesseis mil habitantes.
De onde está localizado o tradicional colégio da elite natalense, em direção ao mar e as dunas mais altas, tudo era mato, área sem maiores atrativos para uma parte da população. Havia algumas picadas que levavam as casa dos pescadores nas Praias do Morcego e de Areia Preta. Esta região era então conhecida como Belo Monte, Belmonte, ou simplesmente Monte.
Área da Praça Pedro Velho-Fonte-Livro 380 anos de história foto-gráfica da cidade de Natal 1599-1979
Câmara Cascudo, no seu livro “História da Cidade de Natal” (1999, pág. 351), informa que nesta época ainda havia gente caçando aos domingos.
Os mais abastados da cidade, buscando outros ares, se dirigiram para esta área, onde construíram suas chácaras para descanso e veraneio. Estas propriedades tinham nomes diferenciados, tais como “Betânia”, “Solidão”, “Senegal”, “Pretória”, “Covadonga”, “Quinta dos Cajuais” e outros.
Um destes proprietários era o ex-governador e líder político Pedro Velho, que denominava a região como Cidade Nova e sonhava com a expansão de Natal nesta direção.
A Cidade Nova
Quem realmente deu o pontapé inicial para o crescimento desta região foi o então Presidente do Conselho de Intendência Municipal, cargo atualmente equivalente ao de prefeito, Joaquim Manoel de Teixeira Moura.
Chamada de uma das muitas resoluções publicadas pela Intendência de Natal nos primeiros anos do século XX
Através da Resolução número 55, publicada no dia 30 de dezembro de 1901, o bairro de Cidade Nova foi criado, ao menos no papel, sendo este o terceiro da cidade. No livro “Nova história de Natal” (2008, pág. 383), do professor Itamar de Souza mostra que nesta resolução, no bairro de Cidade Nova, existiriam quatro avenidas, cortadas por seis ruas e duas praças, sendo uma delas a Praça Pedro Velho.
Área da Praça Pedro Velho-Fonte-Livro 380 anos de história foto-gráfica da cidade de Natal 1599-1979.
Segundo o documento, no seu inciso segundo, havia terrenos que poderiam ser dados em concessão, mas que não podiam passar de trinta metros de frente.
O problema era que na nova área de expansão da elite natalense, que vivia o auge da sua “Belle Epoque”, já existiam moradores. Eram os representantes das camadas sociais mais pobres da cidade. Gente que havia fugido das secas no interior e estavam na “periferia”, nos ”matos do Belo Monte”, talvez para não se misturar com o que Natal tinha de “bom”, seja lá o que fosse.
Para a região eram levados os excluídos de Natal. Pessoas que sofriam de doenças como varíola e só contavam com a ajuda do quase santo Padre João Maria para sobreviver.
Mas a cidade precisava crescer. Cabia a maior autoridade municipal seguir nos planos e os “mocambos”, “casinholas” e “ranchos” teriam de sair.
O Fim de um “Samba”
O jornal “A Republica” da época, órgão oficial do governo estadual, que neste período estava nas mãos de Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão, muito pouco divulgou do drama que ocorreu na região. Mas aqui e acolá é possível perceber que a coisa não foi tão simples.
Naquele longínquo ano, a Praça Pedro Velho era um grande espaço aberto, muito maior do que conhecemos atualmente. Praticamente sem nenhuma estrutura e ainda existiam casas humildes na área destinada ao espaço público.
Na edição de 8 de julho de 1903, uma quarta feira, temos uma notícia sobre um “samba” na Praça Pedro Velho.
Jornal “A Republica”, edição de 8 de julho de 1903
Em uma das casas que, segundo o jornal, era “um casebre em ruínas” e “uma ameaça a segurança e higiene públicas”, se reuniu de “sábado até a manhã do dia 3 de julho”, uma “súcia de vadios”, que promoveram um “samba”, com “gritos infernais”.
Afirma a nota que o problema não era novo e o local era utilizado para “Práticas imorais”.
Se o tal “samba” já vinha perturbando anteriormente, não consegui apurar, mas a nota do dia 8 solicita, em uma linguagem incisiva, que os seus usuários “deveriam respeitar o ato da Intendência Municipal”.
Não consegui apurar o que ocorreu com este local nas páginas do jornal.
Mas Afinal de Contas o que Seria esse Local de “Práticas imorais”?
Uma coisa é certa, o termo “Samba” utilizado pelo jornal, não tinha nenhuma relação com o ritmo musical que tanto sucesso faz no carnaval do Rio de Janeiro. Nessa época esse termo utilizado era, muito comum nas páginas deste periódico. Era como normalmente a elite natalense designava um lugar onde pessoas, normalmente pobres e negras, se divertiam na provinciana Natal do início do século XX. O tal “Samba” seria um baile de gente simples, equivalente a uma função, um pagode, arrasta-pé, ou um forrobodó.
Mas cruzando esta nota de 8 de julho de 1903, com os textos contidos no livro “O Ritual Umbandista”, de autoria de Renato Sérgio Santiago de Melo e publicado em 1973, encontramos uma interessante informação.
Na sua página 16, lemos que nas “Campinas do Camboim”, local atualmente situado na região da Rua Professor Fontes Galvão (a mesma que se inicia defronte ao portão principal do Colégio Marista, no bairro do Tirol), morava um preto velho, antigo escravo, nascido na África, conhecido como Paulo Africano.
Segundo Sérgio Santiago, através de informações conseguidas com a neta de Paulo Africano, Alzira de Oliveira, encontrada pelo pesquisador no início da década de 1970 e vivendo no Bairro de Lagoa Seca, seu avô tinha uma casa onde se dançava o mais puro Coco de Zambê.
O nome deste homem era Paulo José de Oliveira, sendo considerado “bem quisto” e “bom pai de família”. O livro afirma que Paulo Africano havia se identificado tanto com o Coco de Zambê, a ponto de fazer desta manifestação cultural “uma espécie de religião”.
Sérgio Santiago informa que seu próprio sogro, Lupicínio Ramos, morador do Bairro da Ribeira, fazia questão de ir com alguns amigos, sempre aos sábados, para assistir o Zambê que acontecia na casa de Mestre Paulo.
Apesar do Coco de Zambê apresentado na casa de Paulo Africano ser tido pela sociedade local como uma festa, era na verdade uma manifestação do sincretismo afro-brasileiro, distorcida pela ação policial que existia.
Para o autor de “O Ritual Umbandista”, o Coco de Zambê era uma dança africana de significação religiosa. Esta tese foi originalmente proposta pelo médico alagoano e antropólogo Arthur Ramos de Araújo Pereira.
Conclusão
Sabendo a localização aproximada da vivenda de Mestre Paulo e tendo o conhecimento que a mesma estava a menos de um quilômetro da região da Praça Pedro Velho, é possível deduzir que o tal “Samba” ameaçado pelo poder público não seria de Paulo Africano?
Se não, então de quem seria?
E o que era tocado neste “casebre em ruínas”, tão depreciado na nota de “A Republica” de 8 de julho de 1903? Seria mais um local de apresentação do tradicional Coco de Zambê?
Coco de Zambê. Na atualidade esta dança praticamente não é mais executada em Natal
O motivo da perseguição do “Samba” da Praça Pedro Velho, era a música ou a religiosidade afro-brasileira?
Não temos as respostas, mas neste artigo vemos como naquela época a necessidade de espaço, exigido pela elite de Natal, fez com que as classes menos providas de recursos fossem “empurradas” de suas áreas tradicionais, sem o devido respeito, nem as suas tradições e manifestações culturais.
Ainda segundo o livro do professor Itamar de Souza, no relatório que Joaquim Manoel Teixeira de Moura apresentou ao Conselho Municipal em 1905, afirmou que “perto de trezentas casinholas e ranchos foram indenizados e removidos do trajeto das ruas do referido bairro”.
Mas as arbitrariedades praticadas contra a população pobre da Cidade Nova foram tantas, que o ferrenho oposicionista do governo da época, o jornalista Elias Souto, rebatizou a região como “Cidade das Lágrimas”.
Rostand Medeiros – Escritor e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
Em 1940 ator e diretor Charles Chaplin, criador do inigualável personagem “Carlitos”, lançava um dos seus mais importantes filmes, O Grande Ditador (The Great Dictator) e a imagem no início desta postagem mostra como os jornais apresentaram o cartaz do filme.
Com roteiro ousado, engraçado e com forte crítica social sobre o momento em que o mundo iniciava seu maior conflito bélico, a Segunda Guerra Mundial, foi o primeiro filme sonoro de Charles Chaplin e um dos mais marcantes.
No filme temos dois personagens idênticos fisicamente, mas em situações adversas. Adenoid Hynkel é o grande ditador da Tomânia, uma nação em crise, que passa a crer em coisas como grandes líderes e a superioridade de uma raça sobre a outra. Já o outro personagem é um sujeito que perdeu a memória na guerra, tentando retornar à vida como barbeiro, depois de ficar internado em um hospital e mora em um gueto onde forçadamente habitam os judeus.
O filme mostra as ações dos dos dois personagens, ambos interpretados por Chaplin, que nunca se encontram, mas tem suas vidas ligadas, pois devido às semelhanças físicas, o barbeiro é confundido com o ditador e este acaba discursando em seu lugar. Ao invés de ouvirem o discurso inflamado do antigo ditador, o que houve é uma exaltação à paz. O grande discurso, inflamado, acabou ganhando mais fama que o próprio filme de Chaplin.
Outra cena que marcou época é do ditador Hynkel brincando com o globo terrestre e chora feito um menino quando ele estoura.
Esta película foi censurada no Brasil pelo (DIP) Departamento de Imprensa e Propaganda, temido órgão governamental que realizava a censura na época do período do Estado Novo, durante a ditadura de Getúlio Vargas. A alegação dos censores foi que a obra era “comunista” e “desmoralizadora das Forças Armadas”. É certamente uma obra-prima sem igual, onde vemos uma bela reprodução de um período complicado da história, onde Chaplin defende a liberdade, a solidariedade e a igualdade. Apesar de tudo isso, existe uma versão que afirma que Chaplin dizia ter se arrependido de ter feito o filme. Ele comentou que se soubesse o que acontecia nos campos de concentração, não teria brincado com um tema tão complicado.
Os jornais de Natal na época não comentam a reação do público, ou pormenores das apresentações desta película. “O Grande Ditador” apenas veio e foi presentado no antigo cinema “Rex”, que ficava na Avenida Rio Branco.
A Relação do escritor paulista e a cidade do Natal
Autor – Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
Em 2008 se comemoraram os oitenta anos da visita do escritor paulista Mário de Andrade ao Rio Grande do Norte, quando aqui sentiu, viu coisas interessantes, conversou, fez amizades e levou uma imagem sobre Natal e o Nordeste que marcariam sua obra. Mas como esta visita repercutiu em Natal? Como a imprensa da época tratou este assunto?
Em 1928, o paulistano Mário Raul Moraes de Andrade já era uma figura consagrada na nossa literatura, desde 1922 quando ocorreu em São Paulo, a Semana de Arte Moderna. Este foi um movimento cultural, do qual foi um dos líderes e exerceu grande influência em outros escritores. Neste mesmo ano publicou seu livro “Paulicéia desvairada”, que provocou forte reação do público e da crítica.
A partir de 14 de agosto de 1924, o consagrado autor passa a manter com Luís da Câmara Cascudo, uma profícua troca de correspondências, onde decide realizar uma segunda “viagem etnográfica” pelo interior do Brasil (a primeira ocorreu em 1927 e visitou a região Norte).
Possuído por uma irrequieta e curiosa vontade de descobrir o que o Brasil dos “rincões” o escritor paulista não se contentava em ser um pesquisador de “gabinete”. A viagem era parte importante do seu processo de descoberta e contemplação da nossa cultura.
A época do planejamento e concretização desta viagem, Mário era amigo do paraibano, radicado no Rio Grande do Norte, Antônio Bento de Araújo Lima, que seria um dos seus acompanhantes durante esta empreitada.
A viagem ao Nordeste já estava planejada e orçada desde 1926, mas apenas em fins de 1928 pode ser concretizada. A chegada pelo mar se deu no Recife, em 3 de dezembro, dali em diante seguiram por terra e só retornara a São Paulo em 20 de fevereiro do ano seguinte.
As cidades de Natal, Recife e Parahyba (atual João Pessoa) foram suas principais bases para seus levantamentos e pesquisas e Natal foi local de permanência mais demorada. Passaram um mês e meio na capital potiguar, treze dias na pernambucana e onze dias na paraibana.
Mário chegou a Natal no dia 14 de dezembro de 1928, uma sexta-feira, tendo sido recepcionado na estação ferroviária da Great Western por Câmara Cascudo, de quem era hóspede. Afirmou ao jornal “A Republica” que sua visita ao Rio Grande do Norte se prendia a “estudos literários”. No mesmo trem que trouxe o escritor paulista, uma pequena notícia social informava que, igualmente chegou de Recife, havia desembarcado o acadêmico do 1º ano do curso jurídico, o jovem Afonso Bezerra, sem haver nenhuma indicação de algum contato deste e Mário de Andrade.
A visita do escritor movimentava a intelectualidade da cidade. O colunista Aderbal de França apresentou Mário de Andrade como “vanguardeiro de uma das principais correntes do pensamento brasileiro”. Ele Perguntava; “e a que veio o notável escritor de Macunaíma?”, para mais adiante responder “na sua simplicidade habitual, estudar as tradições da nossa terra, para decantá-las na feição moderna que tão bem sabe lapidar os hábitos conservadores da nossa raça”.
Um pouco do que Mário de Andrade viu de Natal e que ainda existe.
Não faltou na coluna uma referência ao falecido poeta potiguar Ferreira Itajubá; “Mario de Andrade se desagrega das ruas, cheirando a indústria da paulicéia e vem as ruas com anseios de progresso da terra de Itajubá, que se vivo fosse vivo, seria, talvez, aqui, um da “escola paulista”.
Finalizava Aderbal apresentando uma ideia de certo pioneirismo que esta visita apresentava a cidade “Vem, dentro do seu modernismo, ver de perto o que possuímos aí pelos recantos da cidade e do interior, porque em verdade, a vida do norte vive sempre tão ignorada dos intelectuais do sul!”.
No dia seguinte, Mário e Cascudo visitaram o governador Juvenal Lamartine no seu gabinete, em visita de cortesia. Esta visita se repetiria no dia 18, e ficaram registradas.
Oscar Wanderley, comenta em artigo publicado em 8 de janeiro, uma visita feita pelo escritor, junto com Cascudo e Antônio Bento, a redação do jornal “A Republica”, então um ponto de encontro dos intelectuais da terra.
Já nos primeiros dias, além de Cascudo e Bento, Mário vai criando na cidade um círculo de amigos como Barôncio Guerra, Cristóvão Dantas, Jorge Fernandes e outros. Estes são os companheiros de banho de mar (principalmente na praia da Redinha), de passeio, de descanso, de pesquisa. Em toda parte, “gente suavíssima que me quer bem, que se interessa pelos meus trabalhos, que me proporciona ocasiões, de mais dizer que o Brasil é uma gostosura de se viver”, conforme escreveria o autor no futuro.
As Impressões da Cidade Sobre o Escritor Paulista
Os jornais natalenses não são prolíficos sobre a opinião gerada na comunidade em relação à visita do escritor a cidade. Oscar Wanderley, entretanto, narra as impressões de uma visita noturna a Mário de Andrade, na “Vila Cascudo”.
Além de Oscar e do próprio Mário, estavam presentes, o anfitrião Cascudo, Vicente Gama, Alberto da Câmara, Arary Britto, e o desportista José Hugo, o “Zezé”. Mário acolheu a todos com familiaridade, estava ao piano, bebendo café, debatendo, ou reverentemente escutando e anotando freneticamente as toadas e canções que lhe eram apresentadas, principalmente por Vicente Gama e Arary Britto. Entre goles de café, Mário comentava com os presentes aspectos de “bruxarias”.
Sobre este comentário, Wanderley afirma que o jornalista Damasceno Bezerra, lhe informou estar o escritor paulista desejoso de visitar “um Catimbó lá pras bandas do Alecrim”.
Mário de Andrade é apresentado com “mãos longas, de dedos muito finos, cor de marfim velho, na extremidade de dois longuíssimos braços, que faziam gestos despreocupados, entremeando as nossas primeiras saudações”.
Wanderley deixa escapar em suas linhas que esta inimitável figura paulistana, já estava se tornando habitual, ao dia a dia da ensolarada capital nordestina, de vinte poucos mil habitantes; “Não sei se todos os senhores já o virão por aí, a caça de Sambas, de Cocos, de Pastoris, de Cheganças, de Bumbas-meu-boi. Viram-no, de certo”.
O encontro só acabou após as vinte e duas horas, onde o autor de “Macunaíma” deixou uma impressão de “honestidade estrutural do caráter do artista-escritor”.
A Natal Popular e Outras Paisagens
É nesta condição de “honestidade cultural” que o pesquisador organizado, aliado a sua infatigável capacidade de trabalho, parte para conhecer, junto com Câmara Cascudo, Antônio Bento e outros, o Boi, o Fandango, a Chegança, os Congos, o Catimbó, seus mestres e feiticeiros. Busca os bairros populares, “sem iluminação, sem bonde, branquejado pelo areão das dunas”. Mário de Andrade mostra sua predileção pela Natal menos visível, dos bairros proletários, com suas brincadeiras populares. Nas praias de Areia Preta e da Redinha, o escritor encontrou; “Sambas, Maxixes, Valsas de origem pura, eu na rede, tempo passando sem dizer nada”, (conforme comentaria em seu futuro livro “O turista Aprendiz”).
Para ele, a Natal do final dos anos de 1920, era uma cidade que se mostrou alegre, mas com relações distintas, onde o escritor paulista não deixa de lado a crítica social: pois, “se saúde, facilidade, bem-estar fosse dedutível da alegria, o proletário nordestino vivia no paraíso”.
O escritor comenta, em uma anotação feita em 2 de janeiro de 1929, o que via da cidade; “Não há mocambos (favelas). O mangue fica da outra banda do Potengi, onde ninguém mora. No Alecrim, como em Rocas, as casas são cobertas de telha e muitas de tijolo. Se enfileiram pequititas, porta e janela de frente, em avenidas magníficas, todas com o duplo de largura da rua comum paulistana”.
Mário realizava um roteiro até então pouco usual de introdução às cidades nordestinas. Apreciando a cultura, festas populares, arte, história, mas também as comidas e as bebidas locais, as praias e os banhos de mar.
Durante sua permanência em Natal, junto com Antônio Bento, o escritor vai à fazenda “Bom Jardim”, na região de Goianinha, conhecer e se encantar com o trovador “Chico Antônio”, como era conhecido Francisco Antônio Moreira. Para Mário, “Chico Antônio não sabe que vale uma dúzia de Carusos”.
Chico Antônio na década de 1920.
Depois de algum tempo desfrutando das benesses da capital e da região próxima ao litoral, chegou à hora de seguir em direção ao interior do estado. Dois relatos sobre a visita ao sertão são publicados no jornal “A Republica”; uma foi a série de crônicas de viagem produzidas por Câmara Cascudo, intituladas “Diário dos 1.104 km” e a outra foi o interessante material escrito por Antônio Bento “Macau-Assu-Seridó-1.104 km em cinco dias”, escrito no dia 27 de janeiro.
A Despedida da Cidade
No dia 25 de janeiro, Mário de Andrade realiza uma última visita de cortesia ao governador Juvenal Lamartine. No outro dia, às oito da noite, no tradicional Hotel Internacional, ele é homenageado com um jantar, onde estiveram presentes, além de Câmara Cascudo, Antônio Bento, Cristóvão Dantas, Lélio Câmara, Omar O’Grady, Luiz Torres, Nunes Pereira, Adauto Câmara, Jorge Fernandes e Gonzaga Galvão. Juvenal Lamartine foi convidado, mas não foi, mandou seu ajudante de ordens, o capitão Genésio Lopes, representá-lo.
Na manhã do dia 27, o escritor paulista tomou um automóvel para a cidade da Parahyba (atual João Pessoa), em companhia de Antônio Bento e a convite de José Américo de Almeida.
Qual foi a principal marca que a visita de Mário de Andrade deixou em Natal?
Mário de Andrade e Câmara Cascudo viajando pelo sertão.
O engenheiro agrônomo potiguar Garibaldi Dantas, em uma interessante crônica, publicada no dia 6 de abril de 1929, em “A Republica”, apontava a validade da iniciativa de Mário de Andrade em visitar e pesquisar as tradições nordestinas, mostrando a intelectualidade local à importância do que possuíamos em termos de cultura.
Dantas criticou duramente a intelectualidade potiguar, afirmando que “ao invés de ficarem nas eternas questiúnculas bizantinas de escolas estrangeiras, fossem ao nosso interior, e de lá trouxessem estes motivos interessantes que um dia poderão ser gênese de algum trabalho formidável e original”. Conclamava os “literatos do norte” a evitarem a triste ideia corrente de crescer e fugir do meio. Dantas afirmava certamente baseado na experiência de um engenheiro agrônomo que conhecia o interior, que “o Brasil não está nas capitais. Está no sertão rude, brutal, desconhecido mesmo”.
Dantas afirmava que a corrente de brasileirismos criada pela Semana de Arte Moderna de 1922, mesmo com seus exageros, “terá um dia a sua significação formidável, na formação de uma mentalidade brasileira”. Ele não estava errado.
Autor – Rostand Medeiros – Escritor e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN
Quem nasce no Rio Grande do Norte, gosta de ler livros interessantes, de aprender sobre fatos, pessoas e coisas que valham a pena serem conhecidos, dificilmente vai deixar de ler alguma referência, algum livro, ou mesmo episódios da vida de Luís da Câmara Cascudo (1898-1986).
Luís da Câmara Cascudo
Felizmente para este leitor, ele estará diante de toda uma plêiade de obras que vão dos estudos folclóricos, as pesquisas históricas, antropológicas, etnológicas, sociológicas e de outras áreas do conhecimento.
Este grande pesquisador das manifestações culturais brasileiras deixou um extenso material cujo conjunto é considerável em quantidade e qualidade, onde mais de trinta dos seus livros são listados como essenciais ou no mínimo importantes para muitas áreas da pesquisa.
Mesmo tendo passado toda sua vida na provinciana Natal, distante dos grandes centros culturais do país, Cascudo obteve reconhecimento nacional, internacional e sua obra ainda não foi superada.
Romance de Costumes
Como leitor contumaz do “Mestre Cascudo”, como ele é conhecido pelos potiguares, na sua vasta produção li poucas referências às cavernas, a espeleologia e seus assuntos correlatos. Até então tinha lido somente pequenos apontamentos sobre lendas envolvendo cavernas, a utilização de nomes ligados a espeleologia na toponímia de pontos geográficos pelo Brasil afora e outras referências. Imaginava que para Cascudo, a espeleologia e o universo de assuntos que rodeiam esta área do conhecimento eram limitados. Talvez um assunto que não tenha despertado o seu interesse?
Foi então que um amigo me apresentou um livro que o próprio autor definia como um “romance de costumes”, o único escrito por ele. Este livro é “Canto de Muro”.
A primeira edição em 1959.
Confesso que depois de ler “Geografia dos Mitos Brasileiros”, “História da Cidade do Natal”, “Dicionário do Folclore Brasileiro”, “Viajando o Sertão”, “Vaqueiros e Cantadores” e outras maravilhas do universo de Cascudo, aos quais tenho como referências obrigatórias em minhas pesquisas, eu não me animei em conhecer este “Canto de Muro”. Imaginava esta obra como sendo uma viagem literária do pesquisador, por uma área das letras “nunca d’antes navegada”.
Comecei a folhear o livro, onde os personagens que se apresentavam a minha frente eram um escorpião chamado “Títius”, ou a aranha “Licosa”, ou ainda a lagartixa “Vênia” e outros. Após o exame inicial, fiquei com vontade de devolver na mesma hora o objeto oferecido.
Mas como este amigo havia tido a gentileza de me emprestar seu livro, me entregando com um largo sorriso de satisfação no rosto, tive vergonha de devolvê-lo.
Em todo caso imaginei ir para casa aproveitar o “Canto de Muro” para contar algumas “historinhas de animais” para minha filha Tainá quando ela tinha apenas sete anos de idade e entretê-la na hora de dormir.
Ao folhear mais calmamente o romance de Cascudo, imaginando a “historinha” mais interessante para contar, quem verdadeiramente foi ficando no “Canto do Muro” fui eu.
O livro é verdadeiramente maravilhoso.
Cascudo fez um “romance de costumes”, mas de animais.
E que animais são estes? A maioria são justamente as espécies menos enaltecidas pelo homem. São aquelas que vivem literalmente no “Canto de Muro”. Passeiam por suas páginas aranhas, besouros, ratos, baratas, cobras, escorpiões e outros que vivem escondidos nos quintais das casas velhas, entre troncos decaídos, buracos, ripas, tijolos quebrados e em outros locais que são rejeito e entulho da desenvolvida humanidade.
O autor age unicamente como um narrador, em meio a uma primorosa escrita, aonde vai trazendo de forma romanceada, os aspectos naturais destes animais. Os capítulos se seguem como se fossem uma descrição feita em uma caderneta de campo de um pesquisador atento e minucioso. Cascudo comentou que desde cedo fora seduzido pela história natural, que foi se aprimorando quando captou, e anotou os episódios da vida dos protagonistas do livro. Ele realizou estas anotações, principalmente nos jardins e quintais da casa paterna, a chamada “Vila Cascudo”.
Com o passar do tempo, o homem crescia, mudanças surgiram em sua vida, seus caminhos literários se expandiam, mas nunca deixou de observar e anotar, desinteressadamente, o comportamento de alguns animais.
“Quiró”
Para minha satisfação, entre os animais observados e descritos por Cascudo, está o mais representativo membro da fauna cavernícola, os morcegos.
No terceiro capítulo vamos encontrar “O Mundo de Quiró”, onde o autor inicia com a citação de certo “Sr. Hemenegildo”, proprietário de um pomar em Natal, que resoluto questionava;
“- Faça-me o favor de dizer: para que Nosso Senhor fez o morcego?”
Logo após o escritor mostra uma das características mais conhecidas dos quirópteros, a forma como descansam;
“Quiró está com as unhas dos pés fincadas numa saliência da parede, voltado para ela, e com a cabeça para baixo, dormindo. Não sei de outro vivente que durma desta maneira. Dorme todo o dia e detesta a luz e mesmo as cores garridas e atraentes.”
Vai descrevendo de forma clara e simples o único mamífero voador, comparando-o a outros animais e de como utilizava suas características naturais.
Em meio a deliciosas informações biológicas, que certamente podem fazer muitos cientistas desta área torcerem o nariz, Cascudo afirmou que suas observações sobre os morcegos foram feitas em expedições noturnas no centro de Natal, nos bancos da tradicional Praça Sete de Setembro, defronte ao antigo Palácio do Governo.
Cascudo não estava escrevendo um chato, monótono e, como muitos realizam, inútil texto acadêmico. Suas informações fluem de uma maneira tranquila fazendo com que o leitor, de forma fácil, conheça sobre o peculiar mundo destes animais.
Como de praxe em suas obras não faltam citações explicativas de figuras históricas, como a do naturalista e escritor francês, George Louis Buffon, que tinha o título de conde de Leclerc (1707 – 1788), que afirmava serem os quirópteros “mais um capricho que uma obra regular do Criador”.
Lembrava o jesuíta e naturalista italiano, Lazzaro Spallanzani (1729 – 1799), aquele que em 1756 cegou quatro morcegos, colocou todos em um quarto escuro, com uma teia de fios verticais embebidos em forte visgo, para assim prender os pequenos animais ao menor esbarrão e, mesmo sem compreender, percebeu que os morcegos conseguiam se desviar dos finos obstáculos.
Ou uma citação do também naturalista francês, Georges Cuvier (1769 – 1832), que descreveu aspectos da gênese destes mamíferos e em 1797 batizou a família dos morcegos com o termo “quiróptero”.
Afirmava que o mamífero estava em terras brasileiras desde o início dos tempos, mas comentava com certa decepção que estes animais não tinham mito, ou lenda na memória popular no Brasil, servindo “apenas para fantasias de carnaval”.
Cascudo não procurou desfazer a triste lenda que afirmava “serem os morcegos, uma evolução dos roedores mortos”. Mostrava inclusive as ligações que havia entre os termos “morcego” e “rato” nos idiomas inglês, alemão e francês. Mas não fechou a questão da falsa evolução voadora dos roedores e deixava o tema em aberto.
Outra faceta dos quirópteros que o autor comentou, foi em relação ao sentido de orientação destes animais. Apontando que milhares de anos antes, estes já possuíam um radar.
Cascudo, a Cobaia dos “Morcegos-Vampiro”
Entre as espécies deste mamífero, a que mais chamou a atenção do folclorista foram os membros da família dos morcegos-vampiro (Desmodus rotundos). Cascudo buscou detalhar a forma como estes estranhos animais agiam em busca do seu alimento. Lembrou que foi o cronista português Gabriel Soares de Sousa, em seu “Tratado Descritivo do Brasilem 1587”, o primeiro estudioso a analisar a ação dos morcegos-vampiro.
Cascudo chega a afirmar que em algumas ocasiões, em locais onde proliferavam estes mamíferos, o famoso folclorista chegou a dormir despido da cintura para cima, na intenção de se transformar em cobaia. Seu desejo era conhecer os mecanismos do analgésico que estes animais utilizam para manter a vítima adormecida enquanto retiravam sangue.
Devido à tez bastante clara da sua pele e sua compleição forte, o pesquisador era um alvo fácil para estes quirópteros. Mas afirmava decepcionado que nunca foi mordido. Ele não podia então “dar seu depoimento pessoal sobre a ação destes mamíferos”.
Contudo informa que em uma ocasião viu um destes animais “saborear” o sangue de um jumento “Catolé” e este nem dar atenção ao banquete que faziam nele. Relembrou que no antigo Brasil colonial, os homens do campo atribuíam ao “Saci-Pererê”, a responsabilidade pelas sangrias nos pescoços e dorsos dos diversos tipos de alimárias que eram utilizados nas antigas fazendas.
Para quem gosta da espeleologia e não tem medo de quirópteros, o terceiro capítulo de “Canto de Muro” é uma ótima pedida de leitura.
Luis da Câmara Cascudo, nas últimas páginas, confessa que esta obra parecerá estranha aos que haviam lido seus trabalhos anteriores. Ele não pensava em publicá-lo, se assim o fizesse seria com um pseudônimo. O amigo e editor José Olympio aceitou as condições, mas a família e outros amigos convenceram-no a assinar o “Canto de Muro”.
Lançado em 1959, quando o autor tinha então setenta e três anos foi um sucesso e uma surpresa para a intelectualidade brasileira. Este livro teve mais três edições, todas acolhidas de forma positiva por parte do grande público, principalmente aqueles que não se entregam ao cotidiano, que com olhos atentos sempre focalizam as coisas naturalmente interessantes. Mesmos as pequenas.
P.S. – Desde 1990 que participo de grupos dedicados ao conhecimento e preservação de cavidades naturais no Rio Grande do Norte, visitando estes ambientes na Região Oeste do estado e vendo muitos morcegos. Na foto abaixo estou na Gruta Três Lagos, no município de Felipe Guerra.
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