COMO FOI A “CONFERÊNCIA DO POTENGI”, QUE REUNIU OS PRESIDENTES ROOSEVELT E VARGAS EM NATAL EM 1943 – OS DETALHES DAS REUNIÕES

Recentemente um amigo me perguntou como ocorreram as reuniões entre os presidentes Franklin Delano Roosevelt (Estados Unidos) e Getúlio Dorneles Vargas (Brasil), ocorridas no dia 28 de janeiro de 1943, a bordo do navio de guerra USS Humboldt, ancorado no rio Potengi em Natal?

Esse fato, conhecido como “Conferencia do Potengi”, é um episódio até que bastante comentado pelos natalenses. Mas sobre os detalhes do que aconteceu a bordo dessa nave da US Navy pouco é divulgado.

Visando sanar a dúvida desse dileto amigo, estou reproduzindo no nosso blog TOK DE HISTÓRIA as páginas de número 252 a 262 do livro “Brasil – A Segunda Guerra Mundial e a Construção do Brasil Moderno” (Editorial Presença, Lisboa, Portugal, 2014), escrito pelo escocês Neill Lochery, que trata com extremo detalhismo sobre esta questão. Vale a leitura para conhecer o que se passou no que ficou conhecido como “Conferência do Potengi”.

O autor é um importante historiador, dedicado aos temas da da história moderna da Europa e do Oriente Médio e Mediterrâneo, além de ser um colaborador frequente de jornais e publicações de periódicos em todo o mundo. Lochery também é professor na University College, de Londres. É autor de uma série de livros aclamados pela crítica. Vários de seus livros enfocam a Segunda Guerra Mundial. Lochery tem mestrado pela Exeter University e doutorado pela Durham University (Centro de Estudos do Oriente Médio e Islâmicos), ingressou na University College em 1997 e é professor de Estudos do Oriente Médio e do Mediterrâneo na Faculdade de Artes e Humanidades. 

Procurei evitar ao máximo realizar alterações e acrescentar notas, apenas onde foi mais do que necessário para o melhor entendimento dos leitores. Acrescentei fotografias da nossa coleção, de modo a criar um melhor entendimento daquele momento histórico. Vale ressaltar que esse livro foi publicado no Brasil com o título “Brasil – Os Frutos da Guerra” (Editora Intrínseca, Rio de Janeiro, 2015). 

Acredito que o texto de Neill Lochery é extremamente interessante para o conhecimento dos natalenses e potiguares para um dos momentos mais importantes da História do Rio Grande do Norte.    

Getúlio Vargas junto a oficiais da marinha dos Estados Unidos, provavelmente conversando em francês.

Vargas também se preparava para uma reunião secreta que teria enormes consequências para o Brasil e para a guerra à qual o país se unira havia pouco tempo. Em uma nota para Cordell Hull[1], na terça-feira, 26 janeiro de 1943, Jefferson Caffery[2] escreveu de forma enigmática: “Eu saio pela manhã com o chefe de Oswaldo para encontrar você sabe quem. Devo voltar na sexta-feira”.[3] 

No dia seguinte, Caffery, o almirante Ingram e um adido naval embarcaram num avião, juntamente com o presidente Vargas e dois assessores.[4] 

Vargas com seu charuto Corona, seu preferido, despachando no Palácio do Catete.

Assim que todos os seis passageiros subiram a bordo, o avião decolou e rumou para Natal. Ao chegar, o grupo foi transferido para um contratorpedeiro, o USS Jouett, onde seus integrantes jantaram e passaram a noite se preparando para as reuniões do dia seguinte. 

Vargas estava muito ansioso. Ele participara havia pouco de celebrações em São Paulo por ocasião do aniversário da fundação da cidade. Seu filho, Getulinho[5], tinha contraído poliomielite nesse período, e todos presumiam nos círculos políticos da capital que o presidente continuava em São Paulo com ele[6]

Vargas e Jefferson Caffery, embaixador dos Estados Unidos no Brasil.

Vargas, porém, decidiu que o dever o chamava e, com efeito, deixou a cabeceira do filho moribundo para participar da reunião em Natal. No entanto, apesar da ansiedade, estava bem preparado para as reuniões vindouras. Aranha elaborara um memorando de dez páginas com conselhos para o chefe que delineavam as prioridades brasileiras. Em um sinal da forte confiança entre Aranha e Caffery, o ministro das Relações Exteriores brasileiro mostrou o documento ao seu colega americano. 

Às oito da manhã de 28 de janeiro de 1943, o hidroavião que transportava o presidente Roosevelt amerissou em Natal. Roosevelt estivera na Conferência de Casablanca, no Marrocos, na qual se reunira com o primeiro-ministro britânico Winston Churchill e com os generais franceses Charles de Gaulle e Henri Giraud a fim de discutir as táticas e estratégias para o restante da guerra. Na conferência, os líderes também formalizaram seu compromisso para acabar com a guerra por meio da derrota total das potências do Eixo. Essa política, que seria conhecida como a doutrina da “rendição incondicional”, marcaria a Conferência de Casablanca como uma das mais importantes de toda a Segunda Guerra. 

Ao chegar a Natal, Roosevelt foi imediatamente transferido para o navio de apoio a hidroaviões USS Humboldt, onde permaneceria durante aquele dia e aquela noite. 

Mais tarde, na manhã da chegada do presidente americano, Caffery reuniu-se com ele e seu assessor especial, Harry Hopkins. Os três concordaram que Roosevelt levaria “com tato” a questão da adesão do Brasil às Nações Unidas, que era um dos principais objetivos dos americanos para a reunião[7]. A ONU seria estabelecida pelos Aliados como a instituição internacional central na ordem do pós-guerra e substituiria a Liga das Nações. Caffery comentou que Vargas muito provavelmente concordaria com tal pedido — o memorando de dez páginas com os conselhos de Aranha confirmara isso[8]

Getúlio Vargas no seu trabalho.

Roosevelt, Caffery e Hopkins discutiram então a oferta feita pelo Brasil de mandar tropas ao exterior. O presidente explicou que os líderes militares americanos “não estavam muito interessados em enviar tropas brasileiras ao Norte da África.” No entanto, Roosevelt queria convencer Vargas de que suas tropas seriam necessárias em outros lugares do outro lado do Atlântico, sobretudo em alguns territórios de importância estratégica com os quais o Brasil compartilhava um passado colonial. 

No dia após sua chegada, Roosevelt ofereceu um almoço em homenagem ao colega brasileiro na sala de jantar do comandante do Humboldt. Os dois presidentes conversaram em francês, tal como haviam feito durante a primeira reunião que tiveram no Rio de Janeiro, em 1936. Vargas vestia um terno de linho branco e camisa de algodão com sua gravata de seda listrada favorita, enquanto Roosevelt usava um terno de algodão bege-claro ligeiramente surrado e camisa branca. Contudo, a gravata e a braçadeira negras do presidente americano, mais do que qualquer outro elemento de seu vestuário, expressavam seu estado interior. Roosevelt estava de luto pela morte de filhos americanos na Segunda Guerra Mundial — fato que, sem dúvida, ressoou profundamente no presidente brasileiro, cujo filho estava à beira da morte. 

Vargas e Roosevelt no Rioi de Janeiro em 1936.

Roosevelt e Vargas haviam envelhecido bastante desde a reunião em 1936. Embora aparentassem descontração na única fotografia publicada daquele encontro no Rio de Janeiro, em 1943 os dois pareciam cansados. As olheiras de Roosevelt ficavam bem visíveis quando ele tirava os óculos; Vargas ainda

O Uss Humbold (AVP-21), onde aconteceu a “Conferência do Potengi”. Essa nave já foi classificada como “cruzador”, destróier”, “contratorpedeiro”, mas na verdade era uma nave de apoio de hidroaviões, que ficava em Natal para ajudar hidroaviões americanos de busca e destruição de submarinos que ficavam na base da Rampa.

mancava perceptivelmente em decorrência do acidente e levara sua bengala na viagem a Natal. Apenas Jefferson Caffery parecia remotamente saudável — ainda bronzeado após as férias nos Estados Unidos no ano anterior e pelos banhos de sol que tomara na praia no início do mês, no verão carioca. 

Refeição a bordo do Uss Humboldt, vendo da esquerda para direita Vargas, Roosevelt e Caffery.

O clima durante o almoço era de profissionalismo, e o ambiente estava um pouco silencioso. Os dois presidentes viam a reunião como um encontro individual. Sentado à cabeceira da mesa, com Vargas à direita, Roosevelt dirigiu-se diretamente ao presidente brasileiro. Durante todo o almoço, Roosevelt quase não tirou os olhos de seu convidado, mal percebendo a presença de qualquer outra pessoa na sala. Ele falava em voz baixa, mas, embora o tom suave conferisse um ar mais intimista à reunião, o motivo era, na realidade, um resfriado que o presidente americano contraíra com as mudanças drásticas na temperatura às quais fora exposto nos dias anteriores à viagem. Vargas ouviu o colega americano com atenção e interveio de vez em quando, mas apenas de forma breve — quando Roosevelt solicitava uma resposta, por exemplo, ou quando fazia uma pausa para deixar o brasileiro falar. Caffery, sentado à esquerda de Roosevelt, disse muito pouco. Ele ouviu atentamente e algumas vezes inclinou-se para a frente a fim de se certificar de que conseguia ouvir a voz cada vez mais rouca de seu líder. 

Foto clássica dos líderes dos Estados Unidos e Brasil na “Conferência do Potengi”.

Roosevelt começou a conversa informando Vargas do que acontecera em Casablanca na reunião com Churchill e os líderes franceses. Então descreveu o progresso da guerra sob uma perspectiva americana, contando a Vargas como a produção dos Estados Unidos estava evoluindo, como iam as relações anglo-americanas, qual era a situação na União Soviética e quais eram suas esperanças e planos para o período pós-guerra. 

Vargas, Roosevelt e Caffery no USS Humboldt.

Em seguida, o presidente americano falou sobre o Brasil e, de uma maneira geral, sobre o desenvolvimento econômico do país e seus problemas com a imigração. Ele deixou a primeira pergunta para o final dos comentários de abertura, mas então, como era do seu feitio, foi direto ao ponto. — À luz da evolução da situação na guerra — perguntou a Vargas —, o Brasil está disposto a se tornar um membro das Nações Unidas?[9] 

Vargas, que estudara com cuidado o memorando de dez páginas de Aranha no avião, não ficou surpreso com a pergunta. Olhando bem nos olhos de Roosevelt, respondeu que (como Caffery mais tarde relataria numa mensagem para Cordell Hull) “tomaria as providências para se tornar um membro da Organização das Nações Unidas”. Vargas então fez uma pausa que pareceu eterna, mas que durou apenas um ou dois segundos antes de qualificar sua resposta. 

Primeira página do jornal natalense “A República”, noticiando a “Conferência do Potengi”.

— No entanto — continuou ele —, esse pode ser um momento oportuno para dizer mais uma vez que precisamos de equipamentos dos Estados Unidos para nossas forças armadas: Marinha e Aeronáutica[10]

Vargas deixou Roosevelt com poucas dúvidas quanto ao que seria necessário para levar o Brasil a se engajar 100% no campo dos Aliados: os Estados Unidos teriam de aumentar seu fornecimento de armas ao Brasil. 

O navio de guerra norte-americano Uss Jouett, que também ficou ancorado no rio Potengi hospedou Vargas antes do encontro com Roosevelt no Uss Humboldt.

Deixando de lado os envios adicionais de armas americanas para o Brasil, Roosevelt voltou à questão de Portugal. Ele fez um breve resumo sobre a importância da ilha da Madeira para a causa dos Aliados no Atlântico, mas focou, em particular, nos Açores, que eram vitais para as operações dos Aliados no Atlântico Sul. Roosevelt confessou um interesse pessoal pelos Açores, que o faziam lembrar-se da Primeira Guerra Mundial, quando, em 1918, na condição de secretário assistente da Marinha, visitou as ilhas para inspecionar a base naval americana que havia acabado de ser construída. Agora ele confidenciava a Vargas uma conversa que tivera com Churchill, na qual os dois concordaram em fazer da implantação de bases aéreas no Açores uma prioridade estratégica para 1943.[11] A segurança da rota comercial do Atlântico Sul para o continente europeu dependia de ganharem a batalha contra os submarinos alemães, e uma base nos Açores permitiria a operação de aviões antissubmarino dos Aliados ali. A base aérea também seria um ponto de escala vital para a invasão da Europa pelos Aliados, prevista para ocorrer no ano seguinte. 

Os presidentes no jipe, na área da Rampa.

O único fator complicador era que Portugal controlava o arquipélago. Para ter acesso às bases, os britânicos pensavam em abrir negociações com António de Oliveira Salazar, o ditador de Portugal, na primavera de 1943, e os americanos iniciariam as conversas com ele logo depois. “Salazar é um sujeito complicado”, descreveu Roosevelt. Este já começara a tentar tranquilizar o ditador de que uma presença dos Aliados nas ilhas duraria apenas o prazo da guerra, como ocorrera na Primeira Guerra Mundial. Mas Salazar suspeitava que tanto a Inglaterra quanto os Estados Unidos conspiravam para estabelecer uma presença permanente nas ilhas. Como se comprovou mais tarde, o astuto líder português previa a ascensão da Guerra Fria e o confronto ideológico entre a democracia e o comunismo e entendia que as ilhas seriam de grande utilidade para uma potência — como a americana — que desejasse estabelecer domínio na Europa Ocidental. Salazar temia que os Estados Unidos relutassem em deixar os Açores após estabelecer uma posição por lá. 

No entanto, Roosevelt também sabia — ou ao menos suspeitava — que o ditador português estava tão preocupado com as ambições alemãs quanto com as dos Estados Unidos. A Vargas, o presidente americano sugeriu que Salazar temia uma invasão alemã de Portugal e dos Açores, ou uma simples invasão das ilhas. Contudo, essa era uma espécie de cortina de fumaça, uma vez que a ameaça real de uma invasão alemã em Portugal já passara. Com as forças de Hitler envolvidas em combates ferrenhos na União Soviética e com as forças dos Aliados no Norte da África, a possibilidade de um ataque do Eixo a Portugal ou a suas possessões no Atlântico parecia remota. 

Na verdade, Hitler perdera a oportunidade de invadir os Açores. No início da guerra, seus comandantes navais tinham-no instigado a invadir as ilhas portuguesas antes dos britânicos, mas ele optou por ignorar os conselhos. O que preocupava Roosevelt mais do que uma invasão alemã era a perspectiva de Salazar não permitir o acesso dos Aliados às ilhas. Em reuniões reservadas com Sir Ronald Campbell, o embaixador britânico em Lisboa, Salazar indicara que, quando chegasse a hora, ele faria a coisa certa para os britânicos. No entanto, não chegou a prometer aos americanos uma presença nas ilhas. Tanto Churchill quanto o ministro das Relações Exteriores do Foreign Office, Anthony Eden, prometeram tentar mudar a opinião do ditador português quando a Grã-Bretanha abrisse as negociações com ele. Roosevelt e os Estados Unidos, porém, haviam começado os preparativos para talvez tomar as ilhas à força, caso não conseguissem pela diplomacia. 

Roosevelt esperava que seus amigos brasileiros o apoiassem na questão dos Açores. Contudo, quando ele abordou o assunto com Vargas, descreveu o pedido como se fosse uma ajuda aos portugueses, com quem ele sabia que o Brasil ainda mantinha laços estreitos. 

— Você pode nos ajudar enviando tropas para substituir os portugueses, que são mais necessários no continente? — pediu Roosevelt a Vargas.[12]

O líder brasileiro foi pego de surpresa pela franqueza na abordagem de Roosevelt e ficou preocupado com as implicações. Os Estados Unidos pediam ao Brasil, uma ex-colônia de Portugal, para de fato ocupar território soberano

português. Depois de alguns segundos de silêncio, Vargas respondeu de forma lenta, quase mecânica: — Estou disposto a levar esse assunto a Salazar. No entanto, não podemos enviar tropas para as ilhas portuguesas [Açores], a menos que vocês forneçam equipamentos adequados para elas.[13] — Era a diretiva brasileira, e Vargas estava agarrando-se a ela.

Uma revista mexicana, que divulgou o encontro de Roosevelt e Vargas em Natal.

Os dois passaram o resto do almoço elaborando os detalhes de como os Estados Unidos poderiam enviar peças sobressalentes e outros equipamentos muito necessários à Marinha do Brasil. O presidente americano prometeu tentar enviar o máximo de material militar, o mais rápido possível. Esse foi o fim das

conversas sérias, e Roosevelt e Vargas compartilharam uma piada interna com o almirante Ingram, que, por sua vez, disse aos presidentes que a base aérea estava pronta para inspeção. 

Terminada a refeição, os dois chefes de Estado partiram num jipe para ver a base de Natal. A notícia da reunião começara a correr apenas no início do almoço; por isso, quando os presidentes visitaram a base, surpreenderam muitos militares, que não tinham ideia de que os dois líderes iam visitar as instalações. Roosevelt sentou-se no banco dianteiro do jipe; Vargas, no banco traseiro com o almirante Ingram. A excursão foi registrada em uma das fotografias mais emblemáticas desse período de cooperação Estados Unidos-Brasil. Ao mostrar os três homens rindo, a imagem dá a impressão de Roosevelt e Vargas despreocupados, fazendo um passeio. Uma fotografia tirada alguns momentos após a primeira, no entanto, revela um quadro muito diferente. Tanto Vargas quanto Roosevelt parecem quase melancólicos e cansados, como dois idosos que carregam um fardo pesado demais, e cujos dias estão contados. Na verdade, essa segunda fotografia representa melhor os eventos daquele dia do que a primeira imagem mais feliz. 

Naquela noite, Roosevelt e Vargas jantaram com suas equipes no Humboldt. Ao contrário do almoço, o jantar foi menos formal; a conversa, menos empolada e sem dúvida menos comprometedora. Roosevelt prometeu cumprir as promessas de acelerar o fluxo de armas para o Brasil, mas alertou Vargas de que — como o presidente brasileiro com certeza estava cansado de saber — elas estavam em falta. Os dois falaram sobre a possibilidade do envio de uma força brasileira ao exterior, mas apenas em termos gerais. Vargas ainda não conseguira estudar e discutir a fundo o memorando de Dutra em defesa de um grande contingente brasileiro, porém, os comentários e as insinuações de Roosevelt deixavam claro que as forças armadas americanas não estavam muito entusiasmadas com a possibilidade de ter forças brasileiras no Norte da África. Treinar e armar os brasileiros levaria tempo e seria caro demais, pois as novas tropas teriam de estar fortemente armadas e equipadas para participar daquela operação. Contudo, Vargas ainda não tinha como saber qual papel alternativo as tropas brasileiras poderiam desempenhar na guerra além de potencialmente ocupar os Açores. 

Vargas deixou a reunião otimista, em contraste marcante com sua aparência soturna no jipe algumas horas antes. Naquela mesma noite, ele voou de volta para o Rio de Janeiro com Caffery. Aranha se encontrou com o presidente logo após seu retorno e, mais tarde, disse maravilhado a Caffery: “Raramente o vi tão satisfeito com tudo.” Sem dúvida um pouco da alegria que o presidente sentia era pessoal: Caffery mencionara na reunião da manhã com Roosevelt que seu filho estava doente e, durante o jantar, Roosevelt oferecera ajuda ao jovem Getulinho com toda a assistência médica que os Estados Unidos poderiam proporcionar. Mas a reunião também tinha marcado uma importante vitória para o Brasil, e Vargas sabia disso. 

Famoso quadro baseado nas fotos dos presidentes na Rampa, realizado Raymond Neilson.

Na noite de 30 de janeiro de 1943, logo depois da viagem a Natal, Vargas concedeu uma coletiva de imprensa no Palácio Guanabara, na qual descreveu como e quando se dera o encontro secreto com o presidente Roosevelt. O Brasil estava entusiasmado com a notícia de que o líder dos Estados Unidos decidira fazer escala no Brasil — no caminho de volta de nada menos do que uma das conferências mais importantes da guerra — para demonstrar apoio ao país e ressaltar a importância dele para os Estados Unidos. No momento da coletiva, Roosevelt ainda não chegara a Washington; assim, a imprensa internacional se baseou no relato de Vargas para extrair informações sobre a reunião. Vargas ainda estava de muito bom humor para um homem cujo filho permanecia gravemente enfermo. Ele foi elogioso sobretudo a Roosevelt, assegurando aos brasileiros que o presidente americano “ainda demonstrava a firme decisão de levar adiante essa cruzada na qual estamos todos comprometidos”.[14]

O encontro recebeu uma enorme cobertura na imprensa brasileira. O Jornal do Brasil lhe dedicou duas colunas na primeira página, chamando a presença de Roosevelt em Natal de “uma demonstração sincera de elogio ao esforço de guerra brasileiro”. O encontro também recebeu ampla cobertura internacional. A Associated Press divulgou a manchete “Presidente Roosevelt e presidente Vargas, em declaração conjunta, afirmam intenção de tornar o Atlântico seguro para a navegação de todas as nações”. A manchete da primeira página do New York Times em 29 de janeiro de 1943 proclamava simplesmente: “Roosevelt faz escala no Brasil.”[15]

Vargas desembarcando no Rio de Janeiro, após o encontro em Natal.

Na mesma página do anúncio da visita de Roosevelt a Natal, o New York Times publicou uma grande fotografia de uma tripulação em pé na frente de um bombardeiro da Força Aérea dos Estados Unidos com a legenda “De volta do primeiro bombardeio americano contra a Alemanha”[16]. Como a legenda sugeria, a guerra — embora longe de terminada — entrava em uma fase nova e potencialmente decisiva. Vargas continuava a trabalhar sem parar para maximizar os ganhos do Brasil com o conflito, mas o tempo estava passando, e o Brasil precisava agir depressa para garantir o que já conseguira obter.

Vargas e o então Ministro das Relações Exteriores Oswaldo Aranha no Rio, quando do seu retorno de Natal.

 O encontro de Vargas com Roosevelt e os acordos resultantes seriam talvez o auge da carreira política de Vargas e da era do Estado Novo. Embora seja simplista sugerir que Vargas entraria em decadência daquele ponto em diante, ele nunca ascenderia àquelas alturas vertiginosas de novo. E o primeiro sinal de mudança em sua sorte veio na forma de uma perda pessoal devastadora.

 Poucos dias depois da reunião de Vargas com Roosevelt, Getulinho morreu. A perda do filho bonito e talentoso mudou Vargas para sempre. Sua esposa, Darci, retirou-se da esfera política e concentrou-se apenas em seus trabalhos de caridade. O próprio presidente demonstrava ter perdido a confiança e o foco; parecia envelhecido, se movimentava mais devagar e passou a confiar cada vez mais em Alzira e em Aranha para receber orientação política. À medida que sua capacidade de avaliação política o abandonava, seu humor tornava-se mais sombrio, e seu afastamento da elite política, mais pronunciado.

 Essas transformações não tiveram um impacto imediato ou óbvio na capacidade de Vargas de governar, mas a morte do filho sem dúvida afetou sua capacidade de julgamento, tanto em temas políticos quanto pessoais. Durante anos após a morte de Getulinho, Vargas viveu um luto muito particular — embora se esforçasse para encobrir esse fato enquanto trabalhava para guiar o Brasil pela guerra cada vez mais global.


NOTAS

[1] Cordel Hull nessa época era o Secretário de Estado Norte-americano, cargo equivalente ao de Ministro das Relações Exteriores no Brasil. O Oswaldo em questão era o gaúcho Oswaldo Aranha, Ministro das relações Exteriores do Brasil e seu chefe era, evidentemente, Getúlio Vargas.

[2] Jefferson Caffery era o então Embaixador dos Estados Unidos no Brasil.

[3] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.

[4] O almirante Jonas Howard Ingram era o comandante da 4ª Frota da Marinha dos Estados Unidos, com sede em Recife, Pernambuco.

[5] Getúlio Vargas Filho, ou Getulinho, foi o segundo filho do Ex-presidente da República Getúlio Vargas e de dona Darcy Lima Sarmanho. Teve mais quatro irmãos, Lutero Vargas, Alzira Vargas, Jandira e Manuel Sarmanho Vargas, o Maneco. Faleceu ainda jovem, aos 23 anos de idade, devido à paralisia infantil, no dia 5 de fevereiro de 1943. Foi casado e teve um filho.

[6] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943. 

[7] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.

[8] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943. 

[9] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.  

[10] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.

[11] NARA/RG84/304, Registros do Departamento de Guerra, Divisão dos Serviços Militares, Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro para o Departamento de Guerra, 18 de novembro de 1943.

[12] Frank D. McCann, “Brazil and Wolrd War II: The Forgotten Ally. What Did You Do In The War, Zé Carioca?”, Tel Aviv University, 1987, pág. 20.

[13] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.

[14] Frank D. McCann, “Brazil and Wolrd War II: The Forgotten Ally. What Did You Do In The War, Zé Carioca?”, Tel Aviv University, 1987, pág. 20.

[15] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.

[16] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943. 

100 ANOS DA REVOLTA DOS 18 DO FORTE DE COPACABANA E A LIDERANÇA DE SIQUEIRA CAMPOS

Rostand Medeiros

Em 5 de Julho de 2022 Será o Centenário de Um Dos Momentos Mais Dramáticos e Intensos da História do Brasil no Século XX, Quando Se Iniciou Uma Rebelião Contra a Situação Política Nacional, Que Colocou um Pequeno Grupo de Jovens Militares e Civis Idealistas Para Enfrentarem Abertamente o Governo Brasileiro na Praia de Copacabana. Inicialmente Eles Utilizaram a Mais Poderosa Fortaleza do Brasil na Época Para Mostrar Suas Insatisfações e Depois Lutaram Corajosamente nas Areis da Praia Contra Uma Tropa Bem Mais Numerosa. Nesse Trágico Episódio se Destacou a Figura do Tenente Siqueira Campos, Um Homem de Pensamento Firme e Família de Origens Nordestinas.

Ele foi um dos principais personagens do Tenentismo, movimento de contestação política marcado pela rebelião militar entre as décadas de 1920 e 1930. Antônio de Siqueira Campos nasceu em Rio Claro, São Paulo, em 18 de maio de 1898, vinha da parte menos abastada de uma poderosa família ruralista.

O bisavô que emigrou de Portugal para o Brasil e foi trabalhar como agricultor na cidade de Flores, na Região do Pajeú, no interior do estado de Pernambuco, onde se casou com uma moça da família Siqueira, grande proprietária de terras da região e forte poder político no Nordeste.

Antônio de Siqueira Campos.

Seu avô, Pedro Pessoa de Siqueira Campos, foi condecorado por Dom Pedro II durante a Guerra do Paraguai por atos de bravura e se tornou coronel honorário do Exército. Já seu pai, Raimundo Pessoa de Siqueira Campos nasceu em Pernambuco e casou com Luísa Freitas de Siqueira Campos. Tempos depois Raimundo e seus familiares passaram a viver no interior estado de São Paulo, onde administrava uma das fazendas de um irmão chamado Manuel de Siqueira Campos, que além de rico proprietário de terras, foi presidente da Câmara da cidade de Rio Claro e em 1891 recebeu a nomeação de chefe de polícia de São Paulo, no governo de Américo Brasiliense de Almeida Melo.

A família do jovem Siqueira Campos se mudou para a capital paulista em 1904, onde o pai ocupou o cargo de almoxarife do Departamento de Águas e recebia “o excelente salário de setecentos mil-réis”. Na capital o jovem filho de Raimundo fez o curso primário no Grupo Escolar Sul da Sé de 1904 a 1907 e o secundário no Ginásio do Estado de São Paulo, formando-se em 1914 com “grande distinção”.

Anos depois da Revolta do Forte de Copacabana Siqueira Campos (esquerda), ao lado de Orlando Leite.

O São-carlense pretendia continuar os estudos, mas a situação da família mudou radicalmente. Sua mãe morreu vítima de um acidente e logo seu pai resolveu casar-se novamente. Siqueira Campos tinha na época 16 anos e sua madrasta era mais jovem do que ele. Na pressa de construir um novo lar, seu pai mergulhou a família em dificuldades financeiras e pessoais.

Siqueira Campos viu frustrados seus planos de cursar engenharia na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Ao mesmo tempo em que se deterioravam suas relações com o pai, os irmãos mais velhos, Raimundo e Ananias, saíram de casa. Pouco tempo depois Siqueira Campos seguiu o exemplo dos irmãos e mudou-se para o Rio. Sem maiores perspectivas ele escolheu a carreira militar e assim seguiu o exemplo de vários filhos de famílias pobres que desejavam prosseguir os estudos. Em dezembro de 1915 ele ingressou na Escola Prática do Exército e no ano seguinte iniciou o curso na Escola Militar do Realengo.

Militares do Exército Brasileiro no Forte de Copacabana.

Aos dezoito anos, é descrito nos registros militares como um jovem voluntarioso de “1,68 de altura, pouca barba, boca regular, cabelos castanhos, pele branca, nariz afilado, olhos esverdeados e rosto oval”.

Um Oficial em Formação 

As preferências de Siqueira Campos entre as matérias do currículo, dividiram-se entre balística e a matemática, o que o levaria mais tarde à escolha da arma de artilharia. O ensino dentro da escola primava pelo “respeito à ordem constituída”. Embora fosse “quase proibido pensar”, a disciplina não impedia que Siqueira Campos e seus colegas discutissem exaustivamente os problemas brasileiros. Já nessa época ele usava frequentemente a expressão “Brasil Novo” para definir sua esperança de uma mudança no regime político e social que caracterizava a República Velha. 

Dois amigos se destacaram do círculo de colegas de Siqueira Campos. O fechado e religioso Eduardo Gomes — conhecido como “frei Eduardo” —, e Estênio Caio de Albuquerque Lima. Esses alunos alugaram uma casa em Realengo a fim de estudarem de madrugada. A casa recebeu o nome de “Tugúrio da morte” e passou a abrigar inquilinos bastante estudiosos e esfomeados. Esta última característica foi a responsável pelo desaparecimento de várias galinhas das casas vizinhas. 

Exército Brasileiro em movimentações.

Nessa turma privilegiada, de onde sairiam os líderes de acontecimentos que iriam mudar a face da República, Siqueira Campos era amigo de todos, mas admirava especialmente Luís Carlos Prestes.

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) dava assunto para várias discussões entre os cadetes: além das posições opostas sobre o pangermanismo e a Revolução Russa de 1917, o tema que inflamava os ânimos era o da entrada do Brasil na contenda. Maurício de Lacerda, então deputado federal, não se cansava de pedir a entrada do Brasil no conflito: apresentou um projeto que foi derrotado em terceira discussão da Câmara, e, durante sua pregação, chegou a procurar os alunos da Escola Militar do Realengo. Siqueira Campos, um dos mais entusiasmados por lutar no exterior, fez parte da guarda-de-honra na homenagem prestada ao poeta Olavo Bilac, outro defensor da participação no conflito, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. 

No Brasil, o período 1917-1920 foi marcado também por agitações sociais. Os operários da Fábrica Bangu entraram em greve reivindicando melhores salários e condições de trabalho. A polícia foi enviada pelo governo contra os grevistas e no choque alguns operários foram mortos. O governo recuou, retirou a polícia e em seu lugar enviou os cadetes da Escola Militar, que foram bem recebidos pelos trabalhadores. Entre os jovens militares que patrulharam a via férrea entre Bangu e o Realengo estava Siqueira Campos. Mais tarde, comentando esse incidente, ele disse que os cadetes que se julgavam politizados naquela época, não tinham a menor consciência dos problemas sociais. 

Um único incidente marcou a vida escolar de Siqueira Campos: em 1918, ainda cadete, agrediu um delegado de polícia que o destratara a chicotadas, no meio da rua . No julgamento, seus bons antecedentes e sua aplicação nos estudos pesaram a seu favor, mas, mesmo assim, foi condenado a 15 dias de prisão no Forte de Santa Cruz por “desacato a autoridade civil”. 

Siqueira Campos.

A turma de Siqueira Campos, da qual faziam parte, além dos já citados, Frederico Cristiano Buys, Ciro do Espírito Santo Cardoso, Paulo Kruger da Cunha Cruz, Honorato Pradel, José Bina Machado e Carlos da Costa Leite, entre outros, terminou o curso da Escola Militar em 1918. Nesse mesmo ano Siqueira Campos matriculou-se no Curso Especial de Artilharia, sendo declarado artilheiro em 30 de dezembro de 1919. Promovido a segundo-tenente em 2 de janeiro de 1920, foi classificado na 1ª Bateria de Costa, sediada no Forte de Copacabana, onde se apresentou no dia 19 do mesmo mês. 

Nas Muralhas

Forte de Copacabana, década de 1960.

Inaugurado em setembro de 1914, o Forte de Copacabana fazia parte de um conjunto de seis fortalezas responsáveis pela defesa do Rio, e era comandado pelo capitão Euclides Hermes da Fonseca, filho do ex-presidente da República, marechal Hermes da Fonseca e sobrinho do marechal Deodoro da Fonseca..

Campos foi promovido a juiz do Conselho de Guerra Permanente do 1° Distrito de Artilharia da Costa. Depois, em janeiro de 1921, torna-se primeiro-tenente e é nomeado comandante interino da cúpula de canhões das guarnições de 190 milímetros, além de ajudante secretário da unidade e auxiliar do comando, estabelecendo uma relação direta com o capitão Euclides Hermes.

Até meados da década de 1920, os registros do Forte classificam a conduta de Siqueira Campos como exemplar, ressaltando seu zelo, inteligência e dedicação ao serviço e seu alto grau de ilustração militar. Apesar de ser considerado um oficial inflexível com a disciplina, ele gozava de grande prestígio no meio da tropa por seu senso de justiça e sua preocupação com as condições de vida dos soldados.

Euclides Hermes da Fonseca – Fonte – https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:EuclidesHermes.jpg

Em janeiro de 1922, durante as férias do comandante Euclides Hermes, respondeu interinamente pelo comando do Forte. Além do trabalho e do estudo, Siqueira Campos dedicava-se também ao esporte. Seus subordinados contam que, para relaxar o corpo após um dia de trabalho, costumava convidá-los a atravessar a nado do Forte de Copacabana à Ponta do Leme. 

Seguindo o exemplo de Eduardo Gomes, o jovem Siqueira Campos conseguiu autorização para submeter-se aos exames da Escola de Aviação Militar em fevereiro de 1922. Entretanto, julgado incapaz no exame de vista, voltou ao Forte de Copacabana, reassumindo suas funções de ajudante-secretário e, no mês seguinte, o comando da cúpula de 190 milímetros.

Para se ter uma ideia do poderio do canhões do Forte de Copacabana, nessa foto da década de 1950 vemos vidraças quebradas pela força expansiva dos disparos dos canhões de 305 em edifícios localizados à beira mar.

Mas as circunstâncias políticas e sociais da conflituosa década de 1920 estabeleceram fortes mudanças que envolveram setores do Exército e transformaram a vida do jovem tenente.

Preparativos do Drama

Já nos primeiros anos do século XX decaía no Brasil os ideais de um sistema político controlado pelas elites estaduais que, pela violência e corrupção, dominavam as eleições, os partidos e os juízes. O próprio Governo recorria à fraude eleitoral, criando os mais ardilosos dispositivos para impedir a vitória de oposicionistas. As relações entre o Governo Federal e os estaduais, e entre estes e os municipais, tinham em sua base uma política de favores e privilégios, numa espécie de círculo fechado no qual inexistia a preocupação com os interesses nacionais.

A guerra nas trincheiras, verdadeiro moedor de carne humana, foi uma das situações marcantes da Primeira Guerra Mundial, cujos reflexos chegariam ao Brasil – Fonte – http://www.sahistory.org.za/article/world-war-ihttp://www.sahistory.org.za/sites/default/files/article_image/worldwar1somme-tl.jpg

A Primeira Guerra Mundial proporcionou a oportunidade de novos empreendimentos industriais, o que gerou o aumento da população urbana. Surgiram assim setores sociais – a classe média e o operariado – que reivindicavam representação política própria.

O operariado, alimentando-se dos ideais anarco-sindicalistas, passou a lutar por melhores condições de vida e trabalho, realizando sucessivas greves e, em 1922, organizando-se politicamente com a fundação do Partido Comunista Brasileiro. Outro fator que iria desestabilizar o controle político das elites foi o aparecimento de dissidências em outras regiões, contrárias ao predomínio político dos grupos dominantes de São Paulo e Minas Gerais.

Os eventos desencadeadores das rebeliões que seriam denominadas “Tenentista”, ou “Movimento tenentista”, ocorreram no período do governo do Presidente Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa, que se iniciou em 28 de julho de 1919.

Esse período se caracterizou pela desarticulação do regime político oligárquico e pelas tensões criadas com os militares em decorrência da nomeação dos civis João Pandiá Calógeras e João Pedro da Veiga Miranda, respectivamente, para os ministérios da Guerra e da Marinha.

Ministro Pandiá Calógeras – Fonte – https://pt.wikipedia.org/wiki/Pandi%C3%A1_Cal%C3%B3geras

O desprestígio de Epitácio cresce com o desenrolar de sua administração, marcada por orgia financeira, empréstimos provenientes do exterior vinculados à política de valorização do café, por inflação, aumento do custo de vida, intensa repressão aos movimentos sociais e radical recusa em conceder melhorias salariais, inclusive para o soldo militar.

Desde 1921, Artur Bernardes, o governante do estado de Minas Gerais, era o candidato oficial à sucessão de Epitácio Pessoa na Presidência da República, o que, segundo a tradição, constituía uma garantia de vitória. No entanto, a candidatura concorrente de Nilo Peçanha, na legenda da Reação Republicana, granjeou também um apoio considerável.

Episódio das cartas falsas.

As desavenças entre as duas correntes políticas penetraram no seio do Exército através de uma série de incidentes, entre os quais se destacou a publicação, em outubro de 1921, pelo Correio da Manhã, das chamadas “Caso das Cartas Falsas”, atribuídas a Bernardes e cujo teor provocou escândalo nas forças armadas: nelas o marechal Hermes era chamado de “sargentão” e um banquete do Clube Militar era qualificado de “orgia”. 

O Estopim Ligado

Apesar da oposição militar, das muitas acusações de corrupção eleitoral, Bernardes foi eleito em 1º de março de 1922, derrotando Nilo Peçanha e assumindo o cargo em 15 de novembro.

Arthur Bernardes

A essa altura, oficiais do Exército conspiravam abertamente e o Correio da Manhã os incitava à rebelião. Enquanto isso, Epitácio Pessoa fazia feroz perseguição aos militares contrários ao político mineiro, promovendo transferências em massa de oficiais que serviam no Rio de Janeiro para guarnições distantes e com isso formou um amplo movimento contra a posse de Bernardes. 

Os incidentes com o governo federal tiveram prosseguimento pouco depois com a acusação a Epitácio Pessoa, que ele determinava a intervenção violenta de guarnições federais nas campanhas políticas nos estados, com o intuito de favorecer determinados candidatos, neutralizar as oposições políticas regionais, como ocorreu em Pernambuco.

Marechal Hermes da Fonseca.

No dia 29 de junho de 1922, o marechal Hermes da Fonseca telegrafou ao comandante da 7ª Região Militar, sediada em Recife, concitando-o a não compactuar com as ameaças do governo federal à autonomia do estado, advertindo-o para que o Exército não se tornasse “o algoz do povo pernambucano”.

Severamente repreendido pelo Presidente da República através do ministro da Guerra, João Pandiá Calógeras, o marechal Hermes enviou a Epitácio Pessoa, no dia 2 de julho, um ofício em que reafirmava o conteúdo de seu telegrama ao comandante da 7ª Região Militar, o qual havia sido aprovado pela direção do Clube Militar. Declarava, ainda, não poder “aceitar a injusta e ilegal pena” de repreensão severa que lhe havia sido imposta.

Considerando essa atitude do marechal Hermes uma reiteração da sua indisciplina, Epitácio Pessoa ordenou sua prisão. Ao mesmo tempo foi decretado o fechamento do Clube Militar por seis meses.

Desfile militar no Realengo.

Era iminente a ruptura entre oficiais legalistas e oficiais descontentes. Para os jovens oficiais, a prisão de Hermes agrediu de tal forma os brios militares, que a oposição ao governo dentro da ordem institucional vigente era incompatível com a sua concepção sobre o papel político arbitrário da organização militar. Tornava-se impossível a sujeição do Exército ao poder político civil estabelecido. A baixa oficialidade, composta em sua maioria de tenentes, identificou-se como legítima representante da instituição castrense, assumindo para si todos os riscos de uma atuação política autônoma.

Então, contra o regime corrupto e opressor, escolheram o caminho da revolta militar os integrantes da Escola Militar do Realengo, da Escola de Aviação do Exército, do Forte de Copacabana, membros da 9ª Companhia do 1° Regimento de Infantaria, além de guarnições do Mato Grosso.

Começa a Rebelião

Em 3 de julho, o comandante do Forte de Copacabana, o capitão Euclides Hermes da Fonseca enviou a seu pai uma mensagem na qual informava que a sua guarnição decidira revoltar-se em protesto contra a sua prisão e contra a atuação do Governo Federal. A ligação do pessoal do Forte com o marechal Hermes era discretamente feita através do tenente Eduardo Gomes.

Guarnição do Forte de Copacabana na época da revolta.

Mas devido à indecisão do marechal Hermes, seu filho Euclides resolveu, com o apoio dos tenentes Antônio de Siqueira Campos e Delso Mendes da Fonseca, protelar o levante para o dia 5.

Mas antes de estourar a revolta o Governo Federal e o Exército tinham determinado nível de ciência do que acontecia e da rebelião que se formava. Segundo relatou Siqueira Campos, na reportagem publicada pelo jornal carioca A Noite, em 3 de setembro de 1923, que na noite de 4 de julho de 1922 chegou à guarnição o general Bonifácio Gomes da Costa, comandante do 1º Distrito de Artilharia.

O segundo a direita é o general Bonifácio Gomes da Costa, comandante do 1º Distrito de Artilharia, após a sua libertação do Forte de Copacabana.

Este por sua vez havia recebido ordens do general Manuel Lopes Carneiro da Fontoura, comandante da 1ª Região Militar, para dirigir-se ao Forte de Copacabana, sondar as intenções dos revoltosos e passar o comando da unidade ao capitão José da Silva Barbosa, que o acompanhava.

Após chegarem ao Forte eles foram direto ao gabinete do capitão Euclides e transmitiram suas ordens. Houve um diálogo entre o general Bonifácio e o capitão extremamente carregado de emoção, pois o general era muito amigo da família de Euclides e não aceitou os argumentos do capitão para a rebelião. Bonifácio era tão próximo a Euclides, que na reunião o chamou de “Xiru”, um apelido de família. Nisso surge Siqueira Campos, que com autoridade e sem perda de tempo, deu a ordem de prisão ao general Bonifácio e ao capitão Barbosa, que foram mantidos encarcerados até o fim da revolta. 

Sob estado de alerta, a tropa cavou trincheiras, estendeu redes de arame farpado, enquanto o tenente Newton Prado superintendeu os depósitos de armazenamento de alimentos com víveres suficientes para um mês e preparou a artilharia.

Em razão do seu valor tático e poderio bélico, o Forte de Copacabana se tornou o depositário das esperanças revolucionárias. A poderosa fortaleza recebeu adesões de oficiais e soldados lotados em outras guarnições, além de voluntários civis. Com essas adesões o total de revoltosos na primeira fase da insurreição chegou a 301. Um dos grupos que aderiu chegou ao Forte no bonde do Leme!

Antiga entrda do Forte da Ponta da Vigia, cuja a área no entorno foi atingida por disparos do Forte de Copacabana – Fonte – https://pt.wikipedia.org/wiki/Forte_da_Ponta_da_Vigia

No Forte da Ponta da Vigia, no morro do Leme, o primeiro-tenente Fernando Bruce conseguiu a adesão do segundo-tenente intendente Rubens de Azevedo Guimarães, do aspirante Romulo Fabrizzi e de outros militares, totalizando mais 54 revoltosos ao contingente do Forte de Copacabana, que chegaram na praça de guerra rebelada com armas e munições. Inclusive eles comunicaram a extremada decisão ao comandante da guarnição do Leme, o capitão Maximiliano Fernandes da Silva, que tentou até convencê-los do contrário, mas de nada adiantou.

Só que para percorrerem o caminho até Copacabana, os militares do Leme tomaram de assalto um bonde da empresa Light, baixaram as cortinas do veículo, desligaram as luzes e o aspirante Fabrizzi colocou uma pistola na cabeça do motorneiro, obrigando-o a fazer o trajeto.

Forte de Copacabana em 1922.

Teve ainda o caso do capitão Libânio da Cunha Mattos, do 3º Regimento de Infantaria, que saiu do quartel da Praia Vermelha com uma companhia formada de oficiais e praças e foi até o Forte de Copacabana para dialogar com seu colega Euclides Hermes e “lhe chamar a razão”.

A conversa foi tranquila, clara e sincera, como deve ser entre dois amigos, mas o capitão Euclides não se dobrou aos argumentos de Cunha Mattos. Então, na hora de ir embora do Forte, o capitão do 3º Regimento deu de cara com o segundo-tenente Mário Tamarindo Carpenter, seu comandado, que aderira a revolta. Outros dizem que na hora de partir, o tenente Carpenter, que teria vindo junto com o grupo que saiu da Praia Vermelha, bateu continência para Cunha Mattos, deu meia volta e aderiu a revolta.

Na madrugada de 5 de julho não havia nada mais o que esperar e os revoltosos entraram em ação!

Siqueira Campos e seus comandados dispararam as 01:20 da manhã contra a Ilha de Cotunduba (dois disparos), contra o Forte da Ponta do Vigia e o 3º Regimento de Infantaria, que recebeu disparos como protesto por ter esta unidade recebido o marechal Hermes preso. Também visaram o Ministério da Guerra.

A sombra que surge nessa foto de baixa qualidade é o resultado dos disparos dos canhões do Forte de Copacabana.

Consta que o capitão Euclides desejava acertar nesse último local a sala do ministro Pandiá Calógeras, onde foi assinado o ato de prisão do seu pai, mas errou o tiro e acertou o prédio da Litgh, a companhia de energia elétrica e bondes da cidade, matando três pessoas. O ministro então ligou para o Forte, protestando asperamente contra o disparo. Foi aí que Euclides percebeu que errou o alvo. Calibrou o canhão para um novo tiro e mandou bala. Dessa vez acertou o prédio na ala esquerda e depois mais dois disparos tiveram o mesmo destino. Infelizmente nesses ataques três militares do Exército faleceram e dois ficaram feridos.

Com outros disparos, outras residências e áreas comerciais foram atingidas, como um prédio na Rua São Pedro e outro na Rua Marechal Floriano. A população desesperada refugiava-se nos morros, serras e nos subúrbios. O abastecimento de água e luz do Forte foi cortado, menos a telefonia.

Notícia da revolta nos Estados Unidos, onde o jornalista Charles Lucas sofre forte censura, mas conseguiu enviar as notícias dos episódios no Rio.

Chegou-se a falar em armistício, mas Epitácio Pessoa só aceitava a rendição dos rebeldes, sob pena de serem atacados por todas as forças governamentais de terra, mar e ar. Logo, mais de 4.000 homens das forças regulares cercavam a região do Forte de Copacabana.

Do lado de fora, na cidade, multiplicaram-se os boatos sobre os presídios estarem superlotados de rebeldes, seus apoiadores e familiares. Falavam que os mortos pelos bombardeios chegavam aos milhares, que ocorriam enterros em massa e os corpos eram jogados em vala comum. Mas, apesar da destruição de alguns prédios e da morte de alguns militares e populares, o que havia de verdade era que os pontos estratégicos da cidade permaneceram nas mãos das forças governistas.

Região do Forte de Copacabana cercado por tropas legalistas.

Nesse mesmo dia 5 de julho, após o início da rebelião, tropas legalistas e os efetivos da Polícia Militar rapidamente subjugaram os cadetes da Escola Militar e da Escola de Aviação. No Campo dos Afonsos os sargentos do general Carneiro da Fontoura tiveram vital importância, onde ficaram encarregados de controlar os oficiais nos corpos de tropa e de sabotar os aviões, impedindo-os de levantar voo.

Apesar dessa pequena vitória, só restou ao governo dominar os revoltosos entrincheirados no Forte de Copacabana.

Canhões Disparam na Baía da Guanabara

Às quatro horas da madrugada do dia 6, o capitão Euclides Hermes reúne todos os oficiais que participavam da defesa do Forte e expõe claramente a situação vivida e informa que o Forte de Copacabana era a única unidade que se mantinha rebelada e estava completamente isolado. Poderia resistir por mais tempo, em virtude do seu imenso poder de fogo, mas as chances de vitória eram inteiramente nulas!

Forte de Dom Pedro II de Imbuí, bairro de Jurujuba, Niterói, que não aderiu a revolta de 5 de julho.

Ciente da gravidade da situação, o capitão Euclides facultou a cada um a livre opção pela resistência ou retirada. O próprio Siqueira Campos incitou os que eram arrimos de família a abandonarem o local e exigiu que a permissão à desistência fosse estendida aos soldados.

O Forte, que abrigava 301 revoltosos, fica com apenas 29: cinco oficiais — o comandante Euclides, Siqueira Campos, Eduardo Gomes, Mário Carpenter e Newton Prado —, dois sargentos, um cabo, dezesseis praças e cinco voluntários civis. Os demais deixaram as armas e se retiraram.

Essa foto, da década de 1950, mostra as proporções dos canhões de 350 milímetros do Forte de Copacabana.

Foi quando o governo deu o próximo passo.

Por volta da 07:35 da manhã de 6 de julho os encouraçados São Paulo e Minas Gerais, cruzaram a barra,escoltados pelo destroier Paraná, onde se encontrava o almirante Max Fernando de Frontin, Chefe do Estado Maior da Armada e comandante daquela operação naval. Os poderosos encouraçados eram imponentes máquinas de destruição, com seis canhões de 305 milímetros em cada navio, enquanto os canhões mais poderosos do Forte de Copacabana eram apenas dois, do mesmo calibre das naves de guerra, mas que poderiam atingir alvos a 23 quilômetros de distância, 1.500 metros a mais que os disparados pelos canhões do São Paulo e Minas Gerais.

No instante que os navios transpuseram a barra, os revolucionários abriram fogo, mas não contra os navios. Mostrando toda sua competência e capacidade de combate, realizaram mais de dez disparos com os canhões de 190 milímetros contra postos-chave da cidade, como a Ilha das Cobras, o Palácio do Catete, o Corpo de Bombeiros e o Arsenal da Marinha. No Batalhão Naval dos Fuzileiros Navais morreram três militares atingidos por estilhaços.

Salva dos poderosos canhões do Minas Gerais, navio irmão do São Paulo.

Na sequência o Forte de Copacabana foi atacado a uma distância de 6.000 metros pelo fogo dos canhões do São Paulo, o único dos navios a disparar, cujos estampidos ressoaram de forma poderosa por toda a Baía da Guanabara.

O tempo estava firme e o mar calmo e efetivamente os canhões do navio dispararam vinte vezes. O impacto das granadas navais chegou até mesmo a estremecer o solo quando duas delas, as únicas, atingiram a muralha do Forte. O resto dos disparos caíram no mar.

Aquilo foi uma demonstração pífia da capacidade de combate de uma nave de guerra que possuía muito mais canhões do que a fortaleza rebelada, que estava a uma distância relativamente curta para a efetiva utilização desse tipo de armamento, além de ser um dia claro e de mar calmo.

Canhões de 305 milímetros disparando no Forte de Copacabana na década de 1950. Essa cena não ocorreu em 1922.

Alguns autores apontam que os artilheiros do Forte preparavam a reação com os dois canhões de 305 milímetros, quando um enguiço no motor a diesel do sistema hidráulico que movimentava a cúpula das armas impediu a ação. Os revoltosos alegaram que o enguiço foi resultado de sabotagem. Então, manobrando no braço os canhões de 190 milímetros, a guarnição respondeu ao fogo do navio de guerra. O São Paulo teria sido atingido na torre de comando, tendo a esquadra recuado para uma distância segura e não voltado a entrar em ação.

Sobre a questão dos disparos do encouraçado São Paulo e do Forte de Copacabana, é bom os leitores observarem a nota que segue abaixo, publicada na edição dominical do jornal carioca Correio da Manhã, 5 de julho de 1959. É um trecho da entrevista concedida pelo então general da reserva Euclides Hermes da Fonseca, no seu apartamento da Rua Toneleros, ao jornalista (e futuro deputado federal) Márcio Moreira Alves.

Os historiadores navais nunca corroboraram essas informações de impacto e afirmaram que os navios manobraram não em busca de uma distância segura, mas apenas para se “recolocarem no cenário”. E mais – Os historiadores navais comentaram que do Forte subiu uma bandeira com a letra “P”, indicativo de parada dos disparos de artilharia e que no mastro principal da unidade sublevada subiu uma bandeira branca, mostrando que os disparos navais foram a causa da “rendição do Forte”.

E essa ideia perdurou (ou perdura) no meio naval. Mas apenas no meio naval.

Para a maioria dos que se debruçaram sobre o tema, o que aconteceu foi que apesar dos desfalques no lado dos revolucionários, do barulho dos ineficientes disparos do São Paulo e do impasse existente, tudo apontava que o combate podia prolongar-se. O ministro Pandiá Calógeras, sensível às 72 toneladas de granadas de artilharia que abarrotavam os paióis da fortaleza e a possível perda dos meios navais mais poderosos existentes no Brasil, propôs uma conversação de paz, aceita pelos insurretos. E foi aí que a bandeira branca subiu no mastro!

Newton Prado no Forte de Copacabana, atrás de uma barricada, aguardando seu destino. Foto Brício de Abreu.

O major Egídio Moreira de Castro Silva e o tenente-aviador Pacheco Chaves são então enviados pelo governo para conversar. Mas no momento em que o tenente Newton Prado cruza o portão para recebê-los, um hidroavião da Marinha (alguns afirmam que foram dois) sobrevoo o Forte e lançou bombas que, tal como a maior parte dos disparos feitos pelos seus colegas no encouraçado Minas Gerais, só acertaram a água.

Se os aviadores navais erraram feio no seu bombardeio, acabaram foi com a tal “missão de paz”, que degenerou em conflito verbal e físico entre os embaixadores. O major Egídio e o tenente Pacheco tentaram prender o tenente Newton Prado, que resistiu, mas acabou sendo jogado para o lado de fora da muralha, se ferindo, enquanto os dois oficiais, que em nada lembravam homens honrados, fugiram em desabalada carreira.

Tropas legalistas aguardando desfecho dos revoltosos do Forte de Copacabana.

Indignado, o capitão Euclides Hermes toma o telefone e protesta. Calógeras desculpa-se por medo de levar um novo bombardeio. Argumenta que foi um engano: a Marinha não foi devidamente informada sobre a trégua. Lembrando as relações cordiais que mantinham até o início do levante, propõe um encontro pessoal entre ambos. A oferta é aceita pelos revolucionários.

Os oficiais no Forte reuniram-se e decidiram enviar ao ministro da Guerra, através do capitão Euclides, os termos da rendição. O tenente Siqueira Campos, comandante moral da rebelião, redige as cláusulas da desistência. Por elas, os oficiais rebeldes terão a vida respeitada e receberão baixa do Exército, para se exilar em seguida. O capitão Euclides Hermes pegou um automóvel de praça no Posto Seis, de placa 1.231, para tentar entregar o documento de desistência às autoridades.

O cidadão marcado com uma cruz é Euclides Hermes da Fonseca, quando ficou preso na Ilha Grande, Rio de Janeiro.

Segundo os jornais ele passou primeiro na residência de seu pai, em Botafogo, no número 60 da Rua Guanabara, atual Pinheiro Machado. De lá telefonou para Calógeras, que pede para aguardá-lo. Mas quem compareceu foi o capitão Marcolino Fagundes, acompanhado de um sargento e de um cabo, todos do 3º Regimento de Infantaria. Euclides foi preso por ordem do presidente e levado para o Palácio do Catete.

Esse militar ficaria na cadeia até o fim do governo seguinte, o de Artur Bernardes.

A Marcha dos Valentes

No palácio, visivelmente embaraçado diante do capitão Euclides, Calógeras explica que: por decisão posterior do Presidente da República era forçado a prendê-lo, devendo também o Forte se render incondicionalmente.

Ao meio dia e meia Euclides, por telefone, comunica a Siqueira Campos o resultado da missão de paz: Estou preso, Siqueira. Eles traíram a palavra de honra dada… Eles querem que os oficiais se rendam, que deixem o forte, marchando desarmados, um a um, até se entregarem às tropas legais. Consta que também houve a ameaça de fuzilarem o capitão Euclides se os rebelados não se rendessem.

Foto atual da área de entrada do Forte de Copacabana.

Reinava então uma paz temporária, pois o dispositivo legal recebera ordens de aguardar a rendição.

Sabendo da traição, os militares no Forte decidem pensar de novo sobre o desfecho do conflito. Na sala de comando reúnem-se os quatro últimos oficiais que se mantinham rebelados. Todos eram tenentes. Nenhum tinha mais de 25 anos. Dois eram membros da guarnição original do Forte de Copacabana: Siqueira Campos e Newton Prado. Outros dois haviam se juntado a ela no momento da sublevação: Mário Carpenter e Eduardo Gomes.

Siqueira Campos faz uma proposta extremada: explodir o paiol de pólvora, morrendo a guarnição em seus postos. A sugestão não foi aceita. Propôs então uma outra: os navios estavam fora do alcance dos canhões de 190 milímetros, mas o Forte podia continuar bombardeando objetivos militares na cidade. Eduardo Gomes alegou que esta solução oferecia o risco de atingir ainda mais a população civil.

Foto de jornal que mostra parte dos soldados do 3º Regimento de Infantaria que enfrentaram os rebeldes do Forte de Copacabana.

Eles sabiam que as tropas federais estavam estacionadas na Praça Serzedelo Correia, a um quilômetro e meio do forte, e superavam o efetivo rebelde na proporção de 142 para 1. Estes números mostravam que o Governo Federal pretendia liquidar a fatura com uma lição exemplar e definitiva aos militares que não acatassem suas ordens. Em troca de suas vidas, à guarnição da fortaleza rebelada não bastaria render-se. A humilhação era o preço a ser pago por haverem levado a luta até aquele ponto.

Certamente diante dessa situação foi que o tenente Eduardo Gomes sugeriu que ele e seus companheiros abandonassem o Forte, saíssem armados e seguissem em direção ao Palácio do Catete, enfrentando às tropas do governo em um combate corpo a corpo, em plena rua, de peito aberto, na frente do povo. Valentemente eles concordaram com a sugestão!

Os momentos seguintes são de grande e intensa emoção. Siqueira mandou trazer a bandeira brasileira, mandou cortá-la em 29 pedaços irregulares e distribuiu um pedaço a cada soldado e oficial. Todos se municiaram, até mesmo com granadas, e guardaram o 29º pedaço do pavilhão nacional para entregar ao capitão Euclides.

Na década de 1950 um oficial do Forte de Copacabana mostra o pedaço da bandeira brasileira utilizado por Siqueira Campos, preservada nessa unidade militar e, segundo foi comentado na época da foto, manchada de sangue.

Era uma e meia da tarde quando os revoltosos saltaram uma barricada que eles criaram na entrada da fortaleza.

Sob o comando de Siqueira Campos, seguiram pela Avenida Atlântica, que margeia a Praia de Copacabana, em direção ao Leme, encontrando alguns populares que tentaram desencorajá-los daquela loucura. Falavam aos moradores sobre seus motivos e lenços brancos eram acenados das janelas. Seguiram assim até a chamada “London House”, que tempos depois seria o Hotel Londres, onde pararam e beberam água em uma casa de família. As mulheres que os atenderam estavam visivelmente emocionadas. Já haviam percorrido mais de um quilômetro.

Ao reiniciar a marcha, Siqueira verifica que alguns rebelados haviam desistido. Mas isso já não tinha importância. Eles continuam numa tensa caminhada rumo às tropas legalistas. Siqueira puxou gritos de vivas ao Exército, ao marechal Hermes e aos defensores do Forte.

Nas imediações da praia, as tropas legalistas tomam posição.

Eduardo Gomes era o oficial que estava mais bem trajado e ainda conservava a sua gravata. Já Mário Carpenter seguiu na avenida com cabelos desgrenhados e com parte da sua túnica aberta. Newton Prado, mais corpulento, não trazia uma das polainas, perdida na briga com o major Egídio Moreira de Castro e o tenente-aviador Pacheco Chaves. Já os sargentos e soldados seguem mais bem equipados e garbosamente vestidos que os oficiais. Todos estão de armas na mão e vários fuzis estão com suas baionetas. Alguns fumam.

Antes de atingirem a Rua Barroso, hoje Siqueira Campos, o civil Otávio Correia, um jovem engenheiro gaúcho de 36 anos se integra ao grupo. Ele era conhecido de Siqueira Campos, a quem havia sido apresentado na casa da escritora Rosalina Coelho Lisboa. Otávio vem bem vestido com seu paletó claro, bem talhado para seu corpo alto e magro, além de trazer um chapéu de massa. O engenheiro então recebeu o pedaço da bandeira destinado ao capitão Euclides e o fuzil Mauser de Newton Prado, que ficou na mão com uma pistola ou um revólver.

Rebelados seguem pela Avenida Atlântica.

O fotógrafo Zenóbio Couto, da importante revista O Malho, imortalizou os instantes finais da marcha com uma chapa fotográfica antológica. Um documento de extrema importância para a história iconográfica brasileira. Por ironia não aparece na imagem a figura de Siqueira Campos – ele tinha recuado momentaneamente até a retaguarda para convencer alguns soldados a não abandonarem a empreitada. Então, numa das esquinas da Avenida Atlântica, a marcha encontrou as tropas governistas.

Enquanto os rebeldes caminhavam na avenida a beira mar, o tenente legalista João de Segadas Viana, comandante de um dos três pelotões da 6ª Companhia do 3º Regimento de Infantaria, havia recebido ordens de preparar-se para deter a marcha dos revolucionários, enquanto se providenciavam mais reforços. Seu comandante, o capitão Pedro Crisol Fernandes Brasil, dispôs então um pelotão na Rua Barroso, comandado pelo tenente Segadas; outro na rua seguinte, Hilário de Gouveia, chefiado pelo tenente Miquelina; e o terceiro manteve na praça, sob comando do tenente João Francisco Sawen.

Algum tempo depois, o tenente Segadas recebeu ordem de descer pela rua Barroso, em direção à praia, para observar a progressão dos revoltosos. Tendo atrás de si, a uns 30 metros, seu pelotão. Logo que chegou na esquina deparou-se com os rebelados.

Ao verem o tenente legalista, três soldados do Forte tentaram dominá-lo. Ele sacou a sua arma, mas o tenente revolucionário Mário Carpenter, seu colega no 3º Regimento, ordenou aos praças que se detivessem. Enquanto isso, os cerca de 40 membros do pelotão de Segadas apontavam suas armas contra os revoltosos e vice-versa.

Segadas tentou dissuadi-los do combate e por sua vez Siqueira e Carpenter exortavam o legalista a acompanhá-los na rebeldia. Segundo reportagem do periódico carioca O Jornal, Segadas Viana chegou até Siqueira Campos e teria dito “O que é isso companheiro?”. Siqueira Campos reagiu arrancando os botões de sua túnica e proclamando que não mais pertencia ao Exército.

Esgotados os argumentos, o destacamento revolucionário retomou a marcha, mas surge o capitão Brasil vindo da Rua Hilário de Gouveia, que vendo a situação acaba dando a ordem de “fogo” ao pelotão do tenente Segadas. Consta que apenas um soldado obedeceu e disparou. O tiro matou pelas costas o soldado Pedro Ferreira de Melo. O tenente Siqueira Campos virou-se e devolveu o tiro e o combate começou.

Na área do Palácio do Catete, tropas legalistas tomam posição.

Morte nas Areias de Copacabana

Depois de sustentarem o tiroteio por alguns minutos em pé, em plena avenida, os revolucionários pulam para a areia e se abrigam por trás do paredão da calçada. Só levantavam a cabeça dessa proteção para abrir fogo. Embora a desproporção entre as forças fosse esmagadora, o paredão representava excepcional proteção aos rebeldes. E a motivação com que pelejavam dava às suas ações a objetividade que faltava às forças governistas.

Em meio a muitos tiros, alguns jornais da época afirmam que os homens que deixaram as muralhas do Forte de Copacabana “lutavam feito loucos na areia da praia”, de “maneira superior aos seus inimigos” e que suas ações “perturbaram as forças legalistas”, impressionadas diante de tamanha coragem insana e suicida. Os pelotões do tenente Segadas e Miquelina sofrem imediatamente várias baixas, inclusive seis mortes.

As forças legalistas acorrem em massa à praça Serzedelo Correia, em socorro aos pelotões do 3º Regimento de Infantaria. Até mesmo a tropa de guarda do Palácio do Catete foi deslocada para essa finalidade.

Tropas legalistas se aproximam da Praia de Copacabana para combater os revoltosos.

O voluntário rebelde Joaquim Maria Pereira Júnior, que sobreviveu ao combate, relatou: “O tiroteio foi renhido, mas atirávamos com calma e precisamente… As forças do governo avançavam lentamente”.

Considerando a dificuldade de sufocar os revoltosos, foi cogitada a carga de baionetas. Os oficiais, no entanto, recusaram-se a empregá-la contra aqueles que, mesmo na condição de inimigos, lutavam tão corajosamente. Que se rendessem ou fossem mortos a tiros, nunca estripados.

A luta prosseguiu, até que a munição dos rebeldes se esgotou. Eduardo Gomes foi ferido na coxa esquerda e foi o primeiro revolucionário atingido pela fuzilaria. Depois caíram o sargento José Pinto de Oliveira, com uma bala na fronte, estavam feridos os praças Hildebrando da Silva Nunes e Manoel Antônio dos Reis – corneteiro, cujos toques de clarim vibravam duros golpes no moral das tropas governistas. Mário Carpenter, de apenas 23 anos de idade, recebeu um disparo no abdômen e mergulhara na inconsciência. Já o engenheiro Correia perdeu a vida com um balaço no peito. Siqueira Campos – com um ferimento na mão esquerda – e o tenente Newton Prado – baleado no abdome e na perna – ainda guardavam a última bala em suas armas. Aos demais combatentes já não restava nenhuma.

Tropas legalistas se posicionam na área da Avenida Atlântica.

O tenente Siqueira Campos ordena, então, aos praças e voluntários civis, que cada qual tome um rumo, mas não se deixem prender e não se deixassem ser feridos pelos legalistas. Por incrível que possa parecer, dois conseguem cumprir essas ordens com êxito.

O soldado 108, Manoel Ananias dos Santos, respirou fundo, saltou para cima do paredão e desviando-se das balas atravessou a avenida em busca de abrigo. “Os legalistas deram uma rajada contra mim, mas não acertaram”, contou ele 42 anos mais tarde ao jornalista Glauco Carneiro, da revista O Cruzeiro. “Consegui alcançar e pular o muro de uma casa… Havia no jardim uma corda estendida com vários calções de banho.” Disfarçado de banhista, ele conseguiu atravessar o túnel, por volta das 16:30, chegando em seguida à residência de um sargento, na Rua Mena Barreto, em Botafogo. Já o voluntário Joaquim Maria Pereira Júnior escapou pelo mar: “Esgotada a minha munição, ordenou o tenente Siqueira Campos que eu me retirasse… Atirei o meu fuzil ao mar e logo adiante nadei até um lugar abrigado, onde alguns operários humanitários me vestiram à paisana”.

Preso ao tentar romper o cerco João Anastácio Falcão de Mello, ex-soldado e que em 1922 era funcionário civil da Intendência de Guerra, fez um significativo relato do acontecimento: “Quando não tinha mais munição fui avançando, com um bruto ferimento na perna, mas com um punhal na mão. Me pegaram logo adiante e um oficial legalista me chamou de bandido. Aquilo moeu-me a alma. Lutara de peito descoberto contra gente armada em número muito superior e aquele homem a chamar-me de bandido!”. Consta que Falcão já havia trabalhado para a família do capitão Euclides Hermes da Fonseca, que o protegia e o ajudava e que teria ido ao Forte de Copacabana saber notícias do capitão a pedido de sua esposa, Leonila Ovalle da Fonseca. Nisso acabou aderindo ao movimento rebelde, foi preso e depois de algum tempo libertado.

Logo após o final do combate, nessa foto vemos no chão o corpo do engenheiro Otávio Correia e de costas, sendo apoiado pelos inimigos, o tenente Newron Prado, que depois morreria em decorrência dos ferimentos no Hospital Central do Exército.

Ao final do combate na Praia de Copacabana, como os revolucionários não respondiam mais aos disparos, o capitão Brasil e o tenente Segadas Viana suspenderam o fogo e iniciaram um avanço lento e cuidadoso em sua direção. Já tinham caminhado cerca de vinte metros quando, repentinamente, um contingente de 100 homens do 3º Batalhão de Infantaria da Policia Militar, sob o comando do coronel Tertuliano Potiguara, sai da Rua Barroso, em veículos de transporte apelidados de viuvinhas. Em alta velocidade, chegam ao local onde se encontram Siqueira Campos e seus companheiros. “Calar baioneta! Avançar!” Foi a ordem de Potiguara.

Debaixo de uma gritaria infernal os atacantes se precipitam contra uma fortaleza sem muralhas guarnecida por mortos e feridos. Mas a surpresa ainda os espera.

A última bala do tenente Newton Prado é certeira, derrubando para sempre o atacante mais afoito. Siqueira aguarda até o último instante para disparar a sua, atingindo na boca o sargento Lindolfo Garcia Godinho, que lhe enterrara a baioneta no fígado.

O Governo Federal em 1922 triunfou sobre os rebelados. Oito anos depois essa ordem vigente seria derrotada pelo Golpe de 1930.

Levantem os vivos! Os vivos levantem! – uivam os comandados de Potiguara, tomados de histérico frenesi. Não há quem os possa atender.

O combate teria durado de uma hora a uma hora e meia. Outras fontes afirmam que a refrega foi bem mais rápida, de apenas “onze minutos”. Independente do tempo, o certo foi que os rebeldes não abriram mão de lutar!

Junto ao corpo inerte do tenente Mário Carpenter jaz o seu quinhão da bandeira do Forte. Nele está escrito: “Forte Copacabana – 6 de julho de 1922 – Aos queridos pais ofereço um pedaço da nossa bandeira em defesa da qual resolvi dar o que podia… Minha vida”.

Outras Lutas de Siqueira Campos

Marcada pelo voluntarismo, essa fase inicial do tenentismo não existia uma definição ideológica claramente expressa pelo movimento, não carrega um projeto para a sociedade brasileira e nem se identifica como porta-voz de grupos sociais que não sejam o próprio Exército.

Epitácio Pessoa, numa tentativa de apaziguamento dos ânimos, visitou os feridos no Hospital Central do Exército e a iniciativa foi amplamente divulgada pela imprensa. Siqueira Campos reagiu com altivez e frieza à tentativa de diálogo do Presidente da República.

O líder revoltoso só receberia alta em dezembro de 1922, sendo então preso. Eduardo Gomes também sobreviveria.

Em 14 de agosto, Campos prestou depoimento no inquérito presidido pelo general Augusto Tasso Fragoso. No início de setembro, foi transferido para o 3º Regimento de Artilharia Montada, no interior do país, onde ficou até o início de outubro, quando lhe foram concedidos mais 60 dias para tratamento de saúde no Hospital Central do Exército. Ao ter alta foi recolhido preso à Escola de Comando e Estado-Maior, na Tijuca.

Apesar da expectativa contrária do recém iniciado governo Artur Bernardes, a Justiça Federal concedeu habeas corpus aos rebeldes sobreviventes em janeiro de 1923.

Siqueira Campos saiu da prisão com habeas-corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Logo solicitou baixa do Exército em 7 de janeiro de 1923, mas, ao ver seu pedido recusado, resolveu exilar-se no Uruguai. Não demorou e foi denunciado pelo promotor criminal da República.

Siqueira Campos (direita), ao lado do tenente revolucionário Juarez do Nascimento fernandes Távora, de jaguaribe, Ceará. Foto feita provavelmente na Argentina.

Associado com seu colega da primeira fase da insurreição do forte de Copacabana, o ex-aspirante Manuel Augusto de Araújo Góis, fundou uma firma de representações “Araújo, Campos & Cia.”, dedicada à importação e venda de produtos primários brasileiros. Depois, nos primeiros meses de 1924, abriu em Buenos Aires a casa comercial “Araújo, Siqueira & Cia. Importación-Exportación”, numa tentativa de vender café.

Siqueira Campos voltou clandestinamente ao Brasil em 1924 e em 5 de julho desse ano, exatamente dois anos após a Revolta de Copacabana, rebeldes liderados pelo general aposentado Isidoro Dias Lopes lançaram outra revolta. Inspirada na luta de Copacabana de 1922, e novamente com o objetivo de derrubar a Primeira República. Embora essa revolta tenha conseguido tomar São Paulo temporariamente, no final de julho, eles estavam enfrentando a perspectiva muito real o governo exterminá-los completamente após um cerco. 

Como resultado, sob a cobertura da escuridão, 3.000 rebeldes escaparam da capital paulista nos dias 27 e 28 de julho, escapando até mesmo das forças do governo sitiantes. 

Na sequência, os rebeldes, agora liderados por Luís Carlos Prestes, formaram efetivamente uma força de guerrilha que seguiu combatendo no interior do país. O grupo, conhecido como Coluna Prestes, manteve-se em constante movimento, sofrendo perdas, mas evitando o extermínio total pelas mãos do governo. Quando eles escaparam para a Bolívia em 1927, haviam percorrido mais de 25.000 quilômetros no interior do Brasil. Siqueira Campos juntou-se à Coluna, tornando-se líder de um dos quatro destacamentos que tentavam escapar da captura e marchavam pelo interior do país.

Siqueira Capos no exílio.

Enquanto a Coluna Prestes se dirigia à Bolívia, Siqueira Campos acabou primeiro em Buenos Aires, onde continuou os esforços para organizar os brasileiros que se opunham à Primeira República e estavam exilados no Uruguai e na Argentina. 

Em 1929, à medida que o descontentamento com o governo brasileiro crescia e os rebeldes militares e dissidentes políticos formavam a Aliança Liberal, Siqueira Campos foi escolhido para liderar um levante em São Paulo. No entanto, antes que a revolta pudesse acontecer, a trama se tornou conhecida e o rebelde mais uma vez fugiu para o exílio. No entanto, os dias da Primeira República estavam contados.

Telegrama para a escritora Rosalina Coelho Lisboa, informando sobre a morte de Siqueira Campos. Foi enviado por Luís Carlos Prestes no exílio.

Finalmente, em outubro de 1930, o governo Artur Bernardes caiu, sendo substituído pelo movimento revolucionário que levou Getúlio Vargas ao poder.

Apesar de todos os seus esforços para acabar com a Primeira República, Siqueira Campos não veria os frutos de seus esforços. Ele morreu quando o avião em que viajava do Uruguai para o Brasil caiu no Rio da Prata em 10 de maio. Após vários dias de buscas, seu corpo foi encontrado e enterrado no Rio. Ele ganhou uma série de homenagens póstumas.

Chegada do caixão de Siqueira Campos no Rio.

Embora Antônio de Siqueira Campos não tenha vivido para ver o fim da Primeira República, sua liderança e sacrifício na Revolta do Forte de Copacabana e suas ações subsequentes, desempenharam um papel importante para minar ainda mais a legitimidade do regime.

1964 – A REVOLTA DOS MARINHEIROS E FUZILEIROS NAVAIS E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Marinheiros e fuzileiros navais sublevados no interior do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, sendo cercados por tropas do Exército Brasileiro. Essa manifestação militar foi um dos estopins da Revolução de 1964, que implantou o regime ditatorial no Brasil por vários anos.

A Revolta dos Marinheiros ocorreu entre os dias 25 a 27 de março de 1964, no Rio de Janeiro e foi um conflito entre as altas autoridades da Marinha do Brasil e a Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB).

Momento em que os fuzileiros navais foram enviados para desalojar seus colegas de farda. Mas…

No Brasil, a primeira metade na década de 1960 foi um período de grande mobilização de grupos como “estudantes, sindicalistas, políticos, artistas, camponeses organizados, comunistas e outros. Como parte dessa agitação social e vinculados às demais forças, surgiram movimentos nos membros formadores dos grupos de baixa patente nas Forças Armadas, como sargentos, cabos e soldados. Eles eram tipicamente esquerdistas, com ideologia nacionalista e reformista. Foram organizados em associações de classe, incluindo a Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil,

vários deles aderiram ao movimentro e largaram suas armas!

A AMFNB fez parte dos movimentos dos militares de baixa patente no início da década de 1960, onde também figura a revolta dos sargentos do Exército e da Marinha em 1963, da qual participaram muitos de seus integrantes. Era uma associação de classe para uma categoria pobre, com condições de trabalho difíceis, privada de direitos como o voto e o casamento, e marcada pela extrema diferença social em relação aos oficiais das Forças Armadas, situação que inclusive perdura até hoje!

A AMFNB foi fundada 25 de março de 1962 por marinheiros e fuzileiros navais e em 1964 seu presidente era José Anselmo dos Santos, o conhecido “Cabo Anselmo”.

Plenária dos marinheiros e fuzileiros navais durante o movimento. Ao microfone uma das principais lideranças, o marinheiro José Anselmo dos Santos.

Nesses dois anos essa associação conquistou milhares de membros e uma liderança mais combativa, aproximando-se do presidente João Melchior Marques Goulart, o Jango, e de organizações de esquerda, além de se interessar por questões externas à corporação, como as reformas de base.

A entidade encontrou hostilidade por parte dos oficiais da Marinha sobre a questão da indisciplina militar. Sua politização não foi tolerada, ao contrário das atividades políticas do funcionalismo.

Ocupação da sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro pelos marinheiros e fuzileiros navais.

O aniversário de dois anos da Associação, no dia 25, foi comemorado no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, na Rua Ana Neri, 152, bairro de Benfica. Cerca de dois mil marinheiros estavam no local, quando o então ministro da Marinha, Sílvio Mota, ordenou a prisão dos 40 organizadores do evento, por declaração proferida no dia 20. Em reação, os marinheiros se recusaram a abandonar o local até o cumprimento de uma série de demandas.

O ministro da Marinha, Silvio Mota, decretou prontidão estrita, o que exigia a presença de marinheiros em suas unidades, mas eles desobedeceram e ficaram na sede do Sindicato.

Tropas da Polícia do Exército na hora do almoço, ou rancho, agaurdando o desfecho das negociações.

Essa desobediência não constituiu um movimento armado. No dia 26, o ministro queria invadir o sindicato com fuzileiros navais reforçados por tropas do exército.

Vinte e cinco soldados da tropa enviada pelo ministro para desmobilizar o protesto resolveram depor as armas e aderir ao motim. O comandante dos fuzileiros navais, almirante Cândido Aragão, foi exonerado por sua recusa de realizar o ataque. Vale ressaltar que a esquerda em geral era a favor dos rebeldes, enquanto a oficialidade era contra. Uma segunda operação de retirada dos amotinados, mas foi cancelada.

As mulheres dos amotinados apoiaram intensamente seus companheiros, até porque uma das reivindicações desses militares era a possibilidade dos praças das Forças Armadas contrairem matrimônio.

O presidente João Goulart voltou às pressas de São Borja para o Rio de Janeiro, nomeou Paulo Mário da Cunha Rodrigues como novo ministro no lugar de Sílvio Mota, e assumiu as negociações. Na manhã do dia 27, ele acertou a saída dos amotinados e, à tarde, declarou a anistia dos marujos.

O motim saía vitorioso e as Forças Armadas afrontadas. A ação de Goulart foi duramente criticada pela oposição e visto pelas autoridades como conivente com a quebra da disciplina militar.

Na rua outras tropas bem armadas aguardam o desfecho da situação.

Além disso a revolta dos marinheiros unificou muitos militares contra Goulart, fragilizou o governo e forneceu às lideranças que conspiravam contra Jango o pretexto para sustentarem a denúncia de ilegalidade do presidente. Enquanto isso, o horizonte do golpe ficava perigosamente mais próximo e no final do mês de março os militares derrubaram Jango.

Fim do movimento e a retirada dos marinheiros e fuzileiros em viaturas do Exército.

O episódio da revolta dos marinheiros no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro está relacionado com a Revolta de Chibata de 1910, como se sentiu na época, e foi seguida da punição dos envolvidos. Outras consequências foi que muitos dos punidos participaram da luta armada contra a ditadura militar. Entretanto, a longo prazo, ocorreu o aperfeiçoamento das condições dos praças da Marinha.

Poucos dias depois do fim do movimento dos marinheiros e fuzileiros navais, novamente as viaturas militares deixaram os quartéis para ajudarem na deflagração do Golpe de Estado de 31 de março de 1964.

A revolta é frequentemente acusada de ser obra de agentes provocadores (especialmente o “Cabo Anselmo”) a serviço dos golpistas que derrubaram Goulart, o que tem sido contestado por historiadores.

José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, é ainda hoje o mais conhecido informante a serviço da Marinha e da CIA durante a Ditadura Militar.

Fonte – https://riomemorias.com.br/memoria/revolta-dos-marinheiros/

O BRADO DA CASERNA

Flagrante da rebelião dos sargentos da Marinha e da Aeronáutica, Brasília, setembro de 1963.

REVOLTAS DE MARINHEIROS, SOLDADOS E SARGENTOS FORAM COMUNS NA NOSSA HISTÓRIA: DAS REBELIÕES CONTRA OS CASTIGOS CRUÉIS ÀS LUTAS PELO DIREITO À ORGANIZAÇÃO

Em 1910, um relatório do Ministério da Marinha afirmava que a maior fonte de alistamento de seu pessoal era encontrada “nos xadrezes da polícia”. No Exército, a situação não era muito diferente, pois nossas Forças Armadas se constituíram inicialmente segundo o modelo europeu de recrutamento: os oficiais eram escolhidos na nobreza e as praças nas classes baixas. Assim se pretendia garantir a lealdade dos oficiais ao governo e às classes dirigentes e dificultar a integração do Exército como uma instituição que pudesse assumir o seu próprio papel político.

Com esse tipo de recrutamento, o clima nos quartéis e navios era formado por uma grande indisciplina e constantes ameaças de deserção, combatidas com castigos cruéis. As surras, abolidas por lei de 1874, continuavam. A espada

sem corte apenas foi substituída pela vara de marmelo no Exército e pela chibata na Marinha.

É por isso que o protesto contra os castigos fazia parte das duas revoltas de subalternos da Marinha que explodiram no início do governo Floriano Peixoto (1891-1894). A Revolta do Encouraçado 1º de Março, ocorrida em 13 de dezembro de 1891, teve como motivo declarado a exigência de substituição de alguns oficiais por causa de seu “excessivo rigor”. Em 19 de janeiro de 1892, o sargento Silvino Honório de Macedo lidera outra rebelião, que leva à tomada da Fortaleza de Santa Cruz, prisão militar onde estavam 60 marinheiros presos na revolta anterior. A Fortaleza de Lage aderiu à revolta, mas navios de guerra e tropas do Exército cercaram as fortalezas e, depois de choques armados, os amotinados se renderam.

João Cândido, o Almirante Negro, líder da Revolta da Chibata.

A Marinha brasileira, nos primeiros anos do século 20, contava com embarcações que exigiam técnicas sofisticadas de navegação. Mas nos modernos encouraçados, comprados aos ingleses, ainda reinava a chibata. Em 22 de novembro de 1910, depois de assistirem à aplicação de um castigo particularmente cruel, os marinheiros do encouraçado Minas Gerais (um dos maiores do mundo), comandados pelo marinheiro negro João Cândido (80% dos tripulantes da Armada eram negros e mulatos), rebelaram-se e tomaram a embarcação. Aderiram mais dois encouraçados (São Paulo e Deodoro) e um cruzador (Bahia), todos na baia da Guanabara.

Devido ao poder de fogo dos navios rebelados, o governo resolveu negociar e prometeu uma anistia. Mais tarde, porém, depois que os marinheiros entregaram os navios e depuseram as armas, o governo prendeu os líderes do levante. Muitos morreram nas prisões ou na Amazônia, para onde foram enviados. João Cândido foi um dos sobreviventes. Ele trabalhou até os 70 anos na estiva do Rio de Janeiro, morrendo em 1969, na miséria.

A Rebelião dos Sargentos de 1915 foi a primeira que apresentou reivindicações específicas do grupo, pretendiam acabar com as diferentes classes de sargentos no quadro do Exército para unificar os vencimentos e a estabilidade nos postos. Duas novas tentativas de rebelião de sargentos foram reprimidas em janeiro e março de 1916.

O Movimento de 1935 Marcou a Vida do País

Nesse mesmo ano, depois de intensa campanha, entrou em vigor uma lei de 1908 estabelecendo o recrutamento universal. Como consequência, foi extinta a Guarda Nacional, até então reservada às classes altas, e encerrada a dualidade de serviço militar. Mas, no interior das Forças Armadas, continuava a haver duas carreiras distintas. Entre oficiais e praças há um ponto de ruptura na linha hierárquica vertical, não podendo os sargentos e praças ascender ao campo dos oficiais.

Notícia da rebelião dos srgentos, de 1915.

Esse é o limite da carreira profissional para aqueles que vêm de baixo. E são os sargentos que estão no ponto de quebra. Para eles ficava claro o caráter ilusório da retórica que falava na igualdade e em um destino comum. A modernização do Exército, que se seguiu à Revolução de 1930, passava pela profissionalização dos oficiais, mas mantinha a exclusão dos sargentos da carreira superior. Assim, não é de surpreender que as revoltas se multiplicassem de Norte a Sul. As pesquisadoras Lúcia Lahmeyer e Vanda Maria Ribeiro da Costa estudaram 88 movimentos militares entre outubro de 1930 e 1939. Destes, 33 tiveram participação principal de praças.

Em todo o País, aqueles foram anos de intensa agitação política e social, que se refletia nos quartéis. Tanto a Ação Integralista Brasileira (AIB) quanto a Aliança Nacional Libertadora (ANL), organizada pelo Partido Comunista do Brasil, encontravam neles fértil campo de atuação. A primeira conseguiu seus adeptos principalmente entre a oficialidade. As praças eram atraídas pela esquerda,

que a elas se dirigiam denunciando suas condições de vida e prometendo um novo Exército, mais democrático.

Intentona Comunista de Natal de 23 de novembro de 1935 foi notícia em todo mundo, como neste material publicado em um jornal dos Estados Unidos.

De todos os movimentos, foram os que eclodiram em Natal, Recife e Rio de Janeiro, em novembro de 1935, que marcaram mais profundamente a história do País. Liderados pela ANL, constituíram uma tentativa insurrecional e, depois de derrotados, serviram de pretexto para o golpe de Estado que gerou o Estado Novo (1937) e para destilar um anticomunismo doentio nas Forças Armadas. Neles, além de tenentes e capitães, tiveram participação destacada o cabo Giocondo Dias, em Natal, o sargento Gregório Bezerra, em Recife, e o cabo David Capistrano, no Rio de Janeiro.

Como consequência da repressão que se seguiu, o Exército terminou a década de 1930 sólido e coeso como nunca estivera. Entre 1940 e 1945 ocorreram apenas seis movimentos militares e só um de praças. Mas, nas novas condições políticas surgidas com o fim do Estado Novo, em 1945, o movimento dos sargentos renasceu e sua organização aumentou, espalhando-se pelos quartéis de todo o País. Datam dessa época os clubes de sargentos, formados em vários Estados.

Na luta pela posse do vice-presidente João Goulart, em agosto de 1961, chegaram a tomar duas bases aéreas (Belém e Porto Alegre), prendendo os oficiais e imobilizando os aviões.

Setores Mais Radicalizados Fundam o MNR

No clima de polarização política e de conflito social aberto que marcou o governo Goulart, ocorreram vários movimentos de praças, mas dois se destacaram. Em 12 de setembro de 1963, cerca de 600 sargentos das três Armas cercaram os principais edifícios do governo, em Brasília, protestando contra uma decisão do Supremo Tribunal Federal que mantinha a inelegibilidade dos sargentos e cassava os eleitos em 1962.

Blindado do Exército diante do prédio do extinto Ministério da Marinha, durante a rebelião dos sargentos. Brasília, setembro de 1963.

O segundo iniciou-se em 25 de março de 1964, quando, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, reuniu-se uma assembleia comemorativa do segundo aniversário da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, que lutava por reivindicações tais como o direito de casar, a permissão para vestir roupas civis fora do serviço e melhoria dos soldos. O almirante Sílvio Mota, ministro da Marinha mandou prender os marinheiros e dissolver a assembleia. Mas os fuzileiros navais enviados aderiram ao movimento. A crise provocou a queda do ministro e Goulart não puniu os revoltosos.

Os dois episódios foram utilizados pelos militares golpistas para convencer oficiais legalistas da necessidade de derrubar um governo que, segundo eles, ameaçava destruir a hierarquia das Forças Armadas. Depois do golpe, os setores mais radicalizados do movimento de sargentos e marinheiros, excluídos das Forças Armadas, deram origem ao MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), a primeira organização a tentar a luta armada contra o Regime Militar.

Para os que permaneceram nas corporações, os problemas continuavam, mas só quando a sociedade reconquistou um espaço mais livre para manifestar seu descontentamento os movimentos reivindicatórios dos soldados puderam aflorar.

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Militares da Polícia Militar da Bahia, na saída de uma missa em Salvador, ocorrida para honrar um colega morto durante a greve de outubro de 1981.

A greve da Polícia Militar de Salvador, Bahia, em março de 1981, envolvendo 10.500 oficiais e soldados que exigiam equiparação salarial com o Exército, e diversas manifestações ocorridas depois da posse dos governadores da oposição, em 1983, foram definidos naquela época como os sinais de uma nova fase de movimentação e organização dos sargentos, soldados e marinheiros de nossas Forças Armadas.

FONTE – Retratos do Brasil (Da Monarquia ao Regime Militar), 1985, Editora Três / Editora Política.  

A GUERRA DA LAGOSTA – O QUE FOI, COMO ACONTECEU, A ATUAÇÃO E OS PROBLEMAS DA MARINHA DO BRASIL

Essa Esquecida Crise Entre o Brasil e a França, Que se Prolongou de 1961 a 1963 e Cujo Palco Foi Próximo ao Litoral Nordestino, É Mais um Exemplo, Dentre Vários Existentes na História Brasileira, de Como o Nosso País é Dependente de Suas Forças Armadas Para Garantir Sua Soberania e Defender os Seus Interesses. Isto Era Uma Verdade Naquela Época. No Mundo Atual é Mais do Que a Garantia da Sobrevivência.

Fontes – Artigo publicado originalmente na revista impressa Forças de Defesa número oito e dos sítios https://www.naval.com.br/blog/2016/01/28/a-guerra-da-lagosta-e-suas-licoes/ https://www.fotosdefatos.com/2019/12/a-guerra-da-lagosta.html

O navio de guerra da Marinha Francesa Tartu é sobrevoado por um obsoleto RB-17G da FAB – Fonte – Wikipedia

O céu, meio encoberto, tornava aquela noite ainda mais escura. Com a brisa que soprava sobre a superestrutura, graças ao vento relativo, a temperatura era agradável para os atentos vigias noturnos. Contrastando com a plácida noite, o “clima” esquentava no interior do Centro de Informações de Combate (CIC) do contratorpedeiro Paraná da Marinha do Brasil (MB), com muita tensão. Focados nas telas repetidoras dos radares, os operadores acompanhavam cada irradiação das antenas com o propósito de identificar um alvo em específico: escorteur d’escadre anti-aerien (escolta de esquadra antiaéreo) Tartu (D636), da Marine Nationale, a Marinha Francesa, também conhecida como “La Royale”.

O indesejado navio rumava para a costa do Nordeste do Brasil para defender pescadores franceses que atuavam ilegalmente na plataforma continental brasileira. Ei vinham por ordem direta do presidente francês da época, o mítico general Charles de Gaulle, o herói máximo da França na Segunda Guerra.

O mítico general Charles de Gaulle, o herói máximo da França na Segunda Guerra – Fonte – BN..

Sozinho, o Tartu não era uma grande ameaça, mas bastava uma atitude precipitada que toda uma frota de navios de combate franceses, que estava na Costa Oeste da África com o poderoso porta-aviões Clemenceau, que, atingiria o litoral do Nordeste brasileiro em aproximadamente três dias.

Às quatro horas da madrugada o pessoal do “quarto d’alva” assumiu o serviço e aqueles que estavam em seus postos, desde a meia noite, foram descansar. Ou pelo menos tentaram. Todos a bordo do Paraná tinham ciência de suas limitações, tanto materiais como de adestramento. Mas o que mais tirava o sono dos homens era a quantidade de munição a bordo, suficiente para apenas meia hora de combate. Mesmo com todas essas dificuldades, eles procurariam defender um recurso natural de propriedade nacional – a lagosta da plataforma continental.

Era o prenúncio do que ficaria conhecido como a Guerra da Lagosta. Naquele momento a diplomacia falhou e a situação teve que ser decidida por uma exibição de força naval.

Surge o interesse pela lagosta

Pescadores de Lagosta do Rio Grande do Norte – Fonte – BN.

Foi no início da década de 1960 que surgiu um maior interesse de armadores e pescadores do porto pesqueiro de Camaret, na costa francesa da Bretanha, pela lagosta existente na costa do Nordeste brasileiro. Uma delegação foi enviada a Recife para negociar a vinda de barcos de pesca com o intuito de realizar pesquisas sobre viveiros de lagosta. A autorização de pesquisa foi emitida em março 1961, válida por 180 dias. Esta licença contemplava apenas três embarcações, conforme solicitação francesa.

No entanto, autoridades brasileiras já estavam preocupadas quanto à real intenção daqueles pescadores. Foi decidido que representantes da Marinha do Brasil embarcariam nos pesqueiros para atuar como fiscais. Após alguns embarques, os militares constataram que os navios estavam realmente capturando lagosta em larga escala e realizando pesca predatória com arrasto. Além disso, a licença de pesquisa emitida limitava-se a três barcos e foram enviados quatro. A partir do relatório dos militares embarcados, decidiu-se pelo cancelamento da licença e o último pesqueiro partiu de volta à França no final de abril de 1961.

Em novembro, foi solicitada uma nova licença para pesquisas e experiências no litoral nordestino. Desta vez foi argumentado que esse trabalho seria realizado na plataforma continental, fora das águas territoriais brasileiras. Assim, uma nova leva de pesqueiros franceses chegou ao litoral nordestino no final de 1961.

O “inimigo” – Pescadores franceses da Bretanha – Fonte – BN.

A Captura, Ou Apresamento, de Navios Franceses Realizados Pela Marinha do Brasil


Os desentendimentos começaram logo no início de 1962. No dia 2 de janeiro a corveta Ipiranga da apresou o pesqueiro Cassiopée, a cerca de dez milhas da costa, por estar capturando lagosta sem autorização do Governo Brasileiro. Pouco tempo depois, a corveta Purus avistou dois pesqueiros (Françoise Christine e Lonk Ael) próximos à costa do Rio Grande do Norte, mas por determinação do Estado Maior da Armada (EMA), os navios não foram apresados.

Com o apresamento do Cassiopée, a questão antes mais restrita aos interesses de pescadores franceses passou a envolver mais o próprio Governo Francês, gerando uma batalha diplomática com o Governo Brasileiro que se estendeu por todo o ano de 1962. O Brasil sustentava a tese de que a lagosta era recurso econômico de sua plataforma continental, cabendo somente aos brasileiros a emissão de autorização de captura do crustáceo. A França, por seu lado, contestava o posicionamento brasileiro baseando-se na Convenção de Genebra de 1958, que estabelecia as bases para pesca em alto mar. É importante destacar que nenhum dos dois países tinha assinado tal convenção.

Navio de guerra próximo a barco de pesca – Fonte – BN

Durante as negociações para se estabelecer uma forma de “modus vivendi” sobre o crustáceo, a França argumentava que a lagosta se deslocava de um lado para o outro dando saltos e, portanto, deveria ser considerada como peixe e não um recurso da plataforma continental. Segundo o comandante Paulo de Castro Moreira da Silva da Marinha do Brasil a argumentação era fraca e, ironicamente, ele disse: “por analogia, se lagosta é peixe porque se desloca dando saltos então o canguru é uma ave.”

A batalha diplomática não intimidou os pesqueiros franceses, e muito menos reduziu a ação dos navios da nossa Marinha. O contratorpedeiro Babitonga apresou o pesqueiro Plomarch no dia 14 de junho e o Lonk Ael no dia 10 de julho ao longo do litoral do Rio Grande do Norte e a corveta Ipiranga os pesqueiros Folgor e Françoise Christine em agosto do mesmo ano no litoral cearense. Os capitães dos barcos eram orientados quanto à irregularidade cometida e “convidados” a assinar um termo de compromisso para não mais voltar à costa brasileira (embora muitos retornassem).

As corvetas da classe “Imperial Marinheiro” tiveram papel de destaque durante as capturas ocorridas em 1962. Na foto a Ipiranga (V17), responsável pelo primeiro apresamento em 2 de janeiro de 1962 – Fonte – https://www.naval.com.br/blog/2016/01/28/a-guerra-da-lagosta-e-suas-licoes/

No início de 1963, uma missão francesa chegou ao Brasil com o intuito de negociar a questão da pesca da lagosta, bem como estabelecer as bases comerciais de um possível acordo binacional. Esta mesma missão informou que dois barcos de pesca já se dirigiam para o litoral brasileiro. Por meio do Ministério das Relações Exteriores, o Brasil respondeu que a permissão não seria dada aos barcos, solicitando que o Governo Francês não permitisse a vinda destes para não prejudicar as negociações em curso. A França não só confirmou a vinda dos dois barcos, como também anunciou a partida de outros, independentemente da ameaça de serem apresados.

Sabendo da vinda de pesqueiros franceses para o litoral nordestino (sem a devida autorização), a Marinha do Brasil colocou em alerta os seus navios que executavam patrulha na área. No dia 30 de janeiro, a corveta Forte de Coimbra detectou a presença de três pesqueiros estrangeiros e solicitou que os comandantes dos mesmos rumassem para Natal. Após a resposta negativa, a corveta recebeu instruções de terra para usar a “força na medida do necessário”. Possivelmente os franceses não entendiam português, mas o soar do alarme de “postos de combate” e a visão da tripulação da corveta guarnecendo as peças de artilharia fez os comandantes mudarem de ideia.

Navio de pesca de lagosta francês no litoral nordestino – Fonte – BN

No dia 5 de fevereiro os barcos e suas respectivas cargas foram liberados e, por intervenção do presidente do Brasil, João Goulart, uma autorização para captura da lagosta foi emitida para os pesqueiros no dia 8. Porém, por força da opinião pública e de pressões políticas (principalmente vindas no Nordeste), o Governo Brasileiro teve que voltar atrás e cancelar a autorização. Essa mudança de atitude despertou a ira de Charles de Gaulle. Alguns atribuem a este episódio a origem da frase:

“LE BRÉSIL N’EST PAS UN PAYS SERIEUX” (O BRASIL NÃO É UM PAÍS SÉRIO)

Já numa outra versão dessa história o embaixador brasileiro em Paris, Carlos Alves de Souza Filho, afirmou em seu livro de memórias que a frase foi dita por ele numa entrevista a um repórter brasileiro.

De qualquer forma, as relações com o Governo Francês, que já não eram boas, degradaram-se rapidamente após a notícia da suspensão da autorização. A reação foi enérgica e desproporcional à situação. Por ordem do presidente de Gaulle, um navio de guerra francês seria enviado para proteger os barcos pesqueiros. A diplomacia estava em xeque e uma escalada militar começava a tomar forma.

A Força Naval Francesa

A força naval francesa envolvida nessa crise. Dessas naves apenas duas efetivamente se aproximaram da costa nordestina e o resto ficou na costa ocidental africana, pronta para intervir se fosse necessário – Fonte – https://www.naval.com.br/blog/2016/01/28/a-guerra-da-lagosta-e-suas-licoes/

No dia 11 de fevereiro de 1963, partiu de Toulon (França) uma Força-Tarefa capitaneada pelo porta-aviões Clemenceau. Juntamente com ele estavam o cruzador De Grasse, os contratorpedeiros Cassard, Jaureguiberry e Tartu, as corvetas Le Picard, Le Gascon, L’Agenais, Le Béarnais, Le Vendéen, o navio-tanque La Baise e o Aviso Paul Goffeny. A princípio, deveria ser somente mais uma missão pela Costa Oeste da África para mostrar a bandeira tricolor e realizar exercícios de rotina.

A bordo do Clemenceau estavam aeronaves Alizé da esquadrilha 4F, jatos Aquilon da 16F e alguns helicópteros S58. Naquela época a força aérea da Marinha da França, a chamada “Aeronavale”, ainda não tinha adquirido os caças F-8 Crusader, embora testes com uma aeronave proveniente do porta-aviões norte-americano USS Saratoga tivessem ocorrido no primeiro semestre de 1962. O papel de caça da frota era exercido pelos velhos Aquilon (versão do Sea Venom fabricada sob licença na França), num de seus últimos embarques operacionais com a “Aeronavale”. Os Etendard IV não estavam plenamente operacionais nas atividades embarcadas e o primeiro exercício com estes jatos estava programado para maio daquele ano.

O De Grasse era o primeiro de uma classe homônima de três cruzadores. Esta classe era formada por escoltas antiaéreas que deslocavam pouco mais de 9.000 toneladas. Possuíam oito reparos duplos de canhões de 127 mm e 10 reparos duplos de canhões de 57 mm. Já os contratorpedeiros eram da classe T47/T53, também com ênfase na defesa antiaérea. As cinco escoltas menores eram compostas por fragatas leves (denominadas “escorteur rapide” na Marinha Francesa) da classe E52 especializadas em ações antissubmarino.

Do outro lado do Oceano Atlântico, a Força-Tarefa francesa realizava exercícios navais. No seu comando estava o porta-aviões Clemenceau (irmão do Foch, que décadas depois seria adquirido pelo Brasil e renomeado São Paulo) equipado com jatos Sud-Est Aquilon 202/203 (versão francesa do De Havilland Sea Venom) – Fonte – https://www.naval.com.br/blog/2016/01/28/a-guerra-da-lagosta-e-suas-licoes/

Em 21 de fevereiro, estes navios chegaram a cidade de Dakar, no Senegal e, posteriormente, seguiram para a cidade de Abidjan, na Costa do Marfim. Ambos os países africanos eram ex-colônias francesas. Porém, uma das escoltas do Clemenceau tomou rumo diferente. Era o Tartu, que solitariamente seguiu para a costa brasileira conforme instruções do Governo Francês.

Essas instruções eram: Controlar o movimento dos pesqueiros a fim de que não se aproximassem do limite de 12 milhas e assegurar aos mesmos pesqueiros a continuação da pesca de lagosta além daquele limite.

Estas informações foram transmitidas ao embaixador brasileiro em Paris no próprio dia 21, quinta-feira. Outra informação, sem confirmação, indicava também o deslocamento do cruzador De Grasse na companhia do Tartu. De qualquer forma, as demais unidades francesas na costa ocidental da África estavam tão perto do local da crise, que não seria necessário mais do que três dias de navegação para chegarem à Natal. No caso das aeronaves embarcadas, apenas algumas horas de voo.

O Tartu – Fonte – Marine Nationale

Do outro lado do Oceano Atlântico, a Força-Tarefa francesa realizava exercícios navais. No seu comando estava o porta-aviões Clemenceau (irmão do Foch, que décadas depois seria adquirido pelo Brasil e renomeado São Paulo) equipado com jatos Sud-Est Aquilon 202/203 (versão francesa do De Havilland Sea Venom)

Começa a Mobilização

Na noite de 21 de fevereiro (quinta-feira), o presidente João Goulart reuniu-se com os ministros da Marinha do Brasil e da Força Aérea Brasileira (FAB) em Brasília. Naquela época, as duas forças militares não possuíam um bom relacionamento, pois a disputa pela operação de aeronaves a bordo do porta aviões Minas Gerais ainda existia. Posta de lado, esta questão não atrapalhou a elaboração de um plano que visava o reforço das unidades militares do Nordeste com o envio de pessoal e equipamento a partir de bases do Rio de Janeiro. Esquadrões da FAB e unidades de superfície da Marinha deveriam ser deslocadas para a região o mais breve possível.

A mobilização efetiva ocorreu no dia 22, uma sexta-feira, véspera de Carnaval. O ministro da Marinha determinou a preparação de um Grupo-Tarefa (GT) composto por um cruzador e quatro contratorpedeiros. Este GT deveria seguir imediatamente para Recife. Outro grupo composto por um cruzador, alguns contratorpedeiros e submarinos, deveria seguir viagem para o Nordeste também, assim que os navios estivessem preparados. Para Salvador, deveriam partir o navio-oficina Belmonte e o dique flutuante Ceará. A mobilização seguiria em frente sob sigilo máximo. No caso de indagações, a resposta deveria ser “exercício programado”.

No dia 23 (sábado de Carnaval) o Conselho de Segurança Nacional reuniu-se no Palácio do Itamaraty. O ministro das Relações Exteriores presidiu a reunião na ausência do presidente (então em São Borja/RS). Após tomarem conhecimento dos últimos movimentos diplomáticos, os participantes passaram a discutir as medidas a implementar. Dentre elas, a divulgação de declarações à imprensa com o intuito de mobilizar a opinião nacional para a grave situação enfrentada.

Desde a primeira hora em que o Estado Maior da Armada (EMA) soube do deslocamento de um navio de guerra francês para a costa brasileira, as Estações Radiogoniométricas de Alta Frequência (ERGAF) do Pina (Recife) e de Salinas da Margarida (Bahia) passaram a rastrear as emissões eletromagnéticas de todos os navios franceses navegando no Atlântico.

Essa crise aconteceu em pleno Carnaval de 1963 e, como não poderia deixar de ser, houve muita ironia nos bailes de carnaval em todo o país com esse tema – Fonte – BN

Os preparativos da Marinha

Inicialmente foi necessário convocar, o mais breve possível, oficiais e praças para guarnecerem os navios, pois a maioria estava de férias. Havia também necessidade de adquirir sobressalentes e até material de uso comum. Para piorar a logística, um tanque arrendado junto à companhia Esso em Recife tinha capacidade para apenas 6.000 toneladas de combustível, quantidade insuficiente para atender todo o GT que se deslocaria para lá. Como se não bastasse, a Esquadra naquela época não contava com um navio-tanque e foi necessário arrendar às pressas um da Petrobras (o Navio Tanque Mato Grosso, com capacidade de 7.000 toneladas).

Em relação ao material flutuante, quanto aos contratorpedeiros (CT), os navios em melhores condições eram os quatro da classe “Pará” (exceção feita ao Paraíba, cujas caldeiras estavam em manutenção), originariamente da classe “Fletcher” norte-americana da II Guerra Mundial, recebidos poucos anos antes por acordo militar com os Estados Unidos. Estes poderiam iniciar a viagem de imediato, assim como um dos três classe “M” construídos no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ) vinte anos antes, o Greenhalgh.

Os quatro contratorpedeiros da classe Fletcher, como o Pará (D27), eram os melhores navios da MB em 1963. Eles foram adquiridos por empréstimo junto aos Estados Unidos e o contrato proibia o uso desses navios contra aliados dos Estados Unidos – Fonte – https://www.naval.com.br/blog/2016/01/28/a-guerra-da-lagosta-e-suas-licoes/

Alguns dos seis contratorpedeiros da classe “A” (construídos no AMRJ e incorporados entre 1949 e 1960) também poderiam ser usados, caso fosse necessário. Porém, a situação era crítica para os oito contratorpedeiros de escolta da classe “Bertioga” (construídos nos Estados unidos na Segunda Guerra e recebidos pelo Brasil durante o conflito). Três dessas naves, o Bracuí, Beberibe e Bocaina, estavam docados, ou seja, sofrendo reparos fora da água, em docas secas. Enquanto outros dois, o Babitonga e o Bauru, preparavam-se para entrar no Período Normal de Reparos (PNR). Dos restantes, o Benevente e o Bertioga tinham problemas nos eixos e o Baependi possuía restrições de velocidade.

A situação dos submarinos não era muito melhor. O Humaitá foi descartado de imediato, pois não tinha condições de se mover. Já o Riachuelo necessitava de substituição total da sua rede de pressão, mas era possível colocá-lo em movimento em dez dias (de acordo com as primeiras análises). Ambos eram veteranos da Marinha dos Estados Unidos, ainda da época da Segunda Guerra Mundial e transferidos em 1957 para o Brasil.

O estado dos dois cruzadores, também de origem norte-americana e veteranos da Segunda Guerra, era preocupante. Os principais problemas com o Tamandaré estavam associados aos grupos destilatórios, para utilização de água doce. Estimava-se que o mesmo não poderia ser reparado em menos de 15 dias. O Barroso poderia navegar, mas somente com quatro das suas oito caldeiras (o mínimo necessário para colocá-lo em movimento eram três.

Dois contratorpedeiros brasileiros envolvidos na crise – Fonte – BN

O quadro operativo dos navios da esquadra, bem como do armamento e munição, foram expostos na reunião do Almirantado realizada a portas fechadas na tarde do dia 22.

A situação era a seguinte: Munição – Situação dramática. A dotação dos navios da Esquadra (dotação de paz) poderia ser consumida em menos de trinta minutos durante um engajamento. Nos depósitos do Centro de Munição da Marinha não existia munição suficiente para recomplementar a dotação de paz de todos os navios (exceção feita aos projéteis de 20 mm). Para completar todos os navios com dotação de guerra, seria necessário o dispêndio de aproximadamente um milhão de dólares. Mesmo que a munição estivesse disponível, os barcos utilizados para a sua distribuição, conhecidos como “batelões”, estavam em péssimo estado e não existiam em número suficiente para um atendimento de urgência.

Equipamentos de abandono de navios em caso de afundamento e salvamento – Eram itens extremamente críticos, geralmente com período de validade, e que deviam ser repostos periodicamente. Em função da crônica falta de verbas, muitos itens não atendiam ao número mínimo estipulado em acordos internacionais ou já estavam fora do período de validade. Foram liberadas, em caráter emergencial, verbas para a aquisição de 800 coletes salva-vidas, 49 balsas e 1.200 conjuntos de alimentação de sobrevivência, o que atenuou o problema.

Lanchas dos navios – Situação lastimável. Dos oito contratorpedeiros de escolta (uma lancha por navio), só a lancha do Babitonga funcionava. Das dezesseis lanchas existentes nos outros treze contratorpedeiros, apenas sete estavam em condições operacionais. Somando as lanchas dos dois cruzadores, somente três das dez estavam em bom estado. O recém-adquirido porta aviões Minas Gerais possuía duas lanchas operando de um total de seis.

Os P-15 Neptune ainda eram bons aviões de esclarecimento marítimo em 1963. Eles eram operados pelo 1º/7º GAV, baseado em Salvador – Fonte – https://www.naval.com.br/blog/2016/01/28/a-guerra-da-lagosta-e-suas-licoes/

Controle de Avarias de combate e estanqueidade de compartimentos – Somente os navios da classe “Pará” resistiriam a uma inspeção ligeira por possuírem equipamento completo e em bom estado. Os demais, principalmente os de construção nacional (classes “M” e “A”), seriam condenados operativamente e impedidos de se movimentar por não possuírem condições de segurança para navegar.

Esquadrões da FAB em alerta

Coube à FAB realizar missões de patrulha naval (esclarecimento marítimo) com aeronaves de longo alcance P-15 Neptune do 1º/7º Grupo de Aviação (1º/7º GAv). A unidade passou a realizar missões de patrulha com alcance de 500 milhas náuticas (cerca de 900km) a leste do arquipélago de Fernando de Noronha.

No Nordeste, a FAB ainda contava com os veteranos aviões B-17. Eram quadrimotores de fabricação norte-americana da época da Segunda Guerra, construídos originalmente como bombardeiros estratégicos de longo alcance e modificados para aviões de busca e salvamento nas versões SB-17G e RB-17G. A função dos B-17 era auxiliar as tarefas dos P-15 Neptune. Tinha base em Recife, Pernambuco e pertenciam ao 6º Grupo de Aviação (6º GAv). Não dispunham de equipamento especial para patrulhas marítimas, sendo o reconhecimento realizado visualmente. Por serem aviões ultrapassados, sua aposentadoria na FAB não demoraria muito.

O grande reforço viria da Base Aérea de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, onde estava baseado o 1º Esquadrão do 1º Grupo de Aviação Embarcada (1º/1º GAE) e seus treze P-16 Tracker, aeronaves bimotoras recentemente incorporados. O Tracker entrou em atividade na Marinha dos Estados Unidos em 1954 e, no início da década de 1960, ainda era a aeronave de guerra antissubmarino embarcada mais moderna do mundo. Os aviões contavam com uma aparelhagem eletrônica bastante complexa para a época, incluindo radar de busca, radar do tipo Doppler, radar-altímetro de baixa altitude, sensor de detectação de anomalias magnéticas e sistema de contramedidas eletrônicas.

P-16 Tracker da FAB, do 1º Esquadrão do 1º Grupo de Aviação Embarcada (1º/1º GAE) – Fonte AE

A formação do Grupo-Tarefa

Sob a denominação “Operação Lagosta”, um GT deveria ser formado e enviado o mais breve possível para Recife. A ideia inicial de constituir o GT Vermelho 12.2 com o cruzador Tamandaré, quatro contratorpedeiros e, posteriormente, enviar outro cruzador e mais escoltas tão logo estivessem prontos, começou a se desfazer quando o estado dos navios foi apresentado.

Com diversos problemas nas caldeiras e nos grupos destilatórios, o Tamandaré foi descartado de imediato. O Pará, com problemas na bomba de alimentação principal e falta de pessoal para guarnecer o navio, teve sua saída adiada para a tarde do dia 24. Já o Greenhalgh, com avarias na maquinaria, só deixou o Rio de Janeiro na noite do dia seguinte (chegando a Recife na tarde do dia 28). Desta forma, o GT 12.2 partiu para a cidade de Recife às 3h27 da madrugada do dia 24 somente com os contratorpedeiros Paraná (onde seguia o Comandante do GT, contra-almirante Norton Demaria Boiteux) e Pernambuco.

Enquanto a Marinha do Brasil se mobilizava em pleno feriado, na embaixada dos Estados Unidos a movimentação era atípica para uma noite de Carnaval. Durante a madrugada, o adido naval dos Estados Unidos telefonou ao Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), solicitando uma audiência urgente. A contragosto e em companhia do seu ajudantes-de-ordens, o CEMA recebeu o militar norte-americano numa audiência curta e pouco amistosa.

Cruzador Tamandaré escoltado por quatro contratorpedeiros da classe “Pará” – Fonte Wikipedia

O adido naval foi logo indagado sobre o real motivo de uma audiência no meio da madrugada. O adido trazia uma mensagem do embaixador dos Estados Unidos. Este recebeu ordens diretas do Departamento de Estado para que os dois contratorpedeiros que partiram do Rio de Janeiro com destino ao Nordeste regressassem imediatamente. Segundo ele, a lei do Senado norte-americano que concedeu o empréstimo desses navios proibia o uso dos mesmos contra qualquer aliado dos Estados Unidos como a França.

Realmente, não só o Pernambuco e o Paraná, mas os outros dois contratorpedeiros da classe “Fletcher” (Pará e Paraíba) foram transferidos por empréstimo de cinco anos e, naquela época, ainda constavam na lista de unidades pertencentes à Marinha dos Estados Unidos. Esta era uma das facetas negativas dos acordos de transferência de material bélico daquele país para as Forças Armadas brasileiras.

Esquadra brasileira a caminho do Nordeste em 1963 – Fonte – BN

A resposta do CEMA foi a seguinte:

Peço ao ‘capitain’ para solicitar ao Exmo. Sr. Embaixador dos Estados Unidos que comunique ao seu Governo, em Washington, que, inspirado nos fundamentos do pan-americanismo, que tem como uma das principais fontes a Doutrina Monroe, formulada por um presidente dos Estados Unidos há 140 anos, o Brasil cortou relações diplomáticas, e depois, manteve o estado de beligerância com o Japão, em virtude da agressão ao território americano sofrido com o ataque a Pearl Harbor. O Brasil honrou o seu compromisso assumido por ocasião da Conferência de Havana em 1940, onde se declarou que um ataque por um Estado não americano contra qualquer Estado americano é considerado como ataque contra todos os Estados americanos. Sabemos que os Estados Unidos têm compromissos políticos e militares com a França em virtude do Tratado do Atlântico Norte, firmado em 1949. Entretanto, antes desse Tratado, os Estados Unidos em 1947, nesta cidade do Rio de Janeiro, lideraram a assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), que teve como propósito prevenir e reprimir as ameaças e os atos de agressão a qualquer dos países da América, baseado nos princípios de solidariedade e cooperação interamericanas. Assim sendo, configurando a agressão francesa, como anunciado em Paris, o Brasil espera que os Estados Unidos honrem os seus compromissos na defesa coletiva do continente americano declarando guerra contra a França, como o Brasil honrou seus compromissos declarando guerra contra os japoneses na II Guerra Mundial, sem nunca ter sido agredido por eles. E está dispensado … e pode se retirar.

O Tartu é localizado e acompanhado pela FAB

Enquanto o GT 12.2 seguia para Recife, os aviões da FAB procuravam pelos navios franceses. Quando quatro P-16 chegaram a Recife no dia 24, os P-15 já realizavam missões de patrulha a partir de Salvador. Conforme planejado, os aviões do 1º GAE passaram então a realizar voos de patrulha armado em rotas paralelas. Logo na manhã do dia 25, dois pesqueiros foram localizados próximos a Macau, Rio Grande do Norte. Com esta descoberta os P-16 deslocaram-se de Recife para Natal.

A cerca de 250 milhas náuticas (aproximadamente 450 km) a Noroeste de Natal, foi localizado um “grande navio escuro” que atuava como frigorífico, onde os pesqueiros desovavam sua pesca. Ao seu lado encontrava-se um navio tender para serviços de manutenção. Mas a grande descoberta ocorreu no dia 26 de janeiro. Patrulhando distante da costa, um P-15 detectou no radar um navio rumando para Fernando de Noronha. No dia seguinte, um B-17 do 6º GAv fez o reconhecimento fotográfico do navio Tartu da Marinha Francesa.

O navio de guerra francês passou a receber vigilância aérea constante e uma das missões foi a primeira de caráter noturno para os P-16 da FAB. Duas aeronaves voaram em formação aberta e a baixa altitude com todas as luzes apagadas e silêncio total no rádio. Para a aproximação do alvo, utilizaram seus equipamentos passivos de guerra eletrônica, que detectavam as emissões do radar de busca aérea do Tartu. Próximos ao navio, os aviões cerraram formação e baixaram para 100 pés de altitude (cerca de 30 metros) até que, praticamente sobre o navio francês, acionaram tudo que pudesse iluminá-lo. Foi uma surpresa total, e homens puderam ser vistos correndo pelo convés, como se estivessem assumindo postos de combate.

Dois P-16 da FAB sobre navios, durante a crise de 1963 – Fonte BN

Porém, normalmente a cobertura aérea era realizada a uma altura média de 1.000 pés (3.000 metros). Algumas vezes a tripulação do navio francês realizava exercícios de tiro, possivelmente tentando inibir as aeronaves brasileiras. Como resposta, os P-16 deixavam a área voando baixo e passando ao lado do Tartu, exibindo claramente seus foguetes.

Ainda no dia 26, o Pará juntou-se ao GT 12.2 e os contratorpedeiros atracaram no porto do Recife. Durante a travessia Rio a Recife as tripulações dos navios realizaram diversos exercícios com o propósito de aprimorar o treinamento. Também no mesmo dia, a estação radiogoniométrica de Pina interceptou uma mensagem do Tartu para os lagosteiros franceses, marcando um ponto de encontro na manhã do dia 28. O ponto ficava a aproximadamente 100 milhas de distância de Recife. Em função da possível antecipação do Tartu, um avião da FAB sobrevoou o local já no dia 27. O navio foi localizado às 22h55 entre o litoral brasileiro e o arquipélago de Fernando de Noronha e a situação ficou tensa com o passar das horas.

A informação da aeronave da FAB antecipou a saída do GT 12.2. Passava da meia-noite quando os contratorpedeiros Paraná e Pará deixaram o porto do Recife rumo ao ponto de encontro marcado pelo Tartu. O Pernambuco, com problemas, ficou no porto. A missão do GT era “vigiar os navios franceses, informando os seus movimentos através do acompanhamento radar, fora do alcance visual”.

Foi uma madrugada de muitas expectativas. Na sede da 2ª Zona Aérea o movimento de oficiais superiores era intenso e, logo na manhã do dia 28, as emissoras de rádio já divulgavam os acontecimentos das últimas horas para a população apreensiva. O governo também acompanhava os acontecimentos de perto. Pairavam muitas dúvidas sobre a atitude do navio francês quando encontrasse os navios da Marinha do Brasil.

Outra fotografia do Tartu feita pela FAB – Fonte – BN

Encontro em alto-mar

As atenções estavam voltadas para o possível encontro do Paraná com o Tartu, que em muitos aspectos eram equivalentes. Os armamentos possuíam similaridades, a força propulsora (duas turbinas a vapor, quatro caldeiras e dois eixos), as potências desenvolvidas e a velocidade máxima eram semelhantes. Em relação aos sensores, o radar de busca combinada DRBV22A francês era equivalente ao SPS-6 dos classe “Pará”, mas o grande diferencial do navio francês era a combinação deste último com o radar DRBI, fornecendo um quadro tridimensional das ameaças aéreas.

A bordo do Paraná a tensão era grande. O navio navegava às escuras. Os operadores dos radares mantinham atenção total às telas repetidoras e os vigias noturnos redobravam a vigilância.

O contratorpedeiro Paraná (D29) foi o primeiro navio da Marinha do Brasil a fazer contato com o navio de guerra francês Tartu. O encontro ocorreu no dia 28 de fevereiro de 1963. – Fonte – https://www.naval.com.br/blog/2016/01/28/a-guerra-da-lagosta-e-suas-licoes/

O dia raiou com forte neblina. Passava das dez da manhã quando o Paraná estabeleceu contato radar com um alvo na superfície, a 36.000 jardas, marcação 330º. Tinha que ser o Tartu. As condições climáticas não permitiram identificação visual à distância. O Paraná, que navegava no rumo 000º, manobrou 20º para bombordo e aproximou-se do alvo. Antes de atingir a distância de 30.000 jardas (cerca de 27.500 metros), o navio passou a se comunicar por holofote. Depois dos cerimoniais marítimos, o Paraná aproximou-se a 27 nós (o Pará vinha logo atrás em velocidade reduzida) e, à distância de 14.400 jardas (cerca de 13 quilômetros), identificou o contato como o D636 Tartu, além de seis lagosteiros praticamente parados. Os contratorpedeiros brasileiros acompanharam os navios franceses por algum tempo e monitoraram as frequências de rádio, depois se afastaram. Do alto, um P-15 da FAB também acompanhava os movimentos.

Deste dia em diante, foi estabelecida uma escala de patrulha com o propósito de manter sempre um navio próximo dos pesqueiros e outro à distância, podendo intervir quando necessário.

O cruzador Barroso (C11) era uma unidade de respeito numa época em que os mísseis navais ainda estavam em desenvolvimento. Embora seus quinze canhões de 6 polegadas representassem grande ameaça a outras unidades navais, durante a crise de 1963 o navio não dispunha de munição deste calibre. Além disso, ele sofria problemas de propulsão, geração de energia elétrica, racionamento de água potável e entupimento da rede de esgoto – Fonte – https://www.naval.com.br/blog/2016/01/28/a-guerra-da-lagosta-e-suas-licoes/

A Marinha do Brasil envia mais navios

Antes do Paraná detectar o Tartu, o contratorpedeiro Araguari havia partido do Rio de Janeiro na madrugada do dia 27, rumo a Recife. Às 9h45 sofreu uma avaria no leme e um problema nas máquinas na altura de Cabo Frio, Rio de Janeiro, o que só foi resolvido às 14h. O navio chegou a Recife em 1º de março.

O cruzador Barroso partiu do AMRJ no Rio de Janeiro em 28 de fevereiro, após alguns reparos emergenciais, mas não estava preparado para uma missão como a que se impunha. A viagem começou com as caldeiras nº1, 2, 3 e 4 em funcionamento, permitindo 15 nós de velocidade (quase 28 km/h). Porém, a caldeira nº4, que tinha sido emergencialmente reparada no dia 26, apresentou um tubo perfurado e a velocidade foi reduzida para pouco mais de 10 nós (18,5 km/h). Técnicos do AMRJ estavam a bordo para auxiliar no reparo das demais caldeiras, mas ainda assim o navio participou de toda a comissão com apenas três em pleno funcionamento, o mínimo necessário para o navio se “arrastar” sobre o mar.

A situação dos armamentos e munições não era mais animadora. O Barroso não dispunha de munição para seus canhões principais (quinze armas de 6 polegadas, em cinco torres triplas) e, ainda que tivesse, a torre nº3 estava inoperante desde 1958, e as outras duas estavam sem o controle automático. Somente duas das seis diretoras de tiro funcionavam (que realizavam a mira dos canhões) e os canhões de 5 polegadas da bateria secundária estavam sem o controle automático da diretora.

Outro navio da Marinha do Brasil seguindo para a área da crise de 1963 – Fonte – BN

Para completar, outros problemas se acumulavam e tornavam a vida difícil no interior do navio. Um tanque de óleo combustível não era utilizado por apresentar vazamentos, dois tanques de água potável também estavam com furos para o mar, o que obrigou a tripulação a economizar água. O turbo gerador nº4 estava no AMRJ sofrendo reparos, o que reduzia a capacidade de geração de energia elétrica a bordo em 25%. Com todos estes problemas, incluindo o entupimento frequente das redes de esgoto e de combate a incêndio, o Barroso só foi capaz de chegar a Recife em 6 de março, após quase uma semana de viagem!

Na noite de 1º de março, o submarino Riachuelo, em companhia da corveta Imperial Marinheiro, transformada em navio de socorro e salvamento, zarparam para Recife e Natal respectivamente. Embora o Riachuelo estivesse equipado com torpedos Mk.23, nenhum deles possuía cabeça de combate, ou material para detonação. Coube à FTM (Fábrica de Torpedos da Marinha) encher nove cabeças de exercício com trotil (um tipo de explosivo), para que o submarino as recebesse em Recife, e rezar para que as mesmas funcionassem em combate.

Em 1963 a Flotilha de Submarinos resumia-se a dois navios (Humaitá e Riachuelo) empregados como unidades auxiliares de adestramento das unidades de superfície. A Marinha do Brasil não possuía torpedos com cabeça de combate e teve que improvisar durante a crise da lagosta. Mas após o episódio a Flotilha foi completamente remodelada – Fonte – https://www.naval.com.br/blog/2016/01/28/a-guerra-da-lagosta-e-suas-licoes/

Antes mesmo do submarino Riachuelo fazer-se ao mar, o contratorpedeiro Marcílio Dias desatracou do AMRJ, levando uma carga preciosa de torpedos Mk.15 para os navios classe “Pará”. Sua viagem a Recife foi cheia de percalços. No cair da noite de 2 de março teve uma avaria de máquinas, que foi reparada. Em 3 de março, o navio “apagou” e ficou sem propulsão por cinco horas. Reparos de emergência permitiram rumar para Ilhéus a fim de aguardar reboque. O Barroso veio ao seu socorro e decidiu-se aguardar a chegada da corveta Imperial Marinheiro para rebocá-lo.

No dia seguinte, 2 de março, foi a vez do cruzador Tamandaré partir do Rio de Janeiro. Mesmo com as caldeiras nº1, 2 e 4 necessitando de retubulação e as demais com vazamentos, o navio seguiu rumo ao Nordeste. No dia 3, suspenderam os contratorpedeiros Apa e Acre que, juntamente com o Marcílio Dias e o cruzador Tamandaré, constituíram o GT 12.4. Os navios ficaram provisoriamente baseados em Salvador devido ao congestionamento do porto do Recife e ao pequeno calado e a pouca infraestrutura dos portos de Natal e Cabedelo, na Paraíba.

Ponte de comando do contratorpedeiro Greenhalgh – Fonte – AN

Por ordem do EMA, a Força de Minagem e Varredura, composta pelos navios Javari, Juruá, Juruena e Jutaí, também foi deslocada para o Nordeste, chegando a Recife em 1º de março. Os contratorpedeiros de escolta Bertioga e Baependi, então executando pesquisas oceanográficas no Maranhão (Operação Equalant) para a Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN), também foram solicitados para apoiar a Operação Lagosta. Como pode se ver, tudo que flutuasse e atirasse estava se deslocando para o Nordeste.

O Tartu é substituído

A França resolveu enviar o Tartu de forma solitária. Mais cedo ou mais tarde, um navio-tanque teria que abastecê-lo ou outra unidade de combate seria enviada para substituí-lo. Caso o navio-tanque Baise deixasse o grupo do Clemenceau, este e os outros nove navios que o acompanhavam ficariam sem apoio. Sobrava então a opção de substituir o Tartu por outro navio equivalente, mas o substituto surpreendeu os brasileiros e até mesmo muitos franceses: foi enviado o aviso Paul Goffeny, reconhecidamente um navio muito menos capaz em termos militares que o Tartu.

As estações radiogoniométricas passaram a rastrear as emissões eletromagnéticas do Paul Goffeny e descobriu-se que o encontro entre o Tartu e o aviso francês ocorreria em 2 de março. O comandante do GT 12.2 ordenou que o contratorpedeiro Pará se dirigisse ao local provável do encontro. Às 9h15 um avião da FAB comunicou ao Pará que já orbitava sobre os navios franceses e repassou a posição. O contato visual do contratorpedeiro da Marinha do Brasil com os navios franceses, que incluíam seis pesqueiros, ocorreu às 10h34. O Pará passou a acompanhá-los de longe e, às 12h59, o Tartu adotou o rumo 032º, em direção à África. Mesmo assim, o Pará permaneceu na região acompanhando a movimentação dos navios. No dia seguinte foi substituído pelo contratorpedeiro Pernambuco.

Uma mensagem do Tartu para Dakar solicitando o seu reabastecimento foi interceptada, indicando que o mesmo realmente se retirava da área. Para confirmar a informação, os P-15 acompanharam a viagem de retorno do Tartu por um longo tempo.

O contratorpedeiro Acre (D10) sendo reabastecido em alto mar pelo porta aviões Minas Gerais. A situação de alguns navios da classe “A” em 1963 era crítica. À época, a Marinha do Brasil privilegiava a manutenção da classe “Pará”, mais capaz que as classes “A” e “M” construídas no Brasil nas décadas anteriores.

A troca do Tartu pelo Paul Goffeny foi um grande alívio para os brasileiros, indicando que o Governo Francês havia recuado, mas não capitulado. O assunto perdeu destaque na imprensa, diminuindo de interesse para o povo francês. Somente entre os armadores e pescadores de Camaret houve uma revolta contra a atitude de seu governo.

Chegada dos reforços

O contratorpedeiro Marcílio Dias, rebocado pela corveta Imperial Marinheiro, fundeou em Salvador na noite de 5 de março, quando também atracaram em Salvador os contratorpedeiros Acre e Apa. Ambos deveriam receber os torpedos transportados pelo Marcílio Dias e levá-los a Recife, com o propósito de repassá-los aos navios da classe “Pará”.

Após uma longa e tumultuada viagem, o cruzador Tamandaré chegou ao porto de Salvador no dia 7. O cruzador trazia a bordo ferramental necessário para o reparo das caldeiras do Barroso, então atracado em Recife. No entanto, os itens só foram encaminhados para Recife (via aérea) uma semana depois!

Barco de pesca francês fotografado pela FAB – Fonte – BN

Também no dia 7 o Acre e o Apa partiram para Recife com a carga de torpedos. Os dois contratorpedeiros chegaram ao porto de destino no dia seguinte, mas o Apa entrou em emergência. Além de estar com seus geradores elétricos (a diesel) inoperantes, também possuía pouca água de reserva, pois o maquinário utilizado para destilar água salgada não funcionou corretamente. Atracou ao lado do Pernambuco e teve início a transferência dos torpedos.

O complicado e difícil trabalho ocorreu durante a noite e sob o olhar de uma multidão de civis aglomerados numa praça em frente ao cais. Num certo momento, um dos torpedos caiu na água, atrasando a conclusão da operação. Em outro, a válvula de segurança da caldeira do Paraná liberou vapor, com um forte ruído que assustou a “plateia”.

Quadro geral da chamada Guerra da Lagosta – Fonte – https://www.naval.com.br/blog/2016/01/28/a-guerra-da-lagosta-e-suas-licoes/

Enquanto parte dos navios da Marinha na zona de operação sofria reparos de emergência, as unidades do GT 12.2 continuavam monitorando os pesqueiros franceses e o Paul Goffeny.

Ainda em 7 de março um dos seis pesqueiros retirou-se da área. O que parecia ser mais um alívio, transformou-se em tensão quando surgiram notícias desencontradas sobre o navio de guerra Jaureguiberry (da mesma classe do Tartu) estar navegando rumo à costa brasileira. Porém, o navio tomou o rumo de Dakar e, no dia 8, mais um lagosteiro afastou-se do litoral brasileiro.

Prosseguia o revezamento dos navios brasileiros que monitoravam a área: no final da tarde do dia 9 o Araguari rendeu o Pará, que retornou a Recife. Na manhã do dia 10, o Paul Goffeny e os quatro lagosteiros restantes afastaram-se do Atol das Rocas, no rumo de Dakar. A informação foi confirmada por uma aeronave da FAB. Parecia ser o fim de um período de muita tensão.

Marinheiros brasileiros sinalizando opticamente – Fonte – BN

Posteriormente, soube-se que a decisão francesa de deixar a área foi mais econômica do que política. Por ficarem fora da plataforma continental, os navios de pesca ficaram sem pescar por mais de um mês, acarretando grande prejuízo aos armadores.

Difícil Retorno

Na noite de 9 de março o EMA encaminhou ordem ao Comando-em-Chefe da Esquadra (ComenCh) para manter na área apenas um GT composto pelo cruzador Barroso e os contratorpedeiros Pará, Paraná, Greenhalgh e Marcílio Dias. O Baependi e o Bertioga seriam devolvidos à DHN para dar continuidade à Operação Equalant. Os demais navios deveriam retornar ao Rio de Janeiro.

Na manhã de 13 de março, partiram o Pernambuco (como nau capitânia, ou navio de comando da flotilha), o Apa, o Acre e o Araguari. No final da tarde o Acre, com sérios problemas, desincorporou-se do grupo com destino ao porto de Maceió, Alagoas.

E a Lagosta ficou – Fonte – BN

O Tamandaré e o Riachuelo partiram de Salvador e se juntaram ao grupo no final da tarde do dia 14. Na madrugada do dia seguinte, ao sul do Arquipélago de Abrolhos, o Apa apagou – antes de partir para o Nordeste, o navio havia sido retirado com urgência do dique Ceará e o reparo de solda nas costuras da chapa do tanque de reserva não foi bem executado, permitindo a entrada de água do mar. O Pernambuco foi prestar socorro, enquanto o Araguari e o Tamandaré seguiram viagem. A corveta Imperial Marinheiro, que partiu de Natal no dia 13, foi chamada para rebocar o Apa, mas este conseguiu restabelecer a propulsão e rumar para o porto de Vitória, Espirito Santo, antes da chegada da corveta.

No dia 16 de março, já próximo de Cabo Frio, foi a vez do Araguari apagar. O navio ficou sem propulsão por três horas, ao sabor da maré e envolto por denso nevoeiro. O problema foi posteriormente resolvido e o contratorpedeiro seguiu para o AMRJ, onde chegou no início daquela tarde. Naquele mesmo dia partiram do Recife os navios Barroso, Paraná e Pará, constituindo o GT 21.1.

Realmente era uma competição muito desigual entre os pescadores de lagosta da Bretanha e os das praias nordestinas, como esses da praia de Rio do Fogo, Rio Grande do Norte – Fonte – BN

Os últimos navios a deixar o Nordeste foram o Greenhalgh e o Marcílio Dias, que constituíram o GT 12.5, no dia 28 de março. Novamente a viagem teve percalços: ambos aportaram em Salvador no dia 29 por problemas de “água de alimentação”.

Em relação às aeronaves, o destacamento de sete P-16 do 1º GAE foi desmobilizado em 12 de março, permanecendo apenas dois exemplares em Natal. O retorno do último P-16 ocorreu no dia 18. Ao final da mobilização, o grupo realizou um total de quarenta missões, oito delas de caráter noturno, com um total de 254 horas e 20 minutos de voo.

Considerações finais

A Operação Lagosta foi mais um exemplo, dentre vários existentes na história brasileira, de como o Brasil é dependente de suas Forças Armadas para garantir sua soberania e defender os seus interesses. Pode-se, e deve-se, trabalhar com hipóteses de conflitos mais prováveis e enumerar potenciais agressores, mas as Forças Armadas devem sempre estar prontas para o pior e para o improvável, independentemente de como e de onde venha a ameaça. Isto já era uma verdade naquela época. No mundo atual é mais do que a garantia da sobrevivência.

Pesca artesanal de lagosta no Nordeste do Brasil – Fonte – BN

Pode-se dizer que foi um caso esporádico ou mesmo um evento solitário dentro de um amplo histórico de amizade entre Brasil e França, numa situação que dificilmente se repetiria. Para o desencanto dos defensores desta ideia, a situação praticamente se repetiu. No final de 1978, na chamada “Guerra do Camarão”, ambos os países chegaram a posicionar unidades militares nas proximidades do Cabo Orange, junto à fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa. Naquela ocasião a mobilização foi menor e somente o contratorpedeiro Rio Grande do Norte foi deslocado do Rio de Janeiro. No referido evento, quatro pesqueiros de bandeira norte-americana foram metralhados por navios da Marinha do Brasil e posteriormente apreendidos. Um deles, na época denominado Night Hawk, foi incorporado à nossa Armada.

Se a atitude belicosa da França foi uma surpresa, o que dizer da reação do Governo dos Estados Unidos em relação aos contratorpedeiros arrendados à época da Operação Lagosta?

Países aliados, e até mesmo parceiros em acordos de defesa mútua, podem assumir posições, se não neutras, diametralmente contrárias. Foi uma dura lição (e a história está cheia delas) de que não existem países amigos, mas sim países com interesses comuns. Quando estes interesses perdem o sentido ou são suplantados por outros maiores, os países “amigos” afastam-se. A propósito, durante toda a crise nenhum país, formal ou informalmente, apoiou ou sustentou a tese brasileira (da lagosta como recurso econômico de sua plataforma continental).

Quando irrompeu a crise da lagosta o contratorpedeiro de escolta Babitonga (D17) preparava-se para entrar em período de reparos. Dois anos depois ele foi convertido em aviso oceânico e seu armamento antissubmarino foi removido. Na foto, o Babitonga sendo reabastecido pelo porta aviões Minas Gerais – Fonte – https://www.naval.com.br/blog/2016/01/28/a-guerra-da-lagosta-e-suas-licoes/

Aprendeu-se muito com o episódio. A mobilização tempestuosa das unidades mostrou que uma marinha precisa estar devidamente equipada e seus homens perfeitamente adestrados durante o período de paz, para garantir um mínimo de unidades sempre prontas para situações emergenciais. Depender de verbas contingenciadas e ficar no aguardo de promessas de novas alocações orçamentárias, que vagam ao sabor de congressistas desinformados, não é a forma mais correta de se ter uma marinha digna.

Uma avaliação posterior mostrou que a mobilização e o envio de um grande número de navios de combate foram desnecessários. Porém, naquele momento, era difícil saber se a reação francesa ficaria limitada a um contratorpedeiro (depois substituído por um aviso), pois na costa africana havia uma Força-Tarefa tão ou mais poderosa que toda a Marinha do Brasil. Um ponto positivo deve ser bastante destacado: a movimentação dos navios brasileiros mostrou a determinação do Brasil em manter a sua posição e passou a impressão de que todos os meios estavam plenamente operantes e em estado de alerta. Na dúvida, o oponente resolveu não apostar no pior. Esse aspecto positivo não ameniza os problemas levantados. Pelo contrário, os realça. Determinação é fundamental, mas quando combinada a meios realmente efetivos, o resultado é muito melhor.

Pescadores nordestinos de lagosta na época da crise – Fonte – BN

O episódio mostrou também a importância de aeronaves de esclarecimento marítimo com grande raio de ação e dotadas de equipamentos modernos e sofisticados. Melhor ainda teria sido empregá-las (no caso dos P-16A) a partir do porta aviões Minas Gerais. Por um breve período o EMA não teve certeza de quantas e quais unidades estavam a caminho da costa nordestina, e com um grupamento aéreo embarcado seria possível monitorar todos os passos da Força-Tarefa francesa antes mesmo que esta deixasse a costa africana, revelando com antecipação a movimentação, número, tipo de unidades navais e estado de prontidão.

O fato é que, durante a crise, o único porta aviões da nossa Marinha esteve incapaz de navegar e assim permaneceu, atracado ao AMRJ. Possuir navio-aeródromo é uma capacidade para poucas marinhas no mundo, mas contar com apenas uma unidade desse tipo é jogar com a sorte, pois o navio pode não estar disponível quando necessário.

Em relação ao acompanhamento dos navios franceses, merece destaque o excelente trabalho realizado pelas estações ERGAF no monitoramento das emissões eletromagnéticas, de grande utilidade para o serviço de inteligência da Marinha. Utilizando apenas duas estações e uma infraestrutura modesta, o EMA permaneceu atualizado constantemente sobre as trocas de mensagens entre os navios franceses.

Fonte – BN

Relegada praticamente ao papel de uma unidade auxiliar de adestramento, a Flotilha de Submarinos pouco poderia fazer naquela ação.

Eram apenas duas embarcações, com tecnologia da II Guerra Mundial. Além de serem unidades “pré-snorquel” numa era onde já navegavam submarinos nucleares, não possuíam armamento para um engajamento (torpedos com cabeça de combate), pois na nossa Marinha cumpriam mais o papel de ameaças submarinas para exercícios das unidades de superfície. Deve-se ressaltar o louvável esforço da Fábrica de Torpedos da Marinha em encher nove cabeças de exercício com trotil e transformá-las em cabeças de combate.

Depois da Operação Lagosta, a Marinha do Brasil começou a remodelar a Flotilha de Submarinos nos aspectos doutrinário e material. Em maio de 1963, ou seja, alguns meses após os acontecimentos narrados aqui, a designação foi modificada para Força de Submarinos (ForS).

Preparação da lagosta após sua captura – Fonte – BN

Naquele mesmo ano foi criada a Escola de Submarinos e outras duas unidades de versão um pouco aperfeiçoada, provenientes dos Estados Unidos (Bahia e Rio Grande do Sul) foram incorporadas. Ambos ajudaram no adestramento das tripulações, numa época em que a Marinha do Brasil passou a estudar a aquisição de um tipo de submarino moderno. Foi quando surgiram os primeiros estudos que depois definiram a aquisição de três submarinos novos, de origem britânica, da classe “Oberon” (aprovados no Programa de Construção Naval de 1968).

Um caso histórico como este, obviamente, merece uma reflexão mais profunda. Porém, o episódio é um bom exemplo da importância de manter em boas condições as Forças Armadas, em especial a Marinha. Não se improvisa uma esquadra do dia para a noite. Construir uma marinha efetiva custa dinheiro e leva tempo, mas é fundamental para países como o Brasil, cujas interações com as demais nações do mundo, das mais modestas às mais poderosas, se dão predominantemente pelo mar.

Fontes consultadas e recomendações de leitura:

SILVA, Oscar Moreira da. A Guerra da Lagosta vista por um tenente 40 anos após. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v.124, n. 1-3, p. 97-107, jan-mar. 2004.

BRAGA, Cláudio da Costa. A Guerra da Lagosta. Rio de Janeiro: SDM, 2004.

BECKER, Laércio. O P-16 Tracker e a Aviação Embarcada. Rio de Janeiro: INCAER, 2009.

LESSA, Antonio Carlos. “É o Brasil um país sério? A história da mais longeva anedota da política exterior do Brasil”. In: MARTINS, Estevão Chaves de Rezende (org) Relações Internacionais: visão do Brasil e da América Latina. Brasília: IBRI, 2003. p. 187 – 222.

LESSA, Antonio Carlos. A Parceria Bloqueada. As relações entre França e Brasil 1945-2000. Tese de Doutorado. Brasília, Universidade de Brasília, 2000.

O RÁDIO FAROL DA PRAIA DA LIMPA

Antenas e estruturas do Rádio Farol da Limpa, atualmente na área do 17° GAC – Arquivo Nacional.

Antes da Segunda Guerra a Marinha do Brasil Construiu em Natal uma Moderna Estação de Rádio Comunicação e Navegação. Um Investimento Que Apontava a Importância Estratégica da Capital Potiguar. E o Que Restou Desse Local??

Rostand Medeiros – IHGRN

Nos primeiros tempos da aviação, um grande problema para os pilotos que buscavam cruzar os oceanos era a questão do direcionamento sobre imensas massas d’água. Qualquer erro de localização e navegação aérea resultaria na queda da aeronave sem combustível no meio do mar.

Para sanar esse problema, a incipiente indústria aeronáutica criou sistemas que utilizavam a recepção de ondas de rádio, com a finalidade de determinar a direção através da localização de uma estação de transmissão instalada em uma posição geográfica fixa e conhecida. As aeronaves passaram a utilizar antenas de rádio direcional que determinavam a localização dessas estações e essas, por sua vez, transmitiam sinais em Código Morse com o prefixo designador do local. Esse sistema era chamado radiogoniometria.

Entre o final da década de 1920 e 1930, sabemos que a Marinha do Brasil possuía uma estação de radiotelegrafia na região de Refóles. Essa estação atuou, por exemplo, no contato com o navio cargueiro inglês Phidias em 1927, para que a sua tripulação informasse se haviam visualizado o hidroavião português Argos, que se dirigia para Natal. Já no carioca Jornal da Manhã, edição de 02 de novembro de 1928, na página 11, encontramos a inauguração na região do bairro de Petrópolis de uma estação de rádio de ondas curtas, de propriedade do Telegrapho Nacional. Havia outra estação ligada à empresa exportadora de algodão S.A. Wharton Pedroza, mas desconhecemos a natureza de suas operações.

Essas estações radiotelegráficas tiveram papel importante na radiocomunicação potiguar, mas, como Natal se tornou um importante centro de movimentação aérea, era natural a criação de uma estação radiogoniométrica de localização e direcionamento aeronáutico. O local escolhido foi próximo ao estuário do Rio Potengi, e da Fortaleza do Reis Magos, em uma área de dunas elevadas, não muito distante das margens do rio, em um setor conhecido como Praia da Limpa. Ali próximo ficavam as bases de hidroaviões do Sindicato Condor e PANAIR[1].

O Rádio Farol da Limpa visto do Rio Potengi.

O projeto foi levado adiante pela Diretoria-Geral de Navegação da Marinha do Brasil, cujos técnicos chegaram a Natal em 06 de julho de 1936. Com recursos oriundos do Ministério da Fazenda, a estação foi erguida sob as ordens do Capitão de fragata Guilherme Bastos Pereira das Neves, que trouxe do Rio de Janeiro vários profissionais especializados para construir aquilo que ficou conhecido em Natal como Rádio Farol da Limpa.

Esses homens trabalharam principalmente para erguer duas torres de 62 metros de altura cada uma, afastadas uma da outra por 100 metros, sendo pintadas de vermelho e branco e possuindo no topo iluminação para evitar colisão com aeronaves. Já a aparelhagem instalada para emitir os sinais era toda alemã, da empresa Telefunken Gesellschaft für drahtlose Telegraphie mbH, que transmita sinais de rádio em código Morse, na frequência de 1.050 metros.

O prefixo que partia de Natal era P.X.N., sendo transmitido a cada cinco minutos, que podia se “escutado desde a África”. Além do aparelho de radiogoniômetro, havia, no Rádio Farol da Limpa, um aparelho de rádio com grande alcance, que podia fazer “transmissão e recepção por telegrafia e telephonia”. Existia igualmente no local uma estação de rádio de ondas curtas “com capacidade de 100 volts” e um gerador elétrico à gasolina.

Mesmo existindo rede elétrica no local, a colocação desse gerador servia para que a estação não deixasse de transmitir em nenhum momento. No local foram erguidas quatro construções: duas casas para os radiotelegrafistas, uma casa para os equipamentos de rádio e a última que servia para abrigar o gerador e como depósito.

No dia 27 de janeiro de 1937, uma quarta-feira, aconteceu a inauguração como Rádio Farol da Limpa.

Segundo reportagem publicada no jornal A República, um dia após a solenidade, na sua página 10, aquela estrutura era a terceira do gênero construída no país, sendo a primeira edificada na praia do farol de São Tomé, em Campo dos Goytacazes, Rio de Janeiro, e a segunda na Barra do Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Na inauguração esteve presente o então Governador Rafael Fernandes e vários políticos potiguares. Fernandes foi convidado pelo Capitão Pereira Neves a ligar os aparelhos e realizar a primeira transmissão.

O Governador Rafael Fernandes e o Capitão de fragata Guilherme Bastos Pereira das Neves, na inauguração do Rádio Farol da Limpa.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o Rádio Farol da Limpa aparentemente continuou a funcionar, pois, no dia 04 de julho de 1944, recebeu a visita de Dom Marcolino Dantas, então Bispo de Natal, e do Vigário Capitular de Mossoró Júlio Bezerra. No local, as autoridades eclesiásticas foram recebidas por Antônio José Caldas, Primeiro sargento da Marinha, potiguar da cidade de Portalegre.[2]

Em 2019, por solicitação do Ministério Público Federal do Rio Grande do Norte, estive visitando esse local, que atualmente, se encontra na área interna do 17º Grupamento de Artilharia de Campanha.

Casas do antigo Rádio Farol da Limpa, na área do atual 17° GAC.

Nesse aquartelamento do Exército Brasileiro contamos com todo apoio do seu comandante, o Tenente-coronel Haryan Gonçalves Dias, bem como do Capitão Renato Esteves Costa, que nos acompanhou na visita ao local.

Mesmo não mais existindo as antigas torres de comunicação, ali encontramos todas as casas construídas em 1936 ainda muito bem preservadas, com poucas alterações nas estruturas e sendo utilizadas como moradia por militares e seus familiares.

NOTAS

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[1] Atualmente, esse local é ocupado pelas dependências do 17º Grupamento de Artilharia de Campanha, do Iate Clube de Natal, do Comando do Terceiro Distrito Naval e pelo prédio histórico da Rampa. Já a toponímia Praia da Limpa, hoje, é conhecida apenas pelos moradores mais idosos dos bairros das Rocas e Santos Reis e pelos historiadores.

[2] Ver A Ordem, Natal, 04 de julho de 1944, pág. 6.

QUANDO OS PODEROSOS BOMBARDEIROS B-29 PASSARAM POR NATAL

Grupo de nove bombardeiros B-29 em Parnamirim Field em 1944. Provavelmente Natal foi o único local da América do sul a receber esse tipo de aeronave.

Sem dúvida, a aeronave mais revolucionária e cara produzida durante a Segunda Guerra Mundial foi o Boeing B-29. Vários foram os motivos pelos quais os B-29 passaram por Natal, no Nordeste do Brasil, para atacar o distante Japão.

Autor: Rostand Medeiros = https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

– Agradecimentos especiais ao meu amigo João Baptista Rosa Filho pela ajuda no fornecimento de informações adicionais para este artigo.

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Em 1942, nunca houve qualquer dúvida entre as mais altas autoridades políticas e militares dos Estados Unidos de que o Império Japonês, a nação inimiga que realizou o ataque a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941, tinha de ser bombardeado implacavelmente. Esta situação sempre foi vista como natural; no entanto, os métodos utilizados para alcançá-lo têm sido questionados [1].

Não faltaram modelos de bombardeiros pesados produzidos nos EUA. O problema era que, naquele momento, a Alemanha nazista e os territórios ocupados por aquela nação também precisavam ser derrotados. No caso do Japão, o seu centro político e económico estava localizado muito mais longe do alcance dos bombardeiros Boeing B-17 Flying Fortress e Consolidated B-24 Liberator.

Mas em 21 de setembro de 1942, os Estados Unidos, grande potência industrial, apresentaram uma solução para o caso. Naquele dia, o protótipo XB-29 decolou da cidade de Seattle, no noroeste dos Estados Unidos.

Fábrica da Boeing, em Wichita, Kansas e a planta de fabricação dos B-29.

Logo, a grande aeronave quadrimotora foi chamada de B-29 Superfortress. Era o maior bombardeiro que o mundo já tinha visto naquela época. O seu tamanho e sofisticação, na verdade a arrogância da sua própria criação, permaneceram como monumentos à riqueza e engenhosidade americana. Cada avião custa mais de meio milhão de dólares, o que é cinco vezes o preço de um bombardeiro quadrimotor britânico Avro Lancaster. O projeto B-29 foi considerado o mais caro de toda a Segunda Guerra Mundial, custando aproximadamente três bilhões de dólares

A construção de cada aeronave quadrimotor exigiu aproximadamente 12.250 kg de chapa de alumínio (27.000 libras), mais de 454 kg de cobre (1.000 libras), 600.000 rebites, 15.290 metros de fiação (9,5 milhas) e 3.218 metros de tubulação. (2 milhas). A aeronave foi o primeiro bombardeiro pressurizado do mundo, equipado com uma tripulação de doze homens e tinha um raio operacional impressionante de 5.500 km (3.250 milhas). Muito mais do que os aproximadamente 3.300 km (2.050 milhas) que o B-17 e o B-24 poderiam percorrer [2]. Possuía uma forte bateria de armamento defensivo, composta por doze metralhadoras calibre 12,7 mm em torres remotas, além de um canhão de 20 mm na cauda e controle central de fogo. Um B-29 totalmente carregado pesava mais de sessenta toneladas [3].

A Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (USAAF) exigia que a nova aeronave tivesse velocidade superior a 550 km/h, por isso o B-29 foi fabricado com uma asa altamente alongada e montada centralmente na seção circular da fuselagem [4]. A aeronave era equipada com quatro motores Wright R-3350 Duplex Cyclone, avaliados em 2.200 a 3.700 hp (1.640 a 2.760 kW), dependendo do modelo [5]. Era movido a gasolina de 100 octanas e possuía dois turbocompressores para cada motor, com o objetivo de melhorar o desempenho do bombardeiro em grandes altitudes [6].

À medida que o projeto B-29 avançava, qualquer pessoa que visitasse o Dugway Proving Ground, localizado a cerca de 145 quilômetros a sudoeste de Salt Lake City, no estado de Utah, no oeste dos EUA, ficaria surpresa ao descobrir uma autêntica vila japonesa.

O local contava com duas dezenas de casas de madeira fielmente reproduzidas, cada uma decorada com os tradicionais tatames (tapetes de palha espalhados pelo chão). Em 1943, esta comunidade abandonada foi destruída pela primeira vez por bombardeiros, demonstrando a facilidade e o impacto devastador da destruição que mais tarde seria experimentado pelas cidades do Japão. As casas desta comunidade foram construídas com materiais frágeis, o que as tornou particularmente vulneráveis.[7]

Na mesma época, o pessoal aéreo identificou oito alvos industriais prioritários no Japão, na Manchúria (China) e na Coreia. Um estudo de outubro de 1943 observou que apenas vinte cidades japonesas abrigavam 22% de toda a população do país. Posteriormente foi identificado que se apenas 30% desses locais fossem destruídos, 20% da produção japonesa seria perdida, e o número de vítimas poderia chegar a 560 mil pessoas em um curto período de tempo [8].

Os americanos tinham os seus objetivos, mas o extenso desenvolvimento necessário para o B-29 atrasou a sua entrada em serviço até meados de 1943. Concluído o projeto, quatro fábricas de montagem principais foram construídas por três empresas distintas, amplamente dispersas por todo o país. [9].

Para conseguir esse feito, existia o maior projeto de subcontratação do mundo naquela época. Uma vasta rede foi estabelecida para fornecer materiais, equipamentos e programas de treinamento civil e militar [10].

O Boeing B-29 Superfortress poderia realmente ser considerado uma aeronave excepcional. Nenhum outro grande modelo de caça da Segunda Guerra Mundial, independentemente do tamanho, teve um intervalo tão curto entre o seu primeiro voo e a sua primeira aparição em território inimigo: apenas 20 meses [11].

Mas antes disso alguém teria de deixar aqueles aviões o mais perto possível do Japão. Mas por onde?

Uma Mentira no Caminho da Guerra

Em 1º de junho de 1943, a 58ª Ala de Bombardeio (58º BW) foi criada e ativada na cidade de Marietta, Geórgia. Uma grande unidade que abrigava cinco grupos de bombardeio era o Grupo de Bombardeio ou BG. Essas cinco unidades eram o 40º Grupo de Bombardeio, 444º Grupo de Bombardeio, 462º Grupo de Bombardeio, 468º Grupo de Bombardeio e 472º Grupo de Bombardeio, que tinham bases de treinamento principalmente na região do Kansas. Por sua vez, cada um desses grupos de bombardeio contava com três esquadrões, com uma alocação média de 20 a 30 aeronaves B-29 por esquadrão.

Mais tarde, foram estabelecidas Alas de Bombardeio (BW) adicionais, cada uma com seu Grupo de Bombardeio (BG) correspondente. A ideia inicial era colocar todas essas máquinas e seus operadores na área do teatro de guerra conhecida como CBI, ou China-Birmânia-Índia, a que os americanos se referiam. Para organizar esta força crescente, o XX Comando de Bombardeiros foi criado em 28 de março de 1944. Estabeleceu-se na cidade de Kharagpur, na Índia, e foi liderado pelo Major General Kenneth B. Wolfe. Os B-29 utilizaram campos de aviação pré-existentes em Chakulia, Piardoba, Dudkhundi e na própria Kharagpur. Todas essas bases estavam localizadas em Bengala do Sul e próximas às instalações portuárias de Calcutá. As bases B-29 na China estavam localizadas em quatro locais na área de Chengdu, especificamente em Kwanghan, Kuinglai, Hsinching e Pengshan[14].

Mapa que mostra a área de atuação das B-29 para atacar o Japão a partir de bases chineses

A ofensiva do B-29 contra o Japão foi chamada de Operação Matterhorn. Esta operação envolveu o planeamento das rotas de envio dos B-29 para a Índia e a China, bem como a determinação da utilização de bases de apoio nestes dois países e a seleção dos alvos a serem atacados no Japão [15].

Enquanto o B-29 e a sua estrutura de apoio e comando eram criados, os Chefes de Estado-Maior decidiram não enviar esta aeronave para combate na Europa. Para o alto comando, a utilização do B-29 contra a Alemanha privaria os Estados Unidos do elemento surpresa contra o Japão [16].

Americanos e ingleses apreciando uma B-29 na Inglaterra.

Para corroborar esse plano, no início de março de 1944, um B-29 com número de série 41-36963, um dos primeiros a ser construído, partiu de Salina, no Kansas, e voou para a Flórida. Decolou à noite sob ordens secretas. Inicialmente, voou durante uma hora sobre o Oceano Atlântico em direção ao sul. Em seguida, o piloto mudou de rumo e voou para o norte até Gander Lake, localizado na ilha de Newfoundland, onde pousou na Base Aérea de Gander, Royal Canadian Air Force (RCAF Station Gander) [17]. De lá, o “963” voou sem escalas para uma base no Reino Unido. A ideia era que pessoal técnico e tático das Forças Aéreas do Exército dos Estados Unidos na Europa avaliasse a máquina. Nas duas semanas seguintes, mil cidadãos, indivíduos com papéis cruciais na guerra, inspecionaram o B-29 “963” em duas bases aéreas. Na realidade, tudo isto foi uma farsa – uma tentativa de enganar a inteligência alemã fazendo-a acreditar que o B-29 estaria estacionado no Reino Unido e teria como alvo o império de Hitler [18].

O primeiro B-29 a chegar à Índia foi pilotado pelo Coronel Leonard “Jake” Harmon, comandante do 58º Bomb Wing, que decolou da Base Smoky Hill, no Kansas, em 26 de março de 1944. Este B-29, com o número de série 42-6331, chegou a Chakulia, leste da Índia, sete dias depois e foi entregue ao 40º Grupo de Bombardeio.

O primeiro B-29 a chegar a Índia.

O autor deste texto imaginou então que o primeiro B-29 utilizaria a rota que passava por Natal, atravessava o Atlântico Sul e rumava para leste. Mas parece que a rota por Natal não foi utilizada nas etapas iniciais desta operação.

De acordo com o escritor americano Robert A. Mann, autor do livro “B-29 Superfortress-Chronology-1934-1960”, onze B-29 deixaram a Base Aérea de Pratt, no Kansas, desde 1º de abril de 1944. Eles então pousaram em Presque. Base insular, no estado do Maine, na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá, de onde seguiram para Newfoundland e desembarcaram na base de Gander.[19] Depois de reabastecer e preparar suas tripulações, os B-29 voaram através do Oceano Atlântico até a Estação 10 da USAAF no Aeroporto de Menara, na ensolarada Marrakech, Marrocos. A viagem continuou com um desembarque no Cairo, no Egito, para finalmente fazer a última etapa até Chakulia, na Índia.

Outras aeronaves continuaram a utilizar esta rota, mas não demorou muito para que um B-29, número 42-6350, pertencente ao 462º Grupo de Bombardeio, sofresse um acidente em Marraquexe. Não houve vítimas, mas houve perda total do avião [20].

O B-29 que iluminou a véspera de Natal e seu sobrevivente

Talvez pelo desgaste das tripulações devido à longa travessia do Atlântico, ou das máquinas, ou do tempo de voo, ou das condições meteorológicas, em algum momento os B-29 começaram a sair do Kansas com destino a Natal.

Não encontrei nenhuma informação adicional que indicasse o início exato desta passagem, a rota correta utilizada ou a quantidade de aviões presentes. Mas através do relatório do médico militar George A. Johannessen, entregue em 23 de agosto de 2007 a pesquisadores da Rutgers School of Arts and Sciences, da Rutgers University, em New Brunswick, New Jersey, Estados Unidos, temos a informação de que “o primeiro Os B-29 vieram para o Natal.” Dr. Johannessen se perguntou: “Por que eles viriam no Natal?” [21]

Ficha do 1º Tenente Austin J. Peek, piloto da B-29 que caiu em Natal em 10 de agosto de 1944.

Essa pergunta do Dr. Johannessen é ainda mais surpreendente, considerando que no mesmo relatório ele afirma que Natal era a principal rota dos aviões que partiam dos Estados Unidos. Além disso, durante o inverno, serviu de rota aérea para os aviões da Oitava Força Aérea, sediada na Inglaterra. Ele também comentou que no início do conflito passaram por Natal aviões com destino à África Ocidental, Sicília, Itália, China, Birmânia (atual Mianmar) e Índia.

Foto creditada como sendo do 1º Tenente Austin J. Peek,.

O médico informou que os B-29 não pousaram em Belém e seguiam diretamente para Natal. Ele simplesmente não comentou de onde eles vieram. E se esses aviões pousassem em Miami ou fizessem escala na Base Aérea de Waller, na ilha de Trinidad (atual Trinidad e Tobago)? Devo-lhe!

Mas continuaram chegando em Natal, única cidade da América do Sul que recebeu os B-29 a caminho do Japão, o código que Natal recebeu como destino foi UJAW – UNIFORM, JULIET, ALFA, WHISKIE. Sem dúvida um código criado para aparecer na documentação e ser utilizado via rádio [22].

O copiloto 2º Tenente Willard R. Heintzelman, no seu casamento.

Em 10 de agosto de 1944, um B-29 caiu após decolar do Campo de Parnamirim. Novamente, através da história do Dr. Johannessen, temos alguns detalhes deste terrível acidente em que houve apenas um sobrevivente.

O que sabemos sobre esta aeronave é que se tratava de um modelo Boeing B-29-30-BW Superfortress, número 42-24482. Foi entregue à USAAF em 24 de maio de 1944, na fábrica da Boeing em Wichita, Kansas [23]. A tripulação era composta por dez pessoas. Eles eram o 1º Ten Austin J. Peek, piloto, 2º Ten Willard R. Heintzelman; co-piloto, 2º Ten John F. O’Neill; navegador, 2º Ten Leroy Judson; bombardeiro, 2º Ten Dale E. Shillinger; engenheiro. Of Flight, o terceiro sargento. Harold R. Brown era o operador de rádio, o sargento Kurt F. Seeler serviu como operador de radar, o cabo Anthony A. Cobbino foi o artilheiro do lado esquerdo, o cabo Walter Roy Newcomb foi o artilheiro do lado direito e o cabo David C. Prendiz serviu como o artilheiro de cauda.

O 2º Tenente Willard R. Heintzelman em traje de voo contra o frio.

Segundo o Dr. Johannessen, o acidente ocorreu por volta das dez horas da noite de quinta-feira, 10 de agosto. O B-29 decolou para cruzar o Atlântico, mas infelizmente o avião caiu a aproximadamente 5,5 quilômetros da pista do campo de Parnamirim, a poucos quilômetros da praia de Ponta Negra. Quando este B-29 se preparava para atravessar o oceano, a sua queda causou uma enorme explosão, alimentada pelos quase 31.000 litros de combustível de 100 octanas que transportava. Dr. Johannessen testemunhou este evento e afirmou que “todo o céu se iluminou” [24].

Segundo o médico, o navegador John F. O’Neill de alguma forma conseguiu sair do avião e pousou em alguns arbustos, resultando em um pequeno ferimento no dedo mínimo. Em seu relatório, o Dr. Johannessen não comentou o uso de pára-quedas pelo navegador.

Cabo David C. Prendiz, artilheiro de cauda da B-29 sinistrada.

Mesmo sem ter todos os dados disponíveis, ao discutir o caso por telefone com nosso amigo João Baptista Rosa Filho, conhecido como J. B. Rosa Filho acredita que o acidente da aeronave ocorreu devido a um incêndio em um dos motores do B-29. Isso pode explicar por que o B-29 perdeu potência e caiu.

Esse nosso amigo é da linda cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Atua no setor de aviação civil há 33 anos e é piloto privado. Foi piloto de testes da empresa gaúcha Aeromot Aeronaves e Motores, trabalhou como mecânico na extinta companhia aérea Varig e também escreve livros sobre a Segunda Guerra Mundial. Para este profissional experiente e experiente, o que aconteceu no B-29 deve ter sido extremamente grave e repentino, pois apenas deu ao navegador O’Neill tempo suficiente para se salvar.

Esquema mostrando as posições dos tripulantes de uma B-29.

J. B. Rosa Filho acredita que o piloto Austin J. Peek e o copiloto Willard R. Heintzelman tentaram recuperar o controle da aeronave para fazer um pouso de emergência ou estabelecer uma altitude adequada para que todos saltassem de paraquedas com segurança. Mas o avião provavelmente afundou rapidamente, já que apenas o navegador, O’Neill, conseguiu se salvar. O amigo não tem dúvidas de que este sobrevivente usou pára-quedas porque as velocidades mais baixas de um B-29, sem perda de sustentação, eram em torno de 150 km/h. O impacto de uma pessoa contra alguns arbustos naquela velocidade certamente não seria significativo o suficiente. Isso não afeta apenas o dedo mínimo.

A saída bem-sucedida do navegador do avião pode ser atribuída à sua posição sentada na cabine dianteira. Sua estação de trabalho estava localizada logo atrás do piloto, proporcionando-lhe uma visão para a parte traseira do avião e para a esquerda, além de acesso a uma escotilha de evacuação.

Configurações de escape de uma B-29.

Seguindo as instruções de nosso amigo J. B. Rosa Filho, possivelmente John F. O’Neill, notou que um dos motores estava pegando fogo e percebeu que o B-29 estava em perigo. Depois, independentemente de ter recebido ordem para fazê-lo, ele desamarrou o cinto de segurança, abriu a porta e entrou rapidamente no corredor para salvar sua vida. O Grande Arquiteto do Universo completou o quadro para facilitar seu salto, disponibilizando algumas mangabeiras no local de seu pouso [25].

Mesmo com a ajuda inestimável de um experiente profissional da aviação, como J. B. Rosa Filho, é claro, tudo que escrevo sobre esse acidente é especulativo. Mas o certo é que naquela noite, em meio aos céus de Natal, John F. O’Neill foi um homem de muita sorte!

B-29 em Chamas.

Sabemos que houve relatos de muitas pessoas em Natal que observaram um forte clarão no céu durante a noite. Mas vale destacar que houve outros casos de acidentes e destruição de aeronaves na região do campo de Parnamirim.

Paulo Pinheiro de Viveiros comentou em seu livro “História da Aviação no Rio Grande do Norte” que “Toda a cidade ficou surpresa quando, às 21h do dia 6 de fevereiro de 1942, um grande clarão vermelho iluminou repentinamente o céu, partindo da zona sul , perto do Atlântico” [26].

Acidente da B-17 em Parnamirim Field em 1942.

A aeronave em questão era um B-17, que, assim como o B-29 em agosto de 1944, caiu logo após a decolagem. Era um B-17E, numerado 41-2482. O avião estava totalmente carregado com gasolina e foi completamente destruído. Nove tripulantes morreram e todos foram sepultados no cemitério do Alecrim.

Desaparecimento no Atlântico

Exatamente um mês e oito dias após o acidente, outro B-29 foi perdido. Ele saiu de Natal e simplesmente desapareceu no Oceano Atlântico.

A aeronave era um Martin-Omaha B-29-1-MO Superfortress, numerado 42-65203, construído sob licença pela Glenn L. Martin Company de Omaha, Nebraska, e entregue à USAAF em 2 de junho de 1944. Partiu de chegou aos Estados Unidos em 24 de agosto de 1944 e desapareceu em 18 de setembro. O avião seguia para o aeroporto de Accra, capital da então colônia britânica da Costa do Ouro (atual República de Gana), na África Ocidental, após decolar de Natal.

Documento oficial da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (MACR 8525), sobre o desaparecimento da B-29 que decolou de Natal em setembro de 1944.

Segundo o relatório oficial, este B-29 caiu no mar a 2.250 quilômetros (1.400 milhas) de Natal, e toda a tripulação de dez homens desapareceu. Eles eram o primeiro tenente Hugh T. Roberts, piloto; 2º Ten John T. Kirby, co-piloto; 2º Ten LaVerne Bebermeyer, navegador; 2º Ten Paul Clyde Oberg, engenheiro de voo; 2º Ten Roxy D. Menta, bombardeiro; Segundo Tenente David Maas, Operador Central de Controle de Incêndios – CFC; Sargento Conrad I. Bruflat, artilheiro; Cabo James Husser, artilheiro esquerdo; Cabo James Woodie Day Jr., operador de rádio; e cabo John G. Giannios, artilheiro direito.

Ao examinar o documento que faz referência a este desastre (MACR 8525), descobri as seguintes informações sobre as condições meteorológicas naquele dia e naquela área específica. “As nuvens cumulus são normalmente dispersas ou quebradas, com seus picos a 8.000 pés. Os ventos em nível de vôo variam entre 50° e 100°, com velocidades variando de 14 a 25 nós, e uma média de 16 nós.”

B-29 na água e seus tripulantes em botes salva-vidas.

Recorrerei mais uma vez à experiência do meu amigo J. B. Rosa Filho que me informou que as condições climáticas apresentadas não seriam problemáticas para um avião como o B-29 tentar um pouso na água. O avião media 30,18 metros de comprimento, 43,05 metros de envergadura, 8,46 metros de altura e tinha área de asa de 161,3 metros quadrados.

O amigo João Baptista Rosa Filho, que muito ajudou na elaboração desse artigo, com os seus conhecimentos sobre aviação, fruto de 33 anos de bons trabalhos nessa área.

Existem vários relatos e fotografias que mostram aeronaves B-29 que caíram no mar, mas permaneceram parcialmente flutuando, permitindo às suas tripulações um tempo valioso para escapar em botes salva-vidas. Mas para que isso acontecesse, os pilotos teriam que pousar com sucesso o grande avião na água, sem tombar, e garantir que a integridade da aeronave fosse mantida. Porém, J. B. Rosa Filho lembra que pousar na água exige certo nível de experiência e treinamento por parte da tripulação. No caso do B-29 com número de série 42-65203, não está claro se o conhecimento do piloto e do copiloto poderia ter ajudado nesta situação.

2º Tenente LaVerne Bebermeyer, navegador da B-29 que desapareceu no mar.

No caso desta aeronave, é altamente provável que tenha sofrido uma falha mecânica grave enquanto estava no ar, resultando em danos tão extensos que não houve oportunidade de tomar qualquer ação. Outra ideia é que a tripulação cometeu um erro ao submergir a máquina na água.

Além disso, as autoridades americanas dispunham de informações tão limitadas sobre este acidente que aparentemente não estavam reunidas as condições para uma operação de busca e salvamento. Se essas buscas ocorreram por acaso, não há um único comentário, muito menos uma vírgula, indicando seu início e fim, ou seus resultados.

2º Tenente Paul Clyde Oberg, engenheiro de voo.

Embora outros relatórios do tipo MACR apresentem uma enorme quantidade de informações sobre aeronaves danificadas ou desaparecidas, o caso do B-29 42-65203 é uma exceção. Não se sabe se houve algum contato de rádio, pedido de socorro ou se algum barco ou avião na área relatou ter visto coletes salva-vidas, peças de aeronaves ou corpos. Absolutamente nada!

Cabo James Husser, artilheiro esquerdo da B-29.

Este B-29 pertencia ao 462º Grupo de Bombardeio (BG), e seus dez tripulantes foram declarados mortos em 27 de outubro de 1948.

Problemas

Pode parecer que estes dois acidentes relatados indiquem que a rota através do Oceano Atlântico para a Índia e a China representava problemas para as aeronaves B-29. Mas enquanto pesquisava este tópico, descobri que a utilização das rotas de transporte já estabelecidas para o Leste por estes aviões foi altamente bem sucedida.

Em seu livro “B-29 Superfortress-Chronology-1934-1960”, Robert A. Mann destaca que ocorreram apenas sete acidentes na rota dos Estados Unidos para a Índia entre 2 de abril (a chegada do primeiro B-29 na Índia) e 18 de setembro de 1944 (quando o B-29 29 que saía de Natal desapareceu no Atlântico). Nada menos que 163 destes bombardeiros pesados conseguiram pousar com segurança em solo indiano.[28]

Trabalho de abastecimento de uma B-29.

Nesta lista informativa, o autor indica o número de aeronaves envolvidas, os esquadrões a que pertenciam e ainda o nome que as tripulações deram a essas aeronaves [29]. Infelizmente, o autor não comentou as rotas seguidas por esses B-29. No entanto, eles relataram que durante este período, houve vários problemas quando essas aeronaves estavam estacionadas na Índia ou utilizando bases na China para atacar o Japão. O autor observa que nesse período, 52 aeronaves B-29 foram perdidas ou gravemente danificadas, resultando em diversas mortes.

Ao contrário dos bombardeiros pesados americanos que operavam na Europa, cujas bases estavam localizadas na Grã-Bretanha e na Itália e, portanto, próximas do território inimigo, os B-29 baseados na Índia e na China estavam mais distantes do Japão. Além disso, os bombardeiros na Europa tinham uma infra-estrutura de apoio mais organizada e unida. No Oriente, a situação era muito mais complicada. Um exemplo: vários B-29 foram convertidos em aviões de transporte porque, para lançar ataques ao Japão a partir de bases chinesas, os americanos tinham de transportar combustível, bombas e outros fornecimentos necessários da Índia. As despesas foram astronômicas.

Chineses nivelando uma das pistas de pouso e decolagem dos B-29.

Na China, os B-29 voaram a partir de quatro bases recém-criadas, construídas por milhares de trabalhadores chineses que montaram tudo manualmente. As pistas de decolagem foram construídas com brita e transportadas com o mínimo de maquinário. O nivelamento dos trilhos foi feito com enormes rolos de pedra, puxados por vários homens e mulheres. Infelizmente, centenas de trabalhadores chineses perderam a vida em acidentes durante este processo. Eram locais onde as estruturas dificultavam a manutenção, decolagens e pousos das aeronaves. A acrescentar a este desafio está o facto de as rotas aéreas que ligam a Índia e a China passarem sobre as montanhas do Himalaia, que são as mais altas do mundo e frequentemente enfrentam condições climáticas severas.[30]

Max Hastings observa em “Retribution: The Battle for Japan, 1944-45” que o transporte aéreo para Kunming, a capital e maior cidade da província de Yunnan, no norte da China, foi considerada uma das missões mais perigosas e impopulares da Segunda Guerra Mundial. Esta missão resultou em uma perda cumulativa de 450 aeronaves. A eficiência e o moral da tripulação eram notoriamente baixos. Os aviadores que sobreviveram a acidentes de avião tiveram de enfrentar algumas das regiões mais remotas e indomadas do mundo, habitadas por povos indígenas que ocasionalmente poupavam as suas vidas, mas sempre confiscavam os seus pertences.

Hastings acredita que os ataques iniciais do B-29 no Leste foram uma “farsa”. Segundo ele, a maior ameaça à sobrevivência das tripulações não eram os caças e canhões antiaéreos inimigos, mas os próprios aviões. Como disse um comandante, seu B-29 tinha “tantos insetos quanto o departamento de entomologia do Smithsonian Institution em Washington”. A hidráulica, a eletricidade, as torres de metralhadoras e canhões, e especialmente as usinas de energia, foram consideradas altamente não confiáveis.

Motor Curtis Wright R-3350 preservado em um museu nos Estados Unidos.

Os quatro motores Curtis Wright R-3350 eram “o pesadelo de um mecânico”. Devido a uma tendência alarmante de superaquecimento dos cilindros traseiros, em parte causada pela folga mínima entre os defletores dos cilindros e a carenagem, os motores estavam sempre propensos a pegar fogo durante o vôo. Descobriu-se também que esses motores têm uma tendência adicional de ingerir suas próprias válvulas. Além disso, as partes de magnésio foram queimadas e derretidas.

Um dos motores da famosa Cabine da B-29 “Enola Gay”, que em 6 de agosto de 1945 lançou uma bomba atômica sobre a cidade japonesa de Hiroshima. Foto realizada nos Estados Unidos pelo amigo Ricardo Argm, de Recife.

Devido ao alto teor de magnésio na liga do cárter, podem ocorrer incêndios no motor, às vezes queimando a uma temperatura de aproximadamente 3.100°C (5.600°F). Os motores permaneceram temperamentais, e os problemas de superaquecimento, que não foram totalmente resolvidos, eram muitas vezes tão graves que a longarina principal poderia queimar em questão de segundos, levando a uma falha catastrófica da asa.

O piloto Jack Caldwell registrou que “o avião sempre parecia estar tensionando cada rebite a mais de 25.000 pés”. Somando-se a todos os problemas dos B-29 estavam a inexperiência e as deficiências de suas tripulações. A USAAF reconheceu que os desafios no treinamento de tripulações para pilotar este “navio de guerra dos céus” eram monumentais.

Foto do ataque a Yawata.

E as missões tornaram-se difíceis. Em 19 de agosto de 1944, 71 aeronaves B-29 foram preparadas para bombardear a usina siderúrgica de Yawata, na ilha de Kyushu, no Japão. 61 aviões voaram durante o dia e 10 voaram durante a noite. Cinco B-29 foram destruídos pela ação inimiga, dois caíram antes ou durante a decolagem e mais oito foram perdidos devido a falhas técnicas. Apenas 112 toneladas de bombas foram entregues, resultando na perda de 7,5 milhões de dólares em aeronaves e suas valiosas tripulações.[32]

A B-29 Enola Gay, fotografada nos Estados Unidos pelo amigo Ricardo Argm, de Recife.

Este esforço monumental permitiu aos B-29 lançar ataques ao Japão a partir de fora da China, embora com riscos significativos e resultados mínimos. A USAAF ficou incomodada com a enorme quantidade de publicidade positiva dada aos novos bombardeiros gigantes nos Estados Unidos, pois cativou a imaginação do público. Os comandantes sabiam quão pouco os aviões estavam realmente realizando.[33]

Mais Próximo Para o Final

Embora as rotas através do Oceano Atlântico, fosse através de Natal ou da Terra Nova, fossem seguras, as distâncias do Kansas à Índia eram enormes: entre 16.000 e 17.000 quilómetros. A isto somaram-se as perigosas rotas aéreas entre a Índia e a China, com as montanhas do Himalaia no meio, além dos perigos de enfrentar extremistas japoneses no seu país. O custo foi extremamente elevado em termos de combustível, aeronaves e, mais importante, vidas humanas. Logo, o comando americano ordenou que os famosos “fuzileiros navais” desembarcassem nas ilhas de Saipan, Guam e Tinian entre junho e julho de 1944. Essas ilhas faziam parte do grupo conhecido como Marianas.

Várias B-29 em uma base aérea nas Ilhas Marianas.

A um custo de mais de 5.400 fuzileiros navais mortos e 18.000 feridos, os americanos capturaram com sucesso estas ilhas estrategicamente importantes e rapidamente começaram a construção de pistas de pouso para B-29.

A distância do Kansas às Ilhas Marianas é de 11.300 quilômetros, enquanto a distância de Tinian, por exemplo, ao Japão é de aproximadamente 2.400 quilômetros. Grandes fundações foram lançadas e uma estrutura completa foi estabelecida.

Cabine da B-29 Enola Gay, fotografada nos Estados Unidos pelo amigo Ricardo Argm, de Recife.

Com isso, os americanos não precisaram mais enviar seus poderosos bombardeiros para lutar através do Oceano Atlântico. Eles deixaram a Califórnia, sobrevoaram o vasto Oceano Pacífico e alcançaram as novas bases através das ilhas havaianas.[34]

Outras bases foram logo construídas em ilhas recém-conquistadas, como Iwo Jima. Os ataques ao Japão tornaram-se uma ocorrência diária, com centenas de B-29 envolvidos. Essas aeronaves foram constantemente aprimoradas, seus defeitos foram corrigidos e utilizadas de forma mais eficaz.

Em agosto de 1945, os B-29 devastaram as forças armadas, as instalações navais e a indústria do Japão. Embora o país carecesse de recursos militares significativos, os americanos realizaram os polêmicos ataques com bombas atômicas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki. O B-29 que lançou a bomba de Hiroshima, denominado “Enola Gay”, partiu de Tinian [35].

NOTAS————————————————————————————————————————————————————–


[1] Ver Hastings, Max. Retribution: The Battle for Japan, 1944-45, Alfred A. Knopf, New York, 2008, Pág. 333.

[2] Ver Hastings, Max. Retribution: The Battle for Japan, 1944-45 Alfred A. Knopf. New York, 2008, Pág. 333 e 334.

[3] Haulman, Daniel L. Hitting Home – The Air Offensive Against Japan, Air Force History and Museums Program, 1999, pág. 6.

[4] http://delprado.com.br/blog/2012/05/22/b-29-superfortress/

[5] Bowers, Peter M.  Warbird Tech Series – B-29 Superfortress. Speciality Press Publishers and Wholesalers, Minnesota, 1999. Pág. 14.

[6] Haulman, Daniel L. Hitting Home – The Air Offensive Against Japan, Air Force History and Museums Program, 1999, pág. 7.

[7] Além da vila japonesa, os militares americanos reproduziram fielmente uma vila alemã. Durante a Segunda Guerra Mundial os dois locais foram bombardeados pelo menos 27 vezes e reconstruídas a fim de testar o uso de artefatos bélicos incendiários contra cidades populosas. Ver The Asia-Pacific Journal-Japan Focus, de 15 de abril de 2018, Volume 16, Edição 8, Número 3, Artigo ID 5136. Disponível em  https://apjjf.org/2018/08/Plung.html

[8] Hastings, Max. Retribution: The Battle for Japan, 1944-45 Alfred A. Knopf. New York, 2008, Pág. 333.

[9] Duas fábricas eram operadas pela Boeing, sendo uma na cidade de Renton, estado de Washington, e outra em Wichita, estado do Kansas. Havia uma fábrica controlada pela empresa Bell, na cidade de Marietta, estado da Geórgia e uma planta da empresa de Martin na cidade de Omaha, capital do estado de Nebraska. Ver Bowers, Peter M. Boeing B-29 Superfortress . Stillwater, Minnesota: Voyageur Press, 1999. Págs. 319 e 322.

[10] Bowers, Peter M.  Warbird Tech Series – B-29 Superfortress. Speciality Press Publishers and Wholesalers, Minnesota, 1999. Pág. 100.

[11] Bowers, Peter M.  Warbird Tech Series – B-29 Superfortress. Speciality Press Publishers and Wholesalers, Minnesota, 1999. Pág. 4.

[12] Haulman, Daniel L. Hitting Home – The Air Offensive Against Japan, Air Force History and Museums Program, 1999, pág. 9.

[13] Ver https://www.456fis.org/HISTORY_OF_THE_B-29.htm

[14] Ver https://www.456fis.org/HISTORY_OF_THE_B-29.htm

[15] Graham, Simmons M.  B-29 Superfortress – Giant bomber of Wolrd War Two and Korea, Pen & Sword Aviation, Barnsley, South Yorkshire, England. Pags 97 e 98.

[16] Haulman, Daniel L. Hitting Home – The Air Offensive Against Japan, Air Force History and Museums Program, 1999, pág. 7. E Pace, Steve. Boeing B-29 Superfortress The Crowood Prees, Berkshire, England, 2003. Pág. 94.

[17] Para os canadenses a base de Gander tem o mesmo aspecto histórico que Natal possui para os brasileiros, como um local situado em um proveitoso ponto estratégico, que na Segunda Guerra Mundial serviu a aviação Aliada, onde foram construídas imensas instalações para receber milhares de profissionais e suas aeronaves de transporte e patrulha contra submarinos. Os canadenses de Newfoundland afirmam que Gander foi “O maior aeroporto do mundo na Segunda Guerra”. Sobre a RCAF Station Gander ver  https://www.heritage.nf.ca/articles/politics/gander-base.php

[18] Graham, Simmons M.  B-29 Superfortress – Giant bomber of Wolrd War Two and Korea, Pen & Sword Aviation, Barnsley, South Yorkshire, England. Pags 84 a 86.

[19] Mann, Robert A, B-29 Superfortress-Cronology-1934-1960, McFarland & Company, Inc., Publishers, Jefferson, North Carolina, and London.  Pág. 31.

[20] Sobre esse acidente ver https://aviation-safety.net/wikibase/98390

[21] O Dr. Johannessen era natural de Seattle, Washington, e nasceu em 10 de Janeiro de 1919. Durante a Segunda Guerra Mundial ele serviu como oficial do Corpo de Administração Médica do Exército dos Estados Unidos (US Army) em vários hospitais nos Estados Unidos e na região do Atlântico Sul, incluindo hospitais de Belém e em Natal. Em seu rico relato comentou que tratou até de prisioneiros alemães que foram trazidos ao seu hospital, capturados pelo afundamento de algum submarino. Ver https://oralhistory.rutgers.edu/interviewees/1011-johannessen-george-a

[22] Mann, Robert A, B-29 Superfortress-Cronology-1934-1960, McFarland & Company, Inc., Publishers, Jefferson, North Carolina, and London. Pág. 15.

[23] Mais detalhe sobre o acidente ver https://aviation-safety.net/wikibase/98432

[24] Não sabemos se esse avião acidentado em Natal estava com toda sua capacidade de combustível, mas sabemos que o combustível nos B-29 eram transportados em quatorze tanques de asa externa, oito de asa interna e quatro tanques na área de bombardeio, dando uma capacidade máxima de quase 31.000 litros, ou 8.168 galões americanos. Uma modificação adicionou quatro tanques na seção central da asa, elevando a capacidade total de combustível para quase 36.000 litros, ou 9.438 galões americanos. Ver https://www.456fis.org/HISTORY_OF_THE_B-29.htm

[25] O relato do médico militar Dr. George A. Johannessen não garante que o sobrevivente da queda do B-29 em 10 de agosto de 1944 era o navegador John F. O’Neill. Mas no site https://pt.findagrave.com/memorial/52036385/walter-roy-newcomb existe a confirmação dessa informação.

[26] Viveiros, Paulo P. História da Aviação no Rio Grande do Norte, Editora Universitária, Natal-RN, Brasil, 1974. Págs. 158 e 159.

[27] Mias sobre esse acidente ver – https://aviation-safety.net/wikibase/98447 e https://www.newspapers.com/clip/6331827/2nd-lt-laverne-bebermeyer-still/

[28] Mann, Robert A, B-29 Superfortress-Cronology-1934-1960, McFarland & Company, Inc., Publishers, Jefferson, North Carolina, and London.  Págs. 32 a 34. O primeiro desses acidentes foi em Marrakesh (anteriormente comentado no texto), o segundo foi com o avião B-29 número 42-6249, aconteceu em 18 de abril, em Payne Field, Cairo, Egito, devido a uma tempestade de areia e não houve mortos. Os três outros acidentes ocorreram todos em 21 de abril, na região de Karachi, Paquistão, por problemas de motor e consequências de uma tempestade de areia. Os envolvidos foram os aviões B-29 números 42-6345, 42-6369 e 42-63357. Nesse último acidente houve cinco mortos. Mais detalhes sobre alguns desses acidentes ver https://aviation-safety.net/wikibase/98393 e https://pt.findagrave.com/memorial/90940187/christopher-d-montagno

[29]  Mann, Robert A, B-29 Superfortress-Cronology-1934-1960, McFarland & Company, Inc., Publishers, Jefferson, North Carolina, and London.  Págs. 31 a 37.

[30] Ver https://warfarehistorynetwork.com/2016/09/07/operation-matterhorn/

[31] Ver https://www.fighter-planes.com/info/b29.htm

[32] Hastings, Max. Retribution: The Battle for Japan, 1944-45 Alfred A. Knopf. New York, 2008, Pág. 334.

[33] Hastings, Max. Retribution: The Battle for Japan, 1944-45 Alfred A. Knopf. New York, 2008, Pág. 335.

[34] Pace, Steve. Boeing B-29 Superfortress The Crowood Prees, Berkshire, England, 2003. Pág 88.

[35] Pace, Steve. Boeing B-29 Superfortress The Crowood Prees, Berkshire, England, 2003. Págs 97 a 102.

SEGUNDA GUERRA EM NATAL – O DEPÓSITO DA ADP DA RUA CHILE

Rostand Medeiros – IHGRN

Parte Integrante do livro Lugares de Memória – Edificações e Estruturas Históricas em Natal Durante a Segunda Guerra Mundial, páginas 73 a 75.

Sobre esse depósito, Lenine Pinto assegura que o local original era ao lado do Centro Náutico Potengy, tradicional clube de remo localizado na Rua Chile. Para esse autor, o prédio seria como um “ship Chandler”, um local da Airport Development Program (ADP), especializado em fornecimento de suprimentos para os navios da Marinha dos Estados Unidos.

Ali, segundo Lenine, eram estocados grandes carregamentos de suprimentos, acondicionados em caixas, fardos e outras embalagens. Quando esse material estragava, pelo menos para o padrão dos norte-americanos, era jogado no Rio Potengi. Aí um funcionário brasileiro do local só colocava esses produtos no rio com a maré vazante, onde o material flutuava até a comunidade do Canto do Mangue. Pessoalmente, já ouvi alguns depoimentos de pessoas que recolheram no Rio Potengi várias latas de manteiga de ótima qualidade.

Lenine comentou, por meio do relato de Rui Garcia, que ao final do conflito o que sobrou nesse depósito e em outros “três grandes depósitos de comestíveis” que os americanos possuíam em Parnamirim, foi vendido para o Exército Brasileiro[1].

Durante a realização desta pesquisa, em contato com outros pesquisadores do tema, surgiram dúvidas se o depósito nesse endereço teria sido realmente utilizado para esse fim. Ou teria sido em outro local?

A dúvida surgiu por esse ser um depósito que possui pequenas dimensões na atualidade e que, aparentemente, não teria condições de ser um local de armazenamento da ADP. Vale lembrar que essa era a empresa que desenvolvia a gigantesca obra da Base de Parnamirim.

Foto antiga do Porto de Natal.

Seria, então, esse local de maiores dimensões, ou ele sofreu alterações?

Segundo relatos de trabalhadores e administradores de empresas na região, quando estivemos visitando o prédio em 2014, aparentemente a resposta é não!

Pudemos perceber na época dessa visita que a edificação apresentava poucas alterações mais radicais.

Outra dúvida estava nas proximidades.

Não muito distante do endereço da Rua Chile, número 44, existe um local conhecido naquele setor com “Frigorífico” e pertencente à Companhia Docas do Rio Grande do Norte (CODERN). Pela sua grande dimensão, antes de ter sido utilizado para conservação de gêneros alimentícios, ali poderia ser esse o antigo depósito da ADP?

Atendendo a um pedido nosso, o Ministério Público Federal do Rio Grande do Norte solicitou informações sobre o caso ao Almirante Elis Treidler Öberg, atual Diretor-Presidente da CODERN. Esse, por sua vez, encaminhou um texto do jornalista Aproniano César Fagundes Trindade, pesquisador da história do Porto de Natal desde 1972 e fundador de um museu que guarda a história do nosso porto. Nesse texto Trindade informou ter sido o local idealizado como frigorífico durante a Segunda Guerra e destinado ao abastecimento das tropas aqui sediadas. Mas sua construção só se iniciou em 1948 e foram concluídas em 1951. Isso descartou a utilização do “Frigorífico” como o antigo depósito da ADP, pois os norte-americanos deixaram definitivamente Natal em 1947.

Nesse sentido, sem maiores opções e mesmo com as dimensões reduzidas, deixamos valendo a informação de Lenine Pinto, que aponta ter sido o prédio da Rua Chile, 44, o antigo depósito da ADP.

Sobre a utilização do Porto de Natal durante a Segunda Guerra Mundial, soubemos, por intermédio do trabalho do jornalista Aproniano César Fagundes Trindade, que nosso porto podia receber navios de até 27 pés de calado. Petroleiros, destroieres e cruzadores penetravam nesse porto sem nenhuma dificuldade. Após a Guerra, o porto começou a entrar em crise, sendo uma das causas o fato do canal de acesso não ter sido mais dragado por anos e, por isso, muita areia acumulou-se no seu leito.

Essa situação agravou o problema dos transportes marítimos em Natal. No início de dezembro de 1950, devido à impossibilidade de acesso à barra de navios de calado superior a 20 pés, Rui Moreira Paiva, então agente da Companhia Nacional de Navegação Costeira, comunicou à imprensa local que os navios de passageiros daquela empresa não aportariam mais em Natal.

Quem da capital potiguar quisesse viajar para as capitais do norte e sul do país teria que embarcar em Recife ou Fortaleza.

Obviamente essa situação acarretou sérios prejuízos para a economia potiguar, pois reduziu as exportações dos nossos produtos e encareceu a importação das mercadorias[2].

NOTAS


[1] PINTO, Lenine. Natal, USA. 2. Ed – Natal-RN: Edição do autor, 1995. Páginas 81 e 82.

[2] SMITH JUNIOR, Clyde – Trampolim Para a Vitória. 1. Ed. – Natal-RN: Ed. Universitária, 1993, Páginas 15 a 27.

1910 – A MISTERIOSA NOITE DOS HOLOFOTES EM NATAL

Quando a Pequena e Provinciana Natal Foi Iluminada Por Poderosas Luzes Desconhecidas – Causou Medo e Preocupação no Povo – As Portas da Igreja de Bom Jesus foram Arrombadas Para as Pessoas Rezarem por Proteção  – O Fenômeno Foi Testemunhado Por Câmara Cascudo – Diferente do Que se Pensou na época, Não Foi o Encouraçado Minas Gerais Que Iluminou a Capital Potiguar

Rostand Medeiros – IHGRN

Estamos na capital potiguar em uma quarta-feira, dia 29 de março do ano de 1910, então uma bucólica cidade com pouco mais de 27.000 habitantes, que naqueles dias acordava em meio a muito frio para a sua realidade, com temperaturas que variavam entre 22 e 23 graus por volta das sete da manhã[1].

Além disso, de manhãzinha bateu um vento sudoeste e caiu uma chuva e ao longo do dia as temperaturas máximas nem sequer chegaram aos 29 graus[2]. Com a forte precipitação do dia anterior, onde foram testemunhados trovões e relâmpagos sobre a cidade, o pluviômetro marcou mais de 100 m.m. de chuvas em Natal[3].  

Pela manhã cedo era comum nessa antiga Natal que as pessoas seguissem para o Mercado Público na Avenida Rio Branco, o principal entreposto de vendas de alimentos. Outros locais procurados sempre pela manhã o povo natalense seguiam para orar, ascender velas, participar de missas nas igrejas de Nossa Senhora da Apresentação, do Galo, a de Nossa Senhora do Rosário, ou de Bom Jesus. Sendo as três primeiras localizadas na Cidade Alta e a última na Ribeira.

Próximo da estação da Great Western.

Nessa cidade calma e tranquila, em meio a um tempo frio e talvez bem nublado, o dia 29 de março de 1910 foi avançando e logo a noite foi chegando. 

Bom, quem estiver lendo esse texto deve imaginar que nessa noite em Natal os lampiões da Empresa de Iluminação a Gás Acetileno estariam acesos em seus postes de ferro, com os bicos de gás com potência de iluminação de apenas “15 velas”, clareando basicamente o bairro da Ribeira. Mas isso não ocorreu naquela data. Teria havido algum problema na iluminação?

Um dos lampiões de gás acetileno, que iluminavam a Rua do Comércio, atual Rua Chile, onde vivia em 1910 a família de Luís da Câmara Cascudo.

Recorremos então a Luís Câmara Cascudo para descobrir em seu livro História da Cidade do Natal, que essa iluminação ficava apagada três dias antes e três dias depois da fase em que a lua estava cheia[4]. E naquele mês de março de 1910, conforme está na primeira página do jornal A República de 26 de março, a lua cheia estava marcada para o dia 27.

Para completar a situação, na Natal de 29 de março de 1910 não existia luz elétrica nas residências. Em um mundo sem rádio, televisão, computador, aparelhos celulares, internet e outras maravilhas modernas que utilizam a energia elétrica para seu funcionamento, grande parte da população dormia bem cedo.

Feixes de Luzes Misteriosos e o Pânico em Natal

Rua Dr. Barata, na Ribeira.

Pesquisando os jornais da época vi que o jantar era servido normalmente às seis da noite e depois o que havia para fazer era se reunir com os parentes em casa, ler algo a luz de um candeeiro a base de querosene, ou simplesmente pegar uma cadeira, um tamborete e sentar nas calçadas com os vizinhos e conversar.

Mas naqueles dias a temperatura estava fria, de vez em quando chovia, e, mesmo com a pequena capital potiguar iluminada pela luz natural da lua, acredito que às nove da noite desse dia muita gente já estava em casa, se preparando para ir para cama. É possível que por volta das nove da noite a “Guarda Nocturna” já se encontrasse nas ruas com seus apitos e cassetetes realizando suas patrulhas, para uma ronda que se apresentava sem maiores alterações.

Foi quando repentinamente e de forma surpreendente, o céu foi iluminado por feixes de uma luz clara, branca, radiante e muito forte.

Luís da Câmara Cascudo, então com apenas 11 anos de idade, rememorou aquela noite inesquecível quase 32 anos depois na sua coluna “Acta Diurna”, no jornal natalense A República. Ele então morava com seus pais na Rua do Comércio (atual Rua Chile), no número 44. Eles viviam em uma casa com a parte posterior voltada para o Rio Potengi, onde certamente o jovem e sua mãe viram os feixes de luzes “cortarem os céus em súbitos safanões luminosos”, conforme descreveu em 1942.

Justino Cascudo, sua esposa e seu filho Luís.

Do seu local de visualização Cascudo comentou que as luzes iluminaram o mangue do outro lado do rio, as águas tranquilas do Potengi, coqueiros, dunas e chegavam até o Refolés, onde atualmente se encontra a Base Naval de Natal. Do seu ponto de observação Cascudo viu os feixes se elevarem no firmamento, onde depois escreveu que “Cruzavam-se, confundindo no espaço como num duelo dantesco de enormes serpentes vestidas de relâmpagos”.

Texto publicado por Luís da Câmara Cascudo no jornal natalense A República no dia 6 de fevereiro de 1942, em sua coluna “Acta Diurna”, onde detalhou o caso dos holofotes em Natal.

O pai de Cascudo, o comerciante Francisco Justiniano da Oliveira Cascudo, colocou o filho para rezar em alto e bom som um “Salve Rainha” e que fosse dito “sem errar”. Mas não foi apenas na casa da família Cascudo que a reza, embalada pelo medo do desconhecido, ecoou com força e fé. Cascudo informou que nas casas vizinhas na Rua do Comércio dava para ouvir as ladainhas dos desesperados em busca de proteção divina. Até uma das portas da Igreja do Bom Jesus das Dores da Ribeira foi arrombada (“voou em pedaços”, segundo Cascudo), para os fiéis adentrarem o templo e pedirem a salvação dos céus.

Igreja de Bom Jesus, no bairro da Ribeira.

Horas depois, certamente após tomar conhecimento com outras pessoas na cidade sobre aqueles feixes de luz, o coronel Cascudo explicou ao filho o que acreditava ser aquele fenômeno e a calma voltou na casa às margens do rio Potengi e também na cidade.

As luzes vistas no dia 29 de março repercutiram bastante, pois dois dias depois o jornal A República trazia na sua primeira página a nota que reproduzimos abaixo e que acredito ter sido a explicação aceita sem contestação sobre o estranho caso.

Não demorou e um interessante artigo assinado por Hernani Fontes apontou como a passagem do Minas Gerais por Natal chamou atenção da comunidade e era o motivo de conversas das “pessoas gradas” da comunidade[5].

Logo o medo do povo natalense se tornou coisa do passado e surgiu certo encantamento, pela capital potiguar ter sido a “Primeira cidade brasileira iluminada pelos potentes holofotes do encouraçado Minas Gerais”, considerado então o mais poderoso navio de guerra a singrar os sete mares.

Mas NÃO foi essa nave de guerra que realizou esse procedimento diante de Natal, pois na noite de 29 de março de 1910 o encouraçado Minas Gerais não se encontrava na costa brasileira!

O Encouraçado Minas Gerais e Como ele Veio Navegou Para o Brasil?

As obras de construção desse grande navio se iniciaram em abril de 1907, no estaleiro W. G. Armstrong Whitworth & Co Ltd, na cidade deNewcastle-on-Tyne, ou simplesmente Newcastle, no norte da Inglaterra.

Era uma nave verdadeiramente espetacular para seu tempo. Possuía doze canhões com calibre de 305 mm, uma verdadeira bateria de ferro e fogo. Para nível de comparação, o famoso o encouraçado russo Potemkin, muito ligado a Revolução Russa de 1917, tinha apenas quatro canhões desse mesmo calibre. Além desse armamento superpesado, o Minas Gerais tinha nos seus costados quatorze canhões de 120 mm e couraças de proteção que variavam de oito a nove polegadas de espessura e confeccionados pela empresa Krupp. O Minas Gerais e seu irmão gêmeo, o São Paulo, poderiam alcançar uma velocidade máxima de 21 nós (39 km / h) e as tripulações desses navios podiam chegar a 106 oficiais e 887 marujos. A nave deslocava quase 20.000 toneladas, sendo lançada nas águas em setembro do ano seguinte e comissionado em abril de 1910.

Batimento da quilha do encouraçado Minas Gerais.

No final de 1910, segundo o jornal The Times de Londres, em sua edição de 3 de março de 1911 (pág. 7) a Inglaterra tinha doze encouraçados e o resto das grandes potências mundiais outros treze, dos quais cinco pertenciam à Alemanha e quatro aos Estados Unidos. Mas naquele momento o Brasil tinha dois dos mais recentes e maiores poderosos encouraçados navegando e prontos para entrar em ação[6]. E na Inglaterra estava sendo construído um terceiro encouraçado, o gigantesco Rio de Janeiro[7].

O Minas Gerais descendo para água.

E qual a razão do Brasil, uma grande nação repleta de recursos naturais, mas muito pobre e quase sem indústrias, drenou milhares de libras esterlinas para os ingleses construírem aqueles três colossos dos mares?

Na virada do século XX, a Marinha do Brasil era inferior às rivais argentinas e chilenas em qualidade e tonelagem total. Em 1904, o legislativo brasileiro votou pela alocação de uma quantia significativa de recursos para resolver esse desequilíbrio naval. Os proponentes dessa estratégia acreditavam que uma marinha forte ajudaria a tornar o país uma potência internacional. Esses navios de guerra, os mais poderosos do mundo, entrariam em serviço em uma época em que os encouraçados estavam rapidamente se tornando uma medida de prestígio internacional. Eles, portanto, chamaram a atenção global para o que era percebido como um país recém-ascendente.

O Minas, como os marujos simplificavam o nome do encouraçado, era comandado pelo veterano capitão de mar e guerra João Batista das Neves, um oficial com mais de trinta anos na Marinha de Guerra. Ele tivera um papel de destaque na conhecida Revolta da Armada de 1893, comandando o cruzador Andrada. Neves assumiu o comando desde a saída do encouraçado dos estaleiros de Newcastle-on-Tyne, no dia 4 de fevereiro de 1910.

O Minas Gerais já completamente pronto.

Mas o navio brasileiro não seguiu direto para o Brasil. Primeiramente rumou para os Estados Unidos, para o porto de Norfolk, no estado da Virgínia. Antes atracou no porto de Plymouth, sudoeste da Inglaterra, onde desembarcou alguns marinheiros que estavam doentes. Partiu no dia 8. Pouco mais de 24 horas depois o navio brasileiro se viu diante de um fortíssimo temporal e seu comandante decidiu seguir para a ilha de São Miguel, nos Açores, aonde chegou em 15 de fevereiro. Nessa ilha o Minas recebeu carvão e zarpou no dia 21 para os Estados Unidos[8].

O Minas Gerais, em uma pintura do inglês Charles L. De Lacy.

Chegaram na costa americana no dia 2 de março, mas só puderam entra no canal de Hampton Roads dois dias depois devido a um pesado nevoeiro. Antes de atracar no porto de Norfolk, o encouraçado seguiu para um local chamado Old Point Confort, defronte ao Fort Monroe, uma das maiores fortificações militares americanas na época. Nesse local o Minas Gerais disparou uma salva de 21 tiros de canhão em saudação a nação anfitriã. O navio brasileiro foi então saudado pela guarnição do forte e do encouraçado USS Lousiana.

USS North Carolina

Depois de treze dias o Minas Gerais se juntou ao cruzador blindado USS North Carolina, da Marinha dos Estados Unidos (US Navy), e seguirem para o Rio de Janeiro. A missão do North Carolina era transportar o corpo de Joaquim Nabuco, então embaixador do Brasil nos Estados Unidos e falecido em janeiro de 1910. Os dois navios zarparam às dez e meia da manhã de 17 de março.

Na sequência os dois navios realizaram no dia 22 de março uma parada para abastecimento de carvão na ilha de Barbados, no Caribe, então uma colônia britânica. No outro dia as duas naves seguiram em direção ao Brasil[9].

Salva dos poderosos canhões do Minas Gerais.

E é aí onde começa o mistério da noite em que Natal foi iluminada por holofotes.

Quem Iluminou Natal?

Os primeiros brasileiros que comunicaram terem visualizado a dupla Minas Gerais e North Carolina, foi o pessoal do farol de Salinas, atualmente Salinópolis, no Pará. O caso ocorreu na tarde de 31 de março de 1910, quase dois dias depois do caso de Natal ter sido misteriosamente iluminada por luzes que aparentemente eram de holofotes[10].

É certo que esses navios passaram por Natal no começo da manhã do dia 4 de abril, onde provavelmente não foram vistos por ninguém. Sabemos disso porque nessa mesma data, às duas da tarde, eles passaram diante do porto de Recife, onde diminuíram a marcha, emitiram sinais de luz e foram vistos por muitas pessoas[11]. Dependendo da condição do mar, um navio que siga entre Natal e Recife a 21 nós de velocidade, leva cerca de sete a oito horas de navegação[12].

Se não foi nem o Minas Gerais e nem o North Carolina, quem então iluminou Natal?

Sabemos que não era incomum nessa época, anterior a criação do radar, que navios utilizassem seus holofotes. Evidentemente que a quantidade desses aparelhos por navio dependia da sua utilização, no caso do Minas Gerais, uma nave de guerra, haviam nove holofotes de 90 centímetros de diâmetros, que tinha um alcance de até seis minhas náuticas, ou cerca de onze quilômetros.

O uso desse tipo de aparelho de iluminação marítimo estava condicionado a situações variadas. Desde necessidade de navegação segura, localização de obstáculos, transmissão de sinais, busca de náufragos no mar e muito mais.

Holofotes de 90 cm em uma nave inglesa durante a Primeira Guerra Mundial, iguais aos utilizados no encouraçado Minas Gerais.

Então seria errado algum navio ligar seu farol para tentar entrar no porto de Natal e assim evitar bater nas rochas que durante séculos atrapalharam a entrada de naves no rio Potengi? Teoricamente não!

Inclusive nessa época já existia na Fortaleza dos Reis Magos um farol de sinalização que orientava os navegantes a ultrapassar a barra do rio e chegar ao porto. Mas em 1910 o procedimento normal era esses barcos entrarem no nosso porto com o apoio de um prático de navios durante o dia. Esse é tipo de profissional até hoje, mesmo com todos os avanços tecnológicos, conhece os detalhes e obstáculos de um determinado corpo de água e trabalham orientando navios a adentrarem e atracarem com segurança nos portos de todo mundo.

Uso de holofotes na Marinha do Canadá, na década de 1910.

Percebemos que um barco que utilizasse de maneira indiscriminada holofotes de alta potência e longo alcance sobre uma cidade, sem adentrar o seu porto (o que justificaria o uso dos holofotes), assustando toda uma população, não sei se é considerado algum tipo de crime. Mas certamente não é uma situação normal, pois não conheço outro caso.

Pelos dias posteriores a 29 de março de 1910, as notícias sobre o encouraçado Minas Gerais que circularam no jornal natalense A República, o principal da cidade, focaram basicamente na sua chegada ao Rio de Janeiro, então Capital Federal. Comentaram principalmente sobre a retumbante festa que aconteceu no porto da cidade, onde não faltaram manifestações patrióticas e nacionalistas. Em tempo – Afora as notícias publicadas em A República, nenhum outro jornal, ou qualquer documento oficial, trouxe novas informações sobre a passagem do encouraçado Minas Gerais diante da capital potiguar e sobre a utilização de holofotes iluminando a cidade.

Não tenho meios para dizer o que foi que iluminou Natal e assustou sua população em 29 de março de 1910.

O mistério permanece!

NOTAS————————————————————————————————————————————————————–


[1] Sobre a população de Natal na época e outros dados ver Cascudo, C. História da Cidade do Natal, 3ª ed., Natal-RN, Edição IHGRN, 1999, página 95.

[2] Nesse tempo em Natal existia uma estação pluviométrica e suas medições eram publicadas diariamente na primeira página do jornal A República, o principal jornal do Rio Grande do Norte na época. Chama atenção as temperaturas bem mais amenas que nos dias atuais.

[3] Como ocorre até hoje em uma região afetada pelas secas, a boa notícia naqueles dias frios era que no interior do Rio Grande do Norte as chuvas caiam em todo sertão e os rios Assú, Mossoró, Ceará-Mirim e Potengi estavam com grande volume de água. Como naquela época o algodão, o gado e outros produtos agropastoris eram os motores da fraca economia potiguar, aquelas chuvas eram ótimas notícias depois de dois anos de seca.

[4] Ver Cascudo, C. História da Cidade do Natal, 3ª ed., Natal-RN, Edição IHGRN, 1999, página 301.

[5] Ver jornal A República, Natal-RN, ed. 18/03/1910, pág. 1. Não consegui encontrar nenhuma informação sobre quem era Hernani Fontes, mas seu artigo é muito interessante e aponta com antecedência o que ocorreu na Revolta da Chibata.

[6] Pesquisadores e jornalistas do ramo de defesa nacional apontam que durante um curto período após seu lançamento e incorporação na Marinha do Brasil o encouraçado Minas Gerais, assim como seu irmão São Paulo, realmente foram os navios de guerra mais poderosos em termos de armamentos no mundo. Ver o canal https://www.youtube.com/watch?v=4tMAxMwob70

[7] Em razão de falta de dinheiro, decorrente de uma da muitas crises econômicas que atingiram o Brasil em sua História, o encouraçado Rio de Janeiro foi vendido para o Império Otomano, atual Turquia, em outubro de 1913 e rebatizado Sultân Osmân-ı Evvel. Com o início da Primeira Guerra Mundial o navio foi assumido pelos ingleses e denominado HMS Agincourt. Ver http://www.dreadnoughtproject.org/tfs/index.php/H.M.S._Agincourt_(1913)

[8] As quase 20.000 toneladas de deslocamento permitiam ao Minas Gerais enfrentar a maioria dos temporais marítimos,  mas a tripulação a bordo estava reduzida a 836 homens e, na avaliação do comandante João Batista das Neves, estes se encontravam “bastante fatigados”. Por isso a necessidade dav parada nos Açores. Ver jornal A Imprensa, Rio de Janeiro-RJ, 17/04/1910, págs. 3 e 4.

[9] É possível conhecer todos os detalhes da viagem do encouraçado Minas Gerais para o Brasil em 1910 em uma grande reportagem publicada nos jornal A Imprensa, Rio de Janeiro-RJ, 17/04/1910, págs. 3 e 4.

[10] Ver notas sobre essa visualização nos jornais  A Imprensa, Rio de Janeiro-RJ, 17/04/1910, págs. 3 e 4. E A Província, Recife-PE, 02/04/1910, pág. 1. O farol do município de Salinas foi construído em 1852, reformado em 1916 e continua em funcionamento até nossos dias. Sobre esse farol ver – https://pt.wikipedia.org/wiki/Farol_de_Salin%C3%B3polis. Sobre o município de Salinópolis ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Salin%C3%B3polis.

[11] Ver Jornal de Recife, Recife-PE, 05/04/1910, pág. 1.

[12] Sobre a distância marítima entre Natal e Recife e o tempo de navegação, ver www.geografos.com.br

1939 – A INTERESSANTE PALESTRA DE JUVENAL LAMARTINE SOBRE O ENVOLVIMENTO DE NATAL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Juvenal Lamartine

Rostand Medeiros – IHGRN

Na noite de 4 de fevereiro de 1939, sete meses antes do início da Segunda Guerra Mundial, o ex-governador potiguar Juvenal Lamartine de Faria proferiu uma interessante palestra no Rotary Club de Natal. Ali Juvenal comentou com os presentes sobre sua antiga ligação com a aviação, anteviu o início da Guerra, apontou como em sua opinião seria o envolvimento da capital potiguar no grave conflito, clamava a atenção das autoridades para o que poderia acontecer e apontou as ações que os militares dos Estados Unidos executariam para a sua defesa.

Essa palestra foi integralmente apresentada na edição do jornal A República, de 11 de fevereiro de 1939, página 10, mas não causou nenhuma repercussão e nem foi posteriormente comentada naqueles dias incertos.

NATAL: A MAIS IMPORTANTE BASE DE DEFESA AÉREA DO BRASIL

Palestra do Dr. Juvenal Lamartine, na reunião de 4 do corrente no Rotary Clube de Natal.

Em 1927, quando tive a honra de ocupar uma cadeira no Senado Federal, como representante do Rio Grande do Norte, apresentei à consideração aquela casa do Parlamento, tão rica de brilhantes tradições, um projeto de lei autorizando o governo da República a construir um aeroporto em Natal com base para os aviões em Fernando de Noronha e, nos rochedos de São Pedro e São Paulo, um farol aéreo, cuja coluna fosse uma alegoria, que lembrasse e perpetuasse a memória de Santos Dumont.

Fernando de Noronha na década de 1920.

Decorridos hoje mais de dois lustros, e tendo o mundo passado por profundas e graves transformações políticas, penso que cada dia mais se impõe e se faz urgente a realização da ideia que tive em 1927, diante não só do desenvolvimento da aviação comercial, como principalmente dos perigos que ameaçam as nações militarmente fracas, mas ricas em matérias primas, como é o caso do Brasil.

Embora afastado da atividade pública, continuo, entretanto, a me interessar vivamente por tudo que se relaciona com o desenvolvimento do nosso potencial econômico, segurança e integridade do Brasil.

Juvenal Lamartine, o0 primeiro a esquerda, ao lado de um biplano francês.

Desde que vi o primeiro avião, fiquei empolgado pela aviação aérea, na qual antevi um futuro formidável e o meio de transporte ideal para o Brasil, cujo vasto território não é possível cortar de estradas de ferro, se não em um futuro muito remoto e às custas de somas fora de nossas possibilidades econômicas.

Quando os pilotos franceses foram contratados como instrutores do nosso Exército e vieram fundar nossa primeira escola de aviação, fui dos primeiros civis a subir em avião. Nesse tempo era uma temeridade andar pelos ares. A sensação que experimentei nesse voo inicial foi formidável: mas tive desde logo a visão nítida que os céus seriam, em pouco tempo, cortados em todas as direções pelas hélices por aparelhos de todas as nações do mundo, numa competição cada vez maior, e que era preciso estender as linhas aéreas, não só às capitais dos Estados, como ao nosso hinterland[1].

Djalma Petit e Juvenal Lamartine no Aeroclube. Foto da Revista Cigarra. Fonte-http://peryserranegra.blogspot.com

Eleito Presidente do Rio Grande do Norte, dediquei-me com entusiasmo no desenvolvimento do novo meio de transporte, fundando, com parcos recursos do Tesouro do Estado, o Aeroclube de Natal, criando uma escola de pilotos civis, construindo e pessoalmente inaugurando trinta campos de pouso nos municípios no interior, facilitando a instalação nesta Capital de companhias estrangeiras que aqui fundaram bases para seus aviões comerciais, animando, finalmente, por todos os modos esse admirável meio de transporte e já hoje a mais terrível arma de guerra e destruição[2].

A posição geográfica do Rio Grande do Norte e as condições privilegiadas de Natal devem merecer a atenção dos responsáveis pela defesa do Brasil, cujo ponto mais vulnerável a quaisquer ataque aéreo é a costa do Nordeste. Os Estados Unidos da América do Norte, possuindo uma das forças aéreas das mais fortes do mundo e aviões de bombardeiro que não encontram paridade, já pelo se poder ofensivo, já pelo seu raio de alcance, vão gastar somas formidáveis na construção de bases em toda a costa do Atlântico e nas ilhas da América Central, a fim de garantir-se contra um possível ataque de uma potência europeia.

Mapa da empresa Compagnie Générale Aéropostale (CGA) mostrando sua rota aérea que passava por Natal e a nossa privilegiada posição estratégica.

Muito, muito maior é o perigo que corre o Brasil, econômica e militarmente fraco e detentor de imensas riquezas ainda inexploradas e cobiçadas pelos povos imperialistas. O seu ponto mais vulnerável, como já disse, é o Nordeste e a base de defesa mais importante é Natal, donde os aviões poderão exercer um patrulhamento eficiente contra quaisquer tentativas de ataque não só ao Brasil, como mesmo a toda a América do Sul.

Na ausência de autoridade para só por mim agitar o problema, venho lembrar que o Rotary tem a iniciativa de sugerir as altas autoridades da República, a começar pelo comandante da Região Militar, a necessidade de ser incluída no plano quinquenal a construção do porto aéreo de Natal.

Festividade em Natal para os aviadores italianos Ferrarin e Del Prete. Da esquerda para direita vemos o Cônsul italiano em Recife, Arturo Ferrarin, Juvenal Lamartine, Carlo del Prete e a cientista Berta Lutz

Embora não seja técnico, penso, entretanto, que o melhor local para esse porto é o que se encontra entre o Radiofarol e o forte dos Reis Magos, feita a terraplanagem das dunas e a elevação do recife desde o mesmo forte até a praia do Meio.

As condições são as melhores possíveis, pois, além de oferecer espaço bastante para a construção de pistas para os aviões de terra, fica à margem do Potengi, onde podem amerissar os mais possantes hidroaviões do mundo[3].

Juvenal Lamartine de Faria em 1935

Com um apoio ou base em Fernando de Noronha e outro, se possível, nos rochedos de São Pedro e São Paulo, como propus em meu projeto de 1927, estará o Brasil de posse do mais importante porto militar aéreo da América do Sul e a chave da defesa deste Continente.

Para reforçar ainda mais o poder defensivo do porto aéreo de Natal e lhe dar maior eficiência, deve ser utilizada a Lagoa do Bonfim, a cerca de 30 quilômetros desta capital, para nela permanecer uma esquadrilha de hidroaviões de bombardeiro. São excepcionais as condições que oferece a Lagoa do Bonfim. Mermoz, o grande piloto francês há pouco desaparecido, considerava essa Lagoa uma das melhores bases do mundo para hidroaviões[4].

Alunos do Aeroclube do Rio Grande do Norte e, ao centro, de branco, o instrutor Djalma Petit.

Certamente ninguém pensa em concentrar todos os elementos de defesa aérea do Brasil no sul do país, de vez que, ocupado o norte, dificilmente seria desalojar daí o inimigo.

Qualquer ataque que sofrer o Brasil, por uma das nações fortes e imperialistas da Europa, só pode ser feito por via aérea e marítima visando precisamente o norte desprotegido de qualquer elemento de defesa e muito acessível a toda investida estrangeira.

Estou, aliás, convencido de que os poderes públicos conhecedores da importância estratégica de Natal mandarão construir aqui a base de defesa da nossa costa setentrional.

Pouco tempo depois da divulgação do discurso de Juvenal Lamartine no Rotary de Natal, a Segunda Guerra começou e logo, como Juvenal Lamartine previu, Natal se tornou um dos principais pontos estratégicos da aviação dos Aliados. Não demorou e logo hidroaviões do tipo Consolidated PBY Catalina, que na foto estão participando de uma cerimônia no Rio, se tornaram frequentes na capital potiguar.

Daqui é possível não só repelir qualquer tentativa de ataque por aviões que projetem atravessar o Atlântico, como estabelecer linhas de defesa para os Estados do sul e do norte do Brasil.

O ideal de todos os povos do mundo é a paz; mas, como a humanidade ainda não atingiu esse ideal, o dever de todos os povos é organizar sua defesa para a proteção de seus habitantes e de suas fontes de produção e de riqueza[5].

NOTAS

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[1] Palavra de origem alemã que significa “terra de trás”. Em alemão, a palavra também se refere à parte menos desenvolvida de um país, aquela menos dotada de infraestrutura e menos densamente povoada. Era muito utilizada por parte de autores e intelectuais brasileiros do início do século XX como sinônimo de sertão e interior.

[2] O que Juvenal Lamartine denomina como “Presidente eleito do Rio Grande do Norte” nesse texto significa que ele tinha sido eleito Governador do Estado. Durante o regime imperial, os atuais governadores eram denominados “Presidentes de Província”, denominação que foi alterada para “Presidente dos Estados” com a implantação do período republicano em 1889. Essa denominação seguiu até a Revolução de 1930, quando aparece o termo “Governador”, sendo essa maneira como se designam os Governantes dos estados brasileiros até hoje.

[3] O Radiofarol ao qual Juvenal Lamartine se refere era uma instalação pertencente à Marinha do Brasil, inaugurado em 27 de janeiro de 1937, situada nas dunas que atualmente estão na área do quartel do 17° GAC. Servia para a orientação de aeronaves que cruzavam o Oceano Atlântico em direção a Natal através de ondas de rádio e possuía duas torres de transmissão com cerca de 60 metros de altura. Tratamos neste livro sobre esse local. Já a ideia dessa pista de pouso aparentemente seria uma estrutura que teria sua cabeceira na região do Iate Clube de Natal, percorreria a área onde atualmente se encontram os tanques de combustível da Petrobras e parte do bairro das Rocas, finalizando próximo à beira mar. Na época, essa era uma área com poucas habitações e essa pista de pouso poderia ter uma extensão alcançaria entre 800 a 1.200 metros.

[4] Juvenal Lamartine se referiu ao piloto Jean Mermoz (1901 – 1936), verdadeiro mito da aviação francesa, que com seu forte espírito desbravador realizou, em 12 de maio de 1930, a primeira viagem transatlântica de correio aéreo sem escalas. Partiu de Saint-Louis (atual Senegal) a bordo de um hidroavião Laté 28 com mais dois companheiros e chegou a Natal depois de 21 horas de voo, percorrendo uma distância superior a 3.000 km. Seis anos após esse feito, após partirem de Natal, Jean Mermoz e sua tripulação desapareceram no Atlântico, durante a sua 25.ª travessia do Atlântico Sul, a bordo de um hidroavião Laté 300.

[5] Ver o jornal A República, Natal/RN, edições de sábado, 4 de fevereiro de 1939, pág. 4 e 11 de fevereiro de 1939, pág. 3.

A ESQUECIDA CANTINA DO COMBATENTE EM NATAL

Durante a Segunda Guerra Mundial Existiu na Capital Potiguar um Local que Muito Ajudou os Militares Brasileiros que aqui estavam. Completamente esquecido nos dias atuais, era conhecido como Cantina do Combatente e Foi um dos Poucos Locais Criados para Atender e Apoiar as Necessidades Dessas Pessoas. Um Futuro Governador Potiguar se Destacou no Seu Desenvolvimento.

Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN

O jovem Getúlio Vargas e sua esposa Darcy em 1911.

A partir de janeiro de 1928, quando Getúlio Dorneles Vargas se tornou governador do Rio Grande do Sul, sua mulher Darcy Sarmanho Vargas acompanhava sua carreira política de forma mais reservada. Mas a partir desse ano essa gaúcha da cidade de São Borja assumiu funções que estavam muito além das de ser a esposa e a genitora de cinco filhos. Ela começou a participar ativamente de atividades assistencialistas do governo do seu marido.

Dois anos depois, ainda em terras gaúchas, a primeira-dama criou a Legião da Caridade, entidade fundada para apoiar com mantimentos e remédios às famílias dos riograndenses do sul que participaram da Revolução de 1930, episódio político que levou seu marido a permanecer no cargo máximo do poder executivo brasileiro até o ano de 1945[1].

Dona Darcy Vargas – Fonte – http://2.bp.blogspot.com/

Após se mudar para o Rio de Janeiro, Darcy Vargas realizou visitas a hospitais e asilos e montou com a estrutura do governo uma casa de costura para ajudar doentes da Santa Casa de Misericórdia[2]. Em 1936 a primeira-dama brasileira fundou oficialmente o Abrigo Cristo Redentor, onde realizou trabalhos de apoio aos mendigos e menores abandonados. Em 1940 ela fundou a Casa do Pequeno Jornaleiro, onde buscou oferecer aos menores de rua abrigo e alimentação, dando-lhes ocupação com aulas e cursos profissionalizantes, além de emprego[3]. Foi na Casa do Pequeno Jornaleiro que Darcy Vargas organizou pela primeira vez o chamado Natal das Crianças, também conhecido como Natal do Pobres, onde era realizado uma grande festividade natalina marcada pela distribuição de brindes e oferta de diversão ao público. Consta que esse evento foi tomando grandes proporções, tendo em 1944 beneficiado 25 mil menores[4].

Sabemos que Darcy Vargas foi uma das incentivadoras para a criação oficial da Legião Brasileira de Assistência – LBA, como um órgão assistencial público e de abrangência nacional. Depois de todos os trâmites burocráticos e contando com o apoio de federações e associações comerciais e industriais brasileiras, a instalação da LBA se deu em 2 de outubro de 1942.

Como nessa época o Brasil se encontrava em guerra contra a Alemanha e a Itália, um dos principais focos da LBA foi ajudar os militares brasileiros que atuavam na defesa do país, bem como de suas famílias.

Ao longo dos anos Darcy Vargas e a direção da LBA realizaram várias campanhas beneficentes como a Campanha da Madrinha dos Combatentes, ou as Hortas da Vitória, para incentivar a produção de alimentos pela população. Organizou também as Legionárias da Costura, que fabricavam materiais médico-hospitalares e roupas para serem doadas aos soldados. Na sequência instituiu a Cantina do Combatente, lugar de apoio e lazer para os soldados, cuja primeira unidade foi inaugurada no Rio de Janeiro em 20 de novembro.

E Natal foi uma das cidades contempladas com a criação de uma Cantina do Combatente.

O Início

Nos primeiros dias do mês de dezembro de 1942 desembarcou na Base de Parnamirim a Sra. Rosa de Mendonça Lima, uma das diretoras da LBA e esposa do general João de Mendonça Lima, então Ministro da Viação e Obras Públicas. Ela estava viajando pelo Nordeste para inaugurar as sedes da Cantina do Combatente em Salvador, Recife e Natal[5].

Getúlio Vargas, ao centro o general João de Mendonça Lima, então Ministro da Viação e Obras Públicas, e sua esposa Rosa de Mendonça Lima – Foto Arquivo Nacional.

Segundo o jornal natalense A Ordem, assim foi apresentada a Cantina do Combatente – “Instituição que visa o prolongamento do lar. Aí, os soldados brasileiros terão um ponto de diversão e assistência. Na cantina os militares terão cigarros, bebidas (não alcoólicas), leite, sanduiches e divertimentos, como livros, cinema, teatro, etc., tudo isso gratuitamente”. Uma ação muito apreciada pelos militares brasileiros era a existência de materiais para escrever e enviar cartas e o selo também era gratuito[6]. Percebe-se nitidamente o caráter assistencialista que a LBA colocava nessa ideia.

Depois de ser entrevistada na Rádio Educadora de Natal no programa “Fé e Civismo” e ser recebida pelo Interventor Federal Interino Aldo Fernandes Raposo de Melo, a Sra. Rosa de Mendonça Lima participou da inauguração[7].

Essa foi a única imagem que consegui da Cantina do Combatente em Natal.

A festa aconteceu no final da tarde de sábado, 5 de dezembro de 1942, e a sede da Cantina ficava localizada na Rua Jundiaí, no bairro de Petrópolis. Busquei com pessoas que viveram naquela época detalhes dessa localização, mas não consegui uma informação concreta. Para alguns, esse local era na esquina da Rua Jundiaí com a Avenida Hermes da Fonseca. Para outros seria em uma grande casa, atualmente derrubada, onde se localiza a Fundação José Augusto.

Aluízio Alves no início de carreira públiva.

Quem comandou o evento foi o jovem bacharel em direito Aluízio Alves, então Secretário Geral da Comissão Estadual da Legião Brasileira de Assistência, que discursou e participou de descerramento de placa e da “inauguração” do retrato de Getúlio Vargas. Após a cerimônia oficial os muitos soldados, marinheiros e fuzileiros navais presentes aproveitaram para jogar sinuca, ping-pong, consumir o que havia no bar, jantar no restaurante e, para os que sabiam ler, aproveitar os livros e revistas da biblioteca, que em breve receberia mais de 90 volumes da conceituada Livraria Ismael Pereira[8].

Para animar a soldadesca e os convidados civis, apresentou-se um conjunto musical do 2º Grupo Móvel de Artilharia de Costa (2º GCMA) e as bandas da Polícia Militar e da Associação de Escoteiros.

Um dado interessante e que bem mostra o espírito existente na época devido a guerra em Natal foi que 25 senhoritas “das mais proeminentes famílias da sociedade natalense”, ficaram servindo bebidas e comidas para os jovens militares. Não fosse as circunstâncias do momento, acredito que dificilmente essas meninas de pele clara dariam a mínima atenção a esses rapazes, a maioria deles morenos e vindos do interior.

O primeiro grande evento da Cantina do Combatente foi realizado dias depois, em 13 de dezembro, na comemoração do Dia do Marinheiro. Houve uma palestra proferida por Elói de Souza e a animação foi realizada pelo “grupo de Jazz” da banda da Polícia Militar[9].

Festa de Natal da cantina do Combatente de Recife, Pernambuco. Esse clube ficava no Parque 13 de maio.

Americano Não Entra?

Não consta em nenhuma das fontes pesquisadas que nas solenidades realizadas em dezembro de 1942 estivessem presentes os militares estrangeiros que serviam em Natal.

Observando os jornais da época disponíveis, percebemos que foram poucas as ocasiões que os gringos se fizeram presentes na Cantina do Combatente. Vale recordar que o primeiro de dois clubes recreativos que os militares norte-americanos montaram em Natal só seria inaugurado três meses depois da Cantina dos militares brasileiros.

Ceremônia em Parnamirim Field – https://catracalivre.com.br

Durante a Segunda Guerra Mundial, quando um soldado norte-americano, recebia de seus superiores uma pausa necessária durante a luta, muitas vezes o seu destino eram as unidades recreativas do United Service Organization, popularmente conhecida em todo mundo como U.S.O. Essa organização foi criada em 4 de fevereiro de 1941, sendo financiada e apoiada pelo governo americano e sua missão básica era proporcionar lazer aos membros das forças armadas norte-americanas em qualquer lugar onde estivessem. Tal como a Cantina do Combatente em Natal, os clubes recreativos U.S.O. forneciam um ambiente para dançar, exibição de filmes e entretenimento ao vivo. Mas também serviam como um lugar tranquilo para conversar, escrever cartas e encontros, além de conselhos religiosos com os capelães lotados nas suas unidades militares[10].

Casa onde funcionou o U.S.O. do bairro Petrópolis, em Natal.

Os clubes U.S.O. receberam estrelas dos mais diversos níveis de importância da indústria do entretenimento dos Estados Unidos. Desde simples mágicos que antes da Guerra se apresentavam em pequenas casas de espetáculos, a estrelas hollywoodianas. Figuras como Katharine Hepburn, Groucho Marx, Bette Davis, Marlene Dietrich, Bob Hope e muitos outros fizeram parte das trupes dessa organização.

Um dos clubes U.S.O. em Natal ficava no bairro de Petrópolis, na Avenida Getúlio Vargas, 796, sendo chamado pelos estrangeiros como “U.S.O. Beach” e foi inaugurado em 1º de março de 1943[11]. O segundo ficava localizado no bairro da Ribeira, na Praça Augusto Severo, 252, sendo conhecido como “U.S.O. Town Club” e foi inaugurado em 14 de setembro de 1943[12]. Em Natal a entidade responsável por esses locais era denominada U.S.O. Overseas Department in Natal.

Salão principal e palco do Clube U.S.O. da Ribeira.

Existem, em jornais natalenses, informações de festas realizadas nesses ambientes, que contaram com a presença de autoridades brasileiras e norte-americanas. No jornal A Ordem, edição de 15 de abril de 1944, na 1ª página, temos informações de como foram as festividades em comemoração ao dia “Pan-Americano” no U.S.O. da Ribeira. Uma data bem oportuna e característica daquela época, em que se buscava a união entre os povos do Brasil e dos Estados Unidos. Nesse evento esteve presente o General Fernandes Dantas, natural de Caicó, que nessa época era o interventor no Rio Grande do Norte nomeado por Getúlio Vargas.

Segundo o norte-americano William L. Highsmith, que serviu em Natal entre abril de 1943 e agosto de 1945, era normal na sede do U.S.O. de Petrópolis existir redes de dormir armadas em um alpendre e ele algumas vezes descansava nesse local após o turno da noite anterior na Base de Parnamirim[13].

Nesse local, na Ribeira, funcionou durante a Segunda Guerra Mundial o Clube U.S.O. dos americanos na área mais central de Natal.

Uma Verdadeira Dádiva!

Enquanto Natal e o Brasil repercutiam o encontro dos presidentes Franklin Delano Roosevelt e Getúlio Vargas a bordo do USS Humboldt, um navio tênder de hidroaviões da Marinha dos Estados Unidos que estava ancorado no Rio Potengi, a Cantina do Combatente de Natal seguia normalmente com as suas atividades. O local recebia diariamente uma média de 400 militares brasileiros e todos os dias eram enviadas cerca de 200 cartas para a sede dos Correios e Telégrafos na Ribeira. Estas seriam remetidas ao custo mensal de 5.000 cruzeiros[14].

Mas seria possível que esse local recebesse essa quantidade de frequentadores e fosse gerado esse volume de correspondências?

Muito se comenta sobre o número de norte-americanos ligados a aviação e a marinha que estiveram atuando em Natal. Muitas vezes os números apresentados sobre a quantidade desses estrangeiros na capital potiguar muitas vezes são bem inflados. Mas no meu entendimento, mesmo sem ter maiores dados, o maior contingente de militares em Natal era de brasileiros. Essa dedução surge de forma simples, quando listamos as unidades militares dos três ramos das nossas Forças Armadas que aqui estiveram.

Soldados do Exército Brasileiro em Natal – Foto Hart Preston, LIFE.

Vejam o exemplo do nosso Exército – Natal foi sede do Comando da 14º Divisão de Infantaria (14º DI)[15], do 16º Regimento de Infantaria (16º RI), da 1ª Companhia do 1º Batalhão de Engenharia (1ª/1º BE)[16], do 4º Grupo de Artilharia de Dorso (4º GADô), do I Grupo do 3º Regimento de Artilharia Antiaérea (I/3ºRAAAé), do 2º Batalhão de Carros de Combate (2º BCC)[17], do 2º Grupo Móvel de Artilharia de Costa (2º GMAC), da 14ª Companhia Independente de Transmissões, do Hospital Militar de Natal (HMN), do 24º Circunscrição de Recrutamento (24ª CR), além de outras organizações menores, ou que passaram pouco tempo na capital potiguar.

A Marinha tinha a moderna e imensa Base Naval de Natal, com seus diversos departamentos, onde circulavam centenas de marinheiros. Havia ainda a Estação Rádio na Limpa (atualmente na área do 17º GAC), a 3ª Companhia Regional de Fuzileiros Navais, a Capitania dos Portos e as tripulações de diversos navios brasileiros que utilizavam o Rio Potengi como atracadouro de forma permanente, ou temporária.

Militares americanos e brasileiros da FAB no portão da guarda da base de Parnamirim Field.

Já a Força Aérea Brasileira – FAB, mesmo tendo sido criada no primeiro semestre de 1941, estava fortemente presente em Natal, tendo sido criado em 1942 a Base Aérea de Natal e atuando na mesma área que os americanos chamavam de Parnamirim Field. Em março de 1943 a FAB tinha então cinco esquadrilhas aéreas, que formavam dois Grupos de Aviação. Havia uma Companhia de Infantaria de Guarda composta de cinco pelotões, além de toda uma enorme estrutura de apoio para que essas unidades militares cumprissem corretamente suas inúmeras missões em tempo de guerra[18].  

Comentamos anteriormente que muitos dos militares que serviram em Natal eram provenientes do interior potiguar, mas havia uma parcela substancial que vieram de outros estados brasileiros. Um exemplo claro – Quando foi criado o 16 RI, pelo Decreto Lei 3.344, de 6 de junho de 1941, sua guarnição foi formada por elementos do 29º Batalhão de Caçadores (29º BC), de Natal, complementada por elementos do 11º Batalhão de Caçadores (11º BC), da cidade do Rio de Janeiro, e da 1ª Companhia do 12º Batalhão de Caçadores (1ª/12º BC), de Jacutinga, Minas Gerais[19].

E foi para essa massa de homens fardados vindas de várias partes do país, ou do sertão potiguar, que a Cantina do Combatente serviu perfeitamente. Para um contingente de pessoas cujo salário era bastante limitado, ter um ambiente onde eles podiam se alimentar, escutar uma boa música, ler algo de bom e pegar cigarros, sendo tudo isso de graça, era uma verdadeira dádiva!

Além de ser um ótimo ponto de apoio e de encontros uma situação positiva, destinada a apoiar os militares que não sabiam ler e nem escrever, era que na Cantina do Combatente sempre era possível encontrar alguém que voluntariamente escrevesse uma carta para seus familiares em locais distantes.

Um Aparente Encerramento

Uma das festas que foi marcante na história daquele local foram as comemorações pelo Dia do Soldado de 1943. Muitas autoridades presentes, muita gente circulando e foi realizado o “Show do Combatente”. No palco se apresentaram a banda do 16º RI, da Polícia Militar, além dos “conjuntos regionais” do 2º BCC e do 2º GMAC e a orquestra do Air Transport Command (ATC), da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (United States Army Air Force – USAAF). Dividindo o palco com esses grupos musicais se apresentaram atrações locais da Rádio Educadora de Natal, que transmitiu ao vivo todo o evento[20].

Em novembro de 1943, Aluízio Alves entregou o cargo de Secretário da LBA no Rio Grande do Norte a Sra. Maria de Lourdes Dantas Matos e apresentou um relatório de sua gestão.

No tocante a Cantina do Combatente foi informado que entre dezembro de 1942 e setembro de 1943 o local forneceu mais de 52.000 refeições, expediu quase 3.500 cartas, entregou para os militares cerca de 17.500 maços de cigarros e atendeu de diversas formas 374 famílias de combatentes das três armas. Aluízio foi convidado por Dona Darcy Vargas a ir ao Rio de Janeiro, onde recebeu vários elogios da Primeira-dama pelo seu trabalho e conheceu a Cantina do Combatente na cidade carioca.

Outro evento em 1943 que foi bastante movimentado foi a comemoração do “Natal dos Combatentes”, na noite de 22 de dezembro.

Em janeiro de 1944 a Sra. Maria de Lourdes Dantas Matos anunciou que a Cantina do Combatente de Natal passaria por reformas. Mas dessa época em diante ela deixa de ser notícia nos jornais de Natal A Ordem e A República. Não encontrei nenhuma referência de sua reabertura, ou quaisquer outras notícias sobre um provável encerramento das atividades do local.

Provavelmente, como é normal em relação ao período da Segunda Guerra Mundial em Natal, a partir de 1944 a estratégica posição geográfica da capital potiguar e a atuação dos submarinos inimigos na área do Atlântico Sul já não tinha a mesma relevância e importância para os militares norte-americanos. Para os brasileiros, 1944 foi um ano onde toda atenção se voltou para o desenvolvimento da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e sua partida para o front italiano. Com isso algumas unidades militares, principalmente do Exército, foram deslocadas de Natal para outras localidades brasileiras e é provável que o movimento na Cantina do Combatente de Natal tenha diminuído bastante.

Mas esse local prestou relevante serviços ao esforço de guerra em Natal e certamente para um potiguar da cidade sertaneja de Angicos, a Cantina do Combatente foi um momento de grande aprendizado e de muita atividade administrativa na área pública. Tendo sido, juntamente com outras ações realizadas por Aluízio Alves à frente da LBA, algo que, de uma forma ou de outra, ajudou a melhor prepará-lo para assumir o cargo de governador potiguar vinte anos depois.

NOTAS


[1] Ver O combatente vespertino: A campanha de mobilização civil no jornal A Noite durante a Segunda Guerra Mundial (1942) de Vandré Aparecido Teotônio da Silva, Doutor em História Social Universidade de São Paulo. In https://www.snh2019.anpuh.org/resources/anais/8/1563823276_ARQUIVO_Ocombatentevespertino_VandreAparecidoTeotoniodaSilva.pdf. Visualizado em 19/10/2020.

[2] As outras faces dos presidentes: Darcy Vargas e Evita Perón, de Marina Maria de Lira Rocha Mestre em História pela Universidade Federal Fluminense. In http://wpro.rio.rj.gov.br/revistaagcrj/wp-content/uploads/2016/11/e06_a7.pdf

[3] Ver Educação e produção de moda na Segunda Guerra Mundial: as voluntárias da Legião Brasileira de Assistência, de Ivana Guilherme Simili, Doutora em História, professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá/UEM.

 in https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332008000200019 . Visualizado em 20/10/2020.

[4] Ver Darcy Vargas, Sarah Kubitschek e Maria Thereza Goulart: Instituição, perpetuação e reapropriação do primeirodamismo brasileiro, de Dayanny Deyse Leite Rodrigues, Doutoranda em História (Universidade Federal de Goiás), in https://www.snh2019.anpuh.org/resources/anais/8/1565199356_ARQUIVO_TrabalhoCompletoAnpuh2019.pdf,visualizado. Visualizado em 22/10/2020.

[5] Ver jornal A Noite, Rio de Janeiro-RJ, ed. 21/11/1942, pág. 1.

[6] Ver jornal A Ordem, Natal-RN, ed. 03/12/1942, pág. 1.

[7] O Interventor Federal Rafael Fernandes Gurjão se encontrava no interior do Rio Grande do Norte.

[8] Ver jornal A Ordem, Natal-RN, edições de 05/12/1942, pág. 1 e 22/05/1943, pág. 4.

[9] Ver jornal A República, Natal-RN, ed. 06/12/1942, pág. 1.

[10] Em 1940, por sugestão do General George C. Marshall e com a aprovação do presidente Franklin Roosevelt, mais de um milhão de voluntários administraram mais de 3.000 clubes recreativos, que foram estabelecidos onde podiam encontrar algum espaço. Esses clubes foram alojados em igrejas, museus, celeiros, vagões de trem, lojas e outros locais improváveis.

[11] Lenine Pinto. Natal, USA. 2. Ed – Natal-RN: Edição do autor, 1995. Páginas 27 a 48.

[12] Clyde Smith Junior – Trampolim Para a Vitória. 2. Ed. – Natal-RN: Ed. Universitária, 1999, Páginas 98.

[13] Clyde Smith Junior – Trampolim Para a Vitória. 2. Ed. – Natal-RN: Ed. Universitária, 1999, Páginas 32.

[14] Ver jornal A Ordem, Natal-RN, edições de 29/01/1943, pág. 1 e de 14/05/1943, págs. 1 e 2.

[15] A 14ª Divisão de Infantaria (14º DI ) foi criada pelo Decreto Reservado nº 4.700-A, de 17 de setembro de 1942, sendo anteriormente conhecida como 2ª Brigada de Infantaria. Depois a 14º DI se transformou na Infantaria Divisionária da 14ª Divisão de Infantaria (Inf Div/14ª DI), pelo Decreto nº 6.177 e 6.180, de 06 de janeiro e Aviso Reservado nº 19-9, de 14 de janeiro de 1944.

[16] Em dezembro de 1942 o 1º Batalhão de Engenharia (1ª/1º BE) se transformou no 1º/7ª Batalhão de Engenharia (1ª/7º BE).

[17] Essa unidade blindada foi criada no Rio de Janeiro, através do Decreto nº 5.003, de 27 de novembro de 1942 e transferida para Natal.

[18] Ver História da Base Aérea de Natal, de Fernando Hoppólyto da Costa. Natal-RN, Ed. Universitária, 1980, págs. 92 e 93.

[19] Ver O Nordeste na II Guerra Mundial – Antecedentes e Ocupação, de Paulo Q. Duarte. Rio de Janeiro-RJ, BIBLIEX, 1971, págs. 184 a 186.

[20] Ver jornal A República, Natal-RN, ed. 26/08/1943, pág. 8.

O QUE A FEB ENSINOU SOBRE DIVERSIDADE RACIAL EM PLENA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Ilustração existente na página 27 do livro “Brazilian Expeditionary Force in Wolrd War II”, de César Campiani Maximiano e Ricardo Bonalume, que mostra o soldado Francisco de Paula municiando um obuseiro de 105 m.m. na Itália, em setembro de 1944.

Autora – Paula Mariane, da CNN em São Paulo – 04 de julho de 2020 às 05:00 -Fonte – https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2020/07/04/o-que-a-feb-ensinou-sobre-diversidade-racial-em-plena-2-guerra-mundial?fbclid=IwAR0028mVMK9Q0bjfbK1uHKGUwTVb848RnfSU-_oFH7T8CjjLMRbj3XGXsxo

Enquanto os debates sobre igualdade racial dominam o debate público no ano em que se comemora os 75 anos do fim da 2ª Guerra Mundial, é possível destacar que a Força Expedicionária Brasileira (FEB) foi o único contingente racialmente integrado em um conflito em que as tropas dos principais atores do campo de batalha tinham divisões segregadas. E temos muito o que aprender com isso. 

Com um Exército pouco equipado e uma Marinha defasada em termos de tecnologia, parecia óbvio pensar, na época, que seria mais fácil uma “cobra fumar” – expressão que nasce diante de uma descrença pública generalizada – do que o Brasil entrar na 2ª Guerra Mundial. No fim, o maior país da América Latina foi o único do continente a enviar tropas. 

Força Expedicionária Brasileira em acampamento no Campo de Gericinó, no Rio de Janeiro
Foto: Acervo Arquivo Nacional

“A FEB foi uma coisa revolucionária para o Brasil, mas de certa forma ela também foi revolucionária para os aliados. Embora houvesse um racismo velado, como era comum à época, a FEB foi a única tropa aliada racialmente integrada”, explica o historiador e professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) Sandro Teixeira. 

Além da luta contra o nazismo e o fascismo, a segregação racial era uma realidade nas tropas militares – mas este não era o caso da FEB, algo que surpreendeu positivamente os soldados dos Estados Unidos. 

“Você tinha negros e brancos lutando lado a lado, muito diferente do Exército Britânico, que tinha tropas segregadas, do Exército Francês e do Exército Americano”, ressalta.  

Durante parte da campanha, a FEB teve duas divisões americanas que combateram ao lado dos brasileiros, a exemplo da 10ª e da 92ª divisões de Infantaria Americana, que possuíam divisões segregadas entre soldados brancos e soldados negros. 

Força Expedicionária Brasileira em Nápoles, Itália – Foto: Acervo Arquivo Nacional

“Ao ver a FEB com uma divisão integrada, isso pode ter sido uma das chamas que acendeu o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos”, analisa. 

Alvo de notícias

A união dos pracinhas – como os combatentes brasileiros eram chamados – era admirável, e também foi tema de diversas notícias durante a guerra. 

“Todo mundo estava no mesmo barco, todos iriam combater. Digamos que as balas do inimigo não diferem ninguém por cor”, afirma Teixeira. 

“Isso foi alvo de notícias no noticiário oficial do exército americano. Os soldados americanos tinham um jornal que é muito famoso, e existe ainda nos dias atuais, chamado Stars & Stripes. E esse jornal relatava com certo ‘choque’, mas de surpresa mesmo, não de repúdio, o fato de que o Brasil, que era tido como um país atrasado política e tecnologicamente, foi capaz de enviar uma divisão integrada.”

Mais de 25 mil militares compuseram a Força Expedicionária Brasileira – Foto: Acervo Arquivo Nacional

Negociações 

A falta de tecnologia militar era, de fato, um fator preocupante para o Brasil. Desta forma, uma série de negociações feitas com os Estados Unidos possibilitaram que as Forças Armadas brasileiras pudessem ser equipadas e, em contrapartida, a FEB apoiaria os aliados. 

“É o início da nossa industrialização forte. Isso já estava na mentalidade militar, de que um envolvimento nacional era essencial para que o país tivesse segurança. É um ideal muito forte na cabeça dos militares”, afirma o professor. 

Para os EUA, o Brasil era visto “como o gigante da América do Sul, o país que deveria estar ao lado dos Estados Unidos para equilibrar a segurança do hemisfério, ou seja, para impedir que o fascismo viesse para as Américas”, explica Teixeira.

Soldados da FEB durante a Batalha de Monte Castelo, em 1945 – Foto: Acervo/Centro de Comunicação Social do Exército (CCOMSEX)

Resistência

A participação dos brasileiros na 2ª Guerra Mundial não foi bem vista por todos, em princípio: o país encontrava resistência por parte do Reino Unido, que via sua política externa ameaçada no continente sul-americano. 

“O Reino Unido procurou, de todas as maneiras, tentar vetar a entrada do envio das tropas brasileiras, porque isso, na visão deles, mudaria o papel do Brasil no equilíbrio de forças na América do Sul”, afirma.  

“Com tropas bem equipadas, o Brasil poderia se tornar a grande potência do sul [continente]. Então, havia essa preocupação.”

Aqui vemos o soldado Marcílio Luiz Pinto, de Caconde-SP, o único praça brasileiro agraciado pelo Exército dos Estados Unidos com a medalha Silver Star . Faleceu em 31 de julho de 1993, em Adamantina-SP.

Nazifascismo 

O período entre as duas guerras mundiais foi marcado por uma enorme crise econômica, além de uma descrença nos regimes democráticos, que levaram ao surgimento de ideais extremistas. 

Em 1921, com a ascensão do fascismo na Itália, iniciava-se um período ultranacionalista e autoritário naquele país. “A origem [latina] do nome fascismo vem de ‘fasce’, que era instrumento utilizado na época do Império Romano que simbolizava autoridade e poder”, explica o mestre em História Militar pela Universidade de Lisboa Fábio Laurentino. 

“A sociedade civil num todo se enxerga sem ter no que agarrar politicamente, onde as democracias parecem que falharam”, analisa. “Fascismo é uma ideologia totalitária. São regimes autoritários, que expressam um discurso muito forte, principalmente de ódio.” 

Chegada de 2.760 homens da Força Expedicionária Brasileira pelo navio James Parker, em 1945
Foto: Acervo Arquivo Nacional

Paralelamente, o mesmo sentimento de descrença faz com que o nazismo tome espaço na Alemanha. “Surge o Partido Nazista também no início da década de 1920, com a característica da sociedade alemã ter pedido a fé na força na democracia. Essa descrença é acrescida da supremacia racial”, aponta Laurentino. 

De acordo com o Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, estima-se que 6 milhões de judeus foram mortos durante o regime nazista. 

O que podemos resgatar da FEB

Mais de sete décadas após o fim da 2ª Guerra Mundial, há muito o que aprender com os mais de 25 mil militares que compuseram a Força Expedicionária Brasileira. E com tudo o que este conflito representou para o mundo: mais de 60 milhões de mortos e um holocausto causador de cicatrizes profundas que seguem nos dias atuais. 

“A diversidade é força. E acho que a força da diversidade que a FEB apresentou, dos soldados que foram lutar pela democracia em um outro continente, enquanto no seu próprio país não havia uma democracia, foi uma das razões para ajudar a redemocratizar o Brasil”, diz Teixeira.

“A integração e a diversidade presentes na tropa talvez tenha sido um elemento-chave para o sucesso dela”, analisa o historiador. “Talvez isso seja algo batido pela nossa história, mas é algo extremamente importante”, diz. 

“Você não tinha tensões raciais. Todos eles ali estavam combatendo, e pelo combate formaram irmãos de armas”, conclui. 

OS PESCADORES NORDESTINOS QUE ENCONTRARAM UM SUBMARINO NAZISTA E SOBREVIVERAM PARA CONTAR A HISTÓRIA

Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Tal como em 2020, o ano de 1942 foi bastante sombrio para o mundo e para o Brasil. Se no atual período, em pleno século XXI, uma pandemia vindo da China que apavora e mata, nos anos 40 do século passado eram submarinos nazifascistas que assolavam os oceanos, especialmente o Atlântico, com suas ações de combate que infligiram muitas mortes e destruição.

Tal como no início de 2020, quando as primeiras notícias da expansão do COVID-19 parecia algo distante e que não afetaria tanto o nosso dia a dia, algo semelhante ocorreu no Brasil durante os momentos iniciais da Segunda Guerra Mundial. Toda a problemática parecia distante, do tamanho do mar que separa nosso país da Europa. Em minha opinião isso durou até o momento da queda da França.

Soldados alemães desfilam no Champs Élysées em 14 de junho de 1940 (Bundesarchiv) – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Paris_in_World_War_II#/media/File:Bundesarchiv_Bild_146-1994-036-09A,_Paris,_Parade_auf_der_Champs_Elys%C3%A9e.jpg

Uma situação que realmente abalou a sociedade brasileira, até pela influência que a cultura francesa exercia em nosso país. Nessa época os alemães conquistaram vários portos franceses e passaram a utilizá-los com seus submarinos, ampliando a capacidade de ação dessas naves. Logo chegavam mais e mais notícias de ataques contra o transporte marítimo Aliado.

 O Oceano Atlântico se tornou um verdadeiro campo de lutas, que ficou marcado na História como a Batalha do Atlântico.

Foto de 1943, da ação da Marinha do Brasil na Batalha do Atlântico – Fonte – Marinha do Brasil.

Essa foi a mais longa campanha militar da guerra. Durou de setembro de 1939 até a derrota da Alemanha em maio de 1945 e durante esses seis anos navios e submarinos alemães – mais tarde com a participação de italianos – lançaram-se com eficiência e coragem para controlar as rotas marítimas e atacar os comboios aliados que transportavam equipamentos e suprimentos vitais.

A Guerra no Mar

No início os navios de guerra alemães realizaram uma série de incursões, mas tiveram sucesso limitado, levando à perda de grandes navios, incluindo os poderosos encouraçados de bolso Graf Spee e Bismarck. O foco da marinha alemã passou então a ser a escalada da guerra submarina, com a construção de várias unidades.

Os submarinistas alemães atacavam os navios mercantes inimigos de forma solitária ou em grupos, as chamadas “Alcateias de lobos”. Disparavam com destreza torpedos e tiros de canhões e depois submergiam para fugir dos contra-ataques dos navios escolta. Os alemães obtiveram muito sucesso nos primeiros anos da Guerra, chegando a afundar em 1941 um total de 875 navios Aliados. O entusiasmo dos germânicos era tão elevado, que eles classificaram esse período como “Tempos felizes”.

Mas os britânicos não fraquejaram. Eles conseguem algumas vitórias com o apoio dos canadenses e a ajuda dos Estados Unidos, através do envio de 50 destroieres seminovos, recebidos em troca do acesso a bases britânicas.

Um marinheiro mercante observa o destróier canadense HMCS Swansea em serviço de escolta no Atlântico Norte. Crédito da foto: Library Archives Canada PA-112995

Não podemos esquecer que a evolução tecnológica, trabalhou em favor dos Aliados, incluindo a colocação de radares em navios de escolta a partir de agosto de 1941. No entanto, os comboios eram ainda muito vulneráveis, principalmente em áreas onde a cobertura e a proteção oferecida pelos aviões antissubmarinos eram limitadas pelo alcance.

Em 1942 novos submarinos alemães entraram em serviço a uma taxa de vinte por mês. Embora a Marinha dos Estados Unidos tenha entrado na Batalha do Atlântico no final de 1941, estes foram incapazes de evitar o afundamento de quase 500 navios, entre janeiro e junho de 1942.

Primeiro Ministro Winston Churchill.

O caso era tão sério que o abastecimento de gasolina e comida para a Grã-Bretanha atingiu níveis criticamente baixos. Até mesmo o inquebrantável Primeiro Ministro Winston Churchill, comentou em suas memórias que durante a guerra seu maior medo em relação aos inimigos era a ação dos seus submarinos.

O Brasil no Caminho da Guerra

As primeiras notícias de algum navio brasileiro atacado pelos nazistas nada teve haver com a ação de um submarino no Oceano Atlântico, mas foi resultado de um ataque aéreo alemão no Mar Mediterrâneo.

Foi no dia 22 de março, em um trajeto entre a ilha de Chipre e a cidade egípcia de Alexandria, que o cargueiro Taubaté, de 5.099 toneladas, foi atacado com bombas e tiros de metralhadoras de um avião bimotor alemão. Nesse episódio o conferente José Francisco Fraga, quando tentava com outros colegas içar uma bandeira brasileira para que o avião cessasse o ataque a uma nave neutra, foi crivado de balas. Fraga se tornou o primeiro brasileiro morto por uma ação de combate realizada por forças nazistas. Mesmo danificado o Taubaté conseguiu chegar ao porto de Alexandria e entre os membros da tripulação que testemunharam o ataque estavam o foguista João Lins Filho, potiguar, e o 2º cozinheiro Teodoro da Silva Ramos, pernambucano. Ramos inclusive levou vários estilhaços nas costas, ocasionando feridas que deixaram grandes cicatrizes (Detalhes sobre esse ataque ver https://tokdehistoria.com.br/2018/02/01/1941-o-ataque-de-um-aviao-nazista-ao-cargueiro-taubate-e-o-primeiro-potiguar-a-testemunhar-o-horror-da-segunda-guerra/ ).

Esquadrão de caça e destruição de submarino VP-52, equipado com hidroaviões Catalina. Eles foram a primeira unidade militar dos Estados Unidos a chegar em Natal, Rio Grande do Norte, no dia 11 de dezembro de 1941. Depois se notabilizaram destruindo navios de cargas japoneses no teatro de guerra do Oceano Pacífico – Fonte – Coleção do autor.

Nesse meio tempo os brasileiros que viviam na porção nordeste do país começaram a perceber a chegada paulatina da guerra.

Em 18 de abril de 1941, uma sexta-feira, pescadores da bela praia potiguar de Rio do Fogo, ao norte de Natal, ajudaram no resgate de dezenove náufragos do cargueiro inglês Ena de Larrinaga, afundado próximo ao Arquipélago de São Pedro e São Paulo pelo submarino U-105. No dia 11 de dezembro chegava a Natal seis hidroaviões Catalina da esquadrilha VP-52, da Marinha dos Estados Unidos, que passaram a patrulhar o nosso litoral e o Atlântico Sul. No primeiro mês do novo ano de 1942, mais precisamente em 28 de janeiro, o Brasil decidiu romper relações com a Alemanha após a III Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, realizado no palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro.

A partir desse acontecimento, a destruição de navios brasileiros por submarinos se tornou comum nos jornais. A primeira vítima ocorreu em fevereiro de 1942 e foi o navio de carga e passageiros Buarque, de 5.152 toneladas, que foi afundado na costa dos Estados Unidos no dia 12, com a morte de um tripulante. No mesmo mês se juntou ao Buarque no fundo do mar os cargueiros Olinda e o Cabedelo. O primeiro foi destruído, sem vítimas, pelo submarino alemão U-432. Já o Cabedelo desapareceu na segunda quinzena de fevereiro, sem deixar vestígios, em algum ponto do Oceano Atlântico, onde pereceu toda a tripulação. Acredita-se que esse afundamento foi uma ação do submarino italiano Da Vinci.

Lista de sobreviventes do navio de carga brasileiro Comandante Lira, transportados pelo cruzados USS Omaha, da Marinha dos Estados Unidos, após seu torpedeamento pelo submarino italiano Barbarigo, em 18 de maio de 1942.

Entre o final de fevereiro e o final de julho, outros onze barcos de bandeira brasileira foram atacados no Atlântico Norte, na costa norte-americana e no Mar do Caribe, totalizando 80 mortos e 51.728 toneladas perdidas. Somente o cargueiro Comandante Lira, danificado a 900 milhas náuticas de Natal, e o veleiro de transporte de cargas Paracury, com 265 toneladas é atingido por disparos ao sul da República Dominicana, conseguiram sobreviver para retornar ao serviço. Sobre esse último caso ver https://uboat.net/allies/merchants/ship/1745.html

Mas quando agosto chegou os alemães abriram as portas do inferno nas calientes águas do litoral nordestino.

O Submarino Alemão

Oficiais na torre do U-507.

O U-507 era um submarino do tipo IXC, comandado pelo Korvettenkapitän (capitão de corveta) Harro Schacht, um alemão de 35 anos de idade, originário de uma cidade portuária na Baixa Saxónia chamada Cuxhaven, localizada no norte daquele país. Até agosto de 1942 Schacht e seus 53 tripulantes haviam enviado para o fundo do mar nove navios mercantes e danificado um. Estas ações ocorreram em duas patrulhas de combate, ocasionando a morte de 98 pessoas e totalizando 51.543 toneladas de material flutuante perdido.

Símbolo da torre do U-507.

Segundo os dados existentes, a terceira patrulha de combate do U-507 começou no dia 4 de julho, quando os alemães partiram da cidade francesa de Lorient. Em 13 de julho Schacht passou a poucos quilômetros a leste da ilha da Ribeira Grande, no Arquipélago dos Açores, aparentemente sem chamar atenção das autoridades portuguesas. Depois seguiu em patrulha até o dia 25 de julho, onde realizou um encontro na região de Cabo Verde com o submarino U-116, para receber 28 mil litros de óleo combustível e suprimentos.

Entre 30 e 31 de julho, o U-507 se encontrava a norte/noroeste do Arquipélago de São Pedro e São Paulo e seguiu em direção a costa brasileira. Três dias depois informou que alcançou as coordenadas geográficas 03°, 27’ S 36°, 33’ W, um local a cerca de 90 a 100 milhas náuticas da costa do Ceará e do Rio Grande do Norte, algo entre 165 a 185 quilômetros de distância. Depois se afastou da costa nordestina, retornando em direção a São Pedro e São Paulo, onde no dia 8 de agosto passou ao norte desses isolados pontos rochosos. Depois manobrou em direção sudoeste, apontando novamente para a costa brasileira. Nesse trajeto esteve entre 11 e 12 de agosto a poucas milhas náuticas a noroeste de Fernando de Noronha e continuou se aproximando do nosso litoral de forma decidida. Dois dias depois estava na altura de Maceió.

Um hidroavião Consolidated PBY Catalina – Fonte – NARA. 

Aqui cabe abrir um parêntese para comentar que nessa época em Natal operava o esquadrão VP-83 da Marinha dos Estados Unidos, a US Navy, equipado com uma dezena de hidroaviões Catalina, que realizavam constantes patrulhas de vigilância nessa região. Essas aeronaves estrangeiras eram apoiadas por vários aviões e hidroaviões da Força Aérea Brasileira, que mesmo carente de materiais modernos, se desdobrava ao máximo para patrulhar o litoral. Além desse material aéreo, a US Navy, operava algumas unidades navais, onde se destacavam os cruzadores USS Omaha e USS Milwauke, além de alguns destroieres e navios de apoio. Essas naves eram subordinadas ao grupo de operações navais denominado Task Force Twenty Three (Força Tarefa 23), ou TF23, sob o comando do almirante Jonas Howard Ingram. A TF23, que futuramente se transformaria na Four Fleet, ou Quarta Frota, operava em conjunto com a Marinha do Brasil, que por sua vez se esforçava para cumprir suas missões com uma pequena e bastante envelhecida frota de navios.

Mas como ninguém se colocou na sua frente, Schacht continuou seguindo direto para o litoral brasileiro.

Inferno em Alto Mar

Segundo o interessante livro “Operação Brasil”, de Durval Lourenço Pereira, que trás informações do diário de bordo do U-571 e mostra a ação de forma intensa, às sete da noite de 15 de agosto começou o ataque do U-507 ao navio brasileiro Baependi.

O navio brasileiro Baependi – 270 pessoas mortas.

No primeiro momento dois torpedos são disparados, mas erram. Entretanto o navio segue lento e o alemão consegue reposicionar seu submarino, ultrapassando o barco brasileiro. As 19h12 abre fogo com outros dois torpedos e logo o navio vai para o fundo do mar.  Depois de tantos dias de navegação Schacht e seus homens exultam com a vitória. Já no Baependi sobrevivem apenas 36, dos seus 322 tripulantes e passageiros.

O navio brasileiro Araraquara – 131 pessoas mortas.

Logo após o ataque, Schacht segue atrás de outro alvo, que surge bastante iluminado. É o navio de passageiros Araraquara, construído na Itália em 1928 e considerado uma nave luxuosa. Pouco depois das nove da noite é disparado um torpedo que faz o Araraquara partir-se ao meio e afundar em cinco minutos. Salvam a vida apenas 11, dos seus 142 tripulantes e passageiros. Esses afundamentos, que ocorreram com uma diferença de menos de duas horas, foram em pontos defronte a divisa entre a Bahia e Sergipe.

O navio brasileiro Aníbal Benévolo – 150 pessoas mortas.

Depois, já na madrugada do dia 16, o U-507 se coloca em um setor mais ao sul da primeira carnificina, já no litoral norte da Bahia, onde um novo alvo é localizado. Depois de realizar certas manobras o alemão coloca seu submarino a apenas mil metros do novo ponto visado e as 04h13 ataca e afunda o navio de passageiros Aníbal Benévolo. O Suplício dessa nave foi extremamente rápido e extremo. Em poucos minutos ele desapareceu nas águas e das 154 pessoas a bordo, só se salvaram quatro tripulantes.

A ação do alemão foi tão contundente e destruiu seus alvos de forma tão avassaladora, que nenhum dos três navios afundados emitiu quaisquer sinais de socorro. O caçador alemão podia continuar agindo impunemente no litoral nordestino.

Farol da Barra e salvador antes da Segunda Guerra Mundial – Fonte – http://www.bahia-turismo.com/salvador/barra/barra-antiga.htm

Na sequência do dia 16 de agosto, o U-507 se aproxima de Salvador e às sete da noite Schacht avista os faróis de Itapuã e depois o de Santo Antônio da Barra, na entrada da baía de Todos os Santos, além das luzes de Salvador. Mas nada de navios.

O navio brasileiro Itagiba – 36 pessoas mortas.

Na manhã de 17 de agosto outro navio é avistado ao norte da ilha de Tinharé, próximo ao farol do Morro de São Paulo. Esse é o Itagiba, que vinha do Rio para Salvador e, quase as onze da manhã, é atingido por torpedo e afunda em 10 minutos. Morreram 36 pessoas e 145 sobrevivem pelo valoroso trabalho de resgate realizado pelo iate Aragipe, um barco costeiro de 300 toneladas, comandado por Manoel Balbino dos Santos, que passava pelas proximidades seguindo para Salvador, ou Ilhéus, segundo outras fontes.

O navio brasileiro Arará – 20 pessoas mortas.

Schacht tem tempo de observar pelo periscópio o trabalho de resgate realizado por Balbino e sua tripulação, mas logo avista outro navio, outro alvo. É o pequeno cargueiro brasileiro Arará, de apenas mil toneladas de deslocamento, que se aproxima para ajudar a recolher os náufragos. Durval Lourenço aponta corretamente que Schacht “mostrou total desprezo pela vida humana”, quando atacou um navio desarmado que recolhia náufragos e disparou sua carga de torpedos a menos de 500 metros do alvo. O ataque ao Arará ocorreu duas horas após o fundamento do Itagiba. O saldo trágico deste último afundamento foi de 20 mortos e 16 sobreviventes. Segundo uma notícia publicada em O Jornal, do Rio de Janeiro (21/08/1942, págs. 1 e 6), depois de recolher um grande número de náufragos do Itagiba o mestre do iate Aragipe, Manoel Balbino dos Santos, quis ir até o local do sinistro do Arará e ajudar os necessitados. Mas foi veementemente impedido pelos náufragos do Itagiba e seguiu para a cidade de Valença. Outras fontes apontam que na verdade o Aragipe estava mesmo era lotado e por isso teve de sair da área.

Pouco depois das cinco e meia da tarde o U-507 avista outro navio e parte para o ataque. Seria a sua terceira vitima do dia, mas dessa vez Schacht não obtém sucesso. O torpedo falhou e o navio, que seria de nacionalidade sueca, estava se movendo rápido demais para o U-507 pegá-lo antes de entrar na baía de Todos os Santos.

Catalina do VP-83, que atuou no Brasil.

Após o fracasso ele decide navegar para o sul da Bahia. No outro dia o U-507 está imóvel na superfície, com sua tripulação realizando o concerto de um tubo lança torpedo. Um serviço que deixa aquela nave de guerra vulnerável. É quase uma e vinte da tarde de 18 de agosto, quando o submarino é visto pela tripulação do Catalina do VP-83, pilotado pelo tenente John M. Lacey. Os americanos atacam com disparos de metralhadoras e o lançamento de cargas de profundidade. Após os impactos o piloto achou que havia afundado o submersível porque viu uma mancha de óleo e bolhas de ar na superfície, mas Schacht escapou com seu submarino.

Não consegui encontrar um foto identificando o Jacyra. Talvez ele fosse parecido com o barco da foto, certamente maior. Não houve mortos no afundamento do Jacyra – Fonte – TIME/LIFE

O capitão alemão continuou levando sua nave em direção sul, até as proximidades de Ilhéus. Na madrugada de 19 de agosto os alemães encontram um pequeno veleiro costeiro de transporte de mercadorias chamado Jacyra, que foi abordado. Os nazistas revistam o veleiro, mas não encontram nada de útil. A seguir ordenam a tripulação brasileira que sigam para a praia e o barco é dinamitado. Foi uma parada arriscada, realizada perto do litoral, para revistar e depois afundar um veleiro que nem ultrapassava as 100 toneladas. 

Todos esses barcos brasileiros foram atacados e afundados em posições que variam de 7 a 30 milhas náuticas de distância, algo entre 13 a 55 quilômetros das belas praias dos litorais da Bahia e Sergipe. No total morreram 607 pessoas, entre homens, mulheres e crianças e foram perdidos 14.911 toneladas em naves afundadas.

O navio sueco Hammaren – Seis pessoas mortas.

No dia seguinte após o afundamento do Jacyra, por volta do meio dia, o U-507 está novamente próximo da bela localidade de Morro de São Paulo e a noite avistam as luzes de Salvador. Schacht permanece com seu submarino na área da entrada da baía de Todos os Santos  por todo o dia 21, mas não visualizam nenhum alvo. Na madrugada do dia 22, na altura do farol de Itapuã, Schacht encontra o navio sueco Hammarem, que navega sem luzes. Mesmo trazendo no seu mastro a bandeira de um país neutro, o alemão ordena o lançamento de dois torpedos, com resultados negativos. Ele espera o dia amanhecer para disparar tiros de canhão. O Hammarem é atingido na proa e para as máquinas, Schacht então dispara seus torpedos para enviar o navio para o fundo. Seis tripulantes morrem na ação. Depois o alemão segue em direção norte. 

Guerra

Para o Brasil de 1942, aqueles afundamentos ocorridos em poucos dias foi um verdadeiro choque. Algo que abalou fortemente a população. Conforme os dias foram passando e fotos terrivelmente duras de cadáveres em decomposição nas praias sergipanas e baianas foram mostrados nos jornais e revistas, o povo brasileiro se encheu ainda mais de indignação, dor e raiva. Milhares de pessoas saíram espontaneamente às ruas de várias cidades pedindo a declaração de guerra contra a Alemanha. No entanto a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas levou alguns dias para assinar essa declaração, fato ocorrido em 22 de agosto. Isso tudo em meio a um forte clamor popular nas ruas do Rio, algo que Vargas não tinha muita prática e experiência de lidar.

Aquela atitude popular, considerada inusitada em meio a uma das ditaduras mais terríveis e nefastas da história do Brasil, para mim não é surpreendente. Naquele tempo viajar de navios era algo extremamente normal em todo planeta e também para os brasileiros. Estes últimos viviam em um país continental com muita agricultura e poucas indústrias, com uma malha ferroviária relativamente pequena para as suas necessidades, desprovido de boas estradas, sem uma indústria automotiva que suprisse a demanda e com um transporte aéreo destinado basicamente aos mais ricos. O transporte marítimo era muito popular, até mesmo para alguém que vivia com poucos recursos no Brasil. Navegar, mesmo mal acomodados na terceira classe dos barcos de cargas e passageiros, era a única opção para seguir para rincões mais longínquos.

Além do livro de Durval Lourenço, outra maneira de visualizar a rota do que o U-503 realizou para destruir sete barcos na costa brasileira, é através do interessante site https://uboat.net/ Seguramente o melhor existente na internet, com uma enorme gama de informações sobre a ação dos submarinos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Na imagem vemos o traçado em vermelho da rota da patrulha de combate do U-507 , que durou de 4 de julho até 12 de outubro de 1942. Na imagem, os pontos em laranja são os barcos afundados na costa brasileira – Fonte – https://uboat.net/boats/patrols/patrol_1099.html

Na página 177 do livro “Operação Brasil”, encontramos um interessante mapa que mostra a rota percorrida pelo U-507 no litoral brasileiro. Após o último ataque próximo a costa baiana, o submarino navegou várias milhas mar adentro e passou longe de Aracajú. Mas quando estava na altura de Maceió, o comandante alemão começou a retornar para perto da costa nordestina. Ele planejava realizar um ataque contra o porto de Recife, Pernambuco, então um dos mais movimentados no Brasil daquela época.

Os Quatro Pescadores do Pina

Provavelmente o comandante alemão desejava atacar disparando torpedos nos vapores ali ancorados, ou utilizando o canhão de 105 m.m. que existia em sua nave para destruir estruturas portuárias. Em 23 de agosto Schacht enviou uma mensagem ao B.d.U., ou Befehlshaber der Unterseeboote, o Comandante dos submarinos alemães, cargo exercido pelo almirante Karl Dönitz, informando sobre suas intenções. Apesar de ter liberdade de ação no litoral do Brasil, no outro dia Schacht  recebeu uma resposta proibindo esse tipo de ataque por razões políticas, mas ordenava que ele e sua nave continuassem avançando para o porto e esperasse por tráfego.

Almirante Karl Dönitz

Enquanto o U-507 se aproximava do litoral pernambucano, ao meio dia de 25 de agosto na praia do Pina, uma das mais tradicionais de Recife, um grupo de pescadores se preparava para o trabalho. Eles se chamavam Elviro Izidro de Miranda, João Francisco dos Santos, Manoel Alves do Nascimento e Francisco Bezerra da Silva e aparelhavam o bote Ivo para mais uma saída para o mar. Esse barco um barco limitado, que possuía pequenas dimensões, utilizava uma única vela triangular, ou “pano”, no dizer dos pescadores, e tinha um pequeno castelo de proa. Eles faziam parte da Colônia de Pescadores do Pina, a Z-1, que nessa época tinha sede na Rua da Cabanga.

Não consegui uma foto que apontasse com clareza como era estrutura de um bote em Recife no ano de 1942. Já em Natal, o que se conhece como bote são os barcos que aparecem nessa foto de Hart Preston, atracados no cais da Tavares de Lira, as margens do Rio Potengi. Essa foto foi realizada em Natal no ano de 1941 – Fonte – TIME/LIFE

Evidentemente, como trabalhadores do mar, aqueles homens já tinham conhecimento dos ataques realizados pelo U-507 entre Sergipe e a Bahia. Certamente estavam com raiva, como a maior parte dos brasileiros e muito mais preocupados do que a maioria, pois a sua labuta era justamente no mar, onde talvez encontrassem o inimigo. Inimigo esse que destruiu navios que vez por outra frequentavam o porto de Recife.

Segundo a cópia de um depoimento existente no Arquivo Nacional, aqueles homens informaram que o bote Ivo estava equipado com gelo, o que garantia condições de permanecer mais tempo no mar com o pescado conseguido. Eles iriam pescar a cerca de 30 milhas da costa, pouco mais de 55 quilômetros de distância. Por volta de meio dia zarparam.

No livro “A Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial”, de Arthur Oscar Salgada da Gama, nas páginas 29 e 30, ele informa sobre um levantamento realizado pelo Adido Naval dos Estados Unidos, que concluiu existirem mais de 73.000 pescadores associados às muitas colônias de pescadores organizadas no litoral brasileiro. Outra coisa interessante estava no fato desses homens pescarem a distâncias que podiam chegar a 120 milhas náuticas da costa, onde  poderiam denunciar quaisquer ocorrências estranha as autoridades marítimas.

Ação dos pescadores no apoio a marinha do Brasil no Ceará.

Ainda segundo esse autor, no dia 14 de julho de 1942 o CEME – Comando do Estado Maior da Armada, emitiu uma Circular aos Comandantes Navais e aos Capitães dos Portos, orientando como arregimentar os pescadores para ajudar no esforço geral da Marinha em relação a proteção do litoral. Havia também orientações de como aqueles homens simples poderiam estabelecer ligações rápidas com os Comandos Navais.

Praia do Pina e suas jangadas. Pelo depoimento que consegui, tudo indica que os quatro pescadores não utilizaram esse tipo de barcos tradicionais.

Não sabemos se os quatro pescadores da Praia do Pina receberam informações sobre esse tipo de procedimento, mas no começo da noite de 25 de agosto eles chegaram ao ponto de pesca, sendo comandados por Elviro Izidro. Logo amarraram a vela ao mastro de madeira e baixaram a âncora do bote Ivo, ou fateixa. Segundo os pescadores a fateixa alcançou 29 braças de profundidade, ou 53 metros. Desse ponto não se avistava a terra e eles então trataram de pescar.

“-É um submarino”

Os quatro pescadores relataram que “reinava um bom tempo, apenas refrescado pelos ventos de quadrante sul”, que o período de lua cheia dava uma forte claridade. Uma condição muito perigosa para um submarino de ataque, pois aumentava a possibilidade dessas naves furtivas serem facilmente observadas.

Cópia do depoimento dos quatro pescadores.

Era por volta das nove da noite e foi o pescador João, que se achava no castelo da proa, quem primeiro viu uma embarcação estranha e disse “-Vem lá uma navegação!”. Suas palavras chamaram a atenção de Manoel, que estava sentado a meia nau. Manoel observou e, de fato, na direção Leste-Oeste, isto é, do mar para terra, navegava uma embarcação não muito alta, que, aos poucos, veio crescendo na direção do bote Ivo, até passar a cerca de 100 braças, pouco mais de 180 metros dos pescadores, pelo lado sul do seu pequeno barco. Manoel não teve duvidas e disse “-É um submarino”.

Notícia da visita dos submarinos brasileiros ao Recife em 1938.

Segundo a declaração prestada ao inspetor da Polícia Marítima e Aérea quando retornaram ao Recife, os quatro pescadores foram contundentes e convictos ao afirmarem ser aquele estranho barco era um submarino. Em 1938 eles tiveram oportunidade de ver de perto os três submarinos que o Brasil havia adquirido da Itália. Esses eram os submarinos da classe Perla, de 860 toneladas cada um, batizados como S-11 Tupy, S-12 Timbira e S-13 Tamoyo e que, conforme notícia que apresentamos, estiveram em Recife em 11 de fevereiro de 1938, quando realizaram uma parada para abastecimento antes de seguir para o Rio de Janeiro.

Em relação ao misterioso submarino observado na noite de 25 de agosto de 1942, os quatros pescadores da praia do Pina comentaram algo que considerei interessante e estranho – Eles afirmaram que o submarino trazia acessas duas lâmpadas em seus bordos, ou seja nas laterais, uma na cor vermelha e outra na cor verde. Como fossem luzes normais de navegação. Mas os pescadores comentaram admirados que essas luzes só se tornaram visíveis no momento que o submarino passou por eles e a ré da nave, ou popa, como é conhecida a parte traseira de uma embarcação, ficou inteiramente visível para os tripulantes do bote Ivo.

A silhueta mais característica dos submarinos alemães.

Estariam os alemães com essas luzes utilizando alguma espécie de ardil, se passando, atalvez, por um barco de pesca? Ou seriam essas luzes de algum instrumento de combate, ou de navegação do U-507?

Para os pescadores o submarino tinha um tamanho “comum” e comentaram que viram de maneira bem visível a torre e o periscópio, mas não divisaram os tripulantes. Perceberam que a nave seguia a boa velocidade, com o mar passando sobre o convés e a luz da lua refletindo sobre o casco. Os pescadores do Pina comentaram que se haviam tripulantes na torre do submarino (e certamente eles estava lá), estes provavelmente não viram o Ivo, pois o submarino seguiu em frente sem alterações. 

Navio da TF-23 da US Navy no porto de Recife. Foto de Hart Preston– Fonte – TIME/LIFE

Naturalmente os pescadores ficaram bastante assustados e depois do submarino desaparecer da vista deles, prontamente cortaram a corda da âncora, abriram a vela e trataram de retornar. Eles declararam que aproveitaram o vento que soprava e navegaram com o bote Ivo em direção a Olinda, pois o litoral nessa área possui pouca profundidade e recifes de coral, local impróprio para se colocar um submarino. Não sabemos o grau de instrução desses homens, mas pelo que ficou descrito no depoimento prestado por eles, em termos de conhecimentos marítimos e de navegação eles eram verdadeiros mestres.

Os pescadores nunca mais viram o submarino que, segundo o livro de Durval Lourenço, conseguiu chegar próximo do porto de Recife. Harro Schacht visualizou vários navios prontos para serem destruídos, mas não desobedeceu a ordem recebida. Em seu ótimo livro Durval comenta (pág. 178) que o alemão se aproveitou de uma situação natural para chegar próximo da entrada do porto em uma noite de lua cheia. Houve um eclipse lunar que literalmente “apagou” a lua!

Quando um submarino alemão retornava vitorioso a sua base francesa, era normal a tripulação colocar essas bandeiras triangulares, onde anotavam a tonelagem de cada navio afundado durante a patrulha. Nesta foto o submarino que retornou, que não era o U-507, afundou pelo menos dez navios inimigos. Certamente a tripulação do U-507 deve ter confeccionado as bandeirolas com as tonelagens dos navios que afundou na costa brasileira.

Se a ordem do B.d.U. para a realização de um ataque fosse positiva, as consequências para a história da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial e de Recife teriam sido bem diferentes.

Quando o dia amanheceu os alemães viram aeronaves e, para evitar ser visto nas águas claras do mar nordestino, o comandante submergiu sua nave a cerca de 35 metros de profundidade e assim passou todo o dia. À noite, oito horas e trinta e seis minutos, Schacht volta até a superfície e vasculha com o periscópio o horizonte. Ele então viu um destroier iluminado pela lua, a três quilômetros de distância. Segundo Durval Lourenço o alemão não disparou devido à intensa claridade noturna, a pouca profundidade e a perda do elemento surpresa com essa ação, o que poderia lhe impedir de atacar outros navios mercantes mais ao norte.

Mas qual era esse destroier e o que ele estava fazendo fora do porto de Recife?

Talvez a resposta esteja na ação dos pescadores do bote Ivo!

Era o USS Winslow?

Na manhã de 26 de agosto, os quatro pescadores alcançaram a área do então povoado de Maria Farinha, hoje um bairro da cidade de Olinda, depois de navegarem por mais de seis horas. Depois seguiram bordejando o litoral em direção sul, até o meio-dia, quando adentarem o porto de Recife. Seguiram pelo quebra-mar, até ancorarem nas proximidades da centenária Torre Malakof, onde se localizava a sede da Capitania dos Portos. 

Torre Malakof, onde em 1942 se localizava a sede da Capitania dos Portos em Recife – Fonte – https://guia.melhoresdestinos.com.br/

Elviro Izidro de Miranda, João Francisco dos Santos, Manoel Alves do Nascimento e Francisco Bezerra da Silva prestaram depoimento ao capitão de mar e guerra Nelson Simas de Souza, então Capitão dos Portos de Pernambuco, cargo que assumiu em maio de 1942, no lugar do capitão de fragata Harold Reuben Cox.

Aparentemente o relato dos quatro pescadores chamou a atenção do capitão Simas, pois ele logo seguiu com esses homens para o gabinete do contra-almirante José Maria Neiva, na própria Torre Malakof. O almirante Neiva estava à frente do recém-criado (04/06/1942) Comando Naval de Pernambuco, que poucos dias depois seria transformado no Comando Naval do Nordeste, onde essa nova grande unidade seria o braço armado da Marinha do Brasil na defesa das águas nordestinas, em parceria com os americanos da TF-23.

O contra-almirante José Maria Neiva e Getúlio Vargas – Fonte – Arquivo Nacional.

Pelo depoimento sabemos que após a audiência com o almirante Neiva, os pescadores se dirigiram para a sede da Polícia Marítima e Aérea, localizado na  rua, atualmente avenida, Marquês de Olinda. Nessa repartição relataram o que viram para Renato Medeiros, inspetor chefe da repartição.

A partir desse ponto nada mais descobri sobre os quatro valorosos pescadores do Pina. As autoridades igualmente nada mais comentaram do caso. Nada existe nos jornais sobre o caso.

Entretanto, nos arquivos militares da Marinha dos Estados Unidos existe uma indicação de algo aconteceu no começo da noite do dia 26 de agosto e, aparentemente, o depoimento prestado pelos pescadores Elviro, João, Manoel e Francisco foi levado em consideração.

Às seis horas e sete minutos da noite zarpou do Atracadouro 5 do porto de Recife o destroier americano USS Winslow. Tinha a missão de patrulhar nas proximidades do porto e a ordem para a realização dessa missão foi transmitida verbalmente pelo comando da TF-23.

O USS Winslow nada encontrou naquela noite, mas continuou patrulhando nos dias posteriores.

Fim Trágico

Teria sido esse o navio visualizado pelo Korvettenkapitän Harro Schach no periscópio do U-507? E a ordem verbal de partida do USS Winslow, teria se originado nas informações transmitidas pelos quatro pescadores do Pina ao capitão Simas e o almirante Neiva e depois retransmitida para o almirante Ingram?   

Uss Winslow no porto do Rio de Janiro – Fonte – US Navy.

Realmente eu não tenho respostas para essas perguntas. Tudo pode ser uma coincidência. Mas o documento com o depoimento dos pescadores, que foi repassado a Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco, e o livro “Operação Brasil”, de Durval Lourenço Pereira, que considero um dos melhores já escritos sobre o tema, apontam que essa situação parece ter sido bem real.

Inclusive esse autor aponta, de maneira correta, que após os afundamentos das naves brasileiras no final de agosto de 1942, praticamente em todo nosso litoral foram relatados inúmeras visualizações de submarinos inimigos. Mas a maioria se mostrou erros gerados pelo clima tenso e o nervosismo que o povo vivia. Entretanto, eu acredito que o caso dos pescadores do bote Ivo é real!

Independente dessa questão, ao saírem da Torre Malakof os pescadores Elviro Izidro de Miranda, João Francisco dos Santos, Manoel Alves do Nascimento e Francisco Bezerra da Silva foram completamente esquecidos.

O U-507 sendo destruído em 13 de Janeiro de 1943, por um Catalina a noroeste de Fortaleza, Ceará- Fonte – NARA.

Já Harro Schacht, depois de visualizar o que parecia ser o USS Winslow sob a luz do luar, e nada poder fazer, mandou acelerar os motores e sair da área de Recife. No outro dia estava diante da cidade portuária de Cabedelo, na Paraíba. Olhou durante a noite para o porto, mas não viu nada de interessante. Depois mergulhou para evitar ser visto por aviões e logo partiu. Tempos depois o U-507 retornou ao litoral brasileiro. Mas desta vez seu capitão e sua tripulação, um total de 54 pessoas, foram atacados e destruídos em 13 de Janeiro de 1943, por um Catalina a noroeste de Fortaleza, Ceará, que utilizou cargas de profundidade nessa ação. Essa aeronave era do mesmo VP-83, que atacara esse submarino em 18 de agosto do ano anterior. Os restos do U-507 e dos seus tripulantes se encontram a grande profundidade.

OUTROS TEXTOS DO TOK DE HISTÓRIA SOBRE ESSA TEMÁTICA

O COMANDANTE DE UM SUBMARINO ALEMÃO DA SEGUNDA GUERRA QUE VIVEU NO BRASIL – https://tokdehistoria.com.br/2017/04/20/o-comandante-de-um-submarino-alemao-da-segunda-guerra-que-viveu-no-brasil/

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75 ANOS DO FIM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL NA EUROPA – COMO NATAL E MOSSORÓ RECEBERAM A NOTÍCIA

Rostand Medeiros – Escritor e Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

A partir de abril de 1945, Dez meses após o desembarque do Dia D, os Aliados invadiram a Alemanha e no dia 25 desse mês, perto da cidade de Torgau, as forças americanas e soviéticas se reuniram no Rio Elba.

Cinco dias depois Hitler se suicidou em seu bunker de Berlim, junto com seu cachorro e Eva Braun, sua nova esposa. Seu sucessor, o almirante Karl Doenitz, enviou o general Alfred Jodl ao Supremo Quartel-General aliado, na cidade francesa de Reims, para tratar da rendição junto ao general americano Dwight Eisenhower, comandante supremo das forças aliadas. Às duas horas e quarenta e um minutos do dia 7 de maio Jodl assinou a rendição incondicional das forças alemãs, que  entraria em vigor no dia 8 de maio de 1945, uma terça-feira.

Depois de seis anos e milhões de vidas perdidas, o flagelonazista foi esmagado e o 8 de maio entrou para a história como a data em que formalmente ocorreu o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa e o fim do Reich de Adolf Hitler.

Manchete de jornal destacando o fim da guerra. Fonte: Jornal natalense A Ordem, edição de terça-feira, 8 de maio de 1945.

Nessa data as celebrações eclodiram em todo o mundo ocidental. Em Londres, por exemplo, mais de um milhão de pessoas celebraram o fim da guerra europeia diante do Palácio de Buckingham, onde o rei George VI e a rainha Elizabeth, acompanhados pelo primeiro-ministro Winston Churchill, apareceram na sacada do palácio para aplaudir a multidão. Nos Estados Unidos, o presidente Harry Truman, que comemorou seu 61º aniversário no mesmo dia, dedicou a vitória a seu antecessor, Franklin Delano Roosevelt, que morreu de uma hemorragia cerebral no dia 12 de abril. Por outro lado, o líder soviético Joseph Stalin não aceitou a rendição assinada em Reims e insistiu que o tratado fosse ratificado no dia seguinte em Berlim. Desde então Moscou comemora o Dia da Vitória em 9 de maio, um dia depois do resto da Europa.

Comemorações em Londres.

Enquanto Stalin mantinha suas desconfianças, milhões de pessoas pelo mundo afora se alegraram com a notícia que a Alemanha havia se rendido, marcando a vitória com festas de rua, danças e cantorias. Todos se sentiram aliviados da grande tensão gerada pela guerra e felizes pela sangria ter finalmente acabado.

A notícia da rendição da Alemanha não foi surpreendente. O avanço das tropas Aliadas deixou pessoas de toda parte em prontidão para começar a celebrar o fim da guerra. E quando a notícia da rendição foi irradiada, se espalhou como fogo em toda parte.

E no Rio Grande do Norte, o estado brasileiro que mais intensamente viveu o período da Segunda Guerra Mundial, como foram as comemorações pelo fim do conflito?

Em todo o Brasil, como no caso dessa foto no Rio de Janeiro, as comemorações pelo final do conflito foram intensas.

Primeiras festas – morte de Hitler e a queda de Berlim

Quem hoje busca conhecer sobre os fatos ocorridos no Rio Grande do Norte durante a Segunda Guerra Mundial nos poucos e amarelados jornais existentes nas hemerotecas das instituições de preservação da memória potiguar, observa que desde o início de 1945 os habitantes da capital potiguar se deparavam com manchetes em letras garrafais que diziam: “A vitória total se aproxima”. Ou então “As forças de Hitler derrotadas”. Ou ainda “Fim da guerra é iminente”. Muitas eram as notícias do esgotamento do povo alemão, das derrotas dos exércitos nazistas e havia nas páginas desses jornais uma grande expectativa pelo fim do conflito.

Mas, contrariando todas as expectativas, a rendição alemã não acontecia. Aqui e acolá se pode ler em algumas poucas notícias aspectos da resistência alemã, principalmente na frente de combate contra os russos. Contudo, a onda do avanço Aliado começou a vergar as forças germânicas e logo passou a ser noticiado, principalmente a partir de abril, que a capacidade de defesa dos nazistas decrescia.

Para quem percorre com os olhos os jornais natalenses A Republica e A Ordem, publicados entre a última semana de abril e a primeira semana de maio, não deixa de perceber a tensão pela iminência do fim da guerra. Foi quando a notícia da morte do ditador alemão Adolf Hitler em 30 de abril e, principalmente, a queda de Berlim no dia 2 de maio, quarta–feira, detonou entre os natalenses o desejo de comemorar e de extravasar pela proximidade do fim de todo aquele pesadelo.

Quando a notícia da rendição da capital do Terceiro Reich se propagou, como era normal em Natal nesses momentos especiais, as escolas, as casas comerciais e as repartições públicas fecharam. As pessoas seguiram para a Praça 7 de setembro, no centro da cidade, onde o clima de alegria e patriotismo era intenso.

Nas manifestações pela vitória dos aliados na Europa, era comum os pedidos de retorno da democracia no cenário político brasileiro. No dia 29 de outubro de 1945 o ditador Getúlio Vargas, renunciou ante a iminência de ser deposto por um golpe militar.

Em uma cidade com o número limitado dos antigos e pesados rádios valvulados, concentrados nas mãos da elite local pelo alto preço de aquisição, só restava ao povão seguir para as redações dos jornais locais como A Ordem, na Rua Dr. Barata, 216, na Ribeira, ou do tradicionalíssimo jornal oficialista A República, na Avenida Junqueira Aires. Nas sedes desses periódicos os populares colavam os olhos nos “Placards”, uma espécie de mural onde se fixavam as mais novas e importantes notícias.

Toda essa alegria se espalhou pela cidade e isso ficou latente com a forte concentração de pessoas na principal praça da cidade na noite do dia 2 de maio.

Diante do Palácio do Governo foi organizado um comício pela LDN, a Liga de Defesa Nacional. Essa era uma entidade que seguia um forte ideário cívico-nacionalista, tendo sido criada no Rio de Janeiro em 1916 e que iniciou suas atividades no Rio Grande do Norte em 6 de agosto de 1936, tornando-se especialmente ativa com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Em 1945 a LDN era presidida pelo Monsenhor João da Mata Paiva e ele foi a primeira pessoa que discursou sobre a queda de Berlim para uma Praça 7 de Setembro lotada, sendo seguido por pessoas como os professores Francisco Ivo Cavalcanti e Clementino Câmara, o ex-deputado federal e futuro senador Kerginaldo Cavalcante de Albuquerque, o também ex-deputado federal Dioclecio Dantas Duarte (que naquele mesmo 1945 assumiria interinamente e apenas por poucos dias a interventoria do governo no Rio Grande do Norte), o acadêmico Luís Maranhão Filho e os estudantes Romildo Gurgel e José Bezerra Gomes.

Tanto em Natal como no resto do Brasil, foi normal nas comemorações a existência de retratos do presidente dos Estados Unidos Franklin Delano Roosevelt, que havia falecido em 12 de abril de 1945. Até hoje em muitas cidades brasileiras é comum a existência de avenidas, rua e logradouros batizadas co,m o nome desse presidente.

Um detalhe interessante é que estavam hasteadas destacadamente no Palácio do Governo as bandeiras do Brasil, dos Estados Unidos, da Inglaterra e, para surpresa de muitos presentes, da União Soviética.

Mesmo sabendo que os russos eram aliados, a apresentação pública da bandeira vermelha com a foice e o martelo dourados era uma situação interessante para uma cidade que vivenciou em 23 de novembro de 1935 a Intentona Comunista. Ao final dos comícios o povão se concentrou no Grande Ponto.

Um detalhe simples, mas extremamente significativo daquele momento: todas as ruas da cidade ficaram iluminadas, voltando um clima de normalidade que não existia desde a adoção da restrição de iluminação para não facilitar possíveis ataques inimigos, o famoso “Blackout”.

No outro dia, quinta-feira, logo às oito da manhã os proprietários de veículos, motoristas de praça e carros de repartições saíram da antiga sede do Sindicato dos Rodoviários, na Avenida Tavares de Lira, na Ribeira. Formaram um grande “Corso” (o que hoje chamamos carreata), seguindo pelas ruas realizando um forte buzinaço e levando as bandeiras dos países aliados.

Também nesse dia foi realizado outro comício na Praça 7 de setembro, que foi considerado “monstro”, tal a quantidade de gente que participou. Nesse comício foi grande a participação de escolares, escoteiros, membros de associações esportivas. A animação foi feita pelas bandas da Polícia Militar e da Força Aérea Brasileira. Uma situação comum foi que em todas as manifestações se tocava repetidamente o Hino Nacional.

Até o sábado, dia 5 de maio, ocorreram inúmeras manifestações, um verdadeiro carnaval fora de época, mas sempre com muitos discursos, muito patriotismo e alegria.

Comemorações pelo fim da guerra

Manchete de jornal sobre a rendição da Alemanha. Fonte: Jornal natalense A Republica, edição de 8 de maio de 1945.

Na terça-feira da semana seguinte, nas primeiras horas de 8 de maio, a notícia da assinatura da rendição pelo general Jodl foi captada pelos rádios valvulados existentes em Natal e logo começaram a estourar rojões, repicar de sinos das igrejas, com novo buzinaço dos veículos e as sirenes antiaéreas ecoando estridentemente.

A Agência Pernambucana, de Luiz Romão de Almeida, começou a detalhar o acontecimento nos seus mais de 20 alto-falantes espalhados pela cidade, informando que recebia notícias de grandes emissoras de rádio internacionais. Vários carros, além de pessoas a pé e de bicicleta, começaram a se concentrar nos locais onde ficavam os alto-falantes para não perder nada do que era noticiado. Foi anunciado que o ditador Getúlio Vargas havia decretado feriado nacional para as pessoas comemorarem o fim da Segunda Guerra. Não sei se fez muita diferença o anúncio de Vargas, pois igual quando foi noticiada a queda de Berlim e a morte de Hitler, Natal parou para comemorar.

Logo o general Antônio Fernandes Dantas, Interventor Federal no Rio Grande do Norte, convidou várias autoridades para o Palácio do Governo para comemorar a boa nova e organizar festejos para a população da capital potiguar. O Aeroclube anunciou a realização de uma festa dançante no sábado, 12 de maio, cobrando 50 cruzeiros por pessoa. O clube informou que aqueles que desejassem detalhes da festa poderiam ligar no número telefônico “1-2-0-4”.

Na mesma tarde do dia 8 os aviões da escola de pilotagem do Aeroclube sobrevoaram a cidade, soltando milhares de panfletos onde estava escrito:

“O Aeroclube do Rio Grande do Norte, primeira escola de aviação civil, saúda os heroicos aviadores nacionais que demostraram a sua coragem nas terras da Itália e homenageia os bravos soldados da FEB, que lutaram em prol da liberdade dos povos civilizados, esmagando o nazi fascismo.

Natal, 8 de maio de 1945”

À noite, milhares de pessoas se concentravam na Avenida Rio Branco e na Rua João Pessoa, bastante iluminadas, e a festa da vitória ficou mais bela com os potentes holofotes do 1° Grupo do 3° Regimento de Artilharia Antiaérea, ou 1/3° RAAAe, iluminando a noite natalense e deixando todos extasiados.

Do Alecrim e da Ribeira vieram duas passeatas populares para o Grande Ponto, onde a banda da Polícia Militar tocava marchas e dobrados. Deve ter sido prazeroso, mas igualmente extenuante, a participação dos policiais da banda da nossa Polícia Militar naqueles primeiros dias de maio de 1945, pois são inúmeras as referências da presença desses militares nos muitos festejos e desfiles acontecidos.

Mas indubitavelmente o mais importante evento das comemorações da vitória aliada foi o grande desfile escolar e militar que percorreu várias avenidas e ruas da cidade.

Convite publicado em jornal natalense para homenagem ao Dia da Vitória.

A concentração foi na Praça Pedro Velho, então bem maior do que é na atualidade, ocorrendo na tarde do dia 11 de maio, sexta-feira. Além das principais escolas da cidade, centenas de militares da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, da Marinha do Brasil, do Exército e da Força Aérea Brasileira se posicionaram junto com militares da Marinha e do Exército dos Estados Unidos que estavam baseados em Natal desde dezembro de 1941. Essa é a primeira notícia que informa a participação dos militares estrangeiros naqueles festejos.

Além dos discursos das autoridades, da execução dos hinos nacionais do Brasil e dos Estados Unidos, o desfile percorreu a Avenida Deodoro até a Rua João Pessoa, passando pelo Grande Ponto e entrando na Avenida Rio Branco. Daí o grande desfile desceu a tradicional ladeira que liga a Cidade Alta à Ribeira, onde passaram na Praça José da Penha, contornando o Grande Hotel e seguindo pela Avenida Duque de Caxias, retornando para a Cidade Alta até a Praça 7 de Setembro. Ao logo do desfile milhares de natalenses se posicionaram nas calçadas, nas sacadas das casas, nos muros, nas árvores e aplaudiram entusiasticamente os participantes. Enquanto

esses militares percorreram mais de dois quilômetros e meio de ruas de paralelepípedos, nos céus dois grupos de aviões Curtiss P-40E-1 da FAB rugiram sobre a cidade.

E na Capital do Oeste

Basicamente as comemorações ocorridas em Mossoró repetiram muitos aspectos do que ocorreu em Natal, onde a população local primeiramente ficou de “orelha colada” nos alto-falantes da “Amplificadora” da cidade, que noticiou o fim da Segunda Guerra Mundial no dia 8 de maio.

Várias casas comerciais, mesmo fechadas para as comemorações, hastearam bandeiras brasileiras e durante a tarde foram realizados desfiles de estudantes, escoteiros e policiais. Os sinos das igrejas de Mossoró repicaram durante vários momentos daquele dia. À tarde os aviões do Aeroclube de Mossoró sobrevoaram a “Capital do Oeste” e lançaram várias bandeiras brasileiras.

Clube Ipiranga de Mossoró.

Mas o principal evento foi mesmo a festa noturna realizada na sede do Clube Ipiranga.

Mas é bom lembrar que aquela comemoração não significou totalmente o fim do conflito, nem foi o fim do impacto que a guerra teve sobre as pessoas. A guerra contra o Japão não terminou até agosto de 1945, e as repercussões políticas, sociais e econômicas da Segunda Guerra Mundial foram sentidas muito depois da rendição da Alemanha e do Japão.

Após as duas bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki e a morte de dezenas de milhares de pessoas, o Japão se rendeu em 14 de agosto de 1945. O Dia da Vitória no Japão foi celebrado em 15 de agosto. Também é marcado em 2 de setembro, o dia em que o Japão assinou um cessar-fogo incondicional.

NATAL E O RN NA PANDEMIA DA GRIPE ESPANHOLA DE 1918

Rostand Medeiros, escritor, pesquisador e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

Gripe espanhola de 1918.

Primeiros Casos Relatados no Mundo

11 de março de 1918 – Um soldado do exército dos Estados Unidos, se reportou ao hospital de Fort Riley, Kansas, com estranhos sintomas envolvendo uma gripe muito forte. Logo, mais de 100 outros soldados relataram sintomas semelhantes, marcando o que se acredita serem os primeiros casos da pandemia histórica de influenza de 1918, mais tarde conhecida como gripe espanhola. Apesar do nome e do que aconteceu no Kansas, dados históricos e epidemiológicos não conseguem identificar a origem geográfica desta pandemia. Depois de observada no interior dos Estados Unidos, a doença avança pela Europa e em partes da Ásia, antes de se espalhar rapidamente pelo mundo. 

Espanhola?

Acredita-se que a origem do nome “gripe espanhola” deriva da propagação da pandemia da Espanha para a França em novembro de 1918. Nessa época a Espanha permaneceu neutra durante a Primeira Guerra Mundial e não impôs nenhuma censura em seus jornais sobre o avanço dessa doença naquele país, como ocorria em outras nações. Logo as histórias amplamente divulgadas, mostrando a Espanha especialmente atingida criou uma falsa impressão em outras partes do mundo que tudo teve origem nesse país.

Influenza espanhola nos Estados Unidos, outubro de 1918. (National Archives)

Avanço da doença no Mundo

A pandemia de gripe espanhola de 1918, a mais mortal da história, infectou cerca de 500 milhões de pessoas em todo o mundo – um terço da população do planeta – e matou em torno de 20 a 50 milhões de vítimas. Alguns acreditam que chegou a 100 milhões. Na época não existiam terapias antivirais específicas. Hoje em dia, as coisas não mudaram muito, e a maioria dos tratamentos para a enfermidade se dirige a aliviar os sintomas, em vez de curar a doença.

Os cidadãos de alguns países em 1918 receberam ordens para usar máscaras. Dependendo da região do mundo escolas, teatros e empresas foram fechados e corpos empilhados em necrotérios improvisados ​​antes que o vírus encerrasse sua mortal marcha global. No Brasil, tal como agora, foram as cidades e os governos estaduais que decidiram suas ações, mediante o avanço da doença. Nem sequer existia Ministério da Saúde. Ele só foi criado doze anos depois do surto de gripe espanhola no Brasil, mas vinculado com a pasta da educação. De forma autônoma e independente o Ministério da Saúde só foi criado em 25 de julho de 1953.

Atendimento contra a gripe espanhola.

Em todas as partes no ano de 1918 a pandemia de gripe fez muitos temerem o fim da humanidade, além de alimentar por muito tempo a ideia de que se tratava de uma cepa viral particularmente letal. Entretanto, estudos mais recentes indicam que o vírus, embora mais mortífero que outras cepas, não era diferente dos vírus que causaram as epidemias de outros anos. Na Europa conflagrada a taxa de mortalidade pode ser atribuída em grande medida as aglomerações nos acampamentos militares e nos ambientes urbanos. Bem como à má qualidade da alimentação e às condições sanitárias precárias. Atualmente, acredita-se que muitas mortes de 1918 decorreram do desenvolvimento de pneumonias.

Mundialmente a onda inicial de mortes pela gripe, na primeira metade de 1918, foi relativamente pequena. Foi na segunda onda, de outubro a dezembro do mesmo ano, que se registrou a maior taxa de mortalidade. A terceira fase, no primeiro semestre de 1919, foi mais letal que a primeira, porém menos que a segunda.

Enfermeira contra a gripe espanhola.

Em todo o mundo os funcionários dos serviços públicos de saúde, a polícia e os políticos tinham motivos para minimizar a gravidade da gripe de 1918, o que fez com que ela atraísse menos à atenção da imprensa. Para quem participava da Guerra havia o temor de que divulgá-la abertamente encorajasse os inimigos em época de guerra, e além disso existia o interesse em preservar a ordem pública e evitar o pânico. Entretanto, as autoridades reagiram. No auge da pandemia, foram estabelecidas quarentenas em muitas cidades. Algumas foram obrigadas a restringir os serviços básicos, incluindo os da polícia e dos bombeiros.

Primeiras Notícias no Brasil – Primeira quinzena de julho de 1918

Utilizando modernas ferramentas de visualização digital de jornais antigos e lendo as páginas que fotografei do jornal natalense A República, pude perceber que nesse período surgem as primeiras notícias nos jornais brasileiros sobre casos a “Influenza Hespanhola” na Bélgica, Alemanha e Inglaterra. Mas não são notícias destacadas.

A Imprensa Brasileira Entre julho e setembro de 1918

Crzuzador Bahia, participante da Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG).

Devido ao afundamento de navios brasileiros por submarinos alemães, o nosso país declarou guerra à Alemanha em 16 de novembro de 1917. Em janeiro de 1918 o governo brasileiro cria a Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG), uma esquadra da Marinha com oito navios, destinada ao patrulhamento contra a ação de submarinos alemães no Oceano Atlântico. Partiu do Rio em 14 de maio e, depois de passar por Salvador e Recife, chegaram a Natal no final de julho. A capital potiguar na época tinha cerca de 29.000 habitantes (equivalente hoje a população de Extremoz).

Nesse período os jornais não comentaram nada sobre prevenção e nem sobre algum tipo de preparação contra o vírus no Brasil. Acredito que as notícias da participação da DNOG na Primeira Guerra serviu como uma espécie de “cortina de fumaça”, que evitou uma informação mais intensa sobre a ação da gripe espanhola em outros países. Acredito que em 2020 o nosso carnaval, ocorrido no final de fevereiro, foi essa nova “cortina de fumaça”.

Primeiros Mortos Brasileiros – 23 de setembro de 1918

Nos dias atuais o COVID-19 só foi notícia mais ativa após o primeiro caso conhecido no país e após a primeira morte de um brasileiro em 27 de março de 2020. Já os jornais de 1918 só passaram a dar uma atenção maior ao tema depois que estourou a notícia que na Divisão Naval, que se encontrava ancorada na cidade de Dacar, na África Ocidental havia 55 mortos de gripe espanhola.

A Gripe Espanhola Chega ao Brasil – 24 de setembro de 1918

Acredita-se que essa seria a data mais correta para a chegada da gripe espanhola em nosso país, pois nesse dia atracou no porto de Santos, São Paulo, o vapor inglês Demerara, utilizado para o transporte de passageiros e cargas. Tal como agora, quando foi dito que no início do mês de março de 2020 não houve em aeroportos brasileiros nenhum tipo de inspeção dos passageiros que desembarcavam principalmente da Itália, em 1918 houve uma séria acusação aos funcionários da então chamada Polícia Sanitária daquele porto. Eles teriam sido negligentes por não realizarem a necessária inspeção de saúde dos passageiros daquele navio. Uma passageira da 2ª classe denunciou que o Demerara trazia mais de 40 enfermos e que em um único dia foram lançados ao mar (ou sepultados) cinco corpos de falecidos pela gripe espanhola.

Navio inglês Demerara – Fonte – https://uboat.net/

Tanto em 1918 e 2020 a gripe chegou ao Brasil vindo da Europa, trazida pelo principal meio de transporte que liga nosso país ao Velho Mundo em cada época. Hoje em aviões de carreira, em 1918 nos navios de passageiros e cargas. Mas vale ressaltar que no passado esses navios possuíam 1ª, 2ª e 3ª classes de passageiros e cada viagem, dependendo do tamanho do navio, trazia de 300 a 1.000 pessoas.

Naquele tempo como agora, o parlamento brasileiro criou novas leis após a eclosão da pandemia em território nacional.

Em 1918 os parlamentares apresentaram uma série de projetos de lei com o objetivo de, em diferentes frentes, combater a doença e amenizar seus efeitos. Uma das propostas determinou a aprovação automática de todos os estudantes brasileiros, sem a necessidade dos exames finais. Outro projeto de lei ampliou em 15 dias o prazo para o pagamento das dívidas que tinham o seu prazo final em plena epidemia.

A Gripe Espanhola Chega a Recife – 28 de setembro de 1918

Segundo o Jornal do Recife, nessa data duas pessoas a bordo do navio de passageiros brasileiro Tabatinga apresentaram o que parecia ser os mesmos sintomas de gripe espanhola. Não existiam exames específicos para diagnóstico dessa doença. Talvez por essa razão a “Inspectoria de Higyene” de Recife não achou que os dois enfermos pudessem ter contraído essa gripe. O que gerou uma forte querela entre os funcionários dessa repartição e os jornalistas, devido ao estado de saúde dos enfermos do Tabatinga.

Na verdade esse é um aspecto de uma situação comum a essa pandemia no Brasil: a negação e até mesmo ocultação de dados por parte das autoridade em 1918, fato que se repete em alguns países em 2020.

A Gripe Espanhola Chega a Natal – 3 de outubro de 1918

Essa questão de negação e até mesmo ocultação de dados sobre a gripe espanhola também ocorreu em Natal. Mas através de jornais de outros estados, principalmente os de Recife, que mantinha correspondentes em Natal, é possível ter uma ideia do que aconteceu na capital potiguar.

O Diário de Pernambuco, de 4 de outubro de 1918 informou através de um telegrama emitido pela Great Western, que o navio de passageiros brasileiro Itassucê aportou em Natal no dia anterior com seis enfermos de gripe espanhola.

A Primeira Vítima em Natal – 15 de outubro de 1918

Aparentemente, a primeira morte em decorrência da gripe espanhola ocorrida em Natal foi a do comerciante cearense Mozart Barroso, a bordo do navio Pará, que estava ancorado no porto da cidade. Em A República, na edição de 15 de outubro, informou que o falecimento ocorreu devido a uma “moléstia” contraída em Recife, vindo o comerciante a falecer em decorrência da viagem. Já o Diário de Pernambuco afirma que nesse mesmo navio vários outros passageiros e tripulantes, entre estes o médico de bordo, estavam com a gripe espanhola. O navio Pará ficou interditado em nosso porto por vários dias.

Mesmo sem A República esclarecer se Mozart Barroso morreu, ou não, de gripe espanhola, chama atenção que quatro dias depois da divulgação dessa notícia o respeitado médico Januário Cicco escreveu nesse mesmo jornal uma coluna visando “auxiliar na defesa da saúde pública contra a epidemia de influenza espanhola, que celeremente se disseminou por toda parte”. O Dr. Januário recomendava então o uso da “quinina”, muito utilizado contra a malária, informando ter distribuído pelas farmácias da cidade comprimidos deste produto. Este médico solicitava que “os poderes competentes”, ordenassem aos funcionários da Inspetoria de Higiene que fossem visitar as “choupanas dos mais pobres, distribuindo quinino, aconselhando a melhorar os aspectos de higiene, escolher uma alimentação sadia, beber água de procedência e evitar aglomerações”. Nada diferente de hoje.

Um fato especialmente destacável foi a predileção da doença por tirar a vida de jovens adultos saudáveis, e não de crianças e idosos. Algo bem diferente do COVID-19.

Engana-se quem pensa que a Gripe Espanhola atacou basicamente Natal. Conforme podemos ver na capa da edição do dia 7 de dezembro de 1918 do jornal O Município, de Jardim do Seridó, a peste também o interior potiguar.

Gripe Espanhola no Interior do RN – 15 de outubro de 1918

As Informações dão conta que o interior não se mostrava imune aos efeitos da pandemia.

De Areia Branca o Coronel Francisco Fausto, Presidente da Intendência (cargo que atualmente equivale ao de prefeito), informava que a gripe havia atacado a cidade, mas sem fornecer detalhes. Jornais de Recife informaram que em Macau haviam pessoas atingidas pela gripe espanhola. Já Jerônimo Rosado, intendente de Mossoró, informava que 38 pessoas haviam ali falecido. Fora do litoral veio a notícia que em Nova Cruz, cidade servida por um ramal ferroviário inaugurado em 1883, o Sr. Mario Manso, seu intendente, se recuperava da gripe.

Macau foi uma das cidades atingidas – Fonte – http://www.ibamendes.com/2020/01/fotos-antigas-de-macau-rio-grande-do.html

Fica evidente pelos noticiários que essa gripe de 1918 atacou primeiramente as cidades do Rio Grande do Norte que recebiam navios de carga e passageiros. Vale lembrar que o movimento dos portos de Macau e Areia Branca era muito maior do que nos dias atuais.

A gripe vai se interiorizando através da velocidade das poucas linhas de trens existentes, dos raros automóveis e, certamente com maior intensidade, através das patas dos cavalos e burros. Sabemos de casos ocorridos em dezembro de 1918 em Lajes, Jardim do Seridó e Acari. O interessante é que no sertão as notícias apontam para uma letalidade baixa.

Vista de Nata nos primeiros anos do Século XX, do alto da torre da Igreja Matriz, em foto do alemão – Fonte – Bruno Bougardhttps://hislucianocapistrano.blogspot.com/2017/07/natal-cidade-memoria.html

Remédios Para a Gripe Espanhola em Natal

Quem lê os jornais do período, percebe como aos poucos essa doença entra no cotidiano da população de Natal.

Os jornais estão repletos de anúncios de remédios milagrosos que se dizem capazes de prevenir e de curar a gripe. A oferta vai de água tônica de quinino a balas à base de ervas, de purgantes a fórmulas com canela. Surgem propagandas de remédios, tais como a “Kolyohimbina”, “Puritol”, ou o “Balsamo Philantropico”, que prometiam a “cura milagrosa contra o mal espanhol”.

Em meio à apreensão causada pelo alastramento da gripe, o comércio se adequava como podia a triste novidade. A farmácia Torres anunciava que por 1$800 (um mil e oitocentos réis) era vendido um preservativo que poderia ser utilizado no ato sexual em meio ao surto de gripe, “prevenindo pessoas que dele fazem uso com vantagem”. Para outras atividades a situação era mais complicada; a fábrica de gelo da Força e Luz, a única da cidade, parou suas atividades durante a ocorrência do surto.

Outros remédios vendidos em Natal, conforme podemos ver na propagandas divulgadas nos jornais locais foram a “Bromo quinina” e a “Toni Kina”, todos a base de quinino.

De Recife, com destino a Natal e Macau, partiu o navio Curupu com milhares de pílulas a base de quinino. Além disso, a Companhia Comércio e Navegação (CCN) doou dez contos de réis em medicamentos nos municípios de Macau e Areia Branca, para serem distribuídos com a população local.

Diante de uma doença mortal nova e da falta de informação, a população fica apavorada e acredita em qualquer promessa de salvação. Estamos observando que até hoje é assim.

Ações do Governo de Ferreira Chaves

O governo estadual não se pronunciava sobre muito sobre a crise. Apenas em 1º de novembro, o então governador potiguar, Joaquim Ferreira Chaves, anunciou através do jornal A República, que estava “agindo para acudir a pobreza desta cidade”, organizando na escola Frei Miguelinho uma comissão de apoio, que visava fornecer alimentação aos necessitados no bairro.

O governador potiguar, Joaquim Ferreira Chaves.

Este trabalho estava sob a batuta do Diretor da Inspetoria de Higiene, o Doutor José Calistrato Carrilho de Vasconcelos, com a participação do professor Luís Soares, então diretor da escola Frei Miguelinho e do padre Fernando Nolte. Outros que participaram foi o Dr. Antônio Soares, tenente João Bandeira e o Senhor Laurentino de Moraes, contando com o apoio dos escoteiros. Desta comissão o governo criou um Posto de Assistência do Alecrim, onde trabalhavam os médicos Varela Santiago e Marcio Lyra. A missão do Posto era fornecer remédios, alimentos e até mesmo querosene para iluminação.

Um indício de como estava à situação no bairro do Alecrim é apontada pela própria comissão, que em média atendia a um número superior de 350 pessoas por dia. Escoteiros percorreram diversas ruas do bairro para entregar alimentos e remédios nas casas dos que estavam tão atacados que não tinham sequer condições de se deslocarem para a escola Frei Miguelinho.

De barco seguiu com vários medicamentos para as praias de Muriú e Maracajaú o farmacêutico Floriano Pimentel, da Inspetoria de Higiene. As povoações  existentes Nessas praias nessa época eram prósperos entrepostos de comércio de pescado.

Outra notícia, sem detalhes estatísticos ou maiores referências, informa que o governador Ferreira Chaves buscava atender, com as mirradas condições do tesouro estadual, os inúmeros pedidos das cidades e vilas do interior para o combate a pandemia.

Mas se havia pouco dinheiro para ajudar os potiguares que viviam no interior, não faltou para outras coisas!

Em novembro de 1919, quando a gripe espanhola era motivo de péssimas lembranças em Natal, o governador Ferreira Chaves publicou a sua mensagem governamental no Congresso do Estado, atual Assembleia Legislativa, onde prestou contas de suas ações no ano anterior. Ele comentou que as despesas para fazer frente a gripe espanhola chegaram ao valor de 30:314$850 (trinta contos, trezentos e quatorze mil e oitocentos e cinquenta réis). O problema é que na mesma prestação de contas o governador Chaves informou que comprou 17 reprodutores de “gado indiano”, para entregar a somente sete criadores potiguares e por preço inferior ao custo. Com a justificativa de “auxiliar a pecuária”, receberam essa benesse do governo potiguar criadores como Juvenal Lamartine de Faria (recebeu dois exemplares), Francisco Justino Cascudo (dois exemplares), Ezequiel Mergelino de Souza (seis exemplares), Pompeu Jácome (dois exemplares) e outros.

Era uma verdadeira bênção, porque cada reprodutor custou para o erário público cerca de 1:783$000 (um conto e trezentos e oitenta e três mil réis) e esses abonados fazendeiros tiveram que pagar por cada exemplar apenas 600:000 (seiscentos mil réis). E nem precisaram pagar em dinheiro vivo de uma única vez. Os exemplares do “gado indiano” foram pagos em notas do Tesouro Estadual, com tranquilas prestações. O valor total da compra dos animais para o tesouro estadual foi de 16:150$000 (dezesseis contos e conto e cinquenta mil réis).

É inegável que esse tipo de ação governamental visava a melhoria do plantel bovino potiguar, isso tudo em uma época onde o Brasil tinha sua riqueza econômica ligada a agropecuária e sua população vivia em grande parte no meio rural. Mas, em um ano de terrível calamidade na saúde pública, em meio a mais mortal pandemia já experimentada pela humanidade, gastar mais da metade do que se gastou no combate à gripe espanhola com 17 touros, é no mínimo um acinte.

Ações Para Diminuir a Força da Gripe Espanhola em Natal

Percebe-se pelos jornais que setores da sociedade passaram a cobrar do governo uma maior atenção com as questões de higiene pública, onde surgem cobranças para a extinção de lamaçais existentes nas ruas da cidade, ou contra o abate de animais em residências, além da providência de se enterrar com urgência as carcaças.

Escolas alteraram suas rotinas. A diretoria do extinto Colégio da Conceição decidiu encerrar a 23 de outubro o ano letivo, “sem entrega de diplomas e sem festas devido à epidemia”.

Conforme o medo do alastramento da doença crescia, medidas profiláticas eram recomendadas. Mas algumas delas pareciam saídas de algum tratado de bruxaria; lavagens intestinais com água morna, chá de pimenta d’água com duas gotas de glicerina, ou tomar um vidro de magnésia fluida, com vinte gotas de “briônia” e dez gotas de “tintura de beladona”.

Em meio aos carcomidos exemplares que restam dos antigos jornais natalenses na atualidade, chama atenção um aviso publicado no início de dezembro de 1918 pela Inspetoria de Higiene. Intitulado “A influenza espanhola, conselhos ao povo”, onde entre outras coisas, solicitava “evitar aglomerações, não fazer visitas, evitar toda fadiga e excesso físico”. Mas eram tidos apenas como “conselhos”.

No Diário de Pernambuco, o seu correspondente em Natal informou que para evitar a propagação da gripe Fortunato Aranha, então presidente da intendência da capital, mandou cancelar os jogos de futebol e encerrar o campeonato estadual de 1918.

Foi informado que a partir do final de outubro o Governo Federal proibiu as aglomerações públicas. Os teatros e os cinemas, além de lacrados, deveriam ser lavados com desinfetante. Em Natal os cinemas Royal e Polytheama ficaram sem exibições cinematográficas desde outubro e foram rigorosamente desinfetados.

Ainda no Diário de Pernambuco foi descrito que a “Inspectoria de Hygiene” de Natal emitiu uma proibição para os comerciantes locais não utilizarem, como era comum na época, papéis de jornais para embalar os produtos vendidos.

O bispo de Natal em 1918 era Dom Antônio dos Santos Cabral, o segundo a ocupar esse cargo. Ele mandou então suspender o novenário e outras solenidades externas relativa as comemorações de 21 de novembro, dia de Nossa Senhora da Apresentação, padroeira de Natal. Uma das solenidades atingidas foi a tradicional procissão. Dom Antônio ordenou também que houvesse a desinfecção das igrejas, principalmente das pias de água benta. Pediu que os atos religiosos fossem realizados sempre pela manhã, de forma mais rápida possível e que os padres transmitissem ao maior número de participantes medidas de higiene para evitar a propagação do vírus, além de dar assistência aos necessitados. Como aconteceu nas Rocas, onde o bispo incentivou as “Damas de Caridade”, grupo ligado à Igreja Católica, a atuar nesta região no apoio principalmente às famílias dos pescadores.

Dom Antônio dos Santos Cabral nasceu em Propriá (SE), estudou no Seminário Santa Teresa, em Salvador (BA). Foi ordenado padre no dia 1º de novembro de 1907 e regressou a , sua cidade natal, onde trabalhou como coadjutor de 1907 a 1912. Tornou-se pároco em 1912 e exerceu esse ministério até 1918. Graças ao excelente trabalho realizado, Dom Cabral foi nomeado cônego capitular da Sé de Aracaju (SE) e recebeu do Papa Bento XV, em janeiro de 1914, o título de monsenhor. Pouco tempo depois, em 1º de outubro de 1917 foi publicada a bula do Sumo Pontífice Bento XV, que o nomeou bispo de Natal. A Sagração de Dom Cabral foi realizada na Catedral Metropolitana, em 14 de abril de 1918, antes da chegada da gripe espanhola em Natal. Segundo o site https://arquidiocesebh.org.br/arquidiocese/organizacao/governo/dom-antonio-dos-santos-cabral/ Dom Cabral criou dezenas de instituições católicas na capital do Rio Grande do Norte. Ordenou sacerdotes, iniciou a construção do Seminário e da nova catedral. Em 1922, a Santa Sé o transferiu para a recém criada Diocese de Belo Horizonte. Sua chegada à capital mineira aconteceu no dia 30 de abril.

Quando sabemos o grau de religiosidade católica existente na população brasileira da época, percebemos o quanto as ações de Dom Antônio se coadunavam com o momento complicado.

Doentes e Mortes

Igualmente no Diário de Pernambuco foi informado no início de novembro que em Natal haveria cerca de 2.000 pessoas atacadas pela gripe espanhola e que o número de mortos era considerado pequeno.

O principal jornal pernambucano comentou o estado de algumas pessoas ilustres que foram atacadas pela doença, entre elas estava Francisco Justino Cascudo, comerciante, que se recuperava. O interessante é que na mesma nota o filho de Francisco Cascudo, Luís, também estava enfermo, mas não é dito de forma taxativa que seria de gripe espanhola. Entretanto é algo provável, pois encontrei a informação que o advogado Bruno Pereira, então diretor do jornal A Imprensa, que pertencia a Francisco Cascudo e era muito frequentado pelo seu filho, estava acometido de gripe espanhola.

Mas discretamente, nas páginas diárias de A República, surgem diversas notas de falecimentos atribuindo abertamente a gripe espanhola à causa da morte de várias pessoas.

São inúmeros os informes, tais como o falecimento em 3 de novembro de Armando de Lamare, superintendente da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte. Ou dos dois filhos menores de José Calazans Carneiro, funcionário dessa ferrovia. Já o capitão da polícia Abdon Trigueiro, informava a morte do seu irmão, o sargento da polícia Othoniel Trigueiro. Ou o falecimento de Alfredo Costa, serralheiro da Ferrovia Great Western, que deixou numerosa família. Houve também a morte do comerciário da empresa A. dos Reis & Cia., Miguel Medeiros, que morreu nas dependências do hospital Jovino Barreto e foi enterrado no cemitério do Alecrim.

Historiadores apontam que as famílias ricas no Brasil de 1918 foram menos atingidas do que as famílias pobres porque se refugiaram em fazendas no interior do país, mantendo distância do vírus. No caso do Rio Grande do Norte, sem maiores dados é temerário afirmar se a classe mais abastarda de terras potiguares na época foi, ou não, muito atingida pela pandemia de gripe espanhola. Entretanto, entre os inúmeros necrológicos publicados no período temos o falecimento do desembargador Vicente Simões Pereira de Lemos, ou do comerciante Alexandre de Vasconcelos, ou do professor Tertuliano da Costa Pinheiro.

O Fim do Pesadelo. Ou Não?

No mês de dezembro de 1918, os jornais informam que da mesma forma abrupta que este pesadelo chegou a Natal, ele estava deixando a nossa terra. No dia 11 de dezembro, a Inspetoria de Higiene considerava praticamente extinta o surto de gripe espanhola em Natal.

Do interior do Rio Grande do Norte chegam notícias do declínio dos surtos. De Lajes o intendente Felix Teixeira informava o recuo da doença e agradecia o apoio do governador Ferreira Chaves.

No dia 15 de dezembro o governo decidiu encerrar as atividades do Posto de Assistência do Alecrim, o principal da cidade. Ao final houve homenagens, festas e comemorações para a Inspetoria de Higiene, aos que trabalharam e mantiveram ativo o Posto e aos escoteiros. Todos foram recebidos com honras pelo mandatário estadual no palácio do governo.

Segundo informou o professor Luís Soares, em trinta dias de atividades o Posto atendeu nada menos que 5.381 pessoas. das quais 8 morreram. Os escoteiros visitaram neste período 169 casas, atendendo 135 doentes mais atingidos.

Sede da Associação de Escoteiro do Alecrim.

Infelizmente os jornais da época não explicam com maiores detalhes estes dados estatísticos. Não sabemos se destas 5.381 pessoas todas estavam doentes, ou o grau de virulência a que foram submetidos e, principalmente, em nenhuma linha é divulgado quantos morreram neste período. Acredito que em Natal se repetiu o mesmo que ocorreu em outras partes do país; no momento da pandemia as autoridades deliberadamente escamotearam os dados sobre a doença para, talvez, evitar o pânico. Ou esconder suas incompetências!

Para uma cidade onde a população girava em torno de 29.000 pessoas, um surto epidêmico que leva ao atendimento de 10.814 habitantes mostra a dimensão do problema que foi a gripe espanhola.

Entretanto, como para estragar qualquer comemoração pelo fim do mal, as mortes em Natal e no interior potiguar não ficaram restritas a 1918.

Em 3 de janeiro de 1919 é publicado no Diário de Pernambuco o falecimento do juiz distrital Ponciano Barbosa. Lembrado hoje por ser o nome de uma rua no centro da cidade (atrás do Hospital Varela Santiago), em 1918 Ponciano era uma pessoa extremamente popular nos meios católicos de Natal. Além da magistratura, era o Presidente do Círculo de Operários Católicos, que naquele ano realizou um grande evento pelo aniversário do falecimento do padre João Maria. No dia 1º de novembro esse juiz teve a honra de receber em sua casa Dom Antônio dos Santos Cabral, para realizar a cerimônia de entronização da imagem do Sagrado Coração de Jesus. Pouco mais de dois meses depois Ponciano Barbosa faleceu em meio a uma grande comoção na cidade. Já em Assú, em 24 de janeiro, faleceu em decorrência da gripe o advogado Cândido Caldas, parente do famoso poeta assuense Renato Caldas.

Na verdade, como houve em todo mundo, uma nova manifestação da gripe espanhola atingiu o Rio Grande do Norte. Tanto que o diretor da Inspetoria de Higiene, o Doutor Calistrato Carrilho, reabriu um posto de atendimento na Repartição de Higiene. O Dr. Carrilho informou entretanto que o número de falecidos nesse segundo ataque foi pequeno. Esse novo momento da gripe marcou também a política nacional, pois em 16 de janeiro o vírus vitimou Francisco de Paula Rodrigues Alves, quinto presidente da República, no início de seu segundo mandato, onde ele não chegou sequer a tomar posse. Uma nova eleição fora de época é convocada e o eleito é o paraibano Epitácio Pessoa.

Mas enfim, qual foi o número de mortos de gripe espanhola no Rio Grande do Norte em 1918?

É na mensagem transmitida pelo governador Ferreira Chaves, publicada em novembro de 1919, que surge um dado oficial sobre o número de mortos.

O governador informou que no relatório preparado pela “Inspectoria de Hygiene” sobre as ações do governo na área de saúde pública entre outubro de 1918 e junho de 1919, período que o governo potiguar definiu como de duração da gripe espanhola, faleceram 187 pessoas em Natal, cujo pico ocorreu entre novembro e dezembro, com 125 mortos. Não existem números sobre o interior. Esse número de 187 pessoas falecidas, não chega a ser nem sequer 1% da população de Natal na época.

Já Luís da Câmara Cascudo, afirma em seu livro História da Cidade de Natal (1999, pág. 213), sem citar fontes, que morreram na cidade 1.086 pessoas, pouco menos de 4% da população. Cascudo informou que no ano anterior o obituário local chegou a 699 pessoas. 

Sem maiores dados eu não tenho como responder essa questão com exatidão. Entretanto, observando os jornais antigos onde temos a informação que no Posto de Assistência do Alecrim foram atendidos 10.814 habitantes e os esforçados escoteiros visitaram neste período 169 casas, atendendo 135 doentes mais atingidos, o número oficial de 187 pessoas falecidas parece ser uma fantasia!

Mas esse tema ligado a estatísticas controversas não se restringiu ao Rio Grande do Norte. Faltam dados confiáveis a respeito das vítimas dessa pandemia em todo Brasil. Mesmo assim, não há dúvidas de que essa doença foi avassaladora. Por exemplo, em um único dia de 1918 o Rio de Janeiro chega a registrar mais de mil mortes.

Tal como ocorre agora com o COVID-19, a grande maioria de pessoas que contraíram a gripe em 1918 sobreviveu. Em geral, as taxas nacionais de mortalidade dos infectados não superaram 20%. Entretanto, esses índices variavam de um grupo para outro. Evidentemente, mesmo uma taxa de mortalidade de 20% supera bastante a de uma gripe convencional, que mata menos de 1% dos infectados.

Quase 90 anos depois, em 2008, os pesquisadores anunciaram que haviam descoberto o que tornava a gripe de 1918 ser tão mortal: um grupo de três genes permitiu que o vírus enfraquecesse os tubos brônquicos e os pulmões de uma vítima e abrisse caminho para a pneumonia bacteriana.

UMA VIAGEM PELA CIDADE VELHA DE “GUERRA”

LUGARES CONHECIDOS, COMO A CASA DO ITALIANO LETTIERI, NA RIBEIRA, ONDE HOJE É O CONSULADO, E OUTROS CURIOSOS COMO O ESCRITÓRIO DO FRANCÊS MARCEL GIRARD, REPRESENTANTE DA AIR FRANCE EM NATAL, SÃO RECORTES DA HISTÓRIA QUE ROSTAND MEDEIROS ESMIÚÇA COM MUITA PAIXÃO.

Ramon Ribeiro – Repórter – Tribuna do Norte

Fonte – http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/rostand-medeiros-em-uma-viagem-pela-natal-velha-de-guerra/466200

A curiosidade e a paixão pelo Rio Grande do Norte, fez de Rostand Medeiros um pesquisador insaciável pela história potiguar. Sua curtição é esmiuçar arquivos públicos, acervos privados, documentos oficiais, fotos antigas, é também conversar com velhas figuras guardiãs da memória coletiva do Estado. Dessas viagens no tempo que faz, ele retorna com material bruto que aos poucos transforma em livro. É de sua autoria, por exemplo, três biografias “João Rufino-Um visionário de fé” (2011), sobre o criador do grupo industrial 3 Corações, “Fernando Leitão de Morais-Da Serra dos Canaviais a Cidade do Sol” (2012) e “Eu não sou herói – A História de Emil Petr” (2012), este sobre um veterano da 2ª Guerra Mundial.

Por falar em 2ª Guerra, esse é um dos principais temas de Rostand, ao lado da história da aviação. Sobre aviação, ele foi coautor de “Os Cavaleiros do Céu: A Saga do voos de Ferrarin e Del Prete” (2009), que conta a história do primeiro voo sem escalas entre a Europa e a América Latina; e sobre a 2ª Guerra, lançou em 2019 “Sobrevoo: Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”.

Mas agora, ao apagar das luzes de 2019, Rostand surge com novo livro, ainda dentro de seu tema predileto: “Lugares de Memória – Edificações e estruturas históricas utilizadas em Natal durante a Segunda Guerra Mundial”. A obra apresenta 27 locais referentes aquele tempo, a maioria na Ribeira, trazendo curiosidades quer ajudam a entender como era o dia a dia de Natal naqueles anos intensos.

O lançamento do livro será no dia 5 de dezembro, na Livraria Cooperativa Cultural, na UFRN, às 10 horas. A publicação sai pela Editora Caravela Selo Cultural e conta com o apoio do Fundo de Incentivo e Cultura de 2018, da Prefeitura de Natal. Sobre o livro e aquele período, Rostand Medeiros conversou com a TRIBUNA DO NORTE.

Parceria com o MPF_RN ajudou na criação desse livro.

Inventário

Essa pesquisa começou em 2015, quando a Promotoria de Justiça de Natal me solicitou a elaboração de um relatório sobre os locais utilizados pelas forças militares americanas em Natal durante a Segunda Guerra. Listamos 32 locais históricos entre Natal e Parnamirim. A ideia era incentivar ações de preservação. Mas naquele ano nada foi feito. Até que no início de 201, o Ministério Público Federal do RN, preocupado com a situação do Patrimônio Histórico de Natal, promove uma audiência sobre o tema. Informo sobre o relatório já feito e sou solicitado para aprofundar as pesquisas. O que fiz, mas focando apenas em Natal, fechando em 27 locais relacionados a 2ª Guerra. Agora, com a parceria da Editora Caravela, estou publicando o trabalho em livro.

Na casa com um amplo alpendre apresentada na foto, serviu de moradia para o comandante das tropas do exército americano em Natal durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje é a sede do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte.

Preservar é importante

O livro fala de locais que se não for feito nada, vão se perder em ruínas. Mesmo com grande parte dos locais deteriorados, é um material que aponta para existência de uma rota turística. De todos os meus livros, esse é o que mais me entusiasmou. Espero que essa publicação possa ser útil, derepente para ajudar na preservação dos prédios que cito.

Ribeira

Acho que a 2ª Guerra é um dos aspectos mais proeminentes da história do Rio Grande do Norte. E nisso está a Ribeira. O bairro já foi o centro de tudo no Rio Grande do Norte. Roosevelt e Churchill falam de Natal em suas biografias. Arrisco dizer que naqueles tempos, para os Aliados, referente à Segunda Guerra, Natal era a cidade mais importante da América do Sul. Você olha para a Ribeira hoje chega bate uma tristeza. É uma decadência que vem desde os anos 70. Recuperá-la pode dar um boom no turismo histórico.

Maternidade Januário Cicco, antigo Hospital Militar de Natal na ápoca da Segunda Guerra.

Descobertas

Muitos dos lugares são conhecidos. A casa do italiano Lettieri, na Ribeira, onde hoje é o Consulado, está bem preservada, assim como a Maternidade Januário Cicco, que era o Hospital Militar de Natal, e o Grande Hotel. Mas uma das minhas descobertas é o Rádio Farol, com as antenas enormes. Ficava na Praia da Limpa, um lugar entre a Fortaleza dos Reis Magos e o Rio Potengi.

Oleoduto

Uma estrutura com história interessante é o oleoduto Pipeline, que ia até a Base de Parnamirim. Sendo que nas Rocas há um trecho do encanamento que está visível. Descobri que em 1977 esse cano chegou a estourar e os moradores aproveitaram para encher tanques de combustível até secar. Outra coisa legal é que o Colégio 7 de setembro, na Rua Seridó, no tempo da Guerra era o Quartel dos Marines da Marinha Americana.

Antiga sede do Consulado d França em Natal na época da Segunda Guerra.

Dois espiões e um francês         

Em Natal tinha uma coisa muito curiosa nos tempos da Guerra. O francês Marcel Girard era representante da Air France em Natal. Seu escritório ficava na Rua Tavares de Lira. Perto dali, na Rua Chile, estava aloja de secos e molhados do alemão Ernst Luck, que ficava no térreo do Àrpege, e a casa do italiano Guglielmo Lettieri, comerciante conhecido na cidade. Cada um dos três atuava como representante diplomático de seus respectivos países em Natal. Imagine só! A Europa em guerra, a França invadida pelos alemães, e os três tendo de conviver na Ribeira. É provado que Luck espionou para a Alemanha e Lettieri para a Itália. Os dois foram condenados pelo Tribunal de Segurança Nacional e ficaram detidos na Colônia Agrícola de Jundiaí. Mas no fim da Guerra, ambos foram perdoados.

Jornal da BBC

A ação da Agência Pernambucana, importante veículo de comunicação em Natal durante a Guerra, é abordado no livro “Lugares de memória”.

Outra coisa que gostei muito de ter estudado foi sobre a Agência Pernambucana de Luiz Romão, com seus difusores espalhados pela cidade. Era algo formidável. Ele retransmitia a versão em português do jornal da BBC. Foi legal descobrir a importância da difusora dele. E é uma pena que hoje o local esteja em ruínas.

Grande Hotel

Mas para mim, não tem dúvidas, o Grande Hotel foi o principal lugar da 2ª Guerra em Natal. Era uma referência central por receber autoridades americanas. Além de ter a figura forte de Teodorico Bezerra como seu proprietário. Resgatei muitas histórias no livro.   

LEMBRANDO RIACHUELO: CONSULADO DOS EUA FAZ PARCERIA COM A CIDADE DE RIACHUELO EM HONRA À HISTÓRIA DA II GUERRA MUNDIAL ENTRE OS EUA E O BRASIL

FONTE DA MATÉRIA – https://br.usembassy.gov/pt/relembrando-riachuelo/

Em 10 de maio de 1944, no meio da Segunda Guerra Mundial, um avião anfíbio PBY-Catalina americano em um voo de rotina de Belém para Recife caiu do céu perto de um pequeno povoado no sertão do Rio Grande do Norte. Todos os dez membros da tripulação, marinheiros dos EUA ligados ao esquadrão de patrulha marítima da Marinha VP-45, morreram no acidente. Residentes locais na área – famílias simples, agricultores pobres e trabalhadores – testemunharam o acidente e foram os primeiros a responder à tragédia. Eles revistaram os destroços, pegaram os restos da tripulação, carregaram-nos de carroça puxada por cavalos e os enterraram no cemitério da cidade de Riachuelo.

Em 10 de maio de 2019 – setenta e cinco anos de hoje – o prefeito de Riachuelo convidou o cônsul geral John Barrett para a inauguração de uma placa no parque municipal para lembrar os nomes dos soldados americanos mortos e homenagear a comunidade que os visitava. ajuda, mesmo na morte. Centenas de residentes da Riachuelo, representantes do 3º Distrito Naval do Brasil e dignitários estaduais e locais ouviram as observações do Cônsul Geral: “Os Estados Unidos e o Brasil compartilham uma parceria robusta baseada em quatro pilares importantes: parceria econômica, segurança mútua e ideais e valores democráticos – os mesmos valores de humanidade compartilhada e generosidade que as pessoas dessa área demonstraram quando vieram em auxílio de uma aeronave caída dos EUA em 1944. ”

O evento também destaca os 204 anos de história compartilhada e estreita cooperação entre o Consulado Geral dos EUA em Recife e no Brasil. Hoje, como exemplificado pela visita do Presidente Jair Bolsonaro em março ao encontro do Presidente Trump em Washington D.C., a Missão dos EUA no Brasil está fortalecendo nossos laços já profundos, expandindo o comércio, o engajamento de pessoas e a cooperação policial e de segurança.

O movimento de solidariedade de Riachuelo com os Estados Unidos foi inspirado pelo trabalho do historiador de Natal Rostand Medeiros que descobriu novos detalhes do trágico acidente e histórias pessoais de moradores locais enquanto pesquisava um livro sobre o papel do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial. Medeiros contou histórias de moradores como Seu Lourenço Filho, que aos 90 anos é o último testemunho vivo do acidente. Lourenço Filho falou com o Cônsul Geral com clareza sobre sua memória de ouvir o som estridente dos motores em perigo e ver a descida final do avião. Os líderes da cidade homenagearam Lourenço Filho com um lugar de honra na cerimônia cercada pela família.

Para enfatizar a importância de preservar nossa história compartilhada para as futuras gerações, o Cônsul Geral anunciou um concurso de redação, em colaboração com a Secretaria Municipal de Educação da Riachuelo, para alunos do ensino fundamental e médio sobre o tema da cerimônia e a rica história da Segunda Guerra Mundial. Os membros do consulado retornarão em agosto para entregar os prêmios aos vencedores.

De U.S. Mission Brazil | 10 Maio, 2019.

EVENTO DE LANÇAMENTO DO PROJETO DO SEBRAE – NATAL E PARNAMIRIM FIELD NA SEGUNDA GUERRA

Rostand Medeiros – IHGRN

SITE DO PROJETO NATAL & PARNAMIRIM FIELD NA SEGUNDA GUERRA http://www.segundaguerra.com.br/

Foi uma noite memorável na Casa da Ribeira, principalmente para aquele que pensam e realizam projetos relativos ao conhecimento e democratização da informação histórica dos eventos ligados a Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte.

Como comentou o amigo Yves Bezerra, gestor desse projeto, a proposta busca apresentar em Natal e Parnamirim os pontos de interesse cultural e histórico das duas cidades, que até então têm sido pouco explorados e que estes possam ser trabalhados por empresas de receptivo para atrair mais turistas e interessados no assunto.

Um salto verdadeiramente interessante para o turismo potiguar. Esse projeto faz parte das ações do programa Investe Turismo, que é promovido pelo Sebrae, Ministério do Turismo, Embratur e Secretaria Estadual de Turismo (Setur).

Depois de dois anos de trabalho, foi hora do SEBRAE-RN apresentar Natal & Parnamirim Field na Segunda Guerra. E tudo foi muito bom!

Com Zeca Melo, Diretor Superintendente do SEBRAE-RN,

Como foi comentado anteriormente, a presença de milhares de soldados americanos no cotidiano de Natal mudou a cultura e os costumes da cidade, a população bem sabe. No entanto, nenhum desses argumentos foi relevante para o Rio Grande do Norte ter um roteiro turístico para explorar esse fato histórico. Agora chegou a hora!

Meus agradecimentos aos amigos da Art&C e ao SEBRAE-RN, especialmente ao superintendente Zeca Melo pela confiança e apoio.

Com o amigo Yves Guerra de Carvalho, Gestor do Projeto Natal & Parnamirim Field na Segunda Guerra Investe Turismo RN.

SEBRAE MAPEIA PONTOS TURÍSTICOS DO RN DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Projeto Natal & Parnamirim Field na Segunda Guerra será lançado nesta quarta-feira, 9 de outubro de 2019.

Por Agência Sebrae de Notícias / 8 de outubro de 2019

Que o Rio Grande do Norte teve um papel relevante, e até mesmo decisivo, para a vitória dos aliados durante a Segunda Guerra Mundial, não restam dúvidas. Que Parnamirim abrigou a primeira base aérea dos Estados Unidos fora do território norte-americano, os livros de história dão conta muito bem. Que a presença de milhares de soldados americanos no cotidiano de Natal mudou a cultura e os costumes da cidade, a população bem sabe. No entanto, nenhum desses argumentos foi relevante para o Rio Grande do Norte ter um roteiro turístico para explorar esse fato histórico.

Parnamirim Field – Foto – Getty Image

O Sebrae no Rio Grande do Norte, entretanto, pretende virar essa página e abrir caminho para a implantação de uma nova rota turística no estado a partir desta quarta-feira (9), quando a instituição vai lançar o projeto Natal & Parnamirim Field na Segunda Guerra. O lançamento será em solenidade fechada para convidados na Casa da Ribeira, a partir das 19h. Durante a cerimônia, que terá espetáculos teatral e sinfônico, será apresentado o mapeamento feito pelo projeto com pontos de interesse histórico e cultural importantes da participação das duas cidades na segunda Grande Guerra.

Na esquerda da imagem está Rostand Medeiros, responsável pelo blog TOK DE HISTÓRIA e autor do livro SOBREVOO-EPISÓDIOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL NO RIO GRANDE DO NORTE, junto com José Ferreira de Melo Neto, o Zeca Melo, Diretor Superintendente do SEBRAE-RN, além de Edwin Aldrin Januário da Silva, Gerente de Comunicação e Marketing SEBRAE-RN, Yves Guerra de Carvalho, Gestor do Investe Turismo RN do SEBRAE-RN, Lorena Roosevelt Lima , Gerente da Unidade de Desenvolvimento da Indústria do SEBRAERN, e Leonardo Dantas, da Fundação Rampa.

Todo o levantamento está reunido em um portal em quatro idiomas (Inglês, Francês, Espanhol e Português), que além do mapeamento dos pontos históricos, traz também personagens e fatos curiosos relacionados ao tema, como o caso do açúcar nos tanques de combustível, o rasante no desfile de 7 de setembro e do espião preso em Jacumã. Além desse levantamento, feito por historiadores da Fundação Rampa e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, o projeto criou governança ao chamar os principais interessados no tema para debater o assunto e desenvolveu os estudos de viabilidade técnica e econômica do aeroporto Augusto Severo, que será transformado em um Centro Cultural, e do Museu da Rampa.

Militares dos Estados Unidos no Grande Hotel, no bairro da Ribeira – Foto – Getty Image

Além disso, vai utilizar a tecnologia de realidade aumentada para criar mais atrativos nos principais equipamentos turísticos ligados à participação na Segunda Guerra. Monumentos, como a rampa, terão pontos de realidade aumentada em que o turista ao apontar a câmera do smartphone poderá fazer fotos em meio a jipe e soldados virtuais.

“A proposta do projeto é apresentar esses pontos de interesse cultural e histórico das duas cidades, que até então têm sido pouco explorados e passem a ser trabalhados por empresas de receptivo para atrair mais turistas e interessados no assunto”, explica o gestor do projeto, Yves Guerra. O Sebrae também inseriu a temática no edital de economia criativa, que apoiou financeiramente projetos culturais, como o espetáculo ‘Bye, Bye Natal’ e a coleção de três livros ‘A Participação do RN na Segunda Guerra Mundial‘, entre outras iniciativas.

Barracas dos militares dos Estados Unidos em Parnamirim Field – Foto – Getty Image

Diversificação

O projeto Natal & Parnamirim Field já vinha sendo trabalhado há cerca de dois anos e, atualmente, faz parte das ações do programa Investe Turismo, que é promovido pelo Sebrae, Ministério do Turismo, Embratur e Secretaria Estadual de Turismo (Setur). Um dos objetivos do programa é diversificar a oferta turística que vá além do turismo de mar. Por isso, o projeto tomou a participação do RN na Grande Guerra como forma de atrair turistas ao estimular entre o trade turísticos e entes governamentais a criação bem estruturada de um roteiro turístico histórico e cultural em volta da temática.

“Mesmo sendo um episódio histórico bastante conhecido, essa participação na Segunda Guerra nunca foi de fato transformada em oferta turística. Por isso, estamos dando esse primeiro passo para a criação de um roteiro”, ressalta Yves Guerra. Além do portal, o projeto também prevê a publicação de uma websérie de dez vídeos, envolvendo a relação entre o Rio Grande do Norte e a II Guerra Mundial. O primeiro já será apresentado no momento do lançamento do projeto, que terá inclusive a participação do cônsul dos Estados Unidos em Recife (PE), John Barrett.

MEMBROS DO CORPO DIPLOMÁTICO DOS ESTADOS UNIDOS NO BRASIL VISITARAM A CIDADE DE RIACHUELO PARA CONHECER A HISTÓRIA DO DESASTRE DE UM HIDROAVIÃO CATALINA OCORRIDO DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

VIERAM IGUALMENTE DEBATER SOBRE AS HOMENAGENS À TRIPULAÇÃO DESSA AERONAVE, QUANDO ESSE EPISÓDIO HISTÓRICO COMPLETARÁ 75 ANOS EM 10 DE MAIO PRÓXIMO.  

Foto de um hidroavião PBY-5A Catalina, do VP-45, junto com militares desse esquadrão de patrulha aérea da Marinha dos Estados Unidos – Fonte – NARA – através do pesquisador Rostand Medeiros.

Fonte – Prefeitura Municipal de Riachuelo-RN

Em 29 de março de 2019, estiveram em Riachuelo o diplomata Daniel A. Stewart e funcionário do Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife Stuart Alan Beechler.

A Prefeita Mara Cavalcanti junto ao diplomata americano Daniel A. Stewart, do Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife- Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.

Entre os objetivos da visita estava um encontro com a prefeita Mara Cavalcanti para conhecer aspectos gerais o município e buscar detalhes sobre o acidente de um hidroavião modelo PBY-5A Catalina da Marinha dos Estados Unidos, ocorrido em 10 de maio de 1944, em pleno período da Segunda Guerra Mundial.

Nesse dia a quase 75 anos, em um dia bastante nublado, por volta das 3 da tarde, antigos membros da nossa comunidade testemunharam a queda e destruição dessa aeronave a cerca de 20 quilômetros da pequena Riachuelo, onde então viviam cerca de 200 habitantes.

Foto da época da Segunda Guerra Mundial de um hidroavião Catalina, igual ao que se acidentou próximo a Riachuelo– Fonte – NARA – através do pesquisador Rostand Medeiros.

No desastre pereceram dez aviadores navais americanos, entre eles o oficial Calder Atkinson, Comandante do esquadrão de patrulha antissubmarino VP-45, que nesse período tinha base em Belém, estado do Pará. Nessa época as forças armadas brasileiras lutavam em conjunto com militares dos Estados Unidos contra as ações beligerantes dos submarinos alemães e italianos no Oceano Atlântico, que atacaram e destruíram vários navios mercantes brasileiros e de outros países. O Catalina do VP-45 que caiu próximo a nossa cidade era uma das aeronaves que participavam das ações de combate.

Outra visão de um Catalina– Fonte – NARA – através do pesquisador Rostand Medeiros.

Em meio aos destroços foram encontrados os corpos desfigurados do Comandante Calder Atkinson e nove outros tripulantes. Mesmo diante do quadro sinistro, os nossos antepassados tiveram todo o cuidado para trazer esses restos mortais para o cemitério da cidade, onde foram enterrados com todo o respeito, dignidade e atenção.

Foto do Comandante Calder Atkinson, que pereceu na queda do Catalina em 10 de maio de 1944– Fonte – NARA – através do pesquisador Rostand Medeiros.

Essa atitude honrada do povo riachuelense chamou à atenção de Daniel Stewart e Stuart Beechler, que informaram que o Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife vai participar das homenagens planejadas pela nossa administração municipal para marcar os 75 anos desse episódio. Nessa ocasião estará presente em nossa cidade o Sr. John Barrett, atual Cônsul Geral dos Estados Unidos na capital pernambucana.

Os visitantes que estiveram em Riachuelo. Da esquerda para a direita vemos os Srs.
Stuart Alan Beechler e Daniel A. Stewart , do Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife, seguido de Rostand Medeiros , escrito e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e o Capitão de Mar e Guerra Fuzileiro Naval (R.R.) Edison Nonato de Faria
– Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.

Além dos membros dessa representação diplomática e do executivo municipal, vão participar das homenagens a Marinha do Brasil, que estará presente com a Banda de Música do Corpo de Fuzileiros Navais e uma representação oficial do Terceiro Distrito Naval de Natal. Apoiando esse importante intercâmbio entre a Marinha e a Prefeitura de Riachuelo, contamos com a inestimável participação do Capitão de Mar e Guerra Fuzileiro Naval (R.R.) Edison Nonato de Faria, que também esteve junto aos americanos na visita a nossa cidade.

Reunião dos visitantes junto com a Prefeita Mara Cavalcanti – Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.

Esse episódio histórico é bastante conhecido dos habitantes da nossa comunidade. Mas recentemente o escritor e pesquisador Rostand Medeiros, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN esteve em Riachuelo em busca de maiores informações sobre o acidente. Esse pesquisador desejava conseguir mais subsídios para o desenvolvimento de um livro sobre a Segunda Guerra no Rio Grande do Norte. Na realização dessa pesquisa Rostand Medeiros contou com o apoio de Aílton de Freitas Macedo, Secretário de Administração de Riachuelo, que buscou ajudar com todas as informações possíveis.

O Secretário de Administração Aílton Freitas apresentando um dos possíveis locais para a realização do evento dia 10 de maio– Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.

Uma das últimas testemunhas diretas desse episódio é o Sr. José Lourenço Filho, que foi entrevistado, como também moradores da zona rural e sítios da região. O resultado dessa pesquisa é um dos capítulos do livro “Sobrevoo – Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”, lançado em 2 de abril do corrente na sede estadual do SEBRAE-RN, que apoiou a confecção dessa obra.

Livro onde está inserido o episódio da queda dessa aeronave próximo a Riachuelo em 1944. Segundo Rostand Medeiros esse livro faz parte da coleção “A participação do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial”, coleção de três livros produzida pela editora Caravela Selo Cultural e apoio do SEBRAE-RN. Fazem parte dessa coleção os livros “A engenharia norte-americana em Natal na Segunda Guerra Mundial”, de Leonardo Dantas de Oliveira, Osvaldo Pires de Souza e Giovanni Maciel de Araújo Silva., além da obra “Observações sobre a Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”, reunindo artigos científicos e organizados pelo escritor e editor da Caravela José Correia Torres Neto .

Rostand Medeiros igualmente esteve acompanhando Daniel Stewart e Stuart Beechler nessa visita.

Por volta de oito da manhã eles chegaram à sede da prefeitura, onde mantiveram uma reunião preliminar com a Prefeita Mara Cavalcanti, Secretário de Administração Aílton Freitas e Sara Gardênia, Secretária Adjunta. Nesse contato ficou definido como será a realização do evento de caráter histórico/educativo do próximo dia 10 de maio e foram tratados aspectos como a localização da cerimônia e a participação das entidades envolvidas. Depois os visitantes percorreram vários locais da cidade, seguindo para um encontro com o Sr. José Lourenço Filho, que bastante emocionado recebeu a todos e narrou alguns fatos relativos ao episódio corrido em maio de 1944.

O Sr. José Lourenço Filho rememorando para os americanos o episódio de 10 de maio de 1944
– Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.

Depois a comitiva seguiu para o Cemitério Municipal, onde os funcionários americanos desejaram conhecer o local onde foram depositados pelos Riachuelenses os restos mortais dos dez aviadores navais. A cova coletiva ficava na área antiga dessa necrópole, junto ao muro da parte posterior desse local. Um dado interessante narrado pelo pesquisador Rostand Medeiros é que na atualidade esses aviadores navais se encontram sepultados em um cemitério militar no estado de Illinois, Estados Unidos, onde seus despojos estão reunidos em um único túmulo, tal como em Riachuelo. 

O grupo de visitantes, tendo à frente o Secretário Aílton Freitas visitando o local onde os aviadores navais do seu país foram enterrados em 1944 – Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.

Antes do grupo seguir para o local onde a aeronave Catalina caiu, de forma surpreendente eles puderam conhecer um objeto original oriundo dos destroços: uma colher de prata com o símbolo da Marinha dos Estados Unidos e bastante conservada. Essa verdadeira relíquia histórica atualmente está de posse de uma família riachuelense, que tem enorme respeito pela peça e a preserva da melhor maneira possível.

Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.

Na sequência todos seguiram por estradas da zona rural, circulando por áreas que estão recebendo boas chuvas neste ano de 2019. O grupo foi até a área da queda do Catalina, onde debateram aspectos históricos do episódio.

Daniel Stewart , Stuart Beechler, Aílton Freitas e Rostand Medeiros na área do desastre do Catalina – Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.

No retorno a sede de nossa prefeitura, houve um novo encontro com a Prefeita Mara Cavalcanti e ficaram acertadas várias deliberações para o evento que ocorrerá em 10 de maio próximo.

A Prefeita Mara Cavalcanti recebendo um presente do diplomata Daniel A. Stewart
– Foto – Charles Franklin de Freitas Gois.

Com essa atividade a Prefeitura Municipal de Riachuelo honrará de forma digna a memória dos militares aliados que sacrificaram suas vidas em prol da liberdade, bem como a dos nossos antepassados que souberam com extrema dignidade e atenção conceder a esses aviadores navais o descanso em solo riachuelense.

MEUS APONTAMENTOS SOBRE A REUNIÃO NO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DO RN RELATIVA A QUESTÕES LIGADAS A HISTÓRIA DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL EM NATAL E PARNAMIRIM

A grande base de Parnamirim Field durante a Segunda Guerra Mundial – Fonte – NARA.

Rostand Medeiros – Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN

Na tarde da última quinta-feira, 14 de março de 2019, ocorreu no prédio anexo da Procuradoria do Ministério Público Federal do Rio Grande do Norte-MPF-RN, através da ação do seu Núcleo de Cidadania e Ambiental, uma importante e interessante audiência extrajudicial com o objetivo de tratar de assuntos pertinentes ao resgate, preservação e valorização do patrimônio histórico existente em Natal e Parnamirim ligados ao período da Segunda Guerra Mundial.

O Dr. Victor Manoel Mariz, Procurador Federal.

Essa reunião foi provocada pela positiva iniciativa do amigo Ricardo da Silva Tersuliano, do Instituto dos Amigos do Patrimônio Histórico e Artístico Cultural e da Cidadania-IAPHACC, que em 29 de agosto do ano passado deu entrada no MPF-RN com um ofício solicitando a realização de uma audiência para debater temas ligados ao período da Segunda Guerra Mundial. Nesse documento, entre outras coisas, Ricardo sugeriu a criação de um inventário do patrimônio histórico utilizado pelas forças militares estrangeiras e brasileiras que se encontravam sediadas no Rio Grande do Norte durante o conflito, a criação de uma possível rota histórico-turística abrangendo essas edificações, além do tombamento e preservação desse patrimônio.

Em 15 de fevereiro de 2019 recebi um ofício do MPF-RN convidando-me para participar dessa reunião, fato que me trouxe muita satisfação.

Da esquerda para direita Ricardo Tersuliano do IAPHACC, Leonardo Dantas da Fundação Rampa, o autor desse texto e João Hélio do SEBRAE.

Estiveram presentes o vereador Felipe Alves, representando a Câmara de Vereadores de Natal, João Hélio Cavalcanti, Diretor do Serviço de Apoio da Micro e Pequena Empresa do Rio Grande do Norte-SEBRAE, Leonardo Dantas e Augusto Maranhão como representantes da Fundação Rampa, Maximiniano Braga representando a Secretaria Municipal de Turismo, Hélio de Oliveira da Fundação Cultural Capitania das Artes-FUNCARTE, Márcio Alekssander como representante do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Rio Grande do Norte-IPHAN/RN, os comandantes Henrique Afonso e João Leal Neto representando o 3º Distrito Naval da Marinha do Brasil, o coronel Tito Tavares como representante da 7ª Brigada de Infantaria Motorizada do Exército Brasileiro, o major Cidney Paiva Ribeiro, a 2º tenente Rosa Célia Gonçalves e a professora Grazielly dos Anjos Fontes representando a ALA-10 da Força Aérea Brasileira, a Procuradora Estadual Majore Madruga representando a Procuradoria Geral do Estado, além de Sérgio W. B. Paiva e Harryson Magalhães como representantes da Fundação José Augusto.   

Participantes.

A audiência foi presidida pelo Procurador Federal Victor Manoel Mariz, que me pareceu uma autoridade do judiciário bastante centrado no desenvolvimento do seu trabalho, além de interessado e preocupado com as questões envolvendo o patrimônio histórico potiguar. Fato esse bastante alvissareiro em uma terra onde eu tenho a impressão que tudo ligado a questões sobre a sua própria história é tratado de forma irresponsável, desleixada e secundária por muitas de suas autoridades.

Inicialmente o Dr. Victor Mariz ressaltou que o MPF-RN não pode interferir de maneira abrangente na execução de políticas públicas, mas informou que esse órgão tem a incumbência constitucional de fomentar o debate e instar o Poder Público a adotar medidas voltadas a conferir proteção aos valores históricos e culturais.

Na sequência o Procurador Federal apontou duas questões que para ele estavam bastante claras: a enorme importância histórica da região de Natal e Parnamirim em relação a história da Segunda Guerra Mundial e o descaso do Poder Público no tocante a valorização e ao resgate da memória desses fatos. Finalizou seus apontamentos iniciais comentando que o objetivo daquela reunião era provocar a ação dos atores interessados nesse tema, que permitisse promover o resgate desse patrimônio histórico, bem como sua valorização.

Depois ocorreram várias manifestações dos presentes, das quais separei as que eu considero as mais relevantes, além da minha própria manifestação perante o Procurador Federal.

Ricardo Tersuliano, do IAPHACC, comentou que o motivo que levou a sua instituição a provocar o MPF-RN foi a percepção que Natal e Parnamirim estão perdendo de maneira célere as suas respectivas identidades históricas em relação à importância que tiveram durante o período da Segunda Guerra. Para ele não existe até o presente momento ações concretas destinadas ao resgate e a preservação desse importante patrimônio histórico.

Já a Procuradora do Estado Majore Madruga comentou que tem visualizado a subutilização do patrimônio histórico do Estado do Rio Grande do Norte, notadamente no âmbito das atividades turísticas. Acrescentou que é preciso conhecer quais das edificações que foram importantes para a época, saber o estado que se encontram e adotar as medidas necessárias para evitar possíveis demolições. 

Procuradora do Estado Majore Madruga e o Dr. Victor.

Os representantes da Fundação Rampa Leonardo Dantas e Augusto Maranhão informaram que essa entidade vem desde 2008 realizando estudos sobre a Segunda Guerra e promovendo ações como o resgate do passeio de Jeep realizado por Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt por Natal e ocorrido em janeiro de 1943. Esse resgate é realizado através de uma interessante encenação histórica pelas ruas da cidade. 

Tripulação de um avião da marinha norte americana do tipo PB4Y-1 LIBERATOR, do esquadrão VPB-107, com base em Natal, Rio Grande do Norte, que patrulhava e caçava submarinos na costa brasileira.

Já João Hélio Cavalcanti, Diretor do Serviço de Apoio da Micro e Pequena Empresa do Rio Grande do Norte-SEBRAE-RN, informou que esta entidade está trabalhando há quatro anos na elaboração de um projeto que tem como tema a importância de Natal no cenário histórico da Segunda Guerra e visa a criação de uma rota turística, onde tanto a Governadora do Estado quanto o Prefeito de Natal tem conhecimento desse projeto.

Como escritor, pesquisador e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte-IHGRN, eu tive a oportunidade de compartilhar minhas experiências com estudos e pesquisas sobre a Segunda Guerra Mundial no meu estado.

Aproveitei a ocasião para ressaltar o positivo trabalho realizado na cidade de Mossoró em relação ao resgate da memória histórica da resistência cívica, efetuada pela sua população em 1927 contra o ataque do bando de cangaceiros de Lampião. Apontei a importância das ações em prol desse projeto e da existência do conhecido Memorial da Resistência como um local que ajudou e vem ajudando a população mossoroense a ampliar a percepção relativa a esse episódio e, consequentemente, valorizar a história da sua cidade.

´Memorial da Resistência, um exemplo de como Mossoró preserva a memória do ataque de Lampião d um exemplo para Natal e Parnamirim.

Como muitos dos presentes afirmaram nessa reunião, eu também endossei que pouco tem sido feito para resgatar e preservar a memória da Segunda Guerra em Natal e Parnamirim, um momento histórico tão intenso e importante dessas duas cidades. Mas na minha fala igualmente eu fiz questão de enaltecer que é primordial a criação de um memorial da Segunda Guerra Mundial em Natal. Como vários comentaram nessa reunião, igualmente apontei que certamente o melhor local para existir esse espaço é o prédio histórico da Rampa, com a sua utilização sendo administrada pela Fundação Rampa.

Não tenho dúvidas que a existência desse espaço será de suma importância para ampliar o conhecimento e a própria valorização sobre esse tema que, mesmo de forma limitada, é referenciado por uma grande parcela da população potiguar.

Inclusive informei situações e problemas pela não existência de um local de memória especializado no período da Segunda Guerra no Rio Grande do Norte e a minha atuação profissional junto ao turismo potiguar. Citei como exemplo que durante o período de grande fluxo de turistas estrangeiros ao Rio Grande do Norte, ocorrido entre o final da década de 1990 e início da década seguinte, quando então desenvolvia atividades laborais como Guia de turismo cadastrado pela EMBRATUR e atendia visitantes oriundos da Península Ibérica, após relatar com detalhes as histórias relativas a Segunda Guerra na nossa região, em algumas ocasiões fui cobrado a apresentar os locais históricos citados, ou algum museu que mostrasse com detalhes o período. Essas situações me causaram constrangimento junto a esses turistas, por ter pouco a apresentar e a inexistência de um museu especializado para a realização de visitas.

Ainda durante a minha fala trouxe para o Dr. Victor Mariz a informação que em junho de 2015 o Dr. João Batista Machado, então Promotor de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, na época titular da 41ª Promotoria de Justiça da Comarca de Natal, me solicitou a elaboração de um relatório preliminar sobre os locais utilizados pelas forças militares norte-americanas que se encontravam estacionados em Natal durante a Segunda Guerra Mundial. Como resultado desse relatório o Dr. João Batista decidiu organizar uma visita a esses locais, o que efetivamente ocorreu no dia 20 de junho de 2015. Participaram dessa visitação membros do Ministério Público Estadual, do IAPHACC, outras entidades e convidados.     

Convite da 41ª Promotoria de Justiça da Comarca de Natal para a realização das visitas aqui comentadas.

Quando da elaboração do documento apresentado ao Ministério Público Estadual encontrei na bibliografia e fontes existentes a referência de 32 locais utilizados em Natal. Mas como o relatório focava nos pontos utilizados pelos norte-americanos eu listei e detalhei então 17 edificações, as quais foram efetivamente visitadas em 20 de junho de 2015. Quanto aos outros 15 locais os mesmo não foram visitados por não terem sido inseridos no relatório, em razão de possuírem utilizações históricas diversas da focada no objetivo solicitado.

Comprovante da entrega do relatório de 2015.

Por determinação do Dr. Victor Mariz, como uma das deliberações finais dessa reunião, coube a mim e ao amigo Leonardo Dantas ampliar o relatório que entreguei ao Ministério Público Estadual em 2015, coletando todas as informações disponíveis sobre as 32 edificações consideradas interessantes para a época histórica pesquisada. Isso não impede que outros locais sejam apontados como importantes para aquele período histórico e sejam acrescentados a esse novo relatório. Igualmente foi solicitado a outros representantes das entidades presentes na reunião o cumprimento de outras deliberações.

“Sobrevoo-Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”, meu quinto e mais novo livro, que faz parte da “Coleção A Participação do RN na Segunda Guerra Mundial”, material que contou com o apoio do SEBRAE-RN para sua elaboração, através do Edital Economia Criativa 2018. Esse livros será lançado no dia 2 de abril de 2019, na sede do SEBRAE de Natal, junto com os livros dos amigos Leonardo Dantas e José Correia Torres Neto.

Acredito que essa reunião foi extremamente positiva, bem como positiva é a ideia do MPF-RN de provocar a ação dos atores interessados nesse tema. Talvez os desdobramentos desse momento possam promover o resgate desse patrimônio histórico, bem como sua valorização. Fico na torcida para que tudo funcione corretamente.

Na tarde da última quinta-feira, 14 de março de 2019, ocorreu no prédio anexo da Procuradoria do Ministério Público Federal do Rio Grande do Norte-MPF-RN, através da ação do seu Núcleo de Cidadania e Ambiental, uma importante e interessante audiência extrajudicial com o objetivo de tratar de assuntos pertinentes ao resgate, preservação e valorização do patrimônio histórico existente em Natal e Parnamirim ligados ao período da Segunda Guerra Mundial.
No nariz de um PBSY-1 LIBERATOR, em meio a uma pintura de mulher, conhecida como “pin-up art”, o nome da cidade potiguar de Macaíba, escrito na forma antiga.

Entretanto não tenho muitas ilusões sobre uma possível atuação de maior relevância do Poder Público nesse caso. Apesar desse tema ser de alta relevância para a história e memória potiguar, devido a continuada omissão desse mesmo Poder Público, creio que eu tenho direito a não ter ilusões.

1924 – O CONFLITO DAS LAVADEIRAS EM NATAL

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O Baldo mostrando as roupas lavadas e dependuradas nas cercas. Uma marca de Natal no início do século XX.

O Esquecido Confronto entre As Lavadeiras do Baldo Contra Empresários Apoiados Pela Marinha do Brasil e a Atitude do Capitão-tenente Fábio Sá Earp

Rostand Medeiros – Sócio efetivo do IHGRN – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Elas eram muitas, eram pobres, eram esforçadas, eram trabalhadoras silenciosas e dedicadas ao que faziam. Na Natal do passado eram vistas todos os dias seguindo pelas ruas da cidade, principalmente descendo com suas trouxas de roupas na cabeça as ladeiras arenosas da atual Rua Princesa Isabel e da Avenida Rio Branco em direção ao Rio do Baldo, um pequeno e limpo afluente onde elas exerciam a sua profissão.

Um dia, de forma inesperada e corajosa, uniram forças contra o mais rico homem do Rio Grande do Norte daquele tempo, que junto a militares da Marinha do Brasil tentaram expulsá-las do seu tradicional local de trabalho.

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E o que houve com o oficial da Marinha do Brasil envolvido nesse episódio?

O Rio de Beber

Segundo nos conta o Professor Itamar de Souza, em seu livro Nova História de Natal (Departamento Estadual de Imprensa, 2008), obra indispensável para quem quer conhecer sobre o passado da cidade de Natal, desde o século XVII o Rio do Baldo é um dos pontos da cidade que mais aparecem nas documentações antigas.

Quando o conde Maurício de Nassau administrou a possessão holandesa que abrangia parte do Nordeste (1637-1644), trouxe com ele artistas e naturalistas que aqui estiveram para descrever paisagens, animais e buscar as riquezas da terra. Entre estes estava o alemão George Marcgrave, que visitou em Natal em 1643 e descreveu o Rio do Baldo, chamando-o Tiuru[1].

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Mapa holandês de 1650, mostrando o Rio Potengi, Natal e o afluente Tiuru, o Rio do Baldo.

Câmara Cascudo, tendo como base o trabalho de Marcgrave, assim escreveu sobre este afluente do Rio Potengi “Subindo o Potengi, da foz para as nascentes, logo após a cidade, está o Tiuru, Tiçuru diz a Descrição de Pernambuco em 1746, donde bebe o povo da cidade. É o Rio da Bica, o mesmo Rio do Baldo, ainda hoje existente em seus filetes humildes”.[2]

Outra descrição de Cascudo sobre o local “Tiçuru:- Rio da cidade do Natal, depois Rio do Baldo (1761), atravessando a Praça Carlos Gomes. Era a principal fonte de abastecimento d’água para os moradores durante mais de dois séculos. Em sua vizinhança ficou a Cruz da Bica, limite sul do sítio da Cidade, e que se tornou centro de devoção popular, a Santa Cruz da Bica, com festas em 3 de maio. De ti-ruçu, água grande, Alt. Tiuru”[3].

Cascudo também aponta que o primeiro branco que foi proprietário da área onde passava este rio foi o capitão Pedro da Costa Faleiro, que em 1677 recebeu uma carta de aforamento “no alagadiço da fonte desta Cidade”.

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Grande parte da pequena Natal do início do século XX dependia do Baldo para sobreviver.

Este alagadiço era formado por fontes e vários veios de água que desciam tanto da área mais elevada do centro velho, o atual bairro da Cidade Alta, como dos aclives para os lados dos bairros do Alecrim e Barro Vermelho. Cascudo escreveu que os moradores da primitiva Natal também chamaram o Rio do Baldo como o rio de beber água, rio da cruz, rio da bica, rio da fonte e simplesmente rio[4].

Durante os séculos seguintes o pequeno e límpido Rio do Baldo teve uma grande importância para Natal e sua gente, tendo merecido atenção das autoridades. Em algum momento do passado foi construído um aterro primitivo, com um sangradouro, para acumular vários metros cúbicos de água para uso da população. Com o tempo uma parte dessa área também ficou conhecida como Oitizeiro[5].

1912, Feira do Passo da Pátria
Feira da comunidade do Passo da Pátria em 1912, próximo a região do Baldo. Era nessa comunidade onde habitavam a maioria das lavadeiras envolvidas no conflito de 1924.

Em uma cidade pobre, o Baldo se torna um local onde muitos conseguiam a subsistência, principalmente as mulheres. Certamente existiam aqueles que transportavam água pura para as casas dos natalenses de outrora, mas também existiram as escravas que seguiam para lavarem as roupas de seus amos. Depois foram as mulheres livres, mas pobres, que realizavam esse trabalho em troca de alguns tostões[6].

E viver em Natal sem lavar uma roupa, era algo um tanto difícil de conseguir conviver desde priscas eras. Pois quem tinha o privilégio de viver neste lugar maravilhoso, localizada apenas a cinco graus ao sul da Linha do Equador, vivia debaixo de um calor abrasador. Certamente ficava bem melhor está com uma roupa lavada em um rio de água cristalina e passada no ferro aquecido com carvões em brasa, para acompanhar o lindo pôr-do-sol do Rio Potengi, sentado na calçada de casa em uma relaxante cadeira de balanço.

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Outro detalhe da região do Baldo e Oitizeiras onde as lavadeiras trabalhavam.

Muitas Histórias no Baldo

São muitos os fatos e episódios da História da capital potiguar ocorridos no local. Alguns engraçados e outros trágicos.

Henrique Castriciano comentou que em 1845 morava na velha Natal uma mulher na faixa dos 50 anos de idade, solteira, que tinha como únicas companhias uma afilhada chamada Balbina e uma cadelinha. Era uma mulher discreta, que vivia de “pequenas vendas de preparados de milho” e diziam que ela era rica, “possuidora de occulto e cobiçado tesouro”. Seu nome era Anna Marcellina e era nativa de Hamburgo, por isso conhecida por todos como Hamburguesa[7].

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Nota publicada no Rio de janeiro, extremamente cheia de erros, sobre a execução da Hamburguesa.

Certamente para fugir do calor diurno da nossa cidade, Marcellina tinha o hábito de lavar a sua roupa a noite. Mas em 13 de fevereiro de 1845, quando seguia para o Baldo, o soldado Alexandre José Barbosa, natural do Assú, matou essa mulher a cacetadas e a asfixiou empurrando seu rosto na areia. O móvel do crime foi roubar o pretenso “tesouro” que a Hamburguesa possuía e que não foi encontrado pelo assassino. Pelo crime o soldado Alexandre foi enforcado em Natal[8].

Em um dos textos sobre o crime da Hamburguesa, Henrique Castriciano deixa entender que no Baldo ocorriam cerimônias e manifestações ligadas a religiosidade afro-brasileira. Castriciano percebeu necessidade de se estudar o que ali acontecia – “Baldo, logradouro público, onde a plebe natalense, desde tempos remotos, faz nocturnas abluções e cuja inffuencia nos costumes da mesma plebe merece ser estudada por um chronista observador”.

Johann Moritz Rugendas. Lavadeiras do Rio de Janeiro, 1835.
Johann Moritz Rugendas. Lavadeiras do Rio de Janeiro, 1835. No Baldo não era muito diferente.

Independente das histórias passadas, percebemos que a área do Baldo e Oitizeiro preocupavam os políticos e o poder público no início do século XX.

Lopes Cardozo, um candidato a deputado federal nas eleições de 1890, publicou nos jornais da cidade as suas propostas para conseguir eleitores, entre estas constava a da “drenagem do Baldo” e de “quebrar a Cabeça do negro”, que nesse caso se referia a uma pedra que atrapalhava a entrada de embarcações no porto de Natal[9].

1905
Joaquim Manoel Teixeira de Moura, o Prefeito de Natal, que na época tinha o título de Presidente da Intendência, apresentou um interessante relatório em janeiro de 1905 que mostra interessantes visões sobre o Baldo e Natal.

Em 1904, quando uma forte seca queimou o interior do Rio Grande do Norte, o então governador Tavares de Lira utilizou os muitos retirantes que buscaram refúgio em Natal para realizarem diversos melhoramentos na cidade e um dos locais foi no Baldo. Foram feitos trabalhos de retirada de aterros de lama, limpeza da área, construção de banheiros e de uma casa para um guarda municipal zelar para que as pessoas não tomassem “banhos despidos”.[10]

Em meio a lavagens de roupas, coletas de água, banhos, despachos e mortes, parece que as festas também faziam parte da rotina daquele ponto de Natal.

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Melhorias feitas para as lavadeiras.

Antônio José de Melo e Sousa, escritor que por duas vezes foi governador do Rio Grande do Norte, comentou utilizando o pseudônimo de Lulu Capeta o quanto havia sido fraca a festa dos Reis Magos de 1902, com “poucos grupos tirando os Reis e nem uma lapinha animada”. Para Melo e Sousa a exceção naquele ano foi um “cherém” organizado no Baldo. Apesar da reclamação do escritor pela baixa qualidade dos músicos, Melo e Sousa, que a tudo escutava na sua casa por volta da meia-noite enquanto escrevia a nota para o jornal, afirmou com certa melancolia que “Aquele povo está divertindo-se, e eu a estas horas rabiscando capetadas[11].

Também naquele mesmo ano de 1902, durante o carnaval, vários grupos de foliões brincaram no Baldo em meio a muita chuva. A animação era total, quando por volta das nove e meia da noite da terça-feira gorda estourou uma briga entre os organizadores de um “Maracatu”. Não fosse a intervenção enérgica do oficial de polícia Francisco Cascudo e sua tropa, quase que um dos desordeiros foi furado a punhal. Para completar a nota os arruaceiros acabaram entrando no xadrez vestindo saias e dormiram na antiga cadeia da cidade, chamada jocosamente de “Chalet da Praça André de Albuquerque”[12].

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Conflito Contra a Marinha

As lavadeiras do Baldo e Oitizeiro, juntamente com o seu pesado trabalho faziam parte do cotidiano e da paisagem de Natal.

Em 1924 a cidade evoluía e quem chegava de Recife no trem da Great Western, tinha o primeiro vislumbre da cidade ao passar na região do Baldo e via a labuta daquelas mulheres.

Um dia, aos primeiros raios do sol, as lavadeiras que chegavam ao seu local de trabalho encontraram alguns homens munidos de materiais para a construção de uma cerca, fechando o acesso para a área de trabalho delas e derrubando os banheiros. Além dos trabalhadores, oficiais de justiça estavam munidos de documentos para sacramentar a ordem judicial.

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A região do Baldo e Oitizeiro visto a partir da linha do trem da Great Western. Quem vinha nesta composição de Recife tinha o primeiro vislumbre da cidade ao passar na região do Baldo e via a labuta daquelas mulheres.

O fato se deu em uma sexta-feira, 14 de março e, segundo o matutino natalense O Jornal do Norte, cujo redator era o advogado e jornalista João Café Filho, as mulheres não aceitaram a realização do trabalho daqueles homens e logo estalou um conflito. Não existem detalhes de como se deu os atos de violência, mas Café Filho aponta que as mulheres partiram para cima, derrubaram a cerca recém-colocada e não deixaram o serviço continuar. Na sequência o encarregado ameaçou chamar os homens da Armada, um nome comum na época para designar a Marinha do Brasil.

Hoje Natal é o porto de alguns navios de guerra da Marinha, sedia o Comando do 3° Distrito Naval, a grande Base Naval Ari Parreira, o Grupamento de Fuzileiros Navais e outras unidades menores. Mas em 1924 as unidades militares da Marinha na capital potiguar se restringiam a Escola de Aprendizes Marinheiros, hoje extinta, e a Capitania dos Portos do Rio Grande do Norte[13]. Logo os marinheiros e o comandante da Capitania chegaram ao Baldo.

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Fábio Sá Earp na Inglaterra.

O oficial comandante era o capitão-tenente Fábio Sá Earp, que informou ter os trabalhadores direito de realizarem seu serviço, pois o terreno era da Marinha e fora aforado pelo empresário Manoel Machado.

Provavelmente o homem mais rico do Rio Grande do Norte no seu tempo, Manoel Duarte Machado era natural de Portugal, mas já morava há alguns anos em Natal onde fez fortuna. Aqui casou com a nativa Amélia Duarte Machado, que lhe proporcionou uma longa união, mas que não deixou filhos. Aparentemente são os investimentos em terras, onde ele tinha muita visão na hora das aquisições, que fez aumentar seus rendimentos.

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A prática do aforamento em si nada tinha de errado e este é como se chama até nossos dias o contrato entre um órgão público que é dono de alguma área, ao qual um particular adquire de forma perpétua o direito à posse, uso e gozo daquele bem. Diz-se, portanto, que o particular, chamado foreiro, é o titular do domínio útil, obrigando-o ao pagamento anual do foro.

Apesar de legal, para o jornalista Café Filho o rico empresário Manoel Machado desejava aquele terreno para “plantar capim”. Junto a Manoel Machado, contava como interessado no aforamento o comerciante Thomaz da Costa Filho.[14]

O capitão Sá Earp buscou argumentar com as lavadeiras que realmente o terreno onde trabalhavam pertencia à Marinha, cujo domínio útil estava sendo cedido através do aforamento a Manoel Machado e Thomaz da Costa. Evidentemente que aquelas mulheres simples não sabiam e não entendiam nada daquilo. Mas elas sabiam o valor do seu trabalho e unidas disseram não ao oficial naval.

Recuo Inusitado dos Militares

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Membros do Esquadrão de Cavalaria da Força Pública, a atual Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte na década de 1920.

Para piorar a já frágil situação daquelas mulheres, surgiu da Cidade Alta uma tropa do Esquadrão de Cavalaria da Força Pública, a atual Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte. Eram vinte homens montados em cavalos, armados com cassetetes e comandados pelo tenente Francisco Barbosa. Na cola dos policiais e de suas alimárias começou a juntar muita gente e a tensão reinante só cresceu.

A notícia da época conta que as duas partes, as lavadeiras e os membros do Estado, se encaravam. Uma das partes com paus, pedras, machados, foices, mãos de pilão e a outra com armas de fogo e cassetetes. As lavadeiras tinham até mesmo uma posição que Café Filho chamou de “ar de sarcasmo” diante da tropa fardada.

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Fábio Sá Earp em 1918

O carioca Fábio Sá Earp, como oficial militar de uma força federal era, sob todos os aspectos vigentes do seu tempo, um homem com muito poder. Não dá nem para comparar com os dias atuais a força que os militares da década de 1920, tanto na teoria quanto na prática, possuíam sobre os brasileiros. O nosso país era então uma nação convulsionada, com várias revoltas e que vivia quase que permanentemente debaixo de Estado de sítio[15].

Bastava o oficial naval dá uma simples ordem para que seus comandados, bem como a força policial estadual, passasse por cima das lavadeiras e de quem mais se opusesse. Quem ficasse no meio que aguentasse as consequências.

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Antiga sede da Capitania dos Portos de Natal, atual Capitania das Artes.

Então houve algo inesperado para a maioria dos espectadores presentes – O capitão-tenente Fábio Sá Earp e o tenente Francisco Barbosa entraram em um entendimento e decidiram recuar suas tropas. Além disso, segundo relata Café Filho, estes oficiais mandaram suspender os serviços, ficando estabelecido que as lavadeiras fossem ressarcidas dos seus prejuízos, com a polícia garantindo o cumprimento das ordens e o direito do trabalho das mulheres.

Consta que em 1924 a causa das lavadeiras era de extrema aceitação positiva por parte da população de Natal. Até porque, quem é que iria lavar a roupa suja do povo dessa terra?

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Um pouco de como a mídia da época viu o conflito.

Bem, poderíamos concluir este texto com a alma lavada pela sensação de vitória das mais fracas diante dos gladiadores fardados e do poder do capital.

Mas, novamente utilizando os escritos de Café Filho, sabemos que bastou o clima de tensão esfriar, a multidão se dispersar, a noite cair e os policiais saírem da área de litígio, para os trabalhadores de Manoel Machado e Thomaz da Costa Filho refazerem a cerca no meio da madrugada. Mas nem bem o dia amanheceu as lavadeiras derrubaram todo serviço feito na calada da noite e ainda sobraram cacetadas para os construtores da cerca. As mulheres então buscaram a ajuda profissional de um advogado para impetrar um habeas corpus.

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O caso então desaparece do matutino Jornal do Norte. Entretanto, de uma forma ou de outra, as lavadeiras do Baldo continuaram por lá por um bom tempo. Acredito que o que acabou com seu trabalho foram as mudanças dos costumes, as mudanças laborais, a poluição no velho Rio do Baldo e os avanços tecnológicos[16].

Ao realizar esse texto ficou uma curiosidade – O porquê do capitão-tenente Fábio Sá Earp recuar diante de frágeis e pobres lavadeiras?

Esse militar naval, carioca oriundo de uma nobre família da região serrana do Rio de Janeiro, com forte tradição de participação de seus membros junto a Marinha do Brasil, era antes de tudo um grande profissional, possuía um forte caráter pessoal e, por ser como era, pagou um alto preço profissional na Força Naval pelo seu pensamento e atitudes.

Um Alto Preço

Durante a Primeira Guerra Mundial o Brasil teve uma participação muito mais simbólica do que efetiva. Mesmo assim enviou para a Inglaterra um grupo de oficiais navais para se formarem como pilotos, treinando em hidroaviões da Royal Navy. Esse grupo de brasileiros, que chegou até mesmo a realizar missões de patrulha, era comandado pelo capitão-tenente Manoel Augusto P. de Vasconcellos, potiguar de Natal, e entre seus comandados estava o então primeiro-tenente Fábio Sá Earp. 

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Militares brasileiros enviado a Inglaterra durante a Primeira Guerra Mundial. Da esquerda para direita vemos Lauro de Araújo, Heitor Varady, Eugênio Possolo, Virgínius B. Delamare, Olavo Araújo, o potiguar Manoel Augusto P. de Vasconcelos e Fábio Sá Earp.

Além de oficial naval e piloto de avião Sá Earp era querido pelos seus colegas e comandados. Estava sempre participando de atividades aéreas sobre o Rio de Janeiro, então Capital Federal, voando aeronaves “Machi 9”, de fabricação italiana, ou “MF”, de fabricação norte-americana[17].

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Mas um dia em 1922, em meio às muitas crises políticas ocorridas durante o governo do Presidente Artur Bernardes, ele e outros oficiais navais se recusaram a realizar uma passagem a baixa altitude na Avenida Rio Branco, centro do Rio, saudando o Presidente da República. Para entender um pouco melhor esse fato, leia abaixo a nota do jornal carioca A Noite, de 28 de abril de 1922, na 1ª página.

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Fábio Sá Earp e seus companheiros pagaram um preço muito, muito alto, por não desfilar para o despótico Bernardes. De saída ele perdeu suas “asas” de piloto, sendo excluído da Aviação Naval. Perdeu também a oportunidade de ir para os Estados Unidos para acompanhar a construção de aeronaves destinadas a nossa Marinha[18].

Apesar de ter sido promovido por antiguidade a capitão-tenente, recebeu como punição maior a transferência para Natal, então uma cidade distante de tudo e de todos. Aqui chegou com sua esposa no início de julho de 1923 e assumiu o cargo de Capitão do Porto.

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Mesmo passando por tantos problemas, na capital potiguar Sá Earp não se tornou uma pessoa rancorosa e nem complicada. Pelo contrário, era operativo e laborioso. O próprio jornalista Café Filho comentou na notícia do caso das lavadeiras, que após o capitão Sá Earp desembarcar em terras potiguares ele deu continuidade ao trabalho do seu antecessor no melhoramento das colônias de pescadores da região, tendo recebido elogios da sociedade local.

Mas logo depois do problema das lavadeiras, mais precisamente em dezembro de 1924, um ano e meio após chegar a Natal, Fábio Sá Earp foi transferido para ser o segundo em comando da Escola de Aprendizes de Marinheiros de Recife.

Não sei nessa época como era o tempo de rotatividade dos comandantes na direção da Capitania dos Portos de Natal, mas fico com o pensamento que as ações do capitão Sá Earp nesta cidade parece que não foram bem vistas pela elite local. Talvez algum pesquisador com maior capacidade do que a minha possa dizer que estou equivocado, mas percebo que  sua permanência a frente da nossa Capitania rápida e a ele, um piloto naval formado na Inglaterra, coube uma transferência para assumir uma função secundária, em uma escola naval no distante Nordeste do país.

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Diário de Pernambuco, 18 de dezembro de 11924, pág. – 2

Mesmo nessa situação o capitão-tenente Fábio Sá Earp continuou a realizar o seu trabalho de forma correta e positiva. Ele chegou a participar de uma interessante pesquisa sobre a questão da pesca no Atol das Rocas[19].

Com o tempo e as mudanças no curso da política do país, o oficial naval Fábio Sá Earp voltou a Aviação Naval e em 1942 se incorporou a recém-criada Força Aérea Brasileira (FAB). Ainda durante a Segunda Guerra Mundial comandou uma representação da FAB na Inglaterra e depois chegou ao posto de brigadeiro [20].

Mas aqueles eram outros tempos, onde talvez a ponderação já não estivesse mais presente na mente e nem no coração do velho aviador!

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Fábio Sá Earp na FAB na década de 1950 – Fonte – FGV

Pois foi Fábio Sá Earp quem deu voz de prisão ao mítico Nero Moura, antigo comandante do 1° Grupo de Aviação de Caça da FAB que combateu na Itália durante a Segunda Guerra. O fato se deu no final de outubro de 1945, quando os militares derrubaram Getúlio Vargas e Nero Moura se posicionou contrariamente ao golpe. Sá Earp era seu superior hierárquico e o deteve nas dependências do quartel-general da III Zona Aérea[21].

NOTAS


[1] Segundo a etimologia o Tiuru é de origem tupi, possivelmente correlacionado a tyuru, a bexiga, termo este está no dicionário do Padre Manoel Moraes, (Marcgrave, 1648), pg.276.

[2] Ver Câmara Cascudo, Luís da: GEOGRAFIA DO BRASIL HOLANDES, Livraria José Olímpio Editora, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 1ª Edição, 1956.

[3] Ver Câmara Cascudo, Luís da: NOMES DA TERRA, Fundação José Augusto, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil, 1ª Edição, 1968.

[4] Ver Câmara Cascudo, Luís da: História da cidade do Natal, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, Brasil, 2ª Edição, 1980.

[5] Sobre a questão das denominações envolvendo a área do Rio do Baldo, esta parece ser a denominação mais tradicional e antiga. Entretanto a partir de certa época os textos antigos colocam na mesma região o local “Oitizeiro”. Inclusive a primeira usina de fornecimento de energia elétrica da Natal, cujos motores ficavam na esta área, era chamado de Usina do Oitizeiro. Procurei os conhecimentos dos amigos Manoel Medeiros de Britto, advogado e ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grand do Norte, e do Professor Claudio Pinto Galvão, para tirar esta dúvida. Ambos não me souberam dizer onde começava uma e terminava outra. Os dois acreditam que ambas as denominações apontavam para a mesma área.

[6] Certamente a existência dessas várias mulheres lavando roupas determinou que, em algum momento da História de Natal, alguém tratou o sebo e fabricou sabões primitivos.

[7] Hamburgo atualmente é uma grande cidade na Alemanha, mas em 1814 era uma Cidade Estado, com o título oficial de “Cidade Livre e Hanseática de Hamburgo”, junto com outros 38 estados soberanos que faziam parte da federação alemã.

[8] Ver jornal A República, edições de 26 e 27 de fevereiro de 1907, respectivamente terça e quarta feira, sempre na página 2.

[9] Ver jornal A República, edição de 16 de julho de 1890, quarta feira, página 3.

[10] Joaquim Manoel Teixeira de Moura, o Prefeito de Natal, na época tinha o título de Presidente da Intendência. Ver jornal A República, edições em várias datas no mês de janeiro de 1905. O relatório é apresentado sempre com o título “Relatorio apresentado a intendencia eleita para o triennio 1904 a 1907 por ocasião de sua posse em 1 de janeiro de 1905”.

[11] Ver jornal A República, edição de 16 de julho de 1890, quarta feira, página 3.

[12] Ver edições do jornal A República, de 12 e 13 de fevereiro de 1902, respectivamente quarta e quinta feira, sempre nas 1ª páginas.

[13] Naquele tempo, até mesmo pela ausência do transporte aéreo, tudo que se referia ao tráfego marítimo de cargas e passageiros chamava muito a atenção de toda nação, consequentemente a Capitania dos Portos era uma instituição militar de uma importância bem mais intensa que nos dias atuais. Sempre que havia mudança de seus comandantes, os novos oficiais que aqui chegavam eram saudados com toda pompa e circunstância pelos Presidentes de Província e depois pelos Governadores potiguares. Criada pelo Imperador Dom Pedro II, através do Decreto n.º 539, de 3 de outubro de 1847, certamente esse é um dos órgãos mais antigos da administração pública federal no Rio Grande do Norte.

[14] Consta que o aforamento se confunde até nosso dias com a enfiteuse. Antes, o aforamento tinha feição própria, distinta da enfiteuse. O aforamento recaía sobre toda sorte de bens, solo e superfície, prédios incultos ou cultivados, chãos vazios ou edificados. A enfiteuse só incidia sobre terrenos incultos ou chãos vazios. Ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Enfiteuse

[15] Nessa época o presidente brasileiro era o advogado mineiro Artur da Silva Bernardes, que governou o Brasil entre 15 de novembro de 1922 e 15 de novembro de 1926 e governou utilizando o Estado de sítio durante quase todo seu governo. O Estado de sítio é um estado de exceção, instaurado como uma medida provisória de proteção do Estado, quando este está sob uma determinada ameaça, como uma guerra ou uma calamidade pública. Esta situação de exceção tem algumas semelhanças com o estado de emergência, porque também implica a suspensão do exercício dos direitos, liberdades e garantias. Ver https://www.significados.com.br/estado-de-sitio/

[16] Não encontrei uma única vírgula sobre o tema publicado pelo jornal natalense “A República”, o jornal oficial do governo estadual potiguar.

[17] Ver Revista Marítima Brasileira, pág. 902, edição 86, 1920, Imprensa Naval, Rio de Janeiro-RJ.

[18] Sobre este episódio ver, considerado uma rebelião na época, pode ser lido no jornal A Noite, Rio de Janeiro-RJ, edições de 28 de abril (pág.1), 4 de maio (pág.2), 8 de maio (pág.2), 29 de maio (pág.3), 14 de junho (pág.3), 16 de junho (pág.2) e 12 de setembro (pág.5), todas as edições do ano de 1922. Fabio Sá Earp tinha nessa época como um dos seus colegas o aviador naval Djalma Petit, que ficaria muito conhecido no Rio Grande do Norte como instrutor aéreo e um dos fundadores do Aeroclube local.

[19] Ver Revista Marítima Brasileira, respectivamente na pág. 846, edição 124, 1932 e na pág. 264 e 265, edição 125, 1933, ambas publicadas pela Imprensa Naval, Rio de Janeiro-RJ.

[20] Ver jornal A Noite, Rio de Janeiro-RJ, edição de quinta-feira, 4 de novembro de 1943, pág. 1.

[21] Ver http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/moura-nero

 

O VAGABUNDO DO MAR

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Desenho de Carlos Arthur Thiré.

A HISTÓRIA DO NAVEGADOR SOLITÁRIO INGLÊS QUE NAUFRAGOU EM UMA REMOTA ILHA BRASILEIRA, FOI SALVO POR UM TRANSATLÂNTICO ITALIANO E ACABOU PRESO NO RIO SUSPEITO DE SER COMUNISTA

Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte 

Era uma terça feira, 28 de março de 1939, e o transatlântico italiano MS Augustus navegava tranquilo em pleno Oceano Atlântico, a cerca de 530 milhas náuticas a nordeste de Natal. A bela nave seguia em direção ao Mar Mediterrâneo em meio a um mar calmo, com poucas ondas e muito sol típico de uma zona tropical.

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O MS Augustus

Por volta de uma e meia da tarde muitos passageiros percorriam tranquilos os decks da nave de 215 metros de comprimento, descansando depois do almoço. Alguns estavam sentados em cadeiras dobráveis se dedicando a leitura, outros conversavam em pequenos grupos e muitos observavam o mar na expectativa de avistarem algum peixe, uma baleia e os Rochedos de São Pedro e São Paulo. Eles haviam sido informados que este remoto local surgiria em breve a estibordo, ou seja, a direita do navio.

Conhecido hoje como Arquipélago de São Pedro e São Paulo, o local é uma parte pequena e bem isolada parte do território brasileiro, sendo um dos poucos lugares na Terra onde um cume oceânico subaquático rompe a superfície do mar. Formado por um pequeno grupo de ilhas que está apenas 18 metros acima das águas oceânicas e com uma extensão total de meros 4,5 hectares, era conhecido dos homens dos mares desde 1511, quando uma frota portuguesa com seis caravelas seguindo em direção as Índias, topou com o lugar sem querer. Deste encontro a caravela São Pedro bateu nas rochas e afundou e a caravela São Paulo salvou os sobreviventes do barco sinistrado e daí surgiu a sua denominação.

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Arquipélago de São Pedro e São Paulo na atualidade – Fonte – http://aurelioschmitt.blogspot.com.br

Perdidos no meio do grande Oceano Atlântico, ao longo dos séculos aquelas rochas não chamaram a atenção de exploradores, mas sim de grandes cientistas, entre eles o inglês Charles Darwin, que lá esteve na manhã de 16 de fevereiro de 1832, na primeira etapa de sua viagem ao redor do mundo a bordo do HMS Beagle.

Esquecidos e isolados em 1939 os então denominados Rochedos de São Pedro e São Paulo serviam, quando avistados durante o dia, como ponto de referência para verificação do posicionamento de navios através das cartas náuticas, bússolas e sextantes e, no caso de transatlânticos como o Augustus, um motivo de distração para seus normalmente entediados passageiros.

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Logo o transatlântico ficou a menos de dez milhas náuticas de distância e as rochas negras surgiram no horizonte. Alguns passageiros munidos de lunetas e pequenos binóculos se colocaram na amurada para observar aquele amontoado de pedras batidos pelas ondas. Em pouco tempo um burburinho em diferentes idiomas surgiu e braços apontavam em direção aos rochedos. De lá sinais luminosos provocados por um espelho nas mãos de um homem nu, que também agitava os braços intensamente, chamaram atenção de várias pessoas.

Quem era aquela pessoa?

Perdido nos Rochedos dos Santos

Na ponte de comando do Augustus a figura solitária naquelas rochas também chamou atenção dos oficiais que estranharam o fato. Eles sabiam que dificilmente alguém estaria ali praticando naturismo em num ponto tão isolado do Globo e também sabiam que a última missão oficial de qualquer espécie ocorrida nos Rochedos de São Pedro e São Paulo fora realizada em 1930.

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Naquele ano membros da Marinha do Brasil estiveram no local a bordo do navio tender Belmonte para a instalação de um pequeno farol aero marítimo e já fazia algum tempo que ele estava apagado. Tanto assim que a oficialidade do Augustus e de outros navios de cargas e passageiros que passavam pela região só se aproximavam do local durante o dia e com tempo bom, pois além de tudo as correntezas na área eram fortes.

Logo o comandante do Augustus enviou uma mensagem telegráfica para a Capitania dos Portos de Recife, para a Polícia Marítima e para o Presídio Político de Fernando de Noronha para informar sobre o fato.

O coronel Nestor Veríssimo, diretor do presídio, informou que nenhum detento havia se evadido da instituição que comandava e o comandante Humberto Areia Leão, capitão do porto de Recife, imediatamente comunicou ao então Ministério da Marinha. Mas foi Renato Medeiros, inspetor da Polícia Marítima, que conseguiu a informação de que o transatlântico italiano MS Conte Grande era esperado para os próximos dias em Recife e, como normalmente acontecia com os navios que faziam esta rota entre o Brasil e a Europa, passaria próximo aos Rochedos de São Pedro e São Paulo. Através da ajuda de Etelvino Lins, então Secretário de Segurança Pública, o inspetor Renato Medeiros conseguiu enviar uma mensagem urgente ao Conte Grande para que investigasse o caso.

Mas foram os membros da imprensa recifense que conseguiram informações mais seguras sobre o solitário homem nos rochedos.

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O transatlântico italiano MS Conte Grande

Um oficial do paquete nacional Santarém, da empresa Lloyd Brasileiro e que se encontrava há uma semana no porto de Recife, informou que na sua última travessia vindo de Lisboa havia encontrado no meio do mar um pequeno barquinho a vela, com pouco mais de cinco metros e meio de comprimento e uma pequena bandeira britânica no diminuto mastro. O capitão do Santarém parou sua nave mista de passageiros e cargas e procurou ajudar o navegador solitário. Este agradeceu o apoio, informou que se dirigia para Natal e alegou que nada lhe faltava naquela verdadeira casca de noz que enfrentava os mares. O velejador parecia com saúde, aparentava está com as faculdades mentais corretas e o Santarém continuou seu rumo em direção a capital pernambucana.

Seria o homem nos Rochedos de São Pedro e São Paulo o mesmo navegador solitário?

Salvo

O Conte Grande era uma nave muito conhecida no Brasil e extremamente respeitada pela nossa sociedade, que nessa época utilizava intensamente o transporte marítimo.

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Saída do escaler para busca o náufrago.

A nave possuía muito luxo nos seus 200 metros de comprimento e desde 1932 fazia a linha entre a Itália e a América do Sul. A oficialidade do navio italiano acatou o recebimento das mensagens transmitidas pelas autoridades de Recife e pelo Augustus e informou que realizaria uma parada nos rochedos.

Por volta das cinco e meia da manhã de 31 de março os motores do Conte Grande ficaram girando em baixa rotação para manter a posição, enquanto um escaler era baixado com quatro marinheiros, um enfermeiro de bordo e sob o comando de um oficial do transatlântico.  Houve um fato narrado nos jornais que mostra bem as características das questões relativas ao pudor existente na época – Devido ao estado de nudez do náufrago o navio foi deixado a uma distância relativamente grande dos Rochedos de São Pedro e São Paulo e o pessoal a bordo do escaler teve de remar dobrado, mas conseguiram realizar a tarefa.

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Retorno do escaler.

Para surpresa geral aquele homem jovem e cabeludo falou em perfeito italiano. Ele estava muito fraco e foi examinado, teve sua nudez coberta com um roupão branco e foi levado para o Conte Grande. Sua chegada causou verdadeiro frenesi a bordo, mas ele foi mantido isolado devido ao seu estado de saúde.

Logo se soube que o estranho se chamava Michel Formosa, era filho do inglês Francis Reynold Formosa e mãe italiana, havia nascido em Paris, morava na ilha mediterrânea de Malta, era técnico de rádio e falava fluentemente cinco idiomas. Formosa contou que havia feito economias para realizar o sonho de adquirir um pequeno barco e conhecer o mundo singrando os mares.

Sozinho no Atlântico

O solitário navegador conseguiu seu intento no ano anterior, batizando a pequena nave de O. K. e partiu da ilha de Malta, na época parte do Império Britânico, no dia 2 de outubro de 1938.

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Percorreu com certa dificuldade a parte da costa africana banhada pelo Mar Mediterrâneo, mas ultrapassou o Estreito de Gibraltar e passou a navegar no Oceano Atlântico. Sua primeira parada foi na cidade marroquina de Tânger, depois Las Palmas, (Arquipélago das Canárias), na sequência Bathurst (Atual Banjul, capital da Gâmbia), Bissau (Atual capital da República da Guiné-Bissau) e outros locais da África Ocidental.

Partiu em março na direção do Brasil com a ideia de chegar a Natal, cidade que comumente aparecia em noticiários de jornais e revistas que comentavam feitos e realizações aeronáuticas na Europa.

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Para Formosa o porto de Natal lhe aparecia como um ponto de apoio pequeno, limitado, mas muito bem localizado no extremo nordeste da América do Sul. Para ele pouco importava as dimensões do nosso porto, ou o tamanho de Natal. Para quem buscava atravessar o Oceano Atlântico em um veleiro com apenas cinco metros e meio de comprimento, o que importava era chegar vivo!

Durante sua travessia atlântica o navegador Formosa passou uma parte do tempo apreciando o mar, noutra dormindo, ou lendo livros sobre o Novo Mundo. Enfrentou dois dias de forte tempestade, mas o O. K.  suportou bem a pressão. Em outro momento um nevoeiro muito forte, acompanhado de uma calmaria intensa o deixou em meio a um mundo com poucas referências visuais e um intenso silêncio.

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Um dia viu um navio brasileiro de carga e passageiros chamado Santarém, que veio em sua direção e aconteceu o contato narrado anteriormente. Para Formosa o melhor deste encontro no meio do mar foi saber que seguramente estava na rota certa. Mas no rápido encontro o navegador solitário britânico esqueceu-se de perguntar aos oficiais do Santarém se o farol dos Rochedos de São Pedro e São Paulo estava funcionando.

Queria Vir a Natal

Na madrugada de 26 de março o mar engrossou, e o vento se tornou mais e mais forte. As vagas invadiam continuamente o deck do barquinho a vela e tornava a navegação muito difícil. À noite a situação só piorou e a visibilidade se tornou mínima. Por volta da meia noite, já bastante cansado, Formosa vislumbra no meio da chuva o que lhe pareceu ser o cume de uma montanha. Ele sabia que o continente estava ainda muito longe e não havia visto a luz do farol de São Pedro e São Paulo. Logo escutou as ondas batendo nas pedras e tentou mudar o rumo, mas foi tarde demais.

Uma forte onde lhe arrancou o lema e o pequeno O. K. bateu forte em uma pedra e começou a afundar. Com o impacto Michel Formosa foi jogado para fora do veleiro e só não morreu por um impacto contra as rochas porque, de alguma forma, foi levado para um ponto no meio das pedras onde pode se agarrar e sobreviver sem maiores problemas. Ele saiu da água em meio a uma forte escuridão, muito frio e percebeu que estava nu.

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O fim do O.K. nas pedras de São Pedro e São Paulo.

Horas depois a chuva e o vento amainaram e o sol começou a despontar no horizonte trazendo luz e calor. Logo começou a compreender a natureza hostil dos Rochedos de São Pedro e São Paulo, onde água doce só era encontrada em pequenas frestas. Havia muitos pássaros e seus ovos, mas isso não daria para muita coisa.

Conforme o sol foi subindo no horizonte ele conseguiu divisar através das águas muito transparentes, a cerca de 10 metros de profundidade, o casco do O. K. e achou que valia a pena mergulhar para trazer coisas que pudessem lhe ajudar a sobreviver. Conseguiu chegar ao casco, mas logo percebeu a presença de tubarões rondando a área e se assustou.

Na superfície começou a explorar a maior das ilhotas, denominada Belmonte em honra ao navio da Marinha do Brasil que trouxe os construtores do pequeno farol em 1930.

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Michel Formosa com marcas no rosto das bicadas dos pássaros dos Rochedos de São Pedro e São Paulo. Luta pela sobrevivência.

Encontrou alguma madeira podre e um interessante pedaço grosso de espelho do agora inútil farol, que se estivesse em funcionamento teria evitado em todo o problema que agora vivia. Refletindo raios do sol conseguiu fazer uma fogueira e assou algumas aves marinhas que capturou em meio a uma luta que lhe deixaram feias marcas no rosto. Comeu também alguns ovos destas aves e esta foi sua única alimentação.

Quatro dias depois de chegar aquele esquecido local, viu surgir no horizonte um grande navio de passageiros. Com o coração aos pulos foi atrás do espelho do velho farol e ficou refletindo a luz do sol em direção ao navio, que foi passando, passando, diminuindo de tamanho, até que sumiu. Nessa hora, já debilitado pela falta de alimentação adequada e do medo de morrer a míngua naquele fim de mundo, Formosa se desesperou.

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O que ele não sabia era que seu esforço de visualização obteve êxito e sua presença nos rochedos desencadeou várias mensagens telegráficas que culminaram na chegada do Conte Grande e no seu salvamento.

No Rio e na Delegacia do Caçador de Comunistas

Depois de se recuperar, ser barbeado, ter o cabelo cortado, Michel Formosa foi contemplado com muito apoio e atenção a bordo do transatlântico italiano.

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Ele recebeu roupas, cigarros e já passou a dar entrevistas a alguns jornalistas que estavam a bordo e retornavam da Europa. Como todo bon vivant europeu que se prezasse naquela época, Formosa passou a curtir o momento plenamente. Por conta da empresa de navegação passou a tomar uns drinkzinhos no restaurante do navio, conversou com meio mundo de pessoas que estavam a bordo narrando sua epopeia e dizendo que o objetivo de sua viagem solitária era “dar a volta ao mundo”, com ideias de chegar até no Japão. Apareceu sorridente em fotos, com um cigarro pendurado no canto da boca, em uma imagem típica de ator canastrão francês.

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Logo, no dia 4 de abril, surgiu diante do Conte Grande a figura emblemática do Pão de Açúcar e a bela Baía da Guanabara.

Após o navio ancorar, já previamente avisados, subiram a bordo dois agentes da Polícia Marítima e Michel Formosa saiu escoltado para o conhecido Palácio da Polícia, na Rua da Relação, no centro da cidade. Ali ficava a sede da 2ª Delegacia Auxiliar, sob o comando do Dr. Linneu Chagas d’Almeida Cotta, muito conhecido por participar das investigações que culminaram na prisão de vários envolvidos na conhecida Intentona Comunista de 1935. Entre estes detidos figuravam os alemães Henry Berger e Olga Benário, além do então estudante baiano Carlos Marighella, este último detido em maio de 1936.

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O estrangeiro Formosa não estava entendendo nada sobre a razão de está ali. Na sua mente, sem deixar de ter certa lógica, ele era um ex-náufrago, que havia perdido tudo que tinha nos Rochedos de São Pedro e São Paulo e não poderia resolver aqueles problemas burocráticos apresentando o que não tinha.

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Michel Formose, já não tão sorridente, prestado declarações.

Para piorar a situação, certamente irritado com tudo aquilo, o inglês primeiramente se negou a responder qualquer coisa sobre si mesmo, falando apenas “No Entiendo” aos questionamentos feitos. Depois, sem saber o tamanho do perigo em que estava se metendo, partiu para responder com certa dose de ironia as perguntas do Dr. Linneu Cotta.

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Michel Formosa entre policiais.

Um jornalista narrou que a muito custo o estrangeiro comentou que era inglês e o delegado, depois de participar das investigações contra Henry Berger e Olga Benário, estava considerando tudo que Formosa dizia como sendo mentira, já o enquadrando como “extremamente suspeito” de ser comunista e ele acabou preso.

Ao ser informado da situação do ex-náufrago, a Embaixada Britânica no Rio, que na época ficava na praça XV de novembro, através do Vice Consul Noel Cameron Robinson, tratou de enviar com extrema urgência um telegrama para a legação britânica em Bathurst e saber a real situação de Michel Formosa.

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O ex-náufrago em liberdade.

Mesmo em uma época de comunicações limitadas, para sorte do súdito britânico preso, Bathurst confirmou no mesmo dia que o navegador solitário havia estado lá em 2 de fevereiro e que a sua situação era legal.

Sabedores do extremo perigo que o imprudente súdito de sua majestade corria se fosse acusado oficialmente de ser comunista no Brasil, os diplomatas britânicos prontamente entregaram um documento oficial sobre a situação do preso ao delegado Cotta, que soltou Formosa.

O Destino do “Vagabundo do Mar” na Guerra

Após sair do xilindró o navegador solitário inglês ainda foi notícia dos jornais cariocas por algum tempo, principalmente em “A Noite”. Inclusive durante semanas este periódico publicou uma serie de quadrinhos, produzidas pelo renomado cartunista Carlos Arthur Thiré, trazendo as aventuras de Michel Formosa.

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Comentou-se que através da “Editora S.A. A Noite” seria publicado o livro “O Vagabundo do Mar”, onde Formosa narraria sua epopeia marítima.

Notícias posteriores sobre Michel Formosa, que muitos periódicos afirmaram se chamar Michel Formose, comentou que através da ajuda do pessoal da equipe de remo do Fluminense Football Club seria conseguido um barco para ele continuar sua viagem. Mas parece que tudo ficou só nas promessas, pois as notícias sobre Michel Formosa desapareceram dos jornais cariocas.

Certamente a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 3 de setembro de 1939, mudou tudo na vida deste homem. Em algum momento ele retornou a Europa, onde embarcou a serviço em navios de carga e em um deles, pouco mais de dois anos depois de sua aventura nos Rochedos de São Pedro e São Paulo, encontrou a morte.

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S.S. Kingston Hill

No dia 8 de junho de 1941 o S.S. Kingston Hill seguia solitariamente no Oceano Atlântico. Com quase 130 metros de comprimento era um navio novo, lançado no mar pelo estaleiro escocês William Hamilton & Co. apenas seis meses antes. Transportava naquela viagem 8.300 toneladas de carvão e 400 toneladas de carga geral e pouco depois de uma da manhã este navio foi atingido por dois torpedos vindos do submarino alemão U-38.

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O U-38 preparando-se para partir.

Esta nave de guerra era comandada pelo Korvettenkapitän (capitão de corveta) Heinrich Liebe, um dos quinze melhores comandantes de submarinos alemães, com um total de 34 navios afundados e um danificado durante seu tempo como comandante. Apenas para efeito de comparação em toda Segunda Guerra o Brasil teve 35 navios afundados e danificados por submarinos nazifascistas.

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Placa com os nomes dos mortos do navio Kingston Hill.

O Kingston Hill levou quase uma hora e meia para afundar, onde catorze membros da tripulação morreram e 48 sobreviveram. Entre os mortos constavam o capitão do barco e os bombeiros de bordo Daniel Taylor e Michel Formosa, que lutaram arduamente para tentar extinguir o fogo e salvar a nave. O nome de Michel Formosa consta em uma placa de bronze no memorial de Tower Hill, em Londres, junto com outros treze companheiros do seu barco que tiveram o mar como túmulo.

Ironicamente este ataque ocorreu a cerca de 520 milhas náuticas ao norte dos Rochedos de São Pedro e São Paulo.

REBOCADORES SÃO AFUNDADOS NA COSTA PERNAMBUCANA E AUMENTAM AS ATRAÇÕES DO TURISMO DE MERGULHO NA REGIÃO

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Fonte – http://www.pe.gov.br/blog/2017/02/08/rebocadores-sao-afundados-na-costa-pernambucana-e-aumentam-o-atrativo-do-programa-mergulhe-pernambuco/

 Um Projeto Semelhante No Rio Grande Do Norte Afundou na Burocracia!

Hoje, 8 de fevereiro de 2017, afundaram quatro rebocadores na costa pernambucana. Mas o que poderia ser entendido como um acidente, associado a uma possível tragédia, é na verdade uma ação turística.

Estes barcos agora fazem parte do Parque dos Naufrágios de Pernambuco e se juntam a outros 14 rebocadores já afundados. São diversos naufrágios dos mais variados tipos e épocas, e até recifes artificias, criados através de projetos entre operadoras de mergulho, empresas privadas e públicas.

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Foto: Divulgação/brasilmergulho.com.br

A área é considerada um dos melhores locais para prática de mergulho no Brasil e, além dos naufrágios propositais, o Parque dos Naufrágios conta com navios históricos em sua área. Alguns exemplares datam do período da Segunda Guerra Mundial. 

Hoje foram afundados quatro rebocadores: Bellatrix (30 metros de comprimento), Phoenix (30 metros), São José (24 metros) e Virgo (26 metros). Os três primeiros serão submersos de uma vez. O afundamento simultâneo de três embarcações é inédito. Eles ficarão a uma distância de 13 km da costa a uma profundidade de 28 metros. Já o rebocador Virgo será afundado a 11 km do Porto do Recife e ficará a 25 metros de profundidade.

Estava previsto que o processo deveria durar cerca de 10 horas, começando às 7h e terminando por volta das 17h. Os barcos deveriam sair para o mar juntos, puxados entre si com uma corda. Após serem preparadas com a eliminação de combustíveis, contaminantes e outros materiais perigosos; as embarcações serão naufragadas por meio da abertura das válvulas, que permite a inundação gradual.

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Foto: Divulgação/brasilmergulho.com.br

O afundamento de hoje foi destacado pelo deputado estadual Gustavo Negromonte (PMDB), na Reunião Plenária desta terça (7). A iniciativa faz parte do Programa Mergulha Pernambuco, da Secretaria Estadual de Turismo, Esportes e Lazer, em conjunto com empresas do setor. Segundo o deputado o afundamento custou apenas R$ 8 mil e vai incentivar um nicho da área de turismo que atraiu 500 mil turistas em todo o País, no ano passado. “Recife tem as melhores condições de mergulho no Brasil: a água mais limpa, a melhor temperatura e um Parque Marinho de Naufrágios, com 29 navios afundados na costa”, apontou. Para o deputado, o projeto é audacioso e uma prova de que, mesmo numa época de crise, é possível fazer mais e melhor.

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Foto: Divulgação/brasilmergulho.com.br

Embarcações afundadas são consideradas excelentes pontos de mergulho, atraindo turistas de todo o mundo. A expectativa da Secretaria de Turismo de Pernambuco, que apresentou o projeto Mergulhe Pernambuco na tarde de ontem, é de que o número de visitantes aumente neste ano. “Pernambuco já é considerado um dos principais destinos do Brasil e do mundo em relação a isso. Esses novos pontos vão promover ainda mais nosso turismo e aumentar nossa visibilidade como destino do turismo de aventura”, afirmou o secretário de Turismo do estado, Felipe Carreras.

O parque vem atraindo mergulhadores de todo o País. E graças à divulgação feita em países da América do Sul, Pernambuco passou a receber centenas de turistas argentinos interessados na atração. Em 2016, foram vendidos cerca de 450 pacotes turísticos para conhecer o parque dos naufrágios artificiais. Desses, 160 foram comprados por argentinos.

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Foto: Divulgação/brasilmergulho.com.br

Além da capital pernambucana, Fernando de Noronha, Abrolhos (Bahia) e Bombinhas (Santa Catarina) contam com parques de embarcações naufragadas. A criação de recifes artificiais começou na década de 1820, nos Estados Unidos.

De acordo com o biólogo Henrique Maranhão, da UFPE, além das vantagens econômicas, pelo incremento no turismo, a ação traz benefícios ao meio ambiente. “Os naufrágios atraem organismos, que ficam aderidos à superfície. Com isso, peixes começam a se interessar pela área e chegam procurando abrigo e alimentação”, frisou o pesquisador. Tudo isso permite o estabelecimento de uma cadeia alimentar e de relações ecológicas no entorno do recife.

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Foto: Divulgação/brasilmergulho.com.br

O projeto de criação do Parque Estadual Marinho dos Naufrágios de Pernambuco reuniu na sua criação entidades como Ibama, UFRPE, UFPE, Iphan, Setur, Diretoria de Turismo de Ipojuca e Secretaria de Meio Ambiente de Olinda, além de representantes de hotéis e de empresas que trabalham com mergulho.

Na sequência de sua criação foi oficializado um grupo de trabalho que deu prosseguimento as etapas legais necessárias para implantar a primeira unidade de conservação deste tipo no Estado.

Os recursos para o Parque Marinho foram oriundos do fundo de compensação ambiental, disponíveis para serem investidos em unidades de conservação.

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Os rebocadores afundados – Fonte https://www.mercadoeeventos.com.br/noticias/destinos/parque-de-naufragios-de-pernambuco-ganha-novas-atracoes-para-mergulho/

A imprensa pernambucana comentou que o Rio Grande do Norte estuda a implantação de um projeto semelhante.

Realmente em outubro de 2013 a imprensa natalense vinculou reportagens com este tema, onde existia a ideia de serem utilizados barcos abandonados que se encontravam às margens do rio Potengi e no porto de Areia Branca para a existência desta área de mergulho. A imprensa informou também que na época chegou a ocorrer uma reunião com a participação de representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), Marinha do Brasil, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Secretaria Municipal de Turismo (Seturde) e empresas operadoras de mergulho.

Ficou definido que A Seturde e a UFRN ficariam responsáveis por apresentar um projeto conjunto para a criação do Parque dos Naufrágios. Com essa proposta, o Ibama abriria um pedido de licenciamento ambiental e disponibilizaria uma equipe composta por três oceanógrafos, três engenheiros de pesca e um biólogo especialista em peixes recifais para conduzir o licenciamento.

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Fonte – http://melhoresdestinosdobrasil.com.br/os-melhores-destinos/olinda-pe/mergulhar-nos-naufragios-de-olinda/

Mas morremos na praia!!!

Informações de pessoas ligadas ao meio dão conta que dois navios foram doados e preparados, existindo todas as autorizações da Marinha, inclusive com a indicação do ponto que seria o Parque de Naufrágios de Natal, mas demorou muito a autorização dos órgãos ligados a área ambiental federal e ambos os navios se deterioraram no estaleiro… Uma lástima pra Natal e para o Rio Grande do Norte, sempre tão pobre!

O triste é que estas alternativas ao Turismo, de custo relativamente baixo até onde entendo, são sempre desprezadas aqui em detrimento a obras muito caras, com muita engenharia e de retorno prático duvidoso.  Mas que são ótimas para a canalização de dinheiro Federal, principalmente em períodos pré eleitorais.

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Imagem ilustrativa – Crédito: Fernando Clark/Cortesia

FONTES

http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/suplementos/tur/online/parque-dos-naufragios-em-pernambuco-ganha-novos-atrativos-1.1700606

http://www.brasilmergulho.com/bellatrix/

http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cidades/geral/noticia/2013/04/23/estado-tera-parque-marinho-de-naufragios-80671.php

https://pedesenvolvimento.com/2013/04/29/pernambuco-tera-parque-estadual-marinho-dos-naufragios/

http://www.alepe.pe.gov.br/2017/02/07/gustavo-negromonte-destaca-acao-que-vai-incrementar-o-mergulho-de-naufragios-no-recife/

http://www.nominuto.com/airtonbulhoes/barcos-abandonados-na-redinha-podem-abrigar-a-zica-marinheiro/15897/

http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2013/10/criacao-de-parque-dos-naufragios-e-retomada-por-orgaos-no-rn.html

HÁ 73 ANOS, O SUBMARINO ALEMÃO U-199 ERA AFUNDADO POR AERONAVE DA FAB

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– Deixo aqui os meus sinceros agradecimentos ao meu amigo CMG (FN-RM1) Edison Nonato da Silva, nobre oficial Fuzileiro Naval da Marinha do Brasil, pelo envio deste material.

Em 31 de julho de 1943, o submarino alemão U-199 foi surpreendido na superfície, ao largo do Rio de Janeiro, atacado e afundado na posição 23º54’S – 42º54’W, por cargas de profundidade, por um avião americano PBM Mariner (Esquadrão VP-74 – Marinha dos EUA) e duas aeronaves brasileiras (Catalina “Arará” e Hudson), resultando em 49 mortos e 12 sobreviventes.

O Catalina (modelo PBY-5) que atacou e afundou o submarino alemão U-199 foi batizado como ‘Arará’, em 28 de agosto de 1943, numa cerimônia realizada no aeroporto Santos Dumont, e ganhou mais tarde na fuselagem uma silhueta de submarino para marcar o feito.

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O nome Arará foi dado em homenagem a um dos navios afundados pelo submarino alemão U-507. O avião também recebeu na cauda a inscrição: “Doado à FAB pelo povo carioca”.

Refletindo bem o espírito da época, a cerimônia de batismo do Arará teve canções patrióticas e discursos inflamados. Entre os presentes estava o comandante do navio mercante Arará, José Coelho Gomes, e a tripulação do Catalina. O hidroavião foi batizado com água do mar por uma menina – Miriam Santos – órfã de seu pai, o Segundo-Comissário Durval Batista dos Santos, morto na ocasião em que o Arará (o mercante teve 20 mortos) foi afundado, no momento em que prestava socorro às vítimas do Itagiba, no dia 17 de agosto de 1942.

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Detalhe do PBY Catalina “Arará”, já com a marcação de afundamento do U-199 na fuselagem.

Outra cerimônia seria repetida um mês depois no Rio Grande do Sul, com o batismo de outro Catalina, com o nome de Itagiba, navio mercante afundado em 17 de agosto de 1942, com 38 mortos, entre tripulantes e passageiros. Entre os sobreviventes, estavam os soldados dos Sétimo Grupo de Artilharia de Dorso, alguns dos quais foram lutar na Campanha da Itália em 1944.

A guarnição do Catalina na ocasião do afundamento do submarino U-199 era a seguinte: Comandante José Maria Mendes Coutinho Marques, Piloto Luiz Gomes Ribeiro, Co-piloto José Carlos de Miranda Corrêa. Tripulantes: o Aspirante Aviador Alberto Martins Torres e os Sargentos Sebastião Domingues, Gelson Albernaz Muniz, Manuel Catarino dos Santos, Raimundo Henrique Freitas e Enísio Silva.

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Um submarino alemão modelo IX D2 (longo alcance), idêntico ao U-199 afundado na costa do Rio de Janeiro em 31 de julho de 1943.

O submarino U-199

Ao longo da Segunda Guerra a Alemanha nazista produziu mais de 1.500 submarinos, essas embarcações ficaram conhecidas como U-Boats, termo originado da palavra alemã Unterseeboot (barco debaixo-d’água). Com essa arma a Alemanha praticamente estrangulou o comércio marítimo da Inglaterra.

Quando o conflito torna-se mundial, o esforço de guerra alemão necessitou enviar seus submarinos a pontos mais distantes. É neste cenário que surgem submarinos melhores e maiores.

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“Raio X” do submarino alemão modelo IX-D – Fonte – http://www.naufragiosdobrasil.com.br.

Em 1942 a Alemanha lançou o U-boat tipo IX D com o objetivo de bloquear ainda mais o fluxo de matérias primas necessárias ao esforço de guerra de seus inimigos. Os submarinos do tipo IX D 2 (de longo alcance) da 12º flotilha – Bordeaux, começaram a operar em novembro de 1942. Eram capazes de executar patrulhas de ataque em regiões afastadas da América do Sul,  atingindo assim importantes portos como Santos e Rio de Janeiro.

Em suas patrulhas, eram abastecidos em alto mar por unidades submarinas de apoio, chamadas “vacas leiteiras”, estendendo assim, ainda mais, seu raio e tempo de ação.
Mas com a entrada dos Estados Unidos na Guerra e devido ao forte desenvolvimento da aviação de patrulha, que se instalou no Brasil em bases como Aratu, Salvador e Rio de Janeiro, tudo mudaria.

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Foto da um submarino modelo IX D, mostrando parte do armamento.

O U-199 foi construído nos estaleiros AG Wesser em Bremen e comissionado em 28 de novembro de 1942. Ele era um submarino modelo IX D2 (longo alcance), com dimensões de 87,58 metros de comprimento por 7,5 metros de boca, deslocava submerso cerca de 1.800 toneladas.

Possuía velocidade de cruzeiro de 20,8 nós na superfície, propulsado por dois motores diesel e 6,9 nós quando submerso, com dois motores elétricos. Podia transportar 24 torpedos de 533 mm, para 4 tubos de proa e dois de popa ou 44 minas. Sua tripulação podia variar de 55 a 63 homens.

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O Kapitänleutnant Hans Werner Kraus, comandante do U-199.

Foi lançado em julho de 1942 e começou a operar em novembro do mesmo ano. Considerado na época como um submarino de última geração, seu comandante Hans Werner Kraus pretendia fazer no sudeste brasileiro uma devastação semelhante a que o Capitão Schacht do U-507 fizera 11 meses antes na costa sergipana.

O U-199 em missão

O U-199 partiu do porto de Berger em Kiel, Alemanha, para sua primeira missão na América do Sul no dia 13 de maio de 1943. Sua tripulação consistia de 61 homens e estava sob o comando de Kraus, tendo como guarnição sete oficiais, dois guardas-marinha, seis suboficiais e 41 marinheiros.

Cruzou o equador no início de junho, mas a forte disciplina de Kraus não permitiu que seus homens celebrassem a travessia do equador, por considerar que a festa distraia os tripulantes na travessia do Atlântico de Freetown a Natal.

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Avião modelo Lockheed Hudson, no caso da foto pertencente a U.S. Army Air Force. Uma aeronave similar a esta avistou o U-199 no Oceano Atlântico.

Durante a travessia o U-199 foi avistado por um avião Hudson A-28 americano, porém ele estava desarmado e não houve combate.

A 200 milhas do litoral do Brasil, Kraus recebeu ordens de interceptar e destruir navios inimigos, somente então houve a comemoração pela travessia do Equador. Após a celebração, o U-199 mudou o curso para contornar a costa do Brasil.

No dia 18 de junho de 1943, o U-199 chegou à sua área operacional entre o sul do Rio de Janeiro e São Paulo e foi adotada a tática de permanecer submerso durante o dia, em profundidade de periscópio (20 metros), elevando o periscópio a intervalos regulares para reconhecimento.

Durante o patrulhamento desta área, o comandante Kraus ficou frustrado com o baixo número de alvos. Poucos cargueiros, espanhóis e argentinos, países neutros no conflito, cruzavam o litoral.

Após alguns dias de patrulha o comandante Kraus recebeu autorização do alto comando alemão para trocar a área de patrulha.

Na noite do dia 26 de junho, o U-199 avistou o navio mercante americano Charles Willian Peale, que navegava escoteiro (sozinho) a 50 milhas do Rio de Janeiro. O U-199 lançou um torpedo de proa, mas este errou o alvo. Não se sabe porque o comandante Kraus desistiu do ataque.

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Um hidroavião Martin PBM Mariner, similar ao da foto, avistou o U-199 durante uma patrulha na noite de 3 de julho de 1943. Esse tipo de aeronave era muito comum na base de hidroaviões existente no Rio Potengi, em Natal, durante a Segunda Guerra Mundial.

No dia 3 de julho, o U-Boat estava na superfície, quando por volta das 21 horas foi localizado por um avião BPM Mariner da Marinha Americana, pilotado pelo tenente Carey. O avião começou a circular, procurando com seus faróis o submarino na superfície.

O comandante Kraus imediatamente ordenou toda velocidade à frente e mandou guarnecer as armas do convés. O Mariner mergulhou para o ataque, porém, para surpresa dos alemães, chocou-se violentamente com a superfície explodindo.

Após sua captura e interrogatório, os tripulantes do U-199 declararam não terem atirado no avião e que embora tenha sido feita uma busca na superfície, não foram encontrados sobreviventes.

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Torre de um submarino IX-D, similar ao U-199.

Ainda com a presença de poucos alvos, o comandante Kraus decidiu, sem ordens da Alemanha devido ao silêncio de rádio, alterar novamente a área de caça, agora para o sul do Rio de Janeiro, ampliando a linha de patrulha para 300 milhas.

No dia 4 de julho, o U-199 navegava na superfície, em sua nova área. Durante a noite, localizou a esteira do navio brasileiro Bury. O comandante Kraus posicionou o U-199 e disparou três torpedos dos tubos dianteiros. Dois torpedos erraram e o Bury, imediatamente respondeu com uma salva de tiros de canhão de seu deck. Os navios cargueiros na segunda metade da guerra também eram guarnecidos com dois canhões – proa e popa. O Bury sofreu avarias e embora o U-199 tenha comunicado ao comando alemão seu afundamento, o vapor chegou ao porto do Rio de Janeiro.

Após a ação frustrada, o comandante Kraus decidiu mudar novamente a área de patrulha, pois deduziu que o Bury informaria a posição do ataque e aviões de patrulha seriam enviados à sua caça.

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O cargueiro inglês S.S. Henzada foi afundado pelo U-199 na costa brasileira – Fonte – wrecksite.eu

No dia 25 de julho, por volta das 9:00 horas, o comandante Kraus localizou pelo periscópio o cargueiro inglês Henzada. Esse cargueiro de 4.100 toneladas navegava escoteiro (sozinho) de Santos para o norte e a apenas 10 nós, um alvo perfeito.

O U-199 disparou 3 torpedos da proa, porém todos falharam. O comandante reposicionou seu submarino à frente do Henzada e aguardou o momento de um novo ataque. Às 12 horas o comandante ordenou o disparo de dois torpedos de proa, um deles atingiu o vapor no meio, partindo o navio em dois e provocando seu afundamento em menos de dez minutos.

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Outra foto do S.S. Henzada.

Finalmente na madrugada do dia 31 de julho, o U-199 aproximou-se da zona fortemente patrulhada da entrada da Baía de Guanabara no Rio de Janeiro. Seu objetivo era atingir a linha de 100 fathons (192 metros), submergir e espreitar a passagem dos navios na saída do comboio JT 3 (Rio de Janeiro- Trinidad) prevista para aquele dia. A ação da espionagem alemã nos principais portos do Brasil já era conhecida na época e embora alguns de seus agentes tenham sido presos, muitas informações de trânsito de embarcações foram passadas aos submarinos do eixo.

O ataque ao U-199

Por Alberto Martins Torres veterano do 1º Grupo de Caça da FAB (10.12.1919-30.12.2001)
Do livro: Overnight Tapachula

“…Após a decolagem, no sábado, fui efetivamente para o beliche onde me estendi. Passada menos de meia hora, o Miranda pediu que eu fosse pilotar porque desejava completar com o major Coutinho Marques a plotagem de nossa rota após Cabo Frio. Fui para o posto de pilotagem. Nem bem se passaram uns 10 minutos após eu haver assumido os comandos, chegou um cifrado da base:

Atividade submarina inimiga, coordenadas tal e tal…Miranda plotou o ponto na carta e traçou o rumo(…). Coloquei o Arará no piloto automático e no rumo indicado, em regimen de cruzeiro forçado, com 2.350 rotações e 35 polegadas de compressão. Eram aproximadamente 08:35 da manhã.

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Martin Mariner da US Navy sobrevoando o U-199 no dia de sua destruição. A ação para o afundamento deste submarino foi uma operação conjunta envolvendo aeronaves americanas e da FAB – Fonte – http://www.uboatarchive.net/U-199.htm

Havia alguma névoa e o sol de inverno ficava a três quartos da cauda, por bombordo, portanto em posição favorável a nós na hora do ataque. Foram testadas todas as metralhadores e, das quatro cargas de profundidade que levávamos, armamos três, no intervalômetro, para uma distância de 20 metros entre cada bomba, após ser acionada a primeira.

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U-199 sendo atingido por disparos – Fonte – http://www.uboatarchive.net/U-199.htm

O intervalômetro é graduado em função da velocidade no mergulho, para ser verdadeiro o escapamento escolhido. As cargas de profundidade já eram reguladas para detonarem a 21 pés de profundidade, ou seja, aproximadamente 7 metros da superfície. Essa regulagem era considerada ideal porque mantinha as bombas para detonarem dentro da faixa em que a experiência já demonstrara ser eficiente o ataque a submarino por aeronave, isto é, desde o momento em que está navegando na superfície até no máximo 40 segundos após o início do mergulho. Com o submarino na superfície, as bombas detonariam logo abaixo de seu casco perfeitamente dentro de seu raio letal.

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Perto do fim o U-199 realiza círculos – Fonte – http://www.uboatarchive.net/U-199.htm

Minutos antes das nove horas avistamos o nosso objetivo, bem a nossa proa. Navegava a toda velocidade em rumo que cruzava o nosso. Assim o víamos em seu perfil completo, levantando grande vaga de espuma com sua proa afilada. Seguia num rumo aproximado de leste para oeste, enquanto nós vínhamos de norte para sul, em ângulo reto. Estávamos a uns 600 metros de altitude.

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O U-199 sendo impiedosamente atacado – Fonte – http://www.uboatarchive.net/U-199.htm

Iniciamos o mergulho raso, eu nos comandos e Miranda no comando das bombas. Foram reiteradas as instruções para que, quando fosse dada a ordem, todas as metralhadoras deveriam atirar, mesmo as sem ângulo, segundo a doutrina, para efeito moral. Já a uns 300 metros de altitude e a menos de um quilômetro do submarino podíamos ver nitidamente as suas peças de artilharia e o traçado poligônico de sua camuflagem que variava do cinza claro ao azul cobalto. Para acompanhar sua marcha havíamos guinado um pouco para boreste, ficando situados, por coincidência, exatamente entre o submarino e o sol às nossas costas. Até então nenhuma reação das peças do submarino.

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Quarenta e nove tripulantes do U-199 morreram e doze alemães conseguiram escapar do submarino condenado, incluindo o comandante. Eles foram fotografados em barcos salva-vidas, na sequência resgatados pelo navio de guerra americano USS Barnegat e levados para o Brasil e, em seguida, para o cativeiro no Estados Unidos.

Quando acentuamos um pouco o mergulho para o início efetivo do ataque, o U-199 guinou fortemente para boreste completando uma curva de 90 graus e se alinhou exatamente com o eixo da nossa trajetória, com a proa voltada para nós. Percebi uma única chama alaranjada da peça do convés de vante, e, por isso, efetuei alguma ação evasiva até atingir uns cem metros de altitude, quando o avião foi estabilizado para permitir o perfeito lançamento das bombas. Com todas as metralhadoras atirando nos últimos duzentos metros, frente a frente com o objetivo, soltamos a fieira de cargas de profundidade pouco à proa do submarino.

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Elas detonaram no momento exato em que o U-199 passava sobre as três, uma na proa, uma a meia-nau e outra na popa. A proa do submersível foi lançada fora d’água e, ali mesmo ele parou, dentro dos três círculos de espuma branca deixadas pelas explosões. A descrição completa sobre a forma por que as cargas de profundidade atingiram o submarinos me foi fornecida em conversa que tive com o piloto do PBM Mariner, tenente Smith, que a tudo assistiu, de camarote, e que inclusive me presenteou com uma fotografia do U-199 que, lastimavelmente não consigo encontrar.

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Nós abaixáramos para pouco menos de 50 metros e, colados n’água para menor risco da eventual reação da antiaérea, iniciamos a curva de retorno para a última carga que foi lançada perto da popa do submarino que já então afundava lentamente, parado.

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Nesta passagem já começavam a saltar de bordo alguns tripulantes. Ao completarmos esta segunda passagem é que vimos um PBM americano mergulhado em direção ao objetivo. Depois saberíamos de onde viera. Transmitimos com emoção o tradicional SSSS – SIGHTED SUB SANK SAME – em inglês, usado pelos Aliados para dizer: submarino avistado e afundado – e ficamos aguardando ordens, sobre o local. Em poucos segundos o submarino afundou, permanecendo alguns dos seus tripulantes nadando no mar agitado. Atiramos um barco inflável e o PBM lançou dois. Assistimos aos sobreviventes embarcarem nos três botes de borracha, presos entre si, em comboio. Eram doze. Saberíamos depois que eram o comandante, mais três oficiais e oito marinheiros”.

FONTE – http://www.naval.com.br/blog/2016/07/31/ha-73-anos-o-submarino-u-199-era-afundado-ao-largo-do-rio-de-janeiro/

1862 – O ESTRANHO DESFILE DOS DEMÔNIOS NEGROS DA NOITE DE SÃO BARTOLOMEU

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Foliões no Bloco Carnavalesco Os Cão, na praia da Redinha,em Natal. Na foto, os foliões saem de dentro do mangue, onde se pintaram com a lama característica do local – FOTO ED FERREIRA/AE – Fonte – http://gilvandejacana.blogspot.com.br/2014/03/bloco-os-cao-completa-50-anos-pelas.html

Que Estranho Cortejo Percorria as Ruas da Cidade do Natal, Com Homens Pintados de Negro, Imitando Demônios e Realizando uma Comemoração? Teria algo Haver Com Um Moderno Bloco Carnavalesco da Redinha? 

Autor – Rostand Medeiros

Tradição é tradição e, quer você goste, ou não, uma das manifestações mais tradicionais, autênticas e originais do moderno carnaval de Natal é o irreverente bloco “Os Cão”.

Em 2016 “Os Cão” (no singular mesmo) comemorou 52 anos de tradição e muita folia na região da Praia da Redinha, na Zona Norte da capital potiguar. Segundo Francisco Ribamar de Brito, Seu Dodô, um dos criadores do bloco, tudo começou quando ele, Zé Lambreta, Chico Baé e mais dois amigos brincaram a festa de Momo de 1964 em um bloco chamado “Brasinhas”, que só saia nas ruas até a segunda-feira de carnaval. Eles resolveram esticar a festa até a terça, mas não tinham nenhuma fantasia para usar naquele último dia de folia!

Enquanto pensavam em como resolveriam esta questão, os rapazes resolveram pegar camarões para servir de tira gosto em um local conhecido como Porto D’água, na área de mangue do estuário do Rio Potengi. Quando lá estavam Chico Baé melou seus cabelos de lama, querendo estirar o cabelo crespo. Todos acharam idéia engraçada e igualmente melaram o corpo de lama. Completaram a fantasia com pedaços de galhos e saíram se divertindo pelo mercado e ruas da Redinha.

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Logo quem passava, ou se recusassem a dar cachaça ao grupo, eles assustavam e as pessoas diziam – “Lá vem os cão!”. Nos anos seguintes eles repetiram a brincadeira e o grupo foi crescendo.

É patente que o “Grand Monde” natalense jamais teve maiores simpatias por este bloco carnavalesco da Redinha. No máximo eles e sua lambuzada festa são vistos como “exóticos” e aturados, pois os políticos da cidade dos Reis Magos não podem ficar indiferentes a uma festa que arrasta mais de 2.000 pessoas para as ruas. Mesmo com pouco apoio os “Os Cão” vão resistindo com sua festa original. Sempre brincando pela Redinha, acompanhados por uma legião de demônios usando como fantasia basicamente a lama do mangue do Potengi, muitos portando tridentes, chifres de animais e galhos de árvores. Sempre pedindo cachaça nas terças-feiras de Momo e com muita irreverência.

O interessante é que descobri uma nota de jornal onde temos a informação que há quase um século e meio, de uma maneira diferenciada e bem distinta, já circulou pelas velhas ruas de Natal algumas pessoas que se fantasiaram de demônios enegrecidos em meio a um festejo religioso, mas que estranhamente parece possuir algumas similaridades com o moderno bloco “Os Cão”.

O Correspondente

Em setembro de 1862 o Brasil ainda era um imenso Império com vastas extensões de terras quase virgem, com forte economia agrícola, tocada pela mão de obra escrava, poucas modernidades e grande número de analfabetos. Apesar de todas as deficiências já existiam muitos jornais nas capitais das Províncias, que hoje chamamos de Estados.

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Antônio Carlos Mariz e Barros, comandante da corveta Belmonte em 1862, que visitou Natal e foi morto na Guerra do Paraguai.

Este era um dos principais meios de circulação de informações, onde os melhores jornais contratavam correspondentes nas Províncias vizinhas para reproduzirem notícias regionais. Este era o caso do “Jornal de Recife”, um dos principais jornais de Pernambuco na época, que em Natal tinha como correspondente Joaquim Ignácio Pereira Junior, um súdito português, que também era o Vice-Cônsul honorário de seu país no Rio Grande do Norte. Este informava de Natal, principalmente os eventos sociais e políticos. Notícias do interesse de uma pequena parcela de potiguares, membros da elite local, que tinham negócios, ou estudavam na capital pernambucana.

Há quase 154 anos, na edição do “Jornal de Recife” de quinta-feira, dia 17 de setembro de 1862, Joaquim Ignácio, como era de costume, iniciou sua coluna informando que na manhã do dia 24 de agosto, Pedro Leão Veloso, então Presidente da Província do Rio Grande do Norte, recebeu no Palácio do Governo o jovem primeiro tenente Antônio Carlos Mariz e Barros, comandante da corveta Belmonte, da Marinha do Brasil, que se encontrava no porto para concertar uma pequena avaria na hélice. O encontro protocolar ocorreu no sobrado localizado no bairro da Ribeira, na então Rua do Comércio, atual Rua Chile, a mais imponente e alta edificação (com apenas dois andares) existente em Natal na época[1].

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Nota da edição do “Jornal de Recife” de quinta-feira, dia 17 de setembro de 1862.

Então na sequência do seu informativo, até com certa surpresa, o correspondente Joaquim Ignácio apresentou uma outra notícia que não tinha nenhum caráter oficial.

O Estranho Cortejo

Cerca de vinte “marmanjões” haviam desfilado pelas ruas de terra da pequena Natal, trajando muito pouca roupa, pintados completamente de preto (seria de lama do mangue?) e figurando demônios. Durante o desfile estes homens eram “açoitados” por um figurante vestido de São Miguel, o santo guerreiro, que protegia uma pobre alma vestida de branco da ação dos pretensos membros da legião do mal.

Mesmo estando com a presença de São Miguel, aquele estranho cortejo fazia parte de uma comemoração pelo dia de São Bartolomeu, um dos doze primeiros apóstolos de Cristo.

Consta que São Bartolomeu nasceu em Caná, a quatorze quilômetros de Nazaré, na Galiléia, tendo sido apresentado a Jesus pelo apóstolo Filipe, seu maior amigo. Assim como o apóstolo Tomé, Bartolomeu foi um grande viajante e teria passado por locais no Irã, Síria, Índia, Armênia e por algum tempo na Grécia, com Filipe, especialmente na região da Frigia. Na Índia o apóstolo Bartolomeu pregou a verdade do Senhor Jesus, segundo o Evangelho de São Mateus, onde conseguiu converter muitas pessoas naquela região. Já na Armênia ele conseguiu converter o rei Polímio, sua esposa e muitas outras pessoas em mais de doze cidades. Essas conversões, no entanto, provocaram uma enorme inveja dos sacerdotes locais, que, por meio do irmão do rei Polímio, conseguiram a ordem de tirar a sua pele e depois decapitá-lo[2].

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Imagem de São Bartolomeu.

Apesar daquele cortejo em Natal glorifica a figura de um santo católico, percebemos na pequena e, para tristeza deste pesquisador, econômica nota, que aquele ato público causava estranheza em pessoas da comunidade. Tanto que o correspondente do “Jornal de Recife” apontou que ele estava na função de “transmitir factos, que demonstrem o progresso” e, após informar sobre este estranho evento religioso-teatral pelas ruas da urbe, completava afirmando em tom jocoso se aquilo “É, ou não, civilização!”.

Personagens Estranhos  

Segundo Luís da Câmara Cascudo, em seu livro “História da Cidade do Natal” (Edição do IHG-RN, 1999, páginas 122 a 124), ninguém soube lhe dizer como começou aquele estranho cortejo, mas soube que ele não era autorizado pela igreja católica, tinha um aspecto um tanto macabro e havia sido iniciado por pessoas do povo.

O evento ocorria sempre pela tardinha do dia 24 de agosto, na medida que as ruas estreitas da cidade começavam a ficar no escuro[3].

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Entre hurros, gritos, risadas histéricas, pulos, guinchos e outras diabruras, os jovens surgiam pintados de preto, com chifres na cabeça, estirando suas línguas cobertas de tecidos vermelhos feitos de baeta e trazendo pequenas asas. Fico imaginando o choque dos natalenses daqueles tempos coloniais.

Mas o Mestre Cascudo aponta algumas diferenças entre o que ele registrou através da memória dos mais velhos que assistiram estes desfiles e o relato de Joaquim Ignácio. Entre estas estava a que existia uma pessoa fantasiada como o próprio demônio, comandando a sua legião de diabos negros e um homem vestido com um larguíssimo hábito de monge, com cordões de São Francisco na cintura, grande capuz que escondia seu rosto e afugentava os “filhos do cão” com chicotadas cênicas.

Outra diferença apontada e que fazia o medo se estampar tanto na cara dos pequenos, quanto dos marmanjões, era a figura da morte.

O ator que interpretava a figura que lembra o fim de todos os seres viventes apresentava-se andando em pernas de pau, com uma roupa alva, que arrastava pelo chão. Mas os textos nada trazem sobre alguma foice estilizada levada pelo pretenso ator.

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Uma outra representação da morte em um jornal carioca no fim do século XIX.

Independentemente disso ele parecia realizar sua função com esmero, pois a figura sinistra era temida e batiam-lhe portas e janelas na cara. Como resposta a afronta, a morte então riscava no ar uma cruz latina e bradava a plenos pulmões “Vá se preparando! Vá se preparando! Eu volto em breve para vim buscá-lo…” Daí a pouco o cortejo parava em frente a alguma outra casa e, se recebesse porta na cara, vinha nova praga rogada. Pelos escritos de Cascudo, essa era a parte mais “terrível” do cortejo[4].

Certamente aquele cortejo fazia muita criança natalense daquele tempo se mijar de medo e seria desaprovada pelas modernas técnicas e normas da psicologia infantil.

Não nós esqueçamos que esta era uma época de medicina limitadíssima, onde morrer por doenças variadas era algo comum e uma sentença dessas proferida na porta de casa, mesmo por brincadeira, certamente deixaria muitos se benzendo, se ajoelhando diante de seus oratórios e declamando benditos.[5]

Estranhamente o fim do cortejo acontecia diante da Igreja Matriz, na antiga Rua Grande, atual Praça André de Albuquerque, com todos os integrantes rezando uma solene ave maria.

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Antiga Rua Palha em festa – Fonte – http://mediocridade-plural.blogspot.com.br/2011/09/natal-antiga.html

Para Cascudo o fim desta estranha manifestação popular ocorreu com um fato pitoresco e bastante hilário…

Não sabemos a data exata, mas entre os anos de 1836 e 1838, o capitão Antônio José de Moura exercia o cargo de primeiro comandante do recém criado Corpo Policial, atual Polícia Militar, e tinha a sua residência na Rua da Palha (atual Rua Vigário Bartolomeu, no Centro). Durante um destes anos, quando o cortejo de 24 de agosto passou em frente à casa do policial, dois cachorros de sua propriedade ficaram extremamente agoniados com a gritaria, pularam a janela da residência e partiram para cima dos integrantes do desfile. Foi literalmente um Deus nos acuda, com satanás e sua legião de demônios fugindo para todos os lados, gente caindo no chão, o capitão Moura no meio da rua apenas vestido de chambre (um roupão caseiro comprido) e com muito trabalho para segurar os seus endiabrados mastins. Paradoxalmente quem mais sofreu foi à morte, pois o ator despencou das pernas de pau e foi mordido “na parte mais carnuda do corpo”.

Ainda segundo Câmara Cascudo o cortejo caiu em desgraça diante do escárnio pelo ocorrido, perdeu força e sumiu.

Eterna Estranheza

Mas diante da nota publicada pelo correspondente do “Jornal de Recife”, vinte anos depois do ataque dos cães do capitão Moura na Rua da Palha, mesmo sendo vistos com estranheza, como algo diferente e burlesco, o desfile do dia de São Bartolomeu em Natal resistiu e continuou de alguma forma.

Nada sabemos quem eram seus participantes, apenas que eram pessoas “conhecidas de todos”. Mas acredito que provavelmente não pertenciam as classes privilegiadas da provinciana cidadela e não existe nada sobre a presença feminina no desfile.

O desfile foi esquecido e São Bartolomeu em Natal é lembrado atualmente na comunidade de Vila Paraíso, na Zona Norte, por uma capela que inclusive desabou devido a chuvas em julho de 2013. Não sei se esta pouca lembrança nos dias atuais seria devido ao desfile do dia de São Bartolomeu no século XIX, mais que festejar o santo, servir para que uma parte da população, de maneira alegre e irreverente, afrontasse indiretamente a elite e as instituições da cidade?

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Fonte – http://www.substantivoplural.com.br/os-cao-baiacu-na-vara-outros-blocos-tradicionais-tem-48h-para-se-habilitarem-participar-carnaval-de-natal/

Em tempo – Nada encontrei que ligasse o desfile do dia de São Bartolomeu, com seus demônios pintados de negro, ao moderno bloco carnavalesco “Os Cão”.

A não ser uma estranheza da elite de outrora e atual, com tudo que é espontaneamente criado pelo povo de Natal, que parece nunca acabar e onde se percebe muito preconceito.

NOTAS


Fontes – http://www.nominuto.com/noticias/cultura-e-lazer/os-cao-bloco-segue-a-tradicao-de-52-anos-nesta-terca-feira/136643/

http://www.vntonline.com.br/2015/02/bloco-os-cao-reune-centenas-de-folioes.html

[1] Quatro anos depois este mesmo tenente Mariz e Barros se tornaria um dos grandes heróis da Marinha do Brasil, quando no comando do encouraçado Tamandaré em plena Guerra do Paraguai, morreu no combate travado contra o forte Itapiru.

[2] O dia de São Bartolomeu é bastante festejado em Portugal, possuindo extensa tradição. Em vários locais deste país este dia é dedicado àquele que é conhecido como padroeiro das crianças, fazendo reviver tradições que se misturam com a fé e devoção. Na foz do rio Douro, no Porto, norte de Portugal, ainda hoje se acredita que o banho de mar tomado no dia 24 de Agosto serve para a cura e prevenção contra o mal, sendo todo malefício exorcizado pela ação da água tornada miraculosa nesse dia por parte de São Bartolomeu. Nesta região além do banho ritual existe a tradição do cortejo de São Bartolomeu, também conhecido como Cortejo do Traje de Papel. Trata-se de um desfile, com centenas de figurantes com trajes feitos de papel crepe de diversas cores, onde ao final os participantes se juntam para um banho coletivo.

[3] Pesquisando nos jornais antigos eu descobri que o evento de 1862 ocorreu no início da lua nova do mês de agosto, quando provavelmente as velhas ruas natalenses, que não tinha mesmo muita iluminação pública, estavam bem escuras. 

[4] Provavelmente a propagação da sentença final ocorria defronte a casa de alguém que recusava dar aos integrantes do cortejo algum alimento, ou uma bebida.

[5] Joaquim Inácio, o correspondente do “Jornal de Recife”, na mesma nota sobre o cortejo do dia de São Bartolomeu, descreveu que naquele agosto de 1862 a cólera não apareceria em Natal, que havia se extinguido na Penha, atual Canguaretama, mas grassava no engenho “Estrella”, próximo à comunidade de Flores.

A REVOLTA DA CHIBATA

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Por Fernando Granato – Revista Aventuras na História

A baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, estava repleta de navios estrangeiros na manhã de 16 de novembro de 1910. As embarcações haviam aportado com autoridades para a posse do marechal Hermes da Fonseca na Presidência da República. No encouraçado Minas Gerais — o maior navio de guerra brasileiro, atracado a poucos metros do cais do porto — o clima não era nada festivo. Ao raiar do dia, toda a tripulação fora chamada ao convés para assistir aos castigos corporais a que seria submetido o marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes.

Ele tinha ferido a navalhadas o cabo Valdemar Rodrigues de Souza, que o havia denunciado por tentar introduzir no navio duas garrafas de cachaça. Sua pena: 250 chibatadas. Esse seria o estopim para a eclosão da chamada Revolta da Chibata, movimento deflagrado pelos marinheiros contra os maus-tratos, que paralisaria a coração do Brasil por quatro dias e custaria a vida de dezenas de pessoas, entre civis e militares. Quase 94 anos depois, os primeiros documentos reservados sobre o conflito vêm à tona e serão revelados nesta reportagem.

João Cândido, o Almirante Negro, líder da Revolta da Chibata
João Cândido, o Almirante Negro, líder da Revolta da Chibata

Naquela manhã, depois de ser examinado pelo médico de bordo e considerado em perfeitas condições físicas, o marinheiro Marcelino Menezes, conhecido como “Baiano”, foi amarrado pelas mãos e pés e submetido ao castigo. Primeiro soaram os tambores. Em seguida, o comandante do navio, Batista das Neves, ordenou a entrada dos carrascos, que apanharam uma corda de linho e amarraram nas pontas pequenas e resistentes agulhas de aço. A guarda entrou em formação. Tiraram as algemas das mãos do marujo e o suspenderam, nu da cintura para cima, no “pé de carneiro”, uma espécie de ferro que se prendia num corrimão. Os oficiais assistiram à cerimônia em uniforme de gala, com luvas brancas e armados de suas espadas. Alguns viraram o rosto para o lado, para não ver a tortura.

Educar na Marra

A punição pela chibata foi um hábito herdado pelo Brasil da Marinha portuguesa. Os castigos tinham a função de educar na marra os supostos maus elementos que compunham os quadros inferiores. Como diziam os oficiais, as chicotadas e lambadas tinham o objetivo de “quebrar os maus gênios e fazer os marinheiros compreenderem o que é ser cidadão brasileiro”.

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Na noite seguinte aos castigos sofridos por Marcelino, os demais marinheiros do Minas Gerais, recolhidos em seus beliches, decidiram que a situação não podia continuar daquela forma. “Isso vai acabar”, disse o marujo João Cândido, um negro alto, de 30 anos, que despontava como o líder absoluto da revolta que se aproximava.

Depois de muita conversa, decidiram tomar o poder dos navios à força, na noite de 22 de novembro. Na data estabelecida, tudo aconteceu dentro da estratégia programada. O sinal combinado entre os marujos para dar início ao movimento foi a chamada das 10 horas. Naquela noite, o toque do clarim não pediu silêncio e sim combate.

Cada um assumiu o seu posto e a maioria dos oficiais já estava em seus camarotes. Não houve afobação. Cada canhão foi guarnecido por cinco marujos, com ordem de atirar para matar contra quem tentasse impedir o levante.

Cabo Gregório do Nascimento, que assumiu o comando do encouraçado Minas Gerais, um dos mais modernos e poderosos navios de guerra do mundo em 1910
Cabo Gregório do Nascimento, que assumiu o comando do encouraçado Minas Gerais, um dos mais modernos e poderosos navios de guerra do mundo em 1910

Logo depois do toque da corneta, o comandante Batista das Neves — que estivera num jantar a bordo do cruzador francês DuaguayTrouin — voltou ao seu navio em companhia do ajudante de ordens. Conversou rapidamente com o segundo-tenente Álvaro da Mota Silva – que assistia à faxina no convés – e recolheu-se aos seus aposentos.

No momento em que descia as escadas inferiores do navio e se despedia do comandante, Mota Silva recebeu uma forte pancada no peito, um golpe de baioneta desferido em cheio por um marinheiro que estava de tocaia. O segundo-tenente tropeçou, mas ainda conseguiu apoiar-se com a mão esquerda na arma do marujo e com a direita sacou sua espada. Com a força que ainda lhe restava, atravessou o estômago do marinheiro que, aos gritos, deu alguns passos e caiu.

Oficial comandante Baptista das Neves, morto pelos marinheiros rebeledados
Oficial comandante Baptista das Neves, morto pelos marinheiros rebeledados

Atraídos pelo ruído, muitos marujos foram ao convés, para onde subiram também outros oficiais procurando conter os revoltosos. A tribulação, bradando vivas e aclamando “liberdade” e “abaixo a chibata”, avançou contra o pequeno grupo de superiores para massacrá-lo. O comandante Batista das Neves ainda tentou acalmar os ânimos e manter a disciplina. Atacado, reagiu e lutou de espada em punho cerca de 10 minutos, até ser atingido na cabeça, por golpes de machadinha.

Primeiro Disparo

O marujo Aristides Pereira, conhecido como “Chaminé”, chegou perto do corpo estendido do comandante, certificou-se de que ele estava morto e urinou sobre seu cadáver. O corpo permaneceu horas no convés e alguns marinheiros ainda fizeram graça com o comandante morto, imitando movimentos de ginástica à sua volta. A ironia referia-se ao fato de que Batista das Neves obrigava os marujos a fazer ginástica pesada todas as manhãs, para compensar a relativa imobilidade física da vida de bordo nos navios.

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Cinquenta minutos depois, quando cessou a luta no convés, João Cândido mandou disparar um tiro de canhão, sinal para dar o alerta aos outros navios aliados: o São Paulo, o Bahia e o Deodoro. O estrondo do primeiro tiro de canhão, vindo da direção do mar, fez tremer a cidade do Rio de Janeiro. Nem cinco minutos depois, novo tiro. Dessa vez, janelas e vidraças foram quebradas em casas do centro da cidade.

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O líder do movimento ordenou que todos os holofotes iluminassem o Arsenal da Marinha, as praias e as fortalezas. Expediu também uma mensagem por rádio para o Palácio do Catete, sede do governo federal, informando que a esquadra estava rebelada para acabar com os castigos corporais.

O presidente recém-empossado, marechal Hermes da Fonseca, e todo seu ministério assistiam, no Clube da Tijuca, à apresentação da ópera Tanhauser, de Wagner, numa inesquecível recepção que ainda fazia parte dos festejos pela vitória eleitoral. Depois do primeiro tiro de canhão, ele voltou imediatamente para o Catete.

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Em seu gabinete, Hermes da Fonseca foi avisado de que a Marinha estava revoltada e que a estação de rádio do morro da Babilônia captara a primeira mensagem dos rebeldes: “Não queremos a volta da chibata. Isso pedimos ao presidente da República, ao ministro da Marinha. Queremos resposta já e já. Caso não tenhamos, bombardearemos cidade e navios que não se revoltarem. Assinado: guarnições Minas, São Paulo e Bahia”.

Almirante Negro

De início, o governo resolveu endurecer. Avisou que mandaria torpedear as embarcações caso não houvesse rendição. A repercussão da notícia, no entanto, gerou pânico na cidade. O presidente preferiu então abrandar a reação. Ele dispunha de 2 630 homens para enfrentar os 2 379 rebeldes. O poder de fogo dos amotinados — instalados naqueles que eram alguns dos mais sofisticados navios de guerra do mundo-entretanto, era muito maior. Diante da impossibilidade de combate e com o perigo iminente de um bombardeio, Hermes da Fonseca convenceu-se de que era muito mais prudente negociar com os marinheiros revoltosos.

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Enquanto o governo se debatia atrás de uma solução, a esquadra rebelada permanecia atenta, com a rotina de navios em guerra. Cada soldado tinha uma função predeterminada. Foram designados turnos de trabalho para que nunca um serviço ficasse desguarnecido.

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Astuto e desconfiado, o Almirante Negro — como passou a ser chamado João Cândido pela imprensa — determinou que uma barca abastecesse os navios de água. Antes que o líquido fosse descarregado, no entanto, ele ordenou que o condutor da embarcação provasse para ver se não havia veneno. Com seu uniforme branco, já bem velho e desgastado, um pé calçado num chinelo e outro numa botina, a única marca que diferenciava o líder dos demais marujos era um lenço vermelho que levava amarrado ao pescoço. Aquele era o seu distintivo.

Caricatura da revista "O Malho" de novembro de 1910, mostrando a anistia para os marinheiros rebelados.
Caricatura da revista “O Malho” de novembro de 1910, mostrando a anistia para os marinheiros rebelados.

Em tempo recorde, a anistia foi aprovada a toque de caixa pelo Congresso Nacional e, na manhã de 26 de novembro, com o sol brilhando sobre a Guanabara, os navios iniciaram a aproximação para a rendição. Os morros, o cais e as praias estavam lotados de curiosos, alguns com binóculos, para assistir à chegada dos marinheiros. A bordo o clima era de festa e euforia.

Motim da Ilha das Cobras

Mas a anistia não durou dois dias. Em 28 de novembro, os marinheiros foram surpreendidos pela publicação do decreto número 8.400, que autorizava demissões, por exclusão, dos praças do Corpo de Marinheiros Nacionais “cuja permanência se torne inconveniente à disciplina”. O decreto abriu uma brecha para que a Marinha excluísse de seus quadros quem bem entendesse, sem maiores formalidades. As demissões foram muitas. Vários navios ficaram sem pessoal suficiente para os serviços essenciais.

Chibata (11)

Instaurou-se um novo clima de tensão nas Forças Armadas – pela publicação do decreto – e as autoridades encontraram justificativa para pensar na convocação de um regime de exceção, com poderes amplos e irrestritos para o presidente da República.

Circulavam boatos de que na ilha das Cobras — sede dos Fuzileiros Navais, localizada em frente ao cais do porto e ao lado da ilha Fiscal – o batalhão de terra organizava outro motim. Os boatos partiram das próprias autoridades, interessadas em incitar uma segunda rebelião para decretar o estado de sítio. Os oficiais esperavam apenas o primeiro tiro para entrarem em ação e deflagrarem o conflito armado.]

Chibata (1)

No dia 9 de dezembro, houve a rebelião esperada na ilha das Cobras. Às 9 horas e 30 minutos, foi dado o toque de recolher e, em vez de se dirigirem para suas camas, parte dos fuzileiros permaneceu no pátio, em grande algazarra, dando vivas à liberdade. Um primeiro tiro foi disparado, não se sabe vindo de onde. As luzes da ilha foram apagadas e os marinheiros começaram a caçar os oficiais. No escuro, disparando tiros de fuzis, eles gritavam: “Viva a liberdade. Morram os oficiais”.

A luta durou toda a madrugada, a manhã do dia seguinte e só parou ao entardecer, com a morte da maioria dos amotinados. Por todos os lados, junto aos canhões e metralhadoras destruídas, havia corpos de marinheiros. As forças fiéis aos oficiais estavam preparadas e esmagaram os rebeldes.

Presos e Mortos

O governo federal decretou o estado de sítio, tendo como justificativa a revolta dos fuzileiros navais na ilha das Cobras. As autoridades determinaram o desembarque imediato da tripulação dos navios Minas Gerais e São Paulo, que haviam tomado parte no primeiro levante. João Cândido foi preso assim que colocou os pés em solo e levado ao quartel-general do Exército. No dia 24 de dezembro, o Almirante Negro e mais 17 companheiros foram transferidos para a ilha das Cobras e colocados numa prisão sem iluminação e com ventilação imprópria, localizada no subterrâneo do Hospital Militar.

Chibata (3)

Na madrugada de 25 de dezembro, dia de Natal, o guarda da prisão notou movimento estranho na cela e ouviu gritos. O fato foi comunicado ao oficial de serviço e, em seguida, o recado chegou ao comandante Marques da Rocha, responsável pela ilha das Cobras. Nenhuma providência foi tomada.

Chibata (2)

Na manhã seguinte, o comandante Marques da Rocha, que havia levado as chaves, abriu a prisão. A cena chocaria até mesmo o mais insensível dos militares: jogados num extremo estavam 16 corpos de marujos mortos por asfixia. Num outro canto, em estado de choque, os dois únicos sobreviventes  – João Cândido e o soldado naval João Avelino. Acabava assim uma das mais violentas rebeliões militares no Brasil.

VER IGUALMENTE – https://tokdehistoria.com.br/2011/07/23/o-fuzileiro-de-taipu-que-morreu-em-nova-york/

A AVIAÇÃO PIONEIRA NOS CÉUS POTIGUARES – DOS PRIMEIROS RAIDS AO INÍCIO DA AVIAÇÃO COMERCIAL

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A localização estratégica de Natal, nas rotas aéreas entre as Américas e os continentes africano e europeu, chamou atenção dos pioneiros da aviação. Cidade foi base para aventuras e rotas comerciais.

Autor – Rostand Medeiros

Publicado originalmente no jornal Tribuna do Norte, Natal, Rio Grande do Norte, edição de domingo, 26 de janeiro de 2014. Mas o presente artigo que apresento está completo e não foi colocado desta maneira no jornal por questões de espaço. 

Não existem dúvidas que a história do voo é a história de um sonho: o sonho dos homens de voarem através dos céus como pássaros. Não existem dúvidas que a história do voo é a história de um sonho: o sonho dos homens de voarem através dos céus como pássaros.

Pintura do holandes Jacob Peter Gowi, denominada "A queda de Ícaro". Do século XVII, se encontra no Museu do Prado, Madrid e retrada o antigo sonho do homem de voar através da história da fuga de Ícaro e Dédalos.
Pintura do holandes Jacob Peter Gowi, denominada “A queda de Ícaro”. Do século XVII, se encontra no Museu do Prado, Madrid e retrada o antigo sonho do homem de voar através da história da fuga de Ícaro e Dédalos.

Este sonho vai se concretiza utilizando tecnologias revolucionárias, que culminam na invenção do avião. Este momento da história inaugura o período onde os humanos não estariam definitivamente mais ligados à superfície da Terra. Foi o início de uma viagem onde a pura alegria de voar capturou a imaginação de muitos. Logo a vontade ir além do horizonte crescia. Seguir pelo vasto céu azul, atravessar milhares de quilômetros de terra, superar montanhas e, da mesma forma como fizeram os antigos navegadores, cruzar os oceanos passou a ser o objetivo e o desejo nas mentes dos primeiros aviadores. Para muitos este desejo era pura aventura, busca de reconhecimento, notoriedade, ou simplesmente porque deveria ser feito. Mas para outros aviadores havia um lado prático; a busca de pontos estratégicos para encurtar distâncias entre os continentes e ganhar dinheiro voando.

E é neste ponto que Natal, uma pequena capital localizada na porção nordeste do Brasil, vai despontar para o mundo da aviação como um dos mais importantes e estratégicos pontos de apoio para aquele novo empreendimento da aventura humana.

A primeira indicação do RN como ponto de apoio

Pouco depois das primeiras aeronaves deixarem o solo, o desejo dos aviadores de vencer as distâncias, principalmente sobre os oceanos, era noticiado em Natal. Na edição de 5 de abril de 1910, do jornal natalense A República, vemos a reprodução de um artigo de uma revista inglesa onde era debatido o futuro da aviação.

Mapa do Rio Grande do norte e dos estados vizinhos no início do século XX
Mapa do Rio Grande do norte e dos estados vizinhos no início do século XX

Entre posições positivas e negativas, já era exposto que o seu desenvolvimento logo iria proporcionar a “travessia entre o Velho e o Novo Mundo pelo ar” e que isso poderia se fazer em “75 horas”. Mas o debate, a propagação das ideias e o desenvolvimento da aviação são drasticamente interrompidos com o início da carnificina que foi a Primeira Guerra Mundial.

5 de abril de 1910
5 de abril de 1910, Jornal “A República”

Apesar disso, é inegável que o fim do conflito impulsionou de maneira extraordinária a aviação. Mesmo com a precária estrutura e potência dos motores dos aviões existentes, o grande número de máquinas e pilotos excedente permite o início da exploração de novos horizontes e até mesmo de rotas aéreas comerciais. Em 23 de outubro de 1918, poucos meses após o fim da Primeira Guerra, o jornal A República reproduziu uma reportagem do jornal “O Estado de São Paulo”, onde o Comandante José Maria Magalhaes Almeida, adido naval brasileiro na Itália e futuro governador do Maranhão, declarou que ao realizar uma visita oficial a fábrica de aviões do industrial Giovanni Battista Caproni, este comentou que tinha o “grande sonho de voar através do Atlântico”.

Gianni Caproni, de terno, na nacele de um de avião fabricado pela sua empresa.
Gianni Caproni, de terno, na nacele de um de avião fabricado pela sua empresa.

O italiano, conhecido como Gianni Caproni, coletou de Magalhaes Almeida informações sobre a nossa costa. O plano de Caproni era para uma travessia aérea em um “colossal hidroplano, entre Serra Leoa (África) e Rio Grande do Norte ou Pernambuco”. Provavelmente esta foi a primeira vez que uma pessoa com forte atuação no meio aeronáutico mundial apontava a importância estratégica da costa nordestina para a aviação.

23 de outubro de 1918, jornal "A República"
23 de outubro de 1918, jornal “A República”

Apesar da elite potiguar fazer questão de propagar nos jornais locais qualquer notícia positiva sobre o nosso estado produzida lá fora, acredito que ninguém levou a sério a informação do Comandante Magalhaes Almeida.

Provavelmente colocaram a possibilidade de um aeroplano Caproni chegar a nossa região voando sobre o Oceano Atlântico apenas no campo dos sonhos.

A 1ª aeronave em céus potiguares

Mas, lá fora, a aviação progredia.

A primeira travessia aérea do Atlântico Sul foi concluída com sucesso em 17 de junho de 1922, pelos aviadores portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, como parte das comemorações do primeiro centenário da independência do Brasil. Os lusos realizaram a travessia oceânica cobrindo uma distância de 1.890 milhas com muitas dificuldades, onde tiveram que utilizar três aeronaves.

Sacadura Cabral e Gago Coutinho em 1922
Sacadura Cabral e Gago Coutinho em 1922

Os aviadores portugueses não passaram por Natal e seguiram de Fernando de Noronha direto para Recife.

Apesar da frustração por não receberem a dupla Coutinho/Cabral, no dia 21 de dezembro de 1922 os potiguares viram pela primeira vez uma aeronave sobrevoar sua terra. Era um hidroavião biplano Curtiss H 16, batizado como “Sampaio Correia II” (o primeiro fora destruído em Cuba, sem ferimentos nos aviadores). A tripulação era de cinco pessoas. O piloto era o oficial da marinha americana Walter Hinton e o copiloto era Euclides Pinto Martins, um cearense de Camocim, que havia morado no Rio Grande do Norte e aqui tinha muitos amigos.

O norte americano Walter Hinton e o cearense Euclides Pinto Martins, piloto e copiloto do hidroavião "Sampaio Correia II", a primeira aeronave a voar sobre o Rio Grande do Norte
O norte americano Walter Hinton e o cearense Euclides Pinto Martins, piloto e copiloto do hidroavião “Sampaio Correia II”, a primeira aeronave a voar sobre o Rio Grande do Norte

O “Sampaio Correia II” tocou as águas do rio Potengi as 12:45, atracando no Cais Tavares de Lyra, diante da aclamação popular e muitas homenagens prestadas pelas autoridades do Estado. Pelo fato de Pinto Martins ser conhecido em Natal, muita gente pensou que o cearense iria ficar aqui algum tempo com seus amigos, participando de inúmeras homenagens típicas da época. Mas o “Sampaio Correia II” partiu no dia posterior a sua chegada, ás sete da manhã, sem dar muitas satisfações ao povo natalense.

Entretanto Hinton e Pinto Martins não deixaram a terra potiguar tão rapidamente como desejavam. Perceberem falhas em um dos motores da aeronave e tiveram de amerissar no mar, próximo a comunidade de Baía Formosa. Analisado o motor descobriram que algumas engrenagens estavam irremediavelmente danificadas e tinham que ser substituídas. Só conseguiram o conserto das peças em Pernambuco, mais exatamente em Recife.

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O hidroavião decolou dias depois de Baía Formosa rumo  a Recife. Existe a informação que a saída da aeronave foi realizada com muitas dificuldades e, aparentemente, gerou uma nova pane que os forçou descer em Cabedelo, já na Paraíba. Ao final o “raid” do hidroavião de Hinton e Pinto Martins demorou 75 dias para ser concluído no Rio de Janeiro.

Pássaros de aço que passam e não param

Apesar do Comandante Magalhães Almeida haver apontado para o italiano Caproni que as terras potiguares era um ótimo ponto estratégico na eventualidade de uma travessia aérea do Oceano Atlântico, os potiguares ficaram um tempo sem testemunhar a passagem de aviões. Só veriam outra aeronave no ano de 1926.

Mapa do trajeto do hidroavião espanhol "Plus Ultra"
Mapa do trajeto do hidroavião espanhol “Plus Ultra”

Primeiramente houve uma grande expectativa no mês de fevereiro com a possibilidade da  chegada em Natal do hidroavião espanhol “Plus Ultra”, comandando por Ramon Franco, irmão do futuro ditador espanhol Francisco Franco Bahamonde. Mas este e sua tripulação repetiram a rota dos lusos Gago Coutinho e Sacadura Cabral e seguiram de Fernando de Noronha direto para Recife, aparentemente sobrevoando o território potiguar sem tocá-lo.

Os argentinos do Raid Nova York-Buenos Aires, passaram por Natal e pararam em na praia de Barra de Cunhaú, município de Cangauaretama.
Os argentinos do Raid Nova York-Buenos Aires, passaram por Natal e pararam em na praia de Barra de Cunhaú, município de Canguaretama. Na imagem aspectos da chegada desta aeronave no Rio de Janeiro

Nas primeiras semanas de julho de 1926 um hidroavião de fabricação italiana, com uma tripulação argentina e batizado como “Buenos Aires”, era por aqui aguardado. Eles realizavam um “raid” de Nova York a capital argentina. Mas a aeronave com seus três tripulantes, comandados por Eduardo Oliviero, após vários acidentes no trajeto entre Havana e a região norte do estado do Pará, apenas sobrevoou Natal no dia 11 de julho, as 11:20 da manhã.

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Mas tal como aconteceu com o “Sampaio Correia” não deixou rapidamente o Rio Grande do Norte. Devido a uma forte tempestade tiveram de amerissar na região de Barra de Cunhaú. Os aviadores receberam total apoio do coronel Luiz Gomes, chefe político da cidade mais próxima, Canguaretama, e só seguiram viagem na manha de 13 de julho.

O ano em que tudo mudou

Em fevereiro de 1927 chega a notícia que um hidroavião bimotor italiano, modelo Savoia-Marchetti S 55, estava atravessando o Atlântico em direção a capital potiguar. A aeronave havia sido batizada como “Santa Maria”, tinha como piloto o herói de guerra Francesco De Pinedo, tendo como companheiros o capitão Carlo Del Prete, e o sargento Victale Zachetti.

Francesco De Pinedo - Fonte - www.aeronautica.difesa.it
Francesco De Pinedo – Fonte – http://www.aeronautica.difesa.it

Haviam partido do porto de Elmas, Itália, em 13 de fevereiro, bordejaram a costa oeste africana até Porto Praia, capital da atual República de Cabo Verde. Somente no dia 22 alçaram voo em direção a Natal. Mas em Fernando de Noronha houve problemas com a quantidade de combustível e De Pinedo teve de fazer um pouso de emergência. Foi apoiado pelo Cruzador “Barroso”, da Marinha do Brasil. No dia 24 de fevereiro, pelas 7 horas decolavam para Natal.

Foi com um estrondoso repicar dos sinos das igrejas que Natal recebeu a notícia da partida daquela nave do arquipélago. Logo o comércio, as repartições públicas, as escolas fecham suas portas e uma multidão calculada em 10.000 pessoas, vai se aglomerar desde o Cais da Tavares de Lira, até a então conhecida praia da Limpa, onde atualmente se localizam a áreas do prédio histórico da Rampa, o Iate Clube de Natal e as dependências do 17º Grupamento de Artilharia de Campanha.

O "Santa Maria" - Fonte - www.aeronautica.difesa.it
O “Santa Maria” – Fonte – http://www.aeronautica.difesa.it

No alto da torre da igreja matriz, na Praça André de Albuquerque, escoteiros estão posicionados, vasculhando os céus com binóculos e lunetas em busca do hidroavião. No mastro ali existente tremulam as bandeiras italiana e brasileira. Finalmente, às nove e vinte da manhã, um ponto é avistado para além da praia da Redinha, ao norte da cidade. Os escoteiros estouram rojões, novamente os sinos das igrejas repicam e navios ancorados no porto apitam ruidosamente, deixando Natal em polvorosa.

O hidroavião sobrevoa a cidade, segue em direção a região do atual bairro de Igapó, retornando na direção do porto. Vai baixando devagar, extasiando a todos ao amerissar tranquilamente no sereno rio Potengi.

Apesar de toda pompa e circunstancia com que o aviador foi recebido em Natal, De Pinedo parecia cansado, com aspecto carrancudo. Mesmo sem externar maiores emoções típicas dos latinos, em um banquete oferecido pelo governo estadual, De Pinedo ergueu um brinde de agradecimento à acolhida efetuada pelos natalenses, à figura heroica do aviador potiguar Augusto Severo e comentou entre outras palavras que “Natal seria a mais extraordinária estação de aviação do mundo”.

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De Pinedo foi o primeiro aviador a se pronunciar publicamente sobre a positiva condição que Natal possuía para a aviação mundial, sendo este pronunciamento repetido em diversos jornais nacionais e estrangeiros.

Um italiano realizava o sonho de outro italiano, Giovanni Battista Caproni, da travessia aérea do Oceano Atlântico entre a África e o Brasil, tendo a costa potiguar como ponto de apoio.

A vinda de De Pinedo a Natal tornou conhecida a capital potiguar no cenário da aviação mundial e mostrou ao co-piloto e navegador Carlo Del Prete, que nesta cidade havia um ponto seguro para receber qualquer aeronave que desejasse se aventurar a cruzar o vasto Oceano Atlântico.

Raids que eram uma festa e entraram para a história

Vinte dias após a passagem do “Santa Maria”, a cidade de Natal recebe outro “raid” histórico. Era um hidroavião bimotor, modelo alemão Dornier DO J Wall, batizado como “Argos”. A nave pertencia ao governo português, era pilotado por José Manuel Sarmento de Beires, um major do exército, que tinha como auxiliares os militares e patrícios Jorge de Castilho e Manuel Gouveia.

Da esquerda para direita temos Sarmento de Beires, Castilho e Gouveia, os portugueses do "Argus"
Da esquerda para direita temos Sarmento de Beires, Castilho e Gouveia, os portugueses do “Argus”

Seu feito foi haver realizado a travessia Atlântica à noite. Decolaram de Bolama, na atual Guiné Bissau, às 17 horas do dia 12 de março de 1927 e pousaram em Fernando de Noronha na manhã do dia 18, uma sexta feira, por volta das 10:15. A parada no arquipélago foi rápida e às 12:55 o hidroavião português já evoluía várias vezes sobre Natal. Depois amerissaram no rio Potengi e prenderam seu hidroavião em boias defronte á pedra do Rosário.

Foram recebidos com muita atenção pela população de Natal. Os aviadores lusos estiveram em várias recepções. A mais importante foi no palacete do comerciante Manoel Machado, o mais abonado da cidade naquela época e nascido em Portugal. No domingo, dia 20 de março, pelas oito da manhã o “Argos” partiu. Em Recife, em uma entrevista ao Diário de Pernambuco, Beires declarou que “Natal era um excelente ponto para aviação”.

Hidroavião da esquadrilha Dargue
Hidroavião da esquadrilha Dargue

No mesmo dia da partida do “Argos”, mas por volta das quatro da tarde, de uma maneira um tanto surpreendente para grande parte da população de Natal, surgem sobre as dunas do Tirol três hidroaviões monomotores pintados de azul escuro e amarelo. Estes realizaram um voo a 300 metros de altitude sobre a Natal de pouco menos de 40.000 habitantes e amerissaram tranquilamente no rio Potengi. Era a esquadrilha comandada pelo Major Herbert Arthur Dargue, que havia partido dos Estados Unidos ainda no ano anterior e percorria toda a costa da América Latina.

Oficialmente a esquadrilha era denominada Pan-American Goodwill Flight, sua equipe original era composta, além do major Dargue, de três capitães e seis primeiros tenentes. Todos vinham acomodados em cinco hidroaviões modelo Loening OV-1 e cada aeronave havia sido batizada com o nome de uma grande cidade americana.

Este Loening OV-1, o "San Francisco", que esteve em Natal, está preservado no Smithsonian's National Air and Space Museum, em Washington D. C.
Este Loening OV-1, o “San Francisco”, que esteve em Natal em 1927, está preservado no Smithsonian’s National Air and Space Museum, em Washington D. C.

Haviam partido de Kelly Field, no Texas, no dia 21 de dezembro de 1926 e progrediram de forma relativamente lenta em direção sul. Tinham como missão levar mensagens de amizade dos Estados Unidos para os governos e os povos latino-americanos, promover a aviação comercial dos Estados Unidos na região e forjar rotas de navegação aérea através das Américas. Extra oficialmente esta esquadrilha voava para “mostrar a estrela” abaixo de suas asas. Ou seja, demonstrar aos países abaixo da fronteira sul dos Estados Unidos a capacidade e alcance de seu aparato aéreo militar.

Major Herbert Arthur Dargue
Major Herbert Arthur Dargue. Morreu durante a Segunda Guerra Mundial

Sobrevoaram a costa do Oceano Pacifico desde o México a Argentina, sempre em meio a muitos festejos. Em Buenos Aires, durante uma apresentação no aeroporto de Palomar, dois hidroaviões se chocaram em voo e caíram. Um capitão e um primeiro tenente morreram no desastre. Deste ponto as aeronaves da marinha americana seguem em direção norte, acompanhando a costa Atlântica da América do Sul. Em decorrência do acidente trágico na Argentina voam de forma discreta, sem festividades nas suas paradas. Além disso, os jornais de Natal haviam sido informados que estas aeronaves não amerissariam no rio Potengi, seguindo de Recife direto para São Luís do Maranhão. Por isso houve tanta surpresa na capital potiguar no domingo, 20 de março de 1927.

General Ira C. Eacker, comandante da 8th Air Force, a grande força de bombardeiros americanos baseados na Inglaterra durante a II Guerra, era um dos membros da esquadrilha Dargue e esteve em Natal em 1927
General Ira C. Eacker, comandante da 8th Air Force, a grande força de bombardeiros americanos baseados na Inglaterra durante a II Guerra, era um dos membros da Esquadrilha Dargue e esteve em Natal em 1927

A viagem do Pan-American Goodwill Flight como ficou conhecido, foi amplamente divulgado na época, com cobertura de primeira página em todos os principais jornais dos Estados Unidos e de outros países, durante quase todos os dias do trajeto aéreo. Em outubro de 1927 a conceituada revista National Geographic dedicou 51 páginas para o épico voo. Na edição de 22 de março de 1927 do jornal A Republica, o Major Dargue foi entrevistado pelo engenheiro agrônomo Octavio Lamartine, filho do político Juvenal Lamartine, que por realizar uma especialização na Universidade de Geórgia, Estados Unidos, dominava perfeitamente o idioma inglês. O oficial aviador americano declarou entre outras coisas que “Natal era um ponto ideal para a aviação”. Para ele a posição geográfica da cidade, o clima e a condição do rio Potengi para os hidroaviões apontavam que a capital potiguar viria a ser “Necessariamente uma base intercontinental de aviação mundial”.

No centro da foto vemos o general Muir S. Fairchild, membro da Divisão de Planos Estratégicos em Washington durante a II Guerra e outro membro da Esquadrilha Dargue em Natal no ano de 1927
No centro da foto vemos o general Muir S. Fairchild, membro da Divisão de Planos Estratégicos em Washington durante a II Guerra e outro membro da Esquadrilha Dargue em Natal no ano de 1927

Em pouco mais de 15 anos, com a implantação da grande base americana de Parnamirim Field, as palavras do Major Dargue se tornaram verdadeiras.

Interessante comentar que dois dos comandados de Dargue que estiveram em Natal, o então Capitão Ira Clarence Eaker e o Primeiro Tenente Muir Stephen Fairchild, se tornaram oficiais generais de extrema relevância durante a Segunda Guerra Mundial. O primeiro foi comandante da 8º Força Aérea de bombardeiros, onde muitos dos seus quadrimotores B-17 e B-24 passaram por Natal a caminho de bases na Inglaterra, de onde atacavam com suas bombas o coração do Terceiro Reich. Já o outro foi um renomado membro da Divisão de Planos Estratégicos em Washington, um dos grandes planejadores das ações aéreas americanas e que certamente deve ter opinado sobre a construção de uma grande base aérea em Natal durante aquele conflito.

Um voo que nunca chegou e outro que marcou

Os próximos “raids” a passarem por Natal é uma grande marca na história aeronáutica brasileira e da aviação mundial. Enquanto isso, o que não faltava nos céus de todo o planeta eram aeronaves realizando “raids”.

O aviador norte americano Charles Lindbergh. Ele esteve em Natal na década de 1930, realizando um Raid em um hidroavião monomotor, junto a com a sua esposa
O aviador norte americano Charles Lindbergh. Ele esteve em Natal na década de 1930, realizando um Raid em um hidroavião monomotor, junto com a sua esposa

Pretendendo a travessia do Atlântico Norte estava os franceses Nungesse e Coli, com o seu avião batizado “Pássaro Azul”. Da Inglaterra os Tenentes Carr e Gilman preparavam o voo que ligaria a Inglaterra a Índia. Da Espanha chegavam notícias da volta ao globo pretendia por Ruiz Alba e Padelo Roda e voando de New York para Paris, buscando ganhar um prêmio no valor de 25.000 dólares, havia um desconhecido piloto chamado Charles Lindbergh.

O "Jahú”- Fonte – Coleção do autor
O “Jahú”- Fonte – Coleção do autor

O Brasil estava em uma extrema expectativa com o voo através do Atlântico Sul do hidroavião brasileiro “Jahú”. Era um aparelho Savoia Marchetti S-55, de fabricação italiana, comandado por João Ribeiro de Barros, paulista da cidade de Jaú. Tinha como companheiros João Negrão, Vasco Cinquini, e o Capitão Newton Braga. Em meio a inúmeros problemas, que incluíram inclusive sabotagem, o “Jahú” decolou às quatro e meia da manhã, do dia 28 de abril de 1927, de Cabo Verde. Os natalenses e pessoas de várias cidades dormiram nas calçadas dos jornais, aguardando notícias. Somente no dia seguinte, soube-se que o “Jahu”, pelas 17:30, amerissou a 100 milhas de Fernando de Noronha. Natal aguardava com ansiedade o brasileiríssimo “Jahú” e, enquanto ele não vinha, foi noticiado que outro voo estava programado para chegar a Natal e desta vez a nave viria pilotada por um nobre francês: o capitão Pierre Serre de Saint-Roman, filho do Conde de Saint-Roman e sua ideia era vir a América do Sul para percorrer 52 cidades do continente e a primeira seria Natal.

O aviador francês Pierre Serre de Saint-Roman, aquele que nunca chegou a Natal
O aviador francês Pierre Serre de Saint-Roman, aquele que nunca chegou a Natal

Os momentos iniciais do voo de Saint-Roman foram atribulados. Talvez por ele possuir apenas 250 horas de voo como experiência anterior a um salto sobre o Atlântico. Talvez pelo seu avião Farman F.60 Goliath, um biplano bimotor, batizado como “Paris-Amérique-Latine” e concebido originalmente como bombardeiro, não ser a nave ideal. Em todo caso, ele e mais dois companheiros decolam de Saint-Louis (Senegal), no dia 5 de maio de 1927, às seis da manhã. Em Natal muitos imaginam que Saint-Roman vai chegar primeiro que o “Jahú”, mas o “Paris-Amérique-Latine” e seus tripulantes jamais foram vistos novamente. Somente no dia 29 de junho, restos do avião de Saint-Roman foram encontrados entre o Maranhão e Pará, bem distantes da rota planejada pelos aviadores desaparecidos.

Apesar da competitividade reinante entre os voos do “Jahú” e do “Paris-Amérique-Latine”, percebe-se lendo os jornais da época que Natal sentiu o desaparecimento do avião francês.

O “Jahú”, um hidroavião Savoia-Marchetti S.55, o último de seu modelo no mundo, atualmente se encontra no Museu de aviação da TAM, em São Carlos, São Paulo – Fonte - http://www.panomario.com
O “Jahú”, um hidroavião Savoia-Marchetti S.55, o último de seu modelo no mundo, atualmente se encontra no Museu de aviação da TAM, em São Carlos, São Paulo – Fonte – http://www.panomario.com

Mas logo ele seria esquecido com a triunfal chegada do “Jahu”.

Os pilotos brasileiros partiram de Fernando de Noronha no dia 14 de maio e por volta das 13 horas ouviu-se o crescente ronco dos motores e uma silhueta vermelha surgiu no horizonte vindo do mar. A chegada desta aeronave a capital potiguar foi algo marcante na população local.

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Dois meses depois, em 18 de julho de 1927, Natal foi surpreendida com a chegada de uma aeronave de rodas, um autêntico avião. Ele era francês, biplano monomotor, do tipo Breguet, e pertencia a uma empresa comercial francesa chamada Latecoère. Percorriam o litoral brasileiro em busca de locais para construção de campos de aviação para uso comercial, através de um convênio com o governo brasileiro para fazer o transporte do correio internacional.

Paul Vachet no centro da foto
Paul Vachet no centro da foto

O problema era que o biplano só poderia aterrar em um campo de pouso, que não existia ainda na cidade e o piloto Paul Vachet, acompanhado de Dely e Fayard, aterrissou na praia da Redinha.

Com eles, começou a aviação comercial em Natal e a aventura de voar, aos poucos, foi ficando no passado.

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A RAMPA E O RIO POTENGI EM FOTOS DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Um hidroavião Martin PBM Mariner sendo baixado para o Rio Potengi pela rampa existente na Naval Air Statin Natal (NAS Natal), hoje conhecida como Ramoa
Um hidroavião Martin PBM Mariner sendo baixado para o Rio Potengi pela rampa existente na Naval Air Station Natal (NAS Natal), local hoje conhecido simplismente  como Rampa

NA ÚLTIMA SEMANA PAUTEI NESTE ESPAÇO ALGUNS MATERIAIS SOBRE O  SÍTIO HISTÓRICO DA ANTIGA RAMPA, NO BAIRRO DA RIBEIRA, EM NATAL. HOUVE UMA REPERCUSSÃO MUITO POSITIVA E UM GRANDE RETORNO POR PARTE DAQUELES QUE VISITARAM O NOSSO TOK DE HISTÓRIA E ASSIM CONHECERAM UM POUCO MAIS SOBRE ESTE LOCAL, TÃO LIGADO A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.

Pátio da Rampa e seus hidroaviões
Pátio da Rampa e seus hidroaviões

NO NOSSO BLOG TOK DE HISTÓRIA, ESPAÇO NA INTERNET PAUTADO PELA DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO HISTÓRICA, TRAGO AOS MUITOS AMIGOS E AMIGAS QUE APRECIAM NOSSO TRABALHO, ALGUMAS FOTOS DA VELHA RAMPA DURANTE A GUERRA, EM MEIO A HIDROAVIÕES DA U.S. NAVY, O RIO POTENGI E SEUS BARCOS A VELA, OU A “PANO”, COMO DIZEM ATÉ HOJE OS PESCADORES.

Decolagem no rio Potengi
Decolagem no rio Potengi
Os barcos típicos do rio Potengi
Os barcos típicos do rio Potengi
Flutuante da Panair, onde os hidroaviões eram amarrados quando no rio
Flutuante da Panair, onde os hidroaviões eram amarrados
Hidroavião na água
Hidroavião na água
Desembarque
Desembarque
Embarque
Embarque
Hidroavião subindo a rampa
Hidroavião subindo a rampa
Natal em uma das principais rotas aéreas durante a Segunda Guerra Mundial
Natal em uma das principais rotas aéreas durante a Segunda Guerra Mundial, o “Trampolim da Vitória”
Um piloto da U.S. Navy e seus óculos Ray-Ban
Um piloto da U.S. Navy e seus óculos Ray-Ban

Fonte das fotos – U.S. Navy

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A IMPORTÂNCIA DO SÍTIO HISTÓRICO DA RAMPA PARA A AVIAÇÃO BRASILEIRA E SUA SITUAÇÃO ATUAL

O autor deste artigo no prédio histórico da Rampa em 2009 - Foto - Leonardo Dantas
O autor deste artigo no prédio histórico da Rampa em 2009 – Foto – Leonardo Dantas – CLIQUE NAS FOTOS PARA AMPLIAR

Autor – Rostand Medeiros

Segundo apontam os principais estudos relativos à história da aviação no Brasil na primeira metade do século XX, a importância da cidade de Natal para o desenvolvimento desta atividade sempre esteve ligada a sua privilegiada localização geográfica.

Entre o final da década de 1920, até o primeiro semestre de 1942, em meio a uma cidade provinciana, com uma população que variou neste período entre 40.000 a 60.000 pessoas, importantes empresas aéreas chegaram a capital potiguar para desenvolveram suas atividades.

A provinciana Natal - Fonte - Coleção do autor
A provinciana Natal – Fonte – Coleção do autor

Estas eram de origem francesa, alemã, norte americana e italiana. Aqui construíram instalações diversas, vieram com seu pessoal técnico especializado e trouxeram um panorama de modernidade para a pequena capital nordestina. Estas ações tornaram a área de Natal um dos pontos de apoio mais importantes para o desenvolvimento da atividade aérea comercial no mundo.

Chegam os Norte-americanos

As empresas se dividiram basicamente entre dois locais; um no Campo de Parnamirim, afastado da cidade e exclusivo para aviões e o outro destinado às amerissagens dos hidroaviões, nas margens do estuário do rio que banha a cidade de Natal, o Potengi.

Neste rio, no setor situado entre as instalações do Porto de Natal e as proximidades da secular Fortaleza dos Reis Magos foi o local escolhido pelos alemães e norte-americanos para as instalações de suas respectivas estações aéreas.

Um cartaz informativo da Nyrba Lines - Fonte - Coleção do autor
Um cartaz informativo da Nyrba Lines – Fonte – Coleção do autor

A primeira aeronave americana de uma empresa aérea a chegar a Natal foi o hidroavião batizado “Washington”, em 5 de julho de 1929. Nos comandos estava o norte-americano Ralph O’Neill, veterano piloto de caça da Primeira Guerra Mundial e líder da empresa New York-Rio de Janeiro-Buenos Aires Lines, mais conhecida como Nyrba Lines. Em 13 de novembro de 1929, amerissava no rio Potengi o hidroavião “Baía”, da mesma empresa e durante mais três meses, vários outros hidroaviões da Nyrba Lines passam por Natal. Seus tripulantes estudavam as rotas aéreas, aspectos ligados à operação de apoio e um maior conhecimento da bacia do rio Potengi. No dia 25 de janeiro de 1930 a Nyrba Lines vai inaugurar oficialmente a sua rota Rio de Janeiro-Fortaleza, que tinha Natal como ponto de passagem.

Em pouco tempo, mais precisamente em 19 de agosto de 1930, a Nyrba é obrigada a se fundir com empresa Pan America Airways, a famosa Pan Am. Nesta época, segundo Paulo Pinheiro de Viveiros, autor do livro “História da aviação no Rio Grande do Norte” (págs. 31 a 38, 1ª Ed. 1974), os hidroaviões americanos permaneciam atracados em flutuadores estacionados à margem direita do rio Potengi, defronte ao local denominado Passo da Pátria. Era conhecido como “Estação Fluctuante da Panair”.

O homem sob o flutuador da aeronave é o mítico aviador norte-americano Charles Lindbergh, que juntamente com a sua esposa Anne Morow, amerissaram seu hidroavião monomotor Lookheed 8 Sirius no rio Potengi na tarde de 5 de dezembro de 1933, amarrando sua aeronave no flutuante da Panair
O homem ao lado da hélice do hidroavião é o mítico aviador norte-americano Charles Lindbergh, que juntamente com a sua esposa Anne Morow amerissaram seu hidroavião monomotor Lookheed 8 Sirius no rio Potengi na tarde de 5 de dezembro de 1933. na foto vemos sua aeronave sendo amarrada no flutuante da Panair. Eles realizaram um longo “raid” aéreo naquele ano.

Enquanto estas mudanças ocorriam com os norte-americanos, os alemães abrem a sua agência em Natal. Na 2ª página, da edição de quinta feira, 6 de fevereiro de 1930, do jornal natalense “A República”, na pequena nota intitulada “Movimento Aviatório”, existe a informação que um hidroavião da empresa área Syndicato Condor Ltda era esperado ás 15 horas daquele dia, inaugurando a linha aérea entre Natal e Porto Alegre. As instalações desta empresa, de origem e direção germânica, ficaram localizadas em uma área conhecida como praia da Limpa, na região onde atualmente se localiza as instalações do 17º GAC – Grupamento de Artilharia de Campanha.

Em 1934 a Pan Am decide criar uma subsidiária no Brasil, denominando-a Panair. Em Natal a empresa decide melhorar a sua estrutura de apoio onde é construída uma pequena estação de passageiros que desembarcavam dos hidroaviões através de um píer de concreto.

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O local foi edificado em um terreno cedido pela Marinha do Brasil, conforme podemos ver na foto da nota jornalística de um jornal de Natal em 1938.

A Tempestade se Aproxima

Logo os tambores de guerra passam a tocar mais alto na Europa e Ásia. O Brasil, nação de tradição pacífica em relação à convivência com outras nações, logo se vê diretamente envolvido na Segunda Guerra Mundial, o maior conflito bélico da história da humanidade.

Enquanto a guerra se expandia em várias partes do mundo, em Natal, a Panair apresentava sua estação de passageiros a margem do rio Potengi - Fonte - Coleção do autor
Enquanto a guerra se expandia em várias partes do mundo, em Natal, a Panair apresentava sua estação de passageiros a margem do rio Potengi – Fonte – Coleção do autor

Relatórios preliminares desenvolvidos pelas forças armadas dos Estados Unidos, antes mesmo da entrada deste país na guerra, corroboravam a importância geográfica de Natal. Informavam que a projeção do litoral nordeste do Brasil, o chamado Saliente Nordestino, onde Natal está localizado, era considerado um importante ponto estratégico militar.

Logo o Brasil e os Estados Unidos firmam acordos diplomáticos em relação ao momento turbulento. Inicialmente estes acordos focaram na defesa territorial do Saliente Nordestino, com a criação de unidades militares do Exército Brasileiro na região, criação de bases navais para a nossa Marinha de Guerra e o desenvolvimento de bases aéreas que seriam utilizadas pelos norte-americanos e pela recém-criada Força Aérea Brasileira, a FAB.

Hangar de nariz da base de Parnamirim, ou Parnamirim Fiel, durante a Segunda Guerra Mundial - Fonte - NARA
Hangar de nariz da base de Parnamirim, ou Parnamirim Fiel, durante a Segunda Guerra Mundial – Fonte – NARA, Washington D.C.

Um dos pontos fortes desta cooperação de defesa foi sem dúvida a Base Aérea de Parnamirim, em Natal. Além da defesa da área da capital potiguar, esta base foi essencial para o trânsito de milhares de aviões militares aliados, que seguiam dos Estados Unidos em direção a África, Europa e Extremo Oriente, transportando homens e todos os tipos de materiais essenciais para os aliados. O transporte por Parnamirim foi importante para a conquista do Norte da África e do Oriente Médio, além da invasão do sul da Europa. Daí surge à expressão que apontou a cidade de Natal como o “Trampolim da Vitória”.

A Base Militar no Rio Potengi e a presença Militar dos Estados Unidos no Brasil

A área da Panair a margem do rio Potengi não deixou de dar a sua contribuição para a defesa da nossa região, bem como dentro do espírito de cooperação entre brasileiros e norte-americanos.

Em 11 de dezembro de 1941, um mês e meio antes do Brasil decretar o rompimento das relações diplomáticas e ocorrer o reconhecimento do “Estado de Beligerância” e oito meses antes da declaração formal de guerra contra as potências do Eixo, chegam ao rio Potengi de seis hidroaviões militares PBY-5 Catalina, do esquadrão de patrulha marítima VP-52, da Marinha dos Estados Unidos (United States Navy-U.S. Navy). Já a área as margens do rio Potengi que pertencia aos alemães, passa a ser utilizada pelos americanos.

Foto da construção da nova estação de passageiros - Fonte - Tribuna do Norte
Foto da construção da nova estação de passageiros da Panair com seus arcos característicos – Fonte – Tribuna do Norte – http://tribunadonorte.com.br/news.php?not_id=245971

Neste período é construída a edificação com arcos e torre de controle que marcam este local histórico. Paralelo a esta situação são construídas rampas de acesso para a retirada dos hidroaviões da água e manutenção em terra. Por esta razão o lugar passou a ser conhecida pelos natalenses simplesmente como Rampa.

Um hidroavião  Martin PBM Mariner, da U.S. Navy, visto através dos arcos do prédio histórico da Rampa - Fonte - Tribuna do Norte
Um hidroavião Martin PBM Mariner, da U.S. Navy, visto através dos arcos do prédio histórico da Rampa – Fonte – Tribuna do Norte – http://tribunadonorte.com,br/news.php?not_id=245971

Além da base de Parnamirim e da área as margens do rio Potengi em Natal, dentro do processo de cessão de áreas militares no Brasil, os norte-americanos passaram a operar em 15 outros pontos do território brasileiro, em uma abrangência que ia do Amapá ao Rio Grande do Sul.

Para termos uma ideia da grandeza desta ação, o documento que apresentamos a seguir foi produzido em 14 de maio de 1944 e mostra a disposição das áreas de operações que a 4ª Frota (Fourth Fleet) da U.S. Navy possuía no Brasil.

Listas das bases da U.S. Navy no Brasil em 1944 - do Amapá ao Rio Grande do Sul.
Listas das bases da U.S. Navy no Brasil em 1944 – do Amapá ao Rio Grande do Sul.

É importante apontar que além da U.S. Navy, operava no nosso país a Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (United States Army Air Force-USAAF), com grande quantidade de homens e aviões, principalmente na função de transporte.

Nova Utilização 

Após o final da Segunda Guerra Mundial, diante dos progressos técnicos da aviação, do crescimento do fluxo de passageiros e das mudanças em relação à forma de utilização da aviação comercial, a necessidade de estações de hidroaviões como a existente as margens do rio Potengi decresceu vertiginosamente.

Nova estação da Panair, mas sem utilização após a guerra - Fonte - Tribuna do Norte
Nova estação da Panair, mas sem utilização após a guerra – Fonte – Tribuna do Norte – http://tribunadonorte.com.br/news.php?not_id=245971

Como havia sido anteriormente acordado entre o governo brasileiro e o norte-americano, as áreas militares utilizadas a margem do rio Potengi foram devolvidas aos brasileiros, fato que ocorreu em 1946.

O destino desta área militar foi uma parte entregue ao Exército Brasileiro (Que ali criou o aquartelamento atualmente denominado 17º GAC) e outra a FAB. Esta última Força ali implantou uma área de lazer para seus membros, que se tornou uma forte geradora de diversas atividades sociais, tanto para os militares, quanto ao povo natalense.

Um restaurante operou no prédio da Rampa - Fonte - Tribuna do Norte
Um restaurante operou no prédio da Rampa – Fonte – Tribuna do Norte

Com o passar do tempo, em parte devido às mudanças do eixo de expansão da cidade de Natal, bem como diante de diversas mudanças de caráter social, cultural e de comportamento da nossa sociedade, a área da Rampa foi gradativamente perdendo sua importância e sua utilização pública cessou.

Nos últimos anos o local ficou sob a responsabilidade da União Federal e em 2009 foi repassada para a responsabilidade do estado do Rio Grande do Norte, que tem planos de ali abrigar um museu ligado a história da aviação e da Segunda Guerra Mundial.

Esperança de Recuperação

Em 2 de junho de 2013, em mais uma visita relâmpago ao Rio Grande do Norte, a Presidente Dilma Rousseff assinou a ordem de serviço para a obra, que está orçada em R$ 7,2 milhões, com a conclusão do serviço prevista para 12 meses.

Visita do historiador e brasilianista Frank McCann a Rampa - Fonte - Coleção do autor
Visita do historiador e brasilianista Frank McCann a Rampa – Fonte – Coleção do autor

Segundo reportagem do periódico Novo Jornal, de 3 de junho de 2013, o histórico prédio da Rampa não passa por uma reforma há mais de dez anos. Levantamentos realizados pela equipe técnica da Secretária de Turismo mostra que a estrutura apresenta problemas. O piso cimentado não tem condições de uso, as vigas e pilares que compõem todos os prédios do complexo estão em estado de oxidação e o antigo cais tem de ser demolido e construído um novo. A expectativa dos órgãos de turismo é que “o futuro Museu da Rampa e o Memorial do Aviador, que fazem parte do complexo, resgatem do esquecimento o antigo reduto das tropas aliadas na Segunda Guerra Mundial, transformando-se em atração turística”.

Na época da assinatura da ordem de serviço, antes do início das grandes manifestações que atualmente ocorrem no país, a expectativa era que a empresa responsável pela obra, a Ramalho Moreira Ltda, começasse os trabalhos já no dia 10 de junho corrente.

O autor deste artigo com o professor McCann na Rampa - Fonte - Coleção do autor
O autor deste artigo com o professor McCann na Rampa – Fonte – Coleção do autor

Na última sexta feira, 28 de junho de 2013, estive no local com o historiador norte-americano Frank McCann, professor da universidade de New Hampshire, um dos mais respeitados brasilianistas e profundo conhecedor da história do Brasil durante a Segunda Guerra Mundial. Infelizmente nada, nenhuma obra física havia sido iniciada. Bem, pode-se argumentar que “Construção no Brasil é assim mesmo”. Ou então que “Diante das manifestações tudo atrasou”. Melhor seria que já estivesse sendo feito algo.

FrankD (87)

Para Frank McCann, a visão atual da Rampa foi um impacto. Esse americano, cujas obras literárias são referência no estudo sobre as relações políticas entre o Brasil e os Estados Unidos, sobre o Exército Brasileiro, sobre a nossa participação na Segunda Guerra Mundial e que desenvolve pesquisas históricas em nosso país há mais 50 anos, é um absurdo que aquele local, com tamanha bagagem histórica para a aviação brasileira e mundial, esteja naquele estado.

Espero que em breve estas mudanças ocorram e que aquele local seja preservado.

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A HISTÓRIA DA AVIAÇÃO NO RIO GRANDE DO NORTE – CONTADA POR TARCÍSIO MEDEIROS

Mapa mostrando a proximidade da região Nordeste do Brasil com a África e a Europa – Fonte – Coleção do autor

A situação geográfica do Rio Grande do Norte no saliente Sul-americano ficou mais em evidência perante o mundo no período de 1922-1937, em decorrência do desenvolvimento aviatório ocorrido logo após o término da 1ª Grande Guerra. De 1920, sobretudo, á busca de pontos estratégicos para encurtar distâncias entre os Continentes, em razão da precária estrutura e potência dos motores dos aviões de então, constituía a preocupação dos países líderes na exploração das rotas aéreas comerciais.

Antiga nau portuguesa – Fonte – Coleção do autor

O litoral do Estado, que fora ponto de convergência das naus do movimento de expansão marítima do passado, vai ser o ponto de reunião das novas naus do espaço para o salto sobre o atlântico Sul, meta de todos os grandes vôos entre Europa, África e América.

E que inexplicável coincidência do destino! A terra de Augusto Severo, pioneiro da aviação, marcaria, mais uma vez, a sua presença no momento consagrador de sua evolução, testemunhando rasgos de audácia, coragem, sacrifícios, fracassos, daqueles que buscavam a glória em luta com o tempo. Os fenômenos meteorológicos e os das correntes marítimas existentes no corredor Atlântico entre Natal e Dakar foram descritos desde o ano de 1860 por Robert-Avé-Lallemant como perigosos na área do litoral potiguar, provocadores de situações difíceis e capazes de atrair as suas costas embarcações desconhecedoras dessas particularidades.

O médico e explorador alemão Robert Christian Barthold Avé-Lallemant – Fonte – http://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_Christian_Av%C3%A9-Lallemant

Também do outro lado, a começar do Cabo Bojador para o sul, abrangendo o cotovelo africano, existe o chamado “Mar da Escuridão” dos antigos navegantes. Paul Herrman (A Conquista do Mundo) descreve a região como consequência da água do mar que, lançada sobre recifes e bancos de areia por quilômetros de oceano, de forma violenta, agitada pelos ventos, provoca uma cortina de vapor que escurece tudo, até grande altitude. A região, por tal, passou a ser conhecida como “Pot-au-Noir” para qualquer espécie de navegação, sobretudo aérea ao tempo das primeiras travessias, quando os aviões não tinham condições para atravessá-la. Aí seria o túmulo de muitos aviadores e o de Mermoz, em 1936. Esse obstáculo originou a que as tentativas iniciais do vôo transatlântico partissem da costa africana em demanda de Natal, porque em sentido contrário os ventos soprando, ainda, rijos contra o nariz do avião, consumindo, pelo esforço, mais combustível, complicava a conclusão do “raid”.

Natal, uma cidade que cresceu sobre asas – Fonte – Coleção do autor

Por isso, Natal acolheu muitos desses aviadores vindos da África, ou em vôos percorrendo as Américas. Poucos ficaram para o retorno, apenas franceses e alemães em competição para exploração do correio aéreo internacional. Os franceses, inicialmente, mantiveram o serviço percorrendo o caminho de volta por meio do “Aviso Postal”, pequeno navio rápido, tripulado por senegaleses brancos e negros, até Mermoz conseguir realizar a façanha direta com o “Arc-em-Ciel”. Os alemães da Syndikat kondor, reabastecendo os seus aviões no meio do Atlântico com o navio catapulta “Deustchland”, depois o “Westfalen”, finalmente com o dirigível “Graf Zepellin” e os aviões da Lufhansa “Dornier-Wal”, dois motores, de 1.500HP, também, diretamente.

Gago Coutinho e Sacadura Cabral partindo de Lisboa em direção ao Brasil Natal, uma cidade que cresceu sobre asas – Fonte – Coleção do autor

A travessia das 1.890 milhas entre a África e o Brasil (Natal) foi iniciada em 1922 pelos portugueses Sacadura Cabral e Gago Coutinho, que executaram o trajeto com muitas dificuldades entre Lisboa e Rio de Janeiro, em etapas, arrebentando aviões até Fernando de Noronha. Daí rumaram para Recife, passando sobre Natal. Como outrora as caravelas de Cabral, agora eles percorriam roteiro semelhante, porém com as novas “Caravelas dos Ares”. Depois, outros seus patrícios repetiram o feito, com mais sucesso. Nesse ano de 1922, já o estuário do Potengi abrigava os primeiros hidroaviões que começavam a percorrer as Américas.

Na foto vemos o norte americano Walter Hilton e o cearense Euclides Pinto Martins, que possuía forte ligação com o Rio Grande do Norte – Fonte – Coleção do autor

Assim, no dia 21 de Dezembro, amerissava o Sampaio Correia-II, tripulado pelo brasileiro Euclides Pinto Martins e o norte americano Walter Hilton, num “raid” Nova York-Rio de Janeiro, percorrendo 5.587 milhas. Pelas 14 horas, “a libellula de aço”, no dizer de “A República”, tocava as águas do rio, atracando no Cais Tavares de Lyra debaixo de aclamação popular e homenagens prestadas pelas autoridades do Estado. No dia imediato, rumava para o sul. O percurso anterior tinha sido feito de Aracati (Ceará) para Natal.

Hidroavião espanhol “Plus Ultra” e sua tripulação – Fonte – Coleção do autor

Somente de 1926 em diante, o movimento aviatório é intensivo em Natal. Alvoroçada ficou a cidade, desde o mês de fevereiro, porque estava no roteiro dos aviões “Plus Ultra” comandando por Ramon Franco e Ruiz de Alda y Duran, pretendendo a travessia Espanha-Buenos Aires, e do “Buenos Aires” comandando por Bernado Duggan acompanhado de Olivieri e Ernesto Campanelli, italianos, no intuito do “raid” Nova York – Buenos Aires. O primeiro, depois de partir de Dakar e haver percorrido 2.950 Ks, caiu em Fernando de Noronha. Reparado, seguiu para Recife- Rio de Janeiro- Buenos Aires.

Hidroavião “Buenos Ayres”, que apenas sobrevoou Natal em 1926 e aterrissaram na Barra de Cunhaú – Fonte – Coleção do autor

O segundo, iniciando viagem em maio, após vários acidentes no trajeto Havana-Pará, chegou ao litoral do estado no dia 11 de julho, pousando sem maiores consequências na Baía de Cunhaú. Socorrido com o necessário, partiu, depois, para Cabedelo, Paraíba.

Hidroavião “Santa Maria” – Fonte – Coleção do autor

No ano de 1927, em 24 de fevereiro, chega o “Santa Maria” de propriedade do Marquês de Pinedo, tendo como companheiros o cavaleiro Carlo Del Prete, Capitão de aeronáutica, e Victale Zachetti, “motorista”, todos italianos. “A República abria notícias:” Natal é o primeiro porto brasileiro em que pisa o marquês De Pinedo. Há três dias a alma da cidade vibra de emoção para saudar o grande aviador italiano. O coração do povo queria aplaudir o feito do famoso conquistador dos ares que hoje é considerado uma das verdadeiras glórias da aviação universal “”. De Pinedo, partira de Elmas, em 13 de fevereiro, chegando a Vila Cisneiros (Colônia do Rio do Ouro), 14 do mesmo mês, pelas 16 horas. Largou para Bolama, na Guiné portuguesa, aonde chegou no dia 15 as 7.30. Depois seguiu para Dakar a 17, decolando daí na noite do dia 18 para Porto Praia, local em que amerrissou no dia 19, pelas 9,30.

O italiano De Pinedo – Fonte – Coleção do autor

Somente no dia 22, levantou voo para Natal. Em Fernando de Noronha, como outros, faltando gasolina, teve de fazer um pouso de emergência. Foi reconhecido pelo Cruzador “Barroso”, no qual se hospedou. No dia 24 de fevereiro, pelas 7 horas decolava para Natal, chegando ás 9,30.

Como os anteriores, recebeu grandes manifestações. Desfilou em carro aberto pelas ruas da cidade, com as autoridades. A Assembléia Estadual, pelas 12 horas, ofereceu um almoço de 40 talheres. No seu discurso de agradecimento, De Pinedo foi profético: “Natal será a mais extraordinária estação da aviação mundial”. Carlo Del Prete e Victale Zachetti não desceram a terra, tendo permanecido todo o tempo a bordo do avião, procedendo á limpeza interna do aparelho, no qual foram ajudados por dois marinheiros da Capitania dos Portos. “A Rotisserie Natal” forneceu-lhes almoço a bordo por conta do governo do Estado. Carlo Del Prete voltaria a Natal, em 5 de julho de 1928, em companhia de Arturo Ferrarin, quando bateriam o “recorde” na travessia Roma – Natal (Praia de Touros). Partiram pelas 15:30, rumando para Recife.

O hidroavião português “Argos” – Fonte – Coleção do autor

O “Argos”, sob a direção do Major Sarmento de Beires, e tendo como auxiliares de navegação Jorge de Castilho e Manuel Gouveia, foi um dos aviões mais festejados que tocaram em Natal, por serem seus tripulantes portugueses. Tendo decolado de Bolama às 17 horas do dia 12 de março de 1927, amerrissou 150 quilômetros adiante. Recomeçou o voo para também pousar em Fernando de Noronha, no dia 18 de março pelas 10:15 às 12:55, contudo, do mesmo dia, estava em Natal, saudando a população em nota distribuída á imprensa: “A tripulação do avião” Argos “saúda o povo brasileiro que tão intensamente sabe vibrar sob a impressão resultante de qualquer tentativa levada a feito por homens dessa raça única e que pertencem os povos brasileiros e portugueses. Que o nosso esforço possa contribuir para o estreitamento da união luso-brasileira, tal é a nossa aspiração”.

Depois, Sarmento de Beires autografou um álbum de Sérgio Severo, filho de Augusto Severo, com a significativa mensagem: “Se não tivesse havido toda essa coorte de sacrifícios, entre os quais Severo fulge com cintilação imorredoura, as asas humanas não poderiam hoje singrar no espaço com segurança que nos permitiu atravessar o Atlântico numa noite inteira de voo . Pelas 16 horas, um após outro, suavemente, baixaram no Potente, amarrando em boias frente á pedra do Rosário.

Hidroavião norte-americano Loening OA-1A, da conhecida “Esquadrilha Dargue”, que estiveram em Natal em 1927 – Fonte – http://earlyaviators.com/eloenin2.htm

Comandante: Major Herbert A. Dargue, natural de Brooklin, Nova York. Sub-comandante, Capitão Artur B. Mac Doniel, de Santo Antônio, Texas, 1.o Tenente, Bernad S. Thompsom de Begdad, Flórida 1.o Tenente, Charles Mac Robson, de Columbus Ohio. 1.o Tenente, Luiz Fairchind, de Bellingham, Washington. A esquadrilha tinha feito o trajeto: Santo Antônio (Texas), Tambicu, Vera Cruz e Santa Cruz, no México; Guatemala, S. Salvador, Honduras, Costa Rica, Nicarágua, Panamá, Colômbia, Equador, Peru, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai, Brasil, passando pelo Rio Grande do Sul, Florianópolis, Santos, Rio, Bahia, Recife e Natal. Segui para o norte até completar o percurso nos Estados Unidos. Ao sair dos Estados Unidos, era composta de cinco aviões. Na Argentina houve um desastre, quando perdeu dois: o “New York e o Detroit”, que se chocaram no aeroporto de Palomar.

A capital potiguar parou para receber os brasileiros do “Jahú”- Fonte – Coleção do autor

Fins de abril, maio, junho de 1927, foram dias movimentadíssimos em Natal e para o mundo, por acontecimentos inusitados, envolvendo a avião da época. Ao mesmo tempo, em regiões diferentes, era programados vários vôos transoceânicos, abrindo “manchetes” nos jornais de todos os países.

O “Jahú”, tendo a frente o piloto Ribeiro de Barros- Fonte – Coleção do autor

Para a travessia do Atlântico Sul, interessando o brasil particularmente, estava o avião brasileiro “Jahu”, tripulado e de propriedade de João Ribeiro de Barros, paulista de 26 anos; com os companheiros João Negrão, de 26 anos; Vasco Cinquini, filho de italianos, porém brasileiro de nascimento, com 27 anos, mecânico do campo dos Afonsos e o Capitão Newtom Braga, com 42 anos. O raid seria Gênova-Dakar – Natal até Rio de Janeiro.

Preparado para o mesmo salto, de Rue (França) -Dakar-Natal, também desde abril, estava pronto o Marquês de Saint-Roman, com o “Paris-Amérique-Latine”. Pretendendo a travessia do Atlântico Norte, Europa – América do Norte, os franceses Nungesse e Coli tinham preparado o “Pássaro Azul”, e de New York para Paris, Charles Lindbergh, o “Saint-Louis, estando em jogo um prêmio no valor de 25.000 dólares. Da Inglaterra, os Tenentes Carr e Gilman preparavam o vôo Inglaterra-Índia. Da Espanha, chegavam notícias da circunavegação do globo pretendia por Ruiz Alba e Padelo Roda.

Outra imagem do “Jahú”- Fonte – Coleção do autor

Como se nota, estava-se presenciando um momento histórico da aviação: A conquista do espaço intercontinental contra o tempo numa provação de coragem humana e valorização de suas máquinas. O “O Jahu” depois de fazer o percurso Gênova – Dakar sem acidentes, pelas 3,45 do dia 29 de abril, largava de Porto Praia para Natal. Estações de rádio mais variadas, montadas por todo o brasil e, especialmente em Fernando de Noronha, espalhavam notícias constantes da travessia, esperando-se que batesse o feito anterior do “Argos”, então festivamente acolhido no Rio de Janeiro, e que chegasse primeiro a Natal do que de Saint-Roman.

Durante à tarde do mesmo dia, silenciaram as comunicações. O povo dormia nas calçadas dos jornais de várias cidades, aguardando notícias. Somente no dia seguinte, soube-se que o “Jahu”, pelas 17:30, caíra a 100 milhas de Fernando de Noronha, por Ter rompido uma hélice de um dos motores. O navio “Belvedére”, que passava no local, radiografou a triste nota, e que o “Angel Losi”, mais próximo do sinistro, estava rebocando o “Jahu” para a ilha nada tendo acontecido aos tripulantes. O jornal “Á Pátria”, que então era editado no Rio de Janeiro, achou de dar a notícia do acidente como motivado pela imperícia dos tripulantes do “Jahu”, fato que não ocorrera com o “Argos”. O povo que sofria apreensivo com o possível fracasso do avião brasileiro, rompeu num protesto violento contra o jornal, quebrando tudo, morrendo gente na confusão.

O “Jahú”, um hidroavião Savoia-Marchetti S.55, o último de seu modelo no mundo, atualmente se encontra no Museu de aviação da TAM, em São Carlos, São Paulo – Fonte – http://www.trekearth.com

No dia 5 de maio, Ribeiro de Barros ainda aguardava a nova hélice em Fernando de Noronha, quando a imprensa anunciou a largada de Dakar para Natal do “Paris-Amérique-Latine” de Saint-Roman. Então, o suspense foi martirizante. Recife, 5 – “De Dakar informa que o” Paris-Amérique-Latine “passou alto, pelas 12 horas, sobre os rochedos de S. Pedro e São Paulo” – Expectativa.

Recife, 6 – “Depois das 18 horas de ontem, nenhuma notícia positiva veio mais sobre o” Paris-Amérique-Latine “. As estações de rádio de Olinda e Fernando de Noronha têm estado em comunicação com os navios que cruzam o Atlântico, não conseguindo nenhuma informação do aparelho. O cabo francês também não recebeu notícia alguma. Parece que Saint-Roman anda fora de rota comum de navegação”. Consternação geral.

Natal esperou um nobre francês que viria pelo ar e que jamis chegou- Fonte – Coleção do autor

Depois, de todo o mundo, chegavam pedidos de informações sobre o paradeiro do “louco sublime”, como fora apelidado o simpático marquês. Organizaram-se buscas e mais buscas por todo o litoral brasileiro. Navios de vários países vasculharam o Atlântico Sul, e nada. Os mais desencontrados boatos davam Saint-Roman nas praias do Recife, Fortaleza, Maranhão até ás margens do São Francisco; ou que os destroços tinham batido no litoral de Massachusetts  Estados Unidos. Tão somente em 29 de junho, os restos do avião de Saint-Roman eram identificados no litoral brasileiro, entre o Maranhão e Pará. Mas um herói para a galeria da França, cujo drama emocionou as nações, especialmente o Rio Grande do Norte, que o esperou sempre. Enquanto isto, no dia 10 de maio, chegavam informações de Paris de que o drama de Saint-Roman não abatera o ânimo dos tripulantes do “Pássaro Azul”. No dia anterior, tinham partido para o “raid”. Paris-Nova-York. Idêntico destino estava reservado para eles: Desapareceram também nas águas frias do Atlântico Norte. A 14 de maio, finalmente, Natal aguardava a chegada do “Jahú”, que, recuperado, partira de Fernando de Noronha, ás 9,10.

Como um jornal pernambucano estampou a chegada do “Jahú” a Natal – Fonte – Coleção do autor

Multidão. Toda a cidade estava ás margens do Potengi. Navios, embarcações de todos os tipos, engalanados em arcos de bandeiras multicores. Pelas 13 horas, o ronco dos motores cresce á medida que a silhueta vermelha avulta no horizonte, vinda do mar. Quando numa curva sobrevoou Natal, o delírio foi indescritível: Palmas, gritos. Baixando após a ponte de Igapó, na altura da Pedra do Rosário, suavemente, uma, duas vezes, toca as águas do Potengi e depois desliza até ás proximidades do Cais Tavares de Lyra, onde atracou numa bóia.

O desembarque desses homens em terra foi um pandemônio. Ninguém conteve a multidão. Arrebatados, percorreram ruas de Natal nos ombros do povo. Depois, manifestações oficiais e particulares intermináveis. Durante dias, estafaram-se em um nunca acabar de festas, os solteiros arrebatando os corações das moças da terra… De tal modo que a poesia de cordel do tempo cantou… De forma irreverente. Pretendia Ribeiro de Barros deixar Natal depois do dia 20 para tanto distribuiu á imprensa uma nota: “Quando de perto sentimos a grandeza da alma, o civismo e a hospitalidade desse povo, embora de passagem, só temos um pensamento: Ficar. Só um compromisso do dever elevado e os reclamos de outros brasileiros podem ser uma força capaz de nos fazer partir, levando no coração um sentimento que nem a palavra saudada traduz”. a) Ribeiro de Barros – Newton Braga – João Negrão – Vasco Cinquini. A 24, pretendeu decolar. Tentativas e mais tentativas, e o “Jahu” teimava em ficar. E ficou até junho, revisando os motores.

Charles Lindbergh – Fonte – Coleção do autor

No mesmo dia 24 de maio, os jornais de todo o mundo saudavam um novo herói: Charles Lindgergh, o “ás” que realizou, sem etapas, diretamente, a travessia Nova York – Paris, fazendo jus ao prêmio “Orteig” de 25.000 dólares. A recepção do aeródromo de Bourget foi uma coisa nunca vista em Paris, quando Lindbergh aterrissou já á noite. Os cordões de isolamento foram rompidos e o povo carregou o aviador nos braços, também. Cansado, arrebentado, dormiu 14 horas seguidas, depois. Só mais não fez, porque foi acordado pela multidão que reclamava sua presença na sacada do hotel. Tarde de 3 de junho de 1927, o “Argos” voltava a Natal em sua viagem de regresso á pátria. O “Jahu” continuava em reparos. Domingo 5, pelas 7:30, com a presença dos tripulantes do “Argos”, autoridades e povo, o “Jahu”, finalmente, decolava rapidamente em demanda do Recife, aonde chegou pelas 9,30 do mesmo dia.

No dia seguinte o “Argos” seguiu para o Pará. Lá sofreria um acidente, danificando-se. Toda a equipagem, porém, safou-se para chegar em Lisboa, via Marítima.

Paul Vachet, terceiro a partir da esquerda, pousou com seu avião na praia da Redinha. Aqui o vemos em Buenos Aires – Fonte – http://sterlingnumismatic.blogspot.com.br

No mês de julho de 1927, continuava Natal em constantes surpresas ao receber aviadores inesperados. Em 18, é a vez de um Breguet da Latecoère. Companhia francesa de aviação, em busca de fixar-se na cidade, a fim de tentar o salto á África, e com isso conseguir o privilégio de um convênio com o governo para fazer o transporte do correio internacional, de vez que aos alemães haviam conseguido o mesmo no sul do país. Esse avião, que era um biplano terrestre, ou um aeroplano, somente podia aterrar em campo apropriado que não existia ainda na cidade. Partindo de Alagoas, chegou a Natal nessa data, aterrissando na Praia da Redinha, por não encontrar local melhor. Era comandado por Paul Vachet, acompanhado de Dely e Fayard.

Paul Vachet em um dos seus voos – Fonte – http://www.ladepeche.fr

O “Diário de Natal”, em duas edições de março de 1966, sob o título “Primeiro Avião em Natal”, publicou a tradução em trechos esparsos do livro desse aviador, então Coronel da Aviação francesa, já setuagenário, em que diz: “O voo foi efetuado a 17 de julho de 1927(e não 18) de 1927: esta é, portanto, a data da descoberta de Natal, do ponto de vista aeronáutico, de Natal que jamais recebera um avião e devia ser nossa cabeça de linha transatlântica para a América do Sul até o armistício de 1945. Evidentemente, por tudo que foi dito anteriormente, a afirmativa do velho Coronel, data vênia, constitui uma lastimável inverdade, justificável, apenas, para que lhe seja atribuído o mérito do pioneirismo da missão. Antes dele, pelos dramas heroicos de que fora testemunha da história, Natal já estava nas manchetes dos jornais de todas as nações, fazendo justiça àquela afirmativa de De Pinedo: “a mais extraordinária estação da aviação mundial”. E foi por isso que ele veio para cá.

Campo de Parnamirim na década de 1930 – Fonte – http://embuscadenovoscaminhos.blogspot.com.br

Paul Vachet, não resta dúvida, foi quem primeiro trouxe a Natal um aeroplano, o qual, por falta daquelas condições, aterrou na Redinha, e para atender os interesses de sua Companhia, por indicação do então Capitão Luiz Tavares Guerreiro conheceu o local no qual ergueria “PARNAMIRIM”. O terreno de propriedade da família Machado foi-lhe doado em seu próprio nome, mais tarde sendo lavrada a escritura para a Latecoère, que, sendo Companhia francesa sem personalidade jurídica reconhecida no Brasil, não poderia Ter recebido, naquele tempo, a doação.

Juvenal Lamartine – Fonte – http://encantosdoserido.blogspot.com.br

“Parnamirim”, a partir de então, tornou-se o Aeroporto Internacional maior da América do Sul, famoso em todo o mundo, especialmente por ocasião da Segunda Grande Guerra. A glória de sua fundação deve-se a Paul Vachet e a Latecoère. Prevendo o futuro do Estado que iria governar, Juvenal Lamartine, desde 21 de maio de 1927, apresentou na Câmara Federal, posteriormente aprovado e sancionado, o projeto de lei autorizado o poder Executivo criar no Porto de Natal um AVIÓDROMO que de acordo com a navegação aérea, teria oficinas para reparos, depósitos de material e combustível.

Avião Francês Laté-25 – Fonte – http://www.airwar.ru

Concretizando os trabalhos iniciados por Paul Vachet, Dely e Fayard, “Parnamirim” com pistas de grama e barro, estava em condições de receber os aviões da Latecoère. Assim, no dia 14 de outubro de 1927, aterrissava o “Nungesser-et-Coli”, com Costes e Le Brix, concluindo o pulo ATLÂNTICO de São Luís do Senegal a Natal. EM 20 de novembro do mesmo ano, o Laté-25 iniciava a linha regular, com Pivot, Pichad e Gaffe.

Logotipo da Condor – Fonte – Coleção do autor

No ano de 1928, os alemães que haviam fundado uma sociedade denominada “Syndikat Kondor”, desde 1.o de dezembro de 1927, estendem suas linhas na rota Porto Alegre – Rio de Janeiro- Natal. Em 14 de junho desse ano, amerissava no “Potengi”, um “Junkers” trimotor.

Festividade em Natal para os aviadores italianos Ferrarin e Del Prete. Da esquerda para direita vemos o Cônsul italiano em Recife, Arturo Ferrarin, Juvenal Lamartine, Carlo del Prete e a cientista Berta Lutz

Também os italianos entram na competição atlântica. A 5 de julho de 1928, Arturo Ferrarin e Carlo Del Prete, com um avião Savóia-64, conseguem bater o “Recorde” de distância Roma-Natal, caindo, porém, na Praia de Touros. Recebidos com carinho e entusiasmo pelos natalenses, a Itália reconhecida, oferecida, quando da chegada de Ítalo Balbo em 6 de janeiro de 1931, a Coluna Capitolina a fim de perpetuar a façanha inusitada, e por muitos anos insuperável, dos seus dois filhos heróis.

Ainda em 1928,29 de dezembro, pelo Dr. Juvenal Lamartine, Presidente, Dr. Dioclécio Duarte, Vice-Presidente, Dr. Adauto Câmara, 1.o Secretário, era fundado o “Aero Club” do Rio Grande do Norte, no bairro do Tirol, com o seu pequeno campo de pouso ao lado do poente da sede social. Participaram das festividades, numa revoada de Parnamirim a Natal, um “Blue-Bird”, pilotado pelo Diretor-Técnico, Comandante Djalma Petit, trazendo a bordo o Sr. Fernando Pedroza, e um aparelho da Générale Aéropostale (C. G. A.), pilotado por Depecker, conduzido o Sr. J. Pinon e dois mecânicos. Na ocasião, foi batizado o primeiro aeroplano do “Club”, com o nome de Natal.

De gravata borboleta vemos o piloto Djalma Fontes Cordovil Petit, oficial da Aviação Naval e diretor do Aero Clube do Rio Grande do Norte, tendo a sua esquerda o governador Lamartine

A partir de 1929, quando, possuindo o campo de “Parnamirim” e o estuário do Potengi, com meios de pouso para aeroplanos e hidroaviões, Natal passou a ser a capital do Brasil mais em evidência, eixo das rotas aéreas, sobretudo internacionais, é possível, como resumo dos fatos principais, fixar em EFEMÉRIDES, os seguintes:

Avião Bellanca CH-200, igual ao que os aviadores peruanos Carlos Martínez de Pinillos e Carlos Zegarra Lanfranco estiveram em Natal – Fonte – http://zonamisterio.site90.com

Em 8 de janeiro de 1929 – pretendendo fazer o circuito das Américas, passa o “Peru”, um Wright de 220 HP, de nacionalidade peruana, pilotado por Martinez e Zagarrra, que declararam, em a “República” de 9 do mesmo mês: “Natal confirma, dia a dia, o prognóstico de quantos asseveraram para si um posto de merecido destaque na América, como centro aviatório de interesse nacional e internacional”. Em 16, decolava com destino a São Luís do Maranhão.

Avião Breguet XIX GR, batizado como “Jesús del Gran Poder” em exposição no Museu del Aire de Cuatro Vientos, em Madrid, Espanha – Fonte – http://www.lasegundaguerra.com

Em 22 de janeiro de 1929 – Os primeiros campos de pouso são inaugurados no interior do Estado: _ (Ararinha) e Mossoró. Logo no dia 27, o de Ceará-Mirim. Em 28 de março – passa sobre Natal o avião Jesus Del Grand Poder, vindo da costa da África para aquatisar em Salvador, Bahia. Pretendia bater o recorde de distância e permanência no ar, de posse de Ferrarin e Del Prete. Em 9 de abril o aviador Chernu, partindo de Parnamirim, bate o “recorde” Natal – Rio de Janeiro, em 6 dias e 10 horas de voo, com escalas.

Hidroavião Consolidated Commodore da empresa New York, Rio & Buenos Aires Line (NYRBA) – Fonte – http://www.edcoatescollection.com

Em 5 de julho o hidroavião “Washington” amerrissa no Potengi, iniciando a linha Nova York – Rio- Buenos Aires, tripulação: Ralph A. O’Neill, acompanhado da esposa; M.M. Cloukey, piloto; H. Lelis, engenheiro; e miss Jane, secretária. Tinha a aeronave ainda capacidade para mais oito passageiros. No dia 6 demandou Recife. Em 7 de setembro – “A República” transcreve a reportagem traduzida do “The Sportman Pilot”, assinada por Miss Desbriere Irwin, de passagem por Natal para estudar as condições de instalação da “Pan-American Aiways”, na qual declarou: Natal é o ponto de escala das linhas comerciais e possui um clima agradável. Por sua posição geográfica foi escolhido como “Pivot” da linha aérea francesa. Tenho certeza que, futuramente, se tornará um dos grandes aeroportos internacionais do mundo “”. Em 13 de novembro O “Bahia”, pertencente á “Nyrba Line”, da rota Nova York – Rio – Buenos Aires, amerrissou no Potengi e depois decolou para Parnamirim onde aterrissou demonstrando ser um avião anfíbio já em uso. No dia 14, o “Tampa” da mesma Companhia, passou com destino ao norte. Foram demonstrações da nova técnica de fabricação da indústria aeronáutica norte-americana, caminhando para vencer a competição com os franceses e alemães. Em 20 de novembro A companhia Générale Aéropostale publica anúncio nos jornais advertindo á compra de passagens do tráfego regular entre Natal – Buenos Aires, até 11 horas das quintas-feiras.

Local da queda do avião que tinha como tripulantes o uruguaio Tydeo Larre Borges e o francês Leon Chale , na zona rural do município de Santo Antônio – Fonte – http://www.pilotoviejo.com

Em 6 de dezembro o “Aero Club” abre a matrícula para a sua escola de voo  sob a direção do Comandante Djalma Petit seu diretor técnico. Em 16 de dezembro de 1929 Cai em “Maracajá”, município de S. Antônio, distante de Nova Cruz quatro léguas, o biplano do aviadores Chelle e Larre Borges, que tentava o “raid” Sevilha-Buenos Aires. De Natal, seguiram para o local do sinistro, o Dr. Joaquim Inácio com uma ambulância e medicamentos, acompanhados pelo Sr. Ramade, Chefe do Aeroporto da CGA (Compagnie General Aeropostale), mecânico Chaulet. No avião do Aero Club, também partiram para o local do acidente, Djalma Petit e André Depecker. O aparelho ficou completamente destruído, sendo os destroços removidos para Natal, bem como o mais ferido Chelle. No dia 21 de dezembro, voltavam á pátria pelo Laté da linha regular.)

Em 10 de janeiro de 1930 o estuário do Potengi recebe o avião da “Pan -American Aiways” trazendo o sr. e sra. Georg Rihl e W. M. Cullbertson, 1.o piloto, Barnett Boyd, 2.o piloto e W. W. Ihma, radiotelegrafista, que iniciava o tráfego dessa Companhia com transportes de passageiros. Pelas 15:15, seguiu para Recife.

Jean Mermoz – Fonte – http://www.contre-info.com

Em 11 de janeiro Jean Mermoz começa a sua carreira de grande “ás” na América do Sul. Notícias de Buenos Aires afirmavam haver, no dia anterior (10), pilotando um Laté-28, n.o 926, com motor Hispano – Suíço de 500 C. V., em companhia do mecânico Colenot e como passageiro o banqueiro Macel-Bouilloux-Lafont, com a velocidade média de 228 quilômetros por hora, conseguido bater o “recorde” em 11 horas e 8 minutos do rio a Buenos Aires. Natal passava a conhecer o nome do homem famoso, que faria dela sua própria cidade.

Hidroavião de fabricação alemã, modelo Dornier Do J “Wal”, utilizado pela Condor – Fonte – mhttp://www.influindo.com.br

Em 22 de janeiro – O “Guanabara” hidroavião da “Sindicato Condor”, com sete passageiros, começou o tráfego costeiro e estabeleceu em Natal sua Agência, tendo como representantes Gurgel, Luck e companhia. Em 20 de fevereiro – Anúncio da vinda do “Conde Zeppelin” pela primeira vez no Brasil na rota Angola-Natal – Rio. Conforme notícia da imprensa, Natal tinha sido escolhida a cidade brasileira como base de suas futuras travessias. Por falta de meios do governo local para construir a torre de atracação, transferiu o local para Recife. Em 26 de fevereiro- “A República”- “Os que viajaram na Condor “. Dia 21, pelo Pirajá, de Natal para Recife: Simplício Cristino e Plínio Saraiva. De Recife para Natal: Luiz Pimentel Ribeiro e Jorge Kyrillus.

Em 16 de março (Domingo)- Pelas 15:30 o primeiro “Show aéreo” com Djalma Petit, pilotando o Natal-I, levando o acrobata Charles Cester, que passou pelas asas do aeroplano, ficou de cabeça para baixo, fez trapézio e L’enlévement du drapeau, ou seja, suspenso em trapézio, colocado abaixo das rodas do avião, de cabeça para baixo, arrancou, de passagem, uma bandeira suspensa do solo entre dois postes. Em 1.o de maio-Inaugura a Companhia Aeronáutica Brasileira a sua rota Recife – Natal, interligando-se com os aviões da Laté para transporte de malas postais á Europa.

Hidroavião Latécoère 28-3, pintado de vermelho, com o qual Mermoz e seus companheiros conseguiram atravessar o Atlântico – Fonte – http://jn.passieux.free.fr

Em 13 de maio de 1930 – Jean Mermoz faz sua primeira travessia de São Luís do Senegal para Natal pela “Cia. Générale Aéropostale” num Laté-28 com flutuadores. Tendo partido ás 8,55 (hora brasileira), chegou ás 18,20 depois de percorrer 3.100 quilômetros. A partir de então, ficou em Natal para tentar o percurso em sentido contrário, ainda não tentado por outros.

Em 20 de maio-Parte de Servilha com destino ao Brasil, o “Graf Zeppelin”. Dia 21, sobrevoava as Canárias e São Luís do Senegal. Dia 22 esperado em Natal, em vão. No dia 23, pelas 18:30, amarrava em Recife (Jiquiá). Partiria, depois, para o trajeto Recife-Nova York, sob o comando do Dr. Hugo Eckner.

Queda do avião do Aeroclube do Rio Grande do Norte que vitimou Edgar Dantas – Fonte – Coleção do autor

Em 23 de maio de 1930 – O primeiro desastre fatal na Escola de Voo do “Aero Club”. Falece no sinistro do “Natal-I”, Edgar Dantas, pertencente á tradicional família potiguar. Consternação geral na cidade.

Dirigível alemão “Graf Zeppelin” sobre a igreja Bom Jesus, no bairro da Ribeira – Fonte – http://aldeiapoti.blogspot.com.br/

Em 28 de maio de 1930 – Desamarrou de Recife com destino á Havana, pelas 11 horas, o “Graf Zeppelin”. Pelas 14 horas, sobrevoa Natal sob aclamação popular na praça “Augusto Severo”, sobre a qual deixou cair uma coroa de flores artificiais com os dizeres: “Homenagem da Alemanha ao Brasil na pessoa do seu grande filho Augusto Severo”. No momento era comboiado pelo Laté-25, n.o 616, pilotado por Velle e Dupont.

Em 8 de julho de 1930 – Pelas 16,30 após diversas tentativas na Lagoa do Bonfim (município de Nísia Floresta), próxima a Natal, decolou o grande hidroavião “Laté-28”, tripulado por Jean Mermoz, Gimié e Dabray, para a travessia Natal – São Luís do Senegal. A tentativa não foi completada, porque o avião caiu pelas 10,30 do dia 9, á altura de Dakar, no terrível “Pot-au-Noir”, em pleno mar. Sendo socorrido, voltou a Natal.

Aviadora norte-americana Laura Ingalls Houghtaling, a primeira grande aviadora a passar por Natal – Fonte – http://en.wikipedia.org/wiki/Laura_Ingalls_(aviator)

Em 8 de abril de 1934 – Aviadora Laura Ingalls- Prosseguindo seu “raid” sensacional através do Continente, passa em Natal, aterrando em Parnamirim, a aviadora Laura Ingalls, que foi recebida pelos senhores Etienne Duthuron, gerente da Air France e R. H. Dacuart, gerente da Standard Oil, demorando-se apenas o tempo indispensável á retribuição dos cumprimentos, havendo externado seu entusiasmo pela terra brasileira: Aterrissou em Parnamirim, pela curiosidade de conhecer o campo, do qual se falava muito nas rodas aviatórias dos Estados Unidos, tendo verificado que, realmente, pelas condições naturais de que o mesmo dispõe, é dos melhores do mundo. Uma hora, após o “AWAY” (andorinha americana), levantou vôo para Fortaleza.

O jovem espanhol Juan Ignácio Pombo e seu pequeno avião British Klemm Eagle 2, batizado como “Santander” – Fonte – http://cabeceras.eldiariomontanes.es

Em 22 de maio de 1935 – Pilotando o pequeno avião de turismo “Kienim”, pelas 15:10, em Parnamirim, aterra Juan Ignácio Pombo, concluindo a travessia Balhurst-Natal, no “raid” Espanha-México. Tinha, então, 21 anos e desde os 16 foi aviador mais moço de Espanha, sendo filho de aviador civil de sua pátria. O avião possuía um motor de 130HP, media 12 metros e 7 cm de comprimento, e peso de 1.350 quilos. Partiu no dia 26, pelas 8 horas, sendo obrigado a descer em Camocim (CE), á falta de gasolina. Ao aterrissar  capotou quebrando uma hélice e o trem de aterragem. Depois dos reparos, com material enviado de Natal, prosseguiu viagem.

A bela aviadora neozelandesa Jean Batten – Fonte – http://www.ianmackersey.com

Em 13 de novembro de 1935 – AVIADORA JEAN BATTEN- Parnamirim recebe, pelas 16:40, a aviadora Jean Batten, natural de Nova Zelândia que levantara voo de Lympne, na Inglaterra, ás 6,20 do dia 11; de Dakar, ás 3 horas do dia 12 (hora G.M.T.), tendo feito a viagem com o tempo favorável, chegou, porém estafada, e logo se recolheu á residência do Sr. William Scolchbrook, em Petrópolis  de quem foi hóspede nesta capital. A destemida aviadora fez percurso sozinha, sem rádio, sem pára-quedas, nem colete salva-vidas, tampouco canoa, em um aeroplano tipo “Percival-Grull”, de fabricação inglesa, monomotor de 200 cavalos, com condições para vôos a longa distância. No dia seguinte, partiu para o Rio de Janeiro.

Em 13 de novembro – Ainda nesse dia, o “Graf Zepelim”, procedente de Balhurst, pelas 19:20, sobrevoa a praia da Limpa em Natal, deixando cair às malas postais procedentes da Europa. Um hidroavião da Sindicato Condor tomando-as, rapidamente decolou para o sul levando as mesmas para distribuição. Esse método passou a ser adotado, todas as vezes que o grande dirigível veio ao Brasil, inclusive quando foi substituído pelo “Hindemburg”.

Um grande avião do seu tempo, o francês Latécoère 521, batizado “Lieutenant de Vaisseau Paris” – Fonte – http://jn.passieux.free.fr

Em 14 de dezembro de 1935 – “LIEUTENANT DE VAISSEAU PARIS”. Voou sobre Natal, indo aquatizar na hidrobase da” Air France “em frente ao Réfoles, o gigantesco hidroavião “Lieutenant de Vasseau Paris”, o mais potente aparelho desse tipo até hoje construído no mundo. A poderosa aeronave de seis (6) motores de 900 cavalos de força, o que lhe dá maior capacidade que o “DOX”, o qual apenas o supera em proporções e peso, tendo aquela a tonelagem de 40.000 quilos. A sua tripulação era composta de oficiais da Marinha e do Exército da França, devendo ir de Natal direto á Ilha de Martinica, possessão francesa nas Antilhas, onde assistiria ás festas patrióticas que ali seriam realizadas. Comandante, Capitão-tenente Bonnot; capitão-de-corveta Jozan,1.o piloto;1.o brigadeiro Castellari, 2.o piloto; 1.o brigadeiro Morvan, mecânico; Emont, radiotelegrafista, e mecânicos civis, Dessendi e Durutty.

Em 9 de janeiro de 1936 – A “Air France”, sucessora da Laté, faz realizar importante melhoramento no seu serviço aéreo, no Brasil. A Companhia que possui a mais extensa rede do mundo, ligando os quatros Continentes, estabeleceu no seu serviço de ligação entre Natal e Dakar, e vise e versa, cada semana, além dos hidroaviões transatlânticos “Santos Dumunt”, “Croix du Sud” e o quadrimotor “Centaure”, acaba de incorporar á sua frota o “Ville de Rio de Janeiro”, “Ville de Buenos Aires” e “ville de Santiago”.Todos esses aparelhos são munidos de quatro motores e já deram prova de sua eficiência com a perfeita regularidade com que asseguram seu serviço bimensal inteiramente aéreo durante o ano de 1935. A partir de então, os pequenos navios “Avisos Postais”, que faziam a travessia Natal-Dakar, começam a desaparecer do nosso porto. Não tinham mais utilidade. Como herança funesta, tinham deixado o “anofelis-gambiae”, ainda sendo combatido em nossos sertões.

Em 15 de janeiro – Naufragou no ancoradouro de Pensacola, Estados Unidos, o hidroavião “Lieutenant de Vaisseau Paris”, não havendo perda de vidas. No dia 16, estava sendo içado.

O aviador cubano Antonio Menéndez Peláez – Fonte – http://asociacioneltrichorio.blogspot.com.br

Em 17 de janeiro de 1936 – “Raid” Cuba – Servilha- Em Natal, o aviador Menendez Pelaéz. Tendo partido de Cuba e, após fazer escalas em Trinidad, nas Guianas, em Belém, São Luís e Fortaleza, chegou a esta capital o avião “4 de setembro”, pertencente á Marinha de Guerra Cubana, e pilotado pelo Capitão Antônio Mendez. O aviador cubano destinava-se a Sevilha, na Espanha. A partida realizou-se três dias depois, quando foram concluídos os trabalhos de revisão dos motores de 550 HP WASP. Foi abastecido com 2.000 litros de gasolina.

O grande dirigivel “Hindenburg”, que sobrevoou Natal – Fonte – http://lingeriehistorica.blogspot.com.br

Em 20 de julho -Procedente de Dakar, chegou pelas 23,35 horas o hidroavião transatlântico “Ville de Santiago”, sob o comando do piloto Guerrero. Com essa viagem completou a “Air France” a centésima travessia direta do Atlântico Sul. Em 29 de agosto – Pela primeira vez, passa em Natal, pelas 19:12, o grande dirigível alemão Hindemburg, sob o comando do Capitão Pruss, em sua Sexta viagem ao Brasil. Após evoluir sobre o aeroporto da Condor (Praia da Limpa), deixou cair às malas postais e seguiu para o Rio de Janeiro. Trazidas as malas do correio para o hangar da Condor, estas foram transportadas para o “Anhangá”, que levantou voo com destino ao sul. Enquanto esteve em atividade, esse dirigível, todas as vezes que veio ao nosso país, passou sempre por Natal, para essa finalidade.

Aviadora inglesa Amy Mollinson – Fonte – http://www.dieselpunks.org

Em 20 de outubro- AVIADOR AMY MOLLISON- Notícias de Paris dizem que, ao levantar voo o avião da famosa aviadora Amy Mollison, caiu ao solo deixando-a gravemente ferida. Restabelecida, Amy Mollison, em data posterior, esteve em Natal, depois da travessia do Atlântico Sul.

Em 10 de dezembro – A Condor-Lufhansa comemorava a 200 travessia aérea do Atlântico Sul, no serviço de transporte do correio internacional. Entretanto, é preciso fazer-se ressalva de que iniciara com escalas, fazendo baldeação das malas postais em plano Atlântico, com os seus navios catapultas.

Hidroavião Latécoère 300, batizado como “Croix du Sud” – Fonte – http://www.lesmanantsduroi.com

Em 11 de dezembro de 1936 – O DESAPARECIMENTO DE MERMOZ – Os jornais de Natal, abriram manchetes para anunciar. “Vem sendo infrutíferas todas as pesquisas no Atlântico, através da rota seguida pelo hidroavião da Air France, a fim de se encontrar Mermoz e seu “Croix du Sud”. As últimas esperanças se vão desvanecendo e no espírito de todos os que admiravam em Mermoz o esplendor de uma bela e gloriosa mocidade, já se firmou a implacável certeza do seu desaparecimento. Assim, aprofunda-se no sorvedouro ignorado um dos heróis mais queridos da aviação francesa. Jean Mermoz, 35 anos, brevetado em plena adolescência e possuidor de um grande e brilhante tirocínio….” “Esse homem que a França hoje lamenta, o Brasil também se solidariza, particularmente, nesta dor, pois centenas de vezes os céus foram cruzados por ele, nos seus vôos de incansável bandeirante do espaço. Natal bem conhecia Mermoz, pois aqui era um dos seus ninhos preferidos. Teve ele um fim digno de sua vida. Morreu como um grande pássaro, acompanhado o colapso do aparelho que dominava e dirigia. Morte de Condor, precipitado do azul, Banhado na ofuscante luz oceânica e aos estertores de uma tragédia para sempre ignorada.

Jena Mermoz desapareceu no “Pot-au-Noir”, quando, mais uma vez, retornava da África para Natal. Pelas 10,40 em rápida mensagem, disse que o motor da direita estava falhando. Depois, silêncio.

Antoine de Saint-Exupéry em Toulouse, França, 1933 – Fonte – http://en.wikipedia.org/wiki/Antoine_de_Saint-Exup%C3%A9ry

Antoine de Saint ‘Exupéry, seu antigo aluno e companheiro, pelo que lhe contou Mermoz na primeira vez que atravessou, descreve o “Pot-au-Noir”: “Trombas marinhas elevavam-se ali, acumuladas, imóveis, na aparência da escura e baixa da tempestade; mas através dos rasgões da abóbada, feixes de luz caminham e a lua cheia brilhava, entre os pilares, nas lajes frias do mar. E Mermoz seguiu sua rota através daquelas ruínas desabitadas, obliquamente, pelos canais de luz, contornando os pilares gigantes onde bramia a ascensão do marchando quatro horas, ao longo da esteira da lua, para a saída do tempo. E o espetáculo era tão esmagador que Mermoz, uma vez transposto o “Pot-au-Noir”, percebeu que não tivera medo”. Agora, Mermoz que havia decifrado as areias, as montanhas, à noite e o mar; que havia soçobrado mais de uma vez nas areias, nas montanhas, na noite, no mar, voltando sempre para partir outra vez, traído pelo encantamento do “pot-au-Noir, enfrentando a morte como enfrentou a vida, com arrojos, caiu, e, pela primeira vez não voltou mais. Ficou no seio das ondas do Atlântico, velho palco de suas epopeias.

A aviadora francesa Maryse Bastié- Fonte – http://en.wikipedia.org/wiki/Maryse_Basti%C3%A9

Em 30 de dezembro de 1936 – A AVIADORA MARYSE BASTIÉ – A aviadora francesa sem abater-se a tragédia de Mermoz e seus companheiros, concluiu o “raid” Paris-Dakar-Natal, em apenas 12 horas e 7 minutos, tripulando, solitária, um “Caudron-Simon”, do Ministério do Ar da França, sob prefixo “Fenxo”, sem rádio, com um só motor de 220 C.V. – A partida de Mlle. Bastié de Dakar verificou-se ás 4,23 (hora brasileira), tendo chegado ao campo de Parnamirim, ás 16,30. Era a Segunda vez que Natal hospedava a destemida aviadora francesa, detentora de vários “recordes” femininos entre os quais avultam o de permanência no ar, com a duração de 30 horas, e o assinalado nesta travessia atlântica.

Amélia Earhart em 1936- Fonte – http://www.archives.gov

Em 7 de junho de 1937 – Procedente de Fortaleza, chegou a Natal, pilotando o seu monoplano “Lockhead-Electra”, miss Amélia Earhart que realizava um voo em redor do mundo. Pouco antes das 9 horas, a arrojada aviadora norte-americana descia no campo de Parnamirim, sendo ali cumprimentada pelas autoridades e jornalistas. Em seguida viajou de automóvel para esta capital, onde permaneceu durante o resto do dia, recebendo as homenagens da colônia britânica.

“Ontem, pela madrugada, ás 3,13 minutos (hora local), miss Amélia Earhart reiniciou o seu voo  para cobrir uma das maiores etapas dessa audaciosa tentativa, a travessia do Atlântico Sul. Segundo informações telegráficas, a destemida aviadora havia alcançado Dakar, ontem mesmo, ás 16,15 (hora local), estabelecendo, assim, na travessia o tempo de 13 horas e 2 minutos. Acompanhava miss Earhart o seu piloto ajudante, capitão Fred Noonan”, informava “A República , de 8 junho de 1937. O monoplano de Amélia Earhart tinha capacidade para 4.800 litros de gasolina, dos quais 1.600 nos tanques das asas e 3.200 nos da fuselagem, podendo alcançar cerca de 9.000 metros de altitude.

Amélia no cockpit do bimotor Lockheed Model 10 Electra – Fonte – http://en.wikipedia.org/wiki/Amelia_Earhart

Amélia Earhart, nascida em Atchison-Kansas, em 24 de julho de 1898, morreu no mês seguinte (julho) ao desse “raid”, desse ano, sobre o pacífico, em condições misteriosas, dizem a serviço da espionagem americana, sobre ilhas próximas ao Japão. Professora em Massachusetts abandonou o magistério, em 1927, sendo a primeira mulher a participar de um voo solitário sobre o atlântico, em 1932. Repetiu a façanha sobre o pacífico, 1935, voando do Havaí á Califórnia. Escreveu as obras “20 Hs. e 40 minutos” 1928, “Último Voo , publicado posteriormente por seu marido George Palmer Putman.

A partir de 1938, em face do constante aperfeiçoamento das estruturas e potência dos aviões, bem como dos novos meios de comunicações, a travessia direta do Atlântico Sul, em ambos os sentidos deixou de constituir atrativo para constantes aventuras. A rotina tornou-se evidente ante o desbravamento da rota suicida até então, pois a região “Pot-au-Noir” já não constituía um risco ante aviões tipos usados por Marise Bastié e Amélia Earhart, que podiam alcançar até 9.000 metros de altura, transpondo-se sem dificuldades. Por outro lado, o “Rádio Farol de Natal”, instalado desde 1936, na Praia da Limpa, frente ao Atlântico, emitindo de meia em meia hora, em ondas médias, o seu prefixo P.X.N., permitiu orientação segura por intermédio do “radiogoniômetro” do momento em que a aeronave ou navio partisse do litoral africano.

Grande base aérea de Parnamirim Field – Fonte – http://moraisvinna.blogspot.com.br

Todavia, Natal não perdeu a sua importância estratégica como cabeça de linha transatlântica para a América do Sul, uma das esquinas do mundo. Confirmaria, mais uma vez, o seu determinismo geográfico necessário á segurança das Américas, logo mais por ocasião da Segunda Grande Guerra, quando, no dizer de Paul Vachet – “ia transformar-se numa das maiores importantes bases aéreas do mundo, de onde se lançaram, aos milhares para África, Europa e Oriente, os bombardeios americanos e aliados”, e Parnamirim passou a ser conhecido como o “Trampolim da Vitória”. Por tudo isto, Natal foi e continua sendo: “Ninho de Ases de todas as Bandeiras”.

Este texto foi transcrito do livro de Tarcísio Medeiros, “Aspectos Geopolíticos e Antropológicos da História do Rio Grande do Norte”, capítulo 17, páginas 160 a 186, lançado em Natal no ano de 1973, pela Imprensa Universitária.

O BRASIL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL – NO MAR, O MAIOR NÚMERO DE BRASILEIROS MORTOS

Lançamento de cargas de profundidade no oceano Atlântico. Essas bombas eram uma das principais armas contra submarinos –
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Mais brasileiros morreram no mar (1.081) do que nos campos da Itália (466) – A Marinha do Brasil perdeu na guerra 467 homens, entre comandantes, oficiais, suboficiais e praças

AUTOR – Marcelo Godoy

FONTE – http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,no-mar-as-maiores-perdas-do-brasil,921262,0.htm

A Marinha do Brasil perdeu na guerra 467 homens, entre comandantes, oficiais, suboficiais e praças. Três de seus navios foram afundados – o Marcílio Dias, em 1944, por um submarino alemão; a corveta Camaquã, pelo mau tempo, em 1944, e o cruzador Bahia, destruído em 4 de julho de 1945, pouco antes do fim da guerra no Pacífico, por um explosão acidental em seu paiol de munição.

Foi no mar que o Brasil sofreu as mais pesadas perdas durante toda a guerra. Ao todo, cerca de 1.400 brasileiros morreram em consequência da ação de submarinos alemães e italianos e em outras operações de guerra.

A história da Marinha brasileira durante a guerra é a menos conhecida entre as de nossas Forças Armadas – são poucos os livros que contam trabalho nos caça-ferro e caça-pau, os navios da guerra antissubmarino do Brasil no Atlântico. E, no entanto, ela foi a mais necessária de todas as forças naquela guerra – sem ela, não haveria gasolina – quase toda importada – ou comércio entre as regiões do País – as comunicações por terra entre as regiões inexistiam.

Marinheiro vigia comboio no Atlântico Sul. Durante a guerra, a Marinha brasileira escoltou milhares de navios em comboios para garantir o comércio marítimo do País. Os comboios partiam do Rio, Salvador, e do Recife e iam até a ilha de Trinidad, no Caribe
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A Marinha, com seus recursos escassos – seus primeiros equipamentos contra submarinos só chegaram em setembro de 1942, um mês depois da declaração de guerra -, garantiu a continuidade do comércio no litoral brasileiro.

Em 9 de setembro daquele ano, ela organizou o primeiro dos comboios. Partiu das margens do Potengi, em Natal, e foi até o Recife, protegido por três navios de escolta. Ao todo, brasileiros e americanos – os navios da Marinha brasileira foram incorporados à 4ª Frota dos EUA – escoltaram 503 comboios durante a guerra, em que estiveram protegidos 2.914 navios. “Cada passagem de um comboio era uma vitória”, conta o almirante Hélio Leôncio Martins, de 97 anos, que comandou um caça-pau durante a guerra.

Isso foi possível, em parte, porque nossa forças navais foram reequipadas com navios americanos durante a guerra, recebendo, por exemplo, contratorpedeiros de escolta.

Na galeria que publicamos aqui, estão fotos do Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha. Elas mostram a ação dos marinheiros nos comboios e na vigilância do Atlântico, exercícios de luta antissubmarino com o lançamento de cargas de profundidade e fotos de alguns dos navios brasileiros engajados na guerra.

Carga de profundidade é disparada por um navio brasileiro durante exercício de guerra antisubmarina na 2ª Guerra Mundial
DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA

Em entrevista, o almirante Hélio Leôncio Martins fala sobre a participação da Marinha do Brasil no conflito

Mais brasileiros morreram no mar (1.081) do que nos campos da Itália (466). Para manter o comércio, o Brasil não podia deixar suas águas. Durante a guerra, o almirante Hélio Leôncio Martins comandou um navio antissubmarino. É ele quem conta a atuação da Marinha do País no conflito.

A Marinha estava preparada para a guerra?

Quando começou a guerra… zero. Pode pôr zero. Zero mesmo. Não sabíamos nada de defesa antissubmarina, não tínhamos arma nem equipamento. Começamos a guerra em agosto. Os dois primeiros navios antissubmarinos caça-ferro, comprados na véspera da guerra, só chegaram em setembro.

O encouraçado São Paulo foi comprado pelo Brasil em 1908 da Inglaterra e, com o Minas Gerais, tornaram a Marinha brasileira a mais poderosa da América do Sul. Ambos os navios eram da classe Dreadnought, a mais poderosa da época – tinham canhões de 305 mm. Durante a guerra, o São Paulo foi mantido ancorado no porto do Recife para guarnecê-lo
DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA

Como foi o começo da guerra?

Minha primeira experiência foi em um destróier de 1908, sem nada. Tinha bombas de profundidade de 40 libras. Para se ter uma ideia do que era isso, depois nós usamos bombas de 300, de 600 libras. Usávamos de 40 amaradas com cabo. Não tínhamos lançador nem nada. Não tínhamos nada. Felizmente, nenhum submarino se lembrou de pôr a pique um daqueles navios. Não puseram a pique porque não quiseram. Mas tínhamos uma Marinha com mais de cem anos de existência, com tradição e história. Foi isso que permitiu que a gente fosse para o mar.

O senhor chegou a enfrentar os submarinos alemães?

Nós estávamos na altura da Venezuela, em um comboio americano. O único navio-patrulha éramos nós quando um petroleiro de avião foi bombardeado. Foi um fogaréu enorme. Aí nós tivemos um contato. Depois, eu tive mais uns dois contatos. Um deles foi com uma baleia. A baleia estava andando devagar, parecia um submarino. Foi destruída.

Qual foi a principal tarefa da Marinha brasileira na guerra?

Na guerra inteira a nossa função era passiva, defender comboio. Os americanos faziam caça e destruição. A nossa função era fazer passar o comboio. Cada passagem do comboio era uma vitória. Não era uma coisa que se contasse por destruição do inimigo, ou tomada de uma ilha. A nossa vitória era a passagem de um comboio. / AUTOR – MARCELO GODOY.

UMA OUTRA “PARNAMIRIM FIELD” NA REGIÃO AMAZÔNICA

A BASE DE DIRIGÍVEIS “BLIMPS” DE IGARAPÉ-AÇU, NO PARÁ 

Dirigível “Blimp” Classe K, de patrulha

Aqueles que gostam da história de Natal e Parnamirim durante o período da Segunda Guerra Mundial, que tiveram a oportunidade de ler algum material sobre este período, normalmente encontra materiais relativos a presença de tropas americanas em nossa cidade, passagens de grandes quantidade de aviões de transporte, ação de patrulha contra submarinos do Eixo que operavam no litoral brasileiros e inúmeras outras histórias sobre este interessante período.

Mas não foi apenas Natal que se envolveu nestas ações. Nem muito menos o espaço aéreo brasileiro da época presenciou apenas a passagem de aeronaves.

Igarapé-Açu, uma cidade encravada em plena região amazônica, não muito distante do litoral paraense, também possuiu a sua base americana. Mas esta não era de aviões, mas de dirigíveis, os conhecidos popularmente como “Zepelins”.

Pesquisando na internet encontrei no blog do jornalista e professor Manuel Dutra, de Belém, um interessante artigo sobre esta pouco conhecida unidade militar americana no norte do nosso país.

Nele podemos encontrar muitas similaridades na relação de envolvimento dos habitantes desta cidade paraense com as tropas americanas, tanto como ocorreu entre os potiguares.

Os Zepelins de Igarapé-Açu – Histórias de Ontem e de Hoje

No final da Segunda Guerra Mundial os moradores do município de Igarapé Açu, no Pará, já habituados à passagem diária do trem que ligava Belém a Bragança, começaram a olhar para o céu, extasiados, para apreciar as evoluções dos balões norte-americanos que saíam dos arredores da cidade para patrulhar a costa norte do Brasil, alvo dos submarinos alemães. A atração durou pouco, de meados de 1943 até o fim da guerra.

Igarapé Açu, Pará – Foto – Herson Vale

Preocupados com o afundamento de navios brasileiros pelos nazistas, os governos do Brasil e dos Estados Unidos decidiram cooperar e, entre as medidas adotadas, foram instaladas no Norte três estações de operação de “blinps” ou “zeppelins’ (nome do inventor alemão e da marca, que virou nome comum) no Amapá, Pará e Pernambuco, em versão militar. Igarapé-Açu, na zona bragantina, a 110 quilômetros de Belém e hoje com 27.700 habitantes, foi escolhida por apresentar condições geográficas e meteorológicas consideradas ideais para pouso e decolagem de dirigíveis, além de já estar ligada à capital por estrada de ferro e rodovia.

Marujada

Quem viu de perto e conta essa história é Júlio Vaz de Souza, 70 anos, casado, pai de vários filhos. Ele, que ainda vive na cidade, recorda: “Às seis horas da manhã a marujada preparava um ou dois balões que seriam utilizados naquele dia; ajeitavam aquele bichão de mais ou menos 80 metros de comprimento, soltavam os cabos como quem larga um navio, e o balão subia. Virava os dois motores traseiros e lá ia ele, vencendo os 40 quilômetros entre Igarapé-Açu e a praia, perto de Salinas. Quando a situação estava calma (sem alemães por perto) e o tempo ajudava, eles estavam de volta no começo da noite. A marujada americana tinha passado mais um dia dentro do que eles apelidavam de shit bag, o que significa saco de bosta”.

Um “Blimp” a sua torre – Arquivos do autor do Blog

Esse apelido devia-se à comparação que os militares aliados faziam com os aviões de caça, que também operavam na pista ainda existente em Igarapé-Açu. Passar algumas horas dentro de um avião, rápido para a época, era incomparavelmente mais confortável do que balançar um dia inteiro a menos de 60 quilômetros por hora, na “caixa” dependurada no corpanzil de um balão cheio de gás. Júlio de Souza, conhecido na cidade por Júlio Prego, tinha 19 anos quando foi contratado pela base norte-americana para trabalhar como copeiro e zelador das instalações dos oficiais.

Escrever a história da base de dirigíveis de Igarapé-Açu não é fácil. Segundo explica o ex-piloto e pesquisador de aviação regional Antônio Guerreiro Guimarães, os documentos relativos a esse fato foram levados, na década de 60, para o Rio de Janeiro, podendo ser encontrados na Biblioteca Nacional, no Arquivo Público do Rio ou em organizações da Aeronáutica.

As Torres

No Pará, o que resta é um pedaço da torre móvel, que tinha 25 metros de altura e que servia para deslocar os balões para uma das cinco torres fixas, de onde eram içados. Dotados de canhões e metralhadoras, os dirigíveis eram, basicamente, empregados no patrulhamento com vistas à localização de submarinos do Eixo, que vinham pondo a pique navios da Marinha Mercante do Brasil ao longo da costa.

Preparação para amarração de um “Blimp”  – Arquivos do autor do Blog

Júlio relembra que, nos quase dois anos de operação, não houve mortes de militares. Mas dois zepelins acidentaram-se – um foi atingido pelo fogo alemão e, perdendo o gás, terminou caindo perto da cidade de Maracanã. Outro veio ao chão e perdeu o gás, certo dia, no momento em que os americanos o preparavam para zarpar. O vento forte tomou as cordas das mãos dos fuzileiros e a enorme estrutura bateu forte contra o solo, partindo-se.

Era muito comum a citação desta cidade paraense em documentos oficiais americanos na época da guerra

A base de Igarapé-Açu chegou a ter cerca de 200 homens, conta Júlio. “Tinha o alojamento dos oficiais, dos praças brancos e dos praças pretos. Eles não se misturavam. As casas onde os brancos se alojavam eram de tijolo, enquanto as dos militares negros eram feitas de lona”.

Bisbilhotagem

Na cidade, as pessoas mais velhas contam que, nos finais de tarde, quando retornava das missões no litoral, o balão costumava estacionar sobre os igarapés, com os militares observando as mulheres em trajes sumários, lavando roupa.

Mas a convivência com a comunidade era tranquila e os fuzileiros, nas folgas, andavam pouco mais de um quilômetro para tomar cerveja e paquerar na cidade, onde também frequentavam as festas.

A importância da base de dirigíveis no contexto da Segunda Guerra Mundial é ressaltado pelos integrantes da Sociedade Ambientalista e Cultural de Igarapé-Açu (SACI), que começa a movimentar-se para recuperar, em parte, o patrimônio deixado pelas forças aliadas. Paulo Henrique Souza, 20 anos, presidente da entidade, lembra fatos confirmados pelo velho Júlio Vaz de Souza, como a presença de uma famosa cantora norte-americana, nos idos de 1944, para alegrar os militares.

Os membros da SACI deploram o sumiço das quatro torres fixas que serviam de moirão para os balões. Ninguém sabe para onde foram. Diz-se que um ex-prefeito as teria transformado em ferro velho e vendido a uma sucata. O mais grave é que a torre móvel, que permaneceu na forma original até 20 anos atrás, foi cortada na parte superior para servir de suporte para uma caixa d’água que serve à família que toma conta do que resta da base, hoje sob os cuidados da Força Aérea Brasileira.

Abandono

A conservação do local não existe, o mato invade a área, e os prédios, como o cassino dos oficiais, estão em ruínas, incluindo os salões de jogos, restaurante e o bar onde rolava muita cerveja nas noites de folga.

O estado como se encontra a antiga torre de amarração de dirigíveis em Igarapé-Açu – Foto – Ney Paiva

Os jovens da SACI já falaram com o prefeito Valdir Oliveira Emim, pedindo apoio para a recuperação dos equipamentos. Eles pretendem entrar em contato com o comando da Aeronáutica, em Belém, a fim de conseguir a permissão para transformar a antiga base em atração turística, depois de reconstruir o topo da torre de ferro, que foi destruído. Recentemente a SACI mandou uma carta ao presidente Itamar Franco, pedindo ajuda para a empreitada.

Pista de pouso para aviões, da antiga estação da U.S.Navy em Igarapé-Açu – Foto – Ney Paiva

Se conseguirem seu intento os jovens esperam atrair visitantes para sua cidade, “ponto de almoço” dos passageiros da extinta Estrada de Ferro de Bragança. Por ser ponto intermediário destacado nessa viagem, Igarapé-Açu cresceu e ganhou prédios e pontes de ferro, uma delas abandonada, sobre os três rios que cortam o município. Edificações de linhas arquitetônicas imponentes como o Fórum, o Paço Municipal e a sede dos Correios foram destruídas ou descaracterizadas.

Júlio Prego

O velho mercado está desativado, ameaçando virar ruína. O Governo do Estado recupera as linhas originais da antiga Delegacia de Polícia do município, que vive da agricultura, da pequena pecuária e onde, no passado, pontificavam famílias como os Pires Franco, Borges Gomes, Martins, Nobre, Aquino e Pontes. Hoje quer aproveitar seu passado para, com o turismo, melhorar de vida.

Um “Blimp” sobre a cidade de Mossoró, em 1945. Provavelmente este dirigível era baseado em Pici Field, Fortaleza – Arquivos do autor do Blog

O velho empregado da base, Júlio Prego, quer contar as viagens das bandas de música que vinham de Recife, de zepelim, para animar as festas de Natal, a chegada dos aviões que traziam água mineral e cigarros, e os comboios da Estrada de Ferro que abasteciam os militares de comida, cerveja e Coca-Cola. As garrafas vazias de refrigerantes os americanos davam para Júlio, que, de uma só vez, chegou a vender 29 mil delas. Com o dinheiro da venda, mais a indenização que ganhou ao final da guerra, ele abriu uma mercearia e tornou-se comerciante, atividade que desenvolve até hoje.

* Publicado originalmente em fevereiro de 1994 no jornal “O Liberal”, de Belém, a versão na internet pode ser acessada através do link – http://blogmanueldutra.blogspot.com/2011/04/os-zepelins-de-igarape-acu-historias-de.html

Do autor do Blog;

Gostaria apenas de complementar informando que os dirigíveis utilizados pelos americanos em Igarapé-Açu eram dos modelos não rígidos, construídos pela empresa Aircraft Company Goodyear, da cidade de Akron, no estado de Ohio, sendo designados como “Classe K”. Eram configurados para operações de patrulha, escolta de comboios de navios, busca de náufragos e guerra contra submarinos. Foram amplamente utilizados pela U.S. Navy (Marinha dos Estados Unidos) no Atlântico, em as áreas do Oceano Pacífico, Mar mediterrâneo e podiam ter até 12.000 metros cúbicos de gás no seu interior.

Normalmente possuíam uma tripulação de 10 homens, que incluíam um piloto (o comandante), dois copilotos, um navegador, um especialista no gás do dirigível e seu ajudante, dois mecânicos e dois radiocomunicadores.

Quem observa as fotos deste dirigíveis, pode até imaginar que eles eram, por assim dizer, “inofensivos”. Que serviam mais para olhar o mar de cima para baixo. É um grande engano, pois estas máquinas possuíam radar de busca com alcance de 150 quilômetros (cerca de 90 milhas marítimas), sistema de detecção de anomalias magnéticas para localizar submarinos, bombas de profundidade e metralhadoras Browning, calibre .50 (12,7 mm) na parte da frente do carro de controle.

Um “Blimp” fixado em sua torre – Arquivos do autor do Blog

Tinham uma ótima capacidade para permanecerem horas pairando em uma mesma área de observação, em baixas altitudes e velocidades lentas, o que resultou na detecção de muitos submarinos, bem como auxiliar em missões de busca e salvamento.

Mas não tinha a mesma agilidade de manobra que possuíam os aviões para destruir os submersíveis.

Mesmo grande e lento, conta que apenas um destes foi abatido. O fato ocorreu em 8 de julho de 1943, através da ação das armas antiaéreas do submarino alemão U-134.

O último “Blimp” foi aposentado em Março de 1959.

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O ÁS DA AVIAÇÃO ALEMÃ NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL QUE TRABALHOU EM NATAL

Rostand Medeiros – Escritor e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN

A história da aviação em Natal, no período anterior a Segunda Guerra Mundial, é emocionante e inigualável. Entretanto, pouco destes fatos históricos são conhecidos do público em geral. Poucos são os livros que contam as aventuras dos aviadores durante as décadas de 1920 e 1930, quando eles cruzavam os céus em suas precárias máquinas aéreas, viajando através do Atlântico Sul quase sem equipamentos e chegando a nossa provinciana capital.

Ao realizar uma pesquisa no Arquivo Público do Rio Grande do Norte, acabei me deparando com um extenso arquivo contendo fichas de pedido de vistos, para passaportes de vários pilotos estrangeiros que vinham trabalhar em Natal. Pesquisando em outros centros de informações, descobri que um destes pilotos viria a se tornar um dos principais ases da aviação de caça noturna alemã na Segunda Guerra Mundial, superaria a derrota da Alemanha e terminaria sua carreira como general da nova Força Aérea Alemã, na então Alemanha Ocidental.

Um dos aviões Dornier DO-26 sendo posicionado no Rio Potengi. Ao fundo a Praia da Redinha.

Os alemães chegam a Natal

Esta história tem início com a chegada da aviação comercial alemã no Brasil em 1926, quando foram iniciados estudos técnicos para implantação de linhas aéreas. Neste mesmo ano, um hidroavião Dornier Wall, chegava ao Rio de Janeiro, realizando o primeiro vôo comercial no país. Diferentemente dos franceses, os alemães pouco deram atenção à região Nordeste no início de suas operações, tanto que a empresa Sindikat Condor, estabeleceu em 1927 linhas aéreas entre Porto Alegre e o Rio de Janeiro e outras rotas para o interior do estado gaúcho, com serviços de transportes de passageiros e cargas.

Apenas em 1930, conduzido pelo diretor Fritz Hammer, o hidroavião “Guanabara” chegava a Natal. Este alemão vinha com a missão de instalar uma base de hidroaviões na cidade. O então governador Juvenal Lamartine apoiou incondicionalmente o projeto, isentou de taxas a empresa e cedeu uma área para a instalação de uma base próxima à foz do rio Potengi, na conhecida Praia da Limpa (Montagem). Em fevereiro de 1930 é inaugurada a linha entre Natal e Porto Alegre e em Março deste mesmo ano tem início os planejamentos para uma ligação entre a América do Sul e a Europa.

Em 3 de fevereiro de 1934, a Deutsche Lufthansa implanta o primeiro serviço aéreo transoceânico do Mundo, onde em dois dias e meio uma carta viajava entre Berlin e o Rio de Janeiro, sendo este um avanço espantoso para a época. O defeito deste sistema estava no fato das aeronaves vindas da Europa necessitarem amerissarem no meio do Oceano Atlântico, para depois ser içada por um navio-catapulta, abastecida e depois catapultada em direção a Natal. Algum tempo depois este sistema foi desativado com a entrada de novos aviões com maior raio de alcance.

A atuação dos alemães crescia fortemente na região, chegando a ponto de, em 1936, estarem transportando quase 16.000 pessoas. Sobre este dado é importante lembrar que a capacidade de muitas aeronaves neste período, não era superior a 20 passageiros.

Horário da Condor em Natal.

Condor tinha vôos semanais para Rio e Buenos Aires

Em Natal os vôos da Condor eram semanais, com o fechamento da mala postal às dezoito horas da quarta-feira e a partida na quinta, sempre às cinco da manhã. A empresa prometia que o passageiro estaria no Rio de Janeiro em um dia. Para Buenos Aires se chegava em dois dias. Já o serviço transatlântico era uma operação conjunta Condor-Lufthansa, com saídas ás dezoito horas da quinta-feira e chegada em quatro dias a Europa, com escalas em Bathust (na atual Gâmbia), Las Palmas (Ilhas Canárias), Sevilha, Barcelona (Espanha) e Frankfurt (Alemanha). Muitas vezes os horários e dias de partida mudavam, onde a propaganda nos jornais locais sempre solicitava aos interessados, entrar em contato com o agente das empresas na cidade, que em 1935, tinha esta função exercida pela firma Filgueira & Cia, que ficava na Rua Quintino Bocaiuva, próximo à igreja do Rosário.

Em 1939, os alemães implantaram o avião que provou ser o mais confortável, o mais silencioso e o mais caro do mundo na sua época, o quadrimotor Focker Wulf 200. Transportava quatro tripulantes, vinte e oito passageiros e era considerado um fantástico salto de qualidade em termos de viagens aéreas. Para efeito de comparação seria como Natal, nos dias de hoje, fosse rota normal para o novo super-avião Airbus A-380.

O piloto Ernst Wilhelm Modrow.

Alemães se mantinham à distância

Em 2 de janeiro de 1939, o piloto Ernst Wilhelm Modrow, de 30 anos, natural de Stettin (atualmente Szczecin, na Polônia), recebia a sua autorização de viagem para Natal. Provavelmente este não era o primeiro pedido de ingresso de Modrow em Natal, pois desde 1930 ele já trabalhava na América do Sul, primeiramente na empresa aérea colombiana SCADTA, uma empresa de aviação com controle alemão, e a partir de 1937, como responsável pelas rotas turísticas da Lufthansa.

Neste período, a aviação se profissionalizava cada vez mais. Em Natal o movimento de aviões seguindo para o sul do país, ou em direção a Europa, fazia parte do dia a dia, bem como a presença de pilotos e equipes de apoio na cidade. Muitos deles aproveitavam as benesses da cidade, principalmente às praias de águas quentes.

Ficha de entrada no Brasil do futuro ás alemão.

Lendo os jornais da época, percebe-se que os aviadores alemães, talvez pela sua própria natureza mais comedida, não interagiam tão fortemente com a população. Diferentemente dos franceses e italianos, os germânicos ficavam alojados na sua base na Praia da Limpa, mais distantes da convivência direta com a cidade.

Em relação à Modrow, poucas foram às informações sobre a estada deste piloto em Natal. Era apenas mais um dos muitos aviadores estrangeiros de passagem pela cidade. Seu trabalho na América do Sul durou até agosto de 1939.

A partir de setembro, com a eclosão da guerra, Modrow é convocado para a Força Aérea Alemã (Luftwaffe). Segue primeiramente para a frente norueguesa, servindo em um esquadrão de transporte, o KGr. Z.B.V. 108, que utilizava o hidroavião Dornier DO-26. Primeiramente efetuou missões de reconhecimento e de abastecimento de tropas na região de Narvik. Em maio de 1940 seu avião havia amerissado para descarregar equipamentos no fiorde Rombakken, quando foi atacado por caças Spitfire, da Força Aérea Britânica (RAF), e destruído. Mesmo ferido, Modrow foi o único sobrevivente da tripulação.

O hidroavião Blohm & Voss Bv 222

Após sua recuperação, passa um período como instrutor de vôo, seguindo ao encontro de sua unidade, que em 1942 se encontrava sediada na Itália. A ele é destinado o grande hidroavião de seis motores Blohm & Voss Bv 222, um dos maiores aviões de transporte da Segunda Guerra Mundial. Tinha a missão de realizar vôos para a África do Norte, no abastecimento das tropas alemãs do Afrika Korps e retirada de feridos. Modrow concretiza mais de 100 missões de transporte, sendo esta quantidade de missões considerada um verdadeiro prodígio, pois devido a suas dimensões e baixa velocidade, o BV 222 era considerado um alvo fácil para os caças aliados.

Devido as suas habilidades, em 1943 é transferido para um grupo de caça noturna, que tinha a função de destruir bombardeiros ingleses que atacavam diretamente o coração da Alemanha. É designado para o II Grupo do esquadrão NJG 1, baseado em bases na França ocupada.

Símbolo do NJG 1.

Em uma noite de março de 1944, Modrow faria sua primeira vítima sobre a localidade de Venlo, Holanda, provavelmente um caça noturno bimotor do tipo “Mosquito”. Sua segunda vítima é um bombardeiro quadrimotor britânico “Halifax”, seguido por outro bombardeiro quadrimotor do tipo “Lancaster”, também britânico.

Um caçador de Aviões aliados, nos céus noturnos da Europa

O Hauptmann (capitão) Modrow.

O caça de Modrow era um Heinkel HE 219, uma das melhores aeronaves na categoria de caças noturnos já fabricados. No chão a sua aparência não era das melhores, pois a aeronave fora construída com um grande e desajeitado trem de pouso, um conjunto de antenas na parte dianteira e a cabine para piloto e operador de radar bem à frente da aeronave.

Mas esta aparência era enganadora, no ar este avião era quase imbatível. Possuía um moderno sistema de radar frontal FuG 212C-1 “Lichtenstein”, que servia para a localização dos lentos bombardeiros noturnos aliados. Para derrubá-los, o HE 219 utilizava um revolucionário e inovador modelo de canhões duplos conhecido como “Schräge Musik”, tradução para “Jazz Music”, numa alusão ao ritmo acelerado das bandas de swing norte-americanas.

Heinkel HE 219

Era uma arma impressionante, cujo diferencial estava no fato dela disparar para o alto. Tratava-se de dois canhões de calibre 30 milímetros, instalados na parte traseira da fuselagem, possuindo uma inclinação de 65 graus e disparavam contra a parte baixa e desprotegida dos bombardeiros ingleses.

A ação de caça ocorria normalmente da seguinte maneira; um piloto de caça noturno alemão voava sozinho na noite, sempre apoiado por radares em terra que tinham a função de localizar um bombardeiro. Após marcarem o alvo, transmitiam para o operador de radar do avião atacante a posição da vítima. O piloto do avião caçador seguia para área de ataque, localizava visualmente o alvo, posicionava-se atrás e abaixo de sua presa, passava exatamente sob a “barriga” da desprotegida aeronave, abria fogo e o alvo normalmente era destruído.

Modrow vai desenvolvendo sua capacidade de caçador de forma notável, tanto que em junho de 1944, em duas noites distintas, derruba sete bombardeiros quadrimotores, sendo condecorado com a Ritterkreuz (Cruz de Cavaleiro da Cruz de Ferro). Os combates prosseguiram nos meses seguintes e ele novamente obteria grande sucesso na noite de 23 para 24 de setembro de 1944, derrubando quatro quadrimotores ingleses, próximo a Düsseldorf, Alemanha. De suas 34 vitórias confirmadas, 33 foram durante o ano de 1944. Em janeiro de 1945 ele seria condecorado com a Deutsches Kreuz (Cruz Germânica), uma das mais elevadas honrarias da Força Aérea Alemã na Segunda Guerra.

Deutsches Kreuz (Cruz Germânica).

Na noite de 1 de fevereiro de 1945, seu avião HE-219 teve problemas, Modrow e o seu auxiliar, Alfred Staffa, utilizaram o novo sistema de assento ejetável, sendo uma das primeiras tripulações a usar esta nova invenção. Este ás alemão abateria sua última vítima na noite de 5 para 6 de janeiro de 1945, vindo a se render para os aliados ocidentais quando da assinatura do Armistício, em maio daquele ano.

Ao ás Modrow foi creditado 34 vitórias, em 259 missões, incluindo 109 missões como piloto de caça noturno. Na década de 1950, com a reconstrução das Forças Armadas Alemãs, Modrow juntou-se à Bundesluftwaffe, a nova Força Aérea Alemã, onde permaneceu até sua aposentadoria em 1964, quando passou para a reserva no posto de tenente-coronel.

Com relação a sua aeronave de caça, atualmente existe apenas um exemplar do HE 219 sobrevivente em todo o mundo e encontra-se no famoso Museu Smithsonian, em Washington, capital dos Estados Unidos.

Ernst-Wilhelm Modrow faleceu de causas naturais na cidade portuária de Kiel (Alemanha) aos 82 anos de idade, em 10 de setembro de 1990.

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ASAS ALEMÃS SOBRE O RIO POTENGI

Hidroavião Dornier DO-26, batizado “Seefalk” (Falcão do Mar), da empresa aérea alemã Lufthansa, pousado na margem do Rio Potengi, na chamada Paraia da Limpa.

A Presença Germânica Em Natal Antes da Segunda Guerra Mundial

Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Publicado originalmente no jornal TRIBUNA DO NORTE.

A importância de Natal como ponto estratégico para a aviação mundial já foi apontada de diversas formas, principalmente no período da Segunda Guerra Mundial. Entretanto no período anterior ao conflito, mas especificamente sobre a atuação da aviação comercial alemã na nossa cidade, a sua base e os motivos da sua implantação e desativação, são fatos hoje pouco conhecidos.

Durante a segunda metade da década de vinte do século passado, se desenrolava uma forte disputa comercial entre estrangeiros pelo Mundo afora. Competia-se por vantagens no novo e promissor negócio do transporte do correio aéreo e de passageiros. No Rio Grande do Norte, inicialmente os primeiros atores envolvidos foram franceses e alemães, sendo seguidos pelos norte-americanos e italianos.

Os franceses iniciaram suas atividades em 1927, com um serviço de transporte de cartas e encomendas que ligava a França e a Argentina. Nesta operação, aviões partiam de Paris em direção a Dacar, capital da então colônia francesa do Senegal, na costa africana. Os malotes com correspondências, eram então embarcados em navios pequenos e bastante velozes, conhecidos como os “Avisos Rápidos”, que atravessavam o oceano até Natal. Daqui, outros aviões transportavam o correio aéreo até Buenos Aires. Antes deste novo  serviço, uma carta transportada em linhas de navegação normais, poderia demorar até trinta dias entre a França e a Argentina. Com a mala postal aérea francesa, este tempo caiu para no máximo 8 dias.

Os Alemães em Natal e a sua “Rampa

Já os alemães, através da empresa “Sindicato Condor”, que desde janeiro de 1927 operava no Brasil, logo perceberam o enorme potencial que Natal possui como ponto estratégico para a aviação comercial. Em setembro de 1928 eles realizam visitas a cidade, planejando a instalação de uma “hidro-base” na região, mas somente em janeiro de 1930, com irrestrito apoio do então governador Juvenal Lamartine de Faria, esta base de operações e uma linha aérea que transportava cargas e alguns poucos passageiros, passou a funcionar com regularidade semanal. O local escolhido pelos alemães para construírem suas instalações era conhecido como “Praia da Limpa”, as margens do rio Potengi. Ali foram erguidos dois grandes hangares, com rampa de acesso para hidroaviões, alojamento para tripulantes, sala de leitura, e uma estação de rádio. Os hidroaviões eram trazidos para os hangares através de uma rampa, onde uma espécie de carroça puxada por um cabo era colocada no rio, sendo esta colocada embaixo da aeronave, então através de um sistema de trilhos a aeronave era puxada para fora do rio. Este sistema de retirada e acesso de aeronaves, através de uma rampa as margens do Potengi, precede a famosa “Rampa americana”, que seria construída algum tempo depois ao lado da base alemã. Os jornais da época apontam que a população de Natal, passou a denominar o local como “Base da Condor” ou “Base da Limpa”.

Já em relação às cargas vindas da Europa, primeiramente os alemães desenvolveram uma operação trabalhosa e perigosa; um hidroavião saia de Natal em direção a Fernando de Noronha, amerissava ao largo da ilha, encontrando-se com um navio de passageiros e cargas, de forma arriscada eram passadas mercadorias e malotes em meio às ondas. O hidroavião então decolava para Natal, reabastecia e seguia em direção ao sul do país. Durante algum tempo esta operação continuou, mas na noite de 11 de setembro de 1931, um destes hidroaviões do “Sindicato Condor”, batizado como “Olinda”, após retornar de Fernando de Noronha, sofre uma pane na tentativa de decolagem para Recife e explode na margem esquerda do rio Potengi, ocasionando a morte de todos os três tripulantes. Percebendo os riscos e as desvantagens desta operação, os alemães decidem desenvolver novos meios para que a ligação aérea entre a Alemanha e os países sul-americanos fossem mais segura, prática e rentável.

Em 1933, com uma concepção audaciosa para a época, a empresa alemã “Lufthansa”, que controlava administrativamente o “Sindicato Condor”, decide utilizar dois “navios-catapulta”, como ponto de apoio e reabastecimento de hidroaviões. Chamados “Schwabenland” e “Westfalen”, estas naves se revezavam em uma posição no meio do Oceano Atlântico, entre a costa africana e o Brasil, onde a idéia básica seria receber um hidroavião vindo da Europa, para que suas malas postais fossem repassadas para um outro aparelho, que seria catapultado para Natal e depois esta carga seguiria em outras aeronaves em direção sul. O hidroavião que havia chegado da Europa, era então reabastecido e catapultado para o Velho Continente com as cartas vindas do sul.

O Incremento do Transporte Aéreo Alemão

Este revolucionário serviço é inaugurado no dia 3 de fevereiro de 1934, quando uma aeronave decolou de Stuttgart, no norte da Alemanha, para a Espanha, transportando 100.000 cartas. Um outro aparelho transportou as malas postais em direção à cidade africana de Bathurst, na então colônia britânica da Gâmbia e finalmente um dos hidroaviões seguiu por 1.500 km até o “Westfalen”. No dia 7 de fevereiro a tripulação deste navio catapultou com sucesso um hidroavião modelo “Dornier Wal”, batizado “Taifun”. Este aparelho possuía dois motores, montados sobre asas altas, tinha 23,20 metros de envergadura, 18,20 metros de comprimento, raio de alcance de 2.000 mil quilômetros e desenvolvia uma média de 225 km/h. A tripulação alemã era formada pelo comandante Joachim Blankenburg, co-piloto Walter Blume, mecânico de vôo Otto Gruschwitz e o rádio-operador Guenther Fechner. Após um cansativo voo o arquipélago de Fernando de Noronha é sobrevoado e o comandante Blankenburg amerissa na baía da ilha.

Hidroavião alemão pousado no Rio Potengi, em uma área onde atualmente se encontra o quartel do 17º GAC, do Exército Brasileiro.

Neste local um segundo hidroavião da empresa aguarda o “Taifun”. Algum tempo depois os dois aparelhos decolam em direção ao território potiguar. Segundo os jornais da época, eram duas horas da tarde em Natal, quando os dois hidroaviões sobrevoaram o rio Potengi. Autoridades potiguares e um grande número de populares aguardavam na praia da Limpa a chegada do vôo histórico, mas para surpresa de todos, o racionalismo técnico dos alemães, entrou em ação; dez minutos após o pouso, antes mesmo de serem iniciadas as diversas homenagens previstas, as malas postais foram prontamente passadas para um hidroavião modelo Junkers trimotor, batizado como “Tietê”, que rapidamente seguiu em direção ao sul do país. Se para os natalenses a chegada das aeronaves era quase uma festa, para os alemães tudo não passava de negócios.

Mesmo depois de voarem quatorze horas sobre o oceano, a tripulação que havia decolado do “Westfalen”, participou do evento, onde foi coberta de atenções pelo povo de Natal e tratados como heróis. Autoridades visitaram o “Taifun”, foram erguidos brindes pela realização do vôo e a banda da Polícia Militar tocava para os presentes.

A Influência Alemã na Cidade

Com o passar do tempo, à chegada e a partida de hidroaviões alemães no rio Potengi, se tornou mera rotina. Todas as sextas-feiras havia aeronaves amerissando ou decolando no tranquilo rio que banha a capital potiguar. Em meio ao crescimento do movimento aviatório em Natal, aumenta o número de germânicos vivendo na pequena urbe de 35.000 habitantes. O expoente mais importante desta comunidade, além de ser um dos alemães que há mais tempo viviam em Natal, era o empresário Ernest Walter Lück.

Base alemã em Natal.

Nascido em 1883, na cidade de Gevelsberg, estado da Westfalia,  Alemanha, Lück chegou a Natal em 1911, em companhia de um amigo chamado Richard Bürgers, vinham com a intenção de trabalhar em uma firma inglesa que efetuava perfurações no interior do Rio Grande do Norte. Ao desembarcarem descobriram que a firma havia falido, mesmo assim permaneceram na região. Em 1922 Lück e um outro sócio fundaram a empresa “Gurgel, Lück & Cia. Ltda”, com a intenção de importarem produtos alemães e exportarem matérias-primas potiguares para aquele país. Logo os horizontes se ampliaram e a empresa tornou-se representante de linhas de navegação alemã, bem como das empresas aéreas “Lufthansa” e do “Sindicato Condor”. O empresário Lück foi designado cônsul alemão na cidade e coube a ele a ligação entre empresas e o governo da Alemanha, junto às autoridades potiguares.

A comunidade germânica cresce. Logo uma “Escola Alemã” foi fundada sob os cuidados do professor Alonso Meyer. Funcionando na antiga “rua do Norte”, esta escola informava através dos jornais, que oferecia o curso primário completo e o curso de língua alemã, sempre com “Disciplina, ordem e respeito garantidos”. Na ocasião da chegada do hidroavião “Taifun”, o hino alemão entoado pelas crianças desta escola, emocionou a experiente tripulação do comandante Blankenburg.

A partir de 1933, a nova ideologia nazista implantada com a ascensão de Adolf Hitler ao governo alemão, chega à colônia germânica no Rio Grande do Norte. Segundo a edição do jornal “A Republica”, de 25 de abril de 1934, quatro dias antes, em uma festa ocorrida pela dupla comemoração do aniversário de Hitler e da morte de Tiradentes, na chácara pertencente a Richard Bürgers, esteve presente a totalidade da colônia alemã em Natal. Entre estes o Sr. Lück e o diretor da base da Condor, Sr. Neulle. Este último era veterano da Primeira Guerra Mundial e estava na festa com suas medalhas de combate e o traje tradicional nazista. O ponto alto ocorreu às vinte horas, quando após serem entoados os hinos alemão e brasileiro, os participantes postaram-se solenemente diante de um rádio de ondas curtas, para através da emissora de rádio oficial da Alemanha, escutarem um discurso proferido por Joseph Goebbles, o todo poderoso ministro da propaganda do governo de Hitler. Este discurso era destinado especificamente às comunidades alemãs existentes na América do Sul. A importância dessa festa pode ser medida pelo fato de estarem presentes altos membros do governo e da sociedade potiguar da época, entre estes o chefe do executivo estadual, o Interventor Mario Câmara.

Apesar de toda esta movimentação cívica, de forma geral, o comportamento dos membros da colônia alemã em Natal, era extremamente discreto.

O fim da “Base da Condor”

A operação aérea da base alemã em Natal continuou ativa e rotineira até o início da Segunda Guerra Mundial. Foram efetuadas quase 500 travessias utilizando os “navios catapulta” como ponto de apoio entre a Europa e a América do Sul. Grandes pilotos germânicos trabalharam nesta travessia e estiveram na capital potiguar, como Richard Heinrich Schimacher, que por possuir muita experiência nas travessias oceânicas, entre 1938 e 1939 é convocado para participar da grande expedição cientifica alemã a Antártica. Em um “Dornier-Wal” batizado como “Borea”, este aviador realizou diversos voos pioneiros, no praticamente inexplorado continente gelado. Outro piloto foi Ernst-Wilhelm Modrow, que durante a guerra se tornou um às da aviação de caça noturna da “Luftwaffe” (Força Aérea Alemã), onde abateu 34 aviões aliados.

Hidroaviões da marinha dos Estados Unidos baseados no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial

Com o crescimento do conflito, o afundamento de navios brasileiros por submarinos alemães e a entrada oficial do Brasil na guerra, a “Base da Condor” e a comunidade alemã na cidade foram igualmente afetados pela conflagração. O local foi primeiramente ocupado por forças navais norte-americanas.

Segundo o jornalista Roberto Sander, autor do livro “O Brasil na mira de Hitler”, após a chegada das forças norte-americanas a Natal, Ernst Walter Lück, Richard Bürger e um outro alemão de nome Hans Weberlig, foram formalmente acusados e presos pelo FBI, como agentes de espionagem alemães.

Com o fim do conflito, a Marinha Norte-americana entregou grande parte das antigas instalações aéreas ao Exército Brasileiro. Atualmente a área é ocupada pelas instalações do Iate Clube de Natal e pelo 17º Grupamento de Artilharia de Campanha e quase nada mais resta da antiga base alemã na velha praia da Limpa.

* Como em relação à pesquisa histórica nada é realizado sem a fraternal ajuda de outras pessoas, o autor deste artigo gentilmente agradece ao pesquisador Luiz G. M. Bezerra pela seção de fotos e informações.