COMO FOI A “CONFERÊNCIA DO POTENGI”, QUE REUNIU OS PRESIDENTES ROOSEVELT E VARGAS EM NATAL EM 1943 – OS DETALHES DAS REUNIÕES

Recentemente um amigo me perguntou como ocorreram as reuniões entre os presidentes Franklin Delano Roosevelt (Estados Unidos) e Getúlio Dorneles Vargas (Brasil), ocorridas no dia 28 de janeiro de 1943, a bordo do navio de guerra USS Humboldt, ancorado no rio Potengi em Natal?

Esse fato, conhecido como “Conferencia do Potengi”, é um episódio até que bastante comentado pelos natalenses. Mas sobre os detalhes do que aconteceu a bordo dessa nave da US Navy pouco é divulgado.

Visando sanar a dúvida desse dileto amigo, estou reproduzindo no nosso blog TOK DE HISTÓRIA as páginas de número 252 a 262 do livro “Brasil – A Segunda Guerra Mundial e a Construção do Brasil Moderno” (Editorial Presença, Lisboa, Portugal, 2014), escrito pelo escocês Neill Lochery, que trata com extremo detalhismo sobre esta questão. Vale a leitura para conhecer o que se passou no que ficou conhecido como “Conferência do Potengi”.

O autor é um importante historiador, dedicado aos temas da da história moderna da Europa e do Oriente Médio e Mediterrâneo, além de ser um colaborador frequente de jornais e publicações de periódicos em todo o mundo. Lochery também é professor na University College, de Londres. É autor de uma série de livros aclamados pela crítica. Vários de seus livros enfocam a Segunda Guerra Mundial. Lochery tem mestrado pela Exeter University e doutorado pela Durham University (Centro de Estudos do Oriente Médio e Islâmicos), ingressou na University College em 1997 e é professor de Estudos do Oriente Médio e do Mediterrâneo na Faculdade de Artes e Humanidades. 

Procurei evitar ao máximo realizar alterações e acrescentar notas, apenas onde foi mais do que necessário para o melhor entendimento dos leitores. Acrescentei fotografias da nossa coleção, de modo a criar um melhor entendimento daquele momento histórico. Vale ressaltar que esse livro foi publicado no Brasil com o título “Brasil – Os Frutos da Guerra” (Editora Intrínseca, Rio de Janeiro, 2015). 

Acredito que o texto de Neill Lochery é extremamente interessante para o conhecimento dos natalenses e potiguares para um dos momentos mais importantes da História do Rio Grande do Norte.    

Getúlio Vargas junto a oficiais da marinha dos Estados Unidos, provavelmente conversando em francês.

Vargas também se preparava para uma reunião secreta que teria enormes consequências para o Brasil e para a guerra à qual o país se unira havia pouco tempo. Em uma nota para Cordell Hull[1], na terça-feira, 26 janeiro de 1943, Jefferson Caffery[2] escreveu de forma enigmática: “Eu saio pela manhã com o chefe de Oswaldo para encontrar você sabe quem. Devo voltar na sexta-feira”.[3] 

No dia seguinte, Caffery, o almirante Ingram e um adido naval embarcaram num avião, juntamente com o presidente Vargas e dois assessores.[4] 

Vargas com seu charuto Corona, seu preferido, despachando no Palácio do Catete.

Assim que todos os seis passageiros subiram a bordo, o avião decolou e rumou para Natal. Ao chegar, o grupo foi transferido para um contratorpedeiro, o USS Jouett, onde seus integrantes jantaram e passaram a noite se preparando para as reuniões do dia seguinte. 

Vargas estava muito ansioso. Ele participara havia pouco de celebrações em São Paulo por ocasião do aniversário da fundação da cidade. Seu filho, Getulinho[5], tinha contraído poliomielite nesse período, e todos presumiam nos círculos políticos da capital que o presidente continuava em São Paulo com ele[6]

Vargas e Jefferson Caffery, embaixador dos Estados Unidos no Brasil.

Vargas, porém, decidiu que o dever o chamava e, com efeito, deixou a cabeceira do filho moribundo para participar da reunião em Natal. No entanto, apesar da ansiedade, estava bem preparado para as reuniões vindouras. Aranha elaborara um memorando de dez páginas com conselhos para o chefe que delineavam as prioridades brasileiras. Em um sinal da forte confiança entre Aranha e Caffery, o ministro das Relações Exteriores brasileiro mostrou o documento ao seu colega americano. 

Às oito da manhã de 28 de janeiro de 1943, o hidroavião que transportava o presidente Roosevelt amerissou em Natal. Roosevelt estivera na Conferência de Casablanca, no Marrocos, na qual se reunira com o primeiro-ministro britânico Winston Churchill e com os generais franceses Charles de Gaulle e Henri Giraud a fim de discutir as táticas e estratégias para o restante da guerra. Na conferência, os líderes também formalizaram seu compromisso para acabar com a guerra por meio da derrota total das potências do Eixo. Essa política, que seria conhecida como a doutrina da “rendição incondicional”, marcaria a Conferência de Casablanca como uma das mais importantes de toda a Segunda Guerra. 

Ao chegar a Natal, Roosevelt foi imediatamente transferido para o navio de apoio a hidroaviões USS Humboldt, onde permaneceria durante aquele dia e aquela noite. 

Mais tarde, na manhã da chegada do presidente americano, Caffery reuniu-se com ele e seu assessor especial, Harry Hopkins. Os três concordaram que Roosevelt levaria “com tato” a questão da adesão do Brasil às Nações Unidas, que era um dos principais objetivos dos americanos para a reunião[7]. A ONU seria estabelecida pelos Aliados como a instituição internacional central na ordem do pós-guerra e substituiria a Liga das Nações. Caffery comentou que Vargas muito provavelmente concordaria com tal pedido — o memorando de dez páginas com os conselhos de Aranha confirmara isso[8]

Getúlio Vargas no seu trabalho.

Roosevelt, Caffery e Hopkins discutiram então a oferta feita pelo Brasil de mandar tropas ao exterior. O presidente explicou que os líderes militares americanos “não estavam muito interessados em enviar tropas brasileiras ao Norte da África.” No entanto, Roosevelt queria convencer Vargas de que suas tropas seriam necessárias em outros lugares do outro lado do Atlântico, sobretudo em alguns territórios de importância estratégica com os quais o Brasil compartilhava um passado colonial. 

No dia após sua chegada, Roosevelt ofereceu um almoço em homenagem ao colega brasileiro na sala de jantar do comandante do Humboldt. Os dois presidentes conversaram em francês, tal como haviam feito durante a primeira reunião que tiveram no Rio de Janeiro, em 1936. Vargas vestia um terno de linho branco e camisa de algodão com sua gravata de seda listrada favorita, enquanto Roosevelt usava um terno de algodão bege-claro ligeiramente surrado e camisa branca. Contudo, a gravata e a braçadeira negras do presidente americano, mais do que qualquer outro elemento de seu vestuário, expressavam seu estado interior. Roosevelt estava de luto pela morte de filhos americanos na Segunda Guerra Mundial — fato que, sem dúvida, ressoou profundamente no presidente brasileiro, cujo filho estava à beira da morte. 

Vargas e Roosevelt no Rioi de Janeiro em 1936.

Roosevelt e Vargas haviam envelhecido bastante desde a reunião em 1936. Embora aparentassem descontração na única fotografia publicada daquele encontro no Rio de Janeiro, em 1943 os dois pareciam cansados. As olheiras de Roosevelt ficavam bem visíveis quando ele tirava os óculos; Vargas ainda

O Uss Humbold (AVP-21), onde aconteceu a “Conferência do Potengi”. Essa nave já foi classificada como “cruzador”, destróier”, “contratorpedeiro”, mas na verdade era uma nave de apoio de hidroaviões, que ficava em Natal para ajudar hidroaviões americanos de busca e destruição de submarinos que ficavam na base da Rampa.

mancava perceptivelmente em decorrência do acidente e levara sua bengala na viagem a Natal. Apenas Jefferson Caffery parecia remotamente saudável — ainda bronzeado após as férias nos Estados Unidos no ano anterior e pelos banhos de sol que tomara na praia no início do mês, no verão carioca. 

Refeição a bordo do Uss Humboldt, vendo da esquerda para direita Vargas, Roosevelt e Caffery.

O clima durante o almoço era de profissionalismo, e o ambiente estava um pouco silencioso. Os dois presidentes viam a reunião como um encontro individual. Sentado à cabeceira da mesa, com Vargas à direita, Roosevelt dirigiu-se diretamente ao presidente brasileiro. Durante todo o almoço, Roosevelt quase não tirou os olhos de seu convidado, mal percebendo a presença de qualquer outra pessoa na sala. Ele falava em voz baixa, mas, embora o tom suave conferisse um ar mais intimista à reunião, o motivo era, na realidade, um resfriado que o presidente americano contraíra com as mudanças drásticas na temperatura às quais fora exposto nos dias anteriores à viagem. Vargas ouviu o colega americano com atenção e interveio de vez em quando, mas apenas de forma breve — quando Roosevelt solicitava uma resposta, por exemplo, ou quando fazia uma pausa para deixar o brasileiro falar. Caffery, sentado à esquerda de Roosevelt, disse muito pouco. Ele ouviu atentamente e algumas vezes inclinou-se para a frente a fim de se certificar de que conseguia ouvir a voz cada vez mais rouca de seu líder. 

Foto clássica dos líderes dos Estados Unidos e Brasil na “Conferência do Potengi”.

Roosevelt começou a conversa informando Vargas do que acontecera em Casablanca na reunião com Churchill e os líderes franceses. Então descreveu o progresso da guerra sob uma perspectiva americana, contando a Vargas como a produção dos Estados Unidos estava evoluindo, como iam as relações anglo-americanas, qual era a situação na União Soviética e quais eram suas esperanças e planos para o período pós-guerra. 

Vargas, Roosevelt e Caffery no USS Humboldt.

Em seguida, o presidente americano falou sobre o Brasil e, de uma maneira geral, sobre o desenvolvimento econômico do país e seus problemas com a imigração. Ele deixou a primeira pergunta para o final dos comentários de abertura, mas então, como era do seu feitio, foi direto ao ponto. — À luz da evolução da situação na guerra — perguntou a Vargas —, o Brasil está disposto a se tornar um membro das Nações Unidas?[9] 

Vargas, que estudara com cuidado o memorando de dez páginas de Aranha no avião, não ficou surpreso com a pergunta. Olhando bem nos olhos de Roosevelt, respondeu que (como Caffery mais tarde relataria numa mensagem para Cordell Hull) “tomaria as providências para se tornar um membro da Organização das Nações Unidas”. Vargas então fez uma pausa que pareceu eterna, mas que durou apenas um ou dois segundos antes de qualificar sua resposta. 

Primeira página do jornal natalense “A República”, noticiando a “Conferência do Potengi”.

— No entanto — continuou ele —, esse pode ser um momento oportuno para dizer mais uma vez que precisamos de equipamentos dos Estados Unidos para nossas forças armadas: Marinha e Aeronáutica[10]

Vargas deixou Roosevelt com poucas dúvidas quanto ao que seria necessário para levar o Brasil a se engajar 100% no campo dos Aliados: os Estados Unidos teriam de aumentar seu fornecimento de armas ao Brasil. 

O navio de guerra norte-americano Uss Jouett, que também ficou ancorado no rio Potengi hospedou Vargas antes do encontro com Roosevelt no Uss Humboldt.

Deixando de lado os envios adicionais de armas americanas para o Brasil, Roosevelt voltou à questão de Portugal. Ele fez um breve resumo sobre a importância da ilha da Madeira para a causa dos Aliados no Atlântico, mas focou, em particular, nos Açores, que eram vitais para as operações dos Aliados no Atlântico Sul. Roosevelt confessou um interesse pessoal pelos Açores, que o faziam lembrar-se da Primeira Guerra Mundial, quando, em 1918, na condição de secretário assistente da Marinha, visitou as ilhas para inspecionar a base naval americana que havia acabado de ser construída. Agora ele confidenciava a Vargas uma conversa que tivera com Churchill, na qual os dois concordaram em fazer da implantação de bases aéreas no Açores uma prioridade estratégica para 1943.[11] A segurança da rota comercial do Atlântico Sul para o continente europeu dependia de ganharem a batalha contra os submarinos alemães, e uma base nos Açores permitiria a operação de aviões antissubmarino dos Aliados ali. A base aérea também seria um ponto de escala vital para a invasão da Europa pelos Aliados, prevista para ocorrer no ano seguinte. 

Os presidentes no jipe, na área da Rampa.

O único fator complicador era que Portugal controlava o arquipélago. Para ter acesso às bases, os britânicos pensavam em abrir negociações com António de Oliveira Salazar, o ditador de Portugal, na primavera de 1943, e os americanos iniciariam as conversas com ele logo depois. “Salazar é um sujeito complicado”, descreveu Roosevelt. Este já começara a tentar tranquilizar o ditador de que uma presença dos Aliados nas ilhas duraria apenas o prazo da guerra, como ocorrera na Primeira Guerra Mundial. Mas Salazar suspeitava que tanto a Inglaterra quanto os Estados Unidos conspiravam para estabelecer uma presença permanente nas ilhas. Como se comprovou mais tarde, o astuto líder português previa a ascensão da Guerra Fria e o confronto ideológico entre a democracia e o comunismo e entendia que as ilhas seriam de grande utilidade para uma potência — como a americana — que desejasse estabelecer domínio na Europa Ocidental. Salazar temia que os Estados Unidos relutassem em deixar os Açores após estabelecer uma posição por lá. 

No entanto, Roosevelt também sabia — ou ao menos suspeitava — que o ditador português estava tão preocupado com as ambições alemãs quanto com as dos Estados Unidos. A Vargas, o presidente americano sugeriu que Salazar temia uma invasão alemã de Portugal e dos Açores, ou uma simples invasão das ilhas. Contudo, essa era uma espécie de cortina de fumaça, uma vez que a ameaça real de uma invasão alemã em Portugal já passara. Com as forças de Hitler envolvidas em combates ferrenhos na União Soviética e com as forças dos Aliados no Norte da África, a possibilidade de um ataque do Eixo a Portugal ou a suas possessões no Atlântico parecia remota. 

Na verdade, Hitler perdera a oportunidade de invadir os Açores. No início da guerra, seus comandantes navais tinham-no instigado a invadir as ilhas portuguesas antes dos britânicos, mas ele optou por ignorar os conselhos. O que preocupava Roosevelt mais do que uma invasão alemã era a perspectiva de Salazar não permitir o acesso dos Aliados às ilhas. Em reuniões reservadas com Sir Ronald Campbell, o embaixador britânico em Lisboa, Salazar indicara que, quando chegasse a hora, ele faria a coisa certa para os britânicos. No entanto, não chegou a prometer aos americanos uma presença nas ilhas. Tanto Churchill quanto o ministro das Relações Exteriores do Foreign Office, Anthony Eden, prometeram tentar mudar a opinião do ditador português quando a Grã-Bretanha abrisse as negociações com ele. Roosevelt e os Estados Unidos, porém, haviam começado os preparativos para talvez tomar as ilhas à força, caso não conseguissem pela diplomacia. 

Roosevelt esperava que seus amigos brasileiros o apoiassem na questão dos Açores. Contudo, quando ele abordou o assunto com Vargas, descreveu o pedido como se fosse uma ajuda aos portugueses, com quem ele sabia que o Brasil ainda mantinha laços estreitos. 

— Você pode nos ajudar enviando tropas para substituir os portugueses, que são mais necessários no continente? — pediu Roosevelt a Vargas.[12]

O líder brasileiro foi pego de surpresa pela franqueza na abordagem de Roosevelt e ficou preocupado com as implicações. Os Estados Unidos pediam ao Brasil, uma ex-colônia de Portugal, para de fato ocupar território soberano

português. Depois de alguns segundos de silêncio, Vargas respondeu de forma lenta, quase mecânica: — Estou disposto a levar esse assunto a Salazar. No entanto, não podemos enviar tropas para as ilhas portuguesas [Açores], a menos que vocês forneçam equipamentos adequados para elas.[13] — Era a diretiva brasileira, e Vargas estava agarrando-se a ela.

Uma revista mexicana, que divulgou o encontro de Roosevelt e Vargas em Natal.

Os dois passaram o resto do almoço elaborando os detalhes de como os Estados Unidos poderiam enviar peças sobressalentes e outros equipamentos muito necessários à Marinha do Brasil. O presidente americano prometeu tentar enviar o máximo de material militar, o mais rápido possível. Esse foi o fim das

conversas sérias, e Roosevelt e Vargas compartilharam uma piada interna com o almirante Ingram, que, por sua vez, disse aos presidentes que a base aérea estava pronta para inspeção. 

Terminada a refeição, os dois chefes de Estado partiram num jipe para ver a base de Natal. A notícia da reunião começara a correr apenas no início do almoço; por isso, quando os presidentes visitaram a base, surpreenderam muitos militares, que não tinham ideia de que os dois líderes iam visitar as instalações. Roosevelt sentou-se no banco dianteiro do jipe; Vargas, no banco traseiro com o almirante Ingram. A excursão foi registrada em uma das fotografias mais emblemáticas desse período de cooperação Estados Unidos-Brasil. Ao mostrar os três homens rindo, a imagem dá a impressão de Roosevelt e Vargas despreocupados, fazendo um passeio. Uma fotografia tirada alguns momentos após a primeira, no entanto, revela um quadro muito diferente. Tanto Vargas quanto Roosevelt parecem quase melancólicos e cansados, como dois idosos que carregam um fardo pesado demais, e cujos dias estão contados. Na verdade, essa segunda fotografia representa melhor os eventos daquele dia do que a primeira imagem mais feliz. 

Naquela noite, Roosevelt e Vargas jantaram com suas equipes no Humboldt. Ao contrário do almoço, o jantar foi menos formal; a conversa, menos empolada e sem dúvida menos comprometedora. Roosevelt prometeu cumprir as promessas de acelerar o fluxo de armas para o Brasil, mas alertou Vargas de que — como o presidente brasileiro com certeza estava cansado de saber — elas estavam em falta. Os dois falaram sobre a possibilidade do envio de uma força brasileira ao exterior, mas apenas em termos gerais. Vargas ainda não conseguira estudar e discutir a fundo o memorando de Dutra em defesa de um grande contingente brasileiro, porém, os comentários e as insinuações de Roosevelt deixavam claro que as forças armadas americanas não estavam muito entusiasmadas com a possibilidade de ter forças brasileiras no Norte da África. Treinar e armar os brasileiros levaria tempo e seria caro demais, pois as novas tropas teriam de estar fortemente armadas e equipadas para participar daquela operação. Contudo, Vargas ainda não tinha como saber qual papel alternativo as tropas brasileiras poderiam desempenhar na guerra além de potencialmente ocupar os Açores. 

Vargas deixou a reunião otimista, em contraste marcante com sua aparência soturna no jipe algumas horas antes. Naquela mesma noite, ele voou de volta para o Rio de Janeiro com Caffery. Aranha se encontrou com o presidente logo após seu retorno e, mais tarde, disse maravilhado a Caffery: “Raramente o vi tão satisfeito com tudo.” Sem dúvida um pouco da alegria que o presidente sentia era pessoal: Caffery mencionara na reunião da manhã com Roosevelt que seu filho estava doente e, durante o jantar, Roosevelt oferecera ajuda ao jovem Getulinho com toda a assistência médica que os Estados Unidos poderiam proporcionar. Mas a reunião também tinha marcado uma importante vitória para o Brasil, e Vargas sabia disso. 

Famoso quadro baseado nas fotos dos presidentes na Rampa, realizado Raymond Neilson.

Na noite de 30 de janeiro de 1943, logo depois da viagem a Natal, Vargas concedeu uma coletiva de imprensa no Palácio Guanabara, na qual descreveu como e quando se dera o encontro secreto com o presidente Roosevelt. O Brasil estava entusiasmado com a notícia de que o líder dos Estados Unidos decidira fazer escala no Brasil — no caminho de volta de nada menos do que uma das conferências mais importantes da guerra — para demonstrar apoio ao país e ressaltar a importância dele para os Estados Unidos. No momento da coletiva, Roosevelt ainda não chegara a Washington; assim, a imprensa internacional se baseou no relato de Vargas para extrair informações sobre a reunião. Vargas ainda estava de muito bom humor para um homem cujo filho permanecia gravemente enfermo. Ele foi elogioso sobretudo a Roosevelt, assegurando aos brasileiros que o presidente americano “ainda demonstrava a firme decisão de levar adiante essa cruzada na qual estamos todos comprometidos”.[14]

O encontro recebeu uma enorme cobertura na imprensa brasileira. O Jornal do Brasil lhe dedicou duas colunas na primeira página, chamando a presença de Roosevelt em Natal de “uma demonstração sincera de elogio ao esforço de guerra brasileiro”. O encontro também recebeu ampla cobertura internacional. A Associated Press divulgou a manchete “Presidente Roosevelt e presidente Vargas, em declaração conjunta, afirmam intenção de tornar o Atlântico seguro para a navegação de todas as nações”. A manchete da primeira página do New York Times em 29 de janeiro de 1943 proclamava simplesmente: “Roosevelt faz escala no Brasil.”[15]

Vargas desembarcando no Rio de Janeiro, após o encontro em Natal.

Na mesma página do anúncio da visita de Roosevelt a Natal, o New York Times publicou uma grande fotografia de uma tripulação em pé na frente de um bombardeiro da Força Aérea dos Estados Unidos com a legenda “De volta do primeiro bombardeio americano contra a Alemanha”[16]. Como a legenda sugeria, a guerra — embora longe de terminada — entrava em uma fase nova e potencialmente decisiva. Vargas continuava a trabalhar sem parar para maximizar os ganhos do Brasil com o conflito, mas o tempo estava passando, e o Brasil precisava agir depressa para garantir o que já conseguira obter.

Vargas e o então Ministro das Relações Exteriores Oswaldo Aranha no Rio, quando do seu retorno de Natal.

 O encontro de Vargas com Roosevelt e os acordos resultantes seriam talvez o auge da carreira política de Vargas e da era do Estado Novo. Embora seja simplista sugerir que Vargas entraria em decadência daquele ponto em diante, ele nunca ascenderia àquelas alturas vertiginosas de novo. E o primeiro sinal de mudança em sua sorte veio na forma de uma perda pessoal devastadora.

 Poucos dias depois da reunião de Vargas com Roosevelt, Getulinho morreu. A perda do filho bonito e talentoso mudou Vargas para sempre. Sua esposa, Darci, retirou-se da esfera política e concentrou-se apenas em seus trabalhos de caridade. O próprio presidente demonstrava ter perdido a confiança e o foco; parecia envelhecido, se movimentava mais devagar e passou a confiar cada vez mais em Alzira e em Aranha para receber orientação política. À medida que sua capacidade de avaliação política o abandonava, seu humor tornava-se mais sombrio, e seu afastamento da elite política, mais pronunciado.

 Essas transformações não tiveram um impacto imediato ou óbvio na capacidade de Vargas de governar, mas a morte do filho sem dúvida afetou sua capacidade de julgamento, tanto em temas políticos quanto pessoais. Durante anos após a morte de Getulinho, Vargas viveu um luto muito particular — embora se esforçasse para encobrir esse fato enquanto trabalhava para guiar o Brasil pela guerra cada vez mais global.


NOTAS

[1] Cordel Hull nessa época era o Secretário de Estado Norte-americano, cargo equivalente ao de Ministro das Relações Exteriores no Brasil. O Oswaldo em questão era o gaúcho Oswaldo Aranha, Ministro das relações Exteriores do Brasil e seu chefe era, evidentemente, Getúlio Vargas.

[2] Jefferson Caffery era o então Embaixador dos Estados Unidos no Brasil.

[3] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.

[4] O almirante Jonas Howard Ingram era o comandante da 4ª Frota da Marinha dos Estados Unidos, com sede em Recife, Pernambuco.

[5] Getúlio Vargas Filho, ou Getulinho, foi o segundo filho do Ex-presidente da República Getúlio Vargas e de dona Darcy Lima Sarmanho. Teve mais quatro irmãos, Lutero Vargas, Alzira Vargas, Jandira e Manuel Sarmanho Vargas, o Maneco. Faleceu ainda jovem, aos 23 anos de idade, devido à paralisia infantil, no dia 5 de fevereiro de 1943. Foi casado e teve um filho.

[6] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943. 

[7] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.

[8] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943. 

[9] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.  

[10] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.

[11] NARA/RG84/304, Registros do Departamento de Guerra, Divisão dos Serviços Militares, Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro para o Departamento de Guerra, 18 de novembro de 1943.

[12] Frank D. McCann, “Brazil and Wolrd War II: The Forgotten Ally. What Did You Do In The War, Zé Carioca?”, Tel Aviv University, 1987, pág. 20.

[13] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.

[14] Frank D. McCann, “Brazil and Wolrd War II: The Forgotten Ally. What Did You Do In The War, Zé Carioca?”, Tel Aviv University, 1987, pág. 20.

[15] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943.

[16] NARA/RG84/177, Registros Gerais da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Caffery para o Secretário de Estado Cordell Hull e o Presidente Roosevelt, 31 de janeiro de 1943. 

O HOMEM NA LUA – UM GRANDE SALTO PARA HUMANIDADE

”Aqui, homens do Planeta Terra pisaram na Lua pela primeira vez. Viemos em paz, em nome de toda a Humanidade.”

Biólogo e engenheiro, o francês Júlio Verne combinou seus conhecimentos científicos com uma alta dose de imaginação; e com esses, instrumentos escreveu contos proféticos, antecipando a seus incrédulos leitores do século XIX muitas das espetaculares conquistas a que o homem chegaria por meio da ciência.

Em 1870, após publicar o conto Da Terra à Lua, afirmou que não se passaria um século antes que homens de carne e osso repetissem a formidável façanha conseguida por seus personagens: a conquista da Lua. Passaram-se 99 anos.

Em 20 de julho de 1969, cerca de um bilhão de pessoas, em todos os cantos da Terra, reuniam-se em torno de televisores. E assistiam às mais estranhas imagens já transmitidas pela TV. Era uma cena histórica.

Neil Armstrong, comandante da primeira expedição terrestre à Lua, desce lentamente pela escada do Módulo Lunar; envolto no traje de proteção, sua figura toda branca destacando-se contra um fundo de céu negro. Agora, já sobre uma das “patas” do veículo, ergue o pé esquerdo, para em seguida baixá-lo cuidadosamente, imprimindo naquele empoeirado solo a marca de sua bota. É o primeiro a pisar na Lua.

É um pequeno passo para o Homem, um gigantesco salto para a Humanidade.

A frase do pioneiro astronauta soou nítida, em todos os pontos da Terra. O gigantesco salto fora dado, sob os bons auspícios até do nome do lugar escolhido para o pouso: o mar da Tranquilidade.

“Viemos em paz, em nome de toda a Humanidade”, dizia a mensagem deixada no solo conquistado. Muito além da imaginação de Júlio Verne, a Humanidade pudera testemunhar o gigantesco salto.

Dois Cientistas, O Mesmo Sonho

Konstantin Tsiolkowski.

Durante quarenta anos pesquisei os princípios da propulsão a foguete, sempre acreditando firmemente em que o voo interplanetário seria possível em futuro não muito distante. As ideias persistem, só os tempos mudam. Hoje estou convencido de que muitos de vocês serão testemunhas de um voo interplanetário”.

Quem falava assim confiante à multidão que lotava a Praça Vermelha, em Moscou, a 1 de maio de 1933, não chegaria a assistir à confirmação de suas palavras. Konstantin Tsiolkowski, autor de importantes teorias sobre os voos cósmicos, morreria dois anos depois. Entre outras coisas, Tsiolkowski fora o primeiro a sustentar a necessidade do uso de foguetes a reação no voo cósmico; até então, ninguém aceitava que um jato emitido no vácuo pudesse empurrar um foguete para a frente.

Do outro lado do mundo, um contemporâneo do sábio russo tinha preocupações idênticas. Só que o americano Robert Goddard usava um sistema diferente. Professor de física experimental, procurava transformar suas ideias em coisas práticas. Construiu diversos foguetes e, depois de muitos insucessos, marcou um tento importante: em 1935 um de seus foguetes voou a 2.100 metros de altura.

Robert Goddard e o primeiro voo de foguete propelido a combustível líquido (gasolina e oxigênio), lançado em 16 de março de 1926, em Auburn, Massachusetts, Estados Unidos.

Goddard, ao contrário de Tsiolkowski, morreu esquecido. Ambos terminaram seus dias sonhando com os foguetes que no futuro libertariam o homem da estreiteza dos horizontes terrestres. Mas, em breve, os foguetes que conceberam seriam utilizados para a destruição.

1945. Hitler fracassara em seu ambicioso plano de dominar o mundo. Os aliados estão senhores das ações de guerra e marcham vitoriosos sobre a Alemanha.

Wernher von Braun e oficiais nazistas em Peenemünde, na primavera de 1941.

Nem americanos nem russos pretendem julgar o cientista Wernher von Braun e sua equipe como criminosos de guerra. Sabem que foram eles os criadores dos foguetes V-2, que, durante sete meses de 1944, caíram sobre Londres, semeando destruição e morte com seus terríveis misseis, mas, com capacidade de viajar centenas de quilômetros a uma velocidade de 5.000 km/h e acertar seus alvos com impressionante precisão. Americanos e soviéticos reservam para esses cientistas lugar especial entre seus próprios homens de ciência.

Foguete alemão V-2, capturado pelos americanos e em exibição.

Em outubro de 1945, von Braun e sua equipe já estão instalados em Fort Bliss, no Texas, trabalhando para os Estados Unidos.

Von Braun ou Colombo?

Com os cientistas alemães, foram também os mais extraordinários conhecimentos sobre a técnica de construir foguetes. Poupados anos de pesquisa, os foguetes americanos em pouco tempo começaram a subir, cada vez mais aperfeiçoados.

Von Braun, a direita e de óculos, trabalhando na NASA.

Von Braun sempre quis ser o Colombo do espaço. Pensava em viagens espaciais, não em armas, quando vendeu a ideia da V-2 a Hitler (…) E está tentando vender aos Estados Uni- dos um projeto de viagens espaciais, disfarçado em método para dominação do mundo.” A crítica, feita por um oficial americano em 1952, sintetizava uma opinião quase generalizada nos meios militares. Queriam que von Braun fizesse armas e não veículos espaciais e estavam particularmente incomodados com a afirmação do cientista, divulgada dois anos antes – “Nos próximos dez ou quinze anos, a Terra terá um novo companheiro nos céus, um satélite construído por mãos humanas”.

Von Braun não se abalava. Continuou trabalhando intensamente, cercado dos melhores cientistas alemães e americanos. Pediam-lhe que projetasse mísseis de longo alcance, capazes de levar ogivas nucleares. Em 1954, ele apresentava o Redstone, foguete com alcance de 800 quilômetros. Mas tinha planos pacíficos para o míssil; queria verbas para poder adaptá-lo a uma aventura espacial: colocar em órbita um satélite artificial de 2,5 quilos. O projeto, que ficou conhecido como Orbiter, foi autorizado. Mas durou pouco.

Comitê do Projeto Orbiter em 17 de março de 1954.

Em 1955, pouco depois do Presidente Dwight Eisenhower ter anunciado oficialmente o início de um programa de lançamento de satélites, começaram a chegar da União Soviética notícias de êxito no lançamento de mísseis balísticos intercontinentais. Imediatamente o Projeto Orbiter foi liquidado. Von Braun trabalhava para o Exército e o Presidente Eisenhower queria deixar ao Exército a tarefa exclusiva de construir mísseis bélicos que competissem com os soviéticos. O programa espacial – Projeto Vanguard – seria entregue à Marinha.

As Luas de Metal

Na União Soviética, as pesquisas sobre mísseis estavam bem adiantadas. Vinham sendo conduzidas por Sergei Korolyev, discípulo de Tsiolkowski. Sergei liderava, desde 1930, uma equipe de competentes engenheiros, num grupo semelhante ao de von Braun. Já em 1947, também eles começaram a lançar poderosos foguetes, utilizando muito da técnica aprendida com Helmut Grottrup, o único cientista do grupo de von Braun que não seguira para os Estados Unidos. Entre 1949 e 1952, poderosos foguetes levaram cães russos, em cabinas pressurizadas, até os limites superiores da atmosfera. Daí em diante, o esforço foi cada vez mais concentrado.

Selo comemorativo ao lançamento do Sputnik I e uma réplica existente no Museu de Tecnologia Espacial e de Mísseis, em São Petersburgo, Rússia.

Na manhã de 4 de outubro de 1957, um foguete ergueu-se violentamente da plataforma de lançamentos da Base Espacial de Baikonur, furando o céu em busca do espaço. Essa base atualmente fica em território do Cazaquistão, mas que na época era parte da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ou URSS.

Esse foguete era igual a muitos outros que dali haviam sido disparados. Mas tinha uma missão específica. Em seu bojo, levava uma esfera de 83 quilos, com 58 centímetros de diâmetro, provida de antenas flexíveis. Sua missão: colocar essa esfera metálica – o Sputnik I – em órbita ao redor da Terra. Horas depois, os primeiros telegramas das agências internacionais participavam aos veículos de comunicação do mundo inteiro: a Terra ganhou um satélite artificial, construído e posto em órbita pelos soviéticos.

A cadela Laika que entrou em órbita (e morreu) à bordo da Sputnik II.

O mundo inteiro ainda aplaudia o feito quando, a 1 de novembro, a URSS, realizava mais uma espetacular façanha, colocando em órbita o segundo satélite – este com 560 quilos – e levando a bordo uma cadela de raça esquimó chamada Laika.

As duas seguidas mostras da superioridade do programa espacial soviético deixam frustrados milhões de americanos. Mais que nunca, eles agora depositaram suas esperanças de reabilitação no minúsculo Vanguard, satélite de 10 quilos que a Marinha só poria em condições de lançamento no dia 6 de dezembro. Novo golpe: o foguete explodiu na rampa, destruindo o satélite e as esperanças do país de entrar na competição espacial.

William Hayward Pickering, James Van Allen e Wernher von Braun exibem um modelo em escala real do satélite artificial Explorer 1 em uma coletiva de imprensa em Washington, após a confirmação de que o artefato estava em órbita. Apesar de todo exibicionismo, nessa época a União Soviética estava muito à frente dos Estados Unidos na corrtida espacial.

Diante dos insucessos da Marinha, o Exército foi chamado. Von Braun entraria em cena, para resolver o assunto. Já a 31 de janeiro, ele colocava em órbita o Explorer I, um cilindro de 2 metros de comprimento, com 13 quilos de peso. Os Estados Unidos, finalmente, entravam na grande corrida espacial, cujo primeiro lugar ainda era da União Soviética.

A partir de então, a técnica foi sendo progressivamente aperfeiçoada, de lado a lado. Ao primeiro Sputnik, que percorria os céus emitindo seus característicos sinais de rádio (os famosos bip-bip), juntaram-se dezenas de outros objetos metálicos, das mais variadas formas e com as mais diversas funções: tanto podiam estar realizando trabalhos aerofotogramétricos ou meteorológicos, quanto tarefas de espionagem sobre os países inimigos, ou servindo de polo para cadeias internacionais de telecomunicações. Fora isso, estavam permanentemente enviando, através de seus sensíveis instrumentos, informações sobre os segredos do espaço, que o homem queria conhecer para conquistar.

Eu Vejo a Terra. Ela é Azul!

Girando em órbita a 28.800 km/h, a nave espacial do major soviético Yuri Gagarin inaugurava a 12 de abril de 1961 um novo capítulo na história da astronáutica: as viagens do homem ao cosmo.

Yuri Gagarin, o primeiro ser humano a orbitar a Terra.

Depois de completarem uma volta ao redor do globo em 108 minutos, a Vostok voltava tranquilamente à Terra. Gagarin trazia mais informações, além da poética descrição que lá de cima fizera sobre a cor da Terra. Ele foi o primeiro a experimentar a sensação de ausência absoluta de peso e suas consequências físicas para o organismo humano. Agora, a medicina espacial teria dados mais concretos para prosseguir em suas pesquisas, visando à proteção absoluta aos astronautas.

“Eu vejo a Terra. Ela é Azul!

Começava com Gagarin uma longa série de voos espaciais, cada vez mais ousados. Saída de astronautas para “passeios” em pleno espaço, encontro de naves em órbita, manobras de engate e desengate: americanos e soviéticos alternavam-se no primeiro lugar da corrida pela conquista do espaço, alcançando, a cada lançamento, êxitos surpreendentes. Nos Estados Unidos, o Presidente John Kennedy anunciava o grande objetivo nacional: até o fim da década, levar homens à Lua e trazê-los de volta em segurança.

Edwin “Buzz” Aldrin, segundo homem a pôr os pés no solo lunar, em 1966, quando realizou seu primeiro voo espacial a bordo da nave Gemini XII, durante a qual passou mais de cinco horas executando atividades extraveiculares.

Quando a Lua parecia estar bem perto dos terrestres, a tragédia deixou sua marca e seu sinal de advertência: a 26 de janeiro de 1967, os americanos Grissom, White e Chaffee embarcaram na Apollo 6, para o último teste antes da decolagem; um curto-circuito provocou um incêndio e a cápsula explodiu, matando os três astronautas. Três meses depois, o soviético Wladimir Komarov morria no espaço, depois que a explosão de um retrofoguete provocou a destruição do paraquedas que servia de freio na descida de sua nave. Passou-se então mais de um ano, antes que soviéticos e americanos retomassem suas experimentações. O trabalho foi só em terra, onde os técnicos desdobravam- se para redesenhar naves e foguetes, de forma que os veículos espaciais se tornassem praticamente perfeitos.

Selo da antiga União Soviética de 1969, mostrando a espaçonave Zond 5.

Em fins de 1968, a Lua já não tinha quase segredos para o homem. Ele nunca fora vê-la de perto, mas mandara seus “olhos” eletrônicos as sondas lunares – que cumpriram excepcionalmente bem sua tarefa. As dezenas de sondas enviadas a partir de 1958 remeteram milhares de fotos do satélite e importantes in- formações científicas captadas por seus instrumentos.

A Lua cada vez mais perto.

Os soviéticos haviam conseguido dois êxitos que pareciam indicar sua intenção de mandar homens para ver o satélite de perto: em setembro de 1968, sua Zond 5, levando moscas e sementes, fizera, com perfeição, a viagem Terra-Lua-Terra; em novembro, a Zond 6 repetira a proeza, com tartarugas a bordo.

Mas os americanos ganharam essa decisiva fase da corrida. Em dezembro de 1968, os astronautas Borman, Lovell e Anders chegaram bem perto da Lua, num voo preciso.

Os tripulantes da Apolo X (da esquerda para direita) Eugene Cernan, John Young e Thomas Stafford, tendo ao fundo o foguete Saturno V. Essa tripulação abriu caminho para o pouso seguro dos tripulantes da Apolo XI na Lua. No retorno à Terra, em 26 de maio de 1969, a nave quebrou o recorde de velocidade no espaço por uma nave tripulada, mantido até hoje, ao atingir incríveis 39 897 km/h. A missão da Apolo X também conseguiu outro feito, ao ser a primeira a ser transmitida para o mundo todo o procedimento do voo ao vivo e a cores.

Seu retorno foi acolhido por uma explosão de entusiasmo do mundo inteiro. Os cientistas americanos, a partir daí, tiveram a certeza final: já poderiam ultimar os preparativos para a primeira expedição lunar; não havia mais nenhum obstáculo, a não ser construir e testar um eficiente veículo capaz de desgarrar-se da nave, pousar no solo da Lua e depois voltar ao espaço, reengatando novamente à nave mãe, para a viagem de volta à Terra.

Foguete Saturno V na plataforma de lançamento.

Em pouco tempo, esse veículo o Módulo Lunar foi construído e testado, em órbita terrestre. Depois, em espetacular façanha, foi experimentado em órbita lunar. Perfeito.

O Gigantesco Salto

O veículo espacial Apollo XI, colocado no foguete Saturno V, decola com os astronautas Neil A. Armstrong, Michael Collins e Edwin E. Aldrin Jr. às 9h32 de 16 de julho de 1969, do Complexo de Lançamento 39A do Centro Espacial Kennedy.

Finalmente, o homem estava pronto para realizar a maior aventura de todos os tempos. Depois de um voo de quase quatro dias, Neil Armstrong e Edwin Aldrin, com a Apollo XI já girando em órbita lunar, despediram-se de seu companheiro Michael Collins e, através do estreito túnel de comunicação, passaram para o corpo do Módulo Lunar (a Águia). Sozinho na nave mãe Apolo XI (a Columbia), Michael Collins acionou os dispositivos que libertaram os mecanismos de engate das duas naves, e continuou na orbita lunar. A Águia desprendeu-se, iniciando a viagem até a Lua.

Dezenove minutos depois, o Módulo descia suavemente no mar da Tranquilidade. Um bilhão de pessoas na Terra respiraram alivia- das. Era o dia 20 de julho de 1969; havia seres humanos na Lua a 384.000 km de distância. Depois de um tempo de repouso Armstrong, primeiro, e Aldrin, a seguir, saíram da nave e iniciaram sua missão de exploração lunar.

Durante pouco mais de duas horas, com seus trajes espaciais protegendo-os da baixíssima temperatura e da ausência de atmosfera, comunicando-se permanentemente através de rádio, os dois pioneiros deslocaram-se com facilidade naquele mundo de gravidade seis vezes menor que a da Terra e trabalharam muito.

Colocaram no solo da Lua uma bandeira de seu país, diversos instrumentos científicos e uma câmara de TV, e recolheram cerca de 27 quilos de amostras do solo.

Depois, reembarcaram na Águia, pressurizaram novamente a cabina e empreenderam o voo de volta, ao encontro da Columbia, onde Collins, em seu solitário voo, os aguardava. Em seguida, regressaram à Terra. Como heróis.

A Lua estava conquistada. O homem realizou seu grande sonho, reunindo e articulando forças que, engenhosamente controladas, arrancaram-no da Terra para levá-lo até outro astro. Agora, ele estudaria as amostras do solo lunar, para descobrir segredos que o informariam sobre a origem da Terra e do próprio universo.

Os proveitos da aventura já estavam sendo colhidos até mesmo antes que ela se completas- se, pois, muita pesquisa foi necessária para torná-la possível. Para controlar lançamentos de satélites, sondas e naves, eram essenciais computadores altamente aperfeiçoados.

Da esquerda para direira Neil Alden Armstrong, Michael Collins e Edwin “Buzz” Aldrin Jr., tripulação da Apolo XI.

Esses materiais passariam a ter milhares de aplicações diferentes, na própria Terra. As comunicações deram um grande salto; o mundo ficou menor depois que satélites espaciais serviram de elevadas antenas retransmissoras de canais de rádio, televisão e telex. Do extraordinário esforço desenvolvido por físicos, químicos, matemáticos, engenheiros, médicos, biólogos, astrônomos, técnicos em comunicação, todos os campos se beneficiaram. As ciências avançaram séculos, em apenas alguns anos. Novos e amplíssimos horizontes se abriram.

Fonte – Enciclopédia Conhecer, Abril S.A, Cultural e Industrial, São Paulo-SP, 1974 – Volume VII – páginas 1777 e 1779.

VIDA MEDIEVAL, VIDA VIOLENTA

Se os camponeses são velhacos, estúpidos, vesgos e feios, isso é porque nasceram do esterco do burro. Nem o diabo os quer no inferno, de tão mal que cheiram”.

Mas, a acreditarmos nessa informação de G. G. Coulton contida nos Excertos da Literatura Medieval não saberíamos explicar o que era feito dos camponeses após a morte, pois toda gente sabia que “ninguém mais entrara no céu após o Cisma do Ocidente”.

Contudo, esse problema como tantos outros estava fora das cogitações do homem medieval, para quem a verdade pertencia a Deus e só por Sua graça poderia ser revelada.

Na Alta Idade Média do século V até o século XI, aproximadamente -, a vida do indivíduo já estava traçada desde o seu nascimento, e só a morte poderia interromper o destino pré-configurado. Quem nascesse nobre, assim morreria. Quem viesse ao mundo como camponês, pereceria a arar a terra. Mesmo dentro de cada uma das camadas sociais, as opções eram poucas. Tanto o senhor como o servo praticamente não escolhiam o que fazer da própria vida. As cruzadas, o ressurgimento das cidades e a revolução comercial marcam a chamada Baixa Idade Média, que se estende até o século XV. Nela, o panorama se modifica um pouco. Enquanto a vida do nobre se altera, aparecem novas categorias profissionais: os artesãos e os comerciantes.

Nesse período, os horizontes se entreabrem e, embora de maneira precária, ao homem se coloca alguma possibilidade de opção.

Nobre: o Homem Rude

Um castelo não era mais que uma enorme choupana de madeira, uma tosca fortaleza. Do século XI em diante, passou a ser construído de pedra, mas continuou úmido, escuro, sem condições de higiene, com pouquíssimo mobiliário. Era essa a habitação da aristocracia feudal: o senhor, sua família e a corte.

Os nobres não trabalhavam, sendo sustentados pela atividade dos camponeses. Suas maneiras não eram de modo algum refinadas ou gentis. A glutonaria era um vício comum, e um beberrão moderno ficaria perplexo à vista da quantidade de vinho e cerveja consumida durante uma festa no castelo. Ao jantar, os nobres cortavam a carne com o punhal e comiam com as mãos. Os restos eram jogados no chão para os cachorros, sempre presentes.

As mulheres eram tratadas com indiferença e até com desprezo e brutalidade. Nos séculos XII e XIII, o comportamento das classes aristocráticas foi consideravelmente suavizado pelo desenvolvimento da cavalaria, com seu código ético e social. Entretanto, a cavalaria introduziu apenas um refinamento exterior. A constância das guerras e a ferocidade dos combates faziam dos nobres feudais homens basicamente rudes.

Camponês: o Sub-Homem

Manuscritos medievais descrevem que, no verão, “via-se a maioria dos camponeses, em dias de feira, andar pelas ruas e praças da aldeia sem nenhuma roupa”. Não é muito estranhável esse despudor, pois, nas miseráveis cabanas em que viviam, toda a família, e mesmo hóspedes, dormiam juntos em uma grande caixa coberta de palha.

A despeito de trabalhar de sol a sol, se a colheita fosse insuficiente, o camponês poderia morrer de inanição. Sua alimentação consistia em pão preto, verduras e sopa. Carne, só se ousasse desafiar as leis do feudo, entregando-se a caçadas proibidas. A choupana que lhe servia de moradia era construída de varas trançadas, recobertas de barro. O piso de terra e o teto de palha não ofereciam nenhuma defesa contra a chuva e a neve.

Analfabeto, vítima de temores supersticiosos e à mercê das arbitrariedades dos mais ricos e fortes, poucas maneiras tinha o camponês de alterar o seu destino. Uma delas era contrair uma moléstia contagiosa e repugnante, como a lepra. Então, deveria abandonar tudo e se unir aos companheiros de sina. Reunidos em cortejo, passariam o resto da vida a percorrer as estradas a agitar guizos que anunciavam a aproximação do tétrico desfile. A partir do século XI, muitos camponeses conseguiram migrar para as cidades ou integrar-se nas Cruzadas, mas suas condições de vida nem por isso mudaram substancialmente.

Quase toda a população do feudo compunha-se de pessoas de condição servil, divididas em quatro categorias: vilões, servos, seareiros e moradores. Os vilões pagavam ao senhor o censo e os servos a capitação. Ambos prestavam serviços obrigatórios, a corveia. Todos deviam-lhe as prestações e as banalidades. Tal regime de impostos sobreviveu em alguns países até mesmo após a Revolução Francesa (1789).

Os vilões não estavam pessoalmente presos à terra, como os servos que não podiam abandoná-la. Os seareiros e moradores não possuíam nenhuma terra que pudessem arar, e sobreviviam graças a expedientes avulsos. Alguns poucos escravos realizavam serviços domésticos e eram mantidos por ostentação, pois o sistema econômico vigente agricultura de subsistência dispensava-os.

Artífices Incorporados

Com a revalorização do comércio, as cidades voltaram a se expandir. A maior concentração urbana ocidental, até o final da Idade Média, foi Palermo, na Sicília, com 300.000 habitantes. Seguiam-se Paris (240.000), Veneza, Florença e Milão. Nenhuma outra atingiu 100.000 habitantes.

As cidades foram-se emancipando do feudo e adquirindo administração própria. As camadas dirigentes passaram a ser os comerciantes e artesãos, reunidos em corporações. Estas eram órgãos exclusivistas, que asseguravam a seus membros o mono- pólio do comércio e das profissões na região. Regulavam o preço e a qualidade dos pro- dutos, punindo severamente os infratores.

As corporações de ofício eram dirigidas pelos mestres, que possuíam as oficinas e empregavam os diaristas e adestravam os aprendizes. Ao fim de algum tempo, os aprendizes tornavam-se diaristas, e esses por sua vez poderiam acumular algum dinheiro e abrir oficina própria. Entretanto, nos últimos decênios da Idade Média, essa ascensão tornou-se cada vez mais difícil, dada a obstinação dos mestres em preservar seu monopólio.

Na verdade, essas oficinas formavam uma indústria doméstica, pois diaristas e aprendizes, via de regra, residiam com a família do mestre, que presidia pequena comunidade. Como as cidades fossem cercadas por paliçadas que as defendiam, os terrenos interiores começaram a se valorizar, alcançando alto preço. Assim casas e oficinas passaram a ter, dois ou três andares. Uma camada privilegiada pôde viver exclusivamente das rendas imobiliárias.

Os Sinos de Deus

Cada ordem ou dignidade, cada grau ou profissão distinguia-se pelos trajes. Assim também o clero. Seus membros foram passando da primitiva vida ascética e estoica para uma posição semelhante à da nobreza.

Um som se erguia sempre acima dos ruídos da vida ativa: o ressoar dos sinos. Em certas ocasiões – conclusão de um tratado, eleição de um papa – o dobrar dos sinos era ouvido durante o dia inteiro, e mesmo à noite. As igrejas eram repletas de mendigos que exibiam suas misérias e deformidades. As procissões, onde havia sempre muitas crianças, eram frequentes. Muitas vezes duravam dias e semanas, ininterruptamente. Em 1412, organizou-se em Paris uma procissão integrada por diferentes ordens e corporações, que perdurou desde maio até julho, a implorar pela vitória do rei, que havia partido para a guerra. Todos marchavam descalços, e a maioria em jejum.

A Ralé Urbana

Em algum tempo, as cidades passaram a abrigar uma população muito maior que seu potencial de emprego. Na fuga à servidão dos campos, surge a grande massa urbana dos desocupados: malfeitores, ladrões, mendigos. O superpovoamento era tamanho, que por vezes dezesseis pessoas abrigavam-se num só cômodo.

Ademais, as cidades medievais cresceram rapidamente e teria sido quase impossível dotá-las de padrões razoáveis de higiene e conforto, mesmo se as autoridades se preocupassem com isso, o que não ocorria. As ruas eram estreitas e tortuosas, e nesse espaço limitado meninos e rapazes entregavam-se a brincadeiras violentas, que causavam muitos protestos dos adultos e do clero.

Quase todas as cidades dependiam da água de poços ou rios, e eram comuns a febre tifoide e outras epidemias. Algumas possuíram esgotos, mas parece que nenhuma delas tomou providências no tocante à coleta de lixo. Em geral, as imundícies eram atiradas à rua para serem afinal levadas pelas chuvas ou consumidas pelos porcos e cachorros que por ali vagabundeavam.

Da mesma forma que nos campos, os bandos de salteadores trans- formavam qualquer excursão em perigosa aventura. As punições desses elementos eram atrozes e serviam de diversão pública. Certa feita, a cidade de Mons chegou a adquirir um salteador capturado, para ter a satisfação de vê-lo esquartejado numa festa popular.

O Teor Violento da Vida

A miséria, a estrutura social rígida que condenava cada homem a um destino hereditário, a insegurança do povo quanto ao futuro, a falta de defesa contra os poderosos e a penetração das ideias religiosas criaram o clima de violência e exaltação que caracteriza o período medieval.

Procissões, colunas de leprosos, cortejos de príncipes ataviados, execuções e prédicas de pregadores itinerantes, roubos e assaltos, eis as variações mais comuns do horizonte medieval.

Johan Huizinga, em seu livro O Declínio da Idade Média, assim se manifesta: “Será de surpreender que o povo considere o seu destino e o do mundo apenas como uma infinita sucessão de males? Mal governo, extorsões, cobiça e violência dos grandes. Guerras, assaltos, escassez, miséria e peste a isso, basicamente, se reduz a história da época aos olhos do povo. O sentimento geral de insegurança causado pelas guerras, pela ameaça dos malfeitores, pela falta de confiança na justiça, era ainda agravado pela obsessão da proximidade do fim do mundo, pelo medo do inferno, das bruxas e demônios. O pano de fundo de todos os modos de vida parecia negro. Por toda a parte, a injustiça reina.”

Fonte – Enciclopédia Conhecer, Abril S.A, Cultural e Industrial, São Paulo-SP, 1974 – Volume VII – páginas 1537 e 1539.

1994 – JORNAL DE NATAL: OS DIAS DE GLÓRIA DOS B-25 E DO BOOGIE-WOOGIE NO BRASIL – A REPORTAGEM DO JORNAL THE NEW YORK TIMES SOBRE NATAL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

1994 – JORNAL DE NATAL: OS DIAS DE GLÓRIA DOS B-25 E DO BOOGIE-WOOGIE NO BRASIL – A REPORTAGEM DO JORNAL THE NEW YORK TIMES SOBRE NATAL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Por James Brooke – 26 de abril de 1994 – Fonte – https://www.nytimes.com/1994/04/26/world/natal-journal-brazil-s-glory-days-of-b-25-s-and-boogie-woogie.html

Depois de esticar em vão a rede numa tarde quente, um pescador finalmente mergulhou no mar, frustrado. Ao emergir das águas turvas do rio Potengi, ele relatou uma captura grande demais para seu barco a remo: um bombardeiro bimotor B-25.

Patrick Muller, um mergulhador francês, confirmou isso após um dia de exploração subaquática. “É um B-25 americano, quase completamente intacto”, disse ele. “O avião ficou lá embaixo por 50 anos, e então esse pescador o prendeu na rede.”

Há meio século, esta cidade costeira no nordeste do Brasil seguia freneticamente o apelo do presidente Roosevelt durante a Segunda Guerra Mundial para se tornar um “Trampolim para a Vitória”. Hoje a base é uma sombra de sua antiga grandeza, mas o Brasil tenta aproveitar o 50º aniversário do Dia D para renovar o interesse pela sua interessante história.

A base aérea americana mais movimentada do mundo na primeira metade de 1944, as faixas gêmeas do campo de Parnamirim, em Natal, realizavam um pouso a cada três minutos, enquanto tropas e cargas eram transportadas através do Atlântico Sul para alimentar campanhas na Itália, África, Rússia, Birmânia, China e a iminente invasão da Normandia.

O ponto mais próximo da África nas Américas, esta cidade equatorial proporcionou um ponto de partida durante todo o ano para os aviões de alcance limitado da época. Uma rota alternativa para o norte, através da Terra Nova e da Groenlândia, que ficava inoperante durante semanas devido ao inverno rigoroso nessas regiões.

“Foi uma operação tremenda”, lembrou Abe Cohen, 75 anos, um veterano americano que agora mora no Rio de Janeiro, sobre seus dias como controlador de tráfego aéreo. “Tínhamos centenas de aviões e milhares de homens passando por lá todos os dias nos períodos de pico”.

Há meio século, esta movimentada cidade militar americana tinha quartéis e tendas suficientes para 6.600 soldados, um jornal semanal e um grande Post Exchange fornecido pela primeira fábrica de engarrafamento da Coca-Cola da América Latina.

Hoje a base é centro de treinamento de pilotos da Força Aérea Brasileira. Numa tarde recente, um visitante do antigo teatro ao ar livre da USO assustou andorinhas que faziam ninhos entre as luzes do palco que outrora iluminavam espetáculos de Clark Gable e Humphrey Bogart. Mangas caídas cobriam a grama ao redor de uma capela no estilo da Nova Inglaterra, construída em 1943, com um farol de alerta de aeronave no topo do campanário. O único jipe ​​avistado na base foi um buggy que transportava aviadores brasileiros para um fim de semana na praia.

No início da década de 1940, num esforço finalmente bem-sucedido para conquistar o Brasil para o lado Aliado, os Estados Unidos construíram aeródromos e a primeira siderúrgica do Brasil. Uma geração de amizades militares aqui forjadas permitiu uma estreita aliança entre o Brasil e os Estados Unidos.

Hoje o Brasil está tentando ressuscitar a aliança da Segunda Guerra Mundial em nome do nexo internacional moderno da região: o turismo.

No ano passado, pela primeira vez desde o encerramento do sistema de transporte aéreo da Segunda Guerra Mundial, Natal inaugurou o seu primeiro voo internacional regular – para Roma. As autoridades desta cidade de 650 mil habitantes esperam atrair os americanos, tirando a poeira da ligação quase esquecida durante a guerra.

Ainda este ano, será inaugurado um Museu Histórico da Aviação da Segunda Guerra Mundial, com base em equipamentos deixados pelos americanos, incluindo um B-23 e um B-25. Também será exibido um jipe ​​usado pelo presidente Roosevelt e pelo presidente Getúlio Vargas do Brasil, quando se conheceram em Natal em 1943.

As fotografias irão capturar algumas das figuras da década de 1940 que por aqui passaram: Eleanor Roosevelt, Madame Chiang Kai-shek, Antoine de Saint-Exupéry, Harry Hopkins, Charles Lindbergh, Jack Benny, Ernie Pyle e Tyrone Power.

O elenco de espiões do Eixo que transformou Natal em uma Casablanca brasileira será menos visível – a freira alemã que rotineiramente passou por guardas nas docas e os obscuros fascistas brasileiros que sempre pareciam passar com suas motocicletas pelo porto quando os transportes de tropas ancoravam.

“A polícia local foi duramente criticada pela forma negligente como tratou os supostos agentes do Eixo”, escreveu Clyde Smith Jr., um professor americano que mora aqui e que no ano passado lançou um livro sobre a história da base em português.

Para os brasileiros com idade suficiente para se lembrarem da presença americana, as lembranças desagradáveis ​​de exercícios antiaéreos e abrigos antiaéreos deram lugar, em grande parte, a imagens mais felizes de soldados derrubando Cuba Libres no Wonder Bar.

“Aprendi a dançar swing”, lembra Maria Lúcia da Costa, hoje bisavó, enquanto servia bolo caseiro a uma visitante americana. “O boogie-woogie foi ótimo. As festas americanas tinham de tudo”.

Seu marido, Fernando Hippolyto da Costa, coronel aposentado da Força Aérea Brasileira, entrou na conversa com uma lista de contribuições americanas à cultura local: “Óculos de sol Rayban, cigarros americanos, cerveja em lata, cabelos oleados e uso de shorts”.

Protasio Pinheiro de Melo, que ensinava português na base, escreveu recentemente um livro sobre “Contribuições norte-americanas para a vida do Rio Grande do Norte”. Relaxando em sua varanda à sombra de palmeiras, ele listou sua lista: “Beijar garotas em público, beber em garrafas, dançar jitterbug, chamar todo mundo de ‘meu amigo’ e usar roupas esportivas”.

“Quando os americanos chegaram aqui, encontraram uma cidade pequena com muitos preconceitos”, disse de Melo sobre Natal, que há 50 anos tinha uma população de 40 mil habitantes. “As meninas não podiam ir a festas sem acompanhantes. Tínhamos que usar paletó e gravata no cinema.”

Apontando para uma foto sua vestindo solenemente paletó, gravata e chapéu em um jogo de vôlei de soldados em 1943, Melo acrescentou rindo: “Devo ter 80 gravatas no armário que nunca mais usei”.

Uma versão deste artigo aparece impressa em 26 de abril de 1994, Seção A, página 4 da edição Nacional com a manchete: “Dias de Glória dos B-25’s e Boogie-Woogie do Brasil” 

NATAL JOURNAL: BRAZIL’S GLORY DAYS OF B-25’S AND BOOGIE-WOOGIE

By James Brooke – The New York Times – See the article in its original context from – April 26, 1994, Section A, Page 4

After straining in vain against his net one hot afternoon, a fisherman here finally dove overboard out of frustration. When he emerged from the murky waters of the Potengi River, he reported a catch too big for his rowboat: a twin-engine B-25 bomber.

Patrick Muller, a French scuba diver, confirmed it after a day of underwater exploration. “It’s an American B-25 all right, almost completely intact,” he said. “The plane was down there for 50 years, and then this guy snags it in his net.”

Half a century ago, this coastal city on Brazil’s northeastern bulge was frenetically following the World War II call by President Roosevelt to become a “Trampoline for Victory.” Today the base is a shadow of its former grandeur, but Brazil is trying to take advantage of the 50th anniversary of D-Day to renew interest in its history.

The busiest American air base in the world in the first half of 1944, the twin strips of Parnamirim field at Natal handled a landing every three minutes as troops and cargo were ferried across the South Atlantic to feed campaigns in Italy, Africa, Russia, Burma and China and the looming invasion of Normandy.

The closest point in the Americas to Africa, this equatorial city provided a year-round jumping-off point for the limited-range planes of the era. A alternate northern route, through Newfoundland and Greenland, was blocked for weeks at a time by winter weather.

“It was tremendous operation,” Abe Cohen, 75, an American veteran now living in Rio de Janeiro, recalled of his days as an air-traffic controller. “We had hundreds of planes and thousands of men going through there every day in peak periods.”

Half a century ago, this bustling American military city had enough barracks and tents for 6,600 soldiers, a weekly newspaper, and a big Post Exchange supplied by Latin America’s first Coca-Cola bottling plant.

Today the base is a pilot training center for the Brazilian Air Force. On a recent afternoon, a visitor to the old U.S.O. open-air theater startled swallows nesting among stage lights that once illuminated shows by Clark Gable and Humphrey Bogart. Fallen mangoes littered the grass around a New England-style chapel, built in 1943 with an aircraft warning beacon atop its steeple. The only jeep to be seen on the base was a dune buggy carrying Brazilian airmen for a weekend at the beach.

In the early 1940’s, in an ultimately successful effort to win Brazil over to the Allied side, the United States built airfields and Brazil’s first steel plant. A generation of military friendships forged here allowed for a close alliance between Brazil and the United States.

Today Brazil is trying to resurrect the World War II alliance in the name of the region’s modern international nexus: tourism.

Last year, for the first time since the World War II air ferry shut down, Natal inaugurated its first scheduled international flight — to Rome. Officials in this city of 650,000 people hope to attract Americans by dusting off the almost forgotten wartime link.

Later this year a Historical Museum of World War II Aviation is to open, drawing on equipment left behind by the Americans, including a B-23 and a B-25. A jeep used by President Roosevelt and President Getulio Vargas of Brazil when they met in Natal in 1943 will also be displayed.

Photographs will capture some of the 1940’s figures who passed through here: Eleanor Roosevelt, Madame Chiang Kai-shek, Antoine de Saint-Exupery, Harry Hopkins, Charles Lindbergh, Jack Benny, Ernie Pyle and Tyrone Power.

The cast of Axis spies who turned Natal into a Brazilian Casablanca will be less visible — the German nun who routinely talked her way past guards at the docks and shadowy Brazilian fascists who always seemed to cruise their motorbikes past the port when troop transports dropped anchor.

“The local police were sharply criticized for the negligent way they treated suspected Axis agents,” Clyde Smith Jr., an American professor who lives here, wrote last year in his Portuguese-language history of the base.

For Brazilians old enough to remember the American presence, unpleasant memories of air-raid drills and bomb shelters have largely given way to happier images of G.I.’s knocking down Cuba libres at the Wonder Bar.

“I learned to dance the swing,” Maria Lucia da Costa, now a great-grandmother, recalled as she served homemade cake to an American visitor. “The boogie-woogie was great. The American parties had everything.”

Her husband, Fernando Hippolyto da Costa, a retired Brazilian Air Force colonel, chimed in with a list of American contributions to local culture: “Rayban sunglasses, American cigarettes, canned beer, greased hair, and wearing shorts.”

Protasio Pinheiro de Melo, who taught Portuguese at the base, recently wrote a book on “North American contributions to Rio Grande do Norte life.” Relaxing on his palm-shaded veranda, he ran down his list: “Kissing girls in public, drinking out of bottles, dancing the jitterbug, calling everyone ‘my friend,’ and wearing sport clothes.”

“When the Americans came here, they found a small town with a lot of prejudices,” Mr. de Melo said of Natal, which 50 years ago had a population of 40,000. “Girls couldn’t go to parties without chaperones. We had to wear coats and ties at the cinemas.”

Pointing to a picture of himself solemnly wearing a coat, tie and hat to a G.I. volleyball game in 1943, Mr. de Melo added with a laugh, “I must have 80 ties in the closet that I never wore again.”

A version of this article appears in print on April 26, 1994, Section A, Page 4 of the National edition with the headline: Natal Journal; Brazil’s Glory Days of B-25’s and Boogie-Woogie.

DIA D – O MAIS LONGO DOS DIAS

Agosto de 1942. Um homem governa a Europa. De Berlim, ele controla um império que além da Alemanha inclui a Áustria, Tchecoslováquia, Polónia, Dinamarca, Noruega, Luxemburgo, Holanda, Bélgica, França, Lituânia, Letônia, Estônia, Hungria, Roménia, Bulgária, Iugoslávia, Albânia, Grécia, várias ilhas mediterrâneas, quase toda a costa setentrional da África e 2.000.000 de km² da antiga União Soviética.

A Itália de Mussolini é sua aliada. A Espanha de Francisco Franco e Portugal de Antônio de Oliveira Salazar, são seus simpatizantes. Na Europa só restam neutras a Suécia, a Suíça e a Turquia. A Europa está nas mãos de Adolf Hitler.

No entanto, a expansão do nazismo havia atingido seu ponto crítico. Do outro lado do Mediterrâneo, na África, os contra-ataques dos exércitos britânicos haviam detido o avanço dos alemães. A leste, o Terceiro Reich encontrara um obstáculo intransponível: a cidade russa de Stalingrado.

Lentamente, mudavam os ventos da fortuna.

Mulheres atuando na artilharia anti aerea na Inglaterra – Fonte – Office official photographer

Em fevereiro de 1943, as tropas alemãs que assediavam Stalingrado (atual Volgogrado) rendiam-se ao marechal russo Zhukov. Em maio, o famoso general alemão Rommel era definitivamente derrotado na África, e em julho o general americano Mark Clark conduzia as forças americanas e aliadas, invadindo a Itália. Não obstante, o avanço soviético a leste e anglo-americano ao sul era penoso. Embora os aliados mantivessem a hegemonia no Atlântico e aumentassem sistematicamente sua vantagem aérea, em terra o poderio alemão parecia invencível, apesar de algumas derrotas.

Praias na França semanas antes do Dia D – Fonte – Bundesarchiv_Bild_101I-719-0240-05,_Pas_de_Calais,_Atlantikwall,_Panzersperren

Através do canal da Mancha, o exército alemão de ocupação na França e as tropas aliadas acantonadas na Inglaterra entreolhavam-se ferozmente. Mas a guerra poderia arrastar-se sem fim, a menos que fosse aberta uma terceira frente que levasse diretamente ao coração da Alemanha. O caminho para lá atravessava a França. Era preciso invadi-la partindo da Inglaterra.

O Afiar das Garras

Em maio de 1944, é a invasão. Concentram-se na Inglaterra dezessete divisões britânicas e vinte divisões americanas. Havia ainda tropas remanescentes que escaparam dos territórios ocupados: uma divisão polonesa, sob o comando do General Sikorski, e outra francesa, sob a liderança de um homem muito alto, cujo nome estava popularizando-se rapidamente: Charles de Gaulle, que nos anos anteriores organizara um governo livre na Argélia.

Bombardeio quadrimotor norte americano B-24, do 376th Bombardment Group.

Os aliados contavam com 16 mil aviões, dos quais 3.467 bombardeiros pesados e 5.407 caças. Mais de 6 mil navios de todo tipo esperavam ao largo da costa o dia do desembarque. Ao todo, quase três milhões de homens prontos para o combate. (ATENÇÃO – Um dos pilotos da Real Força Aérea Inglesa, que inclusive morreu em combate no Dia D, nasceu em Recife, Pernambuco e pilotava um caça Mustang P-51 – VEJA EM – https://tokdehistoria.com.br/2022/11/04/exclusivo-quem-foi-o-brasileiro-que-morreu-no-dia-d-pilotando-um-caca-mustang/ )

Sir Leigh Mallory, comandante-chefe da força aérea, ordenava incursões diárias sobre o território ocupado, despejando milhares de toneladas de bombas. Os clandestinos maquis da Resistência Francesa intensificavam seus ataques contra as linhas de comunicação e suprimento inimigas.

Os alemães também estavam prontos. Conheciam os preparativos maciços que se faziam na Inglaterra e ignoravam somente o ponto exato da invasão. Hitler jactava-se da “Muralha Atlântica”, descrevendo-a como “um cinturão de fortalezas e gigantescas fortificações, desde a Noruega aos Pireneus”.

Típico oficial alemão durante a Segunda Guerra Mundial.

No entanto, havia pontos fracos na defesa germânica. A “Muralha Atlântica” era menos poderosa do que o próprio Hitler acreditava. As comunicações alemãs, sob contínua pressão de bombardeiros e ações de sabotagem, começavam a se tornar deficientes. A Luftwaffe (força aérea alemã) tornava-se impotente para, ao mesmo tempo, bombardear os territórios aliados e defender as áreas ocupadas.

Na verdade, os alemães contavam com duas armas: nas praias os canhões camuflados com as cercas de arame farpado da “Muralha Atlântica” e 60 divisões de exército distribuídas pela Europa ocidental. O problema que se apresentava aos estrategistas do Eixo era a tática a adotada. Hitler e Rommel confiavam nas fortificações costeiras e pretendiam destruir os invasores nas praias atacadas. O Marechal von Rundstedt, comandante do exército, preferia confiar em seus soldados. Seu plano era permitir o desembarque e depois proceder a um contra-ataque organizado.

O grosso das tropas, equipamentosa e armamentos seguiu a bordo de centenas de navios de transporte.

A controvérsia era importante. O projeto de Hitler pressupunha uma superioridade de fogo alemã em qualquer ponto que os aliados atacassem. Nas praias seria jogado o sucesso ou fracasso da invasão. Se as forças anglo-americanas conquistassem as praias, a Alemanha se veria obrigada a recair na defensiva. O plano de Rundstedt era mais cauteloso e se baseava na superior mobilidade das tropas alemãs. Sua ideia era proceder a uma ação de retardamento, permitindo o desembarque enquanto concentrava forças para contra golpear. Esse plano tinha duas vantagens: afastaria o combate principal das praias, eliminando o fator surpresa e impediria que as linhas fossem rompidas ao primeiro impacto do ataque. Mas prevaleceu, naturalmente, o plano de Hitler. Entretanto nenhum dos planos tomou em consideração um problema sério e básico: o apoio da população local aos aliados.

Hora, Dia e Lugar

Os soldados de infantaria dos Estados Unidos atravessam as ondas ao desembarcarem na Normandia, no Dia D. (Foto AP)

O lugar aparentemente mais lógico para a realização da invasão era o passo de Calais, onde o mar se estreita e poucos quilômetros separam Calais, na França, de Dover, na Inglaterra. De fato, na região acotovelavam-se milhares de soldados e grandes quantidades de armas e equipamentos. Os observadores alemães davam conta de grande movimentação de tropas. Parecia certo que a qualquer momento os aliados atacariam Calais.

No entanto, tudo era falso. Os aviões e tanques que os espias alemães viam concentrar-se eram de madeira, borracha e papelão. A atividade das tropas era feita de maneira a fazer supor que seu efetivo era muitas vezes superior à realidade. O local do ataque não era Calais, mas as costas da Normandia, mais ao sul.

Rotas de desembarque no Dia D na Normandia – Fonte – Wikipedia

O objetivo eram cinco praias na baía do Rio Sena, que receberam nome em código: Utah e Omaha a oeste, cuja captura estaria a cargo do I Exército americano, chefiado pelo general Omar Bradley. Gold, June e Sword, a leste, seriam alvos das tropas anglo-canadenses do II Exército britânico. Na França o comando geral pertenceria ao general inglês Bernard Law Montgomery. O comandante em chefe de toda a operação era o então general Dwight D. Eisenhower.

O dia marcado precisava ser suficientemente claro para permitir o lançamento de para quedistas durante a noite e facilitar as missões de apoio aéreo. Também era necessário que a maré fosse baixa, para evitar os obstáculos colocados à beira-mar, e que o oceano estivesse tranquilo, para os navios de assalto efetuarem a travessia sem contratempos. Escolheu-se 5 de junho. E a notícia foi transmitida em código à Resistência Francesa, para preparar o auxílio em terra.

Navios de desembarque descarregando tanques e suprimentos na Praia de Omaha na Normandia- Fonte – Wikipedia

Operação Overlord

O dia 5 de junho chegou e passou. Nada aconteceu. O mau tempo fizera com que que a data fosse transferida. A Eisenhower cabia uma importante decisão: o tempo não melhoraria antes de 7 de junho, quando terminaria a fase das marés favoráveis. Condições ideais só existiriam meses depois. Competia-lhe adiar a invasão por tempo indeterminado ou arriscar-se a atacar sob condições atmosféricas desfavoráveis. A decisão era: atacar.

À zero hora de 6 de junho, a Real Força Aérea britânica começou a despejar 6.000 toneladas de bombas sobre objetivos militares entre Cherburgo e Le Havre. Começara a Operação Overlord. Chegara o Dia D.

Tanques M4 Sherman do Exército dos Estados Unidos em uma embarcação de desembarque (LCT), pronto para a invasão da França, final de maio ou início de junho de 1944 – Fonte – Wikipedia

À 01h30, os paraquedistas ingleses da 6.ª Divisão eram lançados sobre Breville. Sua missão era capturar o local e proteger os movimentos da ala esquerda britânica em Sword. Ao mesmo tempo, os homens da 82ª e 101ª divisões aerotransportadas dos Estados Unidos saltavam à retaguarda da praia de Utah, no rumo da localidade de Sainte-Mère-Eglise. Deveriam estabelecer uma cabeça de ponte e aguardar a chegada do 7º Corpo do Exército, que desembarcaria em Utah e desviaria para oeste, a fim de isolar a península de Cotentin. Os aliados precisavam de um porto, e o escolhido foi o de Cherburgo. Essa ação destinava-se a tomá-lo.

Ao alvorecer, os bombardeiros americanos atiraram mais de 3.000 toneladas de bombas sobre as defesas da costa. Às 06h30, com a cobertura cerrada da artilharia naval, começava a invasão.

Poderio aéreo aliado era enorme durante o Dia D – Fonte – NARA.

Na Normandia, o VII Exército alemão, com quinze divisões, foi colhido de surpresa. Confiando no mau tempo, o Comandante Dollman se ausentara, assim, como seu superior, Rommel. Rundstedt, ante a gravidade da situação, pediu imediatamente permissão ao Quarte General para colocar em combate as reservas mecanizadas.

A 352ª Divisão alemã conseguiu criar muitos problemas para os americanos em Omaha, infligindo pesadas perdas. A direita inglesa também foi paralisada. Mas, em Utah, as tropas dos Estados Unidos penetraram nove quilômetros, conectando com as forças da 101ª Divisão Aerotransportada. Do outro lado, em Juno, os canadenses avançavam onze quilômetros. E, na esquerda, Breville e Ouistreham eram capturadas pelos ingleses.

Praia Gold – Fonte – Wikipedia

O único contra-ataque violento sobre os ingleses foi desferido pela 21ª Divisão Panzer durante a tarde, pois só às 15h30 o Quartel General alemão resolvera permitir a Rundstedt que lançasse mão das reservas blindadas. No entanto, era muito tarde para impedir o desembarque. Correndo o risco de se verem isolados, os defensores da costa foram forçados a retroceder.

Ao cair da noite, os aliados haviam rompido a “Muralha Atlântica” entre os rios Vire e Orne, estabelecendo uma frente de 48 quilômetros. Terminara o Dia D.

O Terceiro Reich: Princípio do Fim

Prisioneiros de guerra alemães em 19 de agosto de 1944 às 14h00. Eles renderam-se ao grupo de batalha da 4ª Divisão Blindada Canadense – Fonte -http://archives.cbc.ca/war_conflict/second_world_war/clips/1303/ Aujourd’hui: http://www.flickr.com/photos/mlq/4431414623/

Os dias posteriores foram dramáticos. Rundstedt lançava contragolpes desesperados em toda a frente. Enquanto isso, o XVº Exército alemão, com dezessete divisões, permanecia inútil em Calais, aguardando uma invasão que jamais viria. Em 13 de junho, os aliados já haviam desembarcado 326 mil homens, 54 mil veículos e 104 mil toneladas de provisões.

Com incontestável supremacia aeronaval, os aliados firmavam suas cabeças de praia e iniciavam o avanço para o interior. A 19 de junho, uma tempestade causou-lhes sério revés, destruindo o porto artificial americano em Saint-Laurent-sur-Mer e avariando seriamente o dos ingleses em Arromanches. Mas, a 27 de junho, Cherburgo rendia-se e os aliados conquistavam um porto definitivo.

Soldados canadenses com uma bandeira nazista capturada – Wikipedia

Depois disso, a ofensiva foi lenta, mas inexorável. Os soviéticos avançavam a leste. E Hitler conhecia o terrível significado da guerra em todas as frentes. O rumo dos aliados era Paris, mas não puderam tomá-la. Essa glória coube à infatigável Resistência Francesa, que organizou um levante popular a 25 de agosto. No mesmo mês há um novo desembarque aliado, desta vez ao sul da França. A Alemanha recua em todas as frentes. Em novembro, o persistente von Rundstedt engendra um contra-ataque nas Ardenas, para chegar à Bélgica e cortar as linhas de comunicação aliadas. Mas o ataque fracassa e o Terceiro Reich agoniza. As forças aliadas atravessavam as fronteiras do mundo concentracionário nazista, para varrê-lo do mapa e da história.

Cemitério militar canadense de Beny-sur-Mer – Fonte – Wikipedia.

Fonte – Enciclopédia Conhecer, Abril S.A, Cultural e Industrial, São Paulo-SP, 1974 – Volume VII – páginas 1558 e 1559.

BBC NEWS – SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: QUANDO 600 AVIÕES DOS ESTADOS UNIDOS CAÍRAM NO HIMALAIA

(DETALHE – MUITOS DESSES AVIÕES ACIDENTADOS ESTIVERAM EM NATAL)

Autor – Soutik Biswas – Correspondente da Índia*

Fonte – https://www.bbc.com/news/world-asia-india-67633928

Um Museu Recém-inaugurado na Índia Abriga os Restos de Aviões Americanos Que Caíram no Himalaia Durante a Segunda Guerra Mundial. Soutik Biswas, da BBC, Relata Uma Operação Aérea Audaciosamente Arriscada Que Ocorreu Quando a Guerra Global Chegou à Índia.

Metralhadoras, pedaços de destroços de aeronaves, uma câmera: alguns dos artefatos recuperados no museu recém-inaugurado – Fonte – BBC NEWS.

Desde 2009, equipes indianas e norte-americanas vasculham as montanhas do estado de Arunachal Pradesh, no nordeste da Índia, em busca de destroços e restos mortais de tripulações perdidas de centenas de aviões que caíram aqui há mais de 80 anos.

Estima-se que cerca de 600 aviões de transporte americanos tenham se perdido na região remota, matando pelo menos 1.500 aviadores e passageiros durante uma notável e muitas vezes esquecida operação militar da Segunda Guerra Mundial na Índia, que durou 42 meses. Entre as vítimas estavam pilotos, operadores de rádio e soldados americanos e chineses.

Destroços de muitos aviões foram encontrados nas montanhas nos últimos anos – Fonte – BBC NEWS.

A operação sustentou uma rota de transporte aéreo vital dos estados indianos de Assam e Bengala, para apoiar as forças chinesas em Kunming e Chunking (agora chamada Chongqing).

A guerra entre as potências do Eixo (Alemanha, Itália, Japão) e os Aliados (França, Grã-Bretanha, Estados Unidos, União Soviética, China, Brasil e outros) atingiu a parte nordeste da Índia governada pelos britânicos. O corredor aéreo tornou-se uma tábua de salvação após o avanço japonês para as fronteiras da Índia, que efetivamente fechou a rota terrestre para a China através do norte de Mianmar (então conhecida como Birmânia).

Um típico aeroporto na rota dos aviões americanos – Fonte – Tok de História.

A operação militar dos Estados Unidos, iniciada em abril de 1942, transportou com sucesso 650.000 toneladas de suprimentos de guerra através da rota – um feito que reforçou significativamente a vitória dos Aliados.

Os pilotos apelidaram a perigosa rota de voo de The Hump (O Salto), uma homenagem às alturas traiçoeiras do leste do Himalaia, principalmente na atual Arunachal Pradesh, que eles tiveram que navegar.

Um bimotor de trnsporte Douglas CD-47 voa próximo a montanhas – Fonte – Tok de História.

Ao longo dos últimos quatorze anos, equipes indo-americanas compostas por montanhistas, estudantes, médicos, arqueólogos forenses e especialistas em resgate percorreram densas selvas tropicais e escalaram altitudes que atingiram 15.000 pés (4.572 m) em Arunachal Pradesh, na fronteira com Myanmar e China. Eles incluíram membros da Agência de Contabilidade de Defesa POW / MIA (POW – Prisioners Of War – Prisioneiros De Guerra / MIS – Missing In Action – Desaparecido Em Ação) dos Estados Unidos, cuja sigla é DPAA, a agência dos Estados Unidos que lida com soldados desaparecidos em combate.

Avião de transporte C-87 Liberator Express no aeroporto de Parnamirim, Natal, Brasil, como parte da rota em direção a África, Oriente Médio, India e China – Fonte – Foto de Ivan Dmitri/Michael Ochs Archives/Getty Images.

Com a ajuda de tribos locais, as suas expedições de um mês chegaram aos locais dos acidentes, localizando pelo menos vinte aviões e os restos mortais de vários aviadores desaparecidos em combate.

É um trabalho desafiador – uma caminhada de seis dias, precedida por uma viagem rodoviária de dois dias, levou à descoberta de um único local de acidente. Uma missão ficou presa nas montanhas por três semanas depois de ser atingida por uma terrível tempestade de neve.

Um bimotor de trnsporte Curttis C-46 Commando sobre o belo Taj Mahal, India – Fonte – Tok de História.

“Das planícies aluviais às montanhas, é um terreno desafiador. O clima pode ser um problema e normalmente só temos o final do outono e o início do inverno para trabalhar”, diz William Belcher, antropólogo forense envolvido nas expedições.

Abundam as descobertas: tanques de oxigênio, metralhadoras, seções de fuselagem. Crânios, ossos, sapatos e relógios foram encontrados nos escombros e amostras de DNA coletadas para identificar os mortos. A pulseira com a rubrica de um aviador desaparecido, uma relíquia comovente, trocou de mãos com um aldeão que a recuperou nos destroços. Alguns locais de acidentes foram vasculhados pelos moradores locais ao longo dos anos e o alumínio permanece vendido como sucata.

Fotografia de militar norte-americano que utiliza no ombro o símbolo do CBI – China Burma India Theatre, a designação militar dos Estados Unidos para as áreas de operações aéreas na China, Sudeste Asiático ou o setor entre a índia e a Birmânia (atual Myanmar), durante a Segunda Guerra Mundial.

Estes e outros artefatos e narrativas relacionadas com estes aviões condenados têm agora um lugar no recém-inaugurado The Hump Museum em Pasighat, uma pitoresca cidade em Arunachal Pradesh, situada no sopé do Himalaia.

O Embaixador dos Estados Unidos na Índia, Eric Garcetti, inaugurou a coleção em 29 de novembro, dizendo: “Este não é apenas um presente para Arunachal Pradesh ou para as famílias afetadas, mas um presente para a Índia e o mundo.” Oken Tayeng, diretor do museu, acrescentou: “Este é também um reconhecimento de todos os habitantes de Arunachal Pradesh que foram e ainda são parte integrante desta missão de respeitar a memória dos outros”.

Douglas C-47 acidentado em área de selva – Fonte – Tok de História.

O museu destaca claramente os perigos de voar nesta rota. Nas suas vívidas memórias da operação, o major-general William Turner, piloto da Força Aérea dos Estados Unidos, lembra-se de ter navegado com o seu avião de carga C-46 sobre aldeias em encostas íngremes, vales amplos, desfiladeiros profundos, riachos estreitos e rios castanhos escuros.

Os voos, muitas vezes realizados por pilotos jovens e recém-treinados, eram turbulentos. O clima em The Hump, de acordo com Turner, mudava “de minuto a minuto, de quilômetro a quilômetro”: uma das extremidades ficava nas selvas baixas e úmidas da Índia; o outro no planalto de quilômetros de altura do oeste da China.

C-46 sobre o Himalaia – Fonte – Tok de História.

Aviões de transporte fortemente carregados, apanhados por uma corrente descendente, podem descer rapidamente 5.000 pés e depois subir rapidamente a uma velocidade semelhante. Turner escreve sobre um avião que virou de costas depois de encontrar uma corrente descendente a 25.000 pés.

Tempestades de primavera, com ventos uivantes, granizo e granizo, representavam o maior desafio para controlar aviões com ferramentas de navegação rudimentares. Theodore White, jornalista da revista Life que voou a rota cinco vezes para uma reportagem, escreveu que o piloto de um avião que transportava soldados chineses sem paraquedas decidiu fazer uma aterragem forçada depois do seu avião ter congelado.

Um Consolidated B-24 Liberator – Fonte – Tok de História.

O copiloto e o operador de rádio conseguiram saltar e pousar em uma “grande árvore tropical e vagaram por 15 dias antes que nativos amigáveis ​​os encontrassem”. As comunidades locais em aldeias remotas muitas vezes resgataram e cuidaram dos sobreviventes feridos dos acidentes, recuperando-os. (Mais tarde soube-se que o avião pousou em segurança e nenhuma vida foi perdida.)

Não é de surpreender que o rádio estivesse cheio de pedidos de socorro. Os aviões foram lançados tão fora do curso que colidiram com montanhas que os pilotos nem sabiam que estavam a 80 quilômetros, lembrou Turner. Só uma tempestade derrubou nove aviões, matando 27 tripulantes e passageiros. “Nestas nuvens, ao longo de todo o percurso, a turbulência aumentaria com uma severidade maior do que alguma vez vi em qualquer parte do mundo, antes ou depois”, escreveu ele.

Tripulantes de um C-47 – Fonte – Tok de História.

Os pais dos aviadores desaparecidos tinham esperança de que os seus filhos ainda estivessem vivos. “Onde está meu filho? Eu adoraria que o mundo soubesse / Sua missão foi cumprida e deixou a terra abaixo? / Ele está lá em cima naquela bela terra, bebendo nas fontes, ou ele ainda é um andarilho nas selvas da Índia e montanhas?” perguntou Pearl Dunaway, mãe de um aviador desaparecido, Joseph Dunaway, em um poema de 1945.

Os aviadores desaparecidos agora são lendas. “Esses homens Hump lutam contra os japoneses, a selva, as montanhas e as monções o dia todo e a noite toda, todos os dias e todas as noites durante todo o ano. O único mundo que eles conhecem são os aviões. Eles nunca param de ouvi-los, pilotá-los, remendá-los, amaldiçoando-os. No entanto, eles nunca se cansam de ver os aviões partindo para a China”, contou White.

Um restaurante na Índia – Fonte – Tok de História.

A operação foi de fato um feito ousado de logística aérea após a guerra global que chegou à porta da Índia. “As colinas e o povo de Arunachal Pradesh foram atraídos para o drama, o heroísmo e as tragédias da Segunda Guerra Mundial pela operação Hump”, diz Tayeng. É uma história que poucos conhecem.

*Soutik é correspondente na Índia. Ele cobriu eleições no Afeganistão e no Sri Lanka, o tsunami na Índia e no Sri Lanka em 2005 e a militância na região indiana da Caxemira. Antes de ingressar na BBC, trabalhou em jornais e revistas indianos. Soutik também foi Reuters Fellow na Universidade de Oxford. Ele adora filmes, blues e jazz e acredita que Derek Trucks é o melhor e mais inovador guitarrista vivo.

UMA HISTÓRIA SOBRE PARNAMIRIM FIELD EM MUITOS IDIOMAS

No Próximo Dia 15 de Dezembro, às 18:00, Na Prefeitura de Parnamirim, Será Lançado o Livro “Parnamirim, Base Norte-Americana nos Trópicos – 1939-1945. Uma História Inclusiva”, de Valdivia S. Beauchamp, Sobre a Nossa Grande Base Aérea na Segunda Guerra Mundial. É Uma Obra Ficcional, Traduzida em Seis Idiomas e Lançada em Vários Países.

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Há pouco tempo eu soube através do meu amigo Manoel de Oliveira Cavalcanti Neto, grande pesquisador e escritor do período colonial potiguar, que em breve uma escritora nascida no Brasil, mas que há muitos anos vive nos Estados Unidos, viria para o Rio Grande do Norte lançar um livro intitulado “Parnamirim, Base Norte-Americana nos Trópicos – 1939-1945. Uma História Inclusiva”.

Capa da edição em portugues.

É um trabalho ficcional, que utiliza elementos históricos ligados ao período da Segunda Guerra Mundial no nosso estado e que esse livro foi lançado em português, francês, inglês, italiano, alemão e russo.

Novamente através da ajuda de Manoel Neto, que conhece a autora há muitos anos, consegui contactar e conversar com Valdivia Vania Siqueira Beauchamp. Uma brasileira, nascida em Recife, cujo ramo paterno é da cidade potiguar de Assu, o materno da capital pernambucana, que mora no exterior e reside na cidade de Nova York.

Capa da edição francesa.

Valdivia é uma mulher de uma biografia muito interessante. Formou-se em jornalismo em Brasília no início da década de 1980, onde se tornou correspondente para a Rede Manchete de Televisão e da Radiobrás, cobrindo o Congresso Nacional e embaixadas na Capital Federal. Depois, nos Estados Unidos fez Pós-graduação na Purdue University, foi professora assistente de português e espanhol nessa universidade e na New York University. Em sua carreira chegou a entrevistar personagens políticos internacionais como Jimmy Carter, Presidente dos Estados Unidos, Valery Giscard d”Estaing, da França e Helmut Kohl, chanceler da Alemanha, além de vários políticos brasileiros. Foi coordenadora cultural da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, a Casa Thomas Jefferson de Brasília.

Capa da edição italiana.

Se tornou escritora e é autora de cinco livros: “Stigma, saga por um novo mundo” (versão em português e inglês), “Because of Napoleon” (versões em francês, inglês e português), “Khatun, Gertrude Bell, mentor de Lawrence d’Arabie” (francês), “My Mesopotamia notes, of Gertrude Bell”, (inglês) e finalmente a ficção “Parnamirim, Base Norte-Americana nos Trópicos – 1939 -1945. Uma História Inclusiva”.

Segundo a sua biografia, que chegou à tela do meu computador através de um e-mail da própria autora, esse livro com uma história baseada na saga de Parnamirim Field foi agraciado com o Troféu Cora Coralina de 2018 como melhor livro de ficção e o Troféu Clarice Lispector de 2021, como melhor livro no exterior (edição alemã “Parnamirim, Nordamerikanische, Militarbasis in Den Tropen – 1939 -1945 – Einenumfassende Geschichte”). 

Capas das edições em russo e alemão.

Para a autora, embora seja uma obra ficcional, esse livro traz a importância de um local que chamamos “Trampolim da Vitória”, que devido a sua importância estratégica, tanto ajudou aos americanos e seus Aliados a utilizar os meios disponíveis contra os países totalitários que desejavam subjugar o mundo naquela época.

Para ela Parnamirim Field foi uma das três frentes de ação do Brasil na Segunda Guerra, sendo as outras a criação da FEB (Força Expedicionária Brasileira) e seu deslocamento para lutar na Itália contra os nazifascistas e o bravo combate naval brasileiro e norte-americano no Atlântico Sul, principalmente contra os submarinos alemães e italianos pela manutenção do tráfego marítimo em nossas costas.

Valdivia S. Beauchamp

Bem, agora os que gostam do tema ligado à história da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte e sobre a grande base de Parnamirim Field, terão uma oportunidade muito interessante e positiva de conhecer esse trabalho e a autora.

VOCÊS SABIAM QUE UM DIA O GRANDE ASTRO DE CINEMA HENRY FONDA ESTEVE EM NATAL?

Pois esse é o tema do nosso novo artigo nas paginas da mais nova Revista BZZZ, cuja editora é a competente jornalista Eliana Lima. Já nas bancas!

PROJETO “AQUI JÁ EXISTIU UM CINEMA” BUSCA RESGATAR A MEMÓRIA DOS CINEMAS DE RUA DE NATAL


Tádzio França – Repórter – Tribuna do Norte – Natal/RN – 5 de dezembro de 2023 – https://tribunadonorte.com.br/viver/projeto-aqui-ja-existiu-um-cinema-busca-resgatar-a-memoria-dos-cinemas-de-rua-de-natal/
 
A arquiteta Wire Lima se indignou com processo de abandono – FOTO: ALEX RÉGIS

Houve um tempo em que as ruas de Natal projetavam lazer, fantasia e cultura. Foi um longo período no qual os cinemas de rua reinaram na área urbana natalense – boa parte entre a Ribeira, Cidade Alta e bairros adjacentes. São espaços que tiveram seu auge na metade do século XX, e decadência no começo do XXI, tornando-se hoje só uma lembrança de gerações passadas. Para resgatar essa memória entre prédios abandonados ou alterados, jovens arquitetos e cineastas foram às ruas para tocar o projeto “Aqui já existiu um cinema”, ação que busca informação, resgate, e novas conexões.

Notícia da primeira apresentação cinematográffica em Natal, no dia 16 de abril de 1898. Ocorreu em um depósito de açúcar na Rua do Comércio, atual Rua Chile – Foto – Rostand Medeiros.

A primeira projeção cinematográfica em Natal foi realizada em abril de 1898, num depósito de açúcar na Rua do Comércio, futura Rua Chile, Ribeira. Mais de 100 anos depois, a arquiteta Wire Lima não chegou a viver essa experiência em um cinema de rua natalense. É algo que ela só ouve falar pelos avós, pais, e amigos mais velhos. “Meu primeiro contato com cinema de rua só aconteceu em 2020, em Belo Horizonte (MG). Foi muito marcante, e me fez sentir ainda mais falta disso em Natal”, diz.

Frequentadora do centro histórico, Wire já admirava o prédio onde funcionou o Cine Nordeste (de 1958 a 2003), na rua João Pessoa. Foi ele que inspirou seu TCC “Quando o cinema vai à rua, a rua vai ao cinema: projeto de reuso de edifício de valor patrimonial em cinema de rua e centro audiovisual”, que propunha um novo uso arquitetônico para o velho prédio, abandonado desde o fechamento da loja de departamentos que funcionava nele.

O Cinema Rio Grande foi um dos principais da capital potiguar – Foto: Arquivo TN

Para realizar seu projeto acadêmico, a estudante de arquitetura precisava de informações básicas sobre o prédio, como planta baixa, cortes ou imagens. No entanto, apesar do velho cinema ter sua fachada tombada pelo patrimônio histórico, a procura de Wire não foi das mais frutíferas. “Foi uma saga de seis meses passando pelo IPHAN, Fundação José Augusto, e todos os órgãos e secretarias possíveis, mas não havia nada sobre o prédio”, conta.

Wire tentou localizar o proprietário do prédio através de cartório, mas também não deu certo. Ela já tinha atrasado seu semestre em seis meses devido à procura, então desistiu do velho Cine Nordeste como objeto do seu TCC – mas não do desejo de resgatar as histórias cinematográficas do centro histórico. A desventura se tornou outro projeto, o “Aqui já existiu um cinema”.

O Cine Panorama, nas Rocas, está fechado, mas em bom estado – Foto: Arquivo TN

Lambes do passado

No começo de 2023, a arquiteta juntou forças com o estudante de audiovisual Anthony Rodrigues e outros colegas para sair às ruas e demarcar os territórios históricos da Cidade Alta e adjacências. “Eu fiquei indignada com o processo de abandono. O prédio está lá, é possível fazer algo com ele, mas nada acontece. O projeto foi uma forma de expôr essa situação pelo qual o centro passa, de uma forma acessível”, afirma.

O “Aqui já existiu um cinema” consiste na colagem de lambes (tipo de pôster) na parede de determinados prédios. O cartaz tem a foto antiga do local, alguns dados sobre seu funcionamento, e a frase que dá nome ao projeto. “O lambe é uma forma de intervenção urbana, efêmera, com papel, água e cola, que não danifica a construção. Juntamos aos cartazes falas, com textos informando e levantando questionamentos”, explica.

A repercussão das primeiras ações surpreendeu a arquiteta. “Pessoas mais velhas passavam por nós e diziam que já viram muito filme por ali, que adoravam frequentar aquele lugar. Isso deu muita força pra gente continuar nossas pesquisas pelo centro e além”, diz. Os lambes seguiram então para o Cine Rio Grande (atualmente, um templo evangélico), igrejas, e outros prédios.

Foto: Reprodução

O primeiro cinema antigo que Wire e Anthony conseguiram entrar foi o Cine Panorama, nas Rocas. “Foi impactante, porque ele está muito bem conservado. As poltronas do cinema estão intactas, todas originais. Também há uma escadaria belíssima”, lista. No Panorama, Wire conta que foi atendida por um senhor que trabalhou por lá desde que era cinema. Qualquer semelhança com “Retratos Fantasmas”, o elogiado filme documental de Kleber Mendonça Filho sobre os velhos cinemas de Recife, é mera coincidência – ou não.

O Panorama fechou no começo dos 2000, e durante anos foi uma igreja evangélica. Atualmente está com placa de ‘aluga-se’ na fachada. Wire continua pensando nas propostas de reuso que poderiam ser feitas nesses espaços. “Eles poderiam ter usos diversos, como ser espaço cultural para eventos, teatro, dança, e audiovisual, porque ser só cinema hoje em dia não é muito viável comercialmente. Mas há muitas possibilidades”.

Há também uma perspectiva sentimental nas ações do projeto, segundo Wire. Ela vê muitas diferenças entre a experiência do cinema de rua e a do shopping. “Na rua há mais sociabilidade, desde a fila para entrar até a saída. Quantos casais não se conheceram no cinema? Já no shopping, sinto algo mais árido e impessoal. Após a sessão somos jogados direto para o estacionamento. E tem o preço da entrada cada vez mais caro, o que torna o cinema cada vez mais elitista”, analisa.

Os cinemas de rua são hoje peças raras no Brasil e no mundo. “Os cinemas foram grandes pontos de encontro da cidade, o máximo da vida social urbana. O centro perde muito com a ausência desses lugares, que foram muito importantes para a construção do imaginário sobre a vida urbana antiga”, diz. A arquiteta ressalta que continuará as ações no mestrado, e planeja a produção de um documentário. Os registros estão no perfil @aquijaexistiucinema.

O Cinema Nordeste, no auge, reunindo um grande público para assistir aos filmes – Foto: Arquivo TN

Velhas telas

A velha anedota de que “Natal em cada esquina um jornal” poderia ser também para os cinemas. Pelo menos assim foi durante boa parte do século XX. Há estimativas que apontam cerca de 40 cinemas na capital potiguar. A maior parte das salas ficavam entre a Ribeira e Cidade Alta, entre outras no Alecrim, Quintas, Rocas, Tirol, Candelária, Lagoa Seca, Petrópolis, Lagoa Nova, e estrada de Ponta Negra.

Após a primeira projeção improvisada em 1898, as sessões retornaram em ambiente mais requintado no recém-inaugurado Teatro Carlos Gomes (futuro Alberto Maranhão), a partir de 1906. Mas o primeiro cinema de rua de Natal foi o Polytheama, inaugurado na Ribeira em dezembro de 1911. Em 1913 vieram o Phaté Cinema, na Tavares de Lira, e o Royal Cinema, o primeiro da Cidade Alta.

Propaganda publicada no jornal A República, edição de 8 de abril de 1931, quarta-feira, sobre a primeira apresentação de cinema falado em Natal. O Cine-Teatro São Pedro ficava na rua Amaro Barreto, Alecrim, havia sido inaugurado em 1930, sendo considerada o maior e mais confortável cinema do Rio Grande do Norte. Possuia 700 cadeiras e pertencia a empresa Medeiros & Cia., de Louro Medeiros – Foto – Rostand Medeiros.

A primeira sessão de cinema falado em Natal ocorreu em 1931, no Cineteatro São Pedro, rua Amaro Barreto, no Alecrim. Este tinha 700 lugares e era o maior de Natal até então. Mas a Cidade Alta voltaria à primazia cinematográfica com as aberturas do Cinema Rio Grande, em 1949, e Cine Nordeste, em 1958. Até os anos 90, os cinemas de rua tornaram a vida social e as calçadas mais animadas na capital potiguar. Até que os shoppings e seus multiplex mudaram esse cenário para sempre.

1944: THE REMEMBRANCES OF THE PBY CATALINA DISASTER, FROM VP-52, IN THE NORTHEASTERN BRAZIL

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Francisco Inácio was a middle-aged man who was well-known in the São Paulo do Potengi city region for being a dedicated and hardworking individual [1]. Known by as Chico Inácio, he was the owner of a tiny rural farm in the northeastern Brazilian state of Rio Grande do Norte. Fazendinha was the name of his land, which spanned just 50 hectares. This tiny plot of land lay next to the small hamlet of Lagoa dos Paus and bordered the vast and influential estate known as Lagoa Nova, which belonged to Juvenal Lamartine de Faria, the previous governor of Rio Grande do Norte. Lagoa Nova was a property spanning over 11,000 hectares.

Originally published in the book Sobrevoo – Episodes of the Second World War in Rio Grande do Norte, by Rostand Medeiros, Natal-RN: Editora Caravelas, 2019, pages. 283 to 305.

This little rural producer was going about his farm on Wednesday, May 10, 1944, going about his daily business of producing cattle and living off the land. Dressed in the typical leather costume of northeastern Brazilian cowboys, he rode his little horse around the meadow in search of straggling cattle. Because of the abundant rain that was falling on the area at the time—a genuine gift from heaven—he completed his assignment with a great sense of satisfaction and delight. A remarkable abundance following two years of extreme drought that destroyed the land and caused starvation in both humans and animals[2].

A Consolidated PBY-5 Catalina seaplane and most of the officers and subordinates of the VP-45 squadron, before their transfer to Belém do Pará. It was an aircraft similar to this one that crashed in the area of the old Lagoa Nova farm, municipality of Riachuelo, Rio Great North. Source: National Archives and Records Administration – NARA.

It was about two in the afternoon, and the sky was overcast and chilly. Without a doubt, the rancher believed that fresh rains would fall at night and that lightning would strike the sky. At that moment, he noticed a plane and heard the sound of engines. But, Mr. Chico Inácio noticed that the flying machine appeared to be having issues because it was leaking smoke and its engines were making an odd noise. This was in contrast to other airplanes that he had seen soaring through the skies there. Before long, he spotted the machine moving toward the earth.

It is almost certain that the cowboy Chico Inácio was dressed this way on the day of the accident. Source: National Archives.

The aircraft made a powerful impact on the earth at a location on Dr. Juvenal’s property that was not far from him. The cowboy stunned when a massive fireball and high-altitude black smoke emerged, designating the impact site. Chico Inácio gave his horse a quick spurt and rode off toward the tragedy site.

Chico Inácio witnessed something that would undoubtedly remain etched in his memory for the rest of his life, as others who knew him well recall his comprehensive description of the heartbreaking scene. A large hole had been made in the ground by the aerial equipment. All around him was utterly blackened and scorched. Travel bags had been opened by the impact, leaving bits of twisted metal and garments all over the place. The worst part, though, was not just the overpowering stench of charred flesh but also the occasional appearance of chunks of maimed and burned human remains. 

US Navy Catalina crash site. Photo: Aílton Freitas.

One tree had a headless person hanging from it, another just had the upper portion of the trunk exposed, and a leg was visible in a corner of still another. Sad to see. It’s possible that Chico Inácio secretly questioned the origin of that machine and the identity of those unfortunate God’s children who met their demise in such a horrible and brutal manner.

The seaplane crashed in a region where years later a dam was built, which is known to this day as “Airplane Dam”. Photo: Aílton Freitas.

From the Arctic to Belém

In order to respond to this issue, it is important to keep in mind that the Japanese started launching coordinated strikes throughout a large portion of Asia and the Pacific Ocean nearly three years prior, on December 7, 1941, following their attack on the Hawaiian Islands.

They quickly came to rule over Singapore, Malaysia, Hong Kong, the Philippines, Burma (now Myanmar), and other places. The Japanese gained a number of successes between December 1941 and June 1942, and they continued to lead the conflict until the pivotal air-naval combat of Midway. Japan suffered a significant loss in this battle, which took place between June 4 and June 7, as the US Navy sank four aircraft carriers.

However, the deployment of a Japanese naval force to the Aleutian Islands, Alaska, on June 3, is a little-known detail connected to this conflict.

A North American C-47 aircraft lands in Attu, Aleutian Islands, Alaska. Source: National Archives and Records Administration – NARA .

As the tops of a submerged volcanic mountain range, these icy, treeless islands rise from the Pacific Ocean like stony points in a gray universe, constituting a vast and strategically important archipelago that is a genuine extension of Alaska’s frozen territory into the Pacific. The Japanese invasion of this icy location was an attempt to split the US Pacific Fleet and draw in the American armed troops gathered around Midway Island. The islands of Attu and Kiska were taken by the Japanese, who also blasted the Dutch Harbour base and launched an offensive on the Aleutians. Nevertheless, the intended outcome of this Japanese diversionary tactic was not achieved.

On May 11, 1943, a mere eleven months later, US military personnel initiated an endeavor to retake Attu. The US Navy’s VP-45 aviation squadron was one of the forces supporting this assault. This was a combat force made up of six Consolidated PBY-5 Catalina seaplanes that had been constructed months earlier. After Attu was fully recaptured, VP-45 continued to operate in the area, mostly conducting maritime patrols, and acquired six additional PBY-5s straight from the Consolidated factory.

PBY-5 Catalina of VP-45 at Attu Air Base, Alaska. Source:National Archives and Records Administration –NARA .

Four Catalinas from this squadron departed Attu on July 10, 1943, and flew towards Japan. They conducted a night bombing raid on Paramushiru Island, the second largest island in the Kuril Islands archipelago, which is currently occupied by the Russians and lies north of Japanese metropolitan territory. According to some researchers in North America, this would make VP-45 the first US Navy squadron to strike Japanese island territory directly. However, there are questions about this mission because the bombs were dropped using radar at night, in overcast weather, and with unclear outcomes.

Shortly after New Year 1944, more precisely on 3 January, the squadron welcomed Captain Calder Atkinson as its new commander. He was a 29-year-old young man, born in the city of Wilmington, in the state of North Carolina, who studied at New Hanover High School and graduated in mechanical engineering in 1936 at the University of North Carolina (UNC), located in Chapel Hill.

PBY-5 Catalina in tropical zone. Source:National Archives and Records Administration –NARA.

Then, in March 1944, Commander Atkinson was given orders to depart the frigid Attu Island with his seaplanes and men, bound for the United States. After receiving a dozen brand-new PBY-5A Catalina seaplanes, they trained and flew over Florida waterways for a while. New orders announced on April 29, 1944, said that VP-45 had been moved to Belém, a hot and muggy city in the northern Brazilian state of Pará.

Nazi submarine activity in the South Atlantic and off the coast of Brazil had already decreased significantly at that point. The so-called “Happy Days” were over, when Allied freighters’ routes were beset by horror, death, and destruction as a result of the truly determined and daring combat efforts of German and Italian submersible crews. However, the US troops still had a job to complete and the conflict was still ongoing. Commander Atkinson sent the Catalinas of VP-45 to forward detachments in the Amapá region and the city of São Luiz, in the state of Maranhão, in addition to Belem, to better cover his anti-submarine patrol area. Under the direction of Fleet Air Wing 16 (FAW-16), an American military unit based in the city of Recife, state of Pernambuco, Atkinson carried out VP-52 air missions in northern Brazil. FAW-16 air operations were part of the U.S. Navy’s Fourth Fleet, which had jurisdiction over the South Atlantic and was under the command of Admiral Jonas Howard Ingram. Its main combat mission was to safeguard commerce and maritime traffic and the American military worked in partnership with the Brazilian military.

Calder Atkinson, commander of VP-45 in Brazil. Here in a photo before the start of World War II.

On May 10, at seven in the morning, eleven days after coming to Brazil, we will find Commander Calder Atkinson sitting in the cockpit of a PBY-5A, getting ready to take off from the Val de Cans airfield, headed toward Recife. Atkinson and his group had to report to FAW-16 commander Rossmore D. Lyon and acquire supplies to keep his squadron operating at optimal efficiency. Along with Commander Atkinson, there were nine other military officials on board, including two officers from the Marine Corps. It was merely an administrative flight. It appears that Lieutenant John Weaver Shoyer, a former insurance business executive from Wynnewood, Philadelphia, who enlisted in June 1942, served as his co-pilot.

Symbol of the VP-45 during World War II. Source: Unidentified local newspaper.

The aircraft continued to Fortaleza, capital of Ceará, without major interruptions after taking off as scheduled. Their last contact was made around one o’clock in the afternoon, at a location 10 miles west of that city. The pilot stated that at that time there was a lot of rain, a lot of clouds and constant winds.

Then the flying boat of Commander Calder Atkinson vanished.

Lieutenant John Weaver Shoyer’s enlistment record. Source: National Archives and Records Administration –NARA.

Three VP-45 Catalina, led by captains R. A. Evans, R. F. Watts, and J. D. Logan, took out from Belém early the other day and started aerial searches while according to the same flight plan that commander Atkinson had previously established. It flew daily, but the outcome was unfavorable. US Army Air Force aircraft took part in the search, but the outcome was as unsatisfactory.

Drawing of a PBY-5A, which belonged to VP-45, which in 1944 had its name changed to VPB-45 and still remained in Belém, Pará, Brazil.

The other day, the American military personnel of the VP-45 were aware that the remains of Commander Atkinson’s plane were located in a place approximately fifty miles west of the city of Natal, capital of the state of Rio Grande do Norte.

The Crew’s Bodies in Traditional Ox Cart

I got to know Ailton de Freitas Macedo in 2019 while he was the city of Riachuelo’s secretary of administration. Riachuelo is a small rural town located 45 miles west of Natal. With his assistance, I was able to learn about the locations surrounding this history and meet the people who look after his community’s memories. I met Mr. José Lourenço Filho, a former cowboy who was about ninety years old and never forgot what happened on May 10, 1944, in the afternoon. He was in the Lagoa Nova farm’s main house with his father.

Rostand Medeiros, José Lourenço and Aírton Freitas, Secretary of Administration of Riachuelo in 2019 and a great fighter for the history of his community – Photo: José Correia Torres Neto.

José Lourenço, as everyone knows him in the city of Riachuelo, he told me, very movingly, of the Catalina’s devastation on the Lagoa Nova farm, where his father, José Lourenço da Silva, worked as a loyal laborer for the owner, Juvenal Lamartine. It was your father who built the massive water dam that still stands there as well as the once grand main house on the property.

The once sumptuous Lagoa Nova farm had belonged to the doctor and former state representative José Calistrato Carrilho de Vasconcelos, as well as the neighboring property, called Quintururé. The two farms were purchased by Juvenal Lamartine after Dr. Calistrato passed away on October 22, 1930. He combined them under the name Lagoa Nova and made it one of the biggest estates in Rio Grande do Norte. Apart from its alleged 11,001 hectares, the Lagoa Nova farm featured six ponds, eighteen brick cottages, thirty-four mud houses, a two-story residence with a 24-meter pool, and rural laborers and their families. The locals worked with cattle and mostly processed cotton in a facility that included an 80 HP engine and a boiler. There was also a house where cassava flour was made[3].

Former headquarters of Lagoa Nova farm, which belonged to Mr. Juvenal Lamartine from Rio Grande do Norte. Photo: José Correia Torres Neto..

José Lourenço, who was fifteen years old on the day of the disaster, heard the sound of engines and glanced up at the sky, seeing what appeared to be a plane flying toward Natal. Although it was unusual for planes to fly over his area, the young guy quickly had the suspicion that this gadget was only likely to be utilized in naval battles. José Lourenço was unaware of the exact causes of the conflict, but he was aware that Brazil was up against the Nazis of under Adolf Hitler because they had sunk multiple Brazilian ships and killed numerous people. He was also aware that the Americans, who were the Brazilians’ friends, were investing a lot of money in the establishment of a sizable air base in Natal named Parnamirim Field. He even knew individuals who had worked on these structures, particularly in the aftermath of the 1942–1943 drought.

That’s when he saw the plane suddenly start to fall. Then he and everyone at the Lagoa Nova headquarters heard a muffled, distant noise, and then a black cloud rose on the horizon toward the small rural community of Riacho dos Paus. Young Lourenço and other people who were there were excited to go see where the accident occurred, but his father forbade them to go there. Obediently, José Lourenço carried out the order. When his father arrived on the scene, he was heartbroken to see that the bodies had been burned and torn apart[4].

Location of the Catalina fall, between the municipalities of Riachuelo and Bento Fernandes, approximately 80 km from Natal. Source: Cartography Division of the Brazilian Army.

In May 1944, the largest town near the site of the disaster was the current city of Riachuelo, then a village without administrative autonomy, belonging to the city of São Gonçalo do Amarante. At that time there were around 120 families in the place and a person named Chico Bilro, who sold bread in the villages of the region, was the first to bring the news of a plane crash in the forest of the Lagoa Nova farm[5].

Many people began to appear at the scene and a cowboy named Olintho Ignácio, who worked for Dr. Juvenal and was very close to his son, Oswaldo Lamartine de Faria, took the initiative to collect the hands of the dead airmen to find out how many people who were traveling in that aircraft, which was destroyed and burned in the middle of the vegetation. It was challenging for Olintho determine the precise number of casualties there because the corpse parts had severed heads. When the cowboy first united 18 hands, everyone assumed that this was the location of the awful nine men’s deaths. Oswaldo Lamartine reportedly visited the location on horseback and was also present on the farm[6].

A spoon with the symbol of a US Navy anchor, found at the site of the Catalina crash. Photo: Charles Franklin de Freitas Gois.

According to José Lourenço, the crew members were gathered and placed in an ox cart the day after the accident by Olintho and a man named Absalão, who resided on farmer Ulisses Medeiros’ Serra Azul farm. Additionally contributing to this difficult endeavor was Oswaldo Lamartine. Absalão led the animal-driven car to take the remnants of the American forces to the little cemetery at Riachuelo.

Mr. Daniel A. Stewart, from the United States Consulate General in Recife, visiting the Riachuelo Municipal Cemetery and the place where the remains of US Navy aviators were buried. Photo: Charles Franklin de Freitas Gois.

Absalão spent an entire day leading his animals along a simple path through the forest, amid the crunching of the wheels of his traditional vehicle and the smell of decomposing human bodies. The writer José Cândido Vasconcelos, author of the book História de Riachuelo (History of Riachuelo), related that in 1944 he was a child in this small town with only one street. And it was along this route that Absalom passed around eight o’clock at night with his gloomy burden, attracting everyone’s attention and leaving a record of the terrible deaths of those men. There are reports that Absalão spent the night burying the remains of the Americans in a mass grave.

Aluminum, Rings, Clothes, Dollars, and Memory

Faced with the accomplished facts and certainly amplified by the lack of knowledge generated by the illiteracy prevailing at that time and the poverty of two years of severe drought, several people began to remove from the remains of the Catalina of Squadron VP-45 all types of objects that had some utility.

José Cândido Vasconcelos, in his book, tells how even the windows—made of a material called “plexiglass”—that covered the cabin and the viewing bubbles on the sides of the plane were turned into rings worn by low-class ladies in the region. Others removed numerous military outfits from different luggage bags, and these quickly became rural people’s clothes. These garments became known as “Panos do avião”—Airplane cloth. In this regard, José Lourenço commented that the fabrics were the same khaki color used in police uniforms in Rio Grande do Norte but made with the much better quality material. Author Cândido Vasconcelos reported that Juvenal Lamartine sent men he trusted to guard what remained of the plane, but when they arrived at the scene, there was little value to preserve.

Original US Navy document about the accident and list of those who died. Source: National Archives and Records Administration – NARA.

Using their expertise, local artisans produced rifle stocks known as “Bate bucha,” and knife handles plated in aluminum—materials they hardly had access to at the time. According to Mr. José Lourenço Filho, his father made multiple  load worksheets out of Catalina’s metal, which proved to be quite helpful. Our interviewee recalled that donkeys were crucial in the building of dams at that period, when many of these animals were employed, prior to the widespread usage of earthmoving machines. The way it worked was that the donkey owners would ride their animals to the dam wall after gathering items from the surrounding area, including sand, clay, or stones. After unloading the cargo, they received tokens for each trip they made, which they could exchange for money at the conclusion of the workday. “Airplane Plugs” became the nickname for the aluminum plugs[7].

José Cândido de Cavalcante’s interesting book about the history of Riachuelo and with lots of information related to the 1944 accident. Photo: José Correia Torres Neto.

In addition to the uniforms and other materials removed from the Catalina, oral tradition in Riachuelo contains many stories and legends about the American money recovered from the charred remains of the plane. Narratives that speak of boxes with large amounts of money, where the discoverers of this money became rich overnight and disappeared from the region without leaving a trace, Others would have found the Americans’ money and traveled to Natal to exchange it for cruises, but were deceived and left with nothing. One of those who suddenly became rich was the cowboy Chico Inácio, the first to arrive at the place. I believe that part of this story is completely unfounded, because as Commander Calder Atkinson headed with his men to the FAW-16 headquarters in Recife, if that supposed money really existed, it is easier to believe that he would be on the Catalina to return to Belém, perhaps to pay the staff. But there seems to be something real in the story of the crash of the VP-45 Catalina in the interior of Rio Grande do Norte.

Interview with Mr. Francisco de Assis Teixeira. Photo: José Correia Torres Neto.

Mr. Francisco de Assis Teixeira, better known as “Seu Til”, was born in 1936 and arrived in the Riachuelo region at the age of twenty, where he became aware of the events that occurred in 1944, near the village of Riacho dos Paus, through stories from many people.

He was a friend of Chico Inácio and told me that if his old friend really took the dollars supposedly found on the plane, he didn’t do anything with that money. Because he always knew him as a poor man with few resources, even though he owned a small piece of land. However, he made the observation that many of the locals in the vicinity of the Catalina tragedy mentioned a man named Zé Lajeiro, a low-class rural laborer who vanished a few days after the catastrophe and was thought to have stolen the plane’s currency.

Collecting information about the 1944 episode in the small village of Riacho dos Paus. Photo: José Correia Torres Neto.

In the intriguing references I found about the case, everything pertaining to the May 10, 1944 disaster is referred to as “from the plane”. Today, the small rural community of Riacho dos Paus has no more than 40 houses, a small school, and a small chapel in the middle of its only street. There, we learned that the Consolidated PBY-5A Catalina impact site is about two kilometers southeast of the village and is known as “Plane Hole”. A few years after the disaster, a dam known as the “Plane Dam” was built.

Even among the youngest residents of Riachuelo, the story of Catalina’s fall is still spoken today, something that astounded me during the inquiry even.

A “Dog Tag” is discovered.

In his book, José Cândido Vasconcelos mentions that two months after the catastrophe, on a Sunday morning, two military vehicles carrying many personnel pulled into the tiny village of Riachuelo. They all went to the political leader of the town, Mr. João Basílio, at his home. There, the strangers asked him for help in indicating someone who could remove the bodies of the Americans to be transported to Natal and buried in the traditional and old Alecrim Cemetery, the place where all the American soldiers who died in Rio Grande do Norte. Severino Grande and Antônio Sabino were brought in for the challenging assignment; Severino’s friend Don Francisco de Assis Teixeira confirmed to me that they completed the work and were paid well.

Photo from the newspaper Diário de Pernambuco from 1945, published in the city of Recife. We can see the tombstone that existed in the Alecrim Cemetery, in Natal, where the ten dead from the Catalina that crashed near Riachuelo were buried until 1947, before being transferred to the United States.

By comparing this data with the original records created at the time by the US Navy’s VP-52 crew, we are able to determine that Lieutenant R. A. Evans was present in Riachuelo. Undoubtedly, it was he who gave the gravediggers their money, and Oswaldo Lamartine asserts that this officer had to have visited the accident site. Evans gave the order to explode the two engines of the Catalina and to burn some papers and garment pieces he had discovered. The causes of the seaplane accident were not mentioned in either the US Navy papers or by Lieutenant R. A. Evans.

As Oswaldo Lamartine tells us in the book Alpendres d’Acauã, organized by the late Ceará writer Natércia Campos, the Americans gave him scrap metal from the plane, which he sold to the merchant Joaquim Guilherme, known as Joquinha. Oswaldo Lamartine apparently made good profits with the remains of the aircraft, since he stated that with that money he was able to get married[8].

Photo from the occasion of the visit of members of the Consulate of the United States of Recife to the city of Riachuelo in May 2019. From left to right we see Messrs. Stuart Alan Beechler and Daniel A. Stewart, from the Consulate General of the United States in Recife, followed by Rostand Medeiros, written by and member of the Historical and Geographical Institute of Rio Grande do Norte and the Marine Captain of the Brazilian Navy (Naval Reserve) Edison Nonato de Faria. Photo: Charles Franklin de Freitas Gois.

According to Oswaldo Lamartine’s story, his friend Olintho Ignácio was the one who actually discovered more information regarding this incident.

The revered cowboy is said to have met another hand a few days after the occurrence, raising the disaster’s death toll to ten. Apart from the enlarged and decayed hand, Olintho discovered a little metal plate known as a “Dog Tag,” which was utilized by the US military to identify its possessor.

Information from it was highly helpful in situations like Catalina’s accident near Riachuelo.

Oswaldo Lamartine received the discovery from the cowboy. “Calder Atkinson 77858 – BT – 1 – 25 – 43 USN” was written on the nameplate. I had the privilege of speaking with this eminent author prior to his passing, and he maintained the priceless “Dog Tag” with great care for many years.

A Get-together in the USA

Just as they were buried in Riachuelo and Natal, the crew of the Catalina are all gathered on the island of Rock Island, in the Rock Island County National Cemetery, Moline, Illinois, west-central United States. Credits – Facebook.

Amid all of this, Commander H. B. Scott assumed administrative command of VP-45 following the Catalina crash. After changing its name to VPB-45 in October 1944, this squadron carried on with its operations in Brazil, serving at various sites until May 22, 1945, when it departed for the United States. Two more Catalinas were lost on maritime patrols during this group’s permanency in Brazil and its men failed to sink any enemy submarines in World War II.

In what is known as Operation Glory, 214 American troops’ mortal remains—including those of the ten who perished in the May 10, 1944, accident—were transferred to a special ship of the US Army that anchored in Natal on April 11, 1947. Commander Calder Atkinson is now interred in the Rock Island County National Cemetery, in Rock Island, Illinois, together with his crew.

And if it weren’t for the plaque that cowboy Olintho Ignácio found, this may have been the story’s conclusion. Over time, the tale has been forgotten in some circles, but not in Riachuelo.

On May 10, 2019, a plaque was unveiled in Riachuelo in memory of the dead Catalina aviators and the honorable gesture of the inhabitants of the small community in burying the Americans. The event was attended by Mr. John Barrett, Consul General of the United States in Recife. Photo: Rostand Medeiros.

Oswaldo Lamartine once said—I can’t recall if it was in an interview on a television station in Natal or through the pages of a newspaper—that the aircraft that fell on his father’s land was a legendary bomber plane, the Boeing B-17, the renowned Flying Fortress. The reason for this inaccuracy, in my opinion, was that the number of men who died in the May 10, 1944 disaster was the same as the number of men who served as the crew of the most well-known four-engine bomber in US during World War Two.

But if Oswaldo Lamartine had doubts about the events surrounding this case, they certainly dissipated in the first year of the new millennium.

Consul John Barrett and the Mayor of Riachuelo, Mrs. Mara Cavalcanti, unveiling the plaque. Photo: Gersonny Silva.

A World War II researcher named Rômulo Peixoto Figueiredo, a reserve officer in the Brazilian Air Force, emailed the VP-45 veterans association on February 28, 2000. He clarified that he possessed a copy of a June 8, 1944, letter from the American commander of the Parnamirim Field, expressing gratitude to the Lagoa Nova farm residents for their assistance in providing support for the victims of the tragedy. Rômulo reported that the letter was sent by the American commander to a relative of his wife called Oswaldo Lamartine, who lived in Natal in 2000 and had in his custody one of the plates with the identification marks of Commander Calder Atkinson. Rômulo Peixoto, who died in July 2013, wanted to know if the association’s staff could provide more details about what happened[9].

Consul John Barrett meeting Mr. José Lourenço. Photo: Gersonny Silva.

The reserve officer of the Brazilian Air Force continued in contact with the association and, with Oswaldo’s consent, sent the plaque so that the members of that group could find the commander’s surviving relatives in the United States.

Oswaldo Lamartine de Faria received a certificate of appreciation from Thomas V. Golder, then president of the VP-45 veterans group, for his efforts in saving the memory of the former squadron commander.

The event on May 10, 2019 in Riachuelo had the support of the Third Naval District of the Brazilian Navy, which sent a garrison of officers and enlisted personnel.

They discovered that Commander Calder Atkinson had been married before the war, but further research revealed that his wife had also died and that there were no surviving children from this union. Everything stopped. The searches were then conducted by several military and public organizations associated with the memory of that nation’s war veterans. Finally, after six months of hard work, it was discovered that Commander Atkinson was the son of Willian Mayo and Mary Fullerton Atkinson and had a brother named Willian Mayo Atkinson Junior. It was through the descendants of his brother that members of the VP-45 veterans association discovered that Charles Caldwell, a retired U.S. Navy naval officer living in California, was Commander Atkinson’s nephew.

Another notable presence at the event was that of the Brazilian Navy Marine Band.

In Wilmington, North Carolina, his hometown, friends and relatives convened at Oakdale Cemetery on that particular day. It’s reported that because Atkinson’s family didn’t know anything about his death at the time, they assumed he had died during a covert mission or on some kind of spy trip. They learned, with some relief, that he had died while performing an administrative flight to fulfill his new command’s responsibilities. A tombstone was erected at the location to honor the pilot even in the absence of his body. Margaret Segal-Atkinson traveled from Switzerland in remembrance of her uncle, whom she had known since childhood, and a number of acquaintances who had been her peers in high school and university[10].

And this whole encounter only took place in the United States because a typical cowboy from the Northeast region of Brazil, who died of chickenpox in 1946, found and gave this identification plate to one of the wisest men of letters that Rio Grande do Rio has ever known. North. acquaintance. He, in turn, preserved the find and, at the appropriate time, delivered the historical material to a former Brazilian Air Force officer who, using modern Internet resources, sent the identification plate to the family of Commander Calder Atkinson.

Mayor Mara and Consul Barrett.

THE CREW OF THE VP-45 CATALINA WHO DIED NEAR THE CITY OF RIACHUELO, RIO GRANDE DO NORTE, BRAZIL, ON MAY 10, 1944

Lieutnant Commander (LCdr) Calder Atkinson, U.S. Navy, no. 75585. Berkeley, California.

Lieutenant (jg) John Prescott Shaw, A-V (N), U.S.N. Set aside, file no. 157283. Bristol, Rhode Island.

Ensign Phillip Bernard Merriane, A-V(S), U.S.N. Set aside, file no. 299793. Kansas City, Kansas.

Lieutenant John Weaver Shoyer SC-V (S), U.S.N. Set aside, file no.179684. Devon, Pa.

Lieutenant (jg) James Alexander Thompson, SC-V(S), U.S.N. Set aside, file no.247681. Hyattsville, Maryland.

Ezra Clyde Wagner, AMM3c, U.S. Navy, Serial No. 376 67 49. Hayward, California.

Arthur John Ford, AMM2c, U.S. Navy, Serial No. 244 23 79. Chester, Pennsylvania.

Ben L. Davis, AOM3c, V-6, U.S.N. Reserve, Serial No. 671 53 24. Oklahoma City, Oklahoma.

Vernon Clayton Beck, ARM2c, V-6, U.S.N. Reserve, Serial No. 622 75 53. Napoleon, Ohio.

Robert Irvin Joy, ARM3c, V-6, U.S.N. Reserve, Serial No. 305 73 24. Beloit, Wisconsin.

NOTES

[1] Regarding the personality and personal characteristics of Mr Francisco Inácio, now deceased, they were transmitted to us by people from the region interviewed during our research to create this text in August 2018, when I was in the region.

[2] Chico Inácio probably didn’t know, but in that second week of May 1944, the rains were abundant throughout the Northeast Region of Brazil.

[3] See the newspapers A Republica, Natal – Rio Grande do Norte, Brazil, edition of October 23, 1930, p. 4, and newspaper A Ordem, Natal – Rio Grande do Norte, Brazil, edition of April 24, 1948, p. 4.

[4] In 1998, a large part of the old Lagoa Nova farm was transformed into a large site destined for Brazilian agrarian reform. I received information that that year the property would have more than 200 houses with residents.

[5] See the book História de Riachuelo, by José Cândido Vasconcelos (Author’s edition, Natal, Rio Grande do Norte, Brazil, 2008, p. 153). This interesting work has a lot of information about the 1944 episode.

[6] See the book Alpendres de Acauã: A Conversation With Oswaldo Lamartine. Pages 47 and 48. Fortaleza: Imprensa Universitária/UFC; Natal, Rio Grande do Norte, Brazil: José Augusto Foundation, 2001.

[7] According to Aílton de Freitas Macedo, Secretary of Administration at Riachuelo City Hall in 2019, a person who helped me a lot with this research, the dam called Lagoa Nova is considered the first large private water reservoir built in the state of Rio Grande do Norte.

[8] There is a discrepancy between the reports of Oswaldo Lamartine de Faria and José Cândido Vasconcelos, as the first states that the Americans were in the Riachuelo region two days after the disaster and the second two months after the accident.

[9] About Rômulo Peixoto Figueiredo’s contacts with the VP-52 veterans’ association, see the book by Douglas E. CampbellVP Navy! USN, USMC, USCG and NATS Patrol Aircraft Lost or Damaged During World War II, pages 255 and 256. Syneca Research Group Inc. Edition, 642 pages, 2018.

[10] For the 2002 Atkinson family reunion in North Carolina, see http://www.starnewsonline.com/news/20020813/a-surprise-from-the-past-gives-a-wwii-officers-friends- and-family-another-chance-to-say-goodbye

2016 – EXPEDIÇÃO ANGICO – QUANDO UM GRUPO DE PESQUISADORES BUSCOU COMPREENDER COMO FORAM MORTOS O CANGACEIRO LAMPIÃO, MARIA BONITA E SEUS COMPANHEIROS NA GROTA DO ANGICO

Em 2016 Um Grupo de Pesquisadores Nordestinos Pernoitou na Área da Grota do Angico, Onde Buscaram Compreender Como Aconteceu o Ataque da Polícia Contra o Último Esconderijo de Lampião.

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

As questões que envolvem a morte de Lampião, Maria Bonita e outros cangaceiros na famosa Grota do Angico, em 1938, sempre foi algo muito espinhoso entre os que estudam o tema Cangaço.

Para muitos o chefe cangaceiro Lampião foi pego de surpresa, com a guarda baixa e pagou com a vida. Para outros essa surpresa existiu porque ele e demais membros do bando foram envenenados.

Logo após as mortes em Angico começaram a surgir uma série de conjecturas, dúvidas e debates sobre como se desenrolaram os acontecimentos relativos àquele combate, as razões das mortes dos cangaceiros e muitas outras questões.

Para ter uma ideia, apresento-lhes uma das muitas narrativas existentes na Internet sobre o fim de Lampião.

Lampião, o Rei do Cangaço, em seu aparato de guerra | Crédito: Reprodução – Fonte – http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/brutal-lampiao.phtml#.WWwJ3ojyvXP

“No dia 27 de julho de 1938, o bando acampou na fazenda Angicos, situada no sertão de Sergipe, esconderijo tido por Lampião como o de maior segurança. Era noite, chovia muito e todos dormiam em suas barracas. A volante chegou tão de mansinho que nem os cães pressentiram. Por volta das 5:15 do dia 28 de julho, os cangaceiros levantaram para rezar o ofício e se preparavam para tomar café; quando um cangaceiro deu o alarme, já era tarde demais.

Não se sabe ao certo quem os traiu. Entretanto, naquele lugar mais seguro, o bando foi pego totalmente desprevenido. Quando os policiais do Tenente João Bezerra e do Sargento Aniceto Rodrigues da Silva abriram fogo com metralhadoras portáteis, os cangaceiros não puderam empreender qualquer tentativa viável de defesa.

O ataque durou uns vinte minutos e poucos conseguiram escapar ao cerco e à morte. Dos trinta e quatro cangaceiros presentes, onze morreram ali mesmo. Lampião foi um dos primeiros a morrer. Logo em seguida, Maria Bonita ficou gravemente ferida. Alguns cangaceiros, transtornados pela morte inesperada do seu líder, conseguiram escapar. Bastante eufóricos com a vitória, os policiais apreenderam os bens e mutilaram os mortos. Aprenderam todo o dinheiro, o ouro e as joias.

A força volante, de maneira bastante desumana para os dias de hoje, mas seguindo o costume da época, decepou a cabeça de Lampião. Maria Bonita ainda estava viva, apesar de bastante ferida, quando foi degolada. O mesmo ocorreu com Quinta-Feira, Mergulhão (os dois também tiveram suas cabeças arrancadas em vida), Luís Pedro, Elétrico, Enedina, Moeda, Alecrim, Colchete (2) e Macela. Um dos policiais, demonstrando ódio a Lampião, desfere um golpe de coronha de fuzil na sua cabeça, deformando-a; este detalhe contribuiu para difundir a lenda de que Lampião não havia sido morto, e escapara da emboscada, tal foi a modificação causada na fisionomia do cangaceiro.”

Sobre este texto ver – http://www.meionorte.com/blogs/josefortes/a-morte-de-lampiao-e-seu-bando-174209

Lampião, o Rei do Cangaço.

O Valor de Uma Pesquisa de Campo

Como em muitas áreas de pesquisa, as pessoas que se debruçam sobre o tema do Cangaço se dividem em dois grupos majoritários – Os que pesquisam basicamente em documentos, livros, jornais, bibliotecas e outros locais que lhes tragam informações e pouco vão a campo. Além destes temos os que buscam seguir com maior ênfase “comendo poeira” nas estradas do sertão em busca da tradição oral e dos registros existentes nas memórias coletivas das comunidades distantes do Nordeste e utilizando em menor proporção material documental.

E, como é normal neste ramo de atividade, as duas vertentes possuem bons e maus trabalhos resultantes destas pesquisas e sempre novas produções estão sendo publicadas.

Lampião, Maria Bonita e seus cangaceiros.

Mas uma nova tendência parece haver surgido nas pesquisas do Cangaço – A dos pesquisadores que se unem para passar algum tempo em locais onde os fatos mais intensos relativos a este tema aconteceram – Os locais de combate.

E o local onde, aparentemente, isso ocorreu pela primeira vez foi na controversa Grota do Angico. Um grupo de pesquisadores nordestinos realizou uma interessante empreitada de permanência neste local.

Sempre fui uma pessoa que admiro as iniciativas de pesquisadores que buscam conhecer mais a fundo aquilo que estudam e acreditam. E confesso que fico mais entusiasmado com pessoas que desenvolvem novas e interessantes iniciativas em prol do conhecimento.

Um dia após o combate na Grota do Angico, policiais e curiosos contemplam o cadáver decapitado de Maria Bonita.

Recebi informações que essa ideia surgiu por dois caminhos distintos, mas com os mesmos objetivos.

Em maio de 2016, na companhia do artista plástico Sérgio Azol, eu estive na cidade pernambucana de Floresta, onde conhecemos e fomos recepcionados pelos escritores e pesquisadores Marcos Antônio de Sá, conhecido como “Marcos De Carmelita” e Cristiano Luiz Feitosa Ferraz, que recentemente lançaram o interessante livro “As cruzes do Cangaço – Os fatos e personagens de Floresta – PE”. Durante nossa visita, Marcos me comentou que em diálogo com os irmãos Francisco e Washington Rodrigues Correa, proprietários do Restaurante Angico, às margens do Rio São Francisco, surgiu a ideia de pernoitar na Grota e ele recebeu apoio desses irmãos.

O autor desse texto em uma trilha na área da Grota do Angico.

Tanto Marcos como Cristiano são agentes da Polícia Civil do Estado de Pernambuco e atuam na área de caatinga, mostrando que pernoitar naquele local não seria algo problemático e sim muito positivo, pois existiam mais perguntas do que respostas aos chamados “Mistérios de Angico”. Marcos desejava com esta permanência contrapor informações e realizar uma pesquisa que poderia ampliar as discussões envolvendo os fatos que se deram na Grota do Angico.

Infelizmente naquela época, por problemas de saúde, não houve condições da participação de Marcos de Carmelita na empreitada.

Outro que teve o mesmo pensamento e igualmente desejou realizar uma ação nos mesmos moldes foi Sebastião Giovane Gomes de Sá, também da cidade pernambucana de Floresta.

Segundo Giovane essa ideia havia surgido anos antes, quando ele entrevistou o Senhor Manoel Cavalcanti de Souza, um antigo membro das forças volantes que perseguiram os cangaceiros e ficou conhecido como “Neco de Pautilia”.

Na época da entrevista Giovane Gomes de Sá era aluno do Curso de Licenciatura em História na Universidade Regional do Cariri, na cidade do Crato, Ceará, quando por iniciativa própria começou a entrevistar vários outros antigos perseguidores e descendentes de inimigos dos cangaceiros, principalmente daqueles que odiavam com fervor a Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, conhecido como “O Rei do Cangaço”.

Foto da ocasião em que o autor deste texto esteve na Grota do Angico e fotografou o local com as antigas cruzes.

Entre os entrevistados estavam Ângelo Gomes de Sá, conhecido como Ângelo Macário, cuja família foi vítima de Lampião e dos seus cangaceiros. Depois ouviu os irmãos gêmeos João Florentino de Carvalho e Antonio Florentino de Carvalho , cuja família se envolveu em lutas contra a família Pereira e que em 1923 participaram de um dos primeiros tiroteios entre Lampião e a família Carvalho, na Fazenda Entreserras. Giovane também entrevistou o historiador e genealogista Nivaldo Carvalho, além de João Gomes de Lira, que fez parte da lendária volante dos Nazarenos e se tornou oficial da Polícia Militar do Estado de Pernambuco.

Na época da entrevista com “Neco de Pautilia”, ele estava com 97 anos e mesmo cego ainda possuía uma memória muito ativa. O local da entrevista foi na Fazenda Passagem das Pedras, no Riacho São Domingos, zona rural do município de Serra Talhada, Pernambuco, local onde nasceu Lampião.

Durante o diálogo “Neco de Pautilia” estava bastante animado e pediu a Giovane que no futuro visitasse dois locais importantes na História do Cangaço.

O primeiro era a Fazenda Maranduba, em Poço Redondo, Sergipe, onde ele participou do combate conhecido como “Fogo da Maranduba”. Ocorrido no dia 9 de janeiro de 1932, esse foi um dos maiores tiroteios entre as volantes policias e os cangaceiros. “Neco de Pautilia” comentou a Giovane que nesse combate perdeu o tio João Cavalcanti de Albuquerque, além dos parentes e conterrâneos como Hercílio de Souza Nogueira, Adalgiso de Souza Nogueira, Antônio da Silva e outros.  

O segundo local era na Grota do Angico, onde no dia 28 de julho de 1938 tombou sem vida Lampião, Maria Bonita e nove outros cangaceiros, além do soldado Adrião Pedro de Souza, o único militar morto naquele combate.

Giovane lhe prometeu que um dia visitaria a região de Maranduba e que buscaria dormir uma noite na área da Grota do Angico, com o objetivo de ter uma ideia bem real de como se desenrolou os episódios envolvendo a morte do maior chefe cangaceiro e sair de lá com muitas respostas. Ou com muito mais perguntas!

“Neco de Pautilia” faleceu em 29 de maio de 2014, aos 101 anos de idade.

O Grupo

Entre preparativos e inúmeros contatos via Internet, nomes foram sendo incluídos e depois retirados por razões diversas. Mas ficou definido que o grupo seguiria para a Grota do Angico no dia 27 de julho de 2016, pernoitando no local e só deixando a área no dia seguinte.

Vista da Grota do Angico. Foto realizada pelo autor deste texto, em uma recente visita junto com o artista plástico Sérgio Azol.

Salvo alguma informação em contrário e que desconheço, os integrantes desse grupo teriam a honra de serem os primeiros a pernoitar na área com o objetivo de pesquisa, estando no local do combate no dia em que o episódio completava 78 anos de sua ocorrência.

Este grupo foi formado por Sálvio Siqueira (de São José do Egito, Pernambuco), Cristiano Luiz Feitosa Ferraz e Giovane Macário (ambos de Floresta, Pernambuco), José Lopes Tavares (de Verdejantes, Pernambuco, mas residente na cidade do Recife), Romilson Santos (de Aracaju, Sergipe), Vaneildo Bispo (de Canindé do São Francisco, Sergipe), Maria Oliveira (de Poço Redondo, Sergipe e a única mulher do grupo) e Richard Torres Pereira (de Serra Talhada, Pernambuco).

Da esquerda para a direita: Giovane Macário, José Lopes Tavares, Cristiano Ferraz, Richard Torres Pereira, Sálvio Siqueira, Maria Oliveira, Romilson Santos e Vaneildo Bispo.

Eles se deslocaram ao local via Poço Redondo, até a sede administrativa do Monumento Natural Grota do Angico. Esta é uma unidade de conservação criada pelo governo do Estado de Sergipe, através do Decreto número 24.992, de 21 de dezembro de 2007. Está situada no Alto Sertão Sergipano, a cerca de 200 km de Aracaju, entre os municípios de Poço Redondo e Canindé de São Francisco, às margens do conhecido “Velho Chico”. A área de preservação possui um total de 2.183 hectares, em uma região que abriga remanescentes florestais da Caatinga hiperxerófila densa e foi criado com objetivo de preservar o sítio natural da Grota do Angico e elementos culturais associados, mantendo a integridade dos ecossistemas naturais da Caatinga, para o desenvolvimento de pesquisa científica, educação ambiental, ecoturismo e visitação pública. Desde a sua criação, a unidade é administrada pela SEMARH, recebe visitantes de várias partes do Brasil e do exterior, sendo na época a única unidade de conservação estadual de Sergipe inserida do bioma caatinga.

Neste belo local, o grupo de pesquisadores deixou a sede administrativa por volta das quatro da tarde, percorrendo a trilha em cerca de quarenta minutos, sendo acompanhados pelo então guia do parque James Cardozo.

O acampamento em Angico.

Ao chegarem à Grota do Angico o grupo encontrou Cícero Rodrigues (de Maceió, Alagoas), que havia feito o roteiro através de deslocamento de barco via Entremontes (um distrito de Piranhas).

Chegada ao Local

Cristiano Ferraz assim expôs suas impressões sobre a chegada do grupo a Grota do Angico e a montagem do acampamento.

A última semana (especificamente os dias 27 a 30 de julho de 2016) foi de grande atividade para todos nós. Era chegada a hora de nos deslocar a Piranhas. Alguns dos participantes do evento planejaram pernoitar no conhecido “Coito do Angico” no município de Poço Redondo, no Estado de Sergipe. Dois grupos foram formados. Um deles se deslocaria durante o dia, via Poço Redondo e outro seguiria durante a noite, de barco, via Piranhas, Alagoas (Este segundo grupo chegou à Grota do Angico por volta das duas horas da madrugada).

Este grupo chegou à grota do Angico por volta das quatro e trinta da tarde onde encontrou o companheiro Cícero Rodrigues. Depois passamos a organizar o local do pernoite, armando as barracas e redes (cobertas com lonas) para prevenir das chuvas finas que têm caído no local este ano. Estes preparativos terminaram no início da noite quando, após comer algo (café, biscoitos, pão, etc.), decidimos descer para o local das Cruzes onde acendemos velas pelos mortos e passamos a estudar o local.

À noite, no escuro, o local dá a impressão de ser totalmente diferente do que vemos durante o dia….

Questionamentos

Por sua vez Sálvio Siqueira produziu um interessante texto onde ele faz várias análises do que viu naquela madrugada. Ele também trouxe no seu texto vários questionamentos sobre o fim do “Rei do Cangaço” em 1938.

“No dia 27 de julho de 1938, uma quarta-feira, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, está acoitado no leito do riacho Tamanduá, na fazenda Angico, fincado no município de Poço Redondo, Sergipe.
Ao romper da aurora do dia vindouro, segundo historiadores, do dia 28 de julho, ou seja, na quinta-feira, uma tropa militar, comandada pelo então tenente João Bezerra, é dividida em quatro, ou cinco frentes e ataca os cangaceiros no coito.

Após o ataque, sabe-se da morte de onze cangaceiros, dentre eles o “Rei dos Cangaceiros”, sua companheira a “Rainha dos cangaceiros”, Maria Gomes de Oliveira, conhecida como Maria Bonita, e uma baixa militar, o soldado Adrião Pedro de Sousa.

No momento do ataque, uma das colunas, a do Sargento Aniceto, perde-se, não encontrando o local previamente combinado. Com isso, abre uma rota de fuga para aqueles que estavam encurralados sob forte fogo dos soldados.

Pois bem, há duas versões, uma já nem tanto citada sobre o ocorrido, que seria a que ocorreu, com o auxílio de um coiteiro o envenenamento do grupo. A outra versão é que simplesmente a tropa chegou e mandou bala matando os cangaceiros.

Sobre o envenenamento, não há sustentáculo, pois o veneno teria atingido, se não mortalmente, parcialmente o restante do grupo. Parte de nossos estudos, na ocasião, era conhecer o local na escuridão noturna, procurar saber as dificuldades que enfrentou a tropa para se aproximarem, como conseguiram tamanha façanha sem chamarem a atenção dos cangaceiros, e qual hora, aproximadamente, conseguia-se vislumbrar a silhueta de um corpo humano dando condições de ser alvejado.

O tempo, na noite do dia 27 de julho de 2016 para o clarear do dia 28, se comparado as condições climáticas, segundo o que relatam os historiadores, estava diferente da noite do dia 27 de julho de 1938. Não choveu. Fiz uma análise de como a tropa chegaria sem ser notada até ter visão e posição para atirarem. Usamos o mesmo dia da data do embate, só diferenciando na fase do quarto da lua, da época com a atual, um foi no minguante e a outra na fase crescente. O calendário lunar nos diz que na noite do dia 27 de julho de 1938, a fase da Lua estava em Crescente. Já na noite do dia 27 de julho de 2016, a fase da Lua estava em Quarto Minguante.
(Fonte: http://www.vercalendario.info/…/portugal-mes-julho-2016.html)

O grupo durante a noite na Grota do Angico.

Essa fase da Lua ocorre quando o ângulo Terra-Lua-Sol é aproximadamente reto, de modo que vemos apenas cerca da metade do disco lunar, no período em que a parte iluminada está diminuindo progressivamente. Já a fase da Lua no Quarto Crescente ocorre quando o Sol e a Lua estão em signos que se encontram a 90° de distância entre si, formando uma quadratura. Fizemos essa pesquisa para vermos a qualidade de visão noturna, a olho nu, que tiveram mais ou menos os soldados, quando da sua aproximação ao acampamento alvo.

As cruzes dos cangaceiros durante a noite.

A coisa não foi moleza não. Hoje, com as degradações causadas pelo tempo e homem, notamos a dificuldade de locomoção. Além disso, temos as trilhas, coisa que não acreditamos que tinha naquele tempo.

Após esses fatos pesquisados, esperamos o romper do dia. Lento e preguiçoso, ele começa a clarear vagarosamente… 

Em direção ao Rio São Francisco, nós começamos a notar uma grande sombra, como se fosse um monstro deitado, dormindo. É à sombra de uma serra. Do lado contrário, ou seja, lado que se encontrava o bando acoitado, ainda não dava para divisar nada. Com o passar do tempo, começamos a vislumbrar imagens, vultos, sem termos a certeza do que seria… Mais um pouco de tempo e, aí sim, já se consegue ver bem uma pessoa. Quando registramos essas imagens, estávamos do lado, mais ou menos em que estavam os soldados que fizeram parte da coluna do tenente Bezerra.

Visão, só com a clarear do dia, pois o mato e localidade em que se encontravam aqueles que estavam dentro da grota, no leiro do riacho, ainda estavam protegidos pelas ultimas sombras da noite. E mesmo pela mata e profundidade, impedindo um clarear definido.

Quanto à linha propícia de fogo, ou para fogo, posição de tiro, que foi de cima para baixo, só se consegue ter essa posição estando bem em cima, no topo da barreira. Com 30 metros de distância da beira da barranca não se consegue ver o fundo da grota. Nem com 20 metros, nem 15 metros, nem com 10 metros. Em fim, só há essa possibilidade, posição de tiro, estando com 5 metros ou menos em cima da barreira.

78 anos depois do ataque, sem claridade ainda, tentamos nos aproximar sem fazermos barulho. Qualquer som, no silêncio da madrugada é escutado ao longe. Claro que a mata está diferente, mais para devastada, ou seja, na época do ataque, a mata era mais fechada causando mais dificuldades para se locomover dentro dela sem fazer barulho, principalmente se a pessoa estiver com bornais, facas, facões e fuzis nas mãos, aumentando o volume, é lógico que se necessita de mais espaço para se mover. Lembremos que a tropa contava com 50 praças, dividida e quatro ou cinco colunas.

1938 – Curiosos diante dos corpos dos cangaceiros.

A quantidade de cangaceiros é incerta. Não se sabe com exatidão o número dos que estavam ali acoitados.
Para saber-se da margem direita e esquerda de um rio, ou riacho, posicione-se no centro do leito e procure ficar de frente para onde as águas seguem, nessa posição, saberá a margem direita e a esquerda do rio, ou riacho, mesmo este sendo temporário.

Em nossa pesquisa, lá, no local, notamos que parte do grupo, o chefiado por Zé Sereno, ficou na margem esquerda do riacho. Fora do leito do riacho. Junto ao chefe mor só o seu Estado Maior. Dentro da grota.
A volante era composta por homens acostumados no mato, no entanto, os grupos de cangaceiros também eram formados por homens que conviviam desde que nasceram dentro do mato. Homens que tinham os sentidos muito bem aguçados, pois, dependiam deles para sobreviverem.

Caso imprevisto por nós, mas, que serviu muito bem como pesquisa, foi a chegada de seis outros pesquisadores entre 01:00 e 02:00 horas da manhã, da madrugada já do dia 28. Nosso amigo, pesquisador Richard Pereira, escutou ruídos, sons que “informavam” a aproximação de pessoas. E eles estavam longe, muito distantes do acampamento, do outro lado do riacho ainda, por onde seguiu a coluna com o tenente Bezerra. E nós não estávamos com nossos sentidos alertas, com cuidado e medo de sermos atacados por volantes.

1938 – A barraca de Lampião

Bem, mesmo não sabendo a quantidade exata dos cangaceiros, mas, que se eleva ao número de trinta pessoas, sabemos ser ilógico que todos, exatamente todos eles, tenham se embriagado, coletivamente. E a ponto de não notarem algo suspeito? Lembremos, também, que eram pessoas foragidas, o que as deixava mais cuidadosas ainda. Com seus sentidos em alerta o tempo todo, mesmo inconscientes desse sentido, sentido causado pelo medo, medo de morrer. Mesmo assim, ninguém se deu conta de nada?

Ainda tem a declaração de remanescentes que citaram que foram rezar o ofício e retornaram para as toldas. Mais uma linha de que já estavam acordados.

Bem, meus amigos, eu acredito que alguém, algum conhecido, bem chegado ao “Rei dos Cangaceiros”, tenha feito algum trato para se aproximar, e, com isso, a guarda fora totalmente baixada para que se desse a aproximação. Além de ter alguém, do próprio grupo de Lampião, tê-lo traído internamente.

Lampião

Zé Sereno, seus homens e outros estavam na parte de cima, em cima da barreira, um pouco mais recuados, em relação à posição de Lampião, com maiores possibilidades de escutarem, notarem, a aproximação da coluna que tomava chegada com o tenente Bezerra. Se acharmos que a cavidade em que se encontravam Lampião e outros cangaceiros, dificultada a propagação do som.

No entanto, partiram em oposição, e isso é mais uma prova do lugar em que estavam, em que se encontravam, contrária à correnteza e ao avanço da coluna que chegava no sentido noroeste do acampamento. E, por incrível que pareça o grupo parte em sentido sudoeste, e, é mesmo nesse sentido que o sargento Aniceto se perde com a sua coluna, deixando uma via de fuga.

Ao romper do dia, um dos pesquisadores do grupo, disparou vários tiros. Esses disparos faziam parte da pesquisa. Não se sabe de onde o tiro parte exatamente, pois, lá, naquele emaranhado de elevações e extensão do terreno, forma-se um eco constante. Não deixando ter-se, exatamente, a noção da posição exata do disparo. Lembremos que os pesquisadores que chegaram mais tarde, ao desembarcarem na margem direita do ri São Francisco, dispararam uma arma. Porém, só viemos saber quando eles chegaram e nos disseram. Mesmo no silêncio da madrugada, o tiro disparado as margens do “Velho Chico”, mesmo as águas e os contrafortes das serras produzirem um eco, o som não chegou ao acampamento onde estávamos.

Esse foi o destino da maioria dos cangceiros.

Como, então, parte do grupo tomou o rumo certo? 

O sentido exato da brecha deixada por um sargento que se perdera com seus homens?

Não falo de ouvi dizer, mais, de estar lá, naquele local, amanhecendo o dia, e escutando o eco de vários disparos as margens do riacho. A guarda do capitão foi baixada, isso é correto afirmar.

Mas, por quê?

Como cito acima, acredito que tenha vindo um pedido de aproximação, não de uma tropa militar, é claro, mas, de uma pessoa, coiteira, que o fez ficar, ou continuar, à vontade.”

No Exterior Esse Tipo de Ação é Normal

Como tudo que envolve o Cangaço e Lampião sempre existem controvérsias, eu não duvido que muitos dos que venham a ler este texto talvez torçam o nariz diante desta empreitada.

A pessoa com uniforme militar, apresentando um fuzil semiautomático Garand M1, na verdade é membro de um grupo de pesquisa e preservação histórica dos combatentes estadunidenses, das tropas pára-quedistas daquele país que participaram do famoso Dia D.

Talvez vejam como uma grande perda de tempo e de esforço madrugar no meio do mato, onde foram mortos vários bandidos. Isso tudo em um país onde na sua contemporaneidade a violência é algo associado a uma verdadeira praga.

Mas é fato que o episódio da Grota do Angico é antes de tudo História.

Nos Estados Unidos e na Europa, regiões com histórias de confrontos bélicos extremamente amplas e com inúmeros locais onde se desenrolaram terríveis combates, a presença de pesquisadores em áreas históricas é algo bem comum e aceito, inclusive pelas universidades.

Membros de um grupo de pesquisa da Guerra Civil Americana apresenta as armas utilizadas pelos exércitos do sul.

Diversos grupos ampliam suas pesquisas a ponto de existirem interessantes reencenações de episódios históricos e bélicos, com forte afluência de público desejosa de conhecer mais sobre estes conflitos.

Esses grupos, para realizar seu trabalho pesquisa e debate exaustivamente como deve desenrolar uma reencenação, ampliando muitas vezes a informação histórica.

Detalhe da reconstituição de um acampamento das tropas sulistas da Guerra Civil Americana, sendo apresentado no Texas.

Nos Estados Unidos predominam grupos que pesquisam e realizam reencenações sobre episódios da Guerra da Independência de 1812, Guerra Civil Americana e Segunda Guerra Mundial. Na Europa, principalmente na Inglaterra, Alemanha, Itália e Suécia, estes grupos episódios que abrangem historicamente fatos ligados aos conflitos entre as Legiões Romanas e os Bárbaros, até a Segunda Guerra Mundial.

Nós brasileiros somos tidos como um povo que não se importa muito com a sua História. Então só tenho a louvar a empreitada deste grupo de nordestinos.

FONTES

http://joaodesousalima.blogspot.com.br/2016/07/cariri-cangaco-de-piranhas-nos-78-anos.html

http://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2016/07/78-aniversario-da-morte-de-lampiao-e-tema-de-celebracao.html

http://www.semarh.se.gov.br/biodiversidade/modules/tinyd0/index.php?id=11

http://www.utpa.edu/news/2015/03/making-history-utpa-launches-rio-grande-valley-civil-war-trail.htm

http://www.semarh.se.gov.br/biodiversidade/modules/tinyd0/index.php?id=11

http://www.gettyimages.com/event/preparation-ahead-of-the-70th-anniversary-of-d-day-495638437#historical-dday-reenactment-enthusiast-dressed-as-an-american-soldier-picture-id495520963

A FAZENDA RIBEIRO DE SÃO JOSÉ DE MIPIBU E SUAS HISTÓRIAS

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Muitas das antigas e tradicionais fazendas do interior do Nordeste vem sofrendo de intenso abandono e destruição, fazendo com que suas histórias caiam no puro e simples esquecimento.

Alguns acham que isso é até uma coisa boa, pois muitos desses locais foram antros de intensas opressões, iniquidades, perseguições, mortes e outras mazelas. O problema dessa ideia é que várias dessas antigas estruturas possuem enorme importância histórica, com informações que ampliam o conhecimento sobre o passado da nossa região e a perda destes locais é algo bastante complicado e irreversível. 

Casa Grande da Fazeneda Ribeiro, em São José de Mipibu – Foto – Rostand Medeiros

Por isso é sempre positivo encontrar uma antiga propriedade rural bem preservada e com muitas histórias. Esse é o caso da Fazenda Ribeiro, a cerca de seis quilômetros da cidade potiguar de São José de Mipibu.

A casa sede está, pelo menos para que a vê de fora, muito bem conservada, pintada de branco e detalhes azuis.

Foto – Rostand Medeiros

Segundo o pesquisador e blogueiro Daltro Emerenciano, em um artigo sobre a história da Fazenda Ribeiro (https://www.blogdedaltroemerenciano.com.br/2012/10/pedacos-do-nosso-rio-grande-do-norte/), informou que o agricultor Francisco Sales e Silva foi o patriarca da família Ribeiro Dantas e Duarte e teria construído uma primeira casa grande na área da propriedade Ribeiro entre o final do século XVIII e o início do seguinte. Nesse mesmo período foi “erguida uma capela em estilo colonial barroco, em homenagem a São João e também montada em separado uma primitiva engenhoca movida à tração animal e destinada a fabricação de açúcar bruto e seus derivados e, por conseguinte, aquele local passou a ser a primeira sede da Fazenda Ribeiro”.

Foto – Rostand Medeiros

Emerenciano comentou que essa propriedade esteve envolvida nos acontecimentos ligados a chamada Revolução Pernambucana de 1817. Ele publicou que “Pelo relato que se tem daqueles que pesquisaram sobre o movimento em prol da independência do Brasil e que culminou com a eclosão da revolução de 1817, as reuniões para a divulgação das ideias liberais e adesão do maior número de simpatizantes, eram realizadas em pontos afastados da capital, inclusive na cômoda e espaçosa Casa Grande do SÍTIO RIBEIRO. Ali o Coronel de Milícias, André de Albuquerque, mentor do movimento em nossa província, conferenciava com os homens de influência de Natal e vilas do interior, ocasião em que era oferecido aos convivas um farto banquete servido em baixelas de prata”.

Necrológico de Horácio Cândido Sales e Silva, publicado em 28 de setembro de 1903.

Foi um neto de Francisco Sales e Silva, chamado Horácio Cândido Sales e Silva (26/09/1838 – 27/09/1903), bacharel em direito, que transferiu a sede da propriedade para um local mais apropriado, onde construiu a nova sede, a casa destinada ao engenho e uma capela, cujos padroeiros são Santa Ana e São Joaquim. Infelizmente não conseguimos apurar as datas dessas construções, mas soubemos que Horácio Sales importou da Europa o maquinário e acessórios necessários a montagem da moenda do engenho movida a vapor, em substituição a antiga engenhoca movida à tração animal.

Capela da Fazenda Ribeiro – Foto – Rostand Medeiros.

Sobre a capela existente ela tem uma característica muito interessante que é o seu alpendre, algo que não vejo com frequência nas antigas capelas do Rio Grande do Norte.

Horácio casou duas vezes. A sua primeira esposa, Anna Vivina de Sales e Silva, nasceu em 17 de dezembro de 1845, teve oito filhos e faleceu em 6 de junho de 1877. Já a segunda, Joaquina Marcolina Ribeiro Dantas (27/01/1854 – 27/02/1941), teve cinco filhos, sendo o terceiro um menino que se chamou Celso Dantas Sales e nasceu na Fazenda Ribeiro em 4 de julho de 1884.

Lápides de Horácio Sales e suas esposas – Foto – https://www.familysearch.org/

Esse jovem ingressou na Faculdade de Direito do Recife, bacharelando-se em 10 de dezembro de 1904. Um ano depois foi nomeado promotor público de Acari, onde conheceu Josefa Leonila de Araújo (16/04/1903 – 22/11/1959), conhecida como Teca, com quem casaria no ano de 1918. Essa jovem era filha dos acarienses Manoel Ubaldo da Silva Neto e Leonila Sérvulo de Araújo.

Celso Dantas Sales, pai de Dom Eugênio, em 1904 – Foto – Fundação Joaqiuim Nabuco.

Depois o Doutor Celso foi transferido para o estado Amazonas, onde exerceu o cargo de juiz de direito nas cidades de Lábrea, Benjamin Constant e outros municípios. Voltando ao Rio Grande do Norte em 1914, atuou como juiz em Acari. Em 8 de novembro de 1920, ainda em Acari, nasceu o segundo filho do juiz Celso e Dona Teca, que foi batizado como Eugênio de Araújo Sales.

No mesmo ano do nascimento do segundo filho, o juiz Celso foi designado para a cidade potiguar de Nova Cruz, sendo depois transferido, a pedido, para a Comarca de São José do Mipibu. Nessa cidade nasceram outros filhos do casal, inclusive Dom Heitor de Araújo Sales.

O pequeno Eugênio, ao centro, com os pais e o irmão Sílvio – Fonte – https://pt.wikipedia.org/wiki/Eug%C3%AAnio_Sales

Na sequência veio trabalhar em Natal, onde foi membro das Juntas de Sanções, depois foi nomeado desembargador por decreto em 30 de novembro de 1926 e atuou como Procurador Geral do Estado, conforme está descrito em seu necrológico no jornal natalense “A República”, publicado em 16 de outubro de 1934, quatro dias após o seu falecimento em Fortaleza, Ceará, devido a tuberculose.

Infelizmente sobre a vivência e convivência da família do Doutor Celso, Dona Teca e seus filhos na Fazenda Ribeiro eu não consegui maiores informações, mas seguramente o jovem Eugênio se tornou o potiguar com a mais expressiva história de atuação na Igreja Católica.

Depois de fazer estudos humanísticos no Colégio Santo Antônio em Natal, ingressou no seminário em 1937. Foi ordenado por Dom Marcolino Dantas sacerdote em 21 de novembro de 1943. Em seguida passou a exercer o ministério pastoral em Nova Cruz e na sequência foi chamado ao Seminário de Natal, onde atuou como encarregado de suprimentos, professor e diretor espiritual. Entre muitas outras atividades, o Padre Eugênio foi capelão da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte, no posto de Capitão.

Sino da capela da Fazenda Ribeiro – Foto – Rostand Medeiros.

Em 1 de junho de 1954, aos 33 anos, foi nomeado bispo auxiliar de Natal pelo Papa Pio XII e ordenado bispo no dia 15 de agosto de 1954, pelas mãos de Dom José de Medeiros Delgado, Dom Eliseu Simões Mendes e de Dom José Adelino Dantas. Posteriormente, em outubro de 1962, foi designado administrador apostólico da Arquidiocese de Natal. Aqui promoveu uma série de iniciativas que rapidamente se espalharam por todo o Nordeste do Brasil: fundou o serviço de assistência social aos trabalhadores rurais, centros educacionais e transmissões de rádio para ensino fundamental e médio.

Região rural da Fazenda Ribeiro – Foto – Rostand Medeiros.

Em 6 de julho de 1964 foi nomeado Administrador Apostólico em Salvador, Bahia, e em 29 de outubro de 1968 tornou-se Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, pelo Papa Paulo VI. Nesta Arquidiocese iniciou novas iniciativas pastorais e promoções sociais para os menos favorecidos. Também dirigiu o departamento de ação social do Conselho Episcopal Latino-Americano e participou do Concílio Vaticano II.

Foi proclamado Cardeal pelo Papa Paulo VI no consistório de 28 de abril de 1969. Em 29 de outubro de 1971, Paulo VI nomeou-o Arcebispo do Rio de Janeiro. Dom Eugênio de Araújo Sales faleceu em 9 de julho de 2012.

MULHERES QUE INSPIRAM – A HISTÓRIA DE UMA GUERREIRA DO MAR

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

As aventuras e épicos no mar sempre despertaram o interesse geral, e este é um fascínio muito antigo. Quase sempre vale a pena ler narrativas sobre os elementos da natureza marítima. Mas normalmente, os protagonistas desses feitos incríveis são homens.

E se uma mulher fosse protagonista de uma história marítima genuína e emocionante, os seus feitos seriam igualmente apreciados na sociedade atual?

Não me parece!

Para minha surpresa, esta mulher notável, com uma incrível história de sobrevivência no mar, está em grande parte esquecida no seu próprio país. E é um país conhecido por valorizar muito a sua própria história.

Essa seria a imagem de Mary Ann Brown na infância.

E olha que na época dos acontecimentos ela tinha apenas 19 anos e estava grávida do primeiro filho. Mas isso não a impediu de assumir o cargo de capitã de um grande veleiro depois que seu marido, o capitão, ficou gravemente doente. Ela fez isso em meio às tempestades traiçoeiras do Cabo Horn e da Passagem de Drake, que incluíram temperaturas extremamente baixas, ondas gigantes, ventos com força de furacão e muitos outros desafios. Ela também enfrentou um primeiro oficial tirânico e uma tripulação que tentou se amotinar. Porém, ela superou o cansaço, o medo e a dor e conseguiu chegar ao seu destino.

Esta é a sua história!

Uma Mulher do Mar

No nordeste dos Estados Unidos, no estado de Massachusetts, fica a grande cidade de Boston. Mesmo à sua frente está a cidade de Chelsea, um local que desde os seus primórdios tem uma forte ligação com o oceano. Em meados do século XIX, Chelsea desenvolveu-se como um importante centro industrial para a construção de veleiros, estabelecendo-se como uma potência neste setor nos Estados Unidos. Isso fez com que a cidade atraísse trabalhadores qualificados de todo o país e do mundo. E foi nesta cidade que, nas primeiras décadas do século XIX, chegou o casal inglês George e Elizabeth Brown.

George era um marinheiro profissional, com muitos anos de experiência no mar. Na nova cidade, rapidamente se envolveu em atividades marítimas. Elizabeth, como era costume no século XIX, tinha como único objetivo da sua vida cuidar da sua casa e dos seus filhos. Ainda mais por ser esposa de um marinheiro, que ficava frequentemente fora de casa, às vezes por anos.

Mary Ann Brown Patten.

Mas estas ausências não impediram George e Elizabeth de criarem uma família numerosa, cujos filhos estavam ligados ao mar. Nesta época, não foi surpresa que Mary Ann Brown, nascida em 1837, se casasse aos 16 anos com Joshua Patten, um encantador capitão do mar nove anos mais velho que ela. Mary Ann foi descrita como uma bela jovem com traços atraentes, modos refinados e graciosos, uma figura esbelta e pequena, longos cabelos escuros e olhos castanhos vibrantes.

Joshua trabalhou no comando de veleiros, transportando cargas e passageiros de Nova York a Boston. Mas ele era uma estrela em ascensão entre os capitães de navios, por isso não foi surpresa quando lhe foi oferecido o comando de um elegante e poderoso Clipper.

Este tipo de navio surgiu à medida que o comércio e a economia global se expandiam. Basicamente, era um tipo de veleiro de carregamento rápido que se originou nos Estados Unidos e teve seu apogeu em meados do século XIX. As características mais marcantes do navio eram a proa bem cortada, a largura estreita em relação ao comprimento e as altas velocidades alcançáveis. Esses recursos resultaram em espaço de carga limitado em favor da velocidade. Os mastros, postes e estruturas eram relativamente grandes, e velas adicionais a favor do vento eram frequentemente usadas. Este tipo de embarcação requer um grande número de tripulantes e comandantes experientes e bem preparados. Joshua Patten foi um deles!

Uma Mulher a Bordo

Pintura original do Clipper Neptune’s Car.

Ele recebeu um veleiro pesando mais de 1.600 toneladas, com velas enormes, e batizado de Neptune’s Car (Carro de Netuno).

Este navio foi lançado em 16 de abril de 1853, no estaleiro Page & Allen Company, na cidade de Portsmouth, Virgínia. Posteriormente, foi adquirida pela empresa de transportes Foster & Nickerson’s Line de Nova York. Em sua época, o Neptune’s Car era considerado um barco longo e elegante. Tinha 68 metros de comprimento, boca de 12 metros e capacidade para transportar 1.616 toneladas de carga. Ela tinha três mastros altos e carregava 25 velas, a maior das quais tinha aproximadamente 21 metros de diâmetro. Um verdadeiro colosso do seu tempo.

Uma pintura do famoso Clipper Cutty Sark, de Jack Spurling. Este navio está inteiramente preservado na Inglaterra.

Entre os principais destinos alcançados pelos velozes Clippers estava a cidade norte-americana de São Francisco, na costa oeste dos Estados Unidos. O problema era que, antes do Canal do Panamá, a única forma de chegar lá por mar era partir de um porto da costa leste, sendo Nova York o principal, e navegar para sul ao longo de toda a costa da América do Norte. E pelo sul, atravessando o traiçoeiro Cabo Horn e a Passagem de Drake, entrando no Oceano Pacífico, depois traçando todo o litoral sul-americano em direção ao norte, passando pela costa do México, e finalmente chegando a São Francisco. Uma viagem com duração de quatro meses e aproximadamente 24 mil quilômetros. Apesar dos desafios e obstáculos, esta rota desempenhou um papel crucial no apoio à economia em expansão impulsionada pela mineração de ouro na Califórnia. As empresas de transporte marítimo obteriam enormes lucros entregando prontamente alimentos e suprimentos para a área.

Anúncio original do Clipper Neptune’s Car.

O Neptune’s Car completou com sucesso sua primeira viagem entre Nova York e São Francisco, com a navegação provando ser um sucesso. Porém, o relacionamento entre a tripulação deixou a desejar. Entre os problemas ocorridos com o comandante e a tripulação, não faltaram ameaças de motim. O capitão avisou que atiraria em qualquer um que ousasse concretizar tal ideia. Evidentemente, todos a bordo foram para a rua e Joshua Patten foi chamado para assumir o comando.

Logo, Lady Mary Ann Brown Patten insistiu em se juntar ao marido em sua primeira viagem como capitão do Neptune’s Car. Ela teve uma oportunidade que poucas mulheres de sua época teriam: conhecer o mundo a bordo de um navio.

Eles viajaram para o extremo sul do continente americano e entraram no Oceano Pacífico antes de chegarem a São Francisco. Desta cidade surgiu um novo trabalho de transporte de cargas, e eles seguiram para Xangai, na China, onde embarcaram uma grande quantidade de chá com destino a Londres, na Inglaterra. Eles retornaram ao Oceano Atlântico navegando pelo traiçoeiro Cabo Horn a caminho de seu destino. Eles passaram vários meses juntos no mar antes de retornarem para Nova York, Boston e Chelsea.

Embora as mulheres tripulantes de navios fossem muito raras naquela época, não era incomum que as esposas dos comandantes estivessem presentes nos navios de carga. Nos jornais do século XIX, era comum encontrar notícias no site da Biblioteca Nacional sobre navios ancorados no porto do Rio de Janeiro. Essas matérias mencionavam o nome do navio, a tonelagem, a carga, o capitão, os tripulantes e ainda destacavam a presença da esposa do comandante, que os jornais frequentemente elogiavam.

Normalmente, durante a navegação, as esposas desses oficiais permaneciam em suas cabines, realizando atividades como ler, tricotar ou tocar algum instrumento musical próprio de senhoras modestas. Ocasionalmente, elas saíam para tomar um pouco de ar fresco e acompanhavam seus maridos em caminhadas tranquilas pelos portos de destino. Mas para Mary Ann Potter, permanecer a bordo seria diferente.

Ela não queria ser apenas a “esposa do capitão”. Ela estava determinada a ser útil e aprender tudo o que pudesse para ajudar o marido a bordo do Neptune’s Car.

Diz-se que Mary Ann passava o tempo pesquisando na pequena biblioteca do navio, lendo sobre a medicina rudimentar de sua época e ajudando os marinheiros com suas doenças. Joshua, por sua vez, ajudou sua esposa em sua busca por conhecimento, ensinando-lhe os conceitos básicos de navegação, meteorologia, cordas, velas e outras funções dos marinheiros. Ele também ensinou sua esposa a navegar usando equipamentos como sextante, bússola, astrolábio e cartas de navegação. Apesar de enfrentar certas limitações financeiras, Mary recebeu o apoio necessário de sua família em Chelsea para receber uma educação excelente. Ela não demonstrou dificuldades em compreender conceitos técnicos complexos.

O que ninguém a bordo do Neptune’s Car tinha ideia era da utilidade futura desses ensinamentos.

E seria um futuro muito problemático!

A Ganância dos Impuros

Em julho de 1856, o Neptune Car estava se preparando para sua segunda viagem com o Capitão Joshua no comando. Mary Ann acompanharia o marido, mas estava grávida do primeiro filho. Só ela e Joshua compartilharam esse segredo. Provavelmente acreditavam que haveria tempo suficiente para viajar de Nova York a São Francisco e que a criança nasceria em Chelsea quando voltassem. Uma ideia um tanto arriscada.

Uma pintura de 1855, de Fitz Henry Lane, mostrando o porto de Nova York.

Pois bem, sabemos que naquela época as mulheres eram ensinadas a se considerarem e agirem como o “sexo mais fraco”, e que deveriam sempre se proteger para evitar problemas. Mas acho que Mary Ann faltou àquela aula!

Os problemas logo começaram.

Durante o ataque, houve um acidente e o leal primeiro oficial de Joshua quebrou a perna. Os financiadores Foster & Nickerson, ansiosos por não perder tempo, colocaram um jovem inexperiente chamado William Keeler nesta posição delicada. Algo imprudente, pois depois do comandante, ele era o primeiro oficial que tomava todas as decisões de um navio.

Os problemas continuaram quando Joshua começou a se sentir mal devido a uma doença desconhecida, que só pioraria seu estado mais tarde. Mas Foster & Nickerson, uma dupla de capitalistas ambiciosos e sem coração, desconsideraram a situação difícil do seu empregado e lançaram-no ao mar com Keeler.

O principal motivo de toda essa correria foi que a Foster & Nickerson não queria lucrar apenas com a entrega de cargas. Eles fizeram uma aposta substancial contra os proprietários de outros três navios Clippers que estavam programados para viajar na mesma rota de Nova York a São Francisco, todos partindo simultaneamente. Como o Neptune Car ainda era um navio relativamente novo, eles queriam demonstrar as suas capacidades e garantir que seria o primeiro a chegar ao porto de destino. É verdade que o capitão vencedor poderia ganhar entre US$ 1.000 e US$ 3.000, o que era considerado uma fortuna na época, se completasse a viagem primeiro. Apesar do incentivo, na verdade, a linha Foster & Nickerson seguiu a antiga tradição de indivíduos ricos que estavam dispostos a arriscar a vida de seus funcionários para superar outros indivíduos ricos.

Então eles partiram, e Joshua confiou a Keeler para manter o curso enquanto ele tentava descansar e se recuperar com a ajuda de sua esposa. Mas Keeler provou ser um idiota incompetente em pouco tempo. Sua lista de infrações é impressionante: ele dormiu metade de seus turnos, navegou em recifes de coral, exigiu ordens para tarefas simples e, por fim, recusou-se abertamente a realizar certas tarefas com os marinheiros, como içar velas. Cerca de um mês depois de partir de Nova York, o comandante Joshua trancou-se em sua cabine.

O navio estava no extremo sul e agora enfrentava constantes vendavais de neve e granizo. Nenhum dos outros membros da tripulação foi capaz de realizar a navegação. O segundo oficial era analfabeto e o terceiro era outro idiota que por acaso era amigo de Keeler.

Pintura de um Clipper enfrentando as ondas do temido Cabo Horn.

O capitão Joshua teve que ficar acordado dia e noite para manter o curso correto. Por causa disso, ele confiou cada vez mais em Mary Ann para ajudá-lo a confirmar sua posição, curso e velocidade. Ele reconheceu que ela era uma matemática melhor do que ele. Quando o grande navio chegou ao Estreito de Le Maire, estreita passagem marítima entre a Ilha dos Estados e o extremo leste da Terra do Fogo, na Argentina, o estado do capitão piorou. Ele teve febre, delirou e acabou incapacitado em sua cabine. Mary Ann então assumiu o comando pela primeira vez.

Se os problemas já eram enormes, para complicar ainda mais, a Mãe Natureza parecia decidida a atacar aquele veleiro com todas as suas forças. No Cabo Horn, o Neptune Car foi sacudido por ondas de quinze metros e ventos que atingiram velocidades de 160 quilômetros por hora. O céu escureceu, transformando-se em uma massa rodopiante de nuvens, vento e chuva. Sem saber a sua localização exata, Mary Patten decidiu que a sua única hipótese de sobrevivência era desviar-se temporariamente do curso mais curto e seguir para oeste, em antecipação a condições mais favoráveis. Ela então dirigiu o navio na direção sul-sudeste, navegando com o vento. Assim, o Neptune’s Car escapou rapidamente dos perigos do Cabo Horn.

Mas a maior ameaça ainda era aquele desprezível Keeler.

Capitão Mary Ann

Ao saber da saúde debilitada do capitão, ele enviou uma carta a Mary oferecendo-se para assumir o comando se ela o libertasse. Dada a extrema gravidade da situação do marido, ela inicialmente aceitou a oferta. Keeler gentilmente se ofereceu para aliviá-la do fardo e assumir o controle sozinho. Mas Mary Ann respondeu que não podia aceitar esta condição, pois tinham muitos problemas como casal. Keeler então tentou incitar a tripulação ao motim, mas felizmente eles recusaram.

A condição do capitão melhorou um pouco e ele concordou em deixar Keeler assumir o comando para dispensar sua esposa de suas funções. Ele pode não ter acreditado nas habilidades de Mary Ann, mas a condição dela também era complexa. Independentemente desta questão, rapidamente se tornou evidente que se tratava de um erro significativo.

Primeiro, devido à doença do capitão, Keeler proibiu Mary Ann de subir ao convés para fazer medições de navegação. Então, por motivos ainda desconhecidos dos que investigaram o assunto, o primeiro oficial começou a dirigir secretamente o navio em direção ao porto chileno de Valparaíso, apesar das ordens explícitas de ir diretamente para São Francisco. Porém, ele não possuía a competência da única mulher a bordo.

Mary Ann, apesar de estar praticamente confinada aos dormitórios, percebeu que eles estavam se desviando do rumo. E para provar isso, ela montou uma bússola básica nos aposentos do capitão e demonstrou a situação para Joshua. Ao confirmar a ação e com milhares de dólares em valiosos maquinários e suprimentos para os campos de mineração de ouro da Califórnia a bordo do navio, o capitão ordenou que o primeiro oficial fosse confinado novamente, após uma acalorada discussão com Mary Ann.

Mas isso foi demais para Joshua. O capitão desenvolveu uma pneumonia, o que só complicou a doença não diagnosticada que tinha no início da viagem: a meningite tuberculosa.

Mary, que ainda estava no sexto mês de gravidez, assumiu o controle total do navio. Apesar de sua deficiência intelectual, ela recebeu apoio e assistência do segundo oficial. O Neptune Car continuou avançando através de tempestades mortais que abalaram o navio. Enquanto isso, a situação de Josué piorou cada vez mais. A infecção se espalhou para seu cérebro, fazendo com que ele ficasse delirante, cego e parcialmente surdo.

Enquanto isso, dada a situação, Keeler tentou convencer a tripulação a se juntar a ele em um motim contra Mary Ann Patten. Ele ouviu os terríveis rumores sobre a conspiração e temeu que o desespero tornasse a tripulação vulnerável ao seu controle. Ela não podia deixar isso acontecer. O Dayle Tribune de Nova York relatou mais tarde: “Sra.” Patten reuniu os marinheiros no convés e explicou-lhes a terrível situação de seu marido, ao mesmo tempo que solicitou o apoio deles para ela e seu segundo imediato. Cada homem respondeu ao seu chamado com a promessa de obedecer a todas as suas ordens. A incomparável Sra. Patten agora dirigia todos os movimentos a bordo.

Agora, a capitã Mary Ann Patten avisou Keeler que o denunciaria às autoridades de São Francisco por tentativa de tumulto e que ele seria enviado para a prisão. Vale ressaltar que, naquela época, a pena mais comum para os amotinados era a morte por enforcamento.

Mais tarde, Mary comentou que passou 50 dias usando as mesmas roupas, com tempo mínimo para higiene pessoal, em meio a um estresse extremo, cercada por uma equipe desafiadora e um marido muito doente. Ela sentiu a necessidade de assumir o comando do navio e se manter informada sobre tudo o que acontecia a todo momento.

Uma fotografia do porto de São Francisco em 1851.

Finalmente, quatro meses depois de deixar Nova York, o navio chegou a São Francisco em 15 de novembro de 1856. Mary Ann assumiu o comando e guiou o navio até o cais. No total, ela ficou sozinha no comando do navio por 56 dias.

Os espectadores no porto ficaram surpresos. O segundo oficial do navio gritou por ajuda para colocar o capitão Patten em uma maca. O orgulhoso capitão parecia magro e frágil, com um rosto pálido e cinzento. Os estivadores ficaram ainda mais curiosos com a presença de uma jovem de aparência delicada entre a tripulação de homens, dando ordens. A julgar pela redondeza de sua barriga, era evidente que ela estava grávida de aproximadamente seis meses. Apesar disso, ela permaneceu ao lado do marido enquanto ele era transportado para o hospital. Logo, a notícia se espalhou de boca em boca por toda São Francisco.

Um jornal do estado da Virgínia, com os relatos dos feitos heróicos de Mary Ann Patten.

Quando a imprensa soube como ela conseguiu comandar um poderoso Clipper, cuidar do marido, proteger o navio e a carga e controlar o primeiro oficial desonesto, tudo isso aos 19 anos e grávida, Mary Ann Patten se tornou uma celebridade instantânea. Jornal após jornal a entrevistou..

Jornais de todo o mundo, incluindo aqueles tão distantes como Londres, começaram a divulgar esta notícia. Jornalistas ansiosos começaram a juntar as peças da história triste, mas inspiradora. Enquanto isso, ela descobriu que seu barco havia ficado em segundo lugar na “Corrida dos Clippers de 1856”, algo para o qual ela não estava preparada. Chegando a São Francisco, Ella Mary tornou-se uma sensação nacional.

Acontece que o capitão Joshua Patten era maçom e, para apoiá-lo durante sua doença, eles receberam assistência significativa do Templo Maçônico da Califórnia. Também receberam apoio da Maçonaria para retornar a bordo de um navio, o George Law, que os levaria a Nova York e depois a Boston.

Em Nova York, um jornalista do New York Daily Tribune (página 5, 18/02/1857) comentou que o casal estava hospedado no Battery Hotel. Foi mencionado que Joshua foi carregado em uma liteira do navio para o hotel por seus irmãos Mason. E que seu estado era “delicado”. Tão delicado que o jornalista, sem qualquer sentido, afirmou que Mary Ann “em breve ficaria viúva”. Mesmo em conexão com a Maçonaria, onde Joshua Patten estava antes de vir para Boston, ele recebeu o apoio dos irmãos maçônicos.

Enquanto o casal voltou para casa, William Keeler nunca foi para a prisão ou foi executado. Ainda a bordo do Neptune’s Car, ele escapou com a ajuda de um companheiro e desapareceu. Ele deve ter mudado de nome e, quem sabe, se tornado um gigolô em uma taverna do Velho Oeste, ou um ladrão de cavalos, ou um agiota, etc.

O Fim Precoce de Uma Guerreiro do Mar

Depois de chegar a Boston e Chelsea, apesar da atenção da mídia, ela encontrou um problema com a empresa do marido. Embora Mary Ann estivesse grávida e seu marido estivesse muito doente, Foster & Nickerson recusou-se terminantemente a pagar a Joshua seu salário e bônus. Alegaram que ele havia entregue o navio a alguém “sem qualquer treinamento ou experiência”. Permaneceram teimosos até o fim e nunca pagaram um único centavo, apesar de o capitão claramente merecer.

Mary escreveu uma carta à seguradora, Atlantic Mutual Insurance Company, explicando o que havia acontecido durante a viagem. Foi somente depois de um protesto público que a empresa concedeu a Joshua um bônus de US$ 5.000 e mostrou sua magnanimidade enviando US$ 1.000 para Mary Ann. Prêmio do ano. De qualquer forma, a carga que ele salvou valia 350 mil dólares.

Os jornalistas que acompanharam a história não ficaram impressionados com a “generosidade”. O New York Daily Tribune de 1º de abril de 1857 proclamou sarcasticamente: “Mil dólares por uma heroína… das mãos caridosas e agradecidas de oito companhias de seguros com capitais grandes o suficiente para segurar uma marinha…”

Sendo uma mulher educada do século 19, ela escreveu-lhes para agradecer sinceramente e pediu-lhes que também agradecessem aos membros da tripulação do Neptune’s Car que apoiaram ela e seu marido. E como mulher vitoriana, ela minimizou o seu próprio papel, afirmando que estava “apenas cumprindo os seus deveres de esposa por causa do marido”.

Um jornal de Boston lançou uma campanha para cobrir as despesas dos cuidados médicos contínuos de Joshua, bem como o próximo nascimento de seu primeiro filho. Mary Ann recebeu US$ 1.399.

Conforme comentado por um jornalista do New York Daily Tribune, Mary Ann logo ficou viúva. Joshua morreu em 26 de julho de 1857, aos 30 anos, no Asilo McLean, em Boston. Ele morreu cego, surdo e completamente inconsciente. Ele nem sabia que Mary Ann havia dado à luz seu filho, Joshua Patten Jr. No dia de sua morte, as bandeiras marítimas do porto tremulavam a meio mastro e os sinos das igrejas dobravam em sua homenagem.

The New York Daily Tribune – 28-07-1857.

Mas os problemas não terminaram. Pouco depois, o pai de Mary, que também era marinheiro, se perdeu no mar.

Infelizmente, Mary Ann Brown Patten nunca se recuperou totalmente da intensa experiência. Em 1860, ela também contraiu tuberculose. Em 17 de março de 1861, com a idade de 23 anos, 11 meses e 11 dias, ela morreu. Ela está enterrada em Boston ao lado do marido.

Necrologio de Mary Ann Patten, em um jornal da cidade de Baltimore.

Memória

No Brasil, existe a ideia de que os Estados Unidos são uma nação que “valoriza muito a sua história”, que o povo de lá “é muito patriótico” e que “dá muito valor aos seus símbolos e heróis”. Porém, no caso de Mary Ann Patten, não é assim!

Hoje, apesar da importância dos acontecimentos de 1856, esta mulher é lembrada principalmente por ser reconhecida como a primeira mulher a comandar um navio mercante nos Estados Unidos. Em homenagem a ela, um hospital chamado Patten Health Service Clinic, da Marinha Mercante, leva seu nome e fica localizado em King’s Point, Nova York. E isso aconteceu mais de 100 anos após sua realização.

Pelo que pesquisei, nenhum navio americano leva o nome dela. Mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos construíram uma imensa frota de navios de carga, conhecidos como “Liberty Ships”, com um total surpreendente de 2.710 navios concluídos, nenhum deles foi nomeado em homenagem a esta mulher. Vários desses navios receberam nomes de mulheres. Posso estar errado, mas não encontrei nenhuma referência à vida dela sendo tema de um filme ou documentário de Hollywood. Sei que ela serviu de inspiração para um romance, mas não encontrei obra literária mais abrangente sobre sua vida.

Mas o que aconteceu com ela em 1856 é algo que não deve ser esquecido.

WOMEN WHO INSPIRE – THE STORY OF AN OCEAN WARRIOR

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Adventures and epics at sea have always attracted general interest, and this is a very ancient fascination. Narratives about the elements of maritime nature are almost always worth reading. But typically, the protagonists of these incredible feats are men.

And if a woman were the protagonist of a genuine and gripping sea story, would her accomplishments be equally appreciated in today’s society?

It doesn’t seem like it to me!

This would be the image of Mary Ann Brown as a child.

To my surprise, this remarkable woman, with an incredible story of survival at sea, is largely forgotten in her own country. And it is a country known for highly valuing its own history.

And look, at the time the events happened, she was only 19 years old and pregnant with her first child. But that did not prevent her from taking over as the captain of a large sailboat after her husband, the captain, became seriously ill. She did this in the midst of the treacherous storms of Cape Horn and the Drake Passage, which included extremely cold temperatures, giant waves, hurricane-force winds, and many other challenges. She also faced a tyrannical first officer and a crew that attempted to mutiny. However, she overcame fatigue, fear, and pain, and managed to reach her destination.

This is your story!

A Woman of the Sea

In the northeastern United States, in the state of Massachusetts, lies the great city of Boston. Just in front of it is the city of Chelsea, a place that has had a strong connection with the ocean since its early days. In the mid-19th century, Chelsea developed as a significant industrial center for sailboat construction, establishing itself as a powerhouse in this sector in the United States. This led to the city attracting skilled workers from all over the country. And it was in this city where, in the first decades of the 19th century, the English couple George and Elizabeth Brown arrived.

George was a professional sailor, experienced with many years at sea. In the new city, he quickly became involved in maritime activities. Isabel, as was customary in the 19th century, had the sole objective of her life to care for her home and her children. Even more so as the wife of a sailor, she was often away from home, sometimes for years.

Mary Ann Brown Patten.

But these absences did not prevent George and Elizabeth from creating a large family, whose children were connected to the sea. In this era, it was not surprising that Mary Ann Brown, born in 1837, married at the age of 16 to Joshua Patten, a charming sea captain who was nine years her senior. Mary Ann was described as a beautiful young woman with attractive features, refined and graceful manners, a slim and petite figure, long dark hair, and vibrant brown eyes.

Joshua worked at the helm of sailboats, transporting cargo and passengers from New York to Boston. But he was a rising star among ship captains, so it was no surprise when he was offered the command of a sleek and powerful Clipper.

This type of ship emerged as trade and the global economy expanded. Basically, it was a type of fast-loading sailboat that originated in the United States and had its heyday in the mid-19th century. The most striking features of the ship were its well-cut bow, narrow width in relation to its length, and high achievable speeds. These features resulted in limited cargo space in favor of speed. The masts, posts, and frames were relatively large, and additional downwind sails were often used. This type of vessel requires a large number of experienced and well-prepared crew members and commanders. Joshua Patten was one of them!

A Woman on Board

He was assigned a sailboat weighing more than 1,600 tons, with massive sails, and named Neptune’s Car.

Original drawing of the Clipper Neptune’s Car.

This ship was launched on April 16, 1853, at the Page & Allen Company shipyard in the city of Portsmouth, Virginia. It was later acquired by the transport company Foster & Nickerson’s line from New York. In its time, Neptune’s Car was considered a long and elegant boat. It was 68 meters long, had a beam of 12 meters, and could carry 1,616 tons of cargo. She had three tall masts and carried 25 sails, the largest of which was approximately 70 feet in diameter. A true colossus of its time.

Among the main destinations reached by the fast Clippers were the North American city of San Francisco, on the west coast of the United States. The problem was that, before the Panama Canal, the only way to reach there by sea was to depart from a port on the east coast, with New York being the main one, and sail south along the entire coast of North America.

A painting of the famous Clipper Cutty Sark by Jack Spurling. This ship, which also produces a great whiskey, is entirely preserved in England.

And from the south, crossing the treacherous Cape Horn and the Drake Passage, entering the Pacific Ocean, then tracing the entire South American coastline in a northerly direction, passing along the coast of Mexico, and finally reaching San Francisco. A trip lasting four months and covering approximately 24,000 kilometers. Despite the challenges and obstacles, this route played a crucial role in supporting the booming economy driven by gold mining in California. Shipping companies stood to make enormous profits by delivering food and supplies to the area promptly.

Neptune’s Car had successfully completed its first voyage between New York and San Francisco, with navigation proving to be successful. However, the relationship between the crew left something to be desired. Among the problems that occurred with the commander and the crew, there was no shortage of threats of mutiny. The captain warned that he would shoot anyone who dared to carry out such an idea. Evidently, everyone on board went to the street, and Joshua Patten was called to take command.

Original Clipper Neptune’s Car advertisement.

Soon, Lady Mary Ann Brown Patten insisted on joining her husband on his first voyage as the captain of Neptune’s Car. She had an opportunity that few women of her time would get: to see the world aboard a ship.

They traveled to the southernmost part of the American continent and entered the Pacific Ocean before reaching San Francisco. From this city, a new cargo transport job emerged, and they went to Shanghai, China, where they shipped a large quantity of tea destined for London, England. They returned to the Atlantic Ocean by navigating the treacherous Cape Horn on their way to their destination. They spent several months together at sea before returning to New York, Boston, and Chelsea.

Although women crewing ships was very rare at that time, it was not uncommon for the wives of commanding officers to be present on cargo ships. In the 19th century newspapers, it was common to find news articles on the National Library website about ships anchoring in the port of Rio de Janeiro. These articles would mention the ship’s name, tonnage, cargo, captain, crew members, and even highlight the presence of the commander’s wife, which the newspapers often praised.

Normally, during navigation, the wives of these officers would stay in their cabins, engaging in activities such as reading, knitting, or playing a musical instrument befitting of modest ladies. They would occasionally come out to get some fresh air and accompany their husbands on leisurely walks through the ports of destination.. But for Mary Ann Potter, staying on board would be different.

She didn’t want to merely be the “captain’s wife.” She was determined to be useful and learn everything she could to assist her husband on board the Neptune Car.

It is said that Mary Ann spent her time searching the ship’s small library, reading about the rudimentary medicine of her day, and assisting sailors with their ailments. Joshua, in turn, helped his wife in her quest for knowledge by teaching her the basics of navigation, meteorology, ropes, sails, and other duties of sailors. He also taught his wife how to navigate using equipment such as a sextant, compass, astrolabe, and navigation charts. Despite facing certain financial limitations, Mary received the necessary support from her family in Chelsea to receive an excellent education. She demonstrated no difficulties in grasping complex technical concepts.

What no one aboard the Neptune Car had any idea of was the future usefulness of these teachings.

And it would be a very problematic future!

The Greed of the Unclean

In July 1856, Neptune’s Car was preparing for its second voyage with Captain Joshua in command. Mary Ann would accompany her husband, but she was pregnant with her first child. But only she and Joshua shared this secret. They probably believed that there would be enough time to travel from New York to San Francisco, and that the child would be born in Chelsea upon their return. A somewhat risky idea.

An 1855 painting by Fitz Henry Lane showing New York Harbor.

Well, we know that at that time, women were taught to consider themselves and act as the “weaker sex,” and that they should always protect themselves to avoid problems. But I think Mary Ann missed that class!

The problems soon began.

During the charge, there was an accident, and Joshua’s loyal first officer broke his leg. Financiers Foster & Nickerson, eager to waste no time, placed an inexperienced young man named William Keeler in this delicate position. Something reckless, because after the commander, he was the first officer who made all the decisions on a ship.

The problems continued when Joshua began to feel unwell due to an unknown illness, which would only worsen his condition later. But Foster & Nickerson, a pair of ambitious and heartless capitalists, disregarded their employee’s predicament and cast him into the sea with Keeler.

The main reason for all this rush was that Foster & Nickerson didn’t just want to make a profit from the delivery of cargo. They placed a substantial wager against the owners of three other Clippers ships that were scheduled to travel the same route from New York to San Francisco, all departing simultaneously. Since the Neptune Car was still a relatively new ship, they wanted to demonstrate its capabilities and ensure that it would be the first to reach its destination port. It is true that the winning captain could earn between $1,000 and $3,000, which was considered a fortune at the time, if he completed the voyage first. Despite the encouragement, in fact, the Foster & Nickerson line followed the ancient tradition of wealthy individuals who were willing to risk the lives of their employees in order to outdo other wealthy individuals.

So off they went, and Joshua entrusted Keeler to stay the course while he tried to rest and recover with the assistance of his wife. But Keeler proved himself to be an incompetent idiot in no time at all. His list of infractions is impressive: he slept through half of his shifts, navigated courses through coral reefs, required orders for simple tasks, and ultimately, he outright refused to perform certain tasks with the sailors, such as raising sails. About a month after sailing from New York, Commander Joshua locked himself in his cabin.

The ship was far south and was now facing constant gales of snow and hail. None of the other crew members were able to handle the navigation. The second officer was illiterate, and the third was another idiot who happened to be a friend of Keeler.

Captain Joshua had to stay awake day and night to maintain the correct course. Because of this, he increasingly relied on Mary Ann to help him confirm her position, course, and speed. He acknowledged that she was a better mathematician than he. When the large ship reached the Strait of Le Maire, a narrow maritime passage between the Island of the States and the easternmost part of Tierra del Fuego, Argentina, the captain’s condition worsened. He developed a fever, became delirious, and eventually became incapacitated in his cabin. Mary Ann then took charge for the first time.

Painting of a Clipper facing the waves of the feared Cape Horn.

If the problems were already enormous, to complicate things even further, Mother Nature seemed determined to attack that sailboat with all her might. At Cape Horn, the Neptune Car was rocked by fifty-foot waves and winds reaching speeds of 100 miles per hour. The sky darkened, transforming into a swirling mass of clouds, wind, and rain. Unsure of her exact location, Mary Patten decided that her only chance of survival was to temporarily deviate from the shortest course and head west, in anticipation of more favorable conditions. She then steered the ship towards the south-southeast, sailing with the wind. Thus, the Neptune Car quickly escaped the dangers of Cape Horn.

But the biggest threat was still that despicable Keeler.

Captain Mary Ann

Upon learning of the captain’s poor health, he sent Mary a letter offering to assume command if she released him. Given the extreme seriousness of her husband’s situation, she initially accepted the offer. Keeler kindly offered to relieve her of the burden and take control himself. But Mary Ann responded that she could not accept this condition since they had many problems as a couple. Keeler then attempted to incite the crew to mutiny, but fortunately, they refused.

The captain’s condition improved somewhat, and he agreed to let Keeler take the helm to relieve his wife of her duties. He may not have believed in Mary Ann’s abilities, but her condition was also complex. Regardless of this issue, it quickly became evident that it was a significant mistake.

First, due to the captain’s illness, Keeler prohibited Mary Ann from going on deck to take navigational measurements. Then, for reasons still unknown to those who investigated the matter, the first officer began secretly steering the ship towards the Chilean port of Valparaíso, despite explicit orders to go directly to San Francisco. However, he did not possess the competence of the sole woman on board.

Mary Ann, despite being largely confined to the dormitories, noticed that they were veering off course. And to prove it, she set up a basic compass in the captain’s quarters and demonstrated the situation to Joshua. Upon confirming the action and with thousands of dollars’ worth of valuable machinery and supplies for the California gold mining fields on board the ship, the captain ordered the first officer to be confined again, following a heated argument with Mary Ann.

But this was too much for Joshua. The captain developed pneumonia, which only complicated the undiagnosed illness he had at the beginning of the trip: tuberculous meningitis.

Mary, who was still in the sixth month of pregnancy, took full control of the ship. Despite her intellectual disabilities, she received support and assistance from the second officer. The Neptune Car continued to move forward through deadly storms that rocked the ship. Meanwhile, Joshua’s situation became increasingly worse. The infection had spread to his brain, causing him to become delirious, blind, and partially deaf.

Meanwhile, given the situation, Keeler attempted to convince the crew to join him in a mutiny against Mary Ann Patten. He heard the terrible rumors about the conspiracy and feared that desperation would make the crew vulnerable to his control. She couldn’t let that happen. The Dayle Tribune of New York later reported, “Mrs.” Patten gathered the sailors on deck and explained to them the dire situation of her husband, while also requesting their support for her and her second mate. Each man responded to her call with a promise to obey all of her orders. The incomparable Mrs. Patten now directed all movements on board.

Now, Captain Mary Ann Patten warned Keeler that she would report him to the San Francisco authorities for attempted rioting, and he would be sent to jail. It is worth noting that at that time, the most common sentence for mutineers was death by hanging.

Mary later commented that she spent 50 days wearing the same clothes, with minimal time for personal hygiene, amidst extreme stress, surrounded by a challenging team and a very ill husband. She felt the need to take charge of the ship and stay informed about everything that was happening at all times.

A Photograph of the Port of San Francisco in 1851.

Finally, four months after leaving New York, the ship arrived in San Francisco on November 15, 1856. Mary Ann took command and guided the ship to the dock. In total, she was alone in command of the ship for 56 days.

The spectators at the port were surprised. The ship’s second officer shouted for help to lift Captain Patten onto a stretcher. The proud captain looked thin and frail, with a pallid gray face. The dockworkers were even more curious about the presence of a delicate-looking young woman among the crew of men, giving orders. Judging by the roundness of her belly, it was evident that she was approximately six months pregnant. Despite this, she remained by her husband’s side as he was transported to the hospital. Soon, the news spread by word of mouth throughout San Francisco.

A Virginia state newspaper reporting the heroic deeds of Mary Ann Patten.

When the press learned how she managed to command a powerful Clipper, take care of her husband, protect the ship and cargo, and control the rogue first officer, all at the age of 19 and while pregnant, Mary Ann Patten became an instant celebrity. Newspaper after newspaper interviewed her.

Newspapers around the world, including those as far away as London, began reporting this news. Eager journalists began piecing together the sad yet inspiring story. Meanwhile, she discovered that her boat had even come in second place in the “Clippers Race of 1856,” something she was not prepared for. Arriving in San Francisco, Ella Mary became a national sensation.

It turns out that Captain Joshua Patten was a Freemason, and to support him during his illness, they received significant assistance from the California Masonic Temple. They also received support from Freemasonry to return aboard a ship, the George Law, which would take them to New York and then to Boston.

In New York, a journalist from the New York Daily Tribune (page 5, 02/18/1857) commented that the couple was staying at the Battery Hotel. It was mentioned that Joshua was carried in a litter from the ship to the hotel by his Mason brothers. And that his condition was “delicate.” So delicate that the journalist, without any sense, stated that Mary Ann “would soon be a widow.” Even in connection with Freemasonry, where Joshua Patten was before coming to Boston, he received the support of the Masonic brothers.

While the couple returned home, William Keeler never went to prison or faced execution. Still aboard the Neptune Car, he escaped with the assistance of a companion and vanished. He must have changed his name and, who knows, become a gigolo in a Wild West tavern, or a horse thief, or a loan shark, etc.

The Early End of a Sea Warrior

After arriving in Boston and Chelsea, despite the media attention, she encountered a problem with her husband’s company. Even though Mary Ann was pregnant and her husband was very ill, Foster & Nickerson adamantly refused to pay Joshua his salary and bonuses. They claimed that he had handed over the ship to someone “without any training or experience.” They remained stubborn until the end and never paid a single cent, despite the fact that the captain clearly deserved it.

Mary wrote a letter to the insurance company, Atlantic Mutual Insurance Company, explaining what had happened during the trip. It was only after a public outcry that the company awarded Joshua a $5,000 bonus and showed its magnanimity by sending Mary Ann $1,000. Prize of the year. Anyway, the cargo he saved was worth $350,000.

Journalists who followed the story were not impressed by the “generosity.” The New York Daily Tribune of April 1, 1857 sarcastically proclaimed, “One thousand dollars for a heroine… from the charitable and grateful hands of eight insurance companies with capitals large enough to insure a navy…”

Being an educated woman of the 19th century, she wrote to them to sincerely thank them and asked them to also acknowledge the crew members of Neptune’s Car who had supported her and her husband. And as a Victorian woman, she downplayed her own role, stating that she was “merely fulfilling her duties as a wife for the sake of her husband.”

A Boston newspaper launched a campaign to cover the expenses of Joshua’s ongoing medical care, as well as the upcoming birth of his first child. Mary Ann received $1,399.

As commented by a journalist from the New York Daily Tribune, Mary Ann was soon widowed. Joshua died on July 26, 1857, at the age of 30, at McLean Asylum in Boston. He died blind, deaf, and completely unconscious. He didn’t even know that Mary Ann had given birth to his son, Joshua Patten Jr. On the day of his death, the port’s maritime flags flew at half-mast, and church bells tolled in his honor.

The New York Daily Tribune – 07-28-1857.

But the problems did not end. Shortly after, Mary’s father, who was also a sailor, was lost at sea.

Unfortunately, Mary Ann Brown Patten never fully recovered from the intense experience. In 1860, she also contracted tuberculosis. On March 17, 1861, at the young age of 23 years, 11 months, and 11 days, she died. She is buried in Boston next to her husband.

Mortuary of Mary Ann Patten, in a Baltimore city newspaper.

Memory

In Brazil, there is an idea that the United States is a nation that “highly values its history,” that the people there “are very patriotic,” and that it “gives a lot of value to its symbols and heroes.” However, in the case of Mary Ann Patten, this is not so!

Today, despite the significance of the events in 1856, this woman is primarily remembered for being recognized as the first woman to command a merchant ship in the United States. As a tribute to her, a hospital called Patten Health Service Clinic, in the Merchant Navy, bears her name. The Academy of that country is located in King’s Point, New York. And this happened more than 100 years after her accomplishment.

As far as I have researched, no American ship is named after her. Even during World War II, when the United States built an immense fleet of cargo ships, known as “Liberty ships,” with an astonishing total of 2,710 completed, none of them were named in honor of this woman. Several of these ships were named after women. I could be wrong, but I found no reference to her life being the subject of a Hollywood movie or documentary. I know she was the inspiration for a novel, but I haven’t found a more comprehensive literary work about her life.

But what happened to her in 1856 is something that should not be forgotten.

WHEN THE POWERFUL B-29 BOMBERS PASSED OVER NATAL, BRAZIL

Group of nine B-29 bombers at Parnamirim Field in 1944. Natal was probably the only place in South America to receive this type of aircraft.

Without a doubt, the most revolutionary and expensive aircraft produced during the Second World War was the Boeing B-29. There were several reasons why the B-29s passed through Natal, in the Northeast region of Brazil, to attack distant Japan.

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

– Special thanks to my friend João Baptista Rosa Filho for his assistance in providing additional information for this article.

—————————————————————————-

In 1942, there was never any doubt among the highest political and military authorities in the United States that the Japanese Empire, the enemy nation that carried out the attack on Pearl Harbor on December 7, 1941, had to be bombed relentlessly. This situation has always been seen as natural; however, the methods used to achieve it have been questioned[1].

There was no shortage of heavy bomber models produced in the USA. The problem was that, at that time, Nazi Germany and the territories occupied by that nation also needed to be defeated. In the case of Japan, its political and economic center was located much further away from the reach of the Boeing B-17 Flying Fortress and Consolidated B-24 Liberator bombers.

But on September 21, 1942, the United States, a great industrial power, presented a solution to the case. That day, the XB-29 prototype took off from the city of Seattle in the northwest of the United States.

Boeing factory in Wichita, Kansas and the B-29 manufacturing plant.

Soon, the large four-engine aircraft was called the B-29 Superfortress. It was the largest bomber the world had ever seen at that time. Its size and sophistication, indeed the arrogance of its very creation, stood as monuments to American wealth and ingenuity. Each plane costs more than half a million dollars, which is five times the price of a British Avro Lancaster four-engine bomber. The B-29 project was considered the most expensive of the entire Second World War, costing approximately three billion dollars.

Construction of each four-engine aircraft required approximately 12,250 kg of aluminum sheet metal (27,000 pounds), more than 454 kg of copper (1,000 pounds), 600,000 rivets, 15,290 meters of wiring (9.5 miles), and 3,218 meters of piping. (2 miles). The aircraft was the world’s first pressurized bomber, equipped with a twelve-man crew, and had an impressive operational radius of 5,500 km (3,250 miles). Much more than the approximately 3,300 km (2,050 miles) that the B-17 and B-24 could travel [2]. It had a strong defensive armament battery, consisting of twelve 12.7 mm caliber machine guns in remote turrets, as well as a 20 mm cannon in the tail and central fire control. A fully loaded B-29 weighed over sixty tons.

The United States Army Air Force (USAAF) required that the new aircraft have a speed greater than 550 km/h, so the B-29 was manufactured with a highly elongated, centrally mounted wing In the fuselage circular Section [4]. The aircraft was powered by four Wright R-3350 Duplex Cyclone engines, which were rated at 2,200 to 3,700 hp (1,640 to 2,760 kW) depending on the model [5]. It was powered by 100-octane gasoline and had two turbochargers for each engine, with the aim of enhancing the bomber’s performance at high altitudes [6].

As the B-29 project progressed, anyone visiting the Dugway Proving Ground, located about 90 miles southwest of Salt Lake City in the western U.S. state of Utah, would be surprised to discover an authentic Japanese village.

The place had two dozen faithfully reproduced wooden houses, each furnished with traditional tatami (straw mats spread on the floor). In 1943, this abandoned community was destroyed for the first time by bombers, showcasing the ease and devastating impact of destruction that would later be experienced by cities in Japan. The houses in this community were constructed with fragile materials, which made them particularly vulnerable.[7]

Around the same time, air personnel identified eight priority industrial targets in Japan, Manchuria (China), and Korea. A study from October 1943 noted that only twenty Japanese cities housed 22% of the country’s entire population. It was later identified that if only 30% of these sites were destroyed, 20% of Japanese production would be lost, and the number of victims could reach 560,000 people in a short period of time [8].

The Americans had their goals, but the extensive development required for the B-29 delayed its entry into service until mid-1943. Once the design was complete, four main assembly plants were built by three separate companies, which were widely dispersed, all over the country. 9].

To achieve this feat, there was the largest subcontracting project in the world at that time. A vast network was established to provide materials, equipment, and civil and military training programs [10].

The Boeing B-29 Superfortress could truly be considered an exceptional aircraft. No other major World War II fighter model, regardless of size, had such a short interval between its first flight and its first appearance in enemy territory: only 20 months [11].

But before that someone would have to leave those planes as close to Japan as possible. But where?

A lie on the path of war

On June 1, 1943, the 58th Bombardment Wing (58th BW) was created and activated in the city of Marietta, Georgia. A large unit that housed five bombardment groups was the Bombardment Group or BG. These five units were the 40th Bombardment Group, 444th Bombardment Group, 462nd Bombardment Group, 468th Bombardment Group, and 472nd Bombardment Group, which primarily had training bases in the Kansas region. In turn, each of these bombing groups had three squadrons, with an average allocation of 20 to 30 B-29 aircraft per squadron.

Later, additional Bombardment Wings (BW) were established, each with its corresponding Bombardment Group (BG). The initial idea was to place all of these machines and their operators in the war theater area known as CBI, or China-Burma-India, which was referred to by the Americans. To organize this growing force, the XX Bomber Command was created on March 28, 1944. It established itself in the city of Kharagpur, India and was led by Major General Kenneth B. Wolfe.[12] The B-29s utilized pre-existing airfields at Chakulia, Piardoba, Dudkhundi, and Kharagpur itself. All of these bases were located in South Bengal and were in close proximity to the port facilities of Calcutta.[13] The B-29 bases in China were located in four locations in the Chengdu area, specifically in Kwanghan, Kuinglai, Hsinching and Pengshan[14].

Map showing the area of operation of B-29s to attack Japan from Chinese bases

The B-29 offensive against Japan was called Operation Matterhorn. This operation involved planning the routes for sending B-29s to India and China, as well as determining the use of support bases in these two countries and selecting the targets to be attacked in Japan[15].

While the B-29 and its support and command structure were being created, the Chiefs of Staff decided not to deploy this aircraft to Europe for combat. For the high command, using the B-29 against Germany would deprive the United States of the element of surprise against Japan [16].

Americans and English enjoying a B-29 in England.

To corroborate this plan, in early March 1944, a B-29 with the serial number 41-36963, one of the first to be built, departed from Salina, Kansas and flew to Florida. It took off at night under secret orders. Initially, it flew for an hour over the Atlantic Ocean heading south. Then, the pilot changed course and flew north to Gander Lake, located on the island of Newfoundland, where he landed at the Gander Air Force Base, Royal Canadian Air Force (RCAF Station Gander) [17]. From there, “963” flew non-stop to a base in the United Kingdom. The idea was to have technical and tactical personnel from the United States Army Air Forces in Europe evaluate the machine. Over the next two weeks, a thousand citizens, individuals with crucial roles in the war, inspected B-29 “963” at two air bases. In reality, this was all a hoax – an attempt to deceive German intelligence into believing that the B-29 would be stationed in the United Kingdom and target Hitler’s empire [18].

The first B-29 to arrive in India was flown by Colonel Leonard “Jake” Harmon, commander of the 58th Bomb Wing, which took off from Smoky Hill Base in Kansas on March 26, 1944. This B-29, with the serial number 42-6331, arrived at Chakulia, eastern India, seven days later and was delivered to the 40th Bombardment Group.

The first B-29 to arrive in India.

The author of this text then imagined that this first B-29 used the route passing through Natal, crossing the South Atlantic and heading towards the East. But it seems that in the first moments of this operation, the route through Natal was not used.

According to the American writer Robert A. Mann, author of the book B-29 Superfortress-Chronology-1934-1960, from April 1, 1944, eleven B-29s departed from Pratt Air Base, in Kansas. They then landed at the Presque Island base, in the state of Maine, on the border of the United States and Canada, where they continued to Newfoundland and landed at the Gander base[19]. After refueling and their crews were ready, the B-29s flew across the Atlantic Ocean toward USAAF Station 10 at Menara Airport in sunny Marrakesh, Morocco. The trip then continued with a landing in Cairo, Egypt, to finally make the last stretch to Chakulia, India.

Other aircraft continued to use this route, but it was not long before a B-29, number 42-6350, belonging to the 462nd Bombardment Group, suffered an accident in Marrakesh. There were no casualties, but there was a total loss of the plane [20].

The B-29 That Lit Up Natal Eve And Its Survivor

Perhaps due to wear and tear on the crews due to the long crossing of the Atlantic, or on the machines, or the flight time, or the weather conditions, at some point the B-29s began to leave Kansas heading for Natal.

I did not find any additional information indicating the exact beginning of this passage, the correct route used or the number of planes present. But through the report by military doctor George A. Johannessen, delivered on August 23, 2007 to researchers at the Rutgers School of Arts and Sciences, Rutgers University, in New Brunswick, New Jersey, United States, we have the information that “the first The B-29s came to Natal.” Dr. Johannessen wondered, “Why would they come in Natal?” [21].

Record of 1st Lieutenant Austin J. Peek, pilot of the B-29 that crashed in Natal, Brazil, on August 10, 1944.

This question from Dr. Johannessen is even more surprising considering that in the same report he states that Natal was the main route for planes departing from the United States. Furthermore, during the winter, it served as an air route for planes from the Eighth Air Force, based in England. He also commented that at the beginning of the conflict, planes headed to West Africa, Sicily, Italy, China, Burma (now Myanmar) and India passed through Natal.

1º Tenente Austin J. Peek.

The doctor reported that the B-29s did not land in Belém and were heading directly to Natal. He simply didn’t comment on where they came from. What if these planes landed in Miami or stopped at Waller Air Force Base on the island of Trinidad (now Trinidad and Tobago)? I owe you!

But they continued to arrive in Natal, the only city in South America that received the B-29s on their way to Japan, the code that Natal received as their destination was UJAW – UNIFORM, JULIET, ALFA, WHISKIE. Without a doubt, a code created to appear in documentation and be used via radio [22].

Copilot 2nd Lieutenant Willard R. Heintzelman, at his wedding.

On August 10, 1944, a B-29 crashed after taking off from Parnamirim Field. Again, through Dr. Johannessen’s story, we have some details of this terrible accident in which there was only one survivor.

What we know about this aircraft is that it was a Boeing B-29-30-BW Superfortress model, number 42-24482. It was delivered to the USAAF on May 24, 1944, at the Boeing factory in Wichita, Kansas [23]. The crew consisted of ten people. They were 1st Lt. Austin J. Peek, pilot, 2nd Lt. Willard R. Heintzelman; co-pilot, 2nd Lt. John F. O’Neill; navigator, 2nd Lt. Leroy Judson; bombardier, 2nd Lt. Dale E. Shillinger; engineer. Of Flight, the third sergeant. Harold R. Brown was the radio operator, Sergeant Kurt F. Seeler served as the radar operator, Corporal Anthony A. Cobbino was the left side gunner, Corporal Walter Roy Newcomb was the right side gunner, and Corporal David C. Prendiz served as the tail gunner.

2nd Lieutenant Willard R. Heintzelman in cold weather flight suit.

According to Dr. Johannessen, the accident occurred around ten o’clock at night on Thursday, August 10th. The B-29 took off to cross the Atlantic, but unfortunately, the plane crashed approximately 5.5 kilometers (3.5 miles) from the Parnamirim field runway, just a few kilometers away from Ponta Negra beach. When this B-29 was preparing to cross the ocean, its fall caused a massive explosion, fueled by the nearly 31,000 liters of 100-octane fuel it was carrying. Dr. Johannessen witnessed this event and stated that “the entire sky lit up” [24].

According to the doctor, navigator John F. O’Neill somehow managed to exit the plane and landed in some bushes, resulting in a minor injury to his pinky finger. In his report, Dr. Johannessen did not comment on the navigator’s use of parachutes.

Corporal David C. Prendiz, tail gunner of the crashed B-29.

Even without having all the data available, when discussing the case by telephone with our friend João Baptista Rosa Filho, known as J. B. Rosa Filho believes that the aircraft accident occurred due to a fire in one of the B-29 engines. This may explain why the B-29 lost power and crashed.

This friend of ours is from the beautiful city of Porto Alegre, Rio Grande do Sul. He has been in the civil aviation sector for 33 years and is a private pilot. He was a test pilot for the gaucho company Aeromot Aeronaves e Motores, worked as a mechanic for the defunct airline Varig, and also writes books about the Second World War. For this seasoned and experienced professional, whatever happened on the B-29 must have been extremely severe and sudden, as he only gave navigator O’Neill enough time to save himself.

Schematic showing the positions of the crew of a B-29.

J. B. Rosa Filho believes that pilot Austin J. Peek and co-pilot Willard R. Heintzelman attempted to regain control of the aircraft in order to make an emergency landing or establish a suitable altitude for everyone to safely parachute. But the plane probably sank quickly since only the navigator, O’Neill, managed to save himself. The friend has no doubt that this survivor used a parachute because the lowest speeds of a B-29, without loss of lift, were around 150 km/h. The impact of a person against some bushes at that speed surely wouldn’t be significant enough. It doesn’t only affect his little finger.

The successful exit of the navigator from the plane can be attributed to his seating position in the front cockpit. His workstation was located directly behind the pilot, providing him with a view towards the rear of the plane and to the left, as well as access to an evacuation hatch.

Exhaust configurations of a B-29.

Following the instructions of our friend J. B. Rosa Filho, possibly John F. O’Neill, noticed that one of the engines was on fire and realized that the B-29 was in danger. Afterwards, regardless of whether he received an order to do so, he unfastened his seat belt, opened the door, and swiftly entered the hallway to save his life. The Great Architect of the Universe completed the picture to facilitate his jump by providing some mangaba trees at the place of his landing [25].

Even with the invaluable help of an experienced aviation professional, such as J. B. Rosa Filho, of course, everything I write about this accident is speculative. But what is certain is that on that night, amidst the Natal skies, John F. O’Neill was a very fortunate man!

B-29 on Fire.

We know that there were reports from many people in Natal who observed a strong flash in the sky overnight. But it is worth noting that there were other cases of accidents and aircraft destruction in the Parnamirim field region.

Paulo Pinheiro de Viveiros commented in his book “História da Aviação no Rio Grande do Norte” that “The entire city was surprised when, at 9 p.m. on February 6, 1942, a large red flash suddenly illuminated the sky, starting from the south side, near the Atlantic” [26].

B-17 accident at Parnamirim Field in 1942.

The aircraft in question was a B-17, which, like the B-29 in August 1944, crashed shortly after takeoff. It was a B-17E, numbered 41-2482. The plane was fully loaded with gasoline and was completely destroyed. Nine crew members died, and they were all buried in the Alecrim cemetery.

Disappearance in the Atlantic

Exactly one month and eight days after this accident, another B-29 was lost. He left Natal and simply disappeared into the Atlantic Ocean.

The aircraft was a Martin-Omaha B-29-1-MO Superfortress, numbered 42-65203, built under license by the Glenn L. Martin Company of Omaha, Nebraska, and delivered to the USAAF on June 2, 1944. It departed from the United States on August 24, 1944, and disappeared on September 18. The plane was heading to Accra airport, the capital of the then British colony of the Gold Coast (currently the Republic of Ghana), in West Afric,a after taking off from Natal.

Official United States Army Air Force document (MACR 8525), about the disappearance of the B-29 that took off from Natal in September 1944.

According to the official report, this B-29 crashed into the sea 2,250 kilometers (1,400 miles) from Natal, and the entire ten-man crew disappeared. They were 1st Lt. Hugh T. Roberts, pilot; 2nd Lt. John T. Kirby, co-pilot; 2nd Lt. LaVerne Bebermeyer, navigator; 2nd Lt. Paul Clyde Oberg, flight engineer; 2nd Lt. Roxy D. Menta, bombardier; Second Lieutenant David Maas, Central Fire Control Operator – CFC; Sergeant Conrad I. Bruflat, gunner; Corporal James Husser, left gunner; Corporal James Woodie Day Jr., radio operator; and Corporal John G. Giannios, right gunner.

When examining the document referencing this disaster (MACR 8525), I discovered the following information regarding the weather conditions on that day and in that specific area. “Cumulus clouds are typically scattered or broken, with their peaks at 8,000 feet. The winds at flight level range between 50° and 100°, with speeds ranging from 14 to 25 knots, and an average of 16 knots.”

B-29 in the water and its crew in lifeboats.

I will once again draw upon the experience of my friend J. B. Rosa Filho informed me that the weather conditions presented would not be problematic for an airplane like the B-29 to attempt a water landing. The airplane measured 30.18 meters in length, 43.05 meters in wingspan, 8.46 meters in height, and had a wing area of 161.3 square meters.

My friend João Baptista Rosa Filho, who helped a lot in preparing this article, with his knowledge about aviation, the result of 33 years of good work in this area.

There are several reports and photographs showing B-29 aircraft that crashed into the sea but remained partially afloat, allowing their crews valuable time to escape in lifeboats. But for this to happen, the pilots would have to successfully land the large plane on the water without tipping over and ensure the integrity of the aircraft is maintained. However, J. B. Rosa Filho reminds us that landing on water requires a certain level of experience and training on the part of the crew. In the case of the B-29 with the serial number 42-65203, it is unclear whether the pilot and co-pilot’s knowledge could have been of assistance in this situation.

2nd Lieutenant LaVerne Bebermeyer, B-29 navigator who disappeared at sea.

In the case of this aircraft, it is highly probable that it experienced a severe mechanical failure while airborne, resulting in such extensive damage that there was no opportunity to take any action. Another idea is that the crew made a mistake by submerging the machine in the water.

Furthermore, the American authorities had such limited information about this accident that it appears the conditions for a search and rescue operation were not met. If these searches occurred by chance, there is not a single comment, let alone a comma, indicating their beginning and end, or their results.

2nd Lieutenant Paul Clyde Oberg, flight engineer.

While other MACR-type reports present an enormous amount of information about damaged or missing aircraft, the case of B-29 42-65203 is an exception. It is unknown whether there was any radio contact, distress call, or if any boat or plane in the area reported seeing life jackets, aircraft parts, or bodies. Absolutely nothing!

Corporal James Husser, B-29 left gunner.

This B-29 belonged to the 462nd Bombardment Group (BG), and its ten crew members were declared dead on October 27, 1948.

Issues

It may seem that these two reported accidents indicate that the route across the Atlantic Ocean to India and China posed problems for B-29 aircraft. But while researching this topic, I discovered that the utilization of the already established transport routes to the East by these planes was highly successful.

In his book “B-29 Superfortress-Chronology-1934-1960,” Robert A. Mann highlights that there were only seven accidents on the route from the United States to India between April 2 (the arrival of the first B-29 in India) and September 18, 1944 (when the B-29 29 that left Natal went missing in the Atlantic). No fewer than 163 of these heavy bombers managed to land safely on Indian soil.[28]

Refueling work for a B-29.

In this informative list, the author indicates the number of aircraft involved, the squadrons to which they belonged, and even the name that the crews gave to these aircraft [29]. Unfortunately, the author did not comment on the routes followed by these B-29s. However, they reported that during this period, there were numerous issues when these aircraft were stationed in India or utilizing bases in China for attacking Japan. The author notes that during this period, 52 B-29 aircraft were lost or severely damaged, resulting in several fatalities.

Unlike the American heavy bombers operating in Europe, whose bases were located in Great Britain and Italy, and therefore close to enemy territory, the B-29s based in India and China were further away from Japan. Additionally, bombers in Europe had a more organized and closely-knit support infrastructure. In the East, the situation was much more complicated. An example: Several B-29s were converted into transport planes because, in order to launch attacks on Japan from Chinese bases, the Americans had to transport fuel, bombs, and other necessary supplies from India. The expenses were astronomical.

Chinese leveling one of the B-29 runways.

In China, B-29s flew from four newly created bases, which were built by thousands of Chinese workers who assembled everything manually. The take-off runways were constructed using crushed rock and transported with minimal machinery. The leveling of the tracks was done using enormous stone rollers, which were pulled by multiple men and women. Unfortunately, hundreds of Chinese workers lost their lives in accidents during this process. They were locations where the structures hindered the maintenance, takeoffs, and landings of the aircraft. Adding to this challenge is the fact that air routes connecting India and China pass over the Himalayan mountains, which are the highest in the world and often experience severe weather conditions.[30]

Brazilian newspapers reporting the actions and offensives of the B-29s over Japan.

Max Hastings notes in “Retribution: The Battle for Japan, 1944-45” that the airlift to Kunming, the capital and largest city of Yunnan province in northern China, was considered one of the most dangerous and unpopular missions of World War II. This mission resulted in a cumulative loss of 450 aircraft. Crew efficiency and morale were notoriously low. Airmen who survived plane crashes had to endure some of the most remote and untamed regions in the world, inhabited by indigenous people who occasionally spared their lives but always confiscated their belongings.

Hastings believes that the initial B-29 attacks in the East were a “hoax.” According to him, the biggest threat to the survival of the crews was not the enemy’s fighters and anti-aircraft guns, but their own planes. As one commander put it, his B-29 had “as many insects as the entomology department at the Smithsonian Institution in Washington.” The hydraulics, electricity, machine gun and cannon turrets, and especially the power plants, were found to be highly unreliable.

Curtiss Wright R-3350 engine preserved in a museum in the United States.

The four Curtis Wright R-3350 engines were “a mechanic’s nightmare.” Due to an alarming tendency of the rear cylinders to overheat, partly caused by the minimal clearance between the cylinder baffles and the cowling, the engines were always prone to bursting into flames during flight. These engines were also found to have an additional tendency to ingest their own valves. Additionally, the magnesium parts were burned and melted.

One of the engines from the famous B-29 “Enola Gay” cockpit, which on August 6, 1945 dropped an atomic bomb on the Japanese city of Hiroshima. Photo taken in the United States by friend Ricardo Argm, from Recife, state of Pernambuco, Brazil.

Due to the high magnesium content in the crankcase alloy, engine fires could occur, sometimes burning at a temperature of approximately 5600°F (3100°C). The engines remained temperamental, and overheating problems, which were not fully resolved, were often so severe that the main spar could burn out in a matter of seconds, leading to catastrophic wing failure.[31]

Pilot Jack Caldwell recorded that “the plane always felt like it was straining every rivet at over 25,000 feet.” Adding to all the problems of the B-29s were the inexperience and deficiencies of their crews. The USAAF recognized that the challenges in training crews to pilot this “warship of the skies” were monumental.

Photo of the attack on Yawata.

And the missions became difficult. On August 19, 1944, 71 B-29 aircraft were prepared to bomb the Yawata steel plant on the island of Kyushu, Japan. 61 planes flew during the day, and 10 flew during the night. Five B-29s were destroyed by enemy action, two crashed before or during takeoff, and eight more were lost due to technical failures. Only 112 tons of bombs were delivered, resulting in the loss of $7.5 million worth of aircraft and their valuable crews.[32]

The B-29 Enola Gay, photographed in the United States by friend Ricardo Argm, from Recife.

This monumental effort enabled the B-29s to launch attacks on Japan from outside of China, albeit with significant risk and minimal outcomes. The USAAF was uncomfortable with the overwhelming amount of positive publicity given to the new giant bombers in the United States, as it captivated the public’s imagination. Commanders knew how little the planes were actually accomplishing.[33]

Brazilian newspapers reporting the actions and offensives of the B-29s over Japan.

Near the End

While the routes across the Atlantic Ocean, whether through Natal or Newfoundland, were safe, the distances from Kansas to India were enormous: between 16,000 and 17,000 kilometers. Added to this were the dangerous air routes between India and China, with the Himalayan mountains in between, in addition to the dangers of facing Japanese extremists in their country. The cost was extremely high in terms of fuel, aircraft and, most importantly, human lives. Soon, the American command ordered the famous “Marines” to land on the islands of Saipan, Guam and Tinian between June and July 1944. These islands were part of the group known as the Marianas.

Hundreds of B-29s at a Mariana Islands air base.

At a cost of more than 5,400 Marines killed and 18,000 wounded, the Americans successfully captured these strategically important islands and quickly began construction of landing strips for B-29s.

The distance from Kansas to the Mariana Islands is 11,300 kilometers, while the distance from Tinian, for example, to Japan is approximately 2,400 kilometers. Large foundations were laid and a complete structure was established.

Cockpit of the B-29 Enola Gay, photographed in the United States by friend Ricardo Argm, from Recife.

With this, the Americans no longer needed to send their powerful bombers to fight across the Atlantic Ocean. They left California, flew over the vast Pacific Ocean and reached the new bases through the Hawaiian Islands.[34]

Other bases were soon built on newly conquered islands, such as Iwo Jima. Attacks on Japan became an everyday occurrence, with hundreds of B-29s involved. These aircraft were constantly improved, their defects were corrected and they were used more effectively.

By August 1945, the B-29s had devastated Japan’s military, naval facilities, and industry. Although the country lacked significant military resources, the Americans carried out the controversial atomic bomb attacks on the cities of Hiroshima and Nagasaki. The B-29 that dropped the Hiroshima bomb, named “Enola Gay”, departed from Tinian [35]…

NOTES—————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————

[1] See Hastings, Max. Retribution: The Battle for Japan, 1944-45, Alfred A. Knopf, New York, 2008, Page 333.

[2] See Hastings, Max. Retribution: The Battle for Japan, 1944-45 Alfred A. Knopf. New York, 2008, Pages 333 and 334.

[3] Haulman, Daniel L. Hitting Home – The Air Offensive Against Japan, Air Force History and Museums Program, 1999, p. 6.

[4] http://delprado.com.br/blog/2012/05/22/b-29-superfortress/

[5] Bowers, Peter M. Warbird Tech Series – B-29 Superfortress. Specialty Press Publishers and Wholesalers, Minnesota, 1999. Page 14.

[6] Haulman, Daniel L. Hitting Home – The Air Offensive Against Japan, Air Force History and Museums Program, 1999, p. 7.

[7] In addition to the Japanese village, the American military faithfully reproduced a German village. During World War II, the two sites were bombed at least 27 times and rebuilt in order to test the use of incendiary weapons against populated cities. See The Asia-Pacific Journal-Japan Focus, April 15, 2018, Volume 16, Issue 8, Number 3, Article ID 5136. Available at https://apjjf.org/2018/08/Plung.html

[8] Hastings, Max. Retribution: The Battle for Japan, 1944-45 Alfred A. Knopf. New York, 2008, Page 333.

[9] Two factories were operated by Boeing, one in the city of Renton, Washington, and the other in Wichita, Kansas. There was a factory controlled by the Bell company, in the city of Marietta, state of Georgia and a plant owned by Martin’s company in the city of Omaha, capital of the state of Nebraska. See Bowers, Peter M. Boeing B-29 Superfortress. Stillwater, Minnesota: Voyageur Press, 1999. Pages. 319 and 322.

[10] Bowers, Peter M. Warbird Tech Series – B-29 Superfortress. Specialty Press Publishers and Wholesalers, Minnesota, 1999. Page 100.

[11] Bowers, Peter M. Warbird Tech Series – B-29 Superfortress. Specialty Press Publishers and Wholesalers, Minnesota, 1999. Page 4.

[12] Haulman, Daniel L. Hitting Home – The Air Offensive Against Japan, Air Force History and Museums Program, 1999, p. 9.

[13] See https://www.456fis.org/HISTORY_OF_THE_B-29.htm

[14] See https://www.456fis.org/HISTORY_OF_THE_B-29.htm

[15] Graham, Simmons M. B-29 Superfortress – Giant bomber of World War Two and Korea, Pen & Sword Aviation, Barnsley, South Yorkshire, England. Pages 97 and 98.

[16] Haulman, Daniel L. Hitting Home – The Air Offensive Against Japan, Air Force History and Museums Program, 1999, p. 7. And Pace, Steve. Boeing B-29 Superfortress The Crowood Prees, Berkshire, England, 2003. Page 94.

[17] For Canadians, the Gander base has the same historical aspect that Natal has for Brazilians, as a location located in a useful strategic point, which served Allied aviation during the Second World War, where immense facilities were built to receive thousands of professionals and their transport and patrol aircraft against submarines. Canadians from Newfoundland claim that Gander was “The largest airport in the world in World War II”. About RCAF Station Gander see https://www.heritage.nf.ca/articles/politics/gander-base.php

[18] Graham, Simmons M. B-29 Superfortress – Giant bomber of World War Two and Korea, Pen & Sword Aviation, Barnsley, South Yorkshire, England. Pages 84 to 86.

[19] Mann, Robert A, B-29 Superfortress-Chronology-1934-1960, McFarland & Company, Inc., Publishers, Jefferson, North Carolina, and London. Page 31.

[20] About this accident see https://aviation-safety.net/wikibase/98390

[21] Dr. Johannessen was a native of Seattle, Washington, and was born on January 10, 1919. During World War II he served as an officer in the United States Army Medical Administration Corps (US Army) at several hospitals in the United States. United States and the South Atlantic region, including hospitals in Belém and Natal. In his rich report he commented that he even treated German prisoners who were brought to his hospital, captured by the sinking of a submarine. See https://oralhistory.rutgers.edu/interviewees/1011-johannessen-george-a

[22] Mann, Robert A, B-29 Superfortress-Chronology-1934-1960, McFarland & Company, Inc., Publishers, Jefferson, North Carolina, and London. Page 15.

[23] More details about the accident see https://aviation-safety.net/wikibase/98432

[24] We do not know if this plane crashed in Natal had all its fuel capacity, but we know that the fuel in the B-29s was transported in fourteen tanks on the outer wing, eight on the inner wing and four tanks in the bombing area, giving a maximum capacity of almost 31,000 liters, or 8,168 US gallons. A modification added four tanks to the center section of the wing, bringing total fuel capacity to almost 36,000 liters, or 9,438 US gallons. See https://www.456fis.org/HISTORY_OF_THE_B-29.htm

[25] Military physician Dr. George A. Johannessen’s account does not guarantee that the survivor of the B-29 crash on August 10, 1944 was navigator John F. O’Neill. But on the website https://pt.findagrave.com/memorial/52036385/walter-roy-newcomb there is confirmation of this information.

[26] Viveiros, Paulo P. History of Aviation in Rio Grande do Norte, Editora Universitária, Natal-RN, Brazil, 1974. Pages. 158 and 159.

[27] More about this accident see – https://aviation-safety.net/wikibase/98447 and https://www.newspapers.com/clip/6331827/2nd-lt-laverne-bebermeyer-still/

[28] Mann, Robert A, B-29 Superfortress-Chronology-1934-1960, McFarland & Company, Inc., Publishers, Jefferson, North Carolina, and London. Pages. 32 to 34. The first of these accidents was in Marrakesh (previously mentioned in the text), the second was with plane B-29 number 42-6249, happened on April 18, at Payne Field, Cairo, Egypt, due to a storm of sand and there were no deaths. The three other accidents all occurred on April 21, in the Karachi region, Pakistan, due to engine problems and the consequences of a sandstorm. Those involved were B-29 planes numbers 42-6345, 42-6369 and 42-63357. In this last accident there were five deaths. More details about some of these accidents see https://aviation-safety.net/wikibase/98393 and https://pt.findagrave.com/memorial/90940187/christopher-d-montagno

[29] Mann, Robert A, B-29 Superfortress-Chronology-1934-1960, McFarland & Company, Inc., Publishers, Jefferson, North Carolina, and London. Pages. 31 to 37.

[30] See https://warfarehistorynetwork.com/2016/09/07/operation-matterhorn/

[31] See https://www.fighter-planes.com/info/b29.htm

[32] Hastings, Max. Retribution: The Battle for Japan, 1944-45 Alfred A. Knopf. New York, 2008, Page 334.

[33] Hastings, Max. Retribution: The Battle for Japan, 1944-45 Alfred A. Knopf. New York, 2008, Page 335.

[34] Pace, Steve. Boeing B-29 Superfortress The Crowood Prees, Berkshire, England, 2003. Page 88.

[35] Pace, Steve. Boeing B-29 Superfortress The Crowood Prees, Berkshire, England, 2003. Pages 97 to 102.

E O CRIME CONTRA O FORTE DOS REIS MAGOS? 44 DIAS DE SILÊNCIO DA POLÍCIA CIVIL E DOS MINISTÉRIOS PÚBLICOS ESTADUAL E FEDERAL

Eliana Lima

Fonte – https://bznoticias.com.br/noticia/e-o-crime-contra-o-forte-dos-reis-magos-44-dias-de-silencio-da-policia-civil-e-dos-ministerios-publicos-estadual-e-federal

O trabalho de limpeza do Forte dos Reis Magos, maior e mais antigo monumento histórico de Natal, está sendo concluído, por apenados do sistema prisional do estado.

Neste domingo (22) completa 44 dias do crime de pichação da Fortaleza e até hoje a Polícia Civil do RN não informou absolutamente nada sobre a investigação para se chegar aos autores do crime contra o patrimônio e ser feita a devida punição.

Sequer tem uma imagem. O BZN tentou por diversas vezes saber sobre a apuração, mas o máximo que conseguimos foi que a investigação estava em curso. Mesmo à insistência, não passou de “diligências sendo realizadas”.

Não acreditamos na investigação sobre essa mancha que deixa vermelha a história da capital dos magos-enganados.

Nem também no inquérito aberto pelo Ministério Público Estadual.

A seriedade exige resposta. O crime não pode ser compensado.

Enquanto a Polícia Civil do Rio Grande do Norte, o Governo do Estado e os Ministérios Públicos Estadual e Federal não derem uma satisfação ao público, estão desmoralizados perante a população.

Na manhã do dia 7 de setembro, a Fortaleza amanheceu pichada de vermelho em protesto ao PL 2903/23, que trata do marco temporal das terras indígenas – Fotos: Ricardo Morais.

VEJA TAMBÉM – A PIXAÇÃO DA FORTALEZA DOS REIS MAGOS – PASSARAM A BROXA PINTADA DE VERMELHO NA NOSSA CARA! – https://tokdehistoria.com.br/2023/09/12/a-pixacao-do-forte-dos-reis-magos-passaram-a-broxa-pintada-de-vermelho-na-nossa-cara/

A VERDADEIRA HISTÓRIA DE UM NAVIO FANTASMA E O MISTERIOSO DESAPARECIMENTO DO OURO DO CAPITÃO

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Fontes – http://www.smallersky.com/about.htm / e https://www.facebook.com/Welshmarieceleste

Na noite de quarta-feira, 27 de agosto de 1884, por volta das 18:00 horas, um barco à vela registrado com o nome de Resolven deixou o porto da cidade de Harbor Grace, na fria província da Terra Nova, costa leste do Canadá. Tinha como destino Snug Harbor, uma pequena comunidade mais ao sul do local de sua partida, onde seguiu transportando “carga geral” e retornaria com uma carga de bacalhau salgado.

Esse barco era um brigue mercante de 143 toneladas, cujo porto de origem era em Aberystwyth, na Baía de Cardigan, País de Gales, Grã-Bretanha. Foi lançado ao mar em 1872 e tinha como comandante o Capitão John James, natural de Cardiganshire, também em Gales. Consta que ele e sua tripulação de sete homens partiram meses antes de Aberystwyth em direção ao Mar Mediterrâneo, onde voltaram em junho de 1884 com uma carga de sal para o Canadá, destinada à empresa John Munn and Company. Também era normal que o Capitão James e seus tripulantes, a maioria galeses, navegassem transportando madeira e bacalhau entre a Grã-Bretanha e vários portos canadenses.

Capitão John James.

Sua tripulação era formada pelo Capitão John James, Imediato James Matthews, Thomas Richards, George Nathan, John Jones, Evan Thomas, All Welshmen e Richard Downs. Além deles, a bordo do Resolven seguiam nessa viagem quatro passageiros oriundos da região nordeste do Canadá, sendo eles os irmãos Richard e George Colford, Douglas Taylor e Edward J. Keefe.

Tudo indica que a navegação começou tranquila e nada indicava maiores problemas. O Resolven foi visto pela última vez por volta da meia-noite, na altura do farol da Ilha Baccalieu.

Dias depois esse barco foi encontrado, à deriva, a cerca de 80 quilômetros do litoral da Terra Nova, e seus oito tripulantes e quatro passageiros nunca mais foram vistos.

O Navio Fantasma

Na manhã do dia 30 de agosto de 1884, os marinheiros da canhoneira HMS Mallard, da Marinha Real Britânica, sob o comando do Tenente William Leckie Hamilton Browne, estavam na costa da Terra Nova cumprindo fiscalizações relativas a tratados de pesca, quando viram um barco com as velas armadas, mas seguindo aparentemente sem rumo, como se ninguém estivesse no comando. Os militares foram então se aproximando e lançando sinais, mas nada de resposta. O Tenente Hamilton Browne ordenou que um grupo de abordagem entrasse no estranho barco. Os homens da Marinha Real descobriram que ele se chamava Resolven, o revistaram de popa a proa e comprovaram que ele estava sem tripulantes, mas estanque e com plena flutuabilidade.

Um navio idêntico ao HMS Mallard.

Os militares viram que as luzes de bombordo e estibordo estavam acesas, a mesa da cabine continha comida pronta, todas as suas velas estavam preparadas para pegar vento e navegar. Outra coisa que eles viram foi que certamente a tripulação desaparecida se encontrava a bordo cerca de seis horas antes da chegada do navio de guerra, o que seria cinco da manhã, pois o fogo ainda estava aceso na cozinha.

Foram encontrados o cronômetro de bordo, um relógio de ouro pertencente ao capitão e um pacote com 100 libras esterlinas em notas de 1. Não foram encontrados sinais de luta, o barco salva-vidas não estava no seu lugar, mas não havia indícios de abandono do barco de maneira atabalhoada.

Mas o que aconteceu com a tripulação do Resolven, pois no barco só faltavam eles?

Notícia do encontro do barco abnandonado pelo HMS Mallard.

Os militares pensaram que a tripulação tivesse sido resgatada por outro barco, mas o tempo foi passando e nada. O tenente Hamilton Brown então colocou uma tripulação mínima no barco abandonado e partiu para realizar uma busca na região. Colocou todo o seu pessoal em alerta, mas nenhum vestígio foi encontrado. Sem outra alternativa, o HMS Mallard passou a rebocar aquele estranho barco para a Ilha Catalina.

Por que as pessoas a bordo deixaram o navio, todas elas de uma vez? Muitas suposições foram feitas, mas nenhuma resposta foi comprovada.

Logo souberam que o Capitão John James carregava a bordo do Resolven uma fortuna pessoal em moedas de ouro, mas os militares afirmaram que elas não estavam no brigue quando ele foi encontrado.

Teorias

Aqui estão algumas teorias sugeridas na época sobre o caso e por que os homens desapareceram:

1. Iceberg.

É fato que pouco antes do navio abandonado ser descoberto, a tripulação do HMS Mallard viu um grande iceberg, comum na região.

A VERDADEIRA HISTÓRIA DE UM NAVIO FANTASMA E O MISTERIOSO DESAPARECIMENTO DO OURO DO CAPITÃO
Grande iceberg próximo a uma comunidade na região da Terra Nova, Canadá.

Especulou-se que talvez o Capitão James, a tripulação e os passageiros do Resolven abandonaram o barco porque ele realmente teria colidido com esse iceberg entre o final da noite e início da manhã, já que havia alguns estragos nas velas, no tombadilho e nos mastros do navio. Os homens do Resolven acreditaram que seu barco afundaria, que ele se encontrava mais danificado do que realmente estava e todos corriam risco de vida. Daí foram para o mar no bote salva-vidas.

Então, por alguma outra razão desconhecida e complicada de se entender, todos desapareceram.

Eles podem ter se afogado, ou morreram congelados na água, quando seu pequeno bote salva-vidas foi inundado em mar aberto, por ter virado em meio ao medo da situação, que gerou um desespero e pânico. Ou talvez algum bloco de gelo caiu do iceberg sobre eles, destruindo o bote e levando todos para o fundo do mar. Ou talvez eles não conseguiram retornar ao seu veleiro, que sobreviveu ao impacto e todos morreram à deriva no mar. Não é incomum naquelas latitudes que surjam de maneira repentina fortes nevoeiros pela manhã e deve-se levar em conta que os tripulantes, mesmo sendo trabalhadores do mar experientes, eram estrangeiros naquelas paragens.

Pelo que foi encontrado no local, a teoria de problemas causados por um iceberg foi a mais aceita na época.

O que pegou foi que os danos encontrados no barco não eram significativos e nem algo catastrófico. Tanto que este brigue foi rebocado sem incidentes pelo HMS Mallard para a Ilha Catalina, cerca de 25 milhas náuticas de onde foi encontrado. Além disso, sem muitos problemas ou demora, esse barco foi reformado e colocado novamente em serviço, o que mostrou que ele não poderia estar tão avariado, ou se encontrava em perigo imediato de afundar.

Na época ficou difícil de acreditar que o capitão ordenou aos seus homens que abandonassem o navio sem ter absoluta certeza que havia alguma outra opção. Além disso, o Capitão James era tido como um navegador experiente, que tinha viajado por todo o mundo em barcos a vela e era aceito como um profissional muito qualificado. Seu Imediato James Matthews era outro marinheiro profundamente experiente.

Mapa da região onde se deram os fatos aqui narrados.

2. Houve alguma violência que resultou em latrocínio?

Realmente, como comentamos anteriormente, o barco de salvamento do Resolven não estava a bordo e, apesar de ficarem alguns objetos de valor e dinheiro, o ouro do capitão nunca mais foi encontrado.

Mas igualmente não foram encontradas marcas de lutas, sangue, de uso de armas de fogo ou brancas e outros indícios de violência. Além disso, nenhum cadáver foi achado no barco, ficou flutuando, ou veio a dar em alguma praia.

Só se os pretensos assassinos amarraram pesos nos corpos das vítimas para irem para o fundo e de lá não saírem jamais. Depois os bandidos seguiram no pequeno barco para o litoral, dividiram o tesouro do capitão e desapareceram.

Realmente, se assim tivesse acontecido, esses bandidos foram extremamente corajosos e capacitados para acabar com parte das pessoas a bordo, ardilosos para não deixarem rastros e mascarar um pretenso impacto contra um iceberg, além de muito sortudos para alcançar o litoral sem ninguém perceber e sumir até hoje.

Não podemos esquecer que ao longo da história da navegação, quando ocorreram casos envolvendo amotinados, roubos e assassinatos em embarcações no alto mar, na maioria destes episódios os perpetradores acabavam deixando rastros e sendo capturados. E não esqueçamos que nessa época a maioria das sentenças para esses delinquentes era a morte pela forca. (Sobre motins, veja o texto do blog TOK DE HISTÓRIA sobre o caso do navio inglês HMS Bounty https://tokdehistoria.com.br/2022/04/14/o-motim-do-navio-bounty%EF%BF%BC/ ).

Quadro de 1854 de Joseph Heard, do Rimac, um brigue construído em Whitehaven, Inglaterra, em 1834 para o comércio entre o Peru e a cidade inglesa de Liverpool.

3. O Resolven poderia ter sido abordado por piratas?

É possível, mas nenhuma evidência comprova isso.

Tal como agora, quando existem piratas na Somália, em 1884 existiam piratas, mas principalmente no Extremo Oriente e setores do Oceano Índico. O Atlântico Norte era então muito mais patrulhado, o que dificultaria a existência desses vilões dos mares naquela região. Além do mais, nenhuma informação de época corrobora essa tese e nenhum documento que comprovasse esse fato jamais foi encontrado.

Com poucas respostas para o mistério, o certo é que logo depois o Resolven foi vendido em um leilão e adquirido pela empresa John Munn and Company, a mesma que os contratou para trazer sal do Mediterrâneo. O barco voltou a navegar, mas três ou quatro anos depois naufragou com uma carga de madeira em uma viagem para a Terra Nova.

Outra notícia de época sobre o caso do Resolven.

Com o passar dos anos, o mistério do navio fantasma Resolven desapareceu da memória. Mas então, em 2013, um descendente do Capitão James recebeu um e-mail de uma canadense radicada na cidade de Deer Harbor, Terra Nova, e o caso voltou à tona na região.

Nova, Intrigante e Complicada Pista

Will Wain é um escritor galês, bisneto do Capitão John James e investigou bastante essa história. Ele tinha ouvido falar sobre esses episódios através de um tio-avô, mas não tinha certeza se tudo que lhe foi contado era verdade, ou não. Ele recebeu um exemplar do Novo Testamento original do Capitão James, que foi deixado a bordo do Resolven, fez alguns contatos interessantes no Canadá e aprendeu algumas coisas intrigantes que podem, ou não, ser fatos.

Nos Arquivos Nacionais da Inglaterra ele teve acesso ao diário de bordo do HMS Mallard, o navio que encontrou o Resolven à deriva em 1884. Aqui estava a prova de que o barco do seu bisavô havia sido realmente descoberto da maneira que ele ouvira. Wain postou sobre isso em seu site e mais tarde iniciou uma página no Facebook sobre o mistério do Resolven.

Então ele foi pretensamente contactado por uma mulher que morava em Deer Harbor e tinha visto suas postagens. Ela disse então que tinha sua própria história para contar. Aparentemente essa pessoa pediu anonimato, pois Will Wain não informou seu nome e, diante do seu relato, deveria ser uma pessoa já com certa idade.

Afirmou que anos antes seu próprio avô lhe relatou sobre a descoberta do corpo de um homem perto da costa da Ilha Random, uma pequena ilha ao largo. Na ocasião, ele informou que estava acompanhado do irmão e que o cadáver vestia uniforme de capitão. Além de estar sentado debaixo de uma árvore, de frente para o mar.

O corpo não tinha identificação, embora tivesse um relógio de bolso característico. A mulher alegou que seus antepassados encontraram aqueles restos humanos no mesmo mês e ano em que o Resolven foi abandonado. Ela também disse que os dois irmãos enterraram o corpo em uma cova anônima, em uma pequena vila de pescadores. A descoberta nunca foi relatada às autoridades canadenses e a mulher admitiu que embora a história tivesse sido transmitida à sua família, ela nunca foi capaz de verificar se era verdadeira.

Wain viajou para a Terra Nova e conheceu essa dita mulher e seu irmão. Eles mostraram-lhe a área onde o corpo teria sido encontrado, mas não sabiam a real localização da sepultura. Disseram-lhe também que um dos homens que encontrou o corpo parecia ter ganhado algum dinheiro naquela época e, quando morreu, sua esposa começou a gastar muito mais do que lhe parecia lógico. Seria o ouro do capitão?

Sabe-se de maneira correta que o Capitão James carregava uma grande quantia de ouro durante a viagem e que esse nunca foi encontrado. Inclusive sua viúva escreveu inúmeras cartas à Marinha, implorando por qualquer informação sobre seu desaparecimento, pedindo que o cadáver do seu marido fosse localizado, bem como o ouro fosse enviado para ela. Isso nunca aconteceu e ela morreu na pobreza.

Outro boato descoberto na região comentava sobre a história de um homem que viveu por muito tempo em uma comunidade costeira isolada e que poderia ter sido um sobrevivente do incidente Resolven. Mas isso não foi confirmado.

Sinceramente, sem maiores dados que esclareçam essa situação, fica difícil acreditar na história desse contato que o escritor galês Will Wain teve com essa mulher e seu irmão. Ou Wain foi enganado, ou criou tudo isso para amplificar a história do real desaparecimento do seu bisavô e de todas as pessoas a bordo do Resolven.

Quadro com a imagem da abordagem dos tripulantes do cargueiro britânico Dei Gratia ao Mary Cleste em 1872, que foi encontrado abandonado no Oceano Atlântico – Fonte – https://bid.chorleys.com/m/lot-details/index/catalog/56/lot/42246

O Resolven e o Mary Celeste

O Resolven é por vezes referido como “O Mary Celeste galês”, devido às suas semelhanças com o famoso caso do navio americano Mary Celeste, que foi descoberto à deriva e abandonado perto das ilhas portuguesas dos Açores, no Oceano Atlântico, em 1872.

A tripulação do navio britânico de cargas Dei Gratia encontrou o Mary Celeste  abandonado, mas em condições de navegar e bem abastecido. A última entrada no diário de bordo foi feita dez dias antes e, como no caso do Resolven, o barco salva-vidas do Mary Celeste estava desaparecido, mas os pertences do capitão e da tripulação estavam intactos. Nenhum dos que estavam a bordo foi visto ou ouvido novamente. A história do Resolven parece um eco do Mary Celeste (Sobre o Caso do Mary Celeste, veja – https://tokdehistoria.com.br/2020/03/21/1872-o-misterio-do-navio-fantasma-mary-celeste/ )

Assim como o Mary Celeste, a história do Resolven deixa mais perguntas do que respostas. O incidente gerou uma fúria de especulações sobre seu destino e o mistério perdura até hoje.

Com o passar do tempo, as histórias mudam. Os detalhes são esquecidos ou embelezados e a incerteza se insinua à medida que tudo desaparece no éter do tempo.

Então, o que você acha que aconteceu com os homens do Resolven?

ORIGEM DE MANOEL NETO – A QUESTÃO DO SABIUCÁ

COM EXCLUSIVIDADE O BLOG TOK DE HISTÓRIA TRÁS PARA SEUS LEITORES O RESUMO DE UM LIVRO QUE EM BREVE SERÁ LANÇADO PELO PESQUISADOR PERNAMBUCANO GIOVANE GOMES, SOBRE AS ORIGENS E A SAGA DO MAIOR PERSEGUIDOR DE LAMPIÃO NOS SERTÕES NORDESTINOS

Sebastião Giovane Gomes De Sá*

Em Ibimirim-PE, existe um povoado chamado Poço da Cruz, localizado a 6km da sede do município. É um lugarejo típico do sertão nordestino, cuja origem é cercada por lendas locais.

Uma das lendas diz que na bacia do açude havia um poço antigo que, mesmo nos períodos de estiagem, não secava e abastecia a população local. Certo dia o maior de todos os chefes de cangaceiros, Lampião, e seu bando chegaram próximo ao poço, onde encontraram um jovem enchendo sua cabaça com água. Por pura malvadeza, o facínora perguntou a seus cabras quem acertaria aquele pobre infeliz. Atingido, o jovem caiu dentro do poço.

A população colocou uma cruz no local da morte do jovem, prática muito comum no Nordeste para homenagear entes queridos, principalmente quando a vítima é assassinada. O local passou a ser chamado de Poço da Cruz. Quando se construiu o açude no mesmo lugar deste poço, a antiga cruz foi retirada e colocada na parte alta, em uma pedreira.

Há outra lenda que reza que um romeiro a caminho de Juazeiro do Norte-CE, carregando uma cruz muito grande como penitência, caiu dentro de um poço e morreu afogado. Sua cruz foi colocada para marcar o local da tragédia, próximo à fazenda Casa Nova.

Porém, segundo Júlio Calado, o nome Poço da Cruz surgiu da demarcação de terras do português mestre de campo Pantaleão de Siqueira Barbosa, que foi o fundador do Povoado Jeritacó, um vilarejo que pertencia à freguesia de Alagoa de Baixo. Pantaleão era um homem muito rico, dono de uma imensidão de terras no sertão do Moxotó, adquiridas em 1738 dos padres da Congregação de São Felipe Nery.

A construção da barragem do Poço da Cruz começou na década de 1930, no governo de Getúlio Vargas, criando uma pequena vila. Houve vários empecilhos na construção do empreendimento: Revolução de 30, Segunda Guerra Mundial e o medo de ataque de cangaceiros. Fato interessante é que as autoridades da época, ao visitarem a obra, muitas vezes eram acompanhadas de um forte esquema de segurança, por causa de cangaceiros. A sua inauguração aconteceu em 1957.

Na vila do Poço da Cruz existia a Bodega de Zé Rocha, um lugar bastante visitado pelos moradores da região que vinham fazer a feira. Era um comércio popular, vendia de tudo um pouco, era o ponto de encontro de amigos, onde se colocava o papo em dia.

No dia 9 de janeiro de 1974, seu Zé Rocha estava no balcão da sua bodega ouvindo seu velho rádio ABC, modelo Canarinho. Tocava as canções da época, em especial do cantor Luiz Gonzaga. Do outro lado do balcão, encontrava-se em pé um senhor magro, alto, com aproximadamente 1,80m. Usava calça de linho preta, uma camisa cáqui de mangas longas. Percebia-se que ele era calvo, mas usava chapéu de massa preto, alpercata “xô boi”, um relógio grande. Sua voz era suave, pois falava pausadamente, sempre gentil com todos os presentes. O que mais chamava a atenção de Zé Rocha era um revólver calibre 38, que estava no coldre, à mostra em sua cintura, denunciando que ele deveria ser alguma autoridade ali presente. Seu semblante forte era fruto de muitos traumas adquiridos na vida; um olhar firme, daquelas pessoas que sempre falam mirando no fundo dos olhos quando dirige a palavra a alguém.

Aparentava ter 70 anos; mesmo com a idade avançada, percebia-se que tinha uma ótima coordenação motora, sempre pronto para uma ação rápida de defesa. Ficava em uma posição privilegiada, assim poderia ver todos que estavam dentro da bodega, quem entrava e saia. Nesse dia ele estava calado, com o seu pensamento lutando com os traumas do passado.

Seu Zé Rocha perguntou-lhe:

O que o senhor tem?

O outro respondeu:

– Nada!

Nesse exato momento, começou a tocar no rádio um clássico da MPB, a canção “A triste Partida”, música do poeta Patativa do Assaré, um ícone de nossa cultura.

Logo seu Zé Rocha foi baixar o som; ele sabia que seu amigo ali presente não gostava de som alto. Mas esse, do outro lado do balcão, sussurrou:

Deixe a música passar!

Seu Zé Rocha respondeu:

Sim, senhor coroné!

Nesse momento, o velho militar deixou-se viajar em pensamentos, como se estivesse em um passado distante.

Então o velho Coronel falou:

Amigo, nunca vi tanto tiro na minha vida! Naquele dia pensei que era meu fim.

Seu Zé Rocha perguntou:

Aonde foi isso, Coroné?

Em Maranduba, Estado de Sergipe.

Seu Zé Rocha, curioso, fez outra pergunta:

Com quem, coroné?

O coronel respondeu:

Com o cego!

O cego? – Perguntou seu Zé Rocha.

O coronel respondeu:

Dei uma brigada com Lampião.

O anfitrião tomou a bebida que estava no seu copo, colocando-o bem devagar em cima do balcão. Olhou para seu Zé Rocha e disse-lhe:

– Vou lhe contar.

E começou a narrativa:

Recebi um telegrama avisando que Lampião havia invadido o povoado de Canindé do São Francisco, no estado de Sergipe. Havia dias que nós não encontrávamos Lampião e seu bando. Alguns de nós nazarenos tínhamos vindo visitar nossos familiares em Pernambuco, era início de ano, e passamos o Ano Novo em Nazaré, distrito de Floresta-PE.

Quando recebemos a notícia, fomos para a Estação de Jatobá de Tacaratu (Petrolândia-PE), e de lá pegamos um trem com destino a Piranhas-AL. Encontramos a volante do Tenente Liberato de Carvalho na Estação de Pedra, atual Delmiro Gouveia. O contingente de policiais era muito grande. Então, uma parte da força do Tenente Liberato foi de caminhão, chegando ao destino antes de nós, que fomos de locomotiva.

Assim que chegamos a Piranhas, ficamos sabendo das maldades que o bando de Lampião havia feito com as moças de Canindé. A nossa força reunida era mais de 70 homens. Fomos para as margens do rio e conseguimos uma canoa grande que estava carregada de couro. Atravessamos a correnteza para o lado sergipano, desembarcamos na fazenda Jerimum, de um senhor da família Brito. Lampião e seu bando haviam passado nesse lugar. Então decidimos pernoitar na fazenda. Logo de manhã o meu rastejador pegou o rasto dos cangaceiros. Lampião queria dar uma brigada, os bandoleiros não faziam questão de esconder as pegadas.

No lugar chamado Cajueiro, os cangaceiros entraram de caatinga adentro, e eu e minha força ficamos no encalço deles. Logo ficou de noite. Arreamos nossas coisas ali mesmo, montamos guarda, a força estava cansada. No dia seguinte, pegamos o rasto deles de novo. Um soldado amostrou-me que os cangaceiros à noite haviam andado muito perto do nosso rancho, isso era um sinal de que eles estavam próximos. Ao chegar meio-dia, paramos para descansar.

Meu primo Hercílio Nogueira era um dos mais afoitos, sempre dizendo que na hora em que se encontrasse com Lampião iria amostrar para ele como brigava com um cabra de Nazaré. Hercílio estava debaixo de um pé de umbuzeiro, esperando o restante da tropa chegar, quando um soldado se aproximou correndo. Não lembro se aquele soldado era da minha força ou da volante do Tenente Liberato de Carvalho. O praça foi logo dizendo:

– Os Cangaceiros estão aqui pertinho! Beberam água agorinha.

A Força estava toda espalhada, uma parte andando por uma moita de macambira. Ouvimos um tiro e o mundo se fechou em bala. Era tiro para todos os lados, tinha hora em que não se sabia para onde atirar, a fumaça de pólvora, os gritos no meio do mundo.

Seu Zé Rocha perguntou:

– Quem deu o primeiro tiro?

– Foi meu primo Hercílio Nogueira. Quando o rastejador da Força avistou os cangaceiros, gritou: “Olhe os cabras! Afaste, vamos voltar.” Hercílio, homem valente que era, gritou: “Tá com medo cabra?” E atirou para o lado dos cangaceiros.

Mas a força estava em cima do banco de macambira. A gente atirava um por cima do outro. Estávamos perto dos cangaceiros, a fumaça tomou conta do lugar, ninguém sabia para que lado atirar, muita bala. Os cangaceiros se entrincheiraram nos pés de umbuzeiro e nos caldeirões d’água.

Teve um cabra de Lampião que estava em cima de um serrote e pulou para me pegar a mão. Atirei nele à queima-roupa. Caiu pronto! Peguei a cabaça dele e bebi a água. Estava com sede!

Naquele dia Lampião estava com vontade de brigar; os cangaceiros diziam todo tipo de pilhéria feia com nossa força.

O narrador fez uma pausa. Aproveitando o silêncio, seu interlocutor perguntou:

Coroné, a brigada foi demorada?

Manoel Neto e Luiz Mariano. Acervo: Giovane Gomes – Essa fotografia pertencia ao acervo pessoal de Manoel Neto, no verso da foto existe uma dedicatória a um amigo.

O coronel retomou:

– Foi a tarde toda! Quase cinco horas de fogo. Depois os cangaceiros correram. Fui atrás deles, cheguei ao seu rancho, onde estavam uns soldados pegando os pertences dos cangaceiros mortos. Gritei: Lampião vai correndo com cangaceiros mortos e feridos!

Vi quando alguns soldados me seguiram. Fui ao rastro dele, havia sinal de sangue. Perto de um serrote, a uns 500 metros, trocamos tiro de novo. Desci por um riacho pequeno, tentando atalhar os cangaceiros. Achei que era o grupo do Corisco que ia levando os feridos. Depois soube que ele não participou do fogo da Maranduba.

Um cangaceiro gritou: “Eu brigo com qual força agora?”

Eu respondi: Briga com a Força do Tenente Mané Neto, seu cachorro!

Jornal “A Noite, Recife-PE, edição de 13/11/1926, comentando sobre as ações das volantes de Manoel Neto e José Saturnino.

Eles deram uma rajada de tiro contra nós e sumiram na caatinga. Então voltei à procura dos companheiros.

Chegando de volta ao local do tiroteio, encontrei a pior desgraça da minha vida. Eram muitos mortos e feridos. Logo procurei meus parentes. De nossas Forças, perdemos 7 homens, que foram estes: Sargento Hercílio Nogueira e seu irmão Adalgiso Nogueira; Sargento João Cavalcanti, Antônio Benedito, Elias Barbosa, Pedrinho de Paripiranga e Manoel Boa Ventura. Este último faleceu no hospital de Penedo-AL, devido aos ferimentos.

Faço aqui, leitor, uma pausa na narrativa do nosso ilustre Coronel para explicitar umas informações sobre os episódios, as quais corroboram para a versão apresentada pelo personagem.

Em entrevista concedida em 2008, o ex-volante Manoel Cavalcante de Souza, conhecido como Neco de Pautília, narrou que, ao chegar com o Tenente Manoel Neto, encontrou o Sargento Hercílio Nogueira morto com um tiro no ombro e outro no peito. O irmão dele, Adalgiso, estava atirando de ponto com um joelho no chão, quando foi atingido com um tiro no joelho. A bala transfixou, dilacerando sua canela. Provavelmente foi tiro de fuzil. O segundo ferimento em Adalgiso era um pequeno orifício na sua testa. O projétil saiu na parte de trás de sua cabeça, fazendo um estrago grande, a massa encefálica foi jogada longe.

O Sargento João Cavalcanti tombou ao lado de seus parentes, foram certamente alvejados em seguida. Antônio Benedito veio em socorro dos companheiros e foi atingido por fogo amigo, pois apresentava uma perfuração na parte traseira da cabeça. A bala saiu na parte dianteira, fazendo um enorme estrago na testa. Ele foi alvejado pelas costas, estava caído de busto. Isso deve ter acontecido porque no campo de batalha os dois lados da luta estavam muito próximos.

Elias Barbosa era baiano, da cidade de Santa Brígida. Segundo seu Neco de Pau-tília, os dois estavam lutando lado a lado, deitados no chão, próximo ao banco de macambira, quando Elias foi atingido por um tiro no braço, causando uma hemorragia, perdendo muito sangue. Deu o último suspiro e morreu de olhos abertos, uma cena triste.

Pedrinho de Paripiranga era natural de Conceição do Coité, Bahia. Entrou no cangaço para se vingar de uma surra que levou dos cangaceiros. Morreu neste combate sem concluir sua vingança.

O último a morrer foi Manoel Boa Ventura, natural de Floresta, da região da Barra do Silva. Ele não resistiu aos ferimentos graves. Entrou nas volantes para se vingar das atrocidades causadas pelos cangaceiros em sua região.

O saldo foi sete mortes e onze feridos, umas das maiores derrotas das Forças Nazarenas pela quantidade de filhos da terra que tombaram em solo sergipano.

De fato, Em Maranduba, dois homens valentes lutavam feitos dois titãs: do lado dos cangaceiros, Lampião, o rei do cangaço, o maior guerrilheiro do sertão nordestino; do outro lado, o Tenente Manoel Neto, o Mané Fumaça, o Cachorro Azedo, o maior perseguidor de cangaceiro, cuja coragem beirava a loucura. Porém, seu ódio pessoal acarretou-lhe várias derrotas.

Lampião era um mestre na arte da guerrilha das caatingas, mostrou superioridade na fazenda Maranduba.

A estratégia dos cangaceiros foi a seguinte: fizeram os volantes ficarem em fogo cruzado. Os policiais ficaram em cima da macambira, sem qualquer chance de defesa. A favor dos cangaceiros existiam alguns umbuzeiros frondosos, assim as reservas de água ficaram sob o domínio dos facínoras, que lutavam em campo aberto, em posições vantajosas, enquanto os volantes estavam presos em uma arapuca. Lampião sempre usou o elemento surpresa e a natureza estava a seu favor, era um grande estrategista.

Essa edificação na cidade de Floresta-PE foi a sede do batalhão da Força Pública . Fotografia de 2016 e autoria deRostand Medeiros.

As baixas dos Cangaceiros foram três mortes. Caíram em batalha os cangaceiros Sabonete II, secretário de Maria Bonita; Quina-quina e Catingueira.

Na historiografia do cangaço, no bando de Lampião existiram três cangaceiros de alcunha Sabonete.

O primeiro cangaceiro com esse nome está biografado no livro As Cruzes do Cangaço – dos escritores florestanos Marcos Antônio de Sá (Marcos de Carmelita) e Cristiano Luiz Feitosa Ferraz (Cristiano Ferraz). No capítulo Tiroteio e Mortes na Favela, há a informação que o Cangaceiro sabonete I, do bando de Lampião, chamava-se Pedro Celestino, mas era apelidado de Pedro Ramiro. Era natural de Floresta- PE, da região do Riacho do Navio. Ao envolver-se em intrigas de famílias, muda-se para a vila de Santa Maria “Tupanaci”, município de Mirandiba- PE. Este facínora presenciou o combate entre Lampião e o Nego Tibúrcio em 19 de fevereiro de 1924, sábado de carnaval. Pedro Celestino ingressou no bando de Lampião no ano de 1926, na vila de Santa Maria. Seu pai, o velho Ramiro do Riacho do Navio, tentou impedir. Porém, Lampião já havia o aceitado no grupo. No tiroteio da fazenda Favela, Floresta- PE, Sabonete tombou em combate contra as volantes do Anspeçada Manoel Neto e do Sargento Zé Saturnino.

O segundo elemento de mesmo nome, O Sabonete II, foi morto na Fazenda Maranduba. Ao tentar assassinar o Tenente Manoel Neto com um punhal, recebeu um único tiro, tendo morte imediata. É esse que participou dos fatos que narramos acima.

Diz seu Neco de Pautília que estava pegando os espólios de guerra do cangaceiro Sabonete II quando Manoel Neto apareceu e gritou: “Vamos atrás dos cangaceiros, eles estão fugindo!” Seu Neco respondeu: “Bora!”

O terceiro cangaceiro de mesmo nome, Sabonete III, morreu em 1937 pela volante de Zé Rufino no estado de Sergipe.

Agora, vamos voltar à conversa de Manoel Neto com seu Zé Rocha na bodega.

Seu Zé Rocha perguntou:

– Coroné, e os mortos?

Ele respondeu:

– Eram muitos! Já estava anoitecendo. Juntamos os restos das Volantes. Era um desespero só!

No dia seguinte, carregamos os mortos em um burro que os cangaceiros tinham abandonado. Fizemos uma carga, colocamos dois mortos de cada lado e um atravessado no meio da carga do animal. Abrimos uma cova rasa, com as próprias mãos, com pedaços de madeira e a ponta de facão, cobrimos os mortos com um resto de uma casa velha. Todas as vítimas de nossa volante foram enterradas em uma cova coletiva.

Jornal “A Batalha, Rio de Janeiro, 13/10/1932, narra um combate envolvendo Manoel Neto e Lampião após o combate de Maranduba. Apesar da informação divulgada não ser exata, mostra que nessa época o nome de Manoel Neto se consolidava para a imprensa brasileira como um dos principais perseguidores de Lampião.

– Coroné, e depois da luta?

– Fiquei doido! Só pensava em matar Lampião.

Seu Zé Rocha perguntou novamente:

– Foi quando esse tiroteio?

O velho militar parou por um instante, voltando o pensamento ao passado, respondeu:

– Dia 09 de janeiro de 1932.

Oxe! Coroné! É a data de hoje! Dia 9 de janeiro de 1974 – afirmou o bodegueiro.

Com um olhar sereno, respondeu o Coronel.

– Hoje faz 42 anos que perdi meus primos em Maranduba.

Os dois amigos ficaram em silêncio por alguns segundos. Nesse intervalo, a música “A Triste Partida”, na voz de Luiz Gonzaga, era a trilha sonora da narrativa emocionante que todos acabaram de escutar. Foi quando Zé Rocha entendeu a tristeza no rosto do velho amigo, que tanto admirava. As pessoas ali presentes ouviram atentamente a história contada por aquele homem. Muitos não imaginavam estar na frente do Coronel Manoel de Souza Neto, o lendário caçador de cangaceiro, um homem temido e respeitado por todos, protagonista de histórias que ajudaram a criar um imaginário popular.

O coronel Manoel Neto em silêncio ficou; colocou a mão no bolso da calça, puxou uma cédula amassada, pagou a bebida.

Seu Zé Rocha, passando-lhe o tronco, agradeceu e perguntou:

– Já vai, meu amigo?

Ele balançou a cabeça, gesticulando que sim.

Antigo comércio de Zé Rocha, no povoado Poço da Cruz. Percebe-se que a sua Bodega tinha duas portas, a última casa da foto. Foto: Cortesia da Família de Zé Rocha, acervo pessoal.

Atento a tudo que estava ao seu redor, ajeitou seu velho revólver no coldre, saiu a caminho da porta e, como costumava fazer sempre que deixava algum estabelecimento, deu uma olhada para trás e, devagar, dirigiu-se para a porta, olhando os dois lados da rua antes de sair. Era uma questão de precaução. O Cel. Manoel Neto tinha muitos inimigos, jamais poderia baixar a guarda. Ao descer da calçada, andou em passo largo para seu velho Jeep, entrou nele, deu partida, e foi embora. Todos ali presentes observavam com admiração e espanto aquele senhor, sem entender como ele, que se aparentava frágil, era tão valente.

O automóvel aos poucos foi desaparecendo naquela estrada empoeirada. Sua silhueta sumiu na linha do horizonte, levando embora uma parte importante da história do cangaço, naquele dia 9 de janeiro 1974, ao som da música do Rei do Baião, Luiz Gonzaga. O destino conduzia um dos maiores perseguidores de Lampião, o Rei do Cangaço.

Simples e bela Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Floresta-PE, cuja construção se iniciou em 1776 – Foto Rostand Medeiros.

A origem de Mané Neto

Manoel Neto nasceu nas terras da Fazenda Algodões, distrito de Floresta, em 1º de novembro de 1901. Era filho de Maria Mendes de Sá e Gregório de Nogueira Nascimento. Sua mãe era descendente de Antônio Mendes de Sá, um dos envolvidos na Questão do Sabiucá. Por isso, antes de pormenorizar detalhes da vida deste personagem, apresento ao leitor o que foi a referida questão.

O estopim de toda a Questão do Sabiucá, entre 1866-1876, deveu-se a uma personagem chamada Florência Leite da Alcunha ou Florência Leite Freire, conhecida como Flor do Ambrósio “da Volta”, de origem indígena da região da Serra Negra, município de Floresta.

Flor do Ambrósio foi casada com Francisco David Gomes de Sá, “Chico David”, nascido provavelmente em 1799. Ela nutria um ódio por Zacarias Gomes de Sá, seu cunhado (irmão de seu marido), o patriarca do clã dos Gomes de Sá.

Esses dois personagens – Flor e Zacarias – se envolveram em disputas de terra, alegando ela que fora enganada na divisão da herança pelo cunhado. Seu Zacarias criava uma neta chamada Antônia Nunes da Conceição, uma moça muito bonita, que vai participar da intriga da narrativa que se segue. No período em questão, Flor passava uma temporada na fazenda Volta, embora morasse na Fazenda Ambrósio, às margens do Rio São Francisco.

Então Flor do Ambrósio arquitetou um plano para se vingar de seu cunhado Zacarias. Para isso envolveu a jovem Antônia Nunes, neta de Zacarias, e Manoel Leite de Sá.

Desta forma, Flor procurou Manoel Leite e disse que Antônia estava apaixonada por ele, que a moça teria coragem de fugir com seu amor, não fazia isso porque seu avô não aprovava o relacionamento dos dois. Disse também que Manoel não era homem suficiente para raptá-la, pois, caso tivesse coragem de fazer isso, Zacarias não permitiria e lavaria sua honra com sangue.

Manoel Leite, mesmo não tendo nenhum romance com a moça, ficou enfurecido ao saber que Zacarias não aceitava o namoro. De início, não tentou raptá-la, mas Flor do Ambrósio começou a incentivar o jovem, dizendo que daria abrigo aos dois na fuga.

Insistentemente, Flor do Ambrósio passou a dizer:

– Você não tem coragem! Não é homem.

Em face da insistência, Manoel aceitou roubar a moça.

Dias depois, Flor do Ambrósio procurou novamente Manoel e disse que estava tudo preparado, Antônia havia aceitado fugir com ele. O local da fuga seria na fazenda Sabiucá.

Ao contrário do que imaginava, o jovem Manoel cairia em uma arapuca montada por Flor, que estava ciente de que aquela história traria uma guerra entre as famílias, porém continuou seu plano de vingança contra o cunhado.

Com tudo premeditado, Flor procurou Zacarias (avô da moça) e contou o plano de Manoel Leite, relatando data, dia e hora do rapto. O velho Zacarias ficou furioso e jurou lavar sua honra, pois neta de homem não era raptada. O Patriarca chamou seu filho José Gomes de Sá, seus irmãos e seus homens de confiança, muitos deles escravos cometeram crimes a mando de seus senhores. Zacarias também procurou seu sobrinho José Deodato de Sá e o filho deste, Laurindo Deodato de Sá, que eram conhecidos como homens que viviam das espingardas. De imediato, esses aceitaram o serviço de dar cabo à vida de Manoel Leite. No dia marcado, Zacarias e seus homens foram ao encontro do jovem Manoel, que esperava, inocentemente, raptar Antônia.

Era dia 9 de fevereiro de 1866, Manoel e seu primo Francisco Xavier Moura seguiram para a Fazenda Sabiucá (ou Mendes Moura), acompanhados de mais 4 homens da família. Ao chegarem ao local marcado para a fuga, um frondoso pé de Juazeiro, foram avistados pelos inimigos. O grupo de Manoel caiu em uma emboscada, travando um violento tiroteio. Os bacamartes inimigos foram descarregados sobre eles. Logo, Francisco caiu atingido, agonizando, sem entender o porquê de sua morte. Mesmo ferido, Manoel Leite conseguiu fugir com seus outros parentes, deixando seu primo baleado.

Abaixo se encontra a matéria do jornal do Recife que versa sobre o evento que desencadearia os fatos de Sabiucá.

Jornal do Recife, edição 03-04-1866

Rapto – Na Fazenda do Sabiocá no Rio São Francisco, distritto da villa da Flo-resta, comarca de Tacaratú, em a noite de 9 de fevereiro do proximo findo, 6 individuos tentaram raptar uma moça. Sendo avisados os parentes desta, reunirão 6 homens e foram ao encontro dos raptores, travando-se um conflito do qual resultou a morte de Francisco Xavier de Moura e o ferimento grave do primo deste, Manoel Leite de Sá.

Zacarias e seus homens, percebendo que os sequestradores de sua neta haviam abandonado o campo de luta, aproximaram-se do pé de juazeiro. Ao encontrar o Francisco Leite de Moura caído, gritou:

– Vamos acabar de matar essa desgraça! Vou sangrar esse infeliz.

Porém, foi impedido por seu filho José Gomes de Sá:

– Pai! Francisco está quase morto!

A notícia espalhou-se com fogo em capim seco. O sangue de Francisco Leite foi derramado em vão e agora tinha de ser vingado. A honra da família Mendes precisava ser lavada.

Foto de setembro de 1932, região de Jeremoabo, Bahia, onde vemos da esquerda para direita Manoel Neto, o engenheiro Holanda Cavalcanti, os volantes Euclides e Manoel Flor e por último o ajudante de estradas Raimundo Rocha. Os policiais estavam nessa ocasião dando proteção a esses civis que, junto com uma turma de trabalhadores, abriam uma estrada, situação que os tornavam alvos da ira de Lampião. Fonte  Marilourdes Ferraz.

Antônio Mendes de Sá, pai de Francisco (que morreu inocentemente), jurou vingança. Logo, mandou chamar, através de Hermínio Ferraz, dois Cangaceiros da região do Caldeirão em Floresta, para se vingar de seus inimigos. Os cangaceiros aceitaram fazer o serviço. A vingança era a única forma de lavar sua honra. Tudo já estava planejado, José Deodato de Sá, sobrinho de Zacarias, deveria ser assassinado, o que aconteceria dias depois em emboscada.

A emboscada deu-se da seguinte forma: estava José Deodato em sua fazenda. Logo cedo, indo para a roça com seu filho Laurindo, foram surpreendidos pelos vingadores, que saíram de trás de uma moita e gritaram: – Homem que é homem não mata outro de emboscada! – Disse isso fazendo alusão à cilada sofrida pelos primos Manoel Leite Moura e Francisco Moura.

Assim, começou um violento tiroteio à queima-roupa. José Deodato conseguiu atingir um dos agressores, que caiu ferido; porém foi baleado e ficou com sua arma desmuniciada, morrendo a seguir.

O outro cangaceiro e Laurindo travaram um combate. Como reza as regras da arte da briga sertaneja, quando a munição acaba, os dois soltam as armas no chão e pegam seus punhais. Assim foi feito. Começaram um duelo, uma luta de corpo a corpo. O cangaceiro do Caldeirão era destro, desferiu um golpe de punhal em Laurindo, mas não acertou. O filho de José Deodato – Laurindo – era canhoto e, rindo, conseguiu acertar um golpe no cangaceiro. Percebendo que fora ferido, este saiu, correu, adentrou na caatinga, foi morrer na fazenda Roque, sendo encontrado dias depois.

A esposa de José Deodato – Dona Zefinha – que presenciava a tudo aflita, vendo um dos assassinos do seu marido caído no chão, partiu enfurecida com sua sandália nas mãos para bater na cara do cangaceiro. Mesmo ferido, com a espinha dorsal quebrada a tiro de espingarda, ele puxou seu facão da bainha e disse:

– Afaste-se, dona! Não chegue perto não!

Zefinha grita:

– Seu miserável! Ainda vem matar homem por dinheiro?

Mesmo ferido, ele respondeu:

– Vim por amizade, Dona, não por dinheiro!

Zefinha Gomes de Sá falou:

– Você ainda fala isso, desgraçado!

Logo chegou Laurindo, filho de Zefinha, que saíra vitorioso no combate com o adversário fujão. Então carregou seu bacamarte, pediu para sua mãe afastar-se do cangaceiro que estava ferido no chão e deu um tiro certeiro na cabeça dele.

Segundo Zé Yoyô (grande genealogista e conhecedor das histórias de Floresta, PE), com a morte de José Deodato de Sá, outros membros do Clã dos Gomes de Sá envolveram-se na intriga. Foram eles João Deodato Pereira, Rufino Deodato Pereira. Os Martins: Jovino Martins, José Martins – alcunha Cazé Martins. Como vingança, eles foram assassinar o velho Mariano José de Moura, pai de Manoel Leite de Moura, o jovem que tentou raptar Antônia Nunes, neta de Zacarias.

O velho Mariano foi emboscado, assassinado friamente, sem nenhuma chance de defesa, causando mais revolta nos seus familiares. Os assassinos sumiram no meio da caatinga.

Agora, vejamos os entrelaçamentos consanguíneos dos envolvidos nesta série de assassinatos.

Mariano José de Moura era irmão de Antônio Mendes de Sá (pai de Francisco Xavier Moura, o jovem que fora morto inocentemente no primeiro embate, quando aconteceria o rapto da moça). O mandante do assassinato de José Deodato (Antônio Mendes de Sá) era sobrinho de Zacarias (patriarca do clã dos Gomes de Sá). Assim, em vingança pela morte de seu irmão Mariano, Antônio Mendes incentivou seus sobrinhos – Joaquim Mariano de Sá e José Mariano de Sá – a assassinar Antônio Martins.

A morte de Antônio Martins deu-se da seguinte forma: ele estava na vila de Floresta, no dia 07 de julho de 1866, com o objetivo de compor um júri popular. Por volta das 16h, pediu licença ao juiz da comarca, pois precisava ir à casa em que estava hospedado. Ao se dirigir à residência, foi alvejado por tiros, sendo atingido em seu braço direito. Quando a fumaça da pólvora baixou, as testemunhas, que dizem ter escutado dois disparos, viram dois indivíduos correndo para destinos ignorados. Eram eles Joaquim Mariano de Sá e José Mariano de Sá. Antônio Martins faleceu devido ao ferimento.

Zacarias – o patriarca – reuniu os homens da família e ordenou uma nova vingança. Dessa vez, Antônio Mendes (pai de Francisco Xavier, que já fora morto anteriormente) deveria morrer. Assim foi feito. Seu carrasco seria Laurindo Deodato, com seu bando.

Com o assassinato de Antônio Martins na vila de Floresta, os criminosos Joaquim e José Mariano fugiram. Seu tio Antônio Mendes (o mandante) foi preso e pronunciado pelo crime de morte de José Deodato e Antônio Martins, sendo conduzido à cadeia pública. Então Laurindo, enfurecido com a morte do pai, manda um recado para Antônio Mendes:

– Ti prepara cabra! Eu vou lhe retirar da cadeia e sangrar você no meio da rua.

O recado tinha dia e hora marcados para a vingança. As autoridades foram informadas das intenções de Laurindo e seu bando de invadir a cadeia e assassinar Antônio Mendes. A polícia, tendo um efetivo pequeno, autorizou que Antônio Mendes ficasse com suas armas, um bacamarte e um punhal, dentro da cela. Mas isso não o impediria de ser assassinado friamente. Porém, a ameaça era apenas uma distração, pois Laurindo havia arquitetado todo o esquema.

Antônio Laurindo pagou a um preso para auxiliar na sua trama maquiavélica. Assim, ele prometeu que no dia da invasão o detento aliciado seria resgatado com vida e poderia fazer parte de seu bando. Então o preso, altas horas da noite, urinou na caixa da culatra do bacamarte (também chamado de “ouvido, carregador”), e quebrou o punhal de Antônio Mendes, colocando-o com defeito na bainha. Agora, Antônio Mendes estava sem nenhuma chance de defesa. A guarnição não esperava um ataque surpresa de Laurindo, pois ele havia prometido e não tinha aparecido.

Para essa empreitada de assalto à delegacia, Laurindo havia criado um grupo de cangaceiros composto por familiares, malfeitores e escravos. Na noite da invasão, 25 de julho de 1868, eles saíram da fazenda Gravatá em direção a Floresta. Próximo da vila, Laurindo esperou anoitecer e mandou um dos seus homens disfarçados observar o contingente policial ali existente.

Na madrugada do dia seguinte, dia 26, o lugarejo foi atacado e as saídas da vila foram bloqueadas. A cadeia pública ficava na mesma rua da igreja de Nossa Senhora do Rosário, a aproximadamente 200 metros. A maioria dos integrantes do bando de Laurindo usaram o templo como trincheira. O cangaceiro Asa Branca e seus homens travaram um forte tiroteio com a guarnição ali presente. Houve uma pequena resistência. Logo um soldado tombou sem vida e os outros militares que estavam de sentinela fugiram.

Laurindo e o cangaceiro Asa Branca foram em direção à cadeia Pública. Antônio Mendes pegou suas armas, mas logo percebeu que estavam inutilizadas. Rapidamente compreendeu que havia caído em uma armadilha.

Os tiros pareciam rojão de festa junina, a fuzilaria era grande. Os assaltantes quebraram a porta da cadeia a machado. Então soltaram os presos, menos um, Antônio Mendes. Arrastaram a vítima à força para fora da cela, num ato de pura selvageria.

Laurindo disse:

Eu mandei o recado que lhe sangrava, cabra. Agora tu vai morrer!

A sangria era uma prática de introduzir um punhal na cavidade do pescoço da vítima, conhecida como saboneteira, causando-lhe a morte por hemorragia. O punhal entrava, perfurando vários órgãos como coração, pulmão. Quando o executor tira o punhal do pescoço da vítima, às vezes jorrava longe o sangue. Esse estilo de crime era uma forma de humilhar seus inimigos. É um crime bárbaro. Por isso há um ditado: morreu igual a um bode sangrado.

Coronel Manoel Neto. Fonte: Marilourdes Ferraz

O corpo de Antônio Martins ficou estendido no chão. Depois que concluiu sua vingança, Laurindo e seus homens saíram para as bodegas, foram beber cachaça e comemorar a morte de seu inimigo. Seu bando saqueou o comércio, pegou 3 mulheres da vida e fugiu logo em seguida.

No dia 26 de julho, pela manhã, havia um cenário de guerra na vila. As autoridades locais pediram providência. Então a polícia e alguns paisanos foram em perseguição ao bando de Laurindo. Tiveram notícias que eles estavam no riacho do Angico e partiram para lá, encontrando-os. A força efetuou um cerco, envolvendo o grupo de Laurindo e do cangaceiro Asa Branca.

O grupo foi pego de surpresa, muitos estavam deitados no chão, descansando, outros estavam bêbados. Houve um forte tiroteio, sendo abatido o criminoso de nome João Deodato de Sá Pereira. O restante do grupo fugiu em debandada.

Em vingança à morte de João Deodato, Laurindo e Asa Branca, dias depois do cerco, tentaram emboscar um membro da família Mendes. Não tendo êxito, mataram seu escravo de nome José. O bando de Asa Branca e Laurindo era perigoso, atuava na região do Sabiucá, Ambrósio e Gravatá, com o apoio de Zacarias Gomes de Sá.

Como represália e tentativa de se proteger, os filhos e sobrinhos de Antônio Mendes também formaram seus próprios bandos, indo morar nas caatingas.

O bando de Benedito Moura e Pedro voltou para cumprir sua vingança, cometendo uma série de mortes. Na Fazenda Tapera foram emboscados Miguel Lima e seu irmão. Os escravos e vaqueiros das famílias envolvidas também entraram na questão, os primeiros com a promessa de seus senhores de que teriam a liberdade, caso assassinassem os inimigos de seus donos. Como ganharia a carta de alforria, muitos escravos pegaram em armas. O mais famoso deles foi o cangaceiro João Raposo, que obteve sua liberdade no manejo do Bacamarte. Passou de escravo para cangaceiro, deixou o cativeiro para viver da espingarda.

Em represálias às mortes dos irmãos Lima, um vaqueiro da família Moura foi assassinado quando campeava o gado. Da mesma forma, o Cangaceiro Benedito Moura assassinou o vaqueiro de Zacarias Gomes de Sá e ocultou seu corpo em plena caatinga, soltando seu animal, levando os arreios do vaqueiro como troféu. Um escravo de Zacarias foi morto em uma emboscada.

O esposo de Felismina Gomes foi morto, a viúva achou melhor ir embora da região, com medo de seus filhos serem assassinados ou querer vingar a morte do pai. Ela fez seus filhos mais velhos jurarem que nunca vingaria a morte de seu genitor. Dias depois, Valentim, seu filho caçula, voltou à região e vingou a morte de seu pai, despertando uma onda de violência, dando reinício à questão.

A mãe do jovem, Felismina, falou:

– Meu filho, eu não queria vingança.

Ele respondeu:

– A senhora só exigiu a promessa dos filhos mais velhos.

Durante as santas Missões, o Frei Ibiapina chegou no ano de 1869 na região de Floresta. Logo foi informado da Questão do Sabiucá, da intriga de várias famílias e do derramamento de sangue que estava acontecendo. O Frei convidou os envolvidos para fazer um acordo de paz. Foi chamado o patriarca da Família Gomes de Sá, Zacarias. Ele foi ao encontro de Frei, na calçada da igrejinha do Rosário, e o reverendo colocou-lhe a mão na cabeça, dizendo:

– Tudo isso por causa dessa cabeça pelada! Muito sangue derramado. Vamos acabar essa intriga.

O sacerdote fez um acordo entre os líderes de cada família. Ordenou que todos ali presentes colocassem suas armas em frente à igreja. Assim eles fizeram! E o Frei falou: – Ali estão suas armas, a causa de todas as desgraças entre vocês. Eu quero que todos cuspam nelas, e depois todos apertem as mãos e deem um abraço! Vocês são todos da mesma família. Que toda essa soberba, todo esse ódio de vocês acabe hoje!

Em seguida, o Frei Ibiapina mandou cavar um buraco bem fundo na frente da igreja e ordenou que colocassem todas as armas dentro. Mandou enterrá-las. Por último o Frei proferiu as seguintes palavras:

– Vocês prometem nunca mais pegar em armas uns contra os outros?

– Prometemos!

Se algum de vocês tentar voltar à questão será amaldiçoado. De hoje em diante, quem derramar o sangue do próximo terá seu sangue derramado.

Após esse dia, foi construído um cruzeiro em cima do local onde foram enterradas as armas.

O acordo estabelecido pelo missionário e as famílias ficou assim definido: os envolvidos na questão que pertenciam às famílias Mendes e Mouras teriam que ir embora do Sabiucá. Assim, eles foram morar na região do Riacho São Domingos, São João do Barro Vermelho e Fazenda Ema, município de Floresta. Foram eles: Mariano José Moura e sua esposa Clara Gomes de Sá; José Mariano de Moura, que era casado com uma filha de Antônio Mendes – que foi sangrado na frente da cadeia pública – cujo nome era Pastora; Francisco Leite, seus filhos e genros, um dele era Santos Correia do Tigre; os filhos de Manoel José de Moura, David Gomes Jurubeba, Florência, Chico Cabeça de Pau; Florência Mendes, que, quando chegou na região, se casou com Manuel de Souza Ferraz, conhecido como Manoelzinho. Todos foram recomeçar uma nova vida longe do Sabiucá, como prometeram ao Frei Ibiapina. Estas informações estão no manuscrito de José Gomes Correia, Zé Yoyô do Tigre.

Porém, no ano de 1870, Laurindo quebrou o acordo e tentou matar Francisco Leite. O ódio que Laurindo nutria por seus inimigos era tão grande que o fez quebrar a promessa que seu tio Zacarias havia feito ao frei Ibiapina. Assim, ele contratou o famoso cangaceiro João Raposo para eliminar seu inimigo Francisco Leite.

De início, esses cangaceiros foram assassinar Joaquim, irmão de Francisco. Logo após praticar o crime, fugiram para uma cidade do Agreste.

Posteriormente, deu-se a tentativa da morte de Francisco Leite, a qual aconteceu da seguinte forma: o Cangaceiro Raposo, à frente do seu bando, saiu da Fazenda Sabiucá. No outro dia, logo cedo, chegaram à região do São Gonçalo, onde residia Francisco Leite, o qual vivia da agricultura e da criação de animais, caprinos e bovinos. Como era de costume, acordava cedo para sua labuta diária. No dia em questão, o agricultor se encontrava próximo de uma cacimba que ficava ao lado de um curral, a poucos metros de sua casa. Estava apenas armado com um estoque, um tipo de faca. Logo foi surpreendido por Laurindo e o bando do cangaceiro Raposo.

O cangaceiro chegou perto da cerca e gritou:

– Ei, boi velho, perdeu a fama! Você hoje vira couro de espichar vara!

As filhas de Francisco Leite perceberam o movimento dos cangaceiros cercando seu pobre pai. Elas saíram correndo em socorro ao seu genitor. Inaciana pegou um velho bacamarte e foi ao encontro de Francisco Leite, mas esqueceu de pegar a vareta de carregar a arma, levando-a desmuniciada. Aninha, sua irmã, agarrou em uma imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, levantando-a acima da cabeça, indo ao encontro do seu pai. Ela gritou:

-Valha-me, Nossa Senhora, salve meu pai.

Vendo o desespero das filhas, principalmente de Aninha, o cangaceiro Raposo bradou:

– Hoje não tem milagre! Nossa Senhora não vai livrar desse boi velho de ser sangrado igual a um bode!

Inacinha conseguiu, no meio de todo aquele alvoroço, entregar o bacamarte a seu pai, embora a arma estivesse descarregada. As filhas de Francisco entraram no curral, vendo a morte em sua frente, sem nenhuma chance de defesa. Francisco Leite percebeu que a arma estava descarregada e jogou-a no chão, puxando o estoque em seguida. O cangaceiro Raposo foi logo pulando a cerca do curral para pegar o Velho Chico Leite à mão.

Um milagre aconteceu: ouviram-se uns estampidos. Eram disparos de bacamartes. No meio do curral caiu o famoso cangaceiro João Raposo, com um tiro no joelho. O projétil foi disparado por um filho de Francisco Leite, acompanhado de seu primo Chico Cabeça de Pau, sobrinho do velho que estava em perigo. Eles salvaram o velho Chico Leite de ser sangrado.

O bando de Raposo – vendo o desenrolar da peleja, sem acreditar no que via e imaginando ser aquilo tudo um castigo pelas blasfêmias que seu chefe havia falado com a santa – saiu correndo para a caatinga, abandonando seu líder. Mesmo caído no chão, o cangaceiro João Raposo demonstrou ser valente, mas logo foi sangrado ali mesmo. Ele teve o mesmo destino de morte de Antônio Mendes de Sá. É importante lembrar que o Criminoso João Raposo havia participado da invasão da Cadeia Pública de Floresta. Logo que a notícia se espalhou na região, muitos moradores foram ver a imagem da santa milagrosa. Muitos atribuíram o acontecido com Francisco Leite a uma intercessão divina, pois ele escapara com vida das mãos dos facínoras.

O cangaceiro João Raposo, segundo pesquisa documental, provavelmente era um ex-escravo. Ele respondia por inúmeros crimes de morte, furto de cavalo, roubo a almocreve e pistolagem.

Após esse acontecimento, Laurindo fugiu sem concluir sua vingança contra Francisco Leite. Assim, ele e seu bando sofreram grande perseguição das autoridades, alguns homens seus foram presos e mortos.

Abaixo segue uma notícia do Jornal de Recife que trata da prisão do cangaceiro Bernardo.

JORNAL DO RECIFE

Sexta-Feira, 11 de junho de 1869

Por officio de 20 do dito mez, participou-me o delegado do termo de Floresta, que no dia 30 de abril último, foi preso pelo Subdelegado do distrito do Navio, a acha recolhido a cadeia de Flores, que offerece maior segurança, o criminoso de differentes mortes, de nome Bernardo conhecido por Praieiro, tendo sido os últimos crimes de morte pelo mesmo e outros que foram perpetrados, os de que foram victimas o preso Antônio Mendes de Sá e um soldado.

Transcrevi o texto com a grafia da época. O Criminoso Bernardo, alcunha de Praieiro, participou da Revolução Praieira ou Rebelião da Serra Negra no sertão de Pernambuco, na vila de Floresta, PE. Autor de vários crimes, vivia do seu Bacamarte. Ele fez parte do grupo de cangaceiros liderado por Laurindo Deodato de Sá, que invadiu a Cadeia Pública da vila de Floresta e assassinou Antônio Mendes de Sá.

Após isso, Laurindo teve que ir embora da região, indo morar em Remanso, no estado da Bahia. Ao chegar a solo baiano, praticou um homicídio e teve de fugir novamente, agora para o estado de Minas Gerais, mais precisamente para a região de Rio Correntes.

Porém, como falou o Frei Ibiapina “quem ferir com ferro, com ele será ferido”. Assim, Laurindo encontrou a morte no ano 1884, vítima de assassinato. No último suspiro, ele disse:

– Não quero vingança da minha parte. Estou pagando pelos crimes que fiz. Isso é a justiça divina!

Entretanto, seus filhos Joca e José Laurindo Deodato, movidos pelo ódio e sede de vingança, saíram em perseguição aos autores da morte do seu pai, conseguindo assassinar o mandante a golpe de faca. Em seguida fugiram.

Não aceitando o acordo de paz, Jovino Martins, Rufino Deodato e o cangaceiro Asa Branca, com seu bando de malfeitores, passaram a praticar diversos crimes: assassinatos, furtos de animais, roubos a tropeiros e estupros.

Em 1871, retornou à vila de Floresta Frei Ibiapina. Em conversa com o sacerdote da Paróquia de Bom Jesus do Aflito, Padre Felipe Samambaia, o missionário soube das notícias: Laurindo e seus primos haviam quebrado o acordo. A Questão do Sabiucá estava de volta.

O Frei Ibiapina solicitou providências das autoridades da Vila de Floresta para dar cabo desse grupo de cangaceiros que aterrorizava a região. Deveria ser punido imediatamente. A população da vila de Floresta, revoltada, juntou-se à polícia. Fizeram um numeroso contingente e foram à procura dos criminosos. Nesse dia, uma forte tempestade caiu na região e o rio Pajeú estava cheio. Frei Ibiapina falou:

– Essa grande tempestade era porque hoje estão entrando almas no inferno.

A Polícia entrou na caatinga em perseguição ao bando de cangaceiros de Laurindo. Encontraram-nos, houve forte tiroteio, o cheiro de pólvora dos bacamartes, a luta de punhal nas mãos. Esse embate resultou em várias mortes, o bando foi destroçado. No mesmo dia entraram na vila de Floresta 03 corpos no lombo de burros. Todos ali presentes ficaram impressionados com a premonição do Frei.

Era o fim da Questão do Sabiucá, uma das maiores intrigas de Família de Floresta, PE, no Brasil Império, segundo a história oral. Foram assassinadas 32 pessoas.

Zacarias, o patriarca do Clã dos Gomes de Sá, não foi assassinado. Usou de toda sua influência, ficou na região do Sabiucá. Alegou que estava certo: entrou em questão para lavar sua honra. Ele foi processado, indo ao tribunal do júri por duas vezes, no dia 08 de julho de 1867. Seu advogado foi o Capitão José Paulino Rodrigues Barros. Apesar de tudo, foi absolvido pelo assassinato de Manoel Leite de Moura.

No auge da Questão do Sabiucá, ciente de que poderia ser morto a qualquer hora por seus inimigos, Zacarias juntou todos seus objetos de valor – como joias, moedas de ouro e prata -, e os colocou dentro de um baú. Feito isso, chamou seu filho José Gomes de Sá e um dos seus escravos para transportar a mercadoria. O cativo não imaginava que carregava uma verdadeira fortuna.

Em certo local, Zacarias ordenou que seu escravo cavasse um buraco, colocasse o baú dentro e o enterrasse. Depois de realizada a tarefa, o ancião pegou seu bacamarte e atirou nas costas do serviçal. Quando foi indagado por seu filho, José, o porquê dessa barbaridade, respondeu:

– Esse infeliz é um traidor! Traiu a minha confiança. Ele é um dos responsáveis pela morte do meu genro. Esse negro levava informação para nossos inimigos. Nunca mais ajudará a matar genro de homem.

Essa afirmação do Patriarca se deve ao fato de que, durante os eventos da questão acima, Zacarias perdeu um dos seus genros em uma emboscada que seria para o próprio Zacarias.

Quando voltou para a fazenda, após o esconderijo do baú e da morte do escravo, Zacarias e José contaram que o cativo havia fugido. Assim, sua fortuna estava bem guardada. Naquele tempo, banco no Sertão era coisa rara. Quem tinha objetos de valor guardava em baús, potes de barros, ocos de árvores. Essa prática era conhecida como botija.

Por causa da ocultação de seus bens no baú, existia uma lenda na Fazenda Ambrósio em que se afirmava que a assombração de Zacarias aparecia gritando:

– Oh! Que agonia, meu Deus! Eu mandei matar muita gente. Estou penando. Cadê minha Botija!

Assim, Zacarias vaga lamentando seus pecados, arrependido dos seus crimes, pedindo para que se encontre a botija e o liberte da maldição. Mas, na verdade, José, seu filho, depois que a questão acabou, voltou ao local em que estava enterrado o baú com os objetos de valor e o trouxe de volta.

Antônio Mendes, que continuava preso durante o desenrolar da questão das mortes por vingança, foi julgado pela morte do pai de Laurindo. Foi absolvido, mas houve a apelação e ficou preso de novo. O julgamento ocorreu dois dias após o atentado contra a vida de Antônio Martins, que era pai de Jovino e José Martins, que participaram do assassinato de Mariano, irmão de Antônio Mendes.

Antônia Nunes – neta de Zacarias, a moça que seria raptada no início da história, mesmo não tendo culpa de tanto derramamento de sangue, nunca se casou com ninguém, não saía de casa. O único lugar em que andava era a igreja do Cemitério do Sabiucá. Tornou-se uma mulher amarga, carregou essa angústia pelo resto da vida.

É importante lembrar que, na cultura sertaneja, quando um jovem raptava uma moça, a honra da família teria que ser lavada. O raptor era obrigado a casar. Caso isso não acontecesse, o pai da raptada teria que lavar sua honra com sangue. Se os jovens se arrependessem, teriam que voltar casados ou, ao chegar, se casavam logo. Tal atitude era uma forma de honrar os homens da família da moça. Houve caso de rapto em que a jovem era devolvida sem casamento, começando uma guerra entre as famílias envolvidas.

O que se sabe é que Antônia Nunes nunca foi namorada de Manoel Leite. Foi apenas objeto de vingança de Flor do Ambrósio contra seu cunhado Zacarias. Apesar disso, a moça levou a culpa dos familiares de Francisco Leite por seu assassinato, e, como forma de lidar com suas angústias, colocou luto pelo resto de sua vida.

Antônia era filha de Joana Maria de Sá e Manoel Nunes da Conceição. No seu inventário está escrito que a referida morreu solteira, sem descendentes, em 1909, deixando uma parte de seus bens para seus sobrinhos – os filhos de seus irmãos, Josefa Gomes de Sá e Boaventura Nunes da Conceição; a outra parte ficou para a Igreja do Cemitério do Sabiucá.

Antônia Nunes presenteou com uma imagem de Nossa Senhora da Conceição seu sobrinho e afilhado, Macário Gomes de Sá, meu bisavô paterno. Ele nasceu em 1880. A imagem faz parte do meu acervo.

Antônio Mendes de Sá foi assassinado barbaramente, deixando todos seus familiares em luto. Com o acordo entre as famílias, seu povo deixou a região do Sabiucá, Roque, Gravatá, Ambrósio e Tapera dos Valentões. Antônio Mendes deixou vários filhos. Sua filha Ana Mendes de Sá, “Aninha Brava”, era casada com José Vitoriano de Sá, conhecido como Cazuzinha do Roque. Eles também tiveram vários filhos. Uma filha de nome Maria Mendes de Sá se casou com Gregório Nogueira Nascimento e tiveram os seguintes filhos:

1 – Filomena Maria de Sá, nascida em 1894, falecida em 20.06.1973.

2 – Amerida Maria de Sá, nascida em 1896, falecida em 06.05.1975.

3 – Arcôncio de Souza Ferraz, em 1921, que entrou para as fileiras militares, viajando para Recife, sendo o primeiro filho do solo sagrado de Nazaré do Pico a ser militar.

4 – Altina Souza Ferraz, nascida no dia 07.08.1897 e falecida no dia 17.11.1980.

5 – Manoel de Souza Neto, nascido em 01.11.1901, falecido em 03.11.1979.

6 – Ancilon Nogueira do Nascimento.

7 – Afonso Nogueira.

Do amor entre Maria Mendes e Gregório Nogueira nasceria o maior perseguidor de Lampião e seu bando. Seu nome ficará gravado na historiografia do cangaço. Símbolo de resistência, sua coragem, muitas vezes, beirava a loucura. Seu nome é uma homenagem ao seu avô paterno, Manoel de Souza Neto. Nasceu no dia 01 de novembro de 1901, na fazenda Algodões, Município de Floresta, PE, no Sertão de Pernambuco. Cresceu no meio de sua família, na vila de Nazaré do Pico. Frequentou a escola do professor Domingos Soriano. Seu nome: Manoel Neto.

Manoel Neto nunca imaginou que sua vida seria marcada por violência, mortes e vários combates com um grupo de cangaceiros. Seu destino seria igual ao do seu bisavô Antônio Mendes de Sá, que teve de lidar com afrontas e ódios. Assim, Manoel travou uma guerra sem fim com Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião, seu amigo de infância. Dessa forma, o Rio São Francisco – que foi testemunha da Questão do Sabiucá, onde imperou o fogo do bacamarte, vitimando vários inocentes – testemunharia os embates entre o volante mais valente e o maior de todos os facínoras.

Manoel Neto era nazareno, descendente de Antônio Mendes, morto na lendária Questão do Sabiucá. Deixaria um rastro de pólvora, violência e dor no Sertão devido a seu ódio pelos irmãos Ferreira. A caatinga seria seu palco de luta até o dia que Lampião tombou sem vida no dia 28 de julho de 1938, na grota do Angico, município de Poço Redondo, Sergipe.

A Questão do Sabiucá e a diáspora da família de Antônio Mendes deu origem a Manoel Neto e a outros bravos nazarenos. Sua história é muito intrigante. Ele saiu do povoado de Nazaré do Pico, distrito de Floresta, em 1922, com destino a Rio Branco, atual Arcoverde, PE. Nesta empreitada, foi acompanhado do almocreve Adão Feitosa para vender peles de bode, uma viagem cansativa e perigosa, com risco alto de um encontro com cangaceiros, pois esses criminosos estavam em toda parte do sertão de Pernambuco. A região de Pajeú de Flores e Riacho do Navio eram berços de grandes cangaceiros. O percurso de Nazaré do Pico a Rio Branco era feito a cavalo ou a pé, tangendo frotas de jumentos carregados de produtos.

Aos 20 anos, Manoel Neto pega um vapor em Rio Branco com destino a Recife. Alistado, seu primeiro posto foi soldado ‘‘praça”, tendo uma brilhante carreira militar. Após, passou para a reserva remunerada no Posto de Tenente Coronel da Polícia Militar de Pernambuco.

O seu ingresso na Polícia de Pernambuco aconteceu no dia 23 de janeiro de 1923. Infelizmente, sua pasta no arquivo desta corporação está incompleta, segundo o pesquisador Cel. André Carneiro de Albuquerque. Isso se deve porque, provavelmente, ele viajou no segundo semestre de 1922 e sua incorporação na fileira militar aconteceria apenas no ano seguinte.

Manoel Neto teve que pegar em armas para defender a honra de seu povo quando a paz do povoado de Nazaré do Pico foi ameaçada por Lampião, futuro Rei do Cangaço. Muitos pesquisadores consideram-no como o mais implacável dos militares no combate ao banditismo rural. Foram mais de quarenta tiroteios com grupos de cangaceiros e mais de 16 anos de perseguição em plena caatinga.

Jornal carioca “A Batalha, edição de 3 de agosto de 1938, quando Manoel Neto deu uma entrevista após a morte de Lampião.

Assim foi a vida de Manoel Neto. Ele se entregou de corpo e alma à luta contra Lampião e seu bando. Foi um militar muito corajoso. Sua coragem beirava a loucura humana. Por causa de suas imprudências no campo de batalha, foi ferido diversas vezes. Alguns ferimentos foram graves, como o sofrido no Fogo das Caraíbas, quando foi ferido no braço, causando-lhe uma fratura exposta. Foi socorrido e levado para o Povoado de Betânia, na época, sendo cuidado por um curandeiro. Seu tratamento foi feito à base de plantas medicinais.

No Combate da Serra Grande, em Calumbi, PE, Manoel Neto foi atingido nas pernas, e uma delas chegou a ser fraturada. Nesse combate quase foi abatido pelos Cangaceiros. Esse ferimento lhe deixaria um pouco manco da perna pelo resto da vida. Houve muitos outros ferimentos adquiridos, diversas vezes ele enfrentou a morte.

Sua carreira militar também foi manchada por inúmeros atos de violência contra a população. No estado da Bahia, suas forças foram responsáveis por vários espancamentos, torturas e assassinatos. Ele foi denunciado por crimes de abuso de autoridade, sendo convidado a deixar as terras baianas.

Quando entrou para a reserva remunerada em 27 de outubro de 1947, Manoel Neto optou por uma vida tranquila no interior de Pernambuco. Foi morar na Vila de Espírito Santo, atual Inajá, PE, onde foi prefeito.

Logo que deixou o cargo de Prefeito de Inajá, decidiu ir morar no Distrito de Ibimirim, que era do município de Inajá. Segundo alguns pesquisadores do tema cangaço, Manoel Neto foi o primeiro Prefeito de Ibimirim, mas outros discordam dessa afirmativa. O Cel. Manoel Neto não foi o primeiro chefe de governo de Ibimirim, ele foi o prefeito de Inajá. Como Ibimirim era apenas um distrito de Inajá, ele também era Prefeito do Povoado.

Segundo Josinaldo André de Souza, em 1928 Ibimirim era uma vila pequena, com aproximadamente 20 casas e uma Capela dedicada a Santo Antônio de Paula. Pertencia ao município de Moxotó, era uma rota para Rio Branco, atual Arcoverde. Nas sextas-feiras existia uma pequena feira embaixo de uma frondosa árvore. Seu Zeca Moura e Dona Rosa eram donos de comércio na vila, para onde viam pessoas de muitas regiões; era o ponto de encontro dos moradores do povoado Poço da Cruz, Jeritacó, Campos e Puiú. O Cel. João Inocêncio elevou a vila de Ibimirim a cidade no dia 20 de novembro de 1963. Foi nessa cidade que Manoel Neto decidiu morar e viver seus últimos dias de vida.

Combatentes contra os cangaceiros – Da esquerda para a direita vemos um volante desconhecido, Odilon Flor e Manoel Neto.

Quando Manoel Neto foi morar em Ibimirim, fez logo amizade com Antônio Sebastião Clemente (Antônio Cambista) e a esposa desse, Eutália Teixeira de Carvalho. Essa amizade perpetuaria até sua morte.

Certo dia, de costume, o Cel. Manoel Neto parou seu velho Jipe em frente ao restaurante de dona Chiquinha. Um jovem se aproximou e disse:

– Coroné, queria ser volante para brigar com Lampião igual ao senhor.

O Coronel sorrindo disse:

– Já vi muito cabra frouxo igual a você correr no primeiro tiro. Vá estudar e deixe de falar besteira.

O velho militar evitava falar de suas proezas no tempo do cangaço, principalmente na frente dos jovens. Ele não tocava nesse assunto para não incentivá-los. Dizia:

– Não sou exemplo para nenhum jovem.

Quando alguém falava em valentia ou sobre o cangaço, ele ficava calado e logo ia embora do local.

Em entrevista a Dona Ana, filha de seu Antônio Cambista, residente em Caruaru- PE, ela me relatou:

– Ele era alto, magro, bonito, adorava azul. Sempre usava roupa combinando. Não tirava o chapéu de massa da cabeça. Ele era um homem muito educado, falava manso, de olhar firme, muito respeitador com as moças. Minha mãe dizia: “Coronel, o senhor está bonito hoje”. Ele dava uma gargalhada, os olhos brilhavam e dizia: “Em Nazaré tem cabra bonito, é porque a senhora não viu o primo Manoel Flor. Aquele andava equipado!” Ainda rindo, acrescentou: “Manoel Flor era arrumado até nas brigadas!”

O coronel usava camisa azul, cáqui, preta, calça de linho e alparcata “xô boi” feita pela família Enoque, de Floresta. O artesão Antônio Enoque de Marcelino era responsável pela fabricação de suas sandálias de couro, a tradicional alpercata de couro, a famosa “Xô Boi de Floresta”.

Segundo seu Moacir, o Cel. Manoel Neto tinha o hábito de todas as tardes ir aos postos de combustível de Guido, filho do Cel. João Inocêncio. Às vezes ele fazia o percurso a pé, lembrado o tempo do cangaço.

No universo da volante, Manoel Neto sabia que pegar o rasto de cangaceiros era arriscado e perigoso. Por isso, quando se estava andando e se percebia que alguém vinha se aproximando, logo se afastava para o outro lado da estrada. Ele não pegava na mão de estranho e não conversava com ninguém de muito próximo; era muito precavido o Coronel.

Muitas pessoas tinham o hábito de lhe pedir a bênção. O coronel dava a benção de longe. Ele dizia:

– Deus lhe abençoe, mas pode ficar aí.

O coronel não permitia aproximação, pois poderia ser surpreendido por alguém que, pedindo-lhe a bênção, viesse a pegar em sua mão e tentar lhe assassinar com uma faca peixeira. Quando alguém tentava conversar com ele sobre algum remédio caseiro, ele dizia:

– Meu filho, eu converso com você no Posto de Guido de João Inocêncio.

E mandava a pessoa ir à frente dele, nunca deixando sua retaguarda desprotegida. Assim muitas pessoas fizeram, andavam na frente e ele atrás. Os moradores do povoado Lage diziam:

– Lá vem o Cel. Manoel Neto com um preso.

Todos davam uma gargalhada; a população sabia que ele não consultava ninguém em lugar deserto. Muitos falavam:

– Eita velho desconfiado!

Outras vezes o coronel Manoel Neto fazia o mesmo percurso no seu jipe velho azul. Logo era reconhecido pelos moradores da região; ele só andava no carro na primeira ou segunda marchas, forçando o motor do automóvel. De longe a população gritava:

– Lá vem o coroné! Passa a marcha, coroné.

Todos davam gargalhadas.

Certo dia, o Coronel, em sua rotina habitual, chegou ao Povoado Lage. A população ficou apreensiva. De óculos escuros, camisa cáqui, calça preta e seu velho revólver calibre 38 na cintura. Os moradores perceberam que o visitante estava estranho. Naquele dia ele se envolveu em briga com o Jovem Severino Brusco, motorista do coronel João Inocêncio. Dias Depois o jovem viria a ser assassinado por Manoel em um duelo de cabra macho. Existem duas versões da causa desse desentendimento.

A primeira versão é de que o coronel entrou em um estabelecimento e o motorista chegou logo em seguida, dizendo:

– Coloque um Coronel; hoje quero beber; hoje quero beber.

Era costume dos sertanejos colocar um copo americano de cachaça e tomar de uma só vez. Essa prática era chamada de “sargento”. O significado disso era que, muitas vezes, em perseguição aos cangaceiros, os soldados tomavam um corpo cheio de cachaça em um único gole para aumentar a adrenalina no corpo, atenuando o estresse emocional em que viviam os militares. Então, muitos sertanejos chegavam nas bodegas e falavam: “Coloque um Sargento!”

Nesse dia Severino gritou:

– Coloque um “coroné”!

O Cel. Manoel Neto perguntou:

– Como é, cabra?!

O jovem repetiu:

– Hoje eu quero beber, coloque um “coroné!

Sentindo-se humilhado, Manoel Neto puxou seu revólver 38 e desferiu um golpe certeiro na testa do jovem com o cabo da arma, fazendo um enorme sangramento. Assim, começou uma verdadeira confusão, as pessoas ali presentes entraram no meio da briga para acalmar os ânimos dos dois. Severino jurou vingança contra a vida de Manoel Neto. O jovem motorista falou:

– O senhor pode ter certeza de que não vai ficar assim.

O coronel Manoel Neto disse:

– Não vou mudar de cidade por causa de você.

A segunda versão diz que o desentendimento foi por motivo político: Severino andava difamando o coronel Manoel Neto. Chateado com a atitude do jovem, o velho militar pensou em dar um basta nessa situação. Certo dia, chegando ao Povoado Lages em seu jipe, presenciou o jovem Severino correndo atrás de uma moça; estavam brincando. Manoel Neto, incomodado com aquela atitude, gritou:

Manoel Neto caçando cangaceiros na Bahia. Acervo Giovane Gomes.

– Deixe disso, cabra safado. Parece um tarado!

A moça falou:

– Estamos brincando, Coronel!

Severino, revidou à altura:

– Cabra safado é o senhor.

O coronel ficou de orelha vermelha quando ouviu a resposta de Severino. Desceu imediatamente do jipe, partiu para o jovem, dando-lhe um tapa na cara, sacou de sua arma para atirar no jovem, sendo impedido por populares.

Severino disse:

– Coronel, em cara de homem não se bate!

O outro falou:

– Não estou dando em cara de homem, mas na cara de cabra safado. Homem não corre atrás de mulher!

Severino respondeu:

– Coronel, eu sou pobre, mas sou homem. Era melhor o senhor ter me matado. Em cara de homem não se bate.

Várias pessoas já estavam envolvidas na confusão, o coronel de arma em punho. Os amigos do militar chegaram, tiraram-no do local. Severino, que foi desmoralizado, estava com os ânimos exaltados, jurando vingança.

Indo embora, o Cel. Manoel Neto contou sobre a confusão ao seu amigo, Antônio Cambista. Esse advertiu:

– Aquele rapaz tem coragem!

O Cel. Mané Neto falou:

– Pode vir. Estou acostumado com cabra safado.

Seu Antônio Cambista, dizia:

– Não se bate na cara de homem, Coronel!

Manoel Neto ficou calado como se nada houvesse acontecido.

Severino era um homem valente, foi humilhado com um tapa na cara. Com sede de vingança, começou logo a beber, chorar e jurar vingança. Ele conhecia os hábitos do militar, pois seu patrão morava perto do Coronel. Assim, arquitetou um plano para sua vingança: matar o algoz em sua casa.

Seu Antônio Cambista alertava:

– Coronel, Severino é genioso como o senhor. Ele vai querer vingança. O homem humilhado quer lavar sua honra.

O Cel. Manoel Neto respondeu:

– Pode vir. Nunca tive foi medo de macho!

No dia seguinte, Severino colocou seu plano em ação. O Coronel morava em uma casa de jardim com um muro pequeno na frente e um corredor lateral. Foi nesse local que o jovem Severino se escondeu, sem ninguém perceber, esperando surpreender o velho militar, acreditando que sua força juvenil era superior à idade de seu adversário. Ele nunca imaginou que estava emboscando Manoel de Souza Neto, o lendário Mané Fumaça, o homem que muitas vezes enfrentou Lampião e tinha a força dos cabras de Nazaré.

O coronel vinha tranquilamente na rua principal de Ibimirim, usando sua camisa de brim azul, sua calça de linho preta e chapéu de massa na cabeça. A única coisa que lhe denunciava ser militar era seu velho revólver calibre 38 no coldre, à mostra.

Aproximando-se de sua casa, entrou pelo velho portão, fazendo um estalo. Um vulto apareceu com uma faca peixeira na mão e partiu para cima do coronel. Sem entender nada, mas sempre precavido, Manoel Neto sacou sua arma, dando um tiro por reflexo, não acertando o alvo. Ouviu-se uma voz:

– Perdeu a fama, velho safado? Nunca mais você bate em cara de homem.

Com uma agilidade espetacular para um homem de mais de setenta anos, ele pula o pequeno muro de sua casa. Deu o segundo tiro, acertou o peito de Severino, que se afastou com o impacto do projétil, mas logo voltou ao campo de luta. As pessoas presentes à peleja ficaram impressionadas com a velocidade do velho coronel. No terceiro tiro, ele gritou:

– Cabra Safado, você está brigando é com o Cel. Mané Neto!

O terceiro tiro acertou o abdômen de Severino.

Mesmo alvejado à queima-roupa, Severino continuou caminhando para cima do Coronel, tentando acertar um golpe com sua faca peixeira. Não acertou nenhuma facada. No momento de fúria, baleado com dois tiros, ele tentou desesperadamente matar o algoz. Sentindo seu corpo perdendo as forças, sangrando muito, Severino começou a cair lentamente no chão.

O quarto tiro acertou-lhe de raspão. Os dois últimos tiros o velho militar errou. Quem presenciava o duelo tinha certeza de que a hora do velho militar havia chegado. Mas, por incrível que pareça, ele saiu ileso, sem nenhum arranhão. Mais uma vez Manoel Neto enfrenta a morte e sai vitorioso.

Severino estava caído no chão, mas conseguiu se levantar e, cambaleando, saiu caminhando, todo ensanguentado, da casa do Cel. Mané Neto que estava de arma na mão e novamente carregada. Porém, não desferiu mais tiros contra seu agressor. O jovem motorista baleado conseguiu chegar até a casa de seu patrão, caindo em seguida. O Cel. João Inocêncio falou:

– Que desgraça foi essa, homem?!

Severino respondeu:

– Foi o Cel. Mané Neto. O Senhor está vendo o que ele fez comigo?!

O patrão respondeu:

– Eu não disse a você que não mexesse com aquele cascavel!?

Logo em seguida, uma multidão se aglomerou em frente à casa do cel. Manoel Neto. Um rastro de sangue estava presente, a fumaça da pólvora ainda estava no local e, de arma em punho, estava o maior perseguidor de cangaceiros. A experiência de combate com facínoras foi decisiva para reagir a mais uma emboscada sofrida. Quem presenciou a última peleja do Cel. Manoel Neto concluiu que ele era valente ao extremo, que ele fazia jus ao apelido de Mané Fumaça. Logo chegou a notícia que Severino estava morto próximo à casa de seu patrão.

João Florentino de Carvalho era de Floresta, estava no dia da tragédia que abalou Ibimirim. Ele era funcionário público dos Correios. Na hora do episódio ele ouviu os primeiros tiros. Então, saiu para ver o que estava acontecendo, percebendo que vinha do lado da casa do Coronel Manoel Neto. Assim, correu em direção à residência do velho militar ao seu socorro. Quando lá chegou encontrou o Cel. Manoel Neto e falou:

O que foi isso, Coronel?

O coronel respondeu: – Dei cabo de um infeliz agora.

João Florentino insistiu:

Coronel! O que o senhor vai fazer agora?

Ele respondeu energicamente:

– Nada. Não sou homem de me assombrar com pouca coisa.

Com muita tranquilidade, o Coronel aconselhou a seu amigo que tentava lhe ajudar:

– João, vá para casa, você é de Floresta, você é casado e tem filhos. Pode ser que alguém queira vir atrás de mim querendo vingança.

João, que se encontrava desarmado quando chegou à tragédia, mesmo exposto a tudo e a todos, disse:

Não vou Coronel. Não deixarei o senhor sozinho. Um florestano não deixa outro para trás.

João Florentino permaneceu com o Coronel e o recomendou que deixasse Ibimirim por enquanto, coisa que o Coronel não se mostrou interessado. Porém, em seguida, mesmo relutante, entrou em sua casa, pegou suas outras armas, colocou no carro e saiu. Todos ali presentes ficaram impressionados com a sua frieza no meio daquela desgraça; não parecia que há poucos minutos sua vida estava correndo perigo. João Florentino só saiu da frente da casa quando Manoel Neto foi embora para a residência de Antônio Cambista, o qual foi logo perguntando:

– O que faz aqui, meu amigo?

O coronel respondeu:

– Acabei de fazer uma desgraça.

– O que foi aquele tiro? – Antônio perguntou. JOÃO FLORENTINO DE CARVALHO

Ele respondeu:

Acabei de matar Severino.

Qual Severino? – perguntou Antônio.

Severino, motorista de João Inocêncio.

O senhor é doido? O senhor vai ser preso!

O Cel. Manoel Neto disse:

Nunca. Não admito um volante colocar as mãos em mim.

Antônio cambista continuou:

Coronel, o senhor tem que sair da cidade.

Logo em seguida chegou à esposa de Seu Antônio, Dona Eutália, desesperada com o acontecido. Disse:

Coronel, pelo amor de Deus, vá embora.

Ele disse:

Estou saindo da cidade, não por medo, mas por respeito ao oficial de justiça, que é meu amigo e a vocês que estão me pedindo. A quem perguntar por mim pode dizer que daqui a oito dias estarei de volta.

O coronel começou a assobiar; isso era comum quando ele estava nervoso ou calmo. Logo em seguida, entrou no seu jipe e partiu para a fazenda Baixa da Imburana. Quando voltou para Ibimirim, logo tratou de vender a residência; não quis mais morar nela. Alugou uma pequena casa e foi residir próximo de seu amigo Antônio Cambista.

Outro fato interessante aconteceu no período de eleições municipais em Ibimirim. O coronel apoiava Cajá para prefeito e apareceu uma conversa que existia um famoso pistoleiro para assassinar Cajá e o Coronel Manoel Neto. Avisados dessa história, o Coronel, Cajá, Audálio e outros familiares do candidato a prefeito se dirigiram para o povoado Lages. Chegando ao local, o coronel desceu de seu jipe, caminhou em direção à casa e atirou na porta, gritando:

– Podem tomar a porta traseira, que a dianteira é minha. Saia para fora, cabra. Você está brigando com o Cel. Mané Neto.

Quando entraram na casa, não tinha ninguém. Os moradores evadiram-se pela porta da cozinha, encontraram apenas uma rede velha, resto de bebida e comida. Todos ali presentes ficaram impressionados com a valentia do coronel.

Em 1973, os repórteres Fernando Portela e Cláudio Bojunga entrevistaram o velho militar. Eles narram:

“Magro, alto, elegante, vestido de azul-celeste, lá está o coronel Mané Neto, se não fosse aquele Taurus 38, cano médio na cintura, ele poderia ser definido como um velhinho simpático e indefeso. Indefeso, jamais: quando me aproximei dele, um tanto bruscamente, brecando o carro a poucos metros, a mão (fina, delicada) do coronel ameaçou puxar o Taurus da cartucheira, mas… um grito – É jornal, coronel! É do jornal – guardou os reflexos do coronel para outra ocasião. Mas ele, o Coronel, ainda desconfiado: – Abra a porta do carro, meu filho. Vamos, desça, venha cá. Devagar.”

Esse era o perfil do coronel, um homem sempre precavido. Conversou por horas com o repórter Fernando Portela, mas evitou falar do tempo do Cangaço. De voz calma, sempre educado com as pessoas, ele não deixava transbordar o homem valente que existia dentro de si. Fernando estava em frente ao maior caçador de cangaceiros. O próprio Lampião respeitava a coragem de Manoel Neto. Com a mão no queixo, ouvia atentamente a conversa de Fernando Portela. O coronel não falava do seu passado, não dava palestra sobre a campanha contra o banditismo rural, não aceitava ser exemplo de valentia para os jovens.

Outro episódio interessante nessa entrevista é que o coronel se manifestou muito incomodado com o fato de os caminheiros levarem as moças da cidade embora. Veja que na fotografia se percebe seu revólver calibre 38 à amostra e pronto para sua defesa.

Em 1979, ano do seu falecimento, o coronel começou uma crise renal. Ele dizia que as fortes dores eram devidas a muita sede porque passou quando andava na caatinga perseguindo Lampião e seu bando. Segundo ele, os volantes sofriam muita privação, e a falta de água era uma delas.

Ibimirim, 1973, Cel. Manoel Neto e o repórter Fernando Portela (Foto de Josenildo Tenório). Nesse registro, Manoel Neto, já com idade avançada, ao lado de seu Jipe e na rua principal da cidade.

Quando surgiam as crises renais, ele fazia remédio de ervas medicinais. Um dia avisaram a dona Eutália que o coronel estava andando na rua todo urinado e com o semblante diferente. Logo ela foi buscar seu velho amigo, encontrou-o desorientado e o levou para sua casa. Começou a cuidar dele, colocou-o em um dos quartos de sua residência. Seu marido e suas filhas auxiliavam nos seus cuidados. O Coronel apresentava um quadro de demência.

O Coronel Manoel Neto não gostava de ficar sozinho. Dizia ter medo de alma. Mesmo sendo um grande Volante, tinha pavor de fantasma; quando vinham as crises nervosas, seu Antônio Cambista dormia na casa dele, pois o ancião não ficava sozinho.

Certa noite chegou uma mulher com sua filha ardendo em febre na casa de seu Antônio. Dona Eutália pediu que seu marido fosse chamar o Coronel para fazer uma consulta na pobre criança que estava à beira da morte. Seu Antônio, chegando à casa do amigo, bateu na porta e falou:

– Coronel, sou eu, Antônio cambista!

O coronel respondeu:

– Quem é?

Antônio fala novamente:

– Sou eu! Antônio Cambista, seu amigo.

Reconhecendo a voz de seu amigo, o Coronel fala de dentro da casa:

– Estou saindo.

A casa em que o velho militar morava tinha uma porta e uma janela de lado. Ele acendeu o candeeiro e veio para a sala da casa. Seu Antônio, que esperava o amigo abrir a porta da frente, vê o Coronel abrir a janela com sua arma na mão a perguntar:

– O que o Antônio quer nessa hora da noite?

Então Antônio narrou o fato e o coronel disse:

– Espere aí.

Entrou no seu quarto, trocou de roupa e partiu para a casa de seu Antônio. Chegando lá, colocou o menino em cima da mesa e começou a examiná-lo. A mãe aflita começou a chorar, e a criança também. Ela, em pranto, dizia:

– Coronel, salve minha filha, pelo amor de Deus!

Logo o coronel gritou:

– Cale a boca. Deixe de choro, seu filho não vai morrer. Não gosto de choro perto dos meus ouvidos. Faz-me lembrar dos meus companheiros em Maranduba.

Dona Eutália acalmou a mulher. O Coronel mandou trazer uma bacia com água, colocou a criança dentro e deu o banho, fazendo baixar a febre. Após isso, medicou-a e a deixou em observação. Ele era um mestre raizeiro, desenvolveu medicina popular quando foi chefe de Volante. A criança sobreviveu, e sua mãe, no outro dia, agradeceu muito ao velho militar.

Mas, agora, quem estava doente era o Coronel, cuja saúde a cada dia piorava. Seu Antônio Cambista e dona Eutália decidiram procurar as autoridades. Entrou em contato com o Comando Geral da Polícia Militar. O coronel João Lessa mandou uma viatura buscar o doente e levá-lo para o Hospital do Derby, onde ele ficou internado 14 dias.

Em entrevista, Ana, filha de seu Antônio Cambista e Dona Eutália, narrou que seu pai, quando viu o automóvel transferindo o coronel Manoel Neto, começou a chorar, pois ele sabia que o grande dia havia chegado para aquele homem valente.

Quando o carro partiu de Ibimirim para Recife, o automóvel estava levando parte da história: Manoel de Souza Neto, um homem valente que deixou seu nome gravado para sempre na historiografia do cangaço.

No dia 3 de novembro de 1979, às sete horas e quarenta e cinco minutos, faleceu de causas naturais, em decorrência de problemas renais, o temível coronel Manoel de Souza Neto que, desta vez, havia perdido a batalha para a morte que tantas vezes ele olhou nos olhos dela. Seu corpo foi trasladado para a vila de Nazaré do Pico, Floresta, sendo sepultado com honras militares. Sua amiga dona Eutália cuidou de seu amigo até a hora de sua morte. Ela o acompanhou e, com seu esposo Antônio Cambista, foram exemplos de uma verdadeira amizade com o Cel. Manoel Neto.

Estas fotos faziam parte do acervo pessoal de Manoel Neto. Acervo: Giovane Gomes.

NOTA DO AUTOR: É importante comentar que esse artigo é um resumo de um livro que estou escrevendo sobre a história desse valente e intitulado “A Origem de Manoel Neto”, uma lenda na história do Ciclo do Cangaço no Nordeste do Brasil, onde trarei fatos novos de sua vida com base em uma extensa pesquisa de campo.

Mas é importante frisar que quando ele viveu na pequena cidade de Ibimirim, na década de 1970, muitos pesquisadores cometeram uma grande injustiça em suas obras: afirmaram que o Coronel Manoel Neto morreu pobre e abandonado num pequeno quarto de hotel. Estavam todos completamente errados.

Nos seus últimos dias de vida, o Coronel foi bem cuidado pelos amigos Antônio Cambista e sua esposa Dona Eutália. Cuidaram dele com muito amor e carinho. Dona Eutália acompanhou seu velho amigo a Recife, ficando a seu lado até sua morte. E seu grande amigo Antônio Cambista chorou, ao saber de seu falecimento. Manoel Neto era oficial da Polícia Militar de Pernambuco, era aposentado, possuía casa e uma fazenda próximo da cidade de Ibimirim e seu soldo (salário) lhe garantiu um padrão de vida muito bom para a época.

Em conversa com o amigo e Pesquisador Rostand Medeiros, responsável pelo Blog TOK DE HISTÓRIA, aceitou publicar em primeira mão esse artigo, que é um resumo do meu livro.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS

Agradeço à professora Anair Elisabete, que conseguiu para mim livros raros da cidade de Ibimirim.

Coletânea de inventário da família Gomes de Sá.

Entrevista com Ângelo Gomes de Sá, meu pai, em 2009, neto de Macário Gomes de Sá, filho de José Gomes de Sá, um dos envolvidos na Questão do Sabiucá.

Entrevista com familiares de Antônio Cambista e Dona Eutália. Suas filhas dona Ana e a Professora Socorro. Agradecer à Alyson, filho de Dona Ana e Neto de Seu Antônio Cambista pelo apoio.

Entrevista com Manoel Cavalcanti de Souza, o ex-volante Neco de Pautília, em 2009.

Entrevista com seu João de Ibimirim.

Entrevista com Seu Moacir.

Entrevista com João Florentino de carvalho, em 2009

Entrevista gravada com o genealogista Nivaldo Carvalho, em 2009.

FERRAZ, Marilourdes. O canto do Acauã.

GOMINNHO, Leonardo Ferraz. Floresta, Uma terra, um povo.

Manuscrito de José Yoyô.

PORTELA, Fernando e BOJUNGA, Cláudio. Lampião, O cangaceiro e o outro.

SOUZA, Josinaldo André de. Ibimirim: Sua origem.

O escritor e pesquisador Rostand Medeiros, responsável pelo Blog TOK DE HISTÓRIA, gentilmente cedeu vários jornais sobre A Questão do Sabiúca.

*SEBASTIÃO GIOVANE GOMES DE SÁ

Nasceu em Floresta, Pernambuco, no dia 2 de novembro de 1982, filho da agricultora Francisca Maria Frutuoso e do Funcionário Público, Agente Penitenciário, Agropecuarista e ex-vereador de Floresta Ângelo Gomes de Sá. Aos 18 anos, ingressou nas Forças Armadas no 10º Esquadrão de Cavalaria Mecanizado, Recife, PE. Vindo de escola pública, cursou História na Urca – Universidade Regional do Cariri, Crato-CE. É formado em Técnico em Agropecuária pelo IF – Campus Crato-CE. É graduado em Gestão Ambiental pela Universidade Estácio de Sá, Campus Juazeiro do Norte – CE, pós-graduado em Gestão Ambiental e Arqueologia Patrimonial pela FAVENI. Seu gosto por história do cangaço vem do fato de ser bisneto de Macário Gomes de Sá, sequestrado por Lampião em 1930. Cresceu ouvindo as histórias do cangaço. Pai de Giovanna e Julia, atualmente é funcionário da Loja Central de Adubos, filial Petrolândia, PE e Produtor Rural. Em sua coleção particular tem cartas, fotos, documentos e objetos do cangaço, e no seu acervo tem objetos que pertenceram ao Cel. Manoel Neto, forte de sua pesquisa. Logo lançará dois livros: O cangaço, A   origem de Manoel Neto, e o livro Lampião, A Última Travessia, em que narrará fatos de 1928, quando o rei do cangaço, com o pequeno grupo, atravessou para o estado da Bahia.

A PIXAÇÃO DA FORTALEZA DOS REIS MAGOS – PASSARAM A BROXA PINTADA DE VERMELHO NA NOSSA CARA!

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Quem esculhambou com a Fortaleza dos Reis Magos no feriadão de 7 de setembro de 2023?

Não sei!

Qual o objetivo dessa ação?

Igualmente não sei!

O que sei é que a maioria das pessoas não estão interessados e nem comentando o que esse impensado ato quis apresentar. Só falam da pixação na Fortaleza, ou Forte, e do quanto se sentiram atingidas.

Foi uma besteira enorme. Foi algo que mexeu com uma situação que estava semimorta, na UTI mesmo, que são os sentimentos de pertencimento e de orgulho da maioria dos natalenses e potiguares pela sua terra e pela sua História.

A Fortaleza dos Reis Magos é um marco da nossa cidade e do Rio Grande do Norte, com uma trajetória que se inicia no final século XVI e está fixada no imaginário dos habitantes desta terra.

Certamente o Forte dos Reis Magos foi uma das primeiras referências visuais criadas no Rio Grande do Norte e divulgadas na Europa.

No passado, até os primeiros anos da década de 1950, quando para sair da nossa pequena e atrasada capital eram utilizados os navios de carga e passageiros, era a Fortaleza a última construção que se via. Na volta, viesse do Norte ou do Sul, era também a Fortaleza que primeiro se avistava dos tombadilhos.

Com o tempo, com a construção das estradas, da intensificação do tráfego aéreo, era para a Fortaleza que levávamos nossos parentes e amigos que visitavam Natal. A intenção era apresentar algo importante da velha “Cidade dos Reis”. Câmara Cascudo, por exemplo, levou muita gente interessante para ver aquela obra antiga e tem várias fotos sobre isso.

Faz tempo que nosso forte encanta os visitantes de Natal. Em 1928 essa mulher chamada Berta Lutz visitou a velha fortaleza e a achou “linda”. Em tempo, Berta Lutz foi uma das figuras mais significativas do feminismo e da educação no Brasil do século XX e nunca precisou fazer pichações em monumentos históricos para lutar e mostrar suas ideias.

Com o tempo a nossa Fortaleza se tornou o destino de milhares de excursões escolares, de escolas públicas e privadas, onde sei lá quantos mil alunos guardam na memória a experiência e a animação daquelas atividades. E foi isso que senti em minha primeira visita, acho que em 1973, ou 74, quando estudante do Colégio Salesiano São José.

Mas isso era no tempo que o ensino sobre a História do Rio Grande do Norte possuía uma outra dinâmica. Era quando nos colégios, cursinhos e nas faculdades sentíamos muita satisfação com as aulas de professores que transmitiam com eloquência e muita capacidade as batalhas ocorridas naquele local. Parecia que estávamos lá ouvindo os canhões e os gritos dos combatentes.

Era um tempo onde a nossa História era parte do currículo do vestibular e muito mais estudada. Mas hoje, com o ENEM nacional, já ouvi alguns professores comentarem “-Qual a real necessidade de se estudar a História do Rio Grande do Norte nas escolas, se não cai na prova?”

Se não tem tanta necessidade, o problema é que a Fortaleza está lá. Com suas histórias intensas, também tristes, às vezes terríveis. Mas é a nossa História. E não quero que ela seja reescrita usando tinta para agradar, ou fazer raiva, aos sobas de plantão!

O que fizeram com essa pixação foi muito além de vilipendiar um rico patrimônio da nossa memória e história. Praticamente passaram a broxa pintada de vermelho na nossa própria cara!

Foi quase como esculhambar a nossa casa e as nossas vidas. Tudo isso para transmitir uma mensagem que, certa ou errada, a nossa Fortaleza não foi erguido para virar outdoor de alucinados.  

Uma outra questão está no trabalho das autoridades constituídas sobre esse caso.

Percebo que as pessoas aguardam suas ações. Sinto falta da indignação pessoal de certas autoridades. Parece que “não estão nem aí” para o que aconteceu. Faltou uma fala mais pessoal sobre isso.

Sinto também que se algo seriamente válido não for feito, se essa gente não fizer valer sua autoridade, é de se questionar o que vem depois? Talvez queimar em praça pública os livros de Câmara Cascudo por sei lá o que?

Mas o que chama mais a minha atenção nessa triste situação é o ensurdecedor silêncio de certas entidades e de intelectuais ligados à história potiguar.

Para que serve esse silêncio?

Foto do tempo que o forte era apenas o forte e não um outdoor de malucos do “Bem”, em meio ao silêncio ensurdecedor das entidades que estudam e, na teoria, defendem e protegem a nossa História. 

Medo de serem excluídos do dinheiro das ditas “Leis de Incentivo à Cultura”, criadas para atender as paróquias e bolhas que satisfazem as autoridades que estão no poder com determinados discursos?

Ok, beleza! Se assim for, podem preparar mais tinta branca para esconder as novas “pinturas” que vão ser feitas nas muralhas da Fortaleza dos Reis Magos e em outros locais de interesse histórico! 

Não melindrar os poderosos e assim não afetar certos benefícios? 

JEAN SCHRAMME – O LÍDER MERCENÁRIO BELGA QUE VIVEU NO MATO GROSSO

Nasceu Em Uma Família Rica e Foi Viver Como Fazendeiro na África – Foi Expulso de Suas Terras Após a Independência do Congo e Se Tornou um Mercenário – Participou de Vários Combates na África e Mostrou Muita Liderança e Coragem – Após o Fim da Luta Decidiu Morar no Brasil – Enganou os Militares da Ditadura Brasileira – Vivia em Paz com Sua Família em Rondonópolis, Mato Grosso – Foi Preso Pela Polícia Federal e Quase Foi Extraditado Para Bélgica

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Jean Marie Joseph Antoine Thomas Schramme nasceu em 5 de março de 1929, na cidade belga de Bruges, um antigo burgo que ganhou o status de cidade no ano de 1128 e era conhecida na Idade Média por sua sofisticada indústria de linho. Os Schramme eram uma família de classe média alta e bem situada na sociedade local. Joseph Marie Pie Schramme, avô de Jean, foi um advogado de renome, que atuou durante algum tempo como vereador na cidade.

Durante a Primeira Guerra Mundial quase toda a Bélgica foi ocupada por tropas alemãs e Bruges sofreu muito com essa situação. Pie Schramme, diante da sua resistência ativa, foi preso e deportado para a Alemanha, onde passou por sérias privações e só voltou para casa no final da guerra.

Seu filho, Joseph Marie Camiel Schramme, serviu durante a Primeira Guerra na artilharia belga, onde foi agraciado com a medalha Croix du Feu. Após o conflito Joseph seguiu os caminhos do seu pai e se tornou um advogado de sucesso em Bruges, casou com Elza Dassonville e dessa união nasceram quatro filhos, sendo o caçula Jean Schramme. Este foi criado na mansão ancestral de sua família na Rue Haute, número 20, onde seus pais lhe transmitiram que os princípios da lei, da ordem e da justiça não eram meras palavras, mas “motivos para viver e morrer“.

Jean Schramme na juventude – Fonte – Facebook.

Durante a Segunda Guerra Mundial o jovem Jean sobreviveu junto com a sua família o terrível período da ocupação nazista na Bélgica. Depois de estudar no Collège Saint-Louis, sem nenhuma vocação particular, Jean decidiu ir para o Congo Belga em 1947. Seu pai, presidente da Ordem dos Advogados da cidade, saudou essa reviravolta. Para a sua família francófona da região de Flandres Ocidental, foi uma revelação que o caçula de 18 anos deixasse uma Europa devastada pelo conflito e fosse viver no Continente Africano.

O ídolo do jovem Schramme era seu tio Joseph Muylle, que desde 1914 atuava como funcionário público na região congolesa de Katanga. Foi ele que transmitiu a Jean informações sobre a colônia e a “missão civilizadora” da Bélgica no Congo.

Schramme na África.

Na África o céu azul do Congo suplantou em seu coração o cinza da Bélgica. Consta que Jean Schramme prestou serviço militar na Force Publique, nas Bases de Kamina e Kitona, e depois trabalhou como aprendiz de fazendeiro na plantação de Joseph Dobbelaere, um comerciante de café e borracha que lhe mostrou os meandros da colônia belga. Como possuía uma forte veia empreendedora, aos 22 anos Schramme já tinha sua própria plantação de café na área perto de Bafwakwandji, ou Bafwasende, uma floresta selvagem e posto avançado da fronteira a cerca de 60 quilômetros a nordeste de Stanleyville, atual Kisangani, na parte oriental do Congo.

Segundo todas as informações apuradas, Schramme gostava profundamente da África, dos africanos e se autodenominava Un Africain Blanc, ou Africano Branco. Aos amigos Jean dizia que o Congo era “a sua pátria”, onde administrou sua propriedade sob um estilo de liderança autoritário, mas ao mesmo tempo paternalista, ao ponto dos seus trabalhadores africanos o chamarem de père (pai).

Marfim de elefantes em um depósito na África Oriental.

Schramme achava que entendia o Congo muito melhor do que os congoleses e acreditava que o país deveria permanecer uma colônia belga para sempre. Consta que ele odiava os évolués, ou evoluídos, os congoleses com educação ocidental, que para ele não eram congoleses de verdade. Seu congolês ideal eram os trabalhadores da sua fazenda. No ponto de vista de Schramme, ele e os outros colonos belgas deveriam fornecer o cuidado paternalista estrito, mas amoroso, que ele acreditava ser o que os congoleses precisavam.

Por mais de dez anos ele administrou a sua vasta propriedade, permanecendo solteiro e vivendo a típica vida de um colonialista europeu na África.

A Independência do Congo e a Secessão de Katanga

Na antiguidade a região ao longo do rio Congo foi ocupada por povos bantos da África Oriental e povos do rio Nilo, que ali fundaram os reinos de Luba, Lunda e do Congo, entre outros. Em 1878, o explorador britânico Henry Morton Stanley fundou entrepostos comerciais ao longo do rio Congo.

O polêmico Leopoldo II

Na Conferência de Berlim de 1885, que dividiu a África entre as potências colonizadoras europeias, a região do Congo foi fatiada entre três países europeus – Bélgica, França e Portugal. Só que o rei Leopoldo II da Bélgica recebeu o território como uma possessão pessoal, uma imensa propriedade particular com área equivalente aos estados do Pará e da Bahia. O rei então colocou administradores brancos para tomar conta do seu super latifúndio, onde em poucos anos conseguiu amealhar uma fortuna com o marfim dos elefantes e a extração da borracha, utilizando para isso o trabalho forçado da população nativa.

A administração de Leopoldo II no Congo foi caracterizada por atrocidades e brutalidades sistemáticas, incluindo tortura, assassinato e amputação das mãos de homens, mulheres e crianças quando as cotas de produção de marfim e borracha não alcançavam as metas desejadas. Canalhamente esse soberano batizou a sua propriedade como Estado Livre do Congo.

Atrocidades cometidas contra os habitantes do Congo na época de Leopoldo II.

Mas em 1908, depois que as brutalidades ali realizadas foram escancaradas na imprensa ocidental, o tal Estado Livre do Congo deixou de ser propriedade do rei e se tornou oficialmente uma colônia da Bélgica, com a administração sendo realizada por funcionários públicos. A região então passou a se chamar Congo Belga e um ano após essas mudanças, talvez abalado pela perda da sua imensa propriedade, Leopoldo II morreu aos 44 anos.

O controle do continente africano pelos europeus aconteceu até o final da Segunda Guerra Mundial, quando então boa parte dos países africanos conquistaram suas independências.

Belgas mortos no Congo.

Em janeiro de 1959, tumultos eclodiram quando centenas de milhares de congoleses saíram às ruas para exigir a independência do país, o que levou o estado belga a concordar que o Congo se tornaria independente em 30 de junho de 1960. Grande parte dos quase cem mil belgas que ainda permaneciam na região preferiram abandonar o país às pressas, deixando seus pertences para trás. Mas outra parte dos brancos preferiu ficar em suas fazendas, sem aceitar a independência congolesa.

Prevendo a deflagração de conflitos, o empreendedor Jean Schramme começou a estocar armas e munições, enquanto prendia em seu carro placas de metal e uma metralhadora, para assim criar um veículo blindado improvisado.

Alegria dos congolenses com a independência do seu país.

Na data combinada, o Congo Belga conquistou a independência, tornando- se a República Democrática do Congo. Joseph Kasa-Vubu foi empossado como presidente e Patrice Lumumba, que tinha o apoio dos comunistas da União Soviética, foi eleito primeiro-ministro. Pouco depois, o neófito exército congolês se amotinou contra seus oficiais belgas, que haviam sido colocados no comando devido à falta de oficiais nativos. Não demorou e começaram saques desenfreados por todo o país, com alguns congoleses atacaram seus antigos mestres brancos e vários foram mortos.

Exército congolês.

Com o Congo caindo no caos, Schramme forneceu uma guarda armada para mover os colonos belgas da sua região para a colônia britânica de Uganda. Ele afirmou que nessa época foi preso duas vezes e teria visto oito colonos brancos enforcados sem julgamento. O próprio Schramme teve sua fazenda invadida e queimada e assim fugiu para Uganda. Ali onde soube que Moise Tshombe, governador da área de Katanga, pretendia separar sua região da República Democrática do Congo.

Moise Tshombe.

Tshomb era um empresário e político anticomunista, que rompeu com o governo nacional e criou a província autônoma de Katanga em 11 de julho de 1960, onze dias depois da independência do Congo. Rica em minerais como diamantes, estanho e cobre, a independência de Katanga era intensamente desejada por grandes empresas exploradoras de minérios, como a poderosa Union Minière du Haut Katanga (UMHK). Tshomb então exigiu a ajuda militar e logística belga que, a pretexto de proteger seus cidadãos na região, enviou tropas para Katanga.

No entanto, o Estado de Katanga nunca seria reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) e não demorou para que essa organização, através do seu Conselho de Segurança, respondesse ao apelo do primeiro-ministro congolês Lumumba e criasse a Operação das Nações Unidas no Congo (ONUC), que enviou 20.000 soldados da paz, provenientes de vários países, para tentar restaurar a ordem.

Patrice Lumumba.

Mesmo com as forças da ONU substituindo gradualmente as tropas belgas, estas não intervieram diretamente para encerrar a secessão de Katanga. A partir de então, Lumumba voltou-se abertamente para os soviéticos, seguindo o exemplo de Fidel Castro em Cuba. Não demorou para Patrice Lumumba ser preso, levado para Katanga e cruelmente executado, com a cumplicidade dos governos belga e norte-americano.

Embora o novo Estado de Katanga mantivesse muitos quadros técnicos e conselheiros militares belgas, teve desde muito cedo de reforçar as suas forças militares recorrendo a mercenários, que ficariam conhecidos como Affreux, ou Horríveis.

Mercenários no Congo.

Tshombe contratou os chamados “Soldados da Fortuna” principalmente na Europa, onde não faltavam ex-combatentes de muitos conflitos dispostos a ganhar algum dinheiro “fazendo guerras”. Sobre essa questão historiadores militares acreditam que esse único movimento de contratação é responsável por reviver a profissão de mercenário nos tempos modernos.

A Guerra dos Mercenários

Entre os contratados se destacaram alguns ex-oficiais superiores do exército francês, como Roger Trinquier e Roger Faulques, muito ligados à sua instituição de origem e que só agiam sob ordens secretas de Paris. 

Civis belgas deixam o Congo em meio aos conflitos.

Mas logo outras grandes figuras surgiram: o irlandês Thomas Michael Hoare, que tinha o apelido de “Mad Mike Hoare” e o francês Bod Denard, ou Gilbert Bourgeaud. Schramme voltou rapidamente ao Congo e foi alistado como oficial de treinamento na Base de Kamina. Não podemos esquecer que esses mercenários também atendiam os interesses das mineradoras estrangeiras na região, mas no caso de Schramme ele sempre afirmou que o seu objetivo maior sempre foi se restabelecer como fazendeiro após ter abandonado sua propriedade.

Mercenário abre fogo com metralhadora em uma estrada do Congo.

Schramme estava no Groupe Mobile E, uma unidade de mercenários comandada por um escocês beberrão chamado Robert Chambers, que se autodenominava Louis Chamois e cujo francês era péssimo. Schramme não ficou impressionado com Chambers, a quem afirmou: “À primeira vista, pensei que estava lidando com um bêbado duplamente louco. Ele fingiu ser um oficial, mas não estava interessado em nada além de sua garrafa e seu revólver“. O Groupe Mobile E tinha uma terrível reputação de crueldade, ao ponto de um colono belga, Frans Heymans, reclamar em maio de 1961 das “brutalidades nas mãos de Chamois e seus homens“.

Jean Schramme nos combates do Congo.

Schramme não era um soldado mercenário na acepção da palavra. Seus críticos afirmaram que ele era um indivíduo tímido e nervoso, um homem quase servil que desejava agradar aos outros. Entretanto, outras fontes apontam que rapidamente Schramme se tornou um dos principais conselheiros militares de Tshomb. Seus companheiros o admiravam pela sua calma, seus longos silêncios e sua inegável ascendência sobre os africanos, que ele liderava com firmeza, mas sem brutalidade. “É um homem gentil que sabe fazer-se obedecer”, diziam dele.

Durante o famoso Cerco de Jadotville, em setembro de 1961, no qual uma pequena companhia irlandesa de Capacetes azuis da ONU resistiu bravamente aos mercenários e soldados catangueses, Schramme serviu como oficial subalterno do comandante mercenário francês Robert Falques, um antigo coronel do exército e paraquedista da Legião Estrangeira.

Acredito que por essa época Schramme foi se destacando na luta e passou a ser conhecido como Jean “Black Jack” Schramme.

Forças suecas da ONU em ação no Congo.

Não demorou e mais de duzentos mercenários da França, África do Sul, Alemanha Ocidental, Reino Unido, Irlanda, Espanha, Portugal e Angola chegaram à província de Katanga.

Os homens liderados por Mad Mike Hoare estavam no Commando 5, com a maioria vindo da África do Sul, complementados por outros elementos de origem anglo-saxã. Apesar da grande maioria desses combatentes ser abertamente racista, eles ganharam uma reputação muito boa em combate, sendo considerados um grupo de elite entre as unidades estrangeiras. 

Símbolo do Batalhão Leopardo

Havia também o Commando 6 sob as ordens de Bob Denard e o Commando 10 com Jean Schramme como líder. Esses dois últimos grupos possuía um grande número de combatentes negros em seus quadros. O belga passou a chamar a sua unidade como “Batalhão Leopardo” e se destacou ao liderar seus homens em batalha, particularmente na guerra móvel, onde se especializou na capacidade de resistir a forças muito superiores.

Mas não demorou e Schramme e muitos outros mercenários foram presos por soldados da força de paz da ONU e, depois de dois meses de cadeia, foi expulso para a Bélgica em 17 de setembro de 1961. Outros afirmam que um padre ajudou o belga a escapar.

Dois mercenários detidos por tropas indianas da ONU.

Após passar várias semanas em seu país natal, seguiu para a colônia britânica da Rodésia do Sul, atual Zimbábue, onde comprou o livro Citações do Presidente Mao para conhecer seu inimigo, como ele se expressou.

Durante seu tempo na Rodésia do Sul, Schramme recrutou vários colonos brancos britânicos e sul-africanos para acompanhá-lo na luta por Katanga, onde voltou clandestinamente. Ele foi enviado para Kansimba, no norte de Katanga, para reunir novas forças e lá recrutou um grupo de jovens entre quinze e dezoito anos, membros das tribos locais, além de alguns outros antigos plantadores.

Tropas da ONU respondendo ao fogo inimigo utilizando um veículo blindado como proteção.

Em outubro de 1961 tomou a cidade de Kisamba dos congoleses, relatando orgulhosamente que, devido à sua disciplina superior, sua pequena unidade havia derrotado dois batalhões do Armée Nationale Congolaise. A princípio não foram dados maiores créditos as alegações de Schramme, mas o fato veio a ser comprovado e chamou bastante atenção dentro e fora do exército de Katanga.

Mas em 15 de janeiro de 1963 ocorreu a derrota final de Katanga e Schramme levou uma força de cerca de 400 gendarmes catangueses para a colônia portuguesa de Angola.

Mercenários deixando a região de Katanga.

Não demoraria e ele retornaria ao Congo para novas lutas.

A Terrível e Cruel Rebelião Simba

No final de 1963, guerrilheiros chamados Simbas, ou “Leões”, se rebelaram no leste do Congo e receberam o apoio de soviéticos e cubanos. Eles foram inicialmente bem-sucedidos, tomando uma quantidade significativa de território e proclamando a cidade de Stanleyville a sua capital da “República Popular do Congo”, de orientação comunista.

Guerreiros Simbas.

Enquanto o governo congolês reclamava o território dos Simbas, o exército do Congo se desintegrou diante dos rebeldes, que muitas vezes conseguiram intimidar unidades bem equipadas do exército para que recuassem ou desertassem sem lutar. Na sequência os combativos Simbas recorreram a tomar como refém a pequena população branca na região. No final de julho de 1964, os insurgentes controlavam cerca de metade do Congo. Totalmente desmoralizados por repetidas derrotas, muitos soldados do exército congolês acreditavam que os rebeldes Simba haviam se tornado invencíveis graças a rituais mágicos realizados por xamãs insurgentes.

Área controlada pelos Simbas no auge da rebelião.

À medida que o movimento rebelde se espalhava, os atos de violência e terror aumentavam. Milhares de congoleses foram executados em expurgos sistemáticos pelos Simbas, incluindo funcionários do governo, líderes políticos de partidos de oposição, policiais provinciais e locais, professores de escolas e outros que acreditavam terem sido ocidentalizados. Muitas das execuções foram realizadas com extrema crueldade e apenas em Stanleyville foram assassinados cerca de 1.000 a 2.000 congoleses ocidentalizados.

General Mobutu.

O comandante do exército congolês, o general Joseph-Désiré Mobutu, persuadiu o presidente Joseph Kasa-Vubu a nomear Moise Tshombe como primeiro-ministro em 9 de julho de 1964. O novo líder então chamou de volta os mesmos mercenários que ele usou para lutar pela libertação de Katanga, para agora salvar o Congo. Schramme foi um dos mercenários que Tshombe recrutou.

Enquanto isso se desenrolava, os rebeldes começaram a fazer reféns da população branca local nas áreas sob seu controle. No final de outubro de 1964, quase 1.000 cidadãos europeus e americanos foram feitos reféns pelas forças rebeldes em Stanleyville. Em resposta, tropas da Bélgica e dos Estados Unidos lançaram uma ação militar, em parceria com o exército congolês e os grupos de mercenários.

Paraquedistas belgas na Operação Dragon Rouge.

Foi realizado em 24 de novembro um ataque aerotransportado, que recebeu o codinome Dragon Rouge e teve como alvo Stanleyville. Cinco aviões de transporte Hércules C-130 da Força Aérea dos Estados Unidos lançaram 350 pára-quedistas belgas do Régiment Para-Commandos no Aeroporto Simi-Simi, na periferia oeste de Stanleyville. Assim que os paraquedistas protegeram o campo de aviação e limparam a pista, eles seguiram para o Victoria Hotel, o principal da cidade, onde impediram que os rebeldes Simbas matassem um grupo de 60 reféns. Nos dois dias seguintes, mais de 1.800 americanos e europeus foram evacuados, bem como cerca de 400 congoleses.

Freiras confraternizando com mercenários no Congo.

Não foi por outra razão que na época as imagens de freiras e padres sendo libertados por mercenários correram o mundo, tornando esses “Soldados da Fortuna” heróis mundiais e ampliando fortemente a mística envolvendo esses combatentes. No entanto, os Simbas executaram 20.000 reféns congoleses e 392 ocidentais, incluindo 268 belgas, entre estes vários missionários.

Cerca de 500 mercenários, muitos do Commando 10 de Jean Schramme, participaram da retomada de Stanleyville, em meio a combates muito duros. Nesse período, a lenda de Schramme afirmou-se durante esse período e o próprio general Mobutu concedeu-lhe uma medalha chamada Ordre de la Bravoure e oficialmente o comissionou como coronel do exército congolês.

Jean Schramme como oficial.

Se esse general, que um dia mudaria seu nome para Mobutu Sese Seko, soubesse o que Jean Schramme e seus homens iriam fazer tempos depois, teria enfiado a medalha e a patente pela goela abaixo do belga.

A Revolta dos “Soldados da Fortuna”

Em novembro de 1965, o general Mobutu tornou-se presidente do Congo e a partir de então a Bélgica passou a proteger seu regime contra rebeliões. Mobutu imediatamente começou a prender os ex-ministros do governo do Congo. Como ele não gostava dos mercenários brancos em seu país, dizem por conta de um comentário adverso sobre sua competência militar, de dezembro de 1966 a julho de 1967 o novo líder congolês reduziu o número de mercenários de 650 para 189.

Jean Schramme mostrando no semblante os sinais do cansaço da luta no Congo.

O mercenário francês Bob Denard alertou a Schramme que Mobutu planejava dissolver a última das unidades mercenárias, o que deu o ímpeto a um plano de restauração de Moise Tshombe no poder. Esse plano foi batizado como “Kerille” e planejado para se iniciar em julho.

Mauríce Quintin – Fonte – SOF.

É dessa época que surge o maior problema na vida de Jean Schramme – O “Caso Quintin”. O heroísmo abstrato da luta, caro aos amantes da epopeia maniqueísta, não resiste, porém, a derrapagens individuais concretas. Porque Jean Schramme, durante esse período conturbado foi acusado de assassinato.

Seis semanas antes do início programado do Plano Kerille, um empresário da cidade belga de Tournai, chamado Mauríce Quintin, visitou Schramme em seu posto em uma localidade chamada Yumbi. Ele disse que havia sido enviado por Tshombe em Madrid, Espanha, onde estava exilado, com ordens para iniciar o ataque contra o governo e o exército congolês antes do previsto. Quintin indicou que a unidade de Schramme tomaria a cidade de Goma no início de junho, um mês antes do planejado. Schramme não confiava em Quintin, o vê como um agente provocador enviado pelo general Mobutu e afirmou que seu relato era “falso”. Daí houve uma violenta discussão no refeitório dos oficiais em Yumbi e Schramme dá um tiro no peito de Quintin com um rifle. Depois ordena que um de seus comandados, Rodrigues, ou Rodrigue Roger, ou ainda Roger Rodrigue (um barman mercenário), desse um golpe de misericórdia com sua pistola e jogasse o cadáver no rio Lowe, que era infestado de crocodilos. Tempos depois Schramme afirmaria que Quintin era um “espião” (Revista Soldier of Fortune, edição de agosto de 1985, págs. 74 a 77). Episódio trágico, talvez de pouco peso no meio dos abusos cometidos nos estertores da descolonização, mas que, embora ainda estivesse longe de o suspeitar, perseguirá Schramme até ao fim da sua vida.

Tshombe morreu sem retornar ao Congo.

Em 30 de junho de 1967, quando Moise Tshombe retornava para o Congo do seu exílio na Espanha, o seu avião foi sequestrado – provavelmente por agentes da CIA e do serviço secreto francês – e seguiu para Argel, capital da Argélia, onde foi preso. Em 29 de junho de 1969, quase dois anos depois de sua captura, ele morreu em sua cela em circunstâncias suspeitas.

Para Schramme, a prisão de Tshombe foi um sinal de que algo deveria ser feito.

Mercenários em jipes, fazendo fogo com metralhadoras .50.

Na manhã de 3 de julho de 1967, o Commando 10 sob o comando de Schramme, junto com seus companheiros mercenários Bob Denard e Jerry Puren, lançaram ataques surpresa nas cidades de Stanleyville e Kindu.

Schramme liderou o ataque ao quartel do exército em Stanleyville, com uma força de onze mercenários brancos e cerca de 100 catangueses. O ataque matou centenas de soldados congoleses, levando os irados membros desse exército a executarem traiçoeiramente 31 mercenários que não estavam envolvidos na tentativa de golpe. O ataque que Schramme planejou foi descrito como “mal executado“, pois ele se comportou com excesso de confiança ao acreditar que sua pequena força seria suficiente para tomar Stanleyville. O certo é que os congoleses reagiram e, em uma semana, Schramme foi forçado a se retirar dessa cidade.

Coluna motorizada de mercenários.

Os mercenários então planejaram se mudar para o sul e se unir aos exilados de Katanga que estavam em Angola. Essas ações ficaram conhecidas como A Revolta dos Mercenários. Jack Malloch, um piloto rodesiano e traficante de armas, apoiou as forças de Schramme com voos transportando mantimentos, armas e munições.

Imagens reais de combates de mercenários no Congo .

Em 10 de agosto, suas tropas conquistaram a cidade fronteiriça de Bukavu e cresceram consideravelmente em número. Essa cidade era uma espécie de “Hollywood africana”, localizada à beira de um lago infinitamente azul. Casas suntuosas, cercadas por parques de estilo francês, serviram de acampamento para mercenários brancos e gendarmes catangueses. Caves cheias de vinhos, champanhe e uísque, armazéns cheios de provisões, quatro bancos com cofres bem cheios suprem as necessidades da mordomia. Talvez por isso Schramme conseguiu segurar Bukavu por sete semanas e derrotou todas as tropas do exército congolês enviadas para retomar a cidade.

Os militares congoleses sofreram com a falta de artilharia eficaz e estavam frustrados e desmotivados com suas perdas contínuas. Algumas das missões executadas por sua força aérea foram tão ineficazes, que acabaram atacando seus próprios homens em vez dos de Schramme. A escassez de munição foi um grande problema para o exército congolês, mas as forças de Schramme sofriam com uma escassez ainda maior de munição, pois o esperado apoio do exterior não chegou.

Mercenário ensinando táticas de combate.

Schramme então pediu que o presidente Mobutu entrasse em negociações com ele e exigiu que o regime democrático fosse restabelecido com Tshombe como parte do novo gabinete. Mobutu obviamente recusou, afirmando que não se sentaria e falaria com os “assassinos brancos“. Schramme, em troca, zombou e disse que “mostramos que o Exército Nacional Congolês é incapaz de nos derrotar” e ameaçou marchar sobre Kinshasa, a capital do Congo.

No mesmo período que Jean Schramme deixava a África, estourou na Nigéria conflito separatista da região de Biafra, onde vários mercenários europeus estiveram presentes. Na foto soldados biafrenses transpõem um riacho transportando op corpo de um mercenário abatido pelos nigerianos.

Por mais admirável que fosse a posição de Schramme em Bukavu, ele não poderia resistir indefinidamente. Bob Denard, agora em Angola, reuniu uma força e tentou invadir o Congo para ajudar seus companheiros mercenários de armas, apenas para ser repelido por ataques aéreos. Mobutu então reuniu mais de 15.000 militares para eventualmente dominar o belga e o seu “Batalhão Leopardo”. Finalmente, em 5 de novembro de 1967, o exército congolês conseguiu derrotar Schramme, cujas tropas sobreviventes, 129 mercenários e 2.500 catangueses, atravessam a fronteira de Ruanda. 

Schramme e seus comandados entrando em Ruanda em novembro de 1967.

A Ditadura Militar Brasileira de Olho no Mercenário Belga

Schramme finalmente trocou a África pela Europa em 1968, foi quando escreveu um livro sobre suas experiências no Congo — Le Bataillon Leopard — e manteve-se compreensivelmente quieto. Mas logo foi preso na Bélgica pelo assassinato de Mauríce Quintin. Ele defendeu suas ações como as de uma conduta normal nas circunstâncias da guerra, citando que “Era meu dever impedi-lo de colocar seu plano em ação, então atirei nele e ordenei acabar com ele e despejar seu corpo no rio Lowa”.

Anos depois ele comentou que a Bélgica o libertou após 44 dias de confinamento, devolveu o seu passaporte e o dossiê judicial onde constava seu caso foi classificado como ultra secreto. Com autorização do governo, Schramme deixou a Bélgica. Outras fontes informam que enquanto estava sob fiança e ainda aguardando sua sentença, Schramme decidiu sair do país em 1969. Já o governo belga, através do Ministério de Assuntos Exteriores, comunicou que ele havia deixado o país e “provavelmente estaria tentando voltar à África”.

Jean Schramme na Europa após seus dias na África.

Os belgas sabiam da capacidade de liderança de Schramme, seu poder de arregimentar homens, sua larga experiência em combate e disposição para luta. Para os belgas certamente seria uma baita fonte de dor de cabeça se Schramme abrisse uma nova frente de combate no Congo, que iria gerar problemas aos escorchantes e corruptos negócios com mineração que esses europeus mantinham na sua antiga colônia.

De toda maneira, ao sair do seu país natal, Schramme decidiu ir para Portugal, mas antes esteve em Madri, Espanha, onde deu uma entrevista à agência espanhola EFE e comentou sobre o seu futuro. Schramme se defendeu das acusações de assassinato de Quintin, afirmou que “não queria mais voltar a África” e informou que desejava “montar uma granja e viver no Brasil”. Não demorou e essa mesma entrevista foi reproduzida no jornal carioca O Globo (28/07/1969).

Só que um mês antes dessa publicação, os órgãos de informações e segurança da Ditadura Militar no Brasil já tinham ligado todas as antenas e abriram todos os olhos sobre a figura de Jean Schramme, conforme se pode ver no documento abaixo, produzido em 24 de junho de 1969 pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil, com informações repassadas pelo governo belga, que solicitaram às autoridades brasileiras informar se o antigo mercenário havia entrado no nosso país. Os militares daqui prontamente buscaram atender o pedido dos europeus.

Em um documento emitido em 27 de junho pela Quarta Zona Aérea da Força Aérea Brasileira (FAB), Schramme era enquadrado como um tendo uma pretensa periculosidade para “Subversão” e “Sabotagem/terrorismo”, além de haver um apontamento para “Assuntos especiais”, que em canto nenhum encontrei uma explicação sobre o que seria isso. O certo é que esse documento foi transferido para todas as unidades subordinadas à Quarta Zona Aérea e cópias foram enviadas ao Exército, Marinha e ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo. No mesmo dia foi emitido pela Primeira Zona Aérea da FAB um documento considerado “Confidencial”, onde caso fosse confirmado a presença de Schramme no Brasil, as autoridades deveriam “prendê-lo incomunicável”.

Realmente as forças de segurança brasileiras estavam com muita vontade de colocar as mãos no belga. Mas qual o interesse do nosso governo em Schramme?

Fica difícil pensar que os milicos e os burocratas do governo brasileiro imaginavam que esse calejado combatente iria negociar seus “serviços profissionais” com os militantes de esquerda que buscavam “lutar contra o Regime Militar” através da luta armada e implantar a “Ditadura do Proletariado”.

A capacidade de liderança e experiência de combate de Jean Schramme alertou o governo e os militares brasileiros.

Acredito que o governo brasileiro buscava prender Schramme para utilizá-lo como peça de propaganda e mostrar ao mundo que eles tinham feito “algo de bom” ao capturar o “malvado mercenário que tanto fez sofrer os congoleses e matou um compatriota”. Era o tipo de notícia que na Europa faria um ótimo contraponto às várias manchetes de torturas e desaparecimentos dos opositores do brutal regime militar brasileiro.

Só que essa estratégia, se é que ela existiu, não funcionou, pois o antigo mercenário sumiu. Eu não sei como, mas no período mais terrível da Ditadura Militar, o belga Jean Schramme conseguiu entrar no Brasil e desaparecer das vistas dos agentes consulares do seu país e dos “secretas” da FAB, do Exército, da Marinha e da Polícia Federal.

Viver em Paz

Ninguém acreditou em Schramme, mas desde o começo ele falou a verdade – Não queria voltar à África, queria viver no Brasil e montar uma granja – E assim ele fez!

Avenida em Rondonópolis – Fonte – primeirahora.com

Segundo documentos existentes no Ministério da Justiça, Jean Schramme foi para a cidade de Rondonópolis, no estado do Mato Grosso, a 212 km da capital Cuiabá. No começo da década de 1970, cerca de 63.000 pessoas moravam em Rondonópolis, que cada vez mais se consolidava como uma das principais fronteiras agrícolas do Brasil, onde não faltava espaço para quem desejasse trabalhar e desenvolver algum negócio nessa área. 

Rondonópolis na época em que Schramme chegou na região – Fonte – primeirahora.com

Consta que Schramme trabalhou como técnico em agronomia em uma fazenda chamada Três Irmãos, localizada no Km 30 da rodovia que liga Rondonópolis a Campo Grande e cujos proprietários eram conhecidos como “Irmãos Araújo”. Havia também a informação que o belga era proprietário da “Imobiliária Rondonópolis”, localizado na Avenida Fernando Corrêa da Costa e possuía em sociedade uma propriedade rural denominada “São Paulo”, no município de Itiquira, próximo a Rondonópolis, onde trabalhava com o cultivo de arroz e criava gado. Segundo jornais de Cuiabá (Jornal do Dia, 24/10/1984, pág. 8 e 25/10/1984, pág. 3), Schramme e foi um dos sócios fundadores da Associação dos Produtores Rurais do Sul de Mato Grosso (APRUSMAT). Descobri que o antigo combatente  havia adquirido no Loteamento  Chácara Beira Rio, na rua Quatro, uma  chácara a qual deu o nome de “Repouso do Leopardo”. Comentaram também que “se não fosse pelo seu sotaque” ninguém pensaria que aquele morador de Rondonópolis era belga e ele “nunca ocultou sua condição de ex-oficial”. 

Outra notícia interessante era que Schramme havia começado um relacionamento com uma jovem mato-grossense da cidade de Tesouro, que tinha 18 anos em 1974, se chamava Edith da Silva Pinheiro e dessa união nasceram três filhos. Edith era filha de Abner Araújo, um dos donos da propriedade Três Irmãos. 

Paisagem normal no Mato Grosso nos primeiros anos da década de 1970.

Trabalhando no que gostava, tendo uma companheira, filhos, vivendo em uma terra produtiva, boa e acima de tudo em paz, Jean Schramme talvez tenha pensado que o mundo e o Sistema teriam esquecido dele. Mas o Sistema, seja lá onde e como atua, jamais esquece de alguém que abalou as suas estruturas e lhe gerou problemas. Em finais de 1974, ou no ano seguinte, o Sistema voltou a focar em Jean Schramme. 

A coisa toda aparentemente começou com uma plantação de arroz que o belga implantou na cidade de Pedro Juan Caballero, no vizinho Paraguai, que fazia fronteira com o Mato Grosso antes da divisão territorial de 1977. Em uma ocasião, Schramme foi à embaixada do seu país em Asunción, capital paraguaia, para regularizar seu passaporte. Se saiu de lá com o passaporte novo eu não sei, mas documentos do Ministério da Justiça mostram que o nosso Ministério das Relações Exteriores recebeu dos belgas a informação que o antigo mercenário continuava por aqui. 

Para o Reino da Bélgica, ao menos naquele momento, seu famoso súdito não estava lhe causando problemas e nem eles nada pediram aos brasileiros. Mas para o governo brasileiro a informação era importante, pois a situação diplomática na África era especial. 

Nessa época, a presença de um antigo mercenário europeu que lutou no Congo e enfrentou o ditador Mobutu poderia ser um gerador de problemas. Em termos de política externa o governo do general Ernesto Geisel, que governou o Brasil de 1974 a 1979, procurou ampliar a presença do nosso país na África através do trabalho do Ministro das relações Exteriores Antônio Francisco Azeredo da Silveira Geisel, que desenvolveu com sucesso uma orientação denominada “Pragmatismo responsável“. O governo brasileiro mostrou então uma postura favorável em relação à descolonização na África, onde reconheceu a independência de Guiné-Bissau, de Angola e de Moçambique, além de apoiar o ingresso dessas ex-colônias portuguesas na ONU e abrir embaixadas em várias ex-colônias europeias na África.

Documento do Ministério da Justiça de 1981 que mostra a situação de Schramme no Brasil.

Certamente os barnabés do Ministério das Relações Exteriores pensaram que não ficava muito bem que os países africanos soubessem que o mítico Jean “Black Jack” Schramme vivia tranquilamente no interior do Brasil. O problema para esses funcionários públicos era que o belga havia casado com uma brasileira, tinha três filhos para sustentar, negócios legais no país, não havia praticado nenhum crime em nosso território e, diante dessas situações, a lei impedia sua deportação. Mesmo assim, conforme é possível ver no memorando abaixo, o pessoal do Ministério das Relações Exteriores queria mesmo era ver Schramme bem longe do Brasil. 

O Sistema Não Esquece 

O tempo foi passando e Schramme continuou no Brasil. Mas, como escrevi anteriormente, o tal do Sistema não esquece jamais e mais uma vez ele veio atrás de Jean Schramme. 

No ano de 1984 o Brasil se encaminha para a normalidade democrática, mas em uma quarta-feira, 17 de outubro de 1984, um grupo de policiais invadiu a casa de Schramme e o levou preso para a sede do Departamento da Polícia Federal, em Brasília. Notícias da época informaram que a prisão foi tão abrupta, que o belga nem pode “se preparar para acompanhar os agentes”. 

A princípio os jornais noticiaram que o ditador Mobutu Sese Seko, que por essa época tinha mudado o nome do seu país para Zaire, era quem estava pedindo a extradição de Schramme. Mas os federais explicaram que estavam cumprindo determinações de Ibrahim Abi-Ackel, então Ministro da Justiça, e a bronca tinha relação com o “Caso Quintin”, onde seu país natal pedia sua extradição para realização de um julgamento.

Somente quase dois meses depois, em 12 de dezembro, Jean Schramme foi interrogado pelo Ministro Aldir Guimarães Passarinho, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a sua situação. Segundo o Jornal do Brasil (1° Caderno, pág. 12, 13/12/1984), Schramme confessou abertamente que matou Quintin, mas disse que o fato se deu para “evitar riscos” para si e sua tropa. Com base no seu depoimento o Procurador-Geral da República Inocêncio Mártires Coelho, iria dar um parecer sobre a permanência, ou não, do belga no Brasil. Então o Ministro Aldir Passarinho realizaria uma análise sobre o caso. Mas veio o recesso de fim de ano do STF e o caso do belga ficou para ser finalizado em fevereiro de 1985. Enquanto isso, o antigo mercenário iria aguardar a decisão em uma cela do Departamento da Polícia Federal. 

Capa da revista Soldier of Fortune, edição de agosto de 1985, onde foi publicada a entrevista de Schramme quando estava detido na Polícia Federal em Brasília.

Desde que ficou preso em Brasília, Schramme recusou pedidos para falar com a Associated Press (AP) e a United Press International (UPI), mas deu uma entrevista para a revista americana Soldier of Fortune, ou SOF. Fundada em 1975 por um antigo boina verde que serviu na Guerra do Vietnã, essa revista alcançou muito sucesso editorial como um informativo dedicado a reportagens sobre conflitos em todo o mundo e sobre para trabalhos mercenários, além de divulgação de materiais bélicos. 

Fumando muito Schramme comentou ao jornalista muito sobre seu período no Congo e as crises ocorridas naquele país. Ao ser perguntado se odiava a Bélgica, ele disse “não”, mas acrescentou: “Eu odeio os ministros belgas que jogaram um repugnante papel duplo com o antigo Congo Belga. E eu odeio alguns belgas magistrados da corte que após todos esses longos anos ainda querem a minha cabeça…” 

Foto de Jean Schramme publicada na revista Soldier of Fortune, edição de agosto de 1985.

Schramme continuou afirmando que não fez nada errado em relação à morte de Mauríce Quintin – “O que eu fiz foi certo. E eu estava mesmo totalmente autorizado a fazê-lo. Mobutu havia me dado poderes absolutos. E eu estava, naquele momento em particular, oficialmente como um coronel ativo no regular Armée Nationale Congolaise.” E continuou – “Minha libertação da prisão na Bélgica e a devolução do meu passaporte era uma espécie de compromisso entre o Ministério Belga do Exterior e eu. Me foi dada permissão para sair do país depois que prometi manter minha boca fechada sobre os negócios do Congo. Muitas pessoas de alto escalão em Bruxelas sabiam muito bem quantos documentos incriminatórios eu tinha em minha posse sobre o papel secreto da Bélgica nas crises do Congo”.

No final da entrevista comentou “Sim, sinto muita falta da minha esposa e dos meus filhos. Mas não me arrependo”. 

No dia 29 de maio de 1985 o Supremo Tribunal Federal negou por unanimidade a extradição de Jean Schramme. O Ministro Aldir Passarinho, relator do caso, sustentou a incompetência do governo belga para requerer a extradição, alegando que o delito foi praticado no Congo. 

Schramme deixou sua cela no Departamento da Polícia Federal, depois de sete longos meses de cadeia, e voltou para sua esposa e filhos em Rondonópolis.

Enquanto o belga vivia tranquilo no Brasil, no dia 17 de abril de 1986 um tribunal na sua terra natal condenou-o à revelia a vinte anos de trabalhos forçados. Todos os pedidos de extradição foram recusados ​​pelas autoridades brasileiras. Afinal, Schramme adquiriu dupla nacionalidade por meio de seu casamento com uma brasileira e o Brasil não extradita seus nacionais. Dois anos depois, em 14 de dezembro de 1988, Jean Schramme morreu de forma totalmente inesperada, aos 59 anos, em sua fazenda em Rondonópolis. 

A última notícia que consegui sobre a vida do antigo mercenário em Rondonópolis foi que o vereador Orivaldo Alves Moreira, conhecido como Kaza Grande, propôs em 21 de março de 2023 a alteração da rua Quatro da Chácara Beira Rio para “Rua Coronel Jean Schramme”.

1921 – O ESTRANHO CASO DE UMA FAMÍLIA DO SERIDÓ POTIGUAR QUE FOI DIZIMADA POR COMER UM TOUCINHO – ENVENENAMENTO OU UMA DOENÇA MISTERIOSA? 

Fonte – Rostand Medeiros.

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros 

Em um dia comum de abril de 1921, um ano de inverno razoável, um homem que vivia na região Seridó do Rio Grande do Norte seguiu de seu sítio até a feira de uma vila próxima para comprar alimentos para seus familiares. Seu nome era Manoel Alves de Maria, conhecido como Neguinho Gonçalo e morador da propriedade Riacho de Santana, próxima a então vila de São Miguel de Jucurutu, que nessa época fazia parte do município de Caicó. 

Entre as várias bancas que havia na feira, ele encontrou uma que negociava uma bem nutrida carcaça de porco, que estava sendo repartida pelo vendedor e os pedaços eram adquiridos por várias pessoas. Manoel então escolheu uma peça de toucinho, que em sua casa seria habilidosamente preparada pela sua esposa Guilhermina Alves e se transformaria em um delicioso torrado. 

Certamente Neguinho, Dona Guilhermina e seus sete filhos aproveitaram com satisfação aquele torrado de toucinho de porco, feito com muito esmero e qualidade. Mas segundo um texto existente na primeira página do Jornal A República de Natal, edição de 2 de maio de 1921, com informações do jornal O Seridoense, assim que o almoço foi encerrado uma das filhas do casal começou a passar mal, vomitou e caiu no chão, chamando a atenção de todos e desesperando seus pais. 

Um pequeno e rustico açougue no sertão potiguar em 2022 – Foto – Rostand Medeiros

Nos próximos dias essa jovem padecerá terrivelmente de dores, vômitos e em poucos dias virá a falecer. Não demorou e todos que provaram o torrado caíram doentes e também começaram a morrer. Neguinho Gonçalo, Dona Guilhermina e mais dois filhos foram as novas vítimas e, segundo o jornal, os outros quatro filhos ficaram em um estado considerado “desesperador”. 

Segundo comentou o cidadão Aureliano de Freitas, um parente das vítimas, os sintomas apresentados começaram com “vômitos amarelos e depois azuis como anil”. Disse também que as vítimas vomitavam tudo quanto ingeriam e quando paravam de expelir o conteúdo estomacal eles morriam. Outro dado interessante e estranho informado por Aureliano foi que “até os últimos momentos de vida eles falavam, cantavam e tinham accessos em que rasgavam as vestes e se mordiam”. Além disso, em meio aos padecimentos, os membros da família de Neguinho Gonçalo consumiam pouca água. 

Foi informado em A República que da família do Sítio Riacho de Santana somente Neguinho Gonçalo e outro parente foram enterrados no cemitério de Caicó, cuja população ficou verdadeiramente impressionada com o ocorrido. Nesse tempo, segundo o Censo de 1920, Caicó tinha meros 2.550 habitantes e em todo o município viviam 25.366 pessoas, que viviam em uma área territorial muito maior que a atual. 

Misteriosa Tragédia 

O material existente em A República informou que José da Silva Pires Ferreira e Gil Braz de Araújo, os únicos médicos de Caicó nada puderam fazer para descobrir o que aconteceu com aquela família e admitiram que não dispunham de recursos suficientes para resolver esse mistério. Nem na botica do farmacêutico Homero Nóbrega existia algum unguento para ajudar aquelas vítimas. 

A família Alves era benquista na região, não tendo nada que desabonasse a conduta deles perante a sociedade caicoense. Isso gerou ainda mais estranhamento em relação aos fenômenos ocorridos, pois muitos acreditavam que aquela família tivesse sido envenenada, mas só não entendiam a razão para isso. 

Como a hipótese mais plausível então comentada era a de envenenamento, a polícia entrou no circuito. 

O tenente Ignácio Valle, de uniforme, em um casamento em Caicó – Fonte – Rostand Medeiros.

O tenente Ignácio Valle, na época Delegado Regional de Caicó, se deslocou a cavalo para a localidade de Riacho de Santana e a vila de São Miguel de Jucurutu para apurar os fatos.

O caso passou a ser muito comentado em todo Seridó e na capital, isso em uma época onde o jornal A República, o mais importante do Rio Grande do Norte, quando mostrava alguma notícia vinda do interior era basicamente para apresentar as “ações positivas” dos políticos e das elites locais, algumas raras ações do governo estadual nestes rincões e algo sobre as secas e as chuvas. Para fugir desse script básico só algum assassinato rumoroso de membros abonados das famílias interioranas, um assalto de cangaceiros, ou uma desgraça incomum como a que dizimou a família de Neguinho Gonçalo. 

Em outra edição de A República (18/05/1921, pág. 1) soubemos que dos quatro filhos de Neguinho e Guilhermina que sobreviveram em um primeiro momento, mesmo em estado “desesperador”, três faleceram e foram enterrados no pequeno cemitério de sua comunidade, tal como a maioria dos membros de sua família. Apenas um dos nove filhos do casal sobreviveu a tragédia e infelizmente os jornais nada informaram sobre essa pessoa. 

Caicó na década de 1920.

O tenente Ignácio Valle continuou suas investigações. Ele descobriu que o porco de onde veio o toucinho era um animal “cevado”, que fora comprado pelo vendedor da feira de Jucurutu ao proprietário José Bezerra de Araújo, que vivia no Sítio Baixio, uma localidade ao sul daquela vila, que fica próximo a Serra do Estreito e não muito distante da rodovia asfaltada RN-118. Valle apurou também que no dia da feira diversas pessoas compraram partes do mesmo porco e nenhum outro caso como o ocorrido com os membros da família de Neguinho Gonçalo foi relatado na região.

Coincidência, ou não, poucos dias após os trágicos episódios ocorridos no Seridó, o tenente Ignácio Valle veio de Caicó para Natal, onde sabemos que ele esteve na sede do jornal A República, mas nada mais foi comentado sobre o caso e nenhum outro jornal comentou algo sobre essa tragédia. 

E a Explicação do Vômito Azul? 

Ao buscar mais informações eu descobri que realmente o ser humano pode vomitar uma substância azulada, vindo da bílis, que é normalmente fruto de intoxicação a partir da ingestão de altas doses de cobre (Cu) no organismo. 

Consta que os sintomas agudos da intoxicação por cobre incluem sintomas gastrintestinais que podem ser graves, como náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia, hematêmese, anorexia, hipotensão, melena, coma, icterícia e desconforto gastrintestinal, podendo ainda ocorrer desidratação e choque hipovolêmico. Casos mais graves podem cursar com anemia hemolítica, hepatite aguda com necrose hepática, insuficiência cardíaca e renal, podendo evoluir com encefalopatia hepática, com alguns casos de óbito descritos.

Em um documento existente na internet (https://sappg.ufes.br/tese_drupal//tese_16314_Tese%20Filipe%2030-05-2022%20FINALIZADA.pdf), existe o relato de um caso de envenenamento por cobre e a existência de vômito azul – “relataram a morte de uma mulher que ingeriu fungicida a base de cobre. Foi encontrado vômito azul-turquesa no local e, na autópsia, material turquesa foi encontrado em todo o trato gastrointestinal. O nível de cobre no sangue post mortem foi de 500 μg/dL. A causa da morte foi determinada como “toxicidade aguda de cobre”.

Cobre – Fonte – Wikipédia.

Não sabemos se além de pequeno produtor rural, o comprador do toucinho tinha alguma outra atividade. Algo em que ele utilizasse cobre na manufatura de determinados produtos. Sem maiores dados fica difícil saber como quase toda a família de Neguinho Gonçalo morreu de uma possível ingestão desse mineral no Sítio Riacho de Santana? 

Mas segundo meu amigo Sales Felipe, profundo conhecedor da história e das coisas do sertão do Seridó, além de um grande poeta, a explicação mais provável estaria ligada ao fato do toucinho ter sido preparado em um tacho de metal, que na sua composição deveria possuir uma grande quantidade de cobre.

Segundo Sales, seridoense nascido em São Rafael, cidade que fica ao norte do atual município de Jucurutu, esses tachos eram panelas largas, muito utilizados na preparação de alimentos e em São Rafael existiam mestres ferreiros que fabricavam esse tipo de material. Ocorre que esses homens transmitiam a arte do seu ofício através da oralidade, mas que na formação de novos ferreiros poderiam ocorrer erros na utilização dos minerais para a confecção de seus produtos. No caso dos tachos a falha maior estava na quantidade de cobre que era misturada a outros metais. Se fosse mais elevada que o normal, o cobre provocaria a intoxicação dos compradores conforme eles preparavam alimentos nesses objetos.

Certamente nunca saberemos a real causa da intoxicação dos membros da família de Neguinho Gonçalo do Riacho de Santana em 1921, mas essa trágica história mostra as dificuldades enfrentadas pelos antigos habitantes do nosso Seridó.

MULHER DE CORAGEM – A HISTÓRIA DA ÚNICA ENFERMEIRA MILITAR AMERICANA CAPTURADA PELOS ALEMÃES

As Mulheres na Segunda Guerra – O Duro e Perigoso Ofício das Enfermeiras de voo – Ferida em um Avião Derrubado na Alemanha Nazista – A Surpresa dos Soldados de Hitler em Capturar uma Mulher Vestida Com o Uniforme de Oficial do Exército Inimigo – Repatriada Através da Suíça Pela Cruz Vermelha – Volta aos Estados Unidos e Casamento – As Injustiças e a Sua Dura Batalha Contra a Burocracia Militar Para Conseguir Seus Direitos

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Durante a Segunda Guerra Mundial normalmente os exércitos aliados não permitiam que mulheres que usavam uniformes atuassem na linha de fogo. A maior exceção foi no Exército Soviético, onde as mulheres atuaram com galhardia em várias ações de combate direto aos inimigos. Já nas forças armadas da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos e de outras nações Aliadas, a maioria das mulheres atuou principalmente nos setores da administração militar, para assim liberar mais homens para o combate nas linhas de frente. No geral, poucas foram as mulheres que serviram nesses exércitos que chegaram perto de áreas de combate e a maioria nunca levou ou recebeu tiros dos inimigos.

Mas ocorreram exceções.

Uma das aviadoras americanas do Women Airforce Service Pilots (WASP)- Fonte – NARA.

Entre elas estava a importante tarefa de pilotar aviões saídos de fábrica para serem entregues aos esquadrões da linha de frente. Um trabalho que poderia se tornar perigoso muito mais por problemas mecânicos, ou alterações do tempo, do que serem abatidas por alguma aeronave hostil, fato que nunca ocorreu. Essas mulheres faziam parte do Women Airforce Service Pilots (WASP) e será que alguma delas passou por Natal e pousou em Parnamirim Field?

Outra exceção aconteceu na Grã-Bretanha, onde os bombardeios da Luftwaffe, a força aérea nazista, cobraram um alto preço as cidades e as suas populações. Nessas ocasiões várias britânicas atuaram de forma mais direta em combates, ao operarem poderosas baterias de canhões antiaéreos que buscavam derrubar as aeronaves inimigas. Mas elas disparavam em alvos a centenas de metros de altura e não chegavam a ver “a cor dos olhos dos oponentes”, como acontecia nas pelejas corpo a corpo dos soldados da infantaria.

Mulheres artilheiras antiaéreas da Grã-Bretanha – Fonte – TR 453 Part of MINISTRY OF INFORMATION SECOND WORLD WAR COLOUR TRANSPARENCY COLLECTION Malindine E G (Lt) Tanner (Lt) War Office official photographer.

Algumas poucas mulheres atuaram no escritório de serviços estratégicos dos americanos e no serviço de operações especiais dos britânicos, chegaram a saltar de paraquedas atrás das linhas inimigas para ajudar a resistência francesa e houveram alguns raros casos de combates.

Mas foi a enfermagem a atividade que mais levou mulheres militares dos exércitos Aliados na frente oeste da Europa a ficarem próximas de áreas de combate.

Fosse no atendimento de militares feridos, ou, como aconteceu em algumas ocasiões, estando em locais de atendimento clínico que foram atacados por disparos de artilharia e por atiradores de infantaria inimigos, muitas dessas mulheres testemunharam as terríveis crueldades da guerra. Inclusive o Brasil, um dos países Aliados, enviou para a Itália entre 1944 e 45 um grupo de 73 enfermeiras que se juntaram às tropas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e da Força Aérea Brasileira (FAB), para realizar seu trabalho de forma digna e honrada.

Enfermeiras brasileiras desfilando no Rio de Janeiro no período da Segunda Guerra.

Enfermeira de voo

Mas durante a guerra, o comando militar dos Aliados achou por bem desenvolver as enfermeiras um trabalho específico, onde elas realizavam sua nobre atividade em meio a perigos reais. Foi criada então a função de “Enfermeira de voo”.

As mulheres que desejassem seguir por esse caminho teriam de se voluntariar e a rotina de treinamento desenvolvida era dura e pesada. De saída elas deveriam fazer um forte treinamento militar durante seis a nove semanas, que incluíam a utilização de mapas em áreas de combate, camuflagem de sobrevivência, habilidades no transporte de feridos em aeronaves, preparação para pousos forçados, uso de paraquedas, muita ênfase para o condicionamento físico, uso de diversas armas militares e até a participação em treinamentos que simulavam ataques inimigos em aeródromos.

Treinamento de Enfermeira de voo– Fonte – NARA.

Essas enfermeiras voaram com muito mais frequência do que outras mulheres da sua profissão e precisavam aprender a cuidar delas mesmas. O treinamento foi projetado para tornar as enfermeiras amplamente autossuficientes durante o voo. Elas foram treinadas para tratar dor, sangramento e choque, atendendo os pacientes na ausência de um médico.

A Força Aérea do Exército dos Estados Unidos criou o primeiro programa de treinamento no outono de 1942. As primeiras 39 Enfermeiras de voo foram formadas em fevereiro de 1943 e muitas mais passaram pela nova escola de evacuação aérea em Randall Field, no estado do Texas. Na Grã-Bretanha, um programa semelhante foi estabelecido com voluntárias da Força Aérea Auxiliar Feminina e a Marinha dos Estados Unidos também criou uma escola semelhante na Estação Aeronaval de Alameda, no estado da Califórnia.

Esquadrões de evacuação aero médica dos Estados Unidos foram criados e divididos em equipes compostas de um cirurgião de voo, que comandavam outras seis equipes compostas de Enfermeiras de voo e vários técnicos cirúrgicos.

As Enfermeiras de voo americanas foram autorizadas a usar em seus uniformes as asas de voo, com um “N” na cor marrom, para “Nurse”, enfermeira em inglês. Mas ao contrário das forças armadas britânicas, todas essas enfermeiras do exército americano foram comissionadas como oficiais, para, no caso de serem capturadas, serem melhor tratadas pelos inimigos.

Curtiss C-46 Commando.

Como o trabalho dessas mulheres era prioritariamente ligado à evacuação de pacientes, elas utilizavam basicamente aeronaves bimotores de transporte Douglas C-47 Dakota e Curtiss C-46 Commando, modificadas internamente para acomodar várias macas. Esses aviões eram pilotados por aviadores especialmente treinados, enquanto as Enfermeiras de voo eram as principais operadoras das atividades de saúde a bordo. Elas comandavam um ou dois técnicos cirúrgicos, onde a equipe tinha de lidar com o uso de oxigênio e qualquer emergência médica que ocorresse durante o voo, incluindo pacientes em situação de choque, hemorragias, sedação e o que houvesse mais necessidade.

Enfermeiras de voo em Guam aparecem diante de um avião quadrimotor R5D (Douglas Skymaster) em abril de 1945. (Arquivos BUMED)

Voar era em si perigoso e muitas enfermeiras de voo salvaram suas vidas e de muitos pacientes durante terríveis emergências, enquanto suas aeronaves desciam no mar ou em terra. Existem casos em que elas retiraram com sucesso pacientes para botes salva-vidas em alto mar, ou de aeronaves em chamas após um pouso forçado no norte da África. Teve o caso de um avião que recebeu disparos de artilharia antiaérea japonesa na Birmânia e uma enfermeira de voo saltou de paraquedas com sucesso.

A tenente Pauline Curry e o técnico médico sargento Lewis Marker cuidam do conforto de um paciente durante um voo de evacuação nos céus da Índia. Aproximadamente 500 enfermeiros serviram em 31 esquadrões de evacuação aérea médica durante a Segunda Guerra Mundial – Fonte – NARA.

Houve o caso de um avião que se perdeu durante um voo e acabou fazendo um pouso forçado na Albânia, atrás das linhas alemãs, sendo os tripulantes contactados e protegidos por guerrilheiros desse país. Na sequência, unidades especiais aliadas saltaram de paraquedas para ajudar esse grupo. Mesmo com as patrulhas alemãs caçando-os por dois meses em áreas montanhosas durante o inverno, todos foram salvos.

A enfermeira do Exército, segundo tenente Katherine Friedrich, atende a um paciente ferido a bordo de um avião de transporte Douglas C-47 com destino à Grã-Bretanha. O avião de evacuação decolou de Toul, na França, onde os soldados aliados feridos em combate ou doentes foram preparados para o voo– Fonte – NARA.

Apesar das histórias de heroísmo e dedicação, dezesseis Enfermeiras de voo americanas foram mortas durante a Segunda Guerra Mundial.

Atribui-se que grande parte dessas ocorrências aconteceu porque a maioria das aeronaves britânicas e americanas envolvidas em voos de evacuação médica não eram marcadas com cruzes vermelhas, sinalização internacionalmente conhecida para o trabalho e transporte de feridos. Isso aconteceu para que essas aeronaves também pudessem ser utilizadas para transportar armas, suprimentos, munições, etc. Mas é claro que isso significava que a aeronave era legalmente um alvo para os hábeis aviadores de caça, ou os precisos membros das armas de artilharia antiaérea inimigas.

Em julho de 1943, a tenente Katye Swope, enfermeira do 802º Esquadrão de Transporte de Evacuação Aéreo Médica, prepara pacientes para um voo de Agrigento, Sicília, Itália, para a Grã-Bretanha onde foram submetidos a tratamento médico adicional. As operações de evacuação aérea dos Aliados começaram durante a campanha no norte da África em fevereiro de 1943 e continuaram durante a Segunda Guerra Mundial em todos os teatros– Fonte – NARA.

Um incidente pouco conhecido foi a história da única mulher do serviço militar aliado que foi feita prisioneira pelos alemães na frente oeste.

Queda do C-47 na Alemanha Nazista

A Enfermeira de voo Reba Zitella Whittle, fotografada logo após sua libertação de um campo de prisioneiros alemão.- Fonte – NARA.

Reba Zitella Whittle nasceu em Rock Springs, Condado de Edwards, estado de Texas, e estudou no North Texas State College, antes de frequentar a escola de enfermagem do Medical and Surgical Memorial Hospital, da cidade de San Antonio. Depois de se formar, Whittle se alistou no Forte Sam Houston, no Corpo de Enfermeiras do Exército em 10 de junho de 1941. Com o posto de segundo-tenente, foi designada para o hospital da Base Aérea do Exército de Albuquerque, estado do Novo México, onde atuou como enfermeira de serviço geral, sendo posteriormente transferida para Mather Field, Sacramento, estado da Califórnia.

Em 6 de agosto de 1943, Whittle foi aceita pela Escola de Evacuação Aérea da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos, para se tornar Enfermeira de voo. Em setembro chegou à escola em Bowman Field, no estado de Kentucky.

Whittle se formou com notas excelentes e em janeiro de 1944 partiu para a Inglaterra a bordo do navio RMS Queen Mary, com outras 25 enfermeiras de voo do 813º Esquadrão de Transporte de Evacuação Aero Médica, cuja sigla em inglês era 813º MAETS. Essa unidade ficou baseada na Royal Air Force Station Grove, ou RAF Grove, uma antiga estação da Força Aérea Britânica perto da vila de Grove, Oxfordshire, Inglaterra.

Douglas C-47 Dakota.

Entre janeiro e setembro de 1944 a enfermeira Reba Whittle realizou mais de 40 missões em aviões C-47, com 500 horas no ar, incluindo 80 em momentos de combate.

Na quarta-feira, 27 de setembro de 1944, ela embarcou em um voo ligando a Inglaterra até um campo de pouso na cidade belga de Saint-Trond. Mais uma missão de rotina. Três meses antes os Aliados haviam desembarcado na Normandia e desde então ocorriam intensos combates, com um elevado número de mortos e feridos.

Além da tripulação de voo, da enfermeira Reba e de um técnico cirúrgico, o avião carregava toneladas de suprimentos e retornaria com feridos em suas macas.

A enfermeira Reba Whittle está na porta de um avião de transporte C-47 antes da partida.

Em algum momento durante o voo foi cometido um erro de navegação que colocou o C-47 cerca de 70 quilômetros fora de sua rota, quando foi atingido pela precisa artilharia antiaérea alemã.

Reba Whittle estava dormindo na parte de trás do avião, mas repentinamente foi acordada por uma detonação incrivelmente alta dos projéteis alemães explodindo ao redor do C-47. Lá fora um dos motores estava pegando fogo, enquanto o avião descia rapidamente para um difícil pouso forçado em um campo nevado. O C-47 pousou a cerca de quatro quilômetros da cidade de Aachen, a maior área urbana mais ocidental da Alemanha, junto à fronteira com a Bélgica e a Holanda, e era um lugar fortemente defendido.

O seu técnico cirúrgico, o sargento Hill, tinha ferimentos por estilhaços em um dos braços e uma das pernas. Um dos pilotos morreu, o outro ficou gravemente ferido com lesões múltiplas e a própria enfermeira Whittle sofreu uma concussão e lacerações no rosto e nas costas.

Ainda no período de treinamento vemos a Enfermeira de voo Reba Whittler na extrema esquerda da foto, com uma submetralhadora Thompson, calibre 45, em treinamento de tiro.

O C-47 estava queimando e os sobreviventes rastejam para fora dos destroços, quando viram que vários soldados se aproximavam. Inicialmente eles pensaram que eram britânicos, mas logo descobriram que eram alemães e estes ficaram vividamente surpresos ao encontrarem uma mulher com uniforme militar e a patente de oficial.

Prisioneira de Guerra

Passada a surpresa, um deles enrolou um curativo em volta da cabeça da enfermeira Whittle, que sangrava profundamente. Na sequência os feridos foram colocados em um caminhão alemão e conduzidos para a aldeia mais próxima para um tratamento médico mais adequado.

Notícia nos Estados Unidos da captura de Reba Whittle.

Depois houve então uma longa viagem a bordo de um outro frio e sujo caminhão do exército alemão, com passagens frequentes em aldeias e cidades para refeições, ou discussões sobre o que fazer com aquela prisioneira. Os alemães não tinham certeza de como tratar uma prisioneira aliada, que além de tudo era enfermeira e oficial do exército. Todo o sistema alemão de prisioneiros de guerra havia sido projetado para cativos do sexo masculino e as únicas mulheres aliadas prisioneiras eram cidadãs civis de nações inimigas, detidas em campos de internamento especiais, sendo a maioria localizados em castelos antigos.

Reba e o resto da tripulação foram enviados para Auswertestelle West (Escritório de Avaliação Oeste), o principal centro de interrogatório da Luftwaffe em Oberursel, ao norte de Frankfurt, onde todas as tripulações inimigas capturadas eram interrogadas antes de seguirem para um campo de prisioneiros.

Aviadores aliados e soldados nazistas no centro de interrogatório da Luftwaffe em Oberursel, ao norte de Frankfurt.

Após um interrogatório educado, os alemães separam Reba Whittle do resto de sua tripulação e ela ficou alojada no Hohemark Hospital, que era parte de Auswertestelle West e projetado para fornecer ajuda imediata a prisioneiros feridos.

Consta que após algum debate os alemães decidiram que a enfermeira americana poderia ser usada para ajudar os soldados aliados. Então Reba foi transferida para um hospital militar para prisioneiros de guerra, administrado por uma equipe médica britânica, sendo parte do campo de prisioneiros Stalag IX-C, perto de Bad Sulza, um lugar entre as cidades de Erfurt e Leipzig, na região da Turíngia, centro da Alemanha. Em 19 de outubro, ela foi transferida para outro hospital de prisioneiros de guerra, nas proximidades da cidade de Meiningen, onde trabalhou com pacientes queimados e no centro de reabilitação para amputados.

Trabalho de enfermeira americana na Segunda Guerra – Fonte – Wikimeda Commons.

A captura de uma mulher oficial do Exército dos Estados Unidos chamou a atenção dos representantes suíços do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, que regularmente inspecionavam os campos de prisioneiros alemães. Reba deu detalhes de sua situação e de sua patente a esse pessoal.

Os membros da Cruz Vermelha por sua vez notificaram o Departamento de Estado, como é conhecido o Ministério das Relações Exteriores dos Estados Unidos, que começou a negociar sua libertação através da troca de prisioneiros.

Para alguns pode parecer esquisito, mas durante a Segunda Guerra ocorreu regularmente entre os Aliados e os alemães a repatriação de vários prisioneiros considerados muito doentes, ou psicologicamente incapazes de serem ainda úteis para o esforço de guerra. Evidentemente que a enfermeira americana não se enquadra nesta situação, pois estava totalmente sã e lúcida, podendo retomar ao seu trabalho para o esforço de guerra dos inimigos dos alemães.

Foto de jornal mostrando a enfermeira Reba Whittle no seu retorno aos Estados Unidos.

Mas todos que se debruçaram sobre o tema são unânimes em afirmar que os alemães se sentiram muito incomodados com a presença daquela oficial e, para surpresa de muitos, preferiram mandá-la de volta.

O retorno ocorreu em 25 de janeiro de 1945, quando Reba Whittle foi transportada em um trem com um grupo de repatriados para a Suíça e de lá ela foi capaz de embarcar em um avião para a Inglaterra e depois para os Estados Unidos.

Injustiça

A Enfermeira de voo Reba Zitella Whittle recebeu várias condecorações por sua provação como prisioneira, pelas feridas recebidas no acidente, por suas 41 missões em aviões C-47 evacuando os feridos e também foi promovida ao posto de primeiro-tenente. A enfermeira recebeu um telegrama do presidente Franklin Delano Roosevelt, agradecendo a ela por seu serviço e reconhecendo sua provação como uma prisioneira de guerra dos alemães por quatro meses.

Mas a concussão que ela sofreu no acidente a deixou com problemas duradouros, principalmente fortes dores de cabeça. Mesmo assim ela retornou ao serviço ativo na Estação Número 2 de Redistribuição da Força Aérea do Exército, em Miami Beach, Flórida. Depois foi transferida para trabalhar como enfermeira em um hospital do exército na Califórnia até o final da guerra.

Em 3 de agosto de 1945 ela se casou com o tenente-coronel Stanley W. Tobiason e em seguida solicitou dispensa do serviço ativo. Ela foi dispensada com todas as honras em 13 de janeiro de 1946.

Sua vida pós-exército foi marcada por vários problemas físicos e psiquiátricos. Ela buscou uma indenização da Administração dos Veteranos e iniciou uma série de apelos para a aposentadoria médica militar. Apesar dos diagnósticos de encefalopatia pós-traumática, reação crônica de ansiedade grave e artrite lombossacral precoce, seus apelos foram negados.

Finalmente, em janeiro de 1954, o Conselho de Apelação de Deficiência Física do Exército concordou que ela foi dispensada do serviço ativo por motivo de deficiência física e, portanto, elegível para benefícios de aposentadoria. Mesmo com sua deficiência sendo classificada como “ocorrida em combate”, ela foi retroativa apenas ao momento de sua inscrição, abril de 1952, e não ao período da guerra, o que lhe gerou um grande prejuízo financeiro e emocional. Reba realizou vários apelos, mas seu processo não foi reconhecido e acabou indeferido. Alguns dos seus biógrafos acreditam que sua condição de mulher pesou nessa equivocada e injusta decisão.

Ela e o Coronel Tobiason tiveram dois filhos, um dos quais se tornou Aviador Naval e serviu na Guerra do Vietnã.

Reba Whittle Tobiason morreu de câncer em 26 de janeiro de 1981, aos 62 anos.

Em abril de 1983, o Coronel Tobiason escreveu ao Exército, afirmando que o Departamento de Defesa e a Administração dos Veteranos não conheciam nenhuma outra militar americana que tenha sido feita prisioneira pelos alemães durante a Segunda Guerra na Europa.

Em 2 de setembro de 1983, Reba Zitella Whittle finalmente recebeu o status oficial de prisioneira dos alemães, mas somente em 1997 ela foi agraciada postumamente com a Medalha dos Prisioneiros de Guerra.

FONTES

https://www.tshaonline.org/handbook/entries/tobiason-reba-zitella-whittle

https://blog.theveteranssite.greatergood.com/reba-whittle/

https://www.memorialflightclub.com/blog/c-47-dakota-za947-75th-birthday

LAMPIÃO NO CARNAVAL CARIOCA: TEMA FORA DA LEI CONQUISTA TÍTULO DE ESCOLA DE SAMBA

FONTE – BBC News – https://www.bbc.com/news/world-latin-america-64742729

O concorrido desfile de carnaval do Rio foi vencido pela escola de samba Imperatriz Leopoldinense com sua homenagem a um bandido brasileiro do início do século 20, que muitos comparam a Robin Hood.

Uma enorme estátua dourada de Lampião dominava o carro alegórico da Imperatriz Leopoldinense.

O capitão Virgulino Ferreira, mais conhecido como Lampião, é uma figura polêmica. Considerado um herói popular por alguns, outros dizem que ele era um mero bandido.

Integrantes da escola de samba usaram chapéus de couro semelhantes ao usado por Lampião.

Nascido no final do século 19, Lampião cresceu no interior do Nordeste brasileiro. Depois de uma disputa com um poderoso proprietário de terras, sua família passou por momentos difíceis e Lampião e alguns de seus irmãos se juntaram a um grupo de bandidos locais.

Espingardas de brinquedo faziam parte dos adereços carregados pelos dançarinos.

Quadrilhas de bandidos como a liderada por Lampião percorriam o interior do nordeste do Brasil, saqueando e roubando.

Eles também exigiram dinheiro de proteção dos proprietários de terras em troca de não visar suas propriedades.

Esqueletos deram um tom macabro ao desfile.

Embora tivessem o apoio de alguns moradores locais que os viam atacando as vastas desigualdades entre ricos e pobres nesta região do Brasil, eles eram caçados por aqueles a quem aterrorizavam.

Alguns foliões colocaram óculos para imitar o bandido de óculos.

Alguns dos carros alegóricos foram decorados com enormes caveiras e feitos para parecerem cenas do inferno, com dançarinos vestidos de demônios em alusão à lenda de que Lampião acabou no inferno após sua vida de crime.

Lampião usava óculos e muitos dançarinos copiaram seu visual.

Enquanto as fantasias de carnaval costumam ser ricas em lantejoulas e cores ousadas, as fantasias da Imperatriz Leopoldinense apresentavam os tons terrosos do nordeste do Brasil, terra natal de Lampião e seus bandidos.

Muitos trajes tinham padrões tradicionais.

Outras escolas de samba competindo pelo título optaram pelas penas coloridas geralmente associadas ao carnaval.

A escola de samba Unidos de Vila Isabel ficou em terceiro lugar este ano.

Muitos também apresentavam animais exóticos em seus carros alegóricos, como este tigre branco.

Paraíso do Tuiuti ficou em oitavo lugar entre as 12 escolas de samba concorrentes.

Vila Isabel emocionou os espectadores com seu São Jorge lutando contra um dragão.

Vila Isabel construiu uma estátua de São Jorge completa com um dragão cuspindo fumaça.

Muitos também elogiaram a rainha de bateria da Viradouro, Erika Januza, e a energia sem limites que ela trouxe para o desfile.

Erika Januza teve papel fundamental na apresentação da escola de samba Viradouro.

Outros membros da Vila Isabel se inspiraram nos sátiros.

Sátiros, meio homens meio bodes, dançaram pelo Sambódromo.

1943 – QUANDO UMA DAS MAIORES AERONAVES DO MUNDO ESTEVE EM NATAL

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros  

Até a Segunda Guerra Mundial muitos hidroaviões chamavam atenção por seu grande tamanho e alguns ficaram conhecidos como “barcos voadores”. Uma dessas máquinas, que passou por Natal na sua primeira missão, está operacional e recorda um memorável período da aviação.

Quando os homens começaram a cruzar os oceanos em máquinas voadoras, não foi estranho que os projetistas de aeronaves decidissem construir verdadeiros “navios que pudessem voar”. Enfim, com 75% da superfície do mundo formada por água, era muito lógico que esse tipo de aeronave dominasse a aviação por décadas. Só que atualmente quase nada resta dessa época áurea.

Este é o protótipo Martin XPB2M-1 Mars em voo. Ele voou pela primeira vez como um protótipo de bombardeiro de patrulha e mais tarde foi convertido em uma aeronave de transporte – Fonte – Museu Nacional de Aviação Naval da Marinha dos Estados Unidos.

Mas teimosamente na Colúmbia Britânica, na costa do Canadá voltada para o Oceano Pacífico, em um dos maiores lagos da região, um dinossauro desse período está vivo, em condições de voo, sendo o maior hidroavião operacional existente e está à venda.

“Old Lady”

Designado originalmente XPB2M-1, foram encomendados pela US Navy (Marinha dos Estados Unidos) em 1938 e o primeiro protótipo levou três anos para ser concluído. Mas o início da história dessas aeronaves não foi nada tranquilo.

Martin XPB2M-1 Mars – Fonte – US Navy.

Em 5 de dezembro de 1941, uma sexta-feira, dois dias antes do ataque japonês a Pearl Harbor, durante os testes do primeiro Martin XPB2M-1 Mars, o hélice do motor número três recusou-se a dar ré. Logo todo o conjunto pegou fogo, uma das lâminas se soltou e rasgou a fuselagem, quase ferindo o engenheiro de voo. Foi feito um esforço extraordinário para salvar o protótipo do fogo, mas as naceles da asa e o motor sofreram danos consideráveis. 

Depois, quando os testes de voo foram concluídos, foi tomada a decisão de converter o Martin Mars de aeronave de patrulha marítima em transporte, sendo necessários mais dezoito meses para conversão final e testes na empresa Glenn L. Martin Company, a fabricante do aparelho.

Fonte – Coleção fotográfica de Hans Groenhoff, Smithsonian Institution National Air and Space Museum NASM-HGC-1059

A mudança aconteceu pela necessidade de abastecer as tropas americanas no Oceano Pacífico, que gradativamente seguiram ocupando inúmeras ilhas em meio a batalhas sangrentas, colocando os japoneses na defensiva.

Concluídas as alterações o Martin XPB2M-1 Mars decolou em 23 de junho de 1942. Nesse voo tinha uma tripulação de vinte homens, chefiados pelo piloto William K. Ebel, piloto-chefe de testes da Glenn L. Martin Company, sendo seu co-piloto Ellis E. Shannon. Estavam a bordo como observadores o general James H. Doolittle, o comandante do ataque aéreo a Tóquio realizado apenas dois meses antes, e o empresário Glenn Luther Martin, o dono da empresa construtora da aeronave.

Martin Mars na rampa Glenn L. Martin Co., perto de Baltimore, Maryland, em 13 de maio de 1942 – Fonte -United States Navy, National Naval Aviation Museum, NMNA 1985.0481.003.

O hidroavião aqueceu por trinta minutos e depois decolou sem alterações. Foi acompanhado por um hidroavião da US Navy que filmava e fotografava o voo. O enorme barco voador pairou tranquilamente sobre a baía de Chesapeake, depois seguiu para leste, desaparecendo por trás das montanhas cobertas de florestas. Trinta minutos depois o Martin Mars estava de volta, amerissando facilmente na água. Esse primeiro protótipo era conhecido carinhosamente como “Old Lady” (Velha Senhora)

Teste do Martin Mars – Fonte – Charles M. Daniels Collection, San Diego Air & Space Museum Archives, Catálogo nº: 15_001976.

O grande hidroavião de quatro motores era normalmente operado por onze tripulantes, tinha 36 metros de comprimento, uma envergadura de 60,96 metros (maior que a de um moderno jato jumbo 747), com uma altura de 11,37 metros e um casco com a largura máxima de 4,11 metros. A área total das asas era de 342,2 metros quadrados, com peso vazio de 34.279 kg e um peso bruto de 63.503 kg. O XPB2M-1 era impulsionado por quatro motores Wright R-3350-4 refrigerados a ar, alimentados por 39.406 litros de gasolina de aviação de 100 octanas e levando 2.514 litros de óleo lubrificante. Os hélices eram quatro Curtiss Electric de três pás, com 5,29 metros de comprimento, as maiores do mundo naquele tempo. O hidroavião tinha uma velocidade máxima de 356 quilômetros por hora, teto de serviço de 4.450 metros e alcance máximo de 7.958 quilômetros.

O Martin Mars pouco antes do voo para Natal.

A US Navy finalmente recebeu seu gigantesco transporte no dia 27 de novembro de 1943, na base NAS (Naval Air Station) Patuxent River, estado de Maryland, sendo designado para o esquadrão VR-8, ligado ao NATS – Naval Air Transport Service (Serviço de Transporte Aéreo Naval). 

Bateu Recordes Quando Chegou em Natal

Três dias depois de ser entregue ao VR-8 chegaram ordens designando o grande hidroavião para uma importante missão de transporte. Algo que demonstraria suas impressionantes capacidades, o colocaria nas primeiras páginas dos jornais norte-americanos e incluiria Natal nessas manchetes.

O Martin Mars teria de percorrer uma distância de 7.041 quilômetros, um voo considerado recorde naquele tempo, ligando a NAS Patuxent River, ou Pax River como era conhecida, até Natal, capital do Rio Grande do Norte, no Nordeste do Brasil.

A “Old Lady” transportava uma carga de 5.897 kg cartas e correspondências, cuja uma parte se destinava ao Brasil, mas o volume maior atravessaria o Oceano Atlântico em outras aeronaves e seriam entregues às tropas americanas na África do Norte, sul da Europa, Oriente Médio e Extremo Oriente.

O piloto William Evitt Coney.

O grande hidroavião decolou na manhã de 30 de novembro de 1943, sendo pilotado pelo Tenente Comandante (LTCDR) William Evitt Coney, também conhecido como W. E. Coney, que durante dez anos havia sido piloto comercial da empresa Eastern Air Lines e possuía no currículo milhares de horas de voo. Além de Coney havia mais quinze tripulantes, sendo oito oficiais e sete subalternos, quatro desses últimos mecânicos.

O trajeto percorrido pelo grande hidroavião foi direto, sem reabastecimento e não houve alterações durante o voo, tendo o percurso sido realizado em longas 28 horas e 25 minutos.

O voo dessa aeronave para Natal foi muito explorado pela imprensa americana.

As autoridades americanas ficaram exultantes depois que o Martin XPB2M-1 Mars amerissou no Rio Potengi. Segundo o jornal Everning Star, de Washington D.C., edição de sábado, 11 de dezembro de 1943 (pág. A-2), foi o próprio Secretário da Marinha William Franklin Knox quem divulgou para a imprensa os feitos da grande aeronave. Ele afirmou que o voo para Natal tinha batido o recorde de trajeto mais longo sobre as águas (7.041 quilômetros), o de maior carga levada por uma aeronave (5.897 kg) e o voo de carga mais longo até então realizado.

Notícia do voo para Natal em jornal americano.

Ao ler os jornais natalenses da época eu descobri que nada foi publicado sobre a chegada do Martin Mars a capital potiguar. Mas é quase impossível acreditar que uma máquina como aquela passasse despercebida para os natalenses. Mesmo bastante acostumados com as amerissagens e decolagens no Rio Potengi de vários hidroaviões Consolidated PBY-5 Catalina, ou Martin PBM Mariner, o Martin Mars era bem maior, mais largo e com motores bem mais potentes, que possivelmente faziam muito mais barulho. Certamente, enquanto a aeronave esteve na capital potiguar, a imprensa local foi censurada.  

Dias depois o Martin Mars decolou do rio Potengi com mais de nove toneladas de esteatita, tantalita, mica e berílio, todas vindas do interior do Rio Grande do Norte e Paraíba. Com esse volume de minérios, o Martin Mars bateu novamente o recorde de carga transportada.

Foto dos tripulantes do Martin Mars que estiveram em Natal no final do ano de 1943 e a relação desse pessoal.

Em sua viagem de volta para os Estados Unidos esse hidroavião fez escalas em Belém do Pará, Port of Spain, Ilha de Trinidad, atual Trinidad & Tobago, e Bermudas, na época uma colônia britânica e hoje uma nação independente.

Fim de Uma era e a Venda de um Clássico

A US Navy então colocou o Martin Mars para realizar muitos voos entre a Califórnia e o Havaí, na rota aérea sobre a água mais longa do mundo na época, transportando suprimentos para áreas avançadas. Por causa de sua enorme capacidade de carga, a “Old Lady” tornou-se uma adição indispensável para o teatro de guerra no Pacífico.

Parte dos dezesseis tripulantes do Martin Mars que estiveram em Natal.

Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, apenas seis Martin Mars haviam sido construídos e o pedido restante de quatorze foi cancelado. O pior de tudo foi que a era do barco voador comercial estava no começo do fim.

As companhias aéreas agora estavam adquirindo grandes aviões terrestres com potentes motores. A empresa aérea Pan American Airways, que utilizou grandes hidroaviões Boeing 314 Clipper, havia desistido desse tipo de aeronave em suas rotas.

No dia 29 de dezembro de 1943, quase um mês após a chegada do Martin Mars a Natal, o jornal A Ordem reproduziu uma reportagem produzida pelo jornalista americano Larry Carr sobre a passagem dessa aeronave pela cidade.

O futuro do transporte aéreo estava em pistas de pouso fixas e grandes aeroportos, aproveitando os muitos aeródromos que foram construídos durante a guerra, que agora tornavam as viagens mais convenientes e as cidades sem áreas com água adequadas para amerissagem de hidroaviões podiam agora se ligar através das viagens aéreas.

No caso dos Martin Mars aconteceu uma situação diferenciada, que trouxe esses grandes hidroaviões até nossos dias.

Segundo eu apurei, essa foto é de 8 de dezembro de 1943, no retorno do Martin Mars aos Estados Unidos após o voo até Natal.

Considerados obsoletos pela Marinha em 1956, o destino dos Martin Mars parecia ser virar sucata. Mas graças a uma série de incêndios devastadores, um grupo de empresas madeireiras canadenses formaram uma organização que mudaria para sempre as chances de combater essas tragédias que devastam o meio ambiente.

Em 1959 quatro Martin Mars retirados do serviço ativo da US Navy foram comprados pelos madeireiros e cada um foi modificado para receber um tanque de água de 22.276 litros de água, com as portas de liberação no fundo ou nas laterais do casco e a modificação foi um sucesso. Felizmente essas aeronaves vieram com 35 motores adicionais e quase 90 toneladas de peças de reposição, o que sustentou suas operações por anos a fio.

Foto publicada em um jornal americano, que mostra a esquerda o piloto William Evitt Coney, junto com um dos tripulantes do Martin Mars, degustando o café da manhã em um hotel em Natal, provavelmente o Grande Hotel da Ribeira.

A partir de 1962 só dois Martin Mars continuavam em serviço no Canadá e foram usados ​​regularmente para combater incêndios por décadas. Os Mars deram certo nessa função e com o passar dos anos se tornaram uma relíquia viva da época de ouro dos hidroaviões.

Finalmente apenas a aeronave que originalmente foi batizada como Hawaii Mars continua sendo o único Martin Mars em condições de navegabilidade no mundo, ele foi significativamente atualizado ao longo dos anos para melhorar suas capacidades e seus padrões de segurança. Curiosamente, em 2015, foi usado para ensinar pilotos chineses a pilotar grandes barcos voadores em antecipação ao primeiro voo da aeronave anfíbia chinesa AVIC AG600 Kunlong em 2017.

O último Martin Mars.

Em 2023 o Hawaii Mars, com incríveis 23.000 horas de voo, se encontrava à venda por um preço inicial de cinco milhões de dólares. Embora não seja barato, vale lembrar que este é o exemplar do maior hidroavião produzido durante a Segunda Guerra Mundial e o último do seu tipo.

30 ANOS DA PROFISSÃO DE GUIA DE TURISMO: O QUE FAZER?

Fonte – httpwww.turistou.com.brguia-de-turismo

Jorge Breogan*

A única profissão regulamentada do setor de turismo está completando, no dia 28 de janeiro, trinta anos. Nesta data, trinta anos atrás, foi assinada a Lei no 8.623, que dispõe sobre a profissão de Guia de Turismo e dá outras providências. Nesse mesmo ano, foi aprovado o Decreto no 946, de 1o de outubro de 1993, que regulamentou a Lei.

De lá para cá, foram diversas deliberações normativas, lei e decreto-lei e inúmeras portarias do Ministério do Turismo (MTur). Não podemos dizer que não existem leis ou instrumentos jurídicos que nos dizem respeito e deveriam nos proteger, mas isso não ocorre, pois somos diariamente desrespeitados em nosso direito. Os órgãos competentes que possuem a atribuição delegada do MTur são ocupados por pessoas alheias ao trade turístico, que desconhecem a realidade sobre o que o setor representa para o país. São cargos políticos, arranjos de campanhas eleitorais e acomodações políticas, sem o compromisso com uma política pública para o setor. Daí a razão para não se fiscalizar os prestadores de serviços, que conduzem os turistaspelo país de forma ilegal.

A profissão de guia de turismo é regulamentada pela Lei 8.623/1993 e para exercer a atividade é necessário ser credenciado – Fonte – https://diariodocomercio.com.br/turismo/guias-de-turismo-se-reinventam-na-pandemia/

Os profissionais guias de turismo, que possuem formação e capacitação técnica para o exercício da profissão, são obrigados por lei a se cadastrarem no Cadastur, do MTur, enquanto criminosos, “pseudoguias” continuam livres a subtrair a boa vontade e o conhecimento dos turistas que circulam pelo país.

O profissional guia de turismo sabiamente é o elemento chave na composição do produto turístico, já que é o principal responsável pela intermediação entre a agência de turismo, o produto turístico e o turista. Ao contrário do que muita gente pensa, o profissional guia de turismo não é apenas a pessoa que recebe o pagamento para viajar. Ele está diretamente vinculado com o resultado de uma experiência de viagem.

Aula de campo do curso de Guis de Turismo no Rio de Janeiro em 1969.

Como surgiu o guia de turismo?

A profissão de Guia de Turismo surgiu na Antiguidade, descrita por Heródoto por volta de 440 a.c. Diferente dos guias atuais, os guias de Heródoto, em vez de orientar turistas em passeios por lugares pitorescos e de lazer, guiavam exércitos em território inimigo: a eles cabia também orientar os soldados em terreno desconhecido, servir de intérprete, providenciar acomodações, alimentação, meio de transporte, entre outras funções.

Afinal, quem é este profissional?

De acordo com a literatura, o guia de turismo é considerado um profissional com distintas referências. Requer-se dele vários atributos, como preparo físico, equilíbrio emocional, comunicação precisa e objetiva, espírito de aventura, disponibilidade para trabalhar em diversos dias e horários, gostar de viajar, gostar de trabalhar com pessoas e saber lidar com situações adversas.

Foto Monkey Business Images Shutterstock.com

Uma história de lutas permanentes

Os guias de turismo se reuniram pela primeira vez em um congresso brasileiro em 1980, em São Luiz do Maranhão, quando foram fundadas, em todo o país, as Associações dos Guias de Turismo (AGTURB), e foi criado então o Conselho Nacional das AGTURBs. Após a criação da lei, em 2003, sua sucessora legal, a Federação Nacional dos Guias de Turismo (FENAGTUR), foi criada com o objetivo de apoiar a organização sindical nos estados, promover campanhas de valorização profissional, entre outros.

Ocorre que nos últimos anos sua atividade foi praticamente paralisada pela destituição da antiga diretoria, cujo processo tramita na Justiça.

E na véspera de comemorarmos os trinta anos da profissão, fomos surpreendidos pelo Comunicado Oficial do SINGTUR-PE com a nota do cancelamento do XLI Congresso Brasileiro de Guias de Turismo, marcado para acontecer em Recife, entre maio e junho deste ano.

Como dá para notar, ainda temos um longo caminho a percorrer pela valorização e pelo reconhecimentoda profissão de Guia de Turismo.

*Ex-presidente do Conselho Nacional das AGTURBs, gestão de 1985-1989.

Guia de Turismo – Cadastur 25.734156.58-7

O TERRÍVEL JUIZ A SERVIÇO DA DITADURA

Careca, Olhar Igual Ao De Um Louco Assassino, Voz Alta e Esganiçada, Além de Uma Implacável Devoção ao Seu Ditador e a Sua Temida Ditadura, Foram Algumas das Marcas Deixadas Pelo Juiz Roland Freisler, o Mais Implacável Magistrado da Alemanha Nazista.

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

20 de julho de 1944, apenas algumas horas após oficiais militares alemães tentarem assassinar Adolf Hitler em Wolfsschanze, a “Toca do Lobo”, seu quartel-general em Rastenburg, na Prússia Oriental, o Führer manteve seus compromissos, incluindo uma reunião com Benito Mussolini, o líder fascista italiano.

A trama, comandada por Claus von Stauffenberg, foi o culminar dos esforços de vários grupos da resistência alemã, que esperavam que a morte violenta de Hitler sinalizasse uma revolta antinazista e derrubasse o governo alemão. O Führer, no entanto, sobreviveu à explosão e a tentativa de golpe falhou.

Hitler após o atentado de 20 de julho de 1944 – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Nos dias que se seguiram, Adolf Hitler ordenou uma caça massiva aos conspiradores, que continuou por meses.

Muitos dos oposicionistas compareceram perante aos notórios Tribunais Populares para julgamentos que condenaram milhares de alemães à morte, muitas vezes com base em evidências mínimas. Seu presidente era um fanático juiz nazista chamado Roland Freisler.

Um Comunista?

Freisler nasceu em 30 de outubro de 1893 em Celle, na Baixa Saxônia, então parte do Império Alemão, filho do engenheiro e professor Julius Freisler e de sua esposa Charlotte. Consta que o futuro juiz e seus dois irmãos foram batizados como protestantes.

Quando a Primeira Guerra Mundial começou em 28 de julho de 1914, Freisler estudava Direito na Universidade de Jena, na região alemã da Turíngia, e interrompeu os estudos para seguir a frente de combate. Ele alistou-se como oficial cadete do exército imperial alemão, sendo em 1915 condecorado com a Cruz de Ferro de 2ª Classe por bravura em ação, quando estava no posto de tenente.

Em outubro do mesmo ano, na Frente Oriental, Freisler foi feito prisioneiro de guerra pelos russos e internado em um campo de oficiais perto de Moscou. Embora os prisioneiros alemães tenham sido libertados em 1918, Freisler permaneceu na Rússia soviética até 1919, onde aprendeu a falar fluentemente o idioma local. Na época acreditou-se que ele se tornou um firme defensor do bolchevismo.

Em 1919, Freisler retornou à Alemanha para completar seus estudos de direito na Universidade de Jena, o que realizou em 1922. Dois anos depois ingressou no Partido Nazista e imediatamente ganhou autoridade dentro da organização ao utilizar seus conhecimentos jurídicos para defender os membros que enfrentavam processos por atos de violência política.

Tropas alemãs durante a Primeira Guerra Mundial – Fonte – https://blogdoenem.com.br/primeira-guerra-mundial-historia-enem-2/

De 1924 a 1935, Freisler viajou frequentemente para a cidade de Leipzig, onde trabalhou como um advogado perante o Tribunal de Honra. Consta que em quase todos os julgamentos que atuou ele insultou e ameaçou colegas, bem como vítimas e até mesmo juízes. Mesmo assim a sua licença para exercer a advocacia nunca foi revogada.

Karl Weinrich, um nazista membro do parlamento prussiano, se tornou amigo de Freisler em 1927 e comentou sobre sua reputação no movimento nazista nesse período: “Retoricamente, Freisler é igual aos nossos melhores oradores, se não superior. Ele tem influência sobre as massas, mas a maioria das pessoas pensantes o rejeita. O camarada de partido Freisler só pode ser usado como orador e é inadequado para qualquer posição de autoridade por causa de sua falta de confiabilidade e mau humor”.

Em 24 de março de 1928, Freisler casou-se com Marion Russegger, onde tiveram dois filhos.

Ascenção no Nazismo  

Em janeiro de 1933, depois que Adolf Hitler e o partido nazista chegaram ao poder, Freisler tornou-se membro do Reichstag – o Parlamento alemão. Ele também foi nomeado para altos cargos no Ministério da Justiça da Prússia e do Reich. Com a fundação da Academia de Direito Alemã por Hans Frank, que mais tarde se tornou chefe do Governo Geral na Polônia ocupada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, Freisler tornou-se membro e presidente do Comitê de Direito Penal.

Roland Freisler como membro do Partido Nazista – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Essa Academia foi encarregada de promover a reforma da vida jurídica alemã, trabalhando em ligação com órgãos legislativos para implementar o programa nacional-socialista nas áreas de direito e economia. Tempos depois o partido indicou Freisler como juiz.

O seu domínio sobre textos legais, agilidade mental, força verbal, além de intensa atuação dramática no tribunal, em combinação com sua conversão zelosa à ideologia nazista, fizeram dele o juiz mais temido da Alemanha e a personificação do nazismo na lei doméstica.

No entanto, apesar de seus talentos e lealdade, Adolf Hitler nunca o indicou para nenhum cargo além do sistema legal. Uma das razões foi a atuação política do seu irmão Oswald Freisler.

Várias vezes Oswald atuou como advogado de defesa de opositores do regime em julgamentos politicamente significativos, que os nazistas procuravam usar para fins de propaganda. O irmão do juiz Freisler tinha o hábito de usar seu distintivo de membro do Partido Nazista no tribunal, ao mesmo tempo que defendia intensamente opositores, o que gerou confusão.

O ministro da Propaganda Joseph Goebbels censurou Oswald Freisler e relatou suas ações a Adolf Hitler que, em resposta, ordenou a sua expulsão do Partido. Misteriosamente Oswald cometeu suicídio em Berlim em 1939, depois de ter sido acusado de irregularidades na condução de uma defesa.

O juiz Freisler era um ideólogo nazista comprometido e usou suas habilidades legais para adaptar suas teorias à legislação e ao judiciário práticos. Ele publicou um artigo intitulado A tarefa racial-biológica envolvida na reforma da lei criminal juvenil, no qual argumentava que “juvenis racialmente estrangeiros, racialmente degenerados, racialmente incuráveis ou com deficiências graves” deveriam ser enviados para centros juvenis, ou centros de educação correcional e segregados daqueles que são “alemães e racialmente valiosos”. Ele também defendeu fortemente a criação de leis para punir a chamada “contaminação racial” que era o termo nazista para relações sexuais entre “arianos” e aqueles considerados como de “raças inferiores”. Em 1933 ele até publicou um panfleto pedindo a proibição legal de relações sexuais de “sangue misto”.

Nazistas realizando um boicote às lojas judaicas – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Em 15 de setembro de 1935, o regime nazista anunciou duas novas leis: A Lei de Cidadania do Reich, que definia um cidadão pleno como uma pessoa “de sangue alemão”, o que significava que os judeus, definidos como uma raça separada, não podiam ser cidadãos da Alemanha e não tinham direitos políticos.

A outra foi a Lei para a Proteção do Sangue Alemão e da Honra Alemã, que proibia futuros casamentos mistos e relações sexuais entre judeus e pessoas de “Sangue alemão”. Os nazistas acreditavam que tais relações eram perigosas porque geravam filhos “mestiços”. Segundo os nazistas, essas crianças e seus descendentes minavam a “pureza da raça alemã”.

Ajuda de Freisler ao Holocausto

A Segunda Guerra Mundial começou em 1º de setembro de 1939, quando a Alemanha invadiu a Polônia. No mês seguinte Freisler introduziu o conceito de “criminoso juvenil precoce” no Decreto de criminosos juvenis. Este decreto forneceu a base legal para impor a pena de morte e penas penitenciárias a menores pela primeira vez na história jurídica alemã. Pelo menos 72 menores de 18 anos foram condenados à morte pelos tribunais nazistas.

Dois anos depois o ministro Goebbels sugeriu nomear Roland Freisler para substituir Franz Gürtner, o ministro da Justiça do Reich, que havia falecido. Mas a resposta de Hitler, referindo-se ao suposto passado “vermelho” de Freisler, foi: “Aquele velho bolchevique? Não!”.

Edifício n.º 56–58 Am Großen Wannsee, onde a Conferência de Wannsee teve lugar; atualmente um memorial e um museu – Fonte – https://pt.wikipedia.org/wiki/Confer%C3%AAncia_de_Wannsee

Em 20 de janeiro de 1942, quinze altos funcionários do Partido Nazista e do governo alemão se reuniram em uma vila no subúrbio de Wannsee, em Berlim, para discutir e coordenar a implementação do que chamaram de “Solução Final da Questão Judaica”. A “Solução Final” era o codinome para a aniquilação sistemática, deliberada e física dos judeus europeus. Os participantes da conferência incluíram representantes de vários ministérios do governo, incluindo secretários de Estado do Ministério das Relações Exteriores, da Justiça, do Interior e dos ministérios de Estado.

Os homens sentados à mesa faziam parte da elite do Reich. Mais da metade deles possuía doutorado em universidades alemãs. Eles estavam bem informados sobre a política em relação aos judeus. Cada um entendeu que a cooperação de sua agência era vital para que uma política tão ambiciosa e sem precedentes fosse bem-sucedida. Aqueles homens não deliberaram se tal plano deveria ser realizado, mas sim discutiram a implementação de uma decisão política que já havia sido tomada no mais alto escalão do regime nazista.

Reinhard Heydrich – Fonte – https://br.pinterest.com/pin/780319072907723525/

Na época da Conferência de Wannsee, a maioria dos participantes já sabia que o regime nazista havia se envolvido em assassinatos em massa de judeus e outros civis nas áreas ocupadas pelos alemães na União Soviética e na Sérvia.

Nenhum dos funcionários presentes na reunião, incluindo Roland Freisler, que fornecia consultoria jurídica especializada para o plano, se opôs à política de “Solução Final”.

Entre os que participaram desse encontro estava o temido Reinhard Tristan Eugen Heydrich, um oficial superior das terríveis tropas SS e um dos principais arquitetos da matança do que hoje conhecemos simplesmente como Holocausto. Heydrich indicou que aproximadamente onze milhões de judeus na Europa cairiam sob as garras da terrível “Solução Final”.

A Conferência de Wannsee durou apenas uns noventa minutos. A enorme importância que foi atribuída à conferência pelos escritores do pós-guerra não era evidente para a maioria de seus participantes na época. 

Um Hitler sorridente passa em revista suas tropas ao final da guerra, formada basicamente de adolescentes – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Em algum momento ainda indeterminado em 1941, Adolf Hitler autorizou esse esquema de assassinato em massa em toda a Europa. Mas é verdadeiro que não há nenhum documento que indique especificamente por quem, a que horas e de que maneira foi decidido embarcar no extermínio total dos judeus. Muitos estudiosos acreditam que tal ordem nunca foi emitida por escrito: em vez disso, foi dada oralmente, por Hitler, ou com seu conhecimento.

Também como resultado da reunião, foi estabelecida uma rede de campos de extermínio, na qual 1,7 milhão de judeus foram assassinados em 1942-1943.

Juiz Sanguinário

Em 20 de agosto de 1942, Hitler nomeou Freisler presidente do Tribunal Popular. Ele presidiu essa corte vestindo um vistoso manto judicial, em uma sala de audiência enfeitada com estandartes cobertos com suásticas escarlates e um grande busto da cabeça de Adolf Hitler esculpida em negro, montada em um alto pedestal atrás de sua cadeira. Ele abria cada sessão de audiência com a saudação nazista e atuou como promotor, juiz e júri juntos.

nomeou Freisler presidente do Tribunal Popular Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Sob a batuta de Freisler a frequência de sentenças de morte aumentou acentuadamente. Aproximadamente 90% de todos os casos que vieram parar em suas mãos terminaram com veredictos de culpado e mais de 5.500 sentenças de morte foram por ele decretadas, o que lhe valeu a reputação de “juiz sanguinário”.

A situação foi tão radical, que entre os anos de 1942 e 1945 Freisler foi responsável por mais sentenças de mortes do que todos os outros juízes desta mesma corte entre os anos de 1934 e 1945.  

Em todos os processos do Tribunal Popular, Freisler mostrou um viés pronunciado em favor do estado nazista e sua ideologia. Sua condução dos casos foi muito além das regras de procedimento e do código de conduta dos juízes e, portanto, representou uma forma grave de perverter a lei. Como nacional-socialista fanático, ele disse que queria julgar “como o próprio Führer julgaria o caso”.

Freisler ouve os acusados – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Para Freisler, o Tribunal Popular era expressamente um “tribunal político”. Nos julgamentos ele humilhava os acusados, mal os ouvia e os interrompia constantemente. Ele também gritava estridentemente com eles e conduzia o processo de maneira particularmente pouco objetiva. Os gritos altos de Freisler tornaram difícil para os acusados suportarem psicologicamente as seções.

Essas humilhações deliberadas e direcionadas aos acusados aconteceram tanto verbalmente, quanto de maneira não verbal. Por exemplo; os nazistas deram aos réus roupas velhas, grandes demais e sem cintos, forçando-os a ficarem na frente do tribunal segurando constantemente suas calças.

Terrível Contra os Opositores do Regime

Em 18 de fevereiro de 1943, os irmãos Hans e Sophie Scholl, além do estudante Cristopher Probst, distribuíram panfletos contra o regime de Hitler na Universidade Ludwig Maximilian, de Munique, e foram rapidamente denunciados a Gestapo – à polícia secreta oficial da Alemanha nazista – e todos foram presos.

Por meio de questionamentos, ficou claro que os dois irmãos e o amigo faziam parte de um grupo de resistência chamado Rosa Branca que escrevia os panfletos, cada um sendo mais crítico em relação a Hitler e ao povo alemão do que o anterior. Eles encorajavam os cidadãos a resistirem ao regime nazista, denunciavam o assassinato de centenas de milhares de poloneses e exigiram o fim da guerra.

Os irmãos Hans e Sophie Scholl Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Sob interrogatório, foi oferecida a Sophie uma sentença reduzida se ela admitisse que seu irmão a havia desencaminhado. Mas ela recusou, dizendo: “Não vou trair meu irmão ou meus princípios e não farei barganha com os nazistas”. Em 22 de fevereiro de 1943, Freisler voou para Munique com o único propósito de presidir esse julgamento.

Aparecendo no tribunal, Sophie Scholl chocou a todos quando comentou com Freisler “Alguém, afinal, tinha que começar. O que escrevemos e dissemos também é acreditado por muitos outros. Mas eles simplesmente não ousam se expressar como nós”. Ela também interrompeu Freisler com uma declaração: “Você sabe que a guerra está perdida. Por que você não tem coragem de enfrentar?”. Depois de meio dia de julgamento, o veredicto foi o esperado: culpado.

Freisler os condenou à morte por enforcamento, mas com medo de serem elevados ao status de martírio se fossem mortos publicamente, decidiu-se matá-los na guilhotina. Em menos de vinte e quatro horas depois de condenados, a sentença contra os dois irmãos e o amigo Probst foi executada.

Em 19 de abril de 1943, Freisler foi trazido a Munique para ser o juiz do segundo julgamento dos membros da Rosa Branca. Logo no início Freisler gritou com um dos acusados: “O nacional-socialismo não precisa de um código penal contra tais “traidores” como vocês. Vou encurtar esse processo”. Quando um assessor lhe entregou um volumoso exemplar do código penal, sem dizer uma palavra, Freisler imediatamente o jogou na direção do acusado, que teve que se abaixar para evitar ser atingido na cabeça. Dos treze réus desse caso três foram condenados à morte, nove foram condenados à prisão e um foi absolvido inesperadamente.

Outra vítima de Freisler foi Elfriede Scholz, irmã do romancista alemão Erich Maria Remarque.

Em 10 de maio de 1933, por iniciativa do ministro Joseph Goebbels, a escrita de Remarque foi declarada publicamente como “antipatriótica” e proibida na Alemanha. Como resultado, as cópias foram removidas de todas as bibliotecas e proibidas de serem vendidas ou publicadas em qualquer lugar do país.

Enquanto Erich deixou a Alemanha, sua irmã Elfriede não. Ela, uma simples costureira, ficou na Alemanha com o marido e dois filhos e foi presa pela Gestapo depois que afirmou a uma conhecida cliente e ao seu senhorio que “Não acreditava na propaganda de uma vitória final alemã e os soldados na frente de batalha não passavam de ovelhas para o abate”. Ela também comentou que “mataria Adolf Hitler se pudesse” e que “a guerra conduzida pelos nazistas estava perdida”.

As acusações contra Elfriede Scholz a levaram a ser classificada como uma perigosa ativista, que “estava minando o esforço de guerra da Alemanha”. Durante o julgamento, Freisler disse a Elfriede “Seu irmão está fora de nosso alcance, mas você não escapará de nós!”. Elfriede Scholz foi decapitada na guilhotina em 16 de dezembro de 1943.

Contra os Participantes da Operação Valquíria

Conforme comentamos anteriormente, em 20 de julho de 1944, Claus von Stauffenberg e outros conspiradores tentaram assassinar Adolf Hitler dentro de seu quartel-general.

Stauffenberg (à esquerda) em Rastenburg em 15 de julho de 1944. No centro Adolf Hitler. Stauffenberg já levava as bombas consigo. Mas decidiu não detoná-las naquele momento. Fonte – Wikipédia

Os conspiradores se concentraram em um plano de contingência existente com o codinome Operação Valquíria. Esta ação foi originalmente projetada para combater militarmente uma potencial agitação civil na Alemanha. Já os conspiradores modificaram o plano para seus próprios objetivos, com a intenção de assumir o controle das cidades alemãs, desarmar as tropas SS e prender os principais líderes nazistas após a conspiração.

As motivações variaram amplamente e não devem ser vistas apenas no contexto do Holocausto, já que vários dos próprios conspiradores estavam implicados em crimes de guerra e no Holocausto. Para muitos dos participantes a tentativa de assassinato tinha um objetivo mais pragmático: resgatar a Alemanha da derrota catastrófica provocada pela administração cada vez mais irracional de Hitler.

Tribunal do Povo julgando os envolvidos na conspiração para matar Hitler em 1944 – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Nos dias que se seguiram ao atentado fracassado, Hitler ordenou uma caça massiva aos conspiradores, que continuou por meses. Em agosto de 1944, alguns dos perpetradores presos da tentativa de assassinato foram levados a Freisler para punição.

Hitler ordenou que os culpados fossem “enforcados como gado” e que os procedimentos fossem filmados para serem exibidos ao público alemão em cinejornais e retratar como Freisler dirigia implacavelmente o seu tribunal.

O terrível juiz costumava alternar entre questionar os réus de maneira analítica e, de repente, lançar-se sobre a vítima com um furioso discurso verbal, chegando a gritar insultos ao acusado no tribunal. A mudança do interrogatório frio e clínico para acessos de raiva gritante, foi projetada para desarmar psicologicamente os acusados, ao mesmo tempo que desencorajava qualquer tentativa de defender ou justificar suas ações.

A certa altura, Freisler gritou com o marechal de campo Erwin von Witzleben, que tentava segurar as calças depois de receber de propósito roupas velhas, grandes demais e sem cinto: “Seu velho sujo, por que fica mexendo nas calças?” No entanto, os réus nunca perderam sua dignidade.

As palavras finais que Erwin von Witzleben dirigiu a Freisler teriam sido: “Você pode nos entregar ao carrasco. Em três meses, as pessoas indignadas e atormentadas irão responsabilizá-lo e arrastá-lo vivo pela lama das ruas.”

César von Hofacker, figura principal da resistência na França, interrompeu Freisler depois de tê-lo interrompido várias vezes dizendo: “Você está calado agora, Herr Freisler! Porque hoje é sobre a minha cabeça. Em um ano, é tudo sobre a sua!”

Tribunal lotado para assistir a condenação dos conspiradores – – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Quando Freisler imaginou sarcasticamente a morte iminente do general Erich Fellgiebel, Fellgiebel disse a Freisler: “Então, apresse-se, senhor juiz, senão você é que cairá antes de nós.”

Quando o conde Ulrich-Wilhelm Schwerin von Schwanenfeld, devastado pelas condições de sua detenção, foi levado ao tribunal sem cinto e gravata, ele também tentou preservar sua dignidade e afirmou que sua oposição a Hitler se devia aos “muitos assassinatos na Alemanha e no exterior”. Ele era constantemente interrompido por um Freisler furioso, que finalmente gritou com ele de raiva e disse-lhe: “Você realmente é um lixo nojento!”.

No final, mais de 7.000 pessoas foram presas. 4.980 deles, incluindo von Witzleben, von Hofacker, o conde Schwerin von Schwanenfeld e o general Fellgiebel, foram executados nas prisões nazistas, muitas vezes com base em evidências mínimas. Algumas das execuções foram realizadas duas horas após a entrega do veredicto.

Freisler e sua verborragia – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

Justiça Divina

Se você acredita na Justiça Divina, podemos dizer que ela finalmente alcançou Freisler em 3 de fevereiro de 1945. E existem dois relatos contraditórios sobre as circunstâncias de sua morte.

Na manhã daquele dia, Freisler conduzia uma sessão de sábado do Tribunal Popular, quando bombardeiros da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos atacaram Berlim. Prédios do governo foram atingidos, incluindo a Chancelaria do Reich, o quartel-general da Gestapo, a Chancelaria do Partido Nazista e o Tribunal Popular.

Ao ouvir as sirenes antiaéreas, Freisler encerrou apressadamente o tribunal e ordenou que os prisioneiros diante dele fossem levados para um abrigo subterrâneo, mas ele próprio ficou para trás para reunir os arquivos antes de partir. Uma bomba então atingiu o prédio do tribunal, causando um colapso interno e uma coluna de alvenaria se soltou enquanto Freisler se distraía com seus documentos.

Freisler presidindo uma seção – Fonte – https://www.bundesarchiv.de/DE/Navigation/Home/home.html

A coluna desabou sobre o terrível juiz, fazendo com que ele fosse esmagado e morto instantaneamente. Devido ao colapso da coluna, uma grande parte do tribunal também pousou sobre o cadáver de Freisler. Os seus restos esmagados e achatados foram encontrados sob os escombros, ainda segurando os arquivos que ele havia deixado para reunir.

Mas um relato diferente afirmou que Freisler, então com 51 anos, foi morto por um estilhaço de bomba enquanto tentava escapar de seu tribunal para o abrigo antiaéreo. Ele então sangrou até a morte na calçada em frente ao Tribunal do Povo em Berlim. Luise von Benda, esposa do general Alfred Jodl, contou 25 anos depois que trabalhava no Hospital Lützow quando o corpo de Freisler chegou para atendimento, mas não havia nada mais a fazer.

Ao ver o corpo de Freisler, um funcionário do hospital comentou: “É o veredicto de Deus”. Nenhuma pessoa disse uma palavra em resposta. O corpo de Freisler foi enterrado no túmulo da família de sua esposa em Berlim. Seu nome não ficou registrado na lápide e não houve lágrimas derramadas por Roland Freisler.

A terrível atuação desse homem foi tão forte na história jurídica alemã, que, mesmo sem confirmação, eu soube que na moderna Alemanha quando um juiz começa a extrapolar das suas funções, ou sua atuação jurídica começa a ultrapassar os limites do bom senso, ou este começa a “ter certeza que é Deus”, dizem que ele está “agindo tal qual Freisler”.

E no Brasil, existe algo parecido?

PARA SABER MAIS SOBRE O ATENTADO CONTRA HITLER EM 1944, CLIQUE NO LINK ABAIXO.

FUNDAÇÃO DO RIO DE JANEIRO – A LUTA PELA POSSE DA TERRA

Autor – Francisco de Assis Barbosa

Texto produzido em 1965, por ocasião das comemorações dos 400 anos do Rio de Janeiro.

A fundação da Cidade de São Sebastião foi a etapa decisiva da luta entre portugueses e franceses pela posse da terra do pau-brasil, sangrenta luta que se arrastou anos a fio, por quase todo o século do descobrimento, com motivações de natureza não apenas comercial, mas sobretudo de ordem política e religiosa. Foi uma vitória dos soldados do Rei de Portugal e dos padres da Companhia de Jesus contra a aliança franco-tamoia e o calvinismo.

Não é sem propósito que Nóbrega e Anchieta se destacam entre os heróis da campanha militar que teve o comando de Estácio de Sá. Mesmo antes, Nóbrega está sempre presente, advertindo a Coroa portuguesa sobre o perigo francês e até participando de operações de guerra, como na tomada do Forte Coligny, em 1560, ao lado de Mem de Sá. Homem de extraordinário tino político, o grande Jesuíta compreendera que não bastava defender as posições já consolidadas em São Vicente (1532) e depois em São Paulo de Piratininga (1554). Era preciso muito mais: estender o poderio luso, e com ele o da religião católica, por toda a costa do Brasil, do extremo Norte ao extremo Sul, sem deixar ponto algum vulnerável, especialmente no Centro-Sul infecionado pela presença francesa.

Nicolas Durand de Villegagnon

Villegagnon ainda não se havia estabelecido no Rio de Janeiro e Nóbrega secundava a Tomé de Sousa no apelo dirigido pelo primeiro Governador-Geral ao Rei, no sentido de se “mandar fazer ali uma povoação honrada e boa porque já nesta costa não há rio em que entrem franceses senão neste”. (1553)

A princípio, o interesse francês parece restringir-se ao carregamento de madeira destinada a construções navais, em que os normandos se tornaram exímios. Por trás dos corsários, que passaram a explorar o litoral americano, na Era dos Quinhentos, encontrava-se o poderoso Sindicato Angô, nome do rico armador que se colocara à frente do empreendimento, pai. do futuro Visconde de Dieppe, Jehan Angô, que aliás prosseguirá e ampliará a obra paterna. É certo que o Sindicato contou com o apoio real, desde Francisco I. Ao tempo de Henrique II, crescerá, porém, de prestígio e aumentará o raio de ação. A serviço de Angô, esteve Jacques Cartier, descobridor do Canadá, não sendo de se desprezar, para o esclarecimento dessa história, a nota pitoresca de ter sido Catherine de Granges, esposa do famoso navegador, madrinha da bugra[1] que foi a companheira de Caramuru, quando do seu batismo na França.

FRANCESES E TAMOIOS

Rebelde para com o português, o índio receberá o francês com docilidade. Corsários, flibusteiros ou simples comerciantes, explica Capistrano de Abreu que os franceses “souberam portar-se com os naturais de modo a captar-lhes a amizade e a firmar uma aliança que atravessou mais de meio século sem intermitência”. Mair, nome com que passaram a designá-los, significa criador, transformador, pelo espírito de permuta, pelos objetos úteis que traziam, pelos ofícios e artes que difundiam.

Cunhambebe (? – c. 1555)[1] foi um famoso chefe indígena tupinambá brasileiro, tendo sido a autoridade máxima entre todos os líderes tamoios da região compreendida entre o Cabo Frio (Rio de Janeiro) e Bertioga (São Paulo). Foi, também, aliado dos franceses que se estabeleceram na Baía de Guanabara em 1555, no projeto da França Antártica. É citado na obra do religioso francês André Thévet “Les singularitez de la France Antarctique” e na obra do aventureiro alemão Hans Staden “História Verdadeira…”. Noticia-se que o chefe tamoio, em rituais canibais de sua tribo, tenha devorado mais de sessenta portugueses.

Cortando e carregando pau-brasil, os índios brasileiros são representados, em perfeita identificação com os europeus, em baixos relevos da igreja de Saint Jacques, em Dieppe, construída no século XVI, sinal eloquente da importância dessa aliança, mas que não é a única. Em Rouen, perdurariam por mais de três séculos ornatos semelhantes aos da igreja, numa casa de madeira conhecida significativamente por Ile du Brésil. A própria residência de Angô, em Varengeville, fora por igual ornamentada com motivos brasileiros.

Ao contrário dos franceses, os lusos não conseguiam dominar os índios senão pela força. Daí a resistência dos tamoios — “brava e carniceira nação, cujas queixadas estão cheias das carnes dos portugueses”.

Corte de pau-brasil (André Thevet, 1575).

A confraternização franco-tamoia, no Rio de Janeiro, não só inquietava como escandalizava os jesuítas, parecendo obra do demônio. É o que se depreende da leitura de uma das cartas anchietanas de 1560, dando conta do que vinha de há muito acontecendo: “A vida dos Franceses que estão neste Rio é já não somente apartada da Igreja Católica, mas também feita selvagem; vivem conforme os índios, comendo, bebendo, bailando e cantando com eles, pintando-se com suas tintas pretas e vermelhas, adornando-se com as penas dos pássaros, andando nus às vezes, só com uns calções, e finalmente matando contrários, segundo o rito dos mesmos índios, e tomando nomes novos como eles, de maneira que não lhes falta mais que comer carne humana, que no mais sua vida é corruptissima, e com isto e com lhes dar todo gênero de armas, incitando-os sempre que nos façam guerra e ajudando-os nela, e são ainda péssimos”.

A SINAGOGA DOS CALVINOS

Mapa francês da baía de Guanabara, c. 1555. Rico em detalhes, mostra a conformação topográfica original do Pão de Açúcar (aqui denominado Pot de Beurre), afastado da praia. Com os morros da Urca e Cara de Cão, ele formava a “Ilha da Trindade”, que hoje está integrada ao continente em consequência de assoreamento e de um aterro no final do século XVII. Outra curiosidade é a indicação de pontos de interesse, ora em francês, ora em língua tupi.

Forte Coligny chamou-se a fortaleza erigida na Guanabara pelos franceses, onde se instalara a “sinagoga dos contrários Calvinos”, na classificação dos jesuítas. O Almirante Coligny, homem forte de Henrique II, foi quem patrocinou a vinda para o Brasil de Nicolas Durand de Villegagnon, que se propusera a fundar nos trópicos a França Antártica, chegando a reunir para a expedição cerca de seiscentos candidatos, entre aventureiros, degredados e calvinistas, estes perseguidos pela reação católica, dos quais apenas oitenta desembarcaram no Rio de Janeiro ocupando a pequena Ilha de Serigipe (hoje Villegagnon), em fins de 1555. O geógrafo da expedição era um padre católico, André Thevet. Vieram depois frades de São Bernardo, segundo refere Anchieta. E com a expedição de Boisle-Comte (1557), um grupo de calvinistas genebrinos, entre eles Jean de Lery.

Contando embora com a amizade dos tamoios, que o tratavam de Pai Colas, Villcgaignon regressou à França em 1558 para nunca mais voltar ao Brasil, embora durante algum tempo perseverasse a ideia de prosseguir a aventura colonizadora, chegando- mesmo a pensar, então, na colaboração dos jesuítas, que pleiteou sem resultado. Os inacianos (outro termo para os jesuítas) não compactuariam com antigos partidários do calvinismo. Escrevendo ao Provincial de Portugal, em 1561, sentenciou de Roma o Padre Geral da Companhia: “En lo de aquel cavallero de Rodas (Villegagnon), y l a empresa de America no hay más que tratar. Éanenos consolado no poço con lo que scriven dei Brasil acerca de aquella gente que tenía tomada la fortaleza” (No caso daquele cavalheiro de Rodes – Villegagnon – e da companhia da América, não há mais nada a discutir. Consolemos-nos um pouco com o que escrevem do Brasil sobre aquelas pessoas que tomaram a fortaleza).

Esquema do ataque de Mem de Sá aos franceses na baía de Guanabara, em 1560. Autoria desconhecida, 1567.

No Forte Coligny, destruído por Mem de Sá, em 1560, não se achou “cruz alguma”, nem “Imagem de santo”, mas “grande multidão dos livros heréticos”. Desfeita a “sinagoga”, após uma “grande e cruel peleja”, que durou dois dias e duas noites, Nóbrega volta a insistir, em carta ao Cardeal Dom Henrique, na necessidade de “povoar-se o Rio de Janeiro e fazer-se nele outra cidade como a da Bahia”, argumentando que assim se defenderiam melhor São Vicente e o Espírito Santo: “a fortaleza que se desmanchou, como era de pedras e rocha, que cavaram a picão, facilmente se pode tornar a reedificar e fortalecer muito melhor”.

Tinha razão. Os franceses abandonaram a posição na baía, mas se fortaleceram no Continente, nos morros e nas praias, cimentando ainda mais a aliança com os Tamoios, que tanto incomodava os jesuítas. Estes só descansariam quando expulsassem do Rio de Janeiro o último herege, portador da “peçonha luterana”, repetindo palavras de Anchieta, que desejava “lançar daquela terra os Calvinos e abrir alguma porta para a palavra de Deus entrar os Tamoios”.

Escultura no Centro do Rio de Janeiro lembrando o primeiro culto protestante nas Américas, realizado por huguenotes franceses na ilha de Villegagnon.

PREPARATIVOS DA GUERRA

Com Mem de Sá, Nóbrega retorna a São Vicente, “muito magro e doente, com os pés e a cara inchados, as pernas cheias de postemas, e com muitas outras enfermidades”. É quando começa a executar, mesmo doente e indiferente à inércia da metrópole, o plano da grande ofensiva sobre o Rio de Janeiro, pacificando primeiro os Tamoios, que viviam mais próximos de São Vicente, para que estes vivessem isolados de seus parentes da Guanabara (“que tinham o coração danado”), sem entrar em guerra com os portugueses.

Durante dois anos, suas constantes viagens a Iperoig (atual Ubatuba) tem esse objetivo. Conseguida a paz, com o auxílio de Anchieta (1563), é que empenharam a fundo no aliciamento de índios, mamelucos, discípulos do Colégio de Piratininga, “serra abaixo, serra acima”, em São Vicente e São Paulo, convicto que de que mais dia, menos dia, a Coroa portuguesa decidiu afinal promover a expulsão definitiva dos franceses do Rio de Janeiro.

Retrato do Padre José de Anchieta. Obra de Benedito Calixto, 1902. Acervo do Museu Paulista.

Sobre a trégua de Iperoig, escreveu Anchieta: “O fim desta paz foi de fato fim de guerra e princípio de outra.” Em março de 1564, Nóbrega recebeu o chamado de Estácio de Sá, feito Capitão da Armada, que se encontrava nas imediações da Guanabara, com ordens de povoar o Rio de Janeiro.

Para lá seguiu, levando “alguma gente”. Chegou na noite de 31, mas não conseguiu localizar os navios portugueses. Dirigiu-se assim mesmo à Ilha de Villegagnon, então deserta, as casas queimadas e cadáveres insepultos com as cabeças decepadas. Razão do desencontro: cansado de esperar, Estácio resolvera seguir rumo a São Vicente, mas os ventos contrários obrigaram-no a retroceder, voltando à Guanabara, onde se avistou finalmente com Nóbrega.

Mem de Sá em óleo sobre tela do século XX.

Trazia instruções expressas de Mem de Sá para em tudo agir conforme os conselhos do jesuíta. As suas naus estavam avariadas, desmanteladas e além disso era reduzido o número de combatentes. Os reforços da Bahia e do Espírito Santo, incorporados aos dois galeões que trouxeram de Lisboa, não chegaram a oferecer condições mínimas para a operação do desembarque. Os navios tinham que ser consertados e fortalecido o corpo de combatentes. E tudo isso só podia ser feito e providenciado em São Vicente.

A LONGA EXPECTATIVA

Nove meses duraram os reparos da Armada de Estácio de Sá, em São Vicente. Com o jovem capitão, estavam o Ouvidor-Geral Brás Fragoso e o escrivão Pedro da Costa, veterano da tomada do Forte Coligny, ambos embarcados na Bahia, além do Capitão-mor do Espírito Santo, Belchior de Azevedo, e do principal Araribóia, da tribo dos temiminós, inimiga dos tamoios. Nem todos acreditavam na empresa. O próprio Estado vacilava, a acreditar-se no diálogo com Nóbrega, reproduzido por um dos cronistas da Companhia de Jesus, verdade que não contemporâneo, Antônio Franco:

— “Padre Nóbrega! E que conta darei eu a Deus e a El-Rei, se lançar a perder esta Armada?

— Senhor, eu darei conta a Deus de tudo, e se for necessário irei à presença de El-Rel e responderei por vós.”

O desânimo que se apoderou dos soldados portugueses, na longa expectativa em São Vicente, acabou sendo vencido pelo entusiasmo e pertinácia de Nóbrega, até que a expedição se reconstituiu e pôde enfim partir para a luta. Estácio foi à frente, na capitânia. Brás Fragoso seguiria depois, ocupado ainda com o conserto de um galeão e de uma nau francesa, capturada no ano anterior na Guanabara.

O socorro obtido por Nóbrega consistia em cinco barcos (três de remos) e oito canoas. Com os índios do Espírito Santo, os mamelucos de São Vicente e Piratininga perfariam duzentos homens ou pouco mais. Levavam mantimentos para três meses. Em lugar de Nóbrega, o padre Gonçalo de Oliveira e o Irmão José de Anchieta acompanhariam Estácio de Sá e seus comandados na dura e incerta tarefa de povoar o Rio de Janeiro.

AFINAL, O DESEMBARQUE

Corsário francês.

Um mês demorou a viagem de São Vicente ao Rio de Janeiro. Tudo indica que a armada transpôs a barra a 28 de fevereiro e que Estácio de Sá desembarcou a 1 de março, no istmo da península mais tarde denominada de São João, entre o morro Cara de Cão e os penedos do Pão de Açúcar e Urca. E que o capitão-mor dormiu em terra nesse mesmo dia.

Chovia torrencialmente. É Anchieta quem depõe: “no dia que entramos choveu tanto que se encheu, e rebentaram fontes em algumas partes, de que bebeu todo o exército em abundância, e durou até que se achou água boa num poço, que logo se fez”. Sabe-se que esse poço foi aberto por José Adorno e Pedro Martins Namorado, pouco depois juiz ordinário da cidade nascente, por ter já exercido o mesmo cargo em Santos.

Fundação da cidade do Rio de Janeiro por Estácio de Sá.

Anchieta, o grande cronista da fundação, descreve a faina de “roçar e cercar o lugar onde estava assentado que se havia de fundar a povoação”, todos trabalhando sob a chuva. Inclusive Estácio de Sá, “tão amigo de Deus e de seus semelhantes, tão manso e afável, nunca descansando, acudindo a todos e sendo o primeiro no trabalho”.

Trinta dias depois, as roças de legumes e inhames cresciam em derredor da cerca. “Tinham já feito um baluarte mui forte de taipa de pilão com muita artilharia dentro, com quatro ou cinco guaritas de madeira e taipa de mão, todas cobertas de telha que trouxemos de São Vicente, e faziam-se outras e outros baluartes, e os índios e mamelucos faziam já suas casas de madeira e barro, cobertas com umas palmas feitas e cavadas como calhas e telhas, que é grande defensão contra o fogo.” E mais adiante: “Todos viviam com muita paz e concórdia; ficava com eles o Padre Gonçalo d’Oliveira, que lhes dizia cada dia missa, e confessava e comungava a muitos para a glória do Senhor “.

PROSSEGUE A LUTA

Era apenas o começo. A luta prossegue. Mais dois anos de escaramuças dos tamoios, por terra e por mar.

Nem todas as batalhas estão registradas ou podem ser localizadas. Muitas se confundem com a lenda, como por exemplo o combate das canoas, em que aparece a visão de São Sebastião, na onda de fumo levantada pela pólvora queimada, o que pôs em fuga os índios apavorados. O que ninguém pode contestar é que, a 16 de julho de 1565, vencendo todos os obstáculos da guerra, Estácio de Sá constituiu o patrimônio territorial da Cidade, concedendo sesmaria para seu termo, rocio e pastos de gados, “com uma légua e meia de testada, começando pela Casa de Pedra, ao longo da baía, até onde se acabar, e uma légua e meia pelo sertão, saindo pela costa do mar bravo e Gávea”.

Incluía, portanto, toda a Baía da Guanabara e adjacências. A 24 do mesmo mês, os moradores tomaram posse das terras, na presença do capitão-mor. E durante a cerimônia, o meirinho Antônio Martins meteu nas mãos do Procurador do Conselho, João Prosse, “terra, pedra, água, paus e ervas”, e com isso o mesmo João Prosse, continua o auto, “passeará e andará pela dita terra, assim ele, como os moradores e povoadores que presente foram”. A cerimônia, descrita com tantas minúcias, teve lugar fora da Vila Velha, na banda da Carioca, ou seja, mais ou menos na altura da embocadura do Rio Carioca, na Praia do Flamengo, onde estava edificada a Casa de Pedra.

O primeiro alcaide, nomeado por Mem de Sá, empossou-se a 3 de setembro, no mesmo baluarte descrito por Anchieta. É conhecido o termo da investidura: “Apresentando o alcaide-mor o seu provimento ao Capitão-mor Estado de Sá, estando presentes o Juiz Pedro Martins Namorado e o Alcaide-Pequeno Domingos Fernandes, pediu que o empossasse, segundo o que El-Rei mandara em suas ordenações; detendo-se o Governador com as mais pessoas à porta da Cidade e fortaleza, lhe disse: — Que cerrasse as portas — o que fez o alcaide-mor com as suas próprias mãos, bem como os dois postigos sobrepostos nela com suas aldravas de ferro; e ficando Estácio de Sá fora das portas e muros lhe perguntou o alcaide-mor, que estava dentro, se queria entrar e quem era ele. Ao que respondeu que queria entrar e que era o Capitão da Cidade de São Sebastião, em nome d’El-Rei Nosso Senhor, e imediatamente lhe foi aberta a porta, dizendo o alcaide-mor que o reconhecia como seu capitão em nome de Sua Alteza.”

“Fundação do Rio de Janeiro”, Mem de Sá entrega as chaves da cidade ao alcaide. Obra de Antônio Firmino Monteiro. Palácio Pedro Ernesto.

ADVERTÊNCIA DE ANCHIETA

Mas a luta não havia terminado. Com todas as provisões que baixou e atos que praticou, mostrando que efetivamente exercia em plenitude o governo do primitivo arraial, feitoria ou povoado, que se chamou Vila Velha ou Cidade Velha, a posição de Estácio de Sá era insegura e perigosa.

Indo à Bahia, para receber as ordens sacras, Anchieta dá uma notícia precisa sobre o Rio de Janeiro, ao mesmo tempo que clama por novos reforços. E adverte: “Se agora não se leva a cabo esta obra, e se abre mão dela, tarde ou nunca se tornará a cometer.” O que disse aos seus superiores naturalmente que repetiu a Mem de Sá, mas o Governa dor -Geral somente em novembro de 1566 (mais de um ano depois) consegue aprontar a nova Armada que se dirige ao Rio de Janeiro para consolidar a obra iniciada por Estácio de Sá e seus companheiros.

Partida de Estácio de Sá, quadro de Benedito Calixto (1853-1927) mostrando o padre Manuel da Nóbrega benzendo a esquadra que vai combater os franceses.

Essa Armada – armada de socorro, como ficou sendo conhecida — entrou na Guanabara a 18 de janeiro de 1567. Compunha-se de três galeões, dois navios de guerra e seis caravelas. Mem de Sá não dispensou o concurso de Anchieta. Além de Anchieta, o Governador-Geral trouxe quase todo o clero da Bahia, a começar pelo Bispo Dora Pedro Leitão, o padre visitador Inácio de Azevedo, que lá se encontrava, o provincial Luís da Grã e outros jesuítas, um deles, o padre Antônio Rodrigues, como alferes da Bandeira do Cristo. A Armada do socorro fundeou no porto improvisado junto ao Pão de Açúcar. E os soldados de Mem de Sá ali se juntaram ao contingente pioneiro das forças de Estácio.

Dois dias depois, travou-se a batalha de Uruçumirim (localizada no outeiro da Glória), principal reduto franco-tamoio, que assinalou, na fase final da luta, a primeira grande vitória das armas portuguesas.

Estácio de Sá saiu ferido com uma flechada que lhe atingiu o rosto. Morreu o Capitão de Mar e Guerra de Porto Seguro, Gaspar Barbosa. A 23, Mem de Sá ataca a Ilha Paranapuã (atual Ilha do Governador), desbaratando o inimigo. Um terceiro reduto franco-tamoio rendeu-se, após duro combate.

FUNDAÇÃO DO RIO DE JANEIRO – A LUTA PELA POSSE DA TERRA
Túmulo do Estácio de Sá, fundador da cidade do Rio de Janeiro que se encontra na igreja São Sebastião dos Capuchinhos, zona norte da cidade (Tânia Rêgo/Agência Brasil).

Quatro mil homens, de ambos os lados, tomaram parte na refrega, segundo os cálculos de Gilberto Ferrez[2].

CIDADE DEFENDIDA

Estácio de Sá morreu um mês depois, a 1º de fevereiro. Morreu na Vila Vella e ali mesmo foi sepultado na ermida da Confraria de São Sebastião, com as honras militares a que tinha direito, como fundador da cidade e herói de uma guerra, no dizer dos jesuítas, “cheia de prodígios e favores do céu”.

Mem de Sá, na sua qualidade de Governador-geral, ratificou todos os atos praticados pelo capitão mor, na sua bem sucedida missão de “correr esta costa do Brasil e povoar este Rio de Janeiro”. Ratificou as nomeações e doações. Confirmou e ampliou a área patrimonial da Cidade de São Sebastião. Os portugueses puderam então se instalar em lugar mais seguro, dentro da sesmaria delimitada por Estácio. Escolheram para tanto o morro do Castelo, que se afigurava ao Padre Simão de Vasconcelos “um sitio formidaloso a todos os inimigos marítimos”. Para lá transferiram a cidade, dispostos a impedir qualquer nova tentativa de ocupação por parte dos franceses ou revidar os ataques dos tamoios insubmissos, mesmo porque terão que enfrentar, muitas vozes ainda, luteranos e bárbaros.

O perigo francês continuava a existir. A esse respeito, não é nada tranquilo o primeiro período de governo de Salvador Correia de Sá (o Velho), a quem Mem de Sá passa o comando do Rio de Janeiro, quando do seu regresso à Bahia. O mesmo se dá no governo seguinte, do Cristóvão Barros, matador de índios, que participou da armada de socorro de 1567. Somente em 1575. Antônio Salema liquidará os remanescentes franceses, alojados em Cabo Frio.

Marco de fundação da cidade na igreja do padroeiro do Rio de Janeiro (Foto Oscar Valporto).

Em 1582, no segundo período de Governo de Salvador Correia de Sá (o Velho), apareceram três naus francesas na Guanabara. Na ausência do Governador, que, com os homens válidos, se encontrava pelo sertão, guerreando os índios, é a sua esposa. Dona Inês de Sousa, quem, convocando as mulheres, organiza a resistência aos Invasores. As mulheres marcham para a praia, com chapéus de soldados e armas na mão. À noite acendem fogos, para simular que a cidade reagirá.

Graças a esse estratagema, renovado durante dez ou doze dias, os franceses acabam desistindo de desembarcar e as três naus põem-se ao largo. Mas esse episódio, verdadeiro ou não, vai por conta de frei Vicente do Salvador, que o relata, com graça de estilo, na sua História do Brasil. 

NOTAS


[1] Bugra (feminino), ou bugre (masculino), eram denominações dada a indígenas por serem considerados não cristãos pelos europeus. A origem da palavra, no português brasileiro, vem do francês bougre que, de acordo com o Dicionário Houaiss, possui o primeiro registro no ano de 1172, significando “herético”.

[2] Gilberto Ferrez (1908-2000) foi um historiador brasileiro. Neto do fotógrafo Marc Ferrez, a sua obra concentra-se na história da iconografia brasileira, mas ele também desempenhou papel fundamental no tombamento e na restauração de bens culturais brasileiros, na qualidade de conselheiro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

QUANDO UM GAROTO DE CEARÁ-MIRIM CRIOU UMA ARMA IGUAL AO FAMOSO RIFLE WINCHESTER

O Rio Grande do Norte tem na sua história alguns exemplos de pessoas geniais, que desenvolveram coisas super interessantes, como foi o caso do Professor Nicanor, conhecido como o homem que criou um carro movido a água. Antes dele um jovem de 16 anos de Ceará-Mirim criou uma arma de fogo que chamou muita atenção em Natal.

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

No Rio Grande do Norte, e eu sei porque nasci e vivo aqui, é muito raro, mas muito raro mesmo se valorizar alguém pela criatividade, pela capacidade de desenvolver algo inovador, algo novo e diferenciado. Aqui a valorização das pessoas passa intensamente por duas situações: ser rico, ou político (Melhor ainda se for as duas coisas).

Mas como rico de verdade por aqui é algo bem raro, sobra então toda uma classe de políticos da qualidade mais baixa, ridícula, onde sobra esperteza, quase nenhum respeito pela função pública e seus eleitores, além de possuírem um extremo e elevado nível de vaidade. ATENÇÃO – Vale ressaltar que é você que está lendo esse texto o grande culpado por isso acontecer, ao votar em gente que não presta. Mas isso é outra História! 

Aqui em terras potiguares quando eu era garoto eu ouvi muito falar do Professor Nicanor, o homem que criou um carro movido a água. Com o tempo descobri que ele era um engenheiro formado aqui mesmo no Rio Grande do Norte, na antiga Escola de Engenharia, cujo nome era Nicanor de Azevedo Maia e se tornou professor do curso de Mecânica Aplicada do Centro de Tecnologia da UFRN.

Não é que o carro fosse movido exclusivamente a água, mas dela o Professor Nicanor buscava extrair o hidrogênio para com isso gerar o combustível para fazer um carro rodar. Ele até comprou um veículo para os testes, rodou aqui pela região, esteve em São Paulo mostrando essa tecnologia e foi até notícia em revista de alcance nacional.

Mas aí, por razões que desconheço, o projeto parou. O que não parou foi a boataria amalucada sobre a razão para o fim dessa ideia…

Quando garoto escutei pessoas que iam até a loja do meu pai no bairro da Ribeira dizer que “mandaram Nicanor se calar”, que “ele parasse aquele serviço, pois senão poderia ser morto”. Tudo isso porque seu trabalho “não era bem visto pelos militares que estavam no poder”, que o “Professor Nicanor estava atrapalhando a Petrobrás”. Inventaram até a história de um certo “galegão”, um tal de um “polonês”, que estava por aqui pela terrinha para acompanha o fim do projeto, ou “as consequências poderiam ser trágicas”.  

Sei apenas que o Professor Nicanor continuou no seu trabalho na UFRN, não voltou aos holofotes e, segundo informa o site curiozzzo.com (https://curiozzzo.com/o-professor-que-inventou-um-carro-a-agua-em-natal/), faleceu aos 77 anos, em 27 de dezembro de 2001.

Mas pessoas com a capacidade inventiva como a do Professor Nicanor sempre existiram aqui no Rio Grande do Norte e um deles chamou a atenção da nossa imprensa décadas antes do “homem que criou um carro movido à água”.

Em novembro de 1912 um jovem de 16 anos chamado José Moreira veio da bela cidade de Ceará-Mirim até Natal. Trazia consigo uma arma de fogo de cano longo e seguiu até a redação do tradicional jornal A República, o mais importante do Rio Grande do Norte na época e que funcionava na Rua Dr. Barata, na Ribeira. Provavelmente ele deve ter sido recebido pelo então gerente José Pinto.

O jornal não indica se o jovem se envolveu em alguma confusão com a polícia por trazer essa arma para Natal, até porque esse era um tempo onde ainda existiam bandos de cangaceiros e onças pelo interior do Nordeste e se comprava armas de fogo até em lojas de secos e molhados sem maiores problemas.

Para o pessoal da redação a arma imitava um modelo Winchester, da renomada fábrica de armas de repetição acionada a alavanca, manufaturada nos Estados Unidos e conhecida como a “Arma que conquistou o western”. A mesma que nos acostumamos a ver em milhares de filmes de cowboys.

Para os jornalistas de Natal a Winchester do jovem José Moreira de Ceará-Mirim foi “confeccionada em todas as suas peças na mais acurada perfeição”. Não foi informado o calibre da arma.

Mas onde o jovem José poderia fabricar uma arma como essa em Ceará-Mirim? Acredito que isso não foi problema, pois na mesma época se desenvolvia uma mecanização mais intensa dos tradicionais e importantes engenhos de cana-de-açúcar na região. Além disso a Estrada de Ferro Central estava em franco desenvolvimento desde 1904 e o que não faltavam por ali eram forjas, ferreiros, bigornas e outros equipamentos para se criar esse tipo de armamento. Além disso, sabemos que trabalhando nessas atividades estavam pelo nosso estado vários artífices estrangeiros especializados, oriundos principalmente da Espanha e da Itália, com muitos dos seus descendentes vivendo por aqui até hoje.

Antiga casa de engenho em Ceará-Mirim – Foto – Ricardo Morais.

Temos a notícia que dias depois da apresentação na sede de A República, o artefato de José Moreira foi testado pelo tenente Luiz Júlio, da Força Pública do Estado. O militar fez vários disparos em um local não especificado e considerou a arma “muito boa”, de “ótima qualidade”, além de “certeira”. Naquele mesmo ano Luiz Júlio ganhou muita fama no estado por comandar volantes contra o bando do cangaceiro Antônio Silvino.

Então nada mais aconteceu!

Não encontrei mais uma única vírgula sobre o jovem ceará-mirinense de 16 anos e sua inusitada arma de fogo, ou algum registro fotográfico.

Pelo menos o Professor Nicanor, mesmo que isso não fosse o desejo dele, ainda teve alguns “minutos de fama” a nível nacional. Já o jovem José Moreira nem a isso teve “direito”. Imagino que o rapaz deve ter recebido vários elogios, tapinhas nas costas, enaltecimentos sobre a sua inteligência e depois foi mandado de volta para Ceará-Mirim para tocar sua vida simples de jovem trabalhador. Quanto à sua capacidade inventiva, essa era dispensável e, sabe Deus, o rumo que a sua vida tomou.

Aliás, esse tipo de situação por aqui é algo bem comum até hoje!

O MARCO TOPOGRÁFICO DE RIACHUELO – UMA RELÍQUIA DA SEGUNDA GUERRA NO AGRESTE POTIGUAR

Próximo à Cidade de Riachuelo, no Alto da Serra Azul, Existe um Antigo Marco Topográfico, Aparentemente o Último do Seu Tipo Ainda Existente no seu Ponto Original, Que Foi Colocado Pelo Exército Brasileiro Durante a Segunda Guerra Mundial e Foi Utilizado Como Instrumento Para a Defesa do Nosso Litoral.

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Nos últimos meses de 2018, através das indicações existentes em um livro sobre a vida e a obra do escritor e pesquisador potiguar Oswaldo Lamartine, junto com os dados encontrados em um documento originalmente produzido em 1944 pela US Navy (Marinha dos Estados Unidos), me desloquei ao município de Riachuelo, no Agreste Potiguar, para pesquisar sobre um acidente com uma aeronave de combate.

Rostand Medeiros, José Lourenço e Aírton Freitas, Secretário de Administração de Riachuelo e grande batalhador pela história de sua comunidade. Foto realizada em 2018 quando realizamos a pesquisa do desastre do Catalina em 1944 – Foto: José Correia Torres Neto.

Nesta cidade, distante 80 quilômetros de Natal, encontrei uma interessante história sobre a queda de um hidroavião bimotor Consolidated PBY-5A Catalina no dia 10 de maio de 1944. Encontrei também testemunhas extremamente interessadas em ajudar, tendo conseguido acumular muitas informações e elementos ligados a esse episódio.

Livro Sobrevoo: Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte.

Os resultados da nossa pesquisa foram extremamente promissores, gerando inclusive um dos capítulos do meu livro Sobrevoo: Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte (2019), além de um interessante contato com a Embaixada dos Estados Unidos, conforme os leitores podem saber mais acessando os links abaixo… 

https://br.usembassy.gov/pt/relembrando-riachuelo/

Durante esses trabalhos conheci o professor Airton Freitas de Macedo, que na época era Secretário de Administração da Prefeitura Municipal de Riachuelo e muito ajudou em nossas pesquisas e nos desdobramentos que ocorreram junto ao pessoal da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil e do consulado desse país sediado em Recife.

Registro quando ocorreu a visita dos membros do Consulado dos Estados Unidos de Recife a cidade de Riachuelo em maio de 2019. Da esquerda para a direita vemos os Srs. Stuart Alan Beechler e Daniel A. Stewart , do Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife, seguido de Rostand Medeiros , escrito e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e o Capitão de Mar e Guerra Fuzileiro Naval (R.R.) Edison Nonato de Faria. Foto: Charles Franklin de Freitas Gois. 

Em nossas visitas e entrevistas, Ailton me falou sobre a existência de uma espécie de “marco” que havia sido colocado próximo a Riachuelo, no alto de uma elevação chamada Serra Azul, às margens da BR-304, a mesma estrada que liga Natal a Mossoró. Ailton me informou que a colocação desse marco ocorreu na época da Segunda Guerra e foram militares do Exército Brasileiro os responsáveis pela colocação. Apesar de ter sido convidado por Airton para visitar esse marco, essa visita não pôde ser concretizada naquela época. 

Na hora que eu soube dessa informação, acreditei que essa verdadeira relíquia tinha ligação com um marco topográfico colocado pelo Exército no alto do Morro do Navio, ou Morro Vermelho, perto da localidade de Pium, município de Nísia Floresta, próximo ao litoral potiguar e a cerca de 25 quilômetros de distância do centro de Natal.

O autor desse texto e o falecido jornalista Luiz Gonzaga Cortez, realizando medições no marco do Morro do Navio em 2013.

Eu estive neste local em 2013 e vi esse marco de concreto junto com o falecido jornalista Luiz Gonzaga Cortez. Na sequência escrevi em nosso blog TOK DE HISTÓRIA um texto sobre essa visita e sobre o vandalismo que esse objeto sofria na época [1].

Esse marco no Morro do Navio possuía um orifício na ponta, tinha em torno de 1,50 m, sendo 40 centímetros só na base. Em uma de suas laterais encontramos as inscrições “1942”, “S.G.H.E.” e “45”. Na época eu acreditei que esse marco estava relacionado a alguma missão militar realizada na década de 1940, provavelmente destinado a utilização na área de levantamento cartográfico do Serviço Geográfico do Exército (SGEx).

O marco do Morro do Navio totalmente desenterrado.

Em 2013 eu busquei ajuda com um amigo historiador sobre a possível origem desse marco do Morro do Navio e, segundo ele, a hipótese mais correta era que este material estava ligado a missão de um grupo de cartógrafos/topógrafos militares, que realizaram o levantamento do litoral nordestino, mediante a necessidade de operações de guerra que iriam se desenvolver em nossa região. Para cumprir tal missão foi organizado o Destacamento Especial do Nordeste (DEN), chefiado pelo então Tenente-coronel Djalma Poly Coelho, contando com um número superior a trinta oficiais engenheiros e sargentos topógrafos.

Apesar do desejo em ajudar, essas eram as informações básicas que esse amigo historiador me passou sobre esse marco. 

PARA DETALHES SOBRE A HISTÓRIA DO MARCO DO MORRO DO NAVIO, EM PIUM, MUNICÍPIO DE NÍSIA FLORESTA, CLIQUE NO LINK ABAIXO. 

Surpresa 

Em setembro de 2022 eu recebi um e-mail do Capitão Othon Amorim Barbosa, então Chefe da Seção de Comunicação Social do 3º Centro de Geoinformação (3º CGEO), também conhecido como “Centro de Geoinformação General Poly Coelho”, sediado em Olinda, Pernambuco.   

Serra Azul, no município de Riachuelo.

Logo mantivemos um proveitoso contato telefônico, onde o Capitão Othon me relatou ter encontrado na internet o nosso texto sobre o marco do Morro do Navio. Ele então me transmitiu alguns detalhes interessantes sobre a história do 3° CGEO e do trabalho do Tenente-coronel Djalma Poly Coelho no início da década de 1940 no Nordeste brasileiro. Em meio ao nosso interessante diálogo, lhe relatei sobre a existência de um marco no município de Riachuelo, que poderia ter relação com a história do trabalho do Serviço Geográfico do Exército em nossa região.

Detalhe da Serra Azul.

A nossa conversa então tomou outro rumo, onde o Capitão Othon se mostrou interessado em enviar um militar do 3° CGEO até a região para visitar a Serra Azul e fotografar o marco ali existente.

Logo entrei em contato com o amigo Ailton Freitas em Riachuelo, que se colocou à inteira disposição para a realização dessa visita e prometeu ajudar no que fosse possível.

Passando na sede da propriedade a caminho do alto da serra.

Em um sábado, 8 de outubro de 2022, eu segui para Riachuelo com o Subtenente Severino Alves Neto, um profissional de alto gabarito, pessoa de primeiríssima qualidade, que me transmitiu muitas e interessantes informações sobre o trabalho da atual Diretoria de Serviço Geográfico do Exército (DSG), sucessora do Serviço Geográfico do Exército. De forma muito tranquila o Subtenente Alves Neto delineou a atuação das unidades militares vinculadas a essa diretoria e a atuação desse ramo do Exército Brasileiro em todo território nacional.

Trilha para o alto da serra no meio da mata.

Confesso que nada sabia da atuação da DSG, da importância prática do seu atual trabalho para os diversos níveis da máquina estatal, do nível de desenvolvimento das atividades cartográficas do Exército Brasileiro e outros temas. A troca de informações proporcionada pelo Subtenente Alves Neto foi tão interessante, que o tempo para percorrer os 80 quilômetros de trajeto entre Natal e Riachuelo me pareceu ter passado muito rápido.

O Professor Airton fotografando um abrigo soba rocha existente na Serra Azul.

Nessa cidade que sempre me traz boas energias, estivemos na casa do amigo Ailton, que nos apresentou os irmãos Ariel e Urias Teixeira da Silva, que nos ajudaram na empreitada e nos conduziram através das trilhas da Serra Azul. Após um cafezinho, seguimos todos para esse local, distante cerca de dois quilômetros de Riachuelo. 

Trecho após o abrigo natural.

Uma Relíquia da Segunda Guerra no Agreste Potiguar 

O acesso a Serra Azul é feito por uma propriedade às margens da BR-304, onde fomos muito bem recebidos pelas pessoas que moram por lá. Depois iniciamos a trilha, que logo chegou ao setor mais próximo da elevação propriamente dita. Então iniciamos o caminho por uma área com boa preservação natural e a trilha seguia para o alto, onde teríamos que chegar ao topo desta serra com cerca de 300 metros de altitude.

Da esquerda para direita Urias, Rostand, Ariel e Alves Neto.

Apesar de em alguns trechos a mata ser relativamente densa, ela pode ser realizada de maneira tranquila, sem maiores percalços. No caminho os guias Ariel e Urias não deixavam escapar nenhum detalhe sobre a trilha e a natureza ao redor. Realmente eles são dois guias natos, muito bem preparados e extremamente dispostos a ajudar.

No meio do caminho tivemos de contornar um grande bloco esférico de granito, que de tão grande forma na sua base um interessante abrigo natural, que percebemos serem utilizados por pequenos animais.

Visual na subida da serra.
Belezas da Serra Azul.

Em alguns momentos a trilha é feita basicamente sobre o granito, onde a vegetação é naturalmente ausente, mas o visual da região se torna então muito interessante. Na verdade, essa trilha bem poderia ser utilizada como um atrativo turístico da cidade de Riachuelo e da Região do Agreste Potiguar.

No final da trilha chegamos ao alto da serra e encontramos o marco.

Grupo reunido junto ao marco topográfico.

Ele se encontra rachado e, segundo fomos informados, por pessoas que acreditavam que no seu interior haveria algum tipo de “tesouro”, o que nunca existiu.

Nesse marco encontramos uma marca triangular, que apontava em direção leste, a mesma de Natal e do litoral do Rio Grande do Norte. Essa marca é um ponto trigonométrico.

Marca triangular onde provavelmente havia uma placa de bronze com marcações topográficas.

Segundo o Subtenente Alves Neto esse triângulo no marco da Serra Azul poderia conter uma placa de bronze, com várias marcações para serem utilizadas naquela época pelos topógrafos do Serviço Geográfico do Exército.

O interessante, conforme é possível ver na imagem abaixo, esse triângulo é reproduzido dentro de uma marcação semicircular que significa uma elevação, com o número “254” ao lado, indicativo de sua referência de nível. Esse sinal é reproduzido no mapa em escala de 1:100.000, Folha SB25–V–C–IVMI–977, confeccionado pela DSG em 1983. Infelizmente essa possível placa de bronze foi perdida.

No detalhe a localização da Serra Azul no mapa em escala de 1:100.000 que mostra uma parte do município de Riachuelo.

Na lateral, tal como no marco do Morro do Navio de Pium, encontramos a sigla “S.G.H.E.” e o número “40.

Segundo o amigo Ariel Teixeira da Silva, na época da colocação desse objeto no alto da Serra Azul, ficou na memória dos moradores da pequena Riachuelo, então um arruado com poucas casas, que os homens que implantaram esse marco seriam “alemães”, por muitos deles serem brancos, altos e loiros. Mas a maioria dos membros do Exército que realizaram essa atividade no Nordeste eram oriundos do Rio Grande do Sul e muitos eram descendentes de italianos e alemães.

As letras “S.G.H.E.” e o número “40”.

Concluímos então a visita realizando inúmeras fotos desse marco histórico. 

ATENÇÃO – Para quem desejar percorrer a trilha que leva ao marco histórico do Exército Brasileiro no alto da Serra Azul, em Riachuelo, liguem para o amigo Urias Teixeira da Silva, no telefone celular e WhatsApp número – 84 99612 3048. 

Reconhecimento 

Nos dias posteriores a nossa visita, fiquei sabendo que os resultados obtidos em campo foram positivamente apreciados pelo Tenente-coronel Rodrigo Wanderley de Cerqueira, comandante do 3° CGEO, bem como pelo General de Brigada Marcis Gualberto Mendonça Junior, Diretor do Serviço Geográfico do Exército (DSG), cuja sede fica em Brasília.

Entrada do 3° CGHEO, em Olinda, Pernambuco.

Então todos os civis que participaram dessa atividade na zona rural de Riachuelo foram convidados para se fazerem presentes na sede do 3° CGEO em Olinda, no dia 17 de outubro de 2022, para comemorar o Dia do Topógrafo e recebemos diplomas e uma lembrança dessa atividade junto a essa unidade militar.

Nesse dia, uma segunda-feira, me fiz presente e representei meus amigos de Riachuelo. Na ocasião visitei o Centro de Memória do 3° CGEO e participei da cerimônia militar alusiva ao Dia do Topógrafo.

O autor deste texto ao lado do Tenente-coronel Rodrigo Cerqueira, comandante do 3° CGEO.

O Tenente-coronel Rodrigo Cerqueira, o Major Daniel da Costa e Silva, subcomandante da unidade, além dos oficiais e subalternos foram extremamente atenciosos e me receberam de maneira muito digna nessa unidade militar.

Formatura pela cerimônia do Dia do Topógrafo.

Durante a cerimônia recebi das mãos do comandante do 3° CGEO meu diploma e uma lembrança contendo o brasão da unidade e a esfinge do General de Brigada Djalma Poly Coelho. Na ocasião me foram entregues os diplomas dos amigos Airton Freitas de Macedo, Ariel e Urias Teixeira da Silva.

Materiais que foram entregues pelos militares do 3° CGEO aos civis que participaram da visita ao marco topográfico da Serra Azul.

Foi um momento muito positivo, onde conheci muitos topógrafos dessa unidade que atualmente se encontram na reserva e com eles soube das difíceis missões topográficas realizadas em tempos passados pelo interior do Nordeste.

Me vi entre militares que têm uma formação técnica extremamente apurada, um senso de satisfação na realização de suas missões que muito me impressionou, um enorme respeito pelos membros veteranos da unidade e acima de tudo percebi que esses homens e mulheres do 3° CGEO possuem a certeza que todo o trabalho que realizam tem uma enorme utilidade para a sociedade brasileira. Embora essa mesma sociedade desconheça os resultados dos seus relevantes trabalhos.

Entrega dos diplomas.

Essas pessoas trazem no desenvolvimento de suas atividades uma tradição que começou no final do século XIX, onde a missão principal dos militares que iniciaram os trabalhos cartográficos no Exército Brasileiro era criar mapas para uma imensa nação que quase não tinha mapas.

O Exército e a Cartografia

Em 2 de junho de 1890 saiu na primeira página do Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, a notícia que três dias antes havia sido criado pelo Exército Brasileiro um “serviço geographico”. Essa atividade seria exercida por militares com especialização em engenharia, oriundos da tradicional Escola Polythecnica do Rio [2]. Já os membros que fariam parte desse serviço e não tinham essa formação, realizaram cursos junto aos cientistas do Observatório Nacional, também no Rio, com foco em atividades de levantamento geográfico [3].

Texto de criação do “serviço geographico” no Exército em 1890.

As razões para a criação desse tipo de atividade no Exército Brasileiro, seis meses após a Proclamação da República, passava por uma ideia de modernização da força terrestre brasileira e encerrar uma situação onde o conhecimento geográfico do território nacional era muito limitado. Havia muitos erros nos mapas disponíveis, que geravam incertezas sobre as localizações de limites de fronteiras com outros países e nos próprios estados brasileiros, além do traçado dos rios e até a localização de capitais e cidades [4]. 

Naquele período entre a década de 1890 e a virada do novo século, ocorreram no Brasil várias crises internas, onde algumas delas se tornaram lutas sangrentas, que atrasaram o desenvolvimento do país. Na arma terrestre não foi diferente, tendo o seu “serviço geographico” só começado a desenvolver projetos de maior vulto nos primeiros anos do século XX [5].

Mapa da Baía da Guanabara, Rio de Janeiro.

Em 1903 foi elaborado pelo Estado-Maior do Exército o “Projeto Carta Geral do Brasil”, através de uma comissão específica, que tinha então o objetivo de elaborar o maior mapeamento possível do país. Contudo, lendo um amplo texto existente em um relatório com as atividades do Ministério da Guerra de 1908, esse trabalho basicamente se concentrou na implantação da rede geodésica e no mapeamento do estado do Rio Grande do Sul, principalmente a região de fronteira com o Uruguai e a Argentina [6].

As razões para esse incremento na elaboração de mapas nesse setor do país, era tanto a demarcação definitiva da fronteira com essas duas nações, como elaborar estratégias militares visando a nossa defesa para o caso de algum ataque vindo principalmente da Argentina, que dentro dos processos estratégicos brasileiros da época era considerado o nosso potencial e principal inimigo.

Autoridades civis e militares na Fortaleza do Morro da Conceição.

A partir da metade do ano de 1917 essa área especializada do Exército Brasileiro passou a ser denominado Serviço Geográfico Militar, tendo sua sede na antiga fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, um bastião defensivo construído pelos portugueses em 1718 no Morro da Conceição, Rio de Janeiro [7]. Segundo notícia de um periódico carioca, em 3 de agosto de 1917 o General Bento Manuel Ribeiro Carneiro Monteiro, então Chefe do Estado Maior do Exército, reuniu um grupo de deputados e jornalistas para visitar as dependências daquela instituição na fortaleza [8].

General Bento Ribeiro apresenta o serviço Geográfico a políticos e a imprensa carioca.

Em 14 de outubro de 1920 desembarcou no Rio de Janeiro a hoje quase desconhecida Missão Cartográfica Imperial Militar Austríaca, tendo à frente o General e Barão Arthur Herr Von Hübl, do Imperial Instituto Geográfico Militar de Viena. Os austríacos introduziram no país o levantamento topográfico à prancheta, os métodos estereofotogramétricos de emprego de fotografias terrestres e aéreas e a impressão offset, além de ajudarem na criação da Escola de Engenheiros Geográficos Militares [9].

Em 1923, percebendo que as dependências da Fortaleza do Morro da Conceição não comportavam a apliação do Serviço Geográfico Militar, o Exército adquiriu o Palácio da Conceição (foto abaixo), que fica nos fundos da antiga fortaleza. Esse local serviu de sede do bispado até 1915, quando este foi transferido para o Palácio Arquiepiscopal São Joaquim, no bairro da Glória [10].

Antigo Palácio da Conceição.

O Serviço Geográfico Militar e a Comissão da Carta Geral continuaram ao longo dos anos atuando de forma independente, com o primeiro executando mapeamentos em áreas no Rio de Janeiro e o segundo continuando a realização de levantamentos no Rio Grande do Sul. A partir de 1932 o Serviço passa a denominar-se Serviço Geográfico do Exército (SGE), e a então Comissão da Carta Geral dá origem à Primeira Divisão de Levantamento, tendo sua sede em Porto Alegre e sua criação se deu através do decreto nº 21.883, de 29 de setembro de 1932 [11].

Símbolo do serviço Geográfico.

O Serviço Evolui

No ano seguinte foram designados para a Divisão de Levantamento dois aviões Bellanca CH-300 Special Pacemaker (Foto abaixo).

A antiga Aviação Militar do Exército Brasileiro havia adquirido treze exemplares dessa aeronave, que eram construídos nos Estados Unidos, sendo monoplanos utilitários típicos da década de 1930. Possuíam asa alta, trem de pouso fixo, capacidade para seis pessoas, sendo movidos por um motor Wright J-6s de 300 H.P. e foi uma aeronave que se tornou conhecida por sua resistência e grande autonomia de voo, que superava as cinco horas [12].

Avião utilizado pelo Serviço Geográfico.

Em 27 de setembro de 1933 os Bellanca decolaram do Rio para Porto Alegre pilotados pelo Capitão Clóvis Travassos e o Tenente Burgmann [13]. Com a ideia de apoiar as atividades dessas aeronaves em terras gaúchas, o então governador Flores da Cunha mandou construir um hangar na cidade de Cruz Alta, liberando para os militares 400 caixas de gasolina, 48 de óleo e até dinheiro para diárias de manutenção das equipes, sendo o fato noticiado em todo país [14].

Devido a importância e especialidade de suas missões, o Serviço Geográfico do Exército conseguia até mesmo superar certas diferenças internas no Exército, criadas em decorrência das lutas políticas ocorridas no Brasil na década de 1930. Um exemplo disso ocorreu com o Tenente-coronel Jaguaribe Gomes de Mattos, que se encontrava exilado na Europa por ter participado da Revolução Constitucionalista de 1932 ao lado dos paulistas. Mesmo assim esse oficial recebeu permissão do Ministério da Guerra para a atuar pelo Exército, com os seus devidos vencimentos, acompanhando a impressão dos mapas da região do Mato Grosso junto ao Exército Francês a [15].

Informativo sobre o serviço Geográfico.

Em 1937 o Serviço Geográfico do Exército se viu diante da missão de encerrar as várias pendências em relação à demarcação das fronteiras estaduais. A situação chegou a tal ponto que a Constituição Brasileira outorgada pelo presidente Getúlio Vargas em 10 de novembro daquele ano tinha um artigo específico para tratar do assunto, com a designação do Serviço Geográfico do Exército nessa função, conforme podemos ler abaixo [16]. 

Art. 184 – Os Estados continuarão na posse dos territórios em que atualmente exercem a sua jurisdição, vedadas entre eles quaisquer reivindicações territoriais.

§ 1º – Ficam extintas, ainda que em andamento ou pendentes de sentença no Supremo Tribunal Federal ou em Juízo Arbitral, as questões de limites entre Estados.

§ 2º – O Serviço Geográfico do Exército procederá às diligências de reconhecimento e descrição dos limites até aqui sujeitos a dúvida ou litígios, e fará as necessárias demarcações [17]

Para se ter uma ideia da quantidade de pendências dos limites estaduais no Brasil até o final da década de 1930, veja abaixo esse resumo publicado na Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (páginas 33 e 34, edição de 1937).

Pela relação é possível compreender como a questão dos limites estaduais no Brasil foi complicada no passado.

Pelo final da década de 1930, ou início da de 1940, o Exército mudou a denominação do Serviço Geográfico do Exército, pra “Serviço Geográfico e Histórico do Exército”, daí surge a sigla “S.G.H.E.” que vi nos marcos do Morro do Navio e da Serra Azul. Agora a razão dessa alteração, a portaria informando a mudança e quando deixou de existir eu realmente não descobri.

Logo surgiram no horizonte nuvens negras vindas da Europa, onde começaram a se acumular notícias que mostravam que uma nova conflagração mundial era somente uma questão de tempo.

Topografando no Nordeste

Cerimônia na sede do Serviço Geográfico do Exército.

O Exército Brasileiro então começou a se preocupar com a defesa do chamado “Saliente Nordestino”, a parte da América do Sul mais próxima da África, com uma distância de 2.900 quilômetros entre os dois continentes, cujos pontos estratégicos em cada lado eram Natal, no Rio Grande do Norte, e Dakar, na antiga África Ocidental Francesa e atualmente capital do Senegal [18].

Um problema para a defesa do litoral dessa região era a quase total inexistência de mapas que ajudassem os comandantes a realizar suas ações militares no caso de uma invasão estrangeira. Foi então criado o Destacamento Especial do Nordeste do Serviço Geográfico do Exército e a chefia ficou a cargo do então Tenente-coronel Djalma Poly Coelho, que assumiu o posto em maio de 1941 [19].

Poly Coelho assumindo o comando do destacamento Especial do Nordeste.

Nascido em Curitiba, Paraná, em 17 de outubro de 1892, era filho do primeiro sargento José Manuel da Silva Coelho, lotado no 17º Batalhão de Infantaria, e da dona de casa Amália Poly Coelho. O jovem estudou no Colégio Militar do Rio de Janeiro na primeira década do século XX, ingressando depois na antiga Escola de Guerra do Realengo [20]. Em 1914 alcançou a patente de Aspirante, formou-se engenheiro geógrafo militar e encerrou sua carreira em 1952, no posto de General de Divisão [21].

Pelos jornais antigos existentes na Hemeroteca da Biblioteca Nacional, descobri que em agosto de 1941 houve uma grande quantidade de publicações relativas a transferências de militares para Recife. Eram homens de diversas patentes, de várias partes do Brasil, alguns deles com ordens para servir no Destacamento Especial do Nordeste.

Pessoal do Destacamento Especial do Nordeste, tendo à esquerda o Tenente-coronel Poly Coelho – Fonte – 3° CGEO.

A missão era o levantamento aerofotogramétrico das regiões próximas à costa dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco e ao longo de três anos e meio esse Destacamento Especial trabalhou bastante.

Sabemos também que foram realizados levantamentos topográficos no Arquipélago de Fernando de Noronha e nas regiões salineiras do Rio Grande do Norte e do Ceará. Já em 1942 oficiais do Exército Brasileiro começaram a utilizar os primeiros mapas que o Destacamento Especial do Nordeste havia concluído.

Descobri que em janeiro de 1942 a área onde se aquartelou o pessoal do Serviço Geográfico do Exército em Recife, sofreu uma aparente ação de sabotagem.

Notícia da possível sabotagem em jornal do Rio de Janeiro.

A área onde os militares ficaram era no chamado Campo do Jiquiá, onde o Serviço Geográfico tinha uma grande instalação com pessoal, veículos e material de trabalho. O Jiquiá se tornou famoso por receber 65 vezes o pouso do grande dirigível Graf Zeppelin, da empresa alemã Luftschiffbau Zeppelinm G.M.B.H. Ocorre que na manhã de 12 de janeiro o capinzal existente na área pegou fogo repentinamente e houve preocupação com o avanço das chamas, mas os bombeiros recifenses apareceram no local e controlaram o fogo. O problema era que vizinho as instalações do Serviço Geográfico estava o depósito da companhia de navegação alemã Hermann Stoltz & Cia, uma empresa envolvida até o pescoço com espionagem nazista em vários locais do Nordeste e no sul do país. Seus gestores tinham acesso a informações privilegiadas sobre a navegação na costa brasileira e foram acusados de repassar essas informações para Berlin, além de financiar uma grande rede de espionagem mantida por alemães e que utilizava brasileiros aliciados. Se o incêndio foi realmente uma sabotagem isso não ficou provado, mas as suspeitas das autoridades brasileiras em relação a Hermann Stoltz eram muito fortes, sendo episódio noticiado em todo país [22].

Mara que mostra as áreas topografadas pelo Destacamento Especial do Nordeste.

Naqueles anos o trabalho do Destacamento Especial do Nordeste contou com o apoio da recém criada Força Aérea Brasileira (FAB), que forneceu aeronaves que realizarem milhares de fotografias aéreas. Estas eram produzidas com as aeronaves percorrendo faixas específicas do terreno, na altitude de 3.500 metros, com um recobrimento longitudinal respectivamente de 66 e 30 por cento e cobrindo uma área de 40.000 quilômetros quadrados [23].

Poly Coelho e o Presidente Getúlio Vargas.

Em relação a presença de membros do Destacamento Especial do Nordeste o Rio Grande do Norte, apenas descobri que no final de março de 1942 chegou no município de Goianinha o Capitão João de Mello Moraes e sua equipe, sendo esse militar apontado como o responsável pelo levantamento geográfico no Rio Grande do Norte [24].

Mesmo sabendo a importância do trabalho do Destacamento Especial, para mim não foi nenhuma surpresa o fato de encontrar poucas referências sobre as atividades desse grupo de militares pelo Nordeste do Brasil. Enfim, o país estava em guerra e nesses momentos de extrema tensão o foco principal dos órgãos de imprensa se voltaram para as unidades de combate e seus feitos, sobrando muito pouco espaço para comentar algo sobre a realização das unidades técnicas e de apoio. Talvez por isso não encontrei referências sobre a colocação do marco da Serra Azul e da atuação do Destacamento Especial do Nordeste na região de Riachuelo.

Depois da Guerra

O General Poly Coelho apresentando trabalhos do Serviço Geográfico do Exército ao Presidente Gaspar Dutra.

Com o fim da guerra o agora General Poly Coelho passou a dirigir o Serviço Geográfico do Exército, onde ficou no cargo de 1946 até 1951.

Durante sua gestão, mais precisamente em 1947, foi criada uma comissão de estudos para determinar a melhor localização de uma nova capital brasileira a ser implantada no interior do país. A ideia do Rio de Janeiro deixar de ser a Capital Federal visou promover de maneira clara a ocupação de uma vasta região despovoada e praticamente sem desenvolvimento no Brasil e evitar possíveis ações futuras de nações estrangeiras pelo nosso rico território.

Apresentação dos trabalhos em 1953.

Essa comissão foi presidida por Poly Coelho e ao final do seu trabalho esse grupo ratificou as análises e o relatório final da pesquisa liderada pelo belga Louis Ferdinand Cruls, que em 1892 comandou duas expedições exploradoras no Planalto Central do Brasil, cujo objetivo foi descobrir um local adequado para abrigar uma nova capital do país, sendo esse trabalho o marco gerador da definitiva questão da mudança da capital.

Resultados apresentados as autoridades.

A frente do Serviço Geográfico do Exército o General Poly Coelho criou o Quadro de Topógrafos do Serviço Geográfico do Exército e o Curso de Topografia para Oficiais das Armas na Escola Técnica do Exército, hoje Instituto Militar de Engenharia – IME. 

O General Djalma Poly Coelho faleceu no Rio de Janeiro em 18 de outubro de 1954.

O General Poly Coelho hasteando o pavilhão nacional na Fortaleza da Conceição.

NOTAS…………………………………………………………………………………………….


[1] O escritor e jornalista potiguar Luiz Gonzaga Cortez Gomes de Melo, morreu aos 70 anos, na madrugada de segunda-feira, 19/08/2019, em Natal. Trabalhou no Diário de Natal e na Tribuna do Norte, onde foi editor de Polícia na década de 1980. Atuou também como diretor de redação do semanário “Dois Pontos” e venceu dois prêmios em 1988, ao escrever sobre o Integralismo no Rio Grande do Norte e o Movimento Estudantil no Estado.

[2] A antiga Escola Polythecnica é a atual Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fundada em 1792, é a sétima escola de engenharia mais antiga do mundo e a mais antiga das Américas, assim sendo, a primeira instituição de ensino superior do Brasil.

[3] O Observatório Nacional é uma instituição científica localizada na cidade do Rio de Janeiro, no estado do Rio de Janeiro, no Brasil. O Observatório foi criado em 1827, sendo uma das instituições científicas mais antigas do país. A sua finalidade inicial foi a de orientar os estudos geográficos do território brasileiro e o ensino da navegação, por isso sua relação estreita com o exército na criação do “serviço geographico”.

[4] Ver Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, segunda-feira, 2 de junho de 1890, p. 1.

[5] Ver Diário da Tarde, Curitiba, sábado, 31 de maio de 1980, p. 4.

[6] Ver Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, pelo Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca, Ministro de Estado da Guerra, em junho de 1908, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, págs. 34 a 45, 1908.

[7] A fortaleza de Nossa Senhora da Conceição foi erguida sobre os alicerces da antiga Bateria do Morro da Conceição, construída em 1711 pelo corsário francês René Duguay-Troin. Sobre a história dessa fortaleza, ver https://www.ipatrimonio.org/rio-de-janeiro-fortaleza-da-conceicao/#!/map=38329&loc=-22.899628000000018,-43.182856,17

[8] Ver Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, sexta-feira, 2 de agosto de 1917, p. 3.

[9] Sobre essa missão militar austríaca no Brasil ver SILVA, Eliane Alves da. 90 Anos da Missão Cartográfica Imperial Militar Austríaca no Exército Brasileiro – Relato Histórico da Fotogrametria (1920-2010). 1º Simpósio Brasileiro de Cartografia Histórica. Parati, 10 a 13 de maio de 2011. Ver também O Jornal, Rio de Janeiro, sexta-feira, 25 de fevereiro de 1944, pág. 4.

[10] Ver Última Hora, Rio de Janeiro, terça-feira, 9 de dezembro de 1958, pág. 14. Sobre o Palácio da Conceição vale comentar que o primeiro prelado que nele residiu foi o terceiro bispo do Rio de Janeiro, D. Francisco de São Jerônimo, que chegou ao Rio de Janeiro no ano de 1702. Quando de sua morte, em 1721, com fama de Santo, teve o seu corpo sepultado no interior da Capela do Palácio. Mais sobre o local ver https://www.ipatrimonio.org/rio-de-janeiro-palacio-episcopal/#!/map=38329&loc=-22.89964011290089,-43.18269073963165,17 

[11] Ver A Noite, Rio de Janeiro, quarta-feira, 6 de setembro de 1933, pág. 3.

[12] Sobre essa aeronave ver C. Pereira Netto, Francisco. Aviação Militar Brasileira 1916-1984. Editora Revista de Aeronáutica, 1984, pág. 126.

[13] Ver A Nação, Rio de Janeiro, quarta-feira, 27 de setembro de 1933, pág. 3.

[14] Ver Diário de Pernambuco, Recife, quinta-feira, 9 de novembro de 1933, pág. 1.

[15] Ver O Paiz, Rio de Janeiro, quinta-feira, 26 de julho de 1934, p. 4.

[16] A Constituição de 1937 é a quarta do Brasil e a terceira da república, de conteúdo pretensamente democrático, foi implantada no mesmo dia em que foi decretado o período ditatorial no Brasil, que ficou conhecido como Estado Novo. Era uma carta política eminentemente outorgada, mantenedora das condições de poder do presidente Getúlio Vargas. A Constituição de 1937, que recebeu o apelido de “Polaca” por ter sido inspirada no modelo semifascista polonês, era extremamente centralizadora e concedia ao governo poderes praticamente ilimitados.

[17] Para conhecer o texto desta Constituição ver https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm

[18] Sobre o “Saliente Nordestino” ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Saliente_nordestino

[19] Ver O Jornal, Rio de Janeiro, sexta-feira, 23 de março de 1945, págs. 1 e 2.

[20] Ver Diário da Tarde, Curitiba, sábado, 12 de fevereiro de 1944, p. 1.

[21] Sobre uma biografia mais elaborada do General Poly Coelho ver https://memoria.ibge.gov.br/historia-do-ibge/galeria-de-presidentes/20959-djalma-polli-coelho.html Ver também o jornal Diário da Tarde, Curitiba, sábado, 12 de fevereiro de 1944, págs. 1 e 2.

[22] Ver os jornais O Radical, Rio de Janeiro, quarta-feira, 14 de janeiro de 19425, pág. 6 e O Estado, Florianópolis, quinta-feira, 22 de janeiro de 1942, pág. 3.

[23] Ver O Jornal, Rio de Janeiro, sexta-feira, 23 de março de 1945, págs. 1 e 2.

[24] Ver A Noite, Rio de Janeiro, terça-feira, 31 de março de 1942, pág. 5.

EXCLUSIVO – QUEM FOI O BRASILEIRO QUE MORREU NO “DIA D” PILOTANDO UM CAÇA MUSTANG?  

Filho de Pai Inglês e de Mãe Pernambucana – Nasceu e Viveu em Recife até o Começo da Segunda Guerra – De Sargento da RAF, ele Chegou a Oficial de Voo de Um P-51 Mustang – Participou do Dia D, Foi Abatido Por Fogo Amigo e Morreu na Praia de Sword – Anos Depois o seu Irmão era Oficial da FAB e Morreu no Acidente de uma B-17 em Recife.

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Em Recife existe o tradicional bairro de Santo Amaro, um lugar com muita história, onde na primeira metade do século XVII existiram salinas e uma casa grande que pertenceu ao major Luís do Rego Barros. Na época das invasões holandesas esse setor foi um importante ponto estratégico para os estrangeiros e para a resistência dos pernambucanos, que fustigavam os invasores com ações de guerrilha.

Com a derrocada holandesa em 1654 essa parte do Recife, então um dos extremos da cidade, foi sendo ocupada lenta e gradativamente. Era tão desabitado e longe que em 1814 foi ali construído o Cemitério dos Ingleses. Como a presença desses estrangeiros cresciam em número na capital pernambucana, mas quando faleciam não podiam ser enterrados no interior das igrejas por não serem católicos, o jeito foi pedir ao Presidente da Província um terreno exclusivo para isso. Seguindo essa tendência, no governo de Francisco do Rego Barros, o Conde da Boa Vista, foi inaugurado em 1851 o Cemitério de Santo Amaro.

Igreja de Santo Amaro das Salina, de 1681, um dos marcos mais antigos do bairro de Santo Amaro, em Recife – Fonte – Google Street View.

A região crescia com seus cemitérios, muitas áreas abertas e casas de famílias tradicionais. Na década de 1910 morava na Rua do Capitão Lima, ou Rua do Lima, número 244[1], o comendador José Abílio de Barros. De família tradicional da região de Palmares, sul do estado. Abílio era filho de Manoel d’Albuquerque Barros Cavalcanti (que faleceu em 15-07-1888) e de Ursulina de Castro Barreto Barros (falecimento em 15-05-1903).

Abílio era um respeitado comerciante de açúcar em Recife, com ponto comercial na prestigiada Rua do Apolo, 69[2], mas faleceu aos 52 anos, no ano de 1902[3]. Sua esposa, Belmira Duarte Barros, era nascida na mesma região de Palmares e com a viuvez ficou cuidando de treze filhos, sendo sete mulheres[4].

Mulher de fibra e coragem, Dona Belmira organizou a vida de sua família, cuidou rigidamente da educação dos filhos, formou os estudiosos, botou para trabalhar os menos letrados e foi casando as filhas com “gente de posição”. Apesar de tudo nessa mulher apontar para uma pessoa rígida, típica de uma época de valores duros e bem definidos socialmente, Dona Belmira concedia a suas filhas uma certa liberdade para o desenvolvimento intelectual e cultural.

Cândida Duarte Barros foi uma das redatoras do jornal feminino O Lyrio, uma revista literária exclusivamente feminina, organizada em 1902, que defendia a educação das mulheres, a igualdade de direitos e circulou por três anos[5]. Sua irmã mais nova Corina Duarte Barros, também conhecida como Cora, possuía uma boa voz e participava de corais em Recife. Em 6 de setembro de 1912 ela fez parte de uma apresentação no respeitado Teatro Santa Isabel, na obra A Ressureição de Cristo. O espetáculo foi em honra da Independência do Brasil e contou com a presença do general Dantas Barreto, governador do estado[6].

Outra situação diferenciada em relação às filhas de Dona Belmira, foi que essa matrona não tinha problemas em que elas casassem com estrangeiros, tendo três delas se unido a ingleses que moravam em Recife.

Maria Amélia Duarte Barros casou com Archibald Otto Charles Fell, engenheiro da empresa Western Telegraphic Company, falecido em 1911 no Rio[7]. Já a beletrista Cândida Duarte Barros foi casada com James Chalmers, engenheiro da Estrada de Ferro Leopoldina e falecido no Rio de Janeiro em novembro de 1943[8]. Finalmente havia a cantora Corina Duarte Barros, que se uniu a Harold Ernest Barnard.

Documentação de Harold Ernest Barnard.

Harold desembarcou em Recife no dia 18 de julho de 1913, para trabalhar como contador na agência recifense do Bank of London and South America Limited, um banco britânico que operou na América do Sul entre 1923 e 1971. Ele tinha nessa época 24 anos de idade, havia nascido em 18 de julho de 1889, na cidade de Leyton, a leste de Londres, sendo filho de Ebenezer Alfred Barnard e de Sarah Phoebe Fisher Barnard. Em setembro de 1916 encontramos a notícia de que Harold Barnard e Corina Duarte Barros haviam proclamado que em breve casariam[9].

Segundo os documentos que consegui sobre a família de Harold Barnard e Corina, temos a informação que ele foi transferido para a agência do Bank of London em Maceió, Alagoas, onde morou na Avenida Tomás Espínola, 128, no bairro do Farol, e continuou nesse cargo durante anos.

Documentação original de Harold Barnard, grande fonte de informações.

O casal teve quatro filhos – Stanley Harry Barnard (nascido em 1921, ou 1922), Percy Alan Barnard (10/09/1918), Gladys Mary Barnard (25/07/1923) e Iris May Barnard (15/11/1927). Não sei se Harold, sua esposa e filhos passaram a morar juntos em Maceió, mas tudo indica que pelo menos o primogênito Stanley continuou em Recife, com uma forte ligação com a Rua do Lima, o bairro de Santo Amaro e talvez morando com a sua avó, que faleceu em 1936 e cujo cortejo fúnebre saiu de sua casa[10]. Percebi na minha pesquisa que a relação desse jovem com a família materna era tão forte que na época de sua morte os jornais recifenses dão seu nome como sendo “Stanley Barros Barnard”[11].

Não encontrei indicações que o jovem Stanley tenha ido estudar, ou morou algum tempo na Inglaterra. É provável que com a presença do pai e de dois tios ingleses por perto, esse jovem teve uma relação muito forte com a cultura anglo-saxônica, enquanto convivia intensamente com a família de sua mãe e absolvia muito da cultura pernambucana.

Podemos dizer que o jovem Stanley Barnard era uma positiva mistura de gim tônica e bolo de rolo!

Lutando em um Mustang da RAF

Eu não descobri quando o recifense da Rua do Lima seguiu para a terra de Sua Majestade, mas temos a informação que entre a primavera e o verão de 1941, ele se alistou na Royal Air Force, a famosa RAF, ou Força Aérea Britânica. Tinha apenas 19 anos.[12]

Na foto vemos um posto de observação do Royal Observer Corps (ROC) durante a Batalha da Inglaterra, na Segunda Guerra Mundial. Na foto vemos a direita, usando um telefone de peito, P.C. “Lofty” Austin, um ex-representante comercial e ex-jogador de futebol do Tottenham Hotspur, que relata aos seus superiores as informações coletadas por seu colega C.E. “Smudge” Smith, que trabalha em um instrumento de plotagem em Kings Langley, Hertfordshire, Inglaterra – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Dowding_system#/media/File:The_Royal_Observer_Corps,_1939-1945._CH8215.jpg

É provável que a entrada de Stanley na arma aérea da Grã-Bretanha tenha muito haver com a enxurrada de notícias que foram veiculadas em todo mundo, igualmente nos principais jornais recifenses, sobre o desenrolar da mítica Batalha da Inglaterra.

Essa importante série de combates aéreos entre as forças aéreas da Grã-Bretanha e da Alemanha, pôs fim às retumbantes vitórias relâmpagos dos nazistas na Europa e marcou uma fase decisiva no curso da Segunda Guerra Mundial. A Luftwaffe, a força aérea alemã, apoiada pela arma aérea da Itália, realizou uma intensa campanha para destruir a RAF com muitos bombardeios para acabar com a produção de aeronaves britânicas, acabar com a infraestrutura dos aeroportos e ataques a várias cidades, entre elas Coventry e Londres, para assim permitir que o exército alemão invadisse a Grã-Bretanha. Outro objetivo desses ataques foi o de aterrorizar a população britânica e pressionar seu governo a fazer a paz com a Alemanha de Hitler. Mas os britânicos não se dobraram e a RAF foi a ponta de lança dessa resistência.

Barnard ascendeu ao posto de sargento, tinha o número 1387812 e continuava seu caminho dentro da RAF para tornar-se oficial de voo. Enquanto ele aprendia muitas tarefas para participar da guerra, na base da RAF de Snailwell, perto da cidade de Cambridge, leste da Inglaterra, no dia 15 de junho de 1942 foi criado o Esquadrão 168, uma unidade aérea que se tornou operacional para missões de reconhecimento e ações de combate no território inimigo.

Símbolo do Esquadrão 168.

Não demorou e esse grupo estava realizando ataques contra navios e alvos costeiros, mas principalmente trabalhando em estreita cooperação com o Exército Britânico. Os pilotos desta unidade vieram dos países da Comunidade Britânica, de países ocupados pelos nazistas e, porque não, um descendente de ingleses nascido no Nordeste do Brasil.

Mustang da RAF sobre a França ocupada.

Em 20 de fevereiro de 1943 o pernambucano Stanley Barnard foi promovido a oficial aviador, tendo sido designado para o Esquadrão 168, que nessa época atuava na base de Odiham, em Hampshire, sudeste da Inglaterra[13]. Ali a unidade utilizou aeronaves de caça Mustang Mk. Ia, uma variação do famoso avião de combate americano P-51 Mustang, projetado pela North American Aviation e vários foram entregues aos britânicos por um sistema de empréstimos financeiros. A base de Odiham era dividida com o Esquadrão 268, também de reconhecimento.

O Mustang Mk. Ia era uma aeronave excepcional[14]. Possuía um motor Allison V 1710-87, com 1.250 HP de potência, com 12 cilindros em V, proporcionando um excelente desempenho que podia levar essa versátil aeronave a uma velocidade máxima de quase 600 quilômetros por hora. E a alta velocidade era importante para as missões de reconhecimento estratégico, principalmente no quesito de sobrevivência dos pilotos[15].

Câmeras oblíquas K24.

Os Mustangs de reconhecimento da RAF eram equipados com uma ou duas modernas câmeras oblíquas K24, montadas no encosto de cabeça do piloto e que tinha uma ótima capacidade de fotografar alvos estratégicos. As missões de reconhecimento fotográfico de baixo nível e de curto alcance eram chamadas de “Popular”. Já as câmeras eram controladas pelo piloto e sua operação era automática.

Rasante de um Mustang de reconhecimento da RAF.

As aeronaves de reconhecimento da RAF voaram centenas de perigosas missões, muitas delas em nível ultra baixo, para garantir que as defesas alemãs e o interior da Normandia não tivessem segredos. Qualquer coisa de importância que eles viram em suas missões, como a localização e detalhes de tanques, artilharia, sítios antiaéreos, estacionamentos de veículos, concentração de tropas e quaisquer novas construções eram fotografados e registrados em documentos escritos.

No destaque vemos dois, dos quatro potentes canhões Hispano Suiza de 20 milímetros de um Mustang do Esquadrão 168 da RAF.

Além disso, essas aeronaves estavam equipadas com uma câmera acoplada às suas armas, no caso quatro potentes canhões Hispano Suiza de 20 milímetros, dois em cada asa. Após suas missões de reconhecimento fotográfico, os Mustangs da RAF podiam aproveitar e disparar contra alvos de oportunidade, tais como locomotivas, barcaças, veículos militares de transporte motorizado e aeronaves inimigas no solo. Em 1944 esses esquadrões se tornaram especialistas neste tipo de operações[16].

Missões Difíceis

Essas missões de reconhecimento eram extremamente perigosas e seus esquadrões possuíam um alto índice de baixas.

Mustang do Esquadrão 168 sobre o Canal da Mancha.

Sabemos que pouco menos de um mês antes da chegada de Stanley Barnard, o Esquadrão 168 sofreu duas baixas em um único dia. Às uma e cinco da tarde de 23 de janeiro de 1943 dois Mustangs decolaram de Odiham para sortidas na região de Pas de Calais, na França. As aeronaves eram pilotadas pelo australiano Bernard Wilson Kearny e o neozelandês Ian G. Grant e foram derrubados por artilharia antiaérea na área de St. Etienne-au-Mont, às margens do Canal da Mancha. Uma testemunha informou que no começo da tarde as duas aeronaves voavam a baixa altitude e foram derrubadas, com o piloto australiano sendo mortalmente ferido e Grant sobrevivendo, mas sendo aprisionado e mantido até o final da guerra no campo Stalag Luft III, na Polônia[17].

Em julho de 1943 o Esquadrão 168 começou a fazer parte da 2ª Força Aérea Tática (2nd Tactical Air Force), a contribuição da RAF para a frota aérea maciça que estava sendo preparada para os desembarques do Dia D[18].

As missões foram se sucedendo, bem como as perdas.

Imagem de um FW-190 do mesmo esquadrão que abateu o oficial Bainard em 25 de julho de 1943.

As cinco da tarde do dia 25 de julho de 1943 os oficiais A. J. F. Young e William A. Bainard decolaram com seus Mustangs para a região de Ouistreham, na Normandia. Quando começavam uma corrida para fotografar seus alvos, surgiram dois caças alemães Focke-Wulf FW-190 A5, do III/JG 2 (III Staffeln / Jagdgeschwader 2), que atacaram os Mustangs. Estes buscaram fugir em direção ao Canal da Mancha, mas a 12 milhas a noroeste de La Havre e a cerca de 450 metros de altitude, o oberleutnant Jakob Schmidt acertou o motor do Mustang de Brenard. O caça inglês caiu no mar, mas o piloto sobreviveu e foi salvo por um hidroavião no outro dia. O oficial Young conseguiu retornar para a base do Esquadrão 168 na Inglaterra[19]

Mustang Mk I da RAF, com as listras utilizadas para visualização no Dia D.

Após o incidente envolvendo os oficiais Young e Bainard e durante praticamente todo um ano, as aeronaves de reconhecimento Mustang do Esquadrão 168 continuaram suas missões em preparação ao Dia D. Durante esse período, oito aeronaves e sete pilotos do esquadrão foram perdidos em operações de combates. Outros mais morreriam no futuro.

Não sabemos maiores detalhes das missões, escala de voos, ou possíveis combates que o pernambucano Stanley Henry Barnard tenha participado durante sua permanência de um ano e quatro meses no Esquadrão 168. Mas sabemos que ele estava lá e era um piloto de combate!

Mustang do Esquadrão 168.

Os pilotos de reconhecimento da RAF não sabiam a data exata do Dia D, mas percebiam que se aproximava o momento conforme aumentavam exponencialmente o número de voos de reconhecimento, através dos pedidos feitos pelos comandantes do Exército e da Marinha.

Um outro indício que a hora estava chegando foi quando as asas dos Mustangs foram pintadas com largas listras preto e branco. Era uma tentativa para que os nervosos atiradores antiaéreos Aliados não os confundissem com aeronaves inimigas. A maioria dos aviões que participaram do Dia D receberam essas marcações.

Foto colorida de Mustangs da RAF.

O Dia D

Baseado em escritos deixados por outros aviadores dos esquadrões de reconhecimento da RAF, provavelmente no começo da noite de 5 de junho de 1944 todos os pilotos do Esquadrão 168 foram chamados para uma reunião, ou “briefing”, com a presença do S/L (Squadron Leader) Percy Walter Mason, então comandante geral do esquadrão[20].

S/L (Squadron Leader) Percy Walter Mason, comandante geral do Esquadrão 168.

Mason informou aos pilotos que a invasão começaria à meia-noite, com as primeiras ondas de forças aerotransportadas passando sobre suas cabeças e que a invasão marítima desembarcaria nas praias francesas nas primeiras luzes da manhã seguinte. Provavelmente Stanley Barnard e todo o pessoal ficou confinado na base, em meio a uma noite atípica, com o constante ronco dos motores dos aviões de transporte sobre suas cabeças, que levavam milhares de paraquedistas e seguiam a caminho da França.

Paraquedistas americanos prontos para combater no Dia D.

Talvez o pernambucano nem tenha pregado o olho em meio a tanta tensão da espera. E se dormiu foi por pouco tempo, pois o café da manhã começou a ser servido às três e meia, onde depois foram detalhadas novas informações das missões e as áreas a serem fotografadas, ou onde as aeronaves deveriam se posicionar para apoiar os disparos dos grandes canhões navais. No Esquadrão 268 os pilotos decolaram de sua base em Gatwick antes das cinco da manhã. No Esquadrão 168 não deve ter sido muito diferente e uma das primeiras aeronaves a decolar foi o Mustang com o código AM225, pilotado por Stanley Barnard.

Não demorou muito para o pernambucano sobrevoar o Canal da Mancha naquele memorável 6 de junho de 1944, uma terça-feira. Ele visualizava um dos maiores eventos ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial, com milhares de barcos atravessando as águas frias do canal e outros milhares de aviões roncando em direção à França.

Desembarque em Sword Beach, fotografado por aviões de reconhecimento da RAF.

Inicialmente alguns Mustangs do Esquadrão 168[21] e de outros grupos foram encarregados de conduzir reconhecimento tático sobre a chamada Sword Beach, ou Praia da Espada, trazendo de volta algumas das primeiras e melhores imagens da invasão. Outras aeronaves de reconhecimento foram designadas para o apoio visual aos tiros navais realizados pela frota britânica, que bombardearam alvos alemães e facilitaram o trabalho das forças de desembarque.

Mapa com a disposição, direção de tiro, localização dos alvos e nome das naves britânicas que atacaram Sword Beach em 6 de junho de 1944.

Abaixo do Mustang de Stanley Bernard, flutuando nas águas frias do canal, estavam os navios britânicos da “Force S”. Pontualmente às cinco da manhã de 6 de junho, o veterano encouraçado Warspite, que participou da Primeira Guerra, foi o primeiro navio deste grupo a disparar seus poderosos canhões de 380 mm contra a costa francesa. O alvo foi a bateria alemã em Villerville, para apoiar os desembarques da 3ª Divisão britânica em Sword Beach. Outro veterano da Primeira Guerra que estava lá foi o encouraçado Ramillies, que mirou na bateria alemã em Benerville-sur-Mer[22]. Além desses faziam parte da “Force S” os cruzadores Mauritius, Arethusa, Frobisher, Dragon, Danae e Scylla, o monitor Roberts e o navio cargueiro Largs, que servia como comando daquela força naval. Além dessas naves, estavam nesse setor treze destróieres.

Veterano encouraçado Warspite, que combateu na Primeira Guerra, disparando seus poderosos canhões de 380 mm contra a bateria alemã de Villerville.

Certamente foi inigualável o “espetáculo” visto do alto por Stanley Barnard no cockpit do seu Mustang. Poderosos disparos dos navios de guerra contra a costa, o revide das baterias alemãs, o avanço das naves de desembarque e a chegada dos soldados nas praias. O problema foi que o local onde ele e seu avião se encontravam começou a se tornar perigoso.

Apesar das listras pretas e brancas pintadas nas aeronaves, existem relatos que a maioria dos pilotos dos Mustangs experimentou intenso, preciso e pesado disparos de artilharia antiaérea sobre a área de invasão, grande parte dela vinda dos navios britânicos abaixo deles. Logo começaram as perdas.

O oficial Eric Woodward, piloto do Mustang FD495, do Esquadrão 268, não retornou de uma missão de observação de tiros navais sobre a área de invasão e pode ter sido uma vítima do fogo antiaéreo naval dos Aliados.

Outro que infelizmente teve o mesmo destino foi Stanley Barnard.

Esquecimento em Lion-Sur-Mer

Em algum momento por volta das seis da manhã o seu Mustang AM225 foi atingido pelos nervosos artilheiros antiaéreos de algumas das naves inglesas. Consta que ele voava sobre a área de Ouistreharn, quase no final de Sword Beach.

Não existem detalhes de quem o atingiu e do que houve com o pernambucano Barnard. Mas existe a informação que sua aeronave se estatelou na área da comuna litorânea de Lion-Sur-Mer. Pode parecer estranho essa falta de informações, mas quando sabemos o que ocorreu naquele setor de Sword, é possível compreender a razão dessa carência de dados.

Vista atual de Lion-Sur-Mer.

Naquele 6 de junho, a comuna de Lion-Sur-Mer foi atacada por elementos do 41º Comando Real dos Fuzileiros Navais (No.41 Royal Marine Command), composto por 450 homens, liderados pelo tenente-coronel Thomas Malcolm Gray. Os Fuzileiros Navais sofreram pesadas baixas na praia, pois os soldados alemães do Widerstandnest 21, ou Ninho de Resistência 21, só entregaram sua posição depois de uma sangrenta luta. Consta que os britânicos perderam mais de 140 homens naquele dia.

Se no Dia D pouca gente se ligou com a destruição de um Mustang de reconhecimento que caiu na área de Lion-Sur-Mer, nos dias seguintes ao desembarque foi que ninguém se importou mesmo, pois logo o avanço britânico em Lion-sur-Mer foi bloqueado por elementos da 21ª Divisão Panzer, cujos efetivos chegaram à costa por volta das sete da noite. Na manhã seguinte, quarta-feira, 7 de junho, aviões alemães bombardearam o posto de comando do 41º Comando Real dos Fuzileiros Navais, ferindo o comandante Grey. No meio da tarde os Fuzileiros Navais finalmente alcançaram seu objetivo e se juntaram a outras forças britânicas[23].

Tropas britânicas em Sword Beach.

Para aumentar o esquecimento sobre o que aconteceu ao pernambucano e seu Mustang, a catorze quilômetros da praia de Sword fica a cidade francesa de Caen, que na época tinha uns 40.000 habitantes. O plano original era que os britânicos deveriam conquistar essa cidade no mesmo dia dos desembarques, mas só faltaram combinar isso com os alemães, pois estes resistiram assustadoramente e Caen só se rendeu um mês depois. A coisa toda foi tão complicada, que essa cidade foi praticamente destruída pelos bombardeios aéreos Aliados e sofreu danos igualmente extensos devido aos combates terrestres. Houve milhares de mortos entre a população civil francesa e após a batalha pouco restou da cidade original, tanto que a sua reconstrução só foi completada em 1962.

Os restos do pernambucano Stanley Harry Barnard e do seu Mustang ficaram enterrados nas areias de Lion-Sur-Mer e foram esquecidos. Certamente se esse avião e o que sobrou do seu piloto tivessem sido encontrados, os franceses daquela região há muito tempo teriam construído algum tipo de monumento em sua homenagem, pois esses marcos de memória relativos ao Dia D existem ali em grande quantidade[24].

Barnard é homenageado no painel número 204, no Runnymed Air Forces Memorial, em Englefield Green, perto de Egham, oeste de Londres. Ali estão os nomes de 20.456 membros das forças de aviação da Grã-Bretanha mortos na Segunda Guerra[25].

A notícia da morte de Stanley Barnard chegou aos seus familiares no Recife através do Foreign Office, ou Ministério das Relações Exteriores da Grã-Bretanha. Houve algumas publicações em jornais recifenses e cariocas sobre sua morte e só.

Mas logo outro membro do clã Barnard estava envergando o uniforme de uma outra força aérea.

Percy Barnard, Tenente da FAB

Não sabemos nem quando e como Percy Alan Barnard, irmão de Stanley, entrou na Força Aérea Brasileira, mas em setembro de 1945 ele possuía a patente de segundo tenente e foi classificado por necessidade do serviço para cursar a Escola de Especialistas da Aeronáutica, que nessa época funcionava no Galeão, Rio de Janeiro[26]. Três anos depois ele foi promovido a primeiro tenente[27] e a formatura da sua turma aconteceu em dezembro daquele mesmo ano[28].

O oficial da FAB Percy Alan Barnard.

Em 1951 encontrei a notícia que o primeiro tenente Percy Barnard estava lotado na Base Aérea de Fortaleza e havia sido transferido para o Centro de Treinamento de Quadrimotores, mais conhecido como CTQ, uma unidade criada pelo Ministro Armando Trompowsky em 24 de janeiro daquele ano, através da Portaria 39-G-2, destinada a treinar os membros da FAB para utilização dos famosos Boeing B-17 Flying Fortress, ou Fortaleza Voadora. Estas aeronaves ficaram lotadas no Recife, sede da 2ª Força Aérea, mais especificamente no Campo do Ibura, onde funcionou inicialmente o CTQ, que no futuro se transformaria no 6º Grupo de Aviação (6º GAV) [29].

SB-17G de busca e salvamento. Reparem que este avião transportava um pequeno barco que podia ser lançado ao mar no socorro aos náufragos.

Mas afinal, como o Brasil utilizava os míticos quadrimotores B-17 na década de 1950?

Com o final da Segunda Guerra a grande maioria dessas aeronaves foram desativadas e muitas se transformaram em sucatas. Outras foram convertidas para uso em reconhecimento aéreo, transporte de carga e busca e salvamento (SAR – Search and Rescue).

Segundo o site http://darozhistoriamilitar.blogspot.com.br/2009/11/missao-pernambuco-b-17-fortaleza.html , as B-17 destinadas a FAB foram utilizadas para o serviço de busca e salvamento, adaptadas a partir de aeronaves originalmente construídas do modelo G, com suas denominações alteradas nos Estados Unidos para SB-17G[30].

O primeiro tenente Percy Barnard seguia nas suas funções no CTQ, quando no dia 23 de julho de 1952, uma quarta-feira, ele se apresentou para um voo de treinamento a bordo do B-17 matrícula 5579. Um avião recém chegado dos Estados Unidos, que ainda possuía marcações da USAF (United States Air Force).

Pilotando a máquina estava o major Maurício José de Assis Jatahy, comandante do CTQ, tendo como seu copiloto o capitão Francisco Eduardo Muller Botelho. A bordo estavam os primeiros tenentes Santos Flávio de Sião, Gil Saint Yves e Sérvola. Acompanhavam os oficiais o primeiro sargento Amadeu Luiz Avighi, os segundos sargentos Dilson Lopes Guimarães e Jair Coimbra, além do soldado Francisco Bezerra. Consta que o tenente Percy Barnard estava a bordo do quadrimotor para servir de tradutor junto ao capitão Robert Earl Metzer, da USAF, oficial aviador norte-americano que trabalhava no treinamento e adaptação dos brasileiros ao B-17.

O treinamento tinha como objetivo o lançamento de alguns tripulantes do quadrimotor de paraquedas, que flutuariam até o mar. Na sequência seria feito o lançamento do bote salva-vidas, que demonstraria de forma prática como aquela aeronave poderia realizar um salvamento marítimo. O exercício seria executado na área entre as praias do Pina e Boa Viagem, à vista de todos que estavam no litoral de Recife. Acompanhava a grande aeronave um monomotor North American T-6 com dois integrantes. O piloto era o primeiro tenente Ailton Lopes de Oliveira, tendo a companhia do terceiro sargento José Inácio dos Santos, que fotografava toda a operação. 

Pedaço da asa do B-17, ainda com marcação da USAF.

Entre dez e meia e onze da manhã as aeronaves se posicionaram. Primeiramente saltaram da B-17 o tenente Sérvola e o soldado Francisco Bezerra, que abriram seus paraquedas sem alterações e chegaram tranquilos na água. Na sequência o bote salva-vidas foi lançado, mas bateu na asa do T-6, que estava muito perto do quadrimotor. O pequeno avião perdeu a estabilidade e foi para cima do B-17. Com o choque o T-6 perdeu suas asas e foi direto para a água. Foi visto que um dos seus tripulantes se atirou no mar sem paraquedas, mas nenhum deles se salvou.

Já na B-17 o major Maurício José de Assis Jatahy tentou durante dois ou três minutos manter o controle do avião. Consta que ele sobrevoou um trecho da praia do Pina cheio de casebres e conhecido como “Areal”. Após passar rasante por esse local ele levou o B-17 por cerca de 400 metros mar adentro, quando perdeu o aileron e fez uma curva acentuada para a direita, chocando-se violentamente com a água e afundando. Logo vários pescadores partiram com suas jangadas para tentar ajudar. Foram resgatados com vida o capitão Francisco Eduardo Muller Botelho e o primeiro sargento Amadeu Luiz Avighi. Todos os outros morreram.

Um dos trens de aterrissagem do B-17 acidentado em Recife.

Quem testemunhou todo o drama do ar foi o piloto Rubens Solha, do quadro de instrutores do Aeroclube de Pernambuco, que sobrevoava a região em um monomotor “Fairchild” de treinamento avançado. Solha foi inclusive chamado para testemunhar no inquérito aberto pela FAB para investigar o acidente[31].

Segundo o livro Base Aérea do Recife – Primórdios e envolvimento na 2ª Guerra Mundial, do falecido escritor Fernando Hippólyto da Costa (INCAER, Rio de Janeiro, 1999), informa na página 375 que a causa do acidente foi uma imprudência do primeiro tenente Ailton Lopes de Oliveira, piloto do T-6, que não manteve a altitude e distância que lhe havia sido ordenado para o exercício.

Percy Barnard era casado com Lêda de Amorim Barnard e sua filha se chamava Lorna May Barnard.

Final

A partir desse ponto da história temos poucas informações sobre o que aconteceu com a família Barnard. Apenas que Harold Barnard faleceu em 1977, mas nessa época ele já era viúvo.

Do pouco que consegui sobre Stanley e Percy Barnard, só posso concluir que ambos adoravam o que faziam.

NOTAS


[1] Nesse endereço atualmente se encontra a sede da TV e Rádio Jornal do Comércio e do SBT em Recife.

[2] Ver Jornal de Recife, 23 de outubro de 1897, sábado, P. 2.

[3] Sobre o falecimento de José Abílio de Barros ver Diário de Pernambuco, Recife, 28 de novembro de 1902, sexta-feira, P. 2. Sobre um ano do falecimento ver Jornal de Recife, 27 de novembro de 1903, sexta-feira, P. 3.

[4] FILHOS DO CASAL JOSÉ ABÍLIO DE BARROS E BELMIRA DUARTE DE BARROS: 

F.1-         Júlia Duarte de Barros.

F.2-         Theodomiro Duarte de Barros – Industrial em São Paulo e, aparentemente em 1944 é chefe de uma firma chamada Cunha & Companhia, talvez em Recife. A notícia de jornal em 1944 o apresenta como Theodomiro Martins de Barros, mas deve ser um provável erro.

F.3-         Cândida Duarte de Barros – Nome de casada era Cândida Barros Chalmers, esposa do engenheiro James Chalmers, funcionário da Estrada de Ferro Leopoldina.

F.4-         Afonso Duarte de Barros – Funcionário do Ministério da Justiça.

F.5-         Armando Duarte de Barros – Comerciante em Recife e em 1944 é apresentado como Gerente do Clube Náutico Capibaribe.

F.6-         Oscar Duarte de Barros – Agente Fiscal de Consumo em Recife.

F.7-         Maria Amélia Duarte de Barros – Casada com Archibald Otto Charles Fell, engenheiro em Recife e seu nome de casada era Maria Amélia de Barros Fell.

F.8-         Belmira Duarte de Barros.

F.9-         Adalgisa Duarte de Barros.

F.10-       Alice Duarte de Barros – Viúva em 1936 do Dr. Merval Gomes Veras, advogado em Teresina-PI. Seu nome de casada era Alice de Barros Veras.

F.11-       Josete Duarte de Barros.

F.12-       Corina Duarte de Barros – Comentada no texto.

F.13-       Eugenio Duarte de Barros.

F.14-    Clarice Duarte de Barros – Esposa do advogado Arnaldo Lopes, cujo nome de casada era Clarice de Barros Lopes.

[5] Além de Cândida, se destacaram em O Lyrio, Amélia de Freitas Bevilaqua, Ana Nogueira Batista e Maria Augusta Meira de Vasconcelos Freire. Ver SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital. Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade biográfico e ilustrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, Pág. 54.

[6] Ver Jornal Pequeno, Recife, 6 de setembro de 1911, sexta-feira, P. 1.

[7] Sobre Archibald Fell ver Jornal Pequeno, Recife, 13 de novembro de 1911, segunda-feira, P. 2.

[8] Ver Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 11 de setembro de 1943, sábado, P. 7.

[9] Ver Diário de Pernambuco, Recife, 28 de novembro de 1902, sexta-feira, P. 2.

[10] Ver Diário de Pernambuco, Recife, 05 de março de 1936, quinta-feira, P. 4.

[11] Ver Diário de Pernambuco, Recife, 13 de junho de 1944, terça-feira, P. 3.

[12] Sobre a entrada de Stanley H. Barnard na RAF ver http://www.rafcommands.com/forum/showthread.php?13124-F-O-Stanley-Harry-BARNARD-(144187)

[13] Sobre a história dessa base aérea ver https://www.airshowspresent.com/raf-odiham—from-biplanes-to-helicopters.html e https://www.valka.cz/168-perut-RAF-1942-1945-t189682

[14] Ver http://enfernormand.free.fr/mustangp51.htm

[15] Ver http://mustangp51.e-monsite.com/pages/en-operation-in-operation.html

[16] Ver https://erenow.net/ww/mustang-thoroughbred-stallion-of-the-air/8.php

[17] Sobre esse caso ver https://aviationmuseumwa.org.au/afcraaf-roll/kearney-bernard-joseph-405387/

[18] Nesse período a RAF utilizava cinco esquadrões de Mustang Mk 1/1A, três esquadrões de Supermarine Spitfire PR XI e um esquadrão de bimotores De Haviland Mosquito.

[19] Sobre esse combate aéreo ver – 2nd Tactical Air Force, Volume 1, Spartan to Normandy – June 1943 to June 1944. SHORES, C. & CHRIS, T. Ian Allan Printing Ltd, Hersham, Surrey, England, 2004, Pág. 24.

https://www.aircrewremembered.com/KrackerDatabase/?s=200&q=SCHMIDThttp://www.venturapublications.com/news/publish/iiijg2.shtmlhttps://www.wikiwand.com/en/Focke-Wulf_Fw_190_operational_history#Media/File:Fw190A-3_JG2_Gr.Ko.Hahn42_kl96.jpg  Aparentemente os oficiais Brenard e Young conseguiram reagir a Schmidt e seu colega, pois Schmidt foi ferido em um acidente nesse mesmo 25 de julho de 1943, quando capotou seu FW-190 durante uma tentativa de pouso forçado perto de Lisieux. Aparentemente esse Mustang foi o único avião que Schmidt abateu durante a guerra.

[20] Sobre o comandante Mason, ver https://www.iwm.org.uk/collections/item/object/205449398

[21] Após a invasão do Dia D e a morte de Stanley Barnard, o Esquadrão 168 se mudou para a França e realizou missões de reconhecimento tático avançando nesse país e depois na Holanda. Em outubro de 1944, os Mustangs foram substituídos por caças Typhoons e iniciou missões de reconhecimento armadas sobre a própria Alemanha, além de fornecerem escolta aos bombardeios diurnos. O Esquadrão 168 voou em torno de 3.200 missões e até derrubaram quatro aeronaves da Luftwaffe. Mas o esquadrão perdeu dezenove pilotos em combate, dois em circunstâncias de não combate, e três se tornaram prisioneiros ou guerras. Por causa de suas altas perdas, o esquadrão foi dissolvido oficialmente em 26 de fevereiro de 1945, tornando-se a única unidade de caças Typhoon a ser desativada antes do final da guerra.

[22] Ainda naquele dia intenso, três perigosos e ágeis barcos torpedeiros alemães partiram de Le Havre para atacar os navios da “Force S”. Mesmo levando disparos dos navios ingleses, os barcos alemães conseguiram lançar quinze torpedos de longa distância e escapar. Dois torpedos passaram entre os encouraçados Warspite e o Ramillies e depois atingiram o destroier norueguês Svenner, que afundou.

[23] Sobre os combates em Lion-Sur-Mer ver https://www.normandie44lamemoire.com/2014/10/30/lion-sur-mer-2/ ,

[24] Sobre esses monumentos ver https://www.normandie44lamemoire.com/2014/10/30/lion-sur-mer-2/

[25] Sobre esse memorial ver https://www.cwgc.org/visit-us/find-cemeteries-memorials/cemetery-details/109600/runnymede-memorial/ e https://en.wikipedia.org/wiki/Air_Forces_Memorial

[26] Ver Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1º de setembro de 1945, sábado, P. 5.

[27] Ver Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1948, sábado, P. 6.

[28] Ver O Jornal, Rio de Janeiro, 14 de dezembro de 1949, quarta-feira, P. 9.

[29] Ver Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 7 de outubro de 1951, sábado, P. 11.

[30] No início da década de 1950, a Força Aérea Brasileira precisava formar uma unidade de busca e salvamento marítimo e outras especialidades. Para isso foram adquiridas 13 desses modelos especiais de B-17 e utilizadas entre 1951 e 1968.

[31] Sobre essa tragédia de 1952 ver Diário de Pernambuco, Recife, 24 de julho de 1952, quinta-feira, Ps. 1 e 2.

NÃO É FÁCIL SER VERDE – OS CARROS DO BRASIL FUNCIONAM COM “COMBUSTÍVEL VERDE” HÁ UM SÉCULO, MAS ISSO NÃO VEM SEM CUSTOS

Autora – Jennifer Eaglin é professora assistente de história ambiental/sustentabilidade na Ohio State University e autora de Sweet Fuel: A Political and Environmental History of Brazilian Ethanol (Oxford University Press, 2022).

Fonte – https://www.historytoday.com/archive/history-matters/its-not-easy-being-green

Afastar-se dos veículos movidos a gasolina é possível, como o Brasil provou. A história da produção sucroalcooleira do país fornece uma visão inspiradora de como pode existir uma rápida mudança do petróleo e uma história de advertência sobre os custos que a acompanham. O investimento do Brasil em açúcar-etanol transformou um importante produto agrícola nacional em uma opção energética nacional, mas também produziu grandes custos ambientais e sociais que o país ainda luta para enfrentar até hoje.

Anúncio de venda de tratores movidos a álcool no Brasil em 1922.

O etanol, ou álcool etílico, pode ser destilado de qualquer produto agrícola amiláceo, como batata, uva, milho ou cana-de-açúcar, que o Brasil utiliza. A tecnologia para usar o etanol como combustível existe desde a invenção do motor de combustão interna. Os primeiros apoiadores dessa ideia incluíam Henry Ford e Thomas Edison. 

O governo brasileiro começou a financiar pesquisas sobre as possibilidades de uso do etanol em carros desde a década de 1920. Como um país sem grandes reservas de petróleo, o etanol a partir do açúcar apresentou uma oportunidade para criar uma alternativa doméstica e “dar um impulso à nossa indústria açucareira”, como observou o presidente Epitácio Pessoa em 1922. Pesquisadores brasileiros descobriram que o etanol poderia ser misturado com a gasolina em até 25% e não necessitaria ajustar os motores a gasolina existentes. Em 1931, portanto, o governo determinou uma mistura de 5% de etanol no abastecimento nacional de combustível para automóveis. 

Propaganda de 1980 de uma fábrica de tratores, relembrando o início da utilização do álcool combustível no Brasil na década de 1920. de

Ainda assim, não foi até a crise mundial do petróleo de 1973 que o governo deu maior ênfase ao etanol. 

Em 1975, o governo militar criou o Programa Nacional de Etanol (Proálcool), que utilizou incentivos e decisões governamentais para reformar a infraestrutura de combustíveis do país. Além de investimentos pesados ​​na produção de açúcar e destilarias, o programa lançou em 1979 carros movidos a etanol desenvolvidos internamente. Com a ajuda de amplos subsídios, eles rapidamente dominaram o mercado, representando 95% de todos os carros novos vendidos no país em 1985. 

No entanto, a ascensão do etanol trouxe repercussões ambientais e sociais significativas. 

Ao longo de sua primeira década, o Proálcool expandiria a produção de etanol de pouco mais de meio bilhão de litros de etanol por ano em 1975 para três bilhões de litros por ano em 1979 e mais de dez bilhões de litros em 1985. Essa expansão rápida trouxe uma transformação dramática da zona rural. A produção de açúcar foi a causa do desmatamento extensivo no estado produtor de açúcar de São Paulo. A cana-de-açúcar foi empurrada para outras regiões à medida que a produção agroindustrial se expandiu.

Produção e armazenamento de álcool no Brasil em 1980.

A produção de etanol também gerou um subproduto adicional, a vinhaça, que transformou a produção sucroalcooleira em uma das indústrias mais poluidoras do país no final do século 20. Também conhecida como vinhoto, tiborna ou restilo, representa o resíduo pastoso e malcheiroso que sobra após a destilação fracionada do caldo de cana-de-açúcar (garapa) fermentado, para a obtenção do etanol (álcool etílico). Líquido altamente ácido, a vinhaça é produzida na proporção de dez a 16 litros para cada litro de etanol. Os produtores o descartavam em cursos d’água, criando florações de algas que destruíram a flora e a fauna, deterioraram a qualidade da água potável e aumentaram os riscos à saúde pública. 

Fiat 147, apresentado como o primeiro veículo de produção industrial, movido 100 % a álcool no Brasil.

A indignação pública pressionou a regulamentação do governo para reduzir o despejo de vinhaça na década de 1950, mas os produtores muitas vezes não cumpriram porque era mais barato despejá-lo em cursos d’água locais. Problemas contínuos com o despejo de vinhaça prejudicaram a imagem ambiental da indústria sucroalcooleira, mesmo quando especialistas encorajaram o reaproveitamento do subproduto com alto teor de nitrogênio como fertilizante. 

Plantação de cana-de-açúcar no Brasil – Fonte – https://blog.chbagro.com.br/cana-de-acucar-plantio-colheita-e-gestao

Ao mesmo tempo, a expansão da produção açucareira dependia de práticas trabalhistas de exploração que ligavam o açúcar ao passado colonial do Brasil; a cana-de-açúcar havia impulsionado a economia escravista do Brasil colonial por séculos. Nas décadas de 1970 e 1980, o crescimento da indústria exigiu um influxo de centenas de milhares de trabalhadores, em sua maioria temporários, para trabalhar nos campos de açúcar em expansão. Eles trabalhavam em condições notoriamente exploradoras, com salários baixos e muitas vezes morando no que a Federação dos Trabalhadores Agrícolas de São Paulo chamava de “senzalas modernas”. Os trabalhadores tiveram que lutar por direitos trabalhistas básicos, mesmo quando a produção de açúcar se expandiu agressivamente para acomodar motoristas de carros a etanol em grandes centros urbanos em todo o país. 

Caravana que percorreu o país com carros movidos a álcool em 1980

O etanol brasileiro ganhou sua imagem como uma alternativa ‘verde’ ao petróleo nas décadas de 1980 e 1990. Em meados da década de 1980, pesquisas sobre o impacto dos carros movidos a etanol na qualidade do ar nas cidades brasileiras descobriram que, em média, os carros a etanol emitem emissões de carbono significativamente menores do que os carros a gasolina. A partir daí, os benefícios ambientais do etanol foram promovidos. “Com o carro a etanol, você ajuda a despoluir o ar da sua cidade”, dizia um anúncio. O Proálcool também foi apresentado “como um modelo útil para a preservação do meio ambiente” e um “programa único que funcionou”. Enfatizar com sucesso as baixas emissões de carbono do etanol silenciou sua complicada história de poluição e exploração. 

Esse novo enquadramento verde sustentou o apoio doméstico e atraiu o interesse internacional no século XXI. Embora os carros a etanol tenham perdido o mercado brasileiro na década de 1990, o lançamento dos carros flex-fuel, que funcionam com qualquer mistura de etanol e gasolina, revolucionou novamente o mercado automobilístico do país e solidificou o lugar do etanol em sua infraestrutura de combustíveis nos anos 2000. Hoje os carros flex fuel dominam as estradas brasileiras e o país possui uma das mais diversas infraestruturas energéticas do mundo. Os slogans das campanhas governamentais continuam promovendo o “Brasil: País da energia limpa!” e o programa RenovaBio 2017 busca cumprir os compromissos do Brasil sob os Acordos Climáticos de Paris 2012 em grande parte por meio do uso do etanol no setor de transportes. 

O Brasil é hoje o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo. A área cultivada atinge aproximadamente 5,5 milhões de hectares, de acordo com estimativas do Sistema IBGE na Plataforma Digital de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – Fonte – https://blog.buscarrural.com/agricultura/brasil-e-o-maior-produtor-de-cana-de-acucar-do-mundo/

À medida que o mundo busca alternativas ao combustível à base de petróleo, o compromisso contínuo do Brasil com o etanol inspira esperança de que cenários futuros com baixo carbono sejam possíveis. 

A indústria brasileira de etanol representa hoje mais de 15% do consumo anual de energia do país. No entanto, entender os custos históricos que vieram com isso nos lembra que as opções de baixo carbono também trarão seus próprios problemas no futuro.

A LOUCA HISTÓRIA DE UM HOMEM QUE SAIU DE CASA PARA LEVAR CERVEJAS AOS AMIGOS NO MEIO DA GUERRA DO VIETNÃ

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Caros leitores, apenas imagine que você se encontra em um lugar distante, longe de casa, de todos que você ama e tem amizade. Imagine então que você está em um país tropical, cercado de muita selva, em meio a muito calor e extrema umidade. Imagine também que você é um simples soldado com um fuzil na mão, se protegendo em uma trincheira lamacenta, com seu uniforme verde todo ensopado, suas botas cheias de água, sem tomar banho a vários dias, comendo mal e bebendo água suspeita de conter todo tipo de germes e bactérias. Mas o pior é que a todo momento o lugar onde você está é alvejado por tiros e bombas e que mais além de sua trincheira estão seus inimigos. Eles são aguerridos nativos desse país tropical, onde você é considerado um maldito invasor e eles estão doidos para lhe enviar para o inferno com uma bala na cabeça.

Rick Duggan, que se achava na área de Quang Tri, a província do Vietnã do Sul mais próxima da então fronteira com o Vietnã do Norte e uma das áreas “quentes” da guerra em 1967.

Aí, no meio de todo esse pesadelo, do nada, sem nenhum aviso prévio, surge na sua frente um velho amigo do seu bairro, com uma camisa quadriculada berrante, calças de veludo cotelê, um sorriso no rosto e dizendo;

– Oi, vim lhe trazer umas cervejas!

Por mais que possa parecer loucura, essa história aconteceu de verdade e agora virou filme!

União Irlandesa

Inwood é um bairro da área norte da ilha de Manhattan, na cidade de Nova York, Estados Unidos. Antigamente ali existiam pequenas propriedades rurais, que foram dando lugar a casas e edifícios conforme Nova York crescia. O lugar foi sendo habitado por imigrantes irlandeses, que criaram a principal feição étnico e cultural dessa região.

Ao longo da história os irlandeses foram injustamente escravizados e oprimidos pelos ingleses, que durante séculos mantiveram controle estrito sobre a grande ilha da Irlanda e tratando a população local como a mais baixa escória da sociedade britânica. O domínio inglês levou a situações extremas, como a chamada “Grande Fome”, onde metade da população irlandesa morreu de inanição e muitos trataram de literalmente fugir para o outro lado do Atlântico. Quando chegaram aos Estados Unidos entre 1840 e 1860, quase todos os irlandeses vieram em condições de extrema pobreza e não tiveram vida mansa.

Contudo muitos conseguiram superar a falta de oportunidades, a falta de dinheiro, as doenças e as discriminações. Muito dessa superação estava ligada à ideia de união das pessoas dessa comunidade em áreas específicas, como foi o caso de Inwood. Ali eles se apoiavam, se amavam, brigavam, se protegiam, bebiam cerveja clara ou escura, mantinham suas crenças ligadas a São Patrício, a adoração ao trevo de quatro folhas, a cor verde, aos gnomos, duendes e outras coisas. Isso tudo gerou, além da forte união, um sentimento de orgulho em olhar para o passado e ver como seus ancestrais conseguiram superar os desafios. O resultado foi uma cultura persistente e forte, que se tornou um pilar da atual sociedade norte-americana.

Mas no final da década de 1960, em um país a 14.300 km de distância de Nova York e chamado Vietnã, os militares norte-americanos participavam de uma intensa luta para manter de pé o malfadado e corrupto regime do Vietnã do Sul, contra os motivados guerrilheiros comunistas do Vietcong e os membros do Exército do Vietnã do Norte.   

Em 1967 o número de americanos mortos nessa guerra crescia semanalmente e em Inwood os velórios ocorriam regularmente. Até o momento do desenrolar dessa história, nada menos que 28 jovens daquele bairro haviam morrido no Vietnã.

Cadáver de um militar americano deixando o sudeste asiático =- Fonte – https://www.wbur.org/news/2015/04/29/kennedy-vietnam-war-final-marines

Um dia, em um bar tradicional chamado Doc Fiddler’s, o barman George Lynch, um veterano da Segunda Guerra Mundial conhecido como “Coronel”, ficou indignado ao ver na TV as crescentes manifestações contra a Guerra do Vietnã. O Coronel começou então a fazer um animado discurso a favor dos soldados e proclamou que “alguém deveria levar algumas cervejas” para os heróis locais. O bar explodiu em aplausos.

O que parecia uma mera lorota de mesa de bar, foi ouvida com atenção por um dos frequentadores. Este era o marinheiro mercante John Charles Donohue, conhecido como “Chickie”, então com 26 anos de idade. Ele era um antigo fuzileiro naval que nunca havia participado de combates, mas que havia estado no Vietnã do Sul algumas vezes, quando os navios mercantes que trabalhava aportavam por lá.

Outra imagem de Rick Duggan no Vietnã

Anos depois Donohue afirmou que não sabia o que estava pensando seriamente quando decidiu partir para a zona de guerra, mas achava que tinha de fazer alguma coisa pela galera do bairro que estava na linha de frente. O espirito de união que ligava os irlandeses falou mais alto!

“Se eu lhes dissesse a verdade, vocês não acreditariam em mim”

Nos últimos meses de 1967 o marinheiro mercante Donohue conseguiu uma vaga em um navio que seguia para o Vietnã transportando toneladas de munições. Ele embarcou com algumas roupas e uma bolsa cheia de latas de cervejas. Inicialmente a ideia era se encontrar com seis jovens de Inwood, mas, como ele logo descobriria, o número baixou para quatro, pois um havia sido morto em combate e o outro havia retornado aos Estados Unidos com um caso grave de malária.

O marinheiro mercante John Donohue a caminho do Vietnã

Uma vez que ele pôs os pés em terra, no porto sul-vietnamita de Quy Nhom, milagrosamente conseguiu rastrear alguns dos quatro amigos, a maioria dos quais tinha apenas vinte e poucos anos. Os militares com quem conversava atrás de informações e caronas presumiram que Donohue, vestido com calças de veludo cotelê e uma camisa quadriculada, era algum tipo de agente do governo americano. Ao falar com oficiais de alto escalão, ele simplesmente lhes dizia: “Se eu lhes dissesse a verdade, vocês não acreditariam em mim”. Assim ele conseguiu pegar carona em jipes, caminhões, aviões e helicópteros para áreas onde seus amigos estavam.

Tommy Collins, da Polícia Militar do Exército dos Estados Unidos.

O primeiro encontrado foi Tommy Collins, que servia em uma unidade de Polícia Militar do Exército dos Estados Unidos, com base no mesmo porto em que Donohue desembarcou. Após a surpresa do encontro a farra foi grande. Recentemente Collins comentou – “Donohue estava em uma zona de combate, mas andava como se estivesse indo para uma partida de golfe”.

Depois veio Kevin McLoone, cujas as circunstâncias desse encontro beiram o absurdo. Mas, segundo eu pesquisei, realmente aconteceram dessa maneira. Donohue tentava chegar até um certo local e ao entrar em um jipe que parou para lhe dar carona, ele reconheceu que o motorista era McLoone. Foi um encontro totalmente inesperado.

Kevin McLoone

Junto com sua mochila cheia de cervejas, Donohue trouxe novidades de casa para seus amigos. Os rapazes estavam famintos pelas últimas manchetes do país, de Nova York e principalmente de Inwood. Eles recebiam regularmente cartas de entes queridos, mas com Donohue presente, em meio às cervejas, os rapazes receberam as últimas e quentes notícias sobre as garotas do bairro. Vale ressaltar que antes da viagem o marinheiro mercante se encontrou com alguns membros das famílias que queriam transmitir mensagens pessoais a seus filhos no Vietnã.

Rick Duggan com colegas da 1ª Divisão de Cavalaria dos Estados Unidos.

O próximo encontro foi com Rick Duggan, que se achava na área de Quang Tri, a província do Vietnã do Sul mais próxima da então fronteira com o Vietnã do Norte e uma das áreas “quentes” da guerra naquela época. Em abril de 1967, membros do exército sul vietnamita e militares da 1ª Divisão de Cavalaria dos Estados Unidos haviam retomado a capital dessa província do Exército Norte Vietnamita. Apesar disso os combates ainda continuavam intensos na região nos últimos meses daquele ano.

John Donohue degustando comida enlatada na área da LZ Jane.

Duggan estava na chamada Landing Zone Jane (LZ Jane), ou Zona de Desembarque Jane, ao sul de uma base aérea chamada La Vang. Consta que o encontro foi mesmo no meio de uma batalha e, segundo Duggan, a roupa de Donohue o tornava um verdadeiro alvo ambulante, onde poderia ser colocado uma tabuleta dizendo “Atire em mim, eu sou de Nova York”. O combatente lembrou no documentário The gratest beer rum ever, de 2019, que ele teve de colocar roupas militares verdes em Donohue, para assim evitar que o amigo de bairro fosse atingido por disparos dos norte vietnamitas.

John Donohue no seu encontro com Rick Duggan e seus colegas de pelotão.

Esse encontro foi, como os demais, uma mistura de surpresa, emoção, risos, cervejas e muito papo.

No Meio da Ofensiva do Tet

O próximo da lista era Bobby Pappas, que se encontrava perto de Saigon, em um lugar chamado Long Binh. Na época da guerra Saigon era a capital do Vietnã do Sul, sendo hoje conhecida como Cidade de Ho Chi Minh e o maior centro urbano da atualmente unificada República Socialista do Vietnã. 

Só que nessas idas e vindas de John Donohue pelo Vietnã em guerra, ele perdeu seu navio. O marinheiro então tentou se encaixar em algum transporte para fora do Vietnã, através do apoio da Embaixada dos Estados Unidos naquele país. Enquanto isso o ano de 1967 acabou e logo o mês de janeiro de 1968 vai chegando ao fim, quando aconteceu a intensa Ofensiva do Tet.

Helicóptero americano Bell Uh-1H na Guerra do Vietnã.

Essa foi uma das maiores campanhas militares de toda a Guerra do Vietnã, sendo executada por forças do Vietcong e do Exército Norte Vietnamita na madrugada de 30 de janeiro. Foi uma campanha de ataques surpresa contra os militares do Exército do Vietnã do Sul, das Forças Armadas dos Estados Unidos e seus aliados. Os ataques atingiram principalmente os centros de comando e controle militares e civis, visando desencadear instabilidade política em larga escala, na crença que ocorreriam deserções e rebeliões nos centros urbanos.

O nome dessa ofensiva é a versão truncada da denominação em vietnamita do festival do Ano Novo Lunar – Tết Nguyên Đán. já a data foi escolhida por coincidir com o período de férias e de licença da maioria dos funcionários públicos e militares do Vietnã do Sul e um dos principais alvos foi justamente Long Binh.

Em 1968 o complexo militar de Bien Hoa/Long Binh era a maior base militar dos Estados Unidos no Vietnã do Sul. A Base Aérea de Bien Hoa era a maior do país, abrigando mais de 500 aeronaves da Força Aérea dos Estados Unidos (USAF) e da Força Aérea da República do Vietnã (RVNAF), enquanto a chamada Long Binh Post era a maior base logística do exército americano.

Rick Duggan e John Donohue em Long Binh.

Donohue e Pappas se encontraram em Long Binh antes da Ofensiva do Tet, mas após o ataque, quando os comunistas explodiram o enorme depósito de munições que havia por lá, o marinheiro mercante saiu às pressas de Saigon para a zona de combate em busca de notícias do seu amigo, que estava vivo. Pappas comentou em uma entrevista para a rede de TV americana CBS que no ataque a Long Binh os inimigos “explodiram oito toneladas de munições em oito segundos”.

Resultado do ataque a Long Binh durante a Ofensiva do Tet.

Não demorou e Donohue partiu do Vietnã para Inwood. Em casa recebeu a admiração e o agradecimento dos amigos e parentes dos soldados do bairro que estavam na guerra.

Ele continuou trabalhando como marinheiro mercante, fez parte do sindicato de sua classe e hoje está aposentado. Tommy Collins, Kevin McLoone, Rick Duggan e Bobby Pappas sobreviveram à Guerra do Vietnã.

A Louca História Que Virou Filme

Antes de sua jornada, Donohue se colocou contrário às manifestações contra a Guerra do Vietnã. Mas ao final de sua visita de oito semanas àquele país, ele começou a mudar de ideia. Embora até hoje ele não concorde inteiramente com a forma como as manifestações ocorreram, ele diz que entendeu que os manifestantes estavam tentando parar uma guerra que “não valia a pena”.

Ao centro, à frente está John Donohue. A sua esquerda Kevin McLoone e a sua direita Tommy Collins. Atrás, da esquerda para direita estão Bobby Pappas e Rick Duggan.

Recentemente Tommy Collins comentou ao programa CBS Sunday Morning, que reuniu todos os cinco participantes dessa louca aventura, que “500.000 soldados e fuzileiros navais estavam naquela época no Vietnã, e Donohue encontrou quatro de nós. Incrível”, Rick Duggan acrescentou: “Ele me encontrou, o que é um milagre em si. Nunca estive no mesmo lugar por mais de dois ou três dias de cada vez”.

Agora essa história se tornou um filme. Intitulado The Greatest Beer Run Ever (no Brasil Operação Cerveja) é uma mistura de filme biográfico, comédia e drama de guerra. Foi dirigido e co-escrito por Peter Farrelly, baseado no livro de mesmo nome de John Donohue e Joanna Molloy.

O filme é estrelado por Zac Efron e Russell Crowe e segue a história real de Donohue, mas com alguma licença poética.

The Greatest Beer Run Ever teve sua estreia mundial em 13 de setembro de 2022, no Festival Internacional de Cinema de Toronto, Canadá, e foi lançado na plataforma de streamer Apple TV+ em 30 de setembro de 2022.

1944 – A TRAGÉDIA DA B-24 EM FORTALEZA-CE

ACONTECIMENTOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL NA CAPITAL CEARENSE

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros 

Ninguém discute a importância de Natal no contexto da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. A existência do intenso tráfego aéreo de aviões de transporte e de bombardeiros aliados, entre a capital potiguar e as bases aéreas na ilha de Ascensão, no meio do Oceano Atlântico, e principalmente nas cidades de Dacar e Acra, na África, foi um fator de grande importância para a vitória aliada neste conflito. Não se pode esquecer que de Natal partiam aeronaves que patrulhavam a costa brasileira e que foram destruídos alguns submarinos.

 Mas não foi apenas Natal que participou desse esforço. Várias outras capitais e cidades brasileiras, mesmo limitadamente, também possuíam bases aéreas e “entraram na guerra”. Fortaleza, capital do estado do Ceará, foi uma delas.

A cidade de Fortaleza em 1937.

As Primeiras Bases Aéreas

Nesta cidade o primeiro campo de pouso foi o do Alto da Balança, que se transformou em um ponto de apoio dos aviões do mítico Correio Aéreo Nacional (CAN). O local era mantido por uma unidade do Exército Brasileiro desde 21 de setembro de 1936 e servia igualmente de apoio às empresas aéreas estrangeiras e brasileiras. Na história do Campo do Alto da Balança, assim como no Campo de Parnamirim em Natal, foi ponto de parada de vários aviadores estrangeiros que realizaram os chamados “raids” aéreos. Um deles foi a famosa aviadora estadunidense Amelia Mary Earhart, que pousou na capital alencarina no dia 4 de junho de 1937.

E os Americanos Chegaram

Segundo Augusto Oliveira e Ivonildo Lavor, autores do livro “A história da aviação no Ceará”, quando os norte-americanos estavam implantando suas bases no Nordeste do Brasil, antes mesmo da declaração de guerra brasileira contra a Alemanha e a Itália, estes decidiram que em Fortaleza a base aérea local seria construída no antigo “Sítio Pecy”, que passou a ser conhecido como Pici Field (Campo do Pici) e sua construção teve início ainda em julho de 1941.

Quando a pista ainda estava em sua fase final de construção, ela foi prematuramente inaugurada quando um bombardeiro B-17 pousou por se encontrar perdida em relação a sua rota original. Segundo os dois autores de “A história da aviação no Ceará”, o sobrevoo deste grande quadrimotor causou certo pânico em Fortaleza.

Ainda segundo Augusto Oliveira e Ivonildo Lavor, com o crescimento do tráfego aéreo para Natal, além do fato da pista do Pici ter sido concluída com um tamanho limitado, fez com que o comando da USAAF na região resolvesse construir uma segunda pista em Fortaleza. O Campo do Pici ficou então sob a responsabilidade da U.S. Navy (Marinha dos Estados Unidos) e ao novo local foi dada a denominação de Adjacent Field (Campo Adjacente), por está próximo ao Campo do Pici.

Armamento sendo transportado para aviões Lockheed PV-1 Ventura da U. S. Navy, em Pici Field.

Com uma denominação esdrúxula como essa, aparentemente pautada na falta de criatividade, os cearenses da capital passaram logo a chamar o lugar de “Base do Cocorote”.

Inaugurado em 10 de dezembro de 1943, Adjacent Field serviu a praticamente um grande propósito; durante cinco meses, até 14 de maio de 1944, com o intuito de desafogar o tráfego aéreo em Parnamirim Field, o local foi o ponto de partida de grandes quadrimotores, a maioria deles pertencentes à 15ª Força Aérea da USAFF, que tinham bases no sul da Itália e seguiam sem escalas diretamente para Dacar.

O destacamento americano que operava a base era conhecido como 1155th AAFBU Army Air Force Base Unit – Fortaleza, que era parte do South Atlantic Division (Divisão do Atlântico Sul), todos subordinados ao ATC – Air Transport Command (Comando de Transporte Aéreo).

Fortaleza antes da Segunda Guerra Mundial. Fonte – Livro “Ah Fortaleza!”, Gilmar Chaves, Patrícia Veloso, Peregrina Capelo, organizadores. Fortaleza: Terra da luz Editora, 2006, pág. 49.

Durante este período a utilização de Adjacent Field foi muito intensa, onde foram realizadas 1.778 travessias. A partir de 15 de maio de 1944 esta base deixou de realizar este tipo de operação, passando a receber apenas aviões de linha ou alguma aeronave que apresentava alguma emergência.

Aproveitando a Terra do Sol

Mas apesar desta aparente utilização limitada, entre 1942 e 1945, sempre havia militares norte-americanos na cidade de Fortaleza. Existia até mesmo uma sede local da USO.

A sede da USO em Fortaleza, o conhecido “Estoril” da Praia de Iracema. Fonte – Livro “Ah Fortaleza!”, Gilmar Chaves, Patrícia Veloso, Peregrina Capelo, organizadores. Fortaleza: Terra da luz Editora, 2006, pág. 62.

A USO (United States Organization) foi fundada em 1941, sendo uma organização privada, criada em resposta a um pedido direto do então presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt. Ele desejava que pessoas e organizações diversas se unissem sob uma única sigla para fornecer serviços recreativos que ajudassem na elevação do moral das tropas americanas nas áreas de conflito durante a Segunda Guerra Mundial. A USO teve uma atuação muito intensa neste período e com enorme sucesso.

Na capital alencarina a sua sede era em uma suntuosa residência à beira-mar da Praia de Iracema. A antiga Praia dos Peixes era então um local ainda pouco utilizado pela população local, onde existiam apenas algumas casas de veraneio. A residência utilizada pelos americanos, um verdadeiro palacete, havia sido construída em 1920 pelo rico coronel pernambucano José Magalhães Porto, que morava na cidade e a denominou inicialmente de “Vila Morena”.

Amigos que tenho em Fortaleza me comentaram que as informações dos seus avós e pais, que viveram aqueles dias da presença norte americana na cidade, era que estes militares estrangeiros achavam a sede da USO um lugar agradável, com uma brisa convidativa, onde dava para tomar um ótimo banho de mar, em uma água deliciosamente quente, sob um sol escaldante. Para depois apreciar uma deliciosa e diferente água de coco.

Militares americanos em momento de descontração.

Além de aproveitarem a natureza praiana, os militares dos Estados Unidos aproveitavam outras coisas boas do Ceará. Eles mantinham relações cordiais com as moças da cidade. Estas eram de famílias tradicionais, normalmente muito bonitas, elegantes, educadas e que não estavam nem aí para as críticas da sociedade local. Logo estas jovens foram apelidadas pejorativamente de “Coca-Cola”. Comenta-se que a denominação depreciativa surgiu por elas terem o privilégio de tomar o famoso refrigerante americano que, na ocasião, somente era visto nas telas do cinema. Provavelmente elas beberam Coca-Cola da fábrica da “The Coca-Cola Company” em Natal.

Um dos vários B-24 que passaram por Fortaleza. Esta é a B24H, nº 41-28750, batizada como “The Thunder Mug”, pertencente a Esquadrilha 789, do 467 Grupo de Bombardeiro, comandada pelo Tenente Charles Kagy, em rota transatlântica pela América do Sul. Ao fundo a torre de controle da base de Adjacento Field Fonte – http://moraisvinna.blogspot.com

Não podemos esquecer que em Natal havia situação semelhante. Os norte-americanos promoviam festas na base de Parnamirim Field, as famosas festas “For All” (Para todos) e faziam questão de ter, com toda fidalguia e respeito, a presença das moças potiguares nos eventos. Devido a distância da base e o centro de Natal, elegantemente os promotores das festas disponibilizam gratuitamente um ônibus para buscar as jovens na cidade. De maneira pra lá de depreciativa, os marmanjos locais passaram a denominar este ônibus como “marmita”, pois transportava “a comida dos americanos”.

Memórias

Apesar deste clima positivo, a passagem de aviões pela região Nordeste do Brasil em direção a África, não era isenta de problemas. Não se pode esquecer que atravessar o Oceano Atlântico era bem mais arriscado do que agora, a aviação ainda não tinha os modernos recursos e se vivia uma guerra.

Em arquivos localizados nos Estados Unidos estão guardados microfilmes com inúmeros relatórios da antiga Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (United States Army Air Force – USAAF).

Entre estes documentos estão os denominados MACR, que é uma sigla para Missing Air Crew Report (Informe de Tripulação Aérea Desaparecida), onde era detalhado os acidentes de aeronaves norte-americanas em todas as partes do mundo durante este conflito. Abrangiam casos que iam desde a derrubada de uma aeronave em território inimigo, ou como era mais comum no caso das aeronaves que passavam pelo Brasil, o desaparecimento na selva, ou no mar. Eram preenchidos dois dias depois que uma aeronave não retornava de uma missão.

A mítica B-24.

Existem três informes inéditos de acidentes com aviões B-24, que tem Fortaleza como ponto de partida ou de chegada.

Fabricado pela empresa Consolidated Aircraft, a mítica B-24, conhecida como “Liberator”, era um bombardeiro estratégico, quadrimotor, armado com dez metralhadoras de defesa calibre 12,7 mm, modelo Browning M2. Tinha peso total de 29.500 kg, podia levar quase seis toneladas de bombas de alto poder explosivo, a uma velocidade máxima de 470 km/h, a uma altitude máxima de 8.500 metros, com um alcance de 6.000 quilômetros. Para levar este monstro alado para a luta sua tripulação normalmente era composta de 10 militares. Este foi o modelo de avião mais visto em Fortaleza durante o pico do movimento de aeronaves em direção à África.

Grupo de bombardeiros B-24 antes da decolagem no Pacífico.

Os Problemas Com as B-24 

O primeiro deles ocorreu no dia 22 de janeiro de 1944, quando o B-24 foi registrado com o numeral 42-100307, comandado pelo segundo tenente Henry A. Daum, por volta de uma hora da tarde, em meio a muita chuva, se chocou com uma montanha a “25 miles” (25 milhas) a sudoeste de Fortaleza. Todos os seis ocupantes da aeronave faleceram.

Detalhe do documento informativo da queda B-24 nº 42-100307, comandado pelo segundo tenente Henry A. Daum em choque contra uma montanha no Ceará – Fonte – National Archivies, Washington, D. C. Estados Unidos.

Limitado de informações e pouco detalhista, o relatório da destruição da B-24 do segundo tenente Henry mostra que provavelmente o sinistro ocorreu nas serras existentes entre as cidades de Caucaia e São Gonçalo do Amarante, facilmente visíveis para quem se desloca de carro pela BR-222, em direção a bela cidade de Sobral.

O segundo sinistro ocorreu na madrugada de 8 de fevereiro de 1944, quando o B-24H, de numeral 41-29293, pertencente à Esquadrilha 758, do 459 Grupo de Bombardeiros, sob o comando do segundo tenente Daniel B. MacMillin, natural da cidade de Stephenville, no estado do Texas, partiu em direção a Dacar, capital do atual Senegal.

Detalhe do relatório sobre o desaparecimento da B-24H, nº 41-29293 – Fonte – National Archivies, Washington, D. C. Estados Unidos.

Naquela época, segundo a documentação, cada avião que decolava de Fortaleza era obrigado a enviar uma mensagem em código, em períodos pré-determinados, para que soubessem que estavam voando e qual era a sua posição. Nas três primeiras horas a mensagem chegou, depois nada mais. O B-24 e seus dez tripulantes desapareceram. Os documentos apontam que durante dez dias foram realizadas missões de busca visual, mas nunca se soube o que ocorreu com esta aeronave, com o tenente Daum e sua tripulação.

Grupo de B-24 sobre o mar. Fonte Arquivo Revisa Life.

Mas o caso melhor documentado foi a queda de um bombardeiro B-24 em Fortaleza.

A Tragédia da B-24 do Tenente Brock 

Por volta da meia noite e cinquenta do dia 28 de fevereiro de 1944, a B-24H, numeral 42-52645, comandado pelo segundo tenente William M. Brock Jr., decolou em direção a Dacar, mas devido a problemas em um dos motores, fez uma volta para aterrissar e caiu.

Parte do relatório do major Ernest E. Dryer, classificado como “SECRETO” – Fonte – National Archivies, Washington, D. C. Estados Unidos.

O oficial de operações de Adjacent Field, major Ernest E. Dryer elaborou um relato sucinto sobre o trágico fato. O major foi chamado pouco depois da uma da manhã, onde foi informado pelo oficial de dia da 1155th AAFBU que havia um incêndio de grandes proporções a sudoeste do Campo Adjacento e que um “native” tinha dito que um avião havia caído.

Para o major o fogo parecia estar muito grande para ser apenas em uma habitação de algum morador local, e que um dos aviões da base (provavelmente um modelo menor) decolou para sobrevoar o local. Mas o incêndio atingiu uma área tão grande, que o oficial de operações e um grupo de homens nem esperaram o retorno deste avião e saíram em viaturas para investigar.

Bombardeiros B-24 da 15th Air Force, atacando a refinaria de Ploesti, na Romênia. O B-24 comandado pelo segundo tenente William M. Brock Jr. não chegou a combater.

Ao chegar ao local do incêndio, o major Dryer verificou que realmente era um avião, modelo B-24, com a numeração 42-52645. No local já se encontravam viaturas e membros do departamento de bombeiros da cidade de Fortaleza para manter o fogo sob controle.

O oficial de operações assumiu o comando e enviou um mensageiro de volta à base para informar ao oficial médico que enviasse ambulâncias, a polícia militar e que fosse iniciado o trabalho de relatar os detalhes do acidente imediatamente. Logo descobriram que todos os dez tripulantes pereceram.

Peças de avião, corpos despedaçados e pertences pessoais foram espalhados por uma distância de 1000 pés (300 metros). O corpo de um dos membros da tripulação estava pendurado em uma árvore. Guardas norte americanos foram colocados guarnecendo os destroços e aguardando até que o oficial médico da base assumisse o trabalho de perícia.

Verificado o número do avião com o registro de partida, foi descoberto que aquele B-24 foi o último a sair da base naquela noite e caiu três minutos após a decolagem.

B-24 em chamas.

O avião estava tão danificado que uma verificação dos controles não foi possível.

Notou-se que a asa direita tinha batido em uma árvore e quebrou. Por esta razão o caminho que o avião fazia rente ao solo tinha mudado aproximadamente 90 graus para a direita. Em seguida bateu no chão, foi se arrastando em linha reta por cerca de 1000 pés e se desintegrou ao longo do caminho.

Finalmente o B-24 atingiu uma árvore, parou em uma vala e explodiu, jogando detritos em uma larga área. Na queda a aeronave destruiu um barraco vazio e um tanque de óleo foi jogado através do telhado de outro casebre, mas ninguém na terra morreu.

Destaque do depoimento da brasileira Laura sobre a queda da B-24.

A documentação traz destacadamente, como principal testemunha, a brasileira Laura Ramos Barreto. Esta é apontada pelos americanos como “Native woman” (Mulher nativa) e informa que morava a cerca de um quilômetro e meio da base, no que hoje é o bairro de Montese.

No seu relato prestado nas dependências da 1155th AAFBU, Laura afirmou que sempre à noite escutava os aviões decolando de Adjacent Field e que nesta ocasião ouviu uma aeronave cujos motores pararam repentinamente sobre sua residência. Ela estranhou e, ao procurar olhar o avião da janela de sua casa, Laura presenciou três explosões no solo, seguidas do forte incêndio.

Um acidente inusitado de uma B-24.

Para o major Ernest E. Dryer, o exame das hélices mostrou que pelo menos três dos motores tinham capacidade operativa, mas que não pôde ser dada uma opinião conclusiva em relação ao quarto, devido à extensão dos danos.

As investigações apontaram que a causa do acidente foi uma falha em um dos motores, certamente o que estava mais destruído, imediatamente após a decolagem. Provavelmente o piloto retraiu os flaps em uma altitude muito baixa, fazendo assim com que o B-24 voasse muito próximo ao solo, batendo em uma árvore, rasgando a asa direita do avião e provocando a explosão.

Os corpos foram enterrados em Fortaleza e transladados pra os Estados Unidos ao final do conflito.

Faziam parte da tripulação da B-24H, numeral 42-52645 os seguintes militares;

Segundo tenente William M. Brock Jr., piloto

Segundo tenente Robert D. Wear, co-piloto

Segundo tenente James H. Beatty, navegador

Segundo tenente William D. Davies, bombardeiro

Sargento Kelley L. Epley, engenheiro de voo

Sargento Homer E. Hill, operador de rádio

Sargento William C. Ship, atirador de metralhadora

Sargento Thomas M. Bassett, atirador de metralhadora

Sargento Leo P. Desjardins, atirador de metralhadora

Sargento Jack Z. Roby, atirador de metralhadora

Segundo tenente Robert D. Wear, co-piloto
Sargento Jack Z. Roby, atirador de metralhadora.

Como a participação das bases aéreas em território brasileiro não se restringiu apenas a Natal, estes relatos mostram que certamente existem muitas histórias para serem contadas.

P.S. – GOSTARIA DE AGRADECER A COLABORAÇÃO DO PESQUISADOR CEARENSE ÂNGELO OSMIRO PELO APOIO NESTE TRABALHO.

1944 – THE TRAGEDY OF THE B-24 IN FORTALEZA, BRAZIL

EVENTS OF THE SECOND WORLD WAR IN NORTHEASTERN BRAZIL 

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

No one disputes the importance of Natal in the context of Brazil’s participation in World War II. The existence of an intense traffic of transport planes and bombers, between the air bases on the island of Ascension, Dakar and Accra, was a contributing factor in the Allied victory in this conflict. In addition to support point for air, do not forget that Natal aircraft patrolling the Brazilian coast were destroyed and also some submarines.

But Natal was not just the only Brazilian city that participated in this effort by the Allied victory. Even to a limited extent, other cities also had air bases and helped Brazil in its war effort. Fortaleza, capital of Ceará state, was one of them.

The city of Fortaleza in 1937

The First Air Bases and the Americans arrived

In this city the first airfield was the “Alto da Balança”, which became a point of support of the Brazilian National Air Mail planes.

The site was maintained by a unit of the Brazilian Army since September 21, 1936 and also served for the Brazilian and foreign airlines. In the history of the “Alto da Balança” Field, was stopping point for various foreign aviators who carried out air flights. One of these was the famous American aviatrix Amelia Mary Earhart, that landed in Fortaleza on June 4, 1937.

The researchers Augusto Oliveira and Ivonildo Lavor, authors of “The history of aviation in Ceara”, when the Americans were deploying their bases in the Northeast of Brazil, even before the Brazilian declaration of war against Germany and Italy, they decided that Fortaleza on the air base site would be built on old farm called “Sítio Pécy”, which became known as “Pici Field”, and construction has started in July 1941.

When the track was still in its final construction phase, it was opened prematurely when a B-17 landed, when lost in relation to its original route. According to the two authors of “The history of aviation in Ceará,” the big four-engine plane caused some panic in Fortaleza.

Also according to Augusto Oliveira and Ivonildo Lavor, with the growth of air traffic for Natal, and the fact landing strip in “Pici Field” had completed a limited size, the command of the USAAF in the region decided to build a second landing strip at Fortaleza. The “Pici Field” was then under the responsibility of the U.S. Navy and the new site was given the name “Adjacent Field” and this was near the “Pici Field”.

Weapons being transported to Lockheed PV-1 Ventura U. S. Navy in “Pici Field”.

Inaugurated on December 10, 1943, “Adjacent Field” served a great purpose for five months until May 14, 1944, in order to vent the air traffic in Natal, the site was the starting point of large four-engine aircraft, most of them belonging to the 15th Air Force which had bases in southern Italy and moved non-stop directly to Dakar.

The American detachment that operated the base was known as 1155th Army Air Force Base Unit – Fortaleza (AAFBU Fortaleza), which was part of the South Atlantic Division, all subordinate to ATC – Air Transport Command.

Fortaleza before the Second World War. Source – Book “Ah Fortaleza!”, Gilmar Chaves, Patricia Veloso, Peregrina Capelo, organizers. Fortaleza: Terra da Luz Editora, 2006, pg. 49.

During this period the use of “Adjacent Field” was very intense. 1.778 crossings were made from this base. From May 15, 1944, this type of operation, received only passing airliners or some aircraft that had an emergency.

Taking the “Land of the Sun”

Yet despite this apparent limited use between 1942 and 1945, there was always the presence of U.S. military personnel in the city of Fortaleza. There was even a local branch of the USO.

The USO headquarters in Fortaleza, actually known as the notorious “Estoril Restaurant” in Iracema Beach. Source – Book “Ah Fortaleza!”, Gilmar Chaves, Patricia Veloso, Peregrina Capelo, organizers. Fortaleza: Terra da Luz Editora, 2006, pg. 62.

Its USO headquarters in Fortaleza was a sumptuous residence on the seaside on Iracema Beach. The old Fish Beach was a place still so little used by local people, where there were few vacation homes. The residence used by the Americans, a real palace, was built in 1920 by a wealthy city dweller who first called initially “Vila Morena”.

My friends in Fortaleza have commented, that information from their grandparents and parents who lived those days of North American presence in the city, it was thought that these foreign military headquarters USO was a nice place with an inviting breeze, a great swimming place in deliciously warm water under a blazing sun. And then enjoy delicious coconut water.

The U.S. military in a moment of relaxation.

Apart from exploring the nature seaside, the U.S. military took advantage of other good things of Ceará. They maintained cordial relations with the girls in town. These were traditional families, usually beautiful, elegant, educated and did not care for criticism of local society. Soon these young men were derisively dubbed the “Coca-Colas.” It is said that the name in a derogatory way, they appeared to have the privilege of drinking the famous American soft drink, which at the time, was only seen on the big screen. They probably drank Coca-Cola plant from “The Coca-Cola Company” in Natal.

This is B24H, No. 41-28750, named as “The Thunder Mug”, belonging to 789 Squadron, the 467th Bomb Group, commanded by Lieutenant Charles Kagy on the transatlantic route across South America At the bottom of the control tower “Adjacent Field”- http://moraisvinna.blogspot.com

Memoirs 

Despite this positive climate, the passage of aircraft by the Northeast of Brazil toward Africa was not without its problems.

In archives of the United States Army Air Force – USAAF, there are three unpublished reports of accidents with aircraft B-24, “Adjacent Field” which has as its point of departure or arrival.

The legendary B-24.

Manufactured by Consolidated Aircraft, the legendary B-24, known as the “Liberator,” was a strategic bomber, with ten machine guns 12.7 mm Browning M2 model defense. He airplane had a total weight of 29,500 kg, could take nearly six tons of high-explosive bombs, at a maximum speed of 470 km / h, at a maximum altitude of 8,500 meters, with a range of 6,000 kilometers. The crew usually consisted of 10 militaries. This was the model airplane seen more in Fortaleza during the busiest time of the aircraft toward Africa.

Group B-24 bombers in the Pacific Island before takeoff.

The Problems with the B-24

The first accident occurred in the region on January 22, 1944, when the B-24 registered with the numeral 42-100307, led by second lieutenant Henry A. Daum, around one o’clock in the afternoon amid heavy rain, crashed into a mountain 25 miles southwest of Fortaleza. All six people on board died.

Details of the briefing paper from falling B-24 No. 42-100307, ​​commanded by second lieutenant Henry A. Daum in collision with a mountain in Ceará – Source – National Archives, Washington, D. C., United States.

Limited information and few details, the report of the destruction of the B-24 pilot by second lieutenant Daum shows that the accident probably occurred in the mountains between the towns of Caucaia and São Goncalo do Amarante.

The second accident occurred on the morning of February 8, 1944, when the B-24H, 41-29293 belonging to 758 Squadron, the 459th Bomb Group, commanded under the second lieutenant Daniel B. MacMillin, of Stephenville, Texas, left for Dakar, Senegal’s capital today.

Details of the report on the disappearance of the B-24H, No. 41-29293 – Source – National Archives, Washington, D. C., United States.

At that time, according to the documentation, each plane that took off from Fortaleza was obliged to send a coded message, in periods of pre-determined time, for they knew they were flying and their position. In the first three hours the message arrived, then nothing. The B-24 and his ten crewmen were lost. The documents show that for ten days were accomplished visual search tasks, but never heard what happened to this aircraft, with the lieutenant Daum and his crew.

Group B-24 over the sea. Source -Archive Life Magazine.

But the best documented case was the crash of a B-24 bomber in Fortaleza.

The Tragedy of the B-24 of Lt. Brock

At around midnight and fifty minutes on February 28, 1944, the B-24H, numeral 42-52645, commanded by second lieutenant William M. Brock Jr., took off toward Dakar, but due to problems in one of the engines, made a turn to land and fell.

Part of the report by Major Ernest E. Dryer, classified as “SECRET” – Source – National Archives, Washington, D. C., United States.

The operations officer “Adjacent Field”, major Ernest E. Dryer prepared a brief report about the tragic fact.

Major was called shortly after one o’clock, where he was informed by the officer of the day on 1155th AAFBU who had a major fire southwest of the “Adjacent Field” and that a Brazilian had said that a plane had crashed. For major Dryer this fire was too strong to be just a housing problem in any one local residence, and one of the planes to fly took off from the base site. But the fire covered a large area, the operations officer and a group of men did not even wait the return of the plane and left in car to investigate.

B-24 bombers of the 15th Air Force, attacking the refinery in Ploesti, Romania.

Upon arriving at the scene of the fire, major Dryer found that it actually was an accident with a B-24 model airplane, with the number 42-52645. At the site were already members of the police and fire department of the city of Fortaleza to keep the fire under control.

The operations officer, took command and sent a messenger back to base to inform the medical officer to bring ambulances and military police. Immediately work was started to report the details of the accident. They soon found that all ten crew members had died.

Airplane parts, broken bodies and personal belongings were scattered over a distance of 1000 feet. The body of one crew member was hanging from a tree. American guards were placed to guard the wreck and waited for the medical officer of the base to take over the charge of the bodies.

Checking the number of the plane with the boot record, it was discovered that one B-24 was the last to leave the base that night and crashed three minutes after takeoff.

B-24 burning.

The plane was so damaged that a check of the controls was not possible. It was noted that the right wing had hit a tree and was broken. For this reason the path of the plane was close to the ground and had shifted about 90 degrees to the right. Then hit the ground, and was dragged in a straight line for about 1000 feet, disintegrating along the way.

Finally, the B-24 hit a tree, stopped in a ditch and exploded, throwing debris over a wide area. In the fall the aircraft destroyed an empty shack and an oil tank was thrown through the roof of another hut, but no one on the ground died.

Highlights of the testimony of the Brazilian woman about the fall of the B-24.

The documentation by the main witness, the Brazilian, Laura Ramos Barreto, who lived about a mile away from the base, which today is probably in the neighborhood of Montese.

In her report delivered at the premises of the 1155th AAFBU, Laura said she always listened at night the planes taking off from “Adjacent Field” and heard that on this occasion an aircraft whose engines stopped suddenly near her residence. She was surprised, when looking at the plane she saw three explosions on the ground, followed by heavy fire.

An accident of an unusual B-24 in Italy.

To Major Ernest E. Dryer, examination of the propellers showed that at least three of the engines had operational capacity, but that could not be given a conclusive opinion, due to the extent of damage.

The investigations showed that the cause of the accident was a failure in one engine, which was certainly the most destroyed immediately after takeoff. Probably the pilot retracted the flaps at a very low altitude, thus making the B-24 fly too close to the ground, hitting a tree, tearing the plane’s right wing and causing the explosion.

The bodies were buried in Fortaleza and transferred to the United States in 1947.

They were part of the following crew of the B-24H, 42-52645;

-Second Lieutenant William M. Brock Jr., pilot
-Second Lieutenant Robert D. Wear, co-pilot
-Second Lieutenant James H. Beatty, navigator
-Second Lieutenant William D. Davies, bomber
-Sergeant Kelley L. Epley, flight engineer
-Sergeant Homer E. Hill, radio operator
-Sergeant William C. Ship, gunner
-Sergeant Thomas M. Bassett, gunner
-Sergeant Leo P. Desjardins, gunner
-Sergeant Jack Z. Roby, gunner

Second Lieutenant Robert D. Wear, co-pilot.
Sergeant Jack Z. Roby, gunner.

The participation of air bases in Brazil was not only restricted to Natal, these reports show that there are certainly many stories to be told.

P.S. – I would like to thank the researcher  Ângelo Osmiro, for your support in this work.

PAULO – O ÚLTIMO ESCRAVO AFRICANO EM NATAL

Aparentemente Desembarcou no Brasil em 1855, no Último Carregamento de Escravos Vindo da África – Marcou Época em Natal Por Tocar Zambê e Ser “Feiticeiro” – Foi Batizado como Paulo José de Oliveira e Morreu em 1905

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Nos primórdios do Brasil existiu por aqui uma curiosa sociedade, que foi resumida dessa maneira – “Formou-se na América tropical uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na técnica de exploração econômica, híbrida de índio – e mais tarde de negro – na composição”. Uma sociedade que marcou fortemente a formação do povo brasileiro e que foi tão brilhantemente descrita na obra “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freyre.[1]

Quem detinha o poder nessa sociedade era riquíssimo e vivia na opulência. Habitavam em belas casas grandes construídas de pedra, barro e cal. Eram cobertas de palha ou telhas, com varandas nas laterais, telhados inclinados para dar proteção contra chuvas tropicais e o calor do sol, sendo esses lugares ao mesmo tempo “fortaleza, banco, cemitério, hospedaria, escola, santa casa de misericórdia amparando os velhos e as viúvas, recolhendo órfãos”.[2]

Quadro do holandês Frans Post intitulado “Engenho de Pernambuco”.

Os homens e mulheres que criaram este primeiro grande boom do açúcar no mundo viveram muito bem. Muitas histórias são contadas sobre a opulência dos fazendeiros daquele Brasil antigo.

Suas mesas eram carregadas de prata e porcelana fina comprada de capitães de barcos a vela em seu caminho de volta do Oriente. Diziam que as portas de suas casas tinham “fechaduras de ouro”[3], que suas mulheres usavam enormes pedras preciosas em prendedores de cabelos, que músicos animaram os banquetes, que suas camas eram cobertas de tecido de damasco produzidos na Itália e um exército de serviçais negros estavam sempre pairando ao redor para satisfazer todos os seus desejos.

E esses lacaios satisfaziam de verdade essa gente em tudo e por tudo que desejassem. Pois se assim não fizessem iam para o chicote, para o açoite no tronco, presos a dolorosos grilhões e padecendo de uma morte sofrida e aterradora.

Engenho de Itamaracá, de Frans Post para mapa de Gaspar Barlaeus, 1647 – Fonte – https://ensinarhistoria.com.br/para_colorir_engenho_frans_post/ – Blog: Ensinar História – Joelza Ester Domingues

A fortuna aproveitada pelos donos dos engenhos de cana repousava sobre o açúcar e o açúcar sobre a escravidão africana. Onde seus “donos” massacraram esses cativos, usando e abusando do seu suor, do seu sangue e de suas vidas, na mais nefasta página da História do Brasil. Os africanos que vieram para essa parte do mundo eram tratados como meros animais de carga, bichos brutos e, situação pior, as mulheres serviam para todos os tipos de taras dos seus senhores.

E tudo indica que no ano de 1905 faleceu em Natal um homem que viveu todas as agruras desse flagelo, que aqui ficou conhecido como Paulo Africano e que, segundo Câmara Cascudo seria o “último africano legítimo”, o último cativo vindo da África a falecer na capital do Rio Grande do Norte.

Essa é a sua história!

Poucos Escravos

Em 1937 Luís da Câmara Cascudo já era considerado o intelectual maior da terra potiguar e o que ele escrevia, apesar do seu provincianismo militante, já repercutia no Rio de Janeiro, onde se concentrava o poder do país e os principais jornais e rádios da nação.

Família brasileira na época da colônia e império.

No dia 12 de junho daquele ano, o jornal carioca Diário de Notícias publicou o texto intitulado “O povo do Rio Grande do Norte” (pág. 28), de autoria de Cascudo, onde ele comenta sobre a formação do povo potiguar. Para o autor o escravo negro já estava no Rio Grande do Norte desde 9 de janeiro de 1600, onde trabalhavam em benfeitorias e vinham da Guiné. Comentou também que o número de escravos “nunca foi avultado, nem mesmo na sua relação da pequena população branca”. Tanto que em “1808 eram 1.127 pretos, para 1.956 brancos em Natal”. Para Cascudo o 13 de maio de 1888 “não encontrou senão uns trezentos e poucos”.

O texto informava que os escravos que viviam em terras potiguares eram procedentes do “Sudão, angolas, congos, banguelas (SIC), trazidos de Pernambuco que os importava”. Para Cascudo o Rio Grande do Norte era uma “terra de parcos capitaes, não teve negreiros e nem commercio. Era apenas um mercado, um pequeno mercado consumidor”.

O jornal carioca Diário de Notícias, 12 de junho de 1937.

Cascudo então comenta, através de informações transmitidas por Francisco Artemio Coelho, que faleceu em 1945, que “O último africano puro que morreu em Natal, Paulo Africano, morador da rua do Camboim, mestre de zambê e feiticeiro, fallecido a 24 de abril de 1905”. Tempos depois o Mestre Cascudo vai descobrir que essa data estava errada.

Coelho informou também que Paulo Africano “dizia ter desembarcado numa praia e levado para Sirinhaém”, atualmente um município autônomo próximo ao litoral de Pernambuco, ao sul de Recife.

E é nesse ponto de sua afirmação, que Câmara Cascudo nos aponta uma possível ligação do momento da chegada de Paulo Africano ao Brasil.

O Terrível Tráfico

A justificativa das potências marítimas europeias para trazer africanos negros à força para trabalhar como animais, foi motivada pela necessidade econômica, pois nos séculos XVI e XVII as suas possessões no Novo Mundo eram os locais mais importantes para a criação de divisas e riquezas.

Comércio de escravos no Cais do Valongo, porto do Rio de Janeiro.

No século XVI os africanos eram comprados na região subsaariana e enviados em barcos de propriedade de europeus, mas estes não estavam diretamente envolvidos na captura dos escravos, ou no comércio interafricano de cativos. Para os brancos europeus bastava suprir a crescente demanda de escravos para as plantações nas colônias no Novo Mundo.

Aqueles que capturavam os escravos eram em sua maioria africanos negros, que conseguiam as suas “peças” em conflitos étnicos e tribais, ou mesmo em guerras de maior escala. Não era incomum trocar cativos com outras tribos. Daí não houve maiores dificuldades em vendê-los para os brancos no litoral.

Por volta de 1550, os portugueses começaram a enviar vários povos africanos como os bantos de Angola, Moçambique e Congo; Yorubá, Ewe, Mandinga do Sudão e da África Ocidental. Ao longo dos próximos 300 anos, mais de quatro milhões de africanos seguiram de maneira forçada para o Brasil. Esse tipo de negócio foi considerado um dos mais lucrativos do reino português.

Como os cativos seguiam a bordo de barco negreiro.

As condições a bordo dos navios de transporte de escravos, ou navios negreiros, como ficaram conhecidas as naves que transportaram esse verdadeiro “gado humano”, eram terríveis. Acorrentados e deitados juntos, os escravos tiveram que dormir sobre suas próprias fezes durante toda a travessia, que podia demorar semanas. A mortalidade a bordo era muito alta, mas as perdas resultantes pareciam aos traficantes de escravos menores do que os custos que teriam acarretado condições de transporte menos desumanas. 

70% dos escravos no Novo Mundo estavam empregados no cultivo de cana-de-açúcar e, ao longo do tempo, outros tiveram que trabalhar nas colheitas de café, algodão, tabaco e na atividade de mineração. Os produtos obtidos do trabalho servil eram então enviados para a Europa e os barcos retornavam com produtos processados das metrópoles, ou novas levas de escravos da África.

Representação do desembarque de escravos.

Naqueles primeiros anos da colonização portuguesa no Brasil, a região que mais lucrou com a plantação de cana-de-açúcar e a que foi a principal “anfitriã” de milhares e milhares de escravos africanos foi o que hoje é o nosso ensolarado Nordeste. E por aqui as duas capitanias, hoje estados, que mais receberam cativos foram a Bahia e Pernambuco.

Joseph Cliffe descreveu que quando os escravos chegavam ao Rio, ou à Bahia, se encontravam tão fracos que mal conseguiam andar e tinham de ser retirados dos barcos. Depois eles eram mantidos em barracões e ali alimentados, engordados e bem tratados antes da venda. Às vezes eles eram mantidos até seis meses nesses acampamentos antes de serem vendidos[4].

Quadro de Rugendas mostrando habitação de escravos – Fonte – http://www.joseferreira.com.br/

Pode parecer até uma redundância, ou ironia, mas também ocorreram nesses barcos vários massacres e crimes em massa contra os escravos, como o chamado “Massacre do barco Zong”. Em 1781 este transporte negreiro britânico teve dificuldades na navegação e acabou desviando do curso na região do Caribe. Como foram ficando sem mantimentos e água, a tripulação simplesmente jogou no mar cerca de 130 a 150 africanos. Inicialmente os fatos ocorridos no Zong não tiveram o mínimo eco no público britânico. Mas no médio prazo o caso começou a ser debatido e amplamente comentado, desenvolvendo um papel interessante na ascensão do abolicionismo naquele país. O caso do Zong então se tornou um símbolo da crueldade da escravidão. 59 anos depois da tragédia, William Turner, um dos percursores do modernismo na pintura, retratou o incidente em seu quadro The Slave Ship, que se tornou um símbolo da causa abolicionista.

Quadro de The Slave Ship, do inglês William Turner, um dos percursores do modernismo na pintura e se tornou um símbolo da causa abolicionista. Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/The_Slave_Ship.

Abolicionismo e Pressão Britânica

Os opositores do tráfico de escravos se reuniram na Inglaterra desde 1787, onde fundaram uma sociedade para abolir a escravidão e foram chamados de abolicionistas. O movimento foi politicamente apoiado por William Wilberforce, que repetidamente levou a abolição do tráfico de escravos à votação na Câmara dos Comuns. Wilberforce foi o pivô do que ficou conhecido como a “Seita Clapham”, um grupo de membros politicamente influentes da Igreja da Inglaterra, fundado pelo ex-capitão de navio negreiro e mais tarde ministro John Newton. Os chamados “Santos de Clapham” tornaram sua principal tarefa abolir todas as formas de escravidão e seu comércio.[5]

A Revolução Francesa de 1789 ajudou a difundir ideias sobre direitos humanos e liberdades civis. As Guerras Revolucionárias Francesas (1792–1797), as Guerras Napoleônicas (até 1815) e a ocupação de algumas áreas pelas tropas francesas, difundiram essas ideias para partes da Europa e além.

Símbolo da British Anti-Slavery Society (1795)

Depois que os britânicos encerraram seu próprio comércio de escravos com o “Slave Trade Act” de 24 de fevereiro de 1807, eles tiveram de obrigar outros povos a fazerem o mesmo, caso contrário as colônias britânicas teriam uma desvantagem competitiva em comparação com as de outras nações. Por exemplo, sob pressão britânica no Congresso de Viena em 1814 e 15, a escravidão foi proibida no artigo 118 da Lei do Congresso. Os Estados Unidos proibiram o comércio ao mesmo tempo que a Grã-Bretanha, assim como a Dinamarca.[6] Outros países como a Suécia aboliram a escravidão logo em seguida, assim como os Países Baixos, que nessa época era a terceira maior potência colonial, atrás apenas da Grã-Bretanha e da França.

Para a França, derrotada pelos britânicos nas guerras napoleônicas, não apenas foi exigido a proibição do comércio de escravos, mas também o policiamento dessa proibição. A Marinha Real Britânica, a Royal Navy, passou a inspecionar e apreender todos os navios suspeitos que transportavam escravos, ou eram equipados para tais fins, até que em 1815 a França concordou formalmente em proibir o comércio de escravos. Mas vale frisar que, mesmo com essas ações de repressão, esse nefasto comércio só parou completamente na França em 1848.

A busca de escravos fugitivos foi um grande negócio para os rastejadores no período da escravatura no Brasil.

Portugal e Espanha, antigas aliadas em dívida com a Grã-Bretanha após as Guerras Napoleônicas, só gradualmente concordaram em acabar com o comércio de escravos e após grandes pagamentos. Em 1853, o governo britânico pagou a Portugal mais de 3 milhões de libras e à Espanha mais de 1 milhão de libras para acabar com esse nefasto comércio.

E no Brasil, como foi?

Encarando o Império Britânico

O Brasil, independente de Portugal em 1822, não concordou em parar o tráfico de escravos. Além de lucrativo, ao longo de décadas a escravidão criou um fator que ampliou essa “desobediência” brasileira aos britânicos – a dependência dos escravos para quase tudo que significava trabalho.

Em 1850 a maioria dos brasileiros que tinham posses possuíam cativos. Fossem eles grandes latifundiários no campo, ou pequenos comerciantes das cidades, funcionários públicos de alto ou baixo escalão, indo até artífices, o elemento negro predominava nos afazeres diários dessa gente. Igualmente seus ancestrais utilizaram escravos ao longo de trezentos anos. Então, não é nenhuma surpresa que esse pessoal observasse a instituição da escravidão como algo normal, como parte da ordem natural das coisas e sua dependência em relação aos cativos era enorme.

Gilberto Freyre mostra claramente em “Casa Grande e Senzala” um exemplo do que essa dependência criou no Brasil – “a vida do senhor de engenho tornou-se uma vida de rede. Rede parada, com o senhor descansando, dormindo, cochilando. Rede andando, com o senhor em viagem ou a passeio debaixo de tapetes ou cortinas. Rede rangendo, com o senhor copulando dentro dela. Da rede não precisava afastar-se o escravocrata para dar suas ordens aos negros; mandar escrever suas cartas pelo caixeiro ou pelo capelão; jogar gamão com algum parente ou compadre. De rede viajavam quase todos – sem ânimo para montar a cavalo: deixando-se tirar de dentro de casa como geléia por uma colher. Depois do almoço, ou do jantar, era na rede que eles faziam longamente o quilo – palitando os dentes, fumando charuto, cuspindo no chão, arrotando alto, peidando, deixando-se abanar, agradar e catar piolho pelas molequinhas, coçando os pés ou a genitália; uns coçando-se por vícios; outros por doença venérea ou da pele”[7].

Escravos sendo surrados no Brasil, em pintura de Debret.

E quanto poderia ser lucrativo participar do tráfico de escravos?

Segundo o autor Hugh Thomas, entre outubro de 1846 e setembro 1848, o iate Andorinha, de oitenta toneladas, pertencente a Joaquim Pereira Marinho, fez uma série de oito viagens, trazendo quase 4.000 escravos e ganhando cerca de £40.000 (quarenta mil libras esterlinas), o que tornou seu proprietário milionário. Para se ter uma ideia do que naquele tempo poderia significar essa dinheirama, o Reino da Dinamarca vendeu aos britânicos cinco assentamentos territoriais, com seus postos de comércio e fortes, todos localizados na Costa do Ouro, atual região de Gana, África. Em 31 de dezembro de 1849, foi assinado um tratado entregando a área e suas benfeitorias por “apenas” £10.000 (dez mil libras esterlinas). A venda também incluiu os canhões dos fortes.[8]

Diante da “desobediência”, a Grã-Bretanha partiu então para um endurecimento diplomático contra o Brasil.

Fragata britânica.

Em 9 de agosto de 1845 foi criada a Lei Aberdeen, proposta pelo secretário de relações exteriores britânico Lord Aberdeen, que deu à Royal Navy autoridade para parar e revistar em alto mar qualquer navio brasileiro suspeito de ser um transportador negreiro e prender os traficantes de escravos. A Lei Aberdeen também estipulava que os comerciantes brasileiros presos poderiam ser julgados em tribunais britânicos. A lei foi projetada para suprimir o tráfico de escravos no Brasil, para tornar efetivas as leis brasileiras e a implementação do Tratado Britânico-Brasileiro de 1826, que tinha como objetivo acabar com o tráfico de escravos no Oceano Atlântico. O Império do Brasil havia assinado e ratificado esse acordo, mas não cumpriu.

Essa ação repressora provocou indignação entre os brasileiros, onde foi vista como uma violação do livre mercado, da liberdade de navegação, como uma afronta à soberania e integridade territorial do país, além de uma tentativa de impedir a ascensão do Brasil como potência mundial.

Escravos brasileiros chamavam muito a atenção dos estrangeiros que visitavam o país e era comum serem reproduzidos em pinturas.

Os membros do Parlamento no Rio de Janeiro debateram o assunto e praticamente todos foram contra a forma arrogante com que a Grã-Bretanha havia imposto suas leis ao Brasil e abominavam a ideia de ação britânica perto do nosso litoral. Até Joaquim Nabuco, que estava se tornando líder do movimento antiescravista brasileiro, descreveu o novo projeto de Lei Aberdeen como “um insulto à nossa dignidade como pessoas.” [9]

Independente dessas questões, a Royal Navy começou a interceptar traficantes de escravos brasileiros em alto mar e eles foram processados ​​nos tribunais do almirantado britânico, principalmente na Ilha de Santa Helena, uma pequena massa de terra vulcânica no meio do Atlântico. Apesar da aplicação agressiva dessa lei, o volume do tráfico brasileiro de escravos aumentou no final da década de 1840 e as tensões continuaram crescendo constantemente.

Foto de uma corveta britânica, semelhante a HMS Cormorant, que trocou tiros de canhão com a Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres, em Paranaguá, Paraná, em 1850.

Um punhado de navios de guerra britânicos começou a entrar em águas territoriais brasileiras para atacar barcos negreiros, até mesmo em nossos portos. Em junho de 1850 a nave de guerra britânica HMS Cormorant, após apreender três embarcações brasileiras na Baía de Paranaguá, no Paraná, trocou tiros de canhão com os artilheiros da Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres e o barco inglês foi atingido. Houve um morto e dois feridos entre os estrangeiros e duas das naves apreendidas foram destruídas.[10]

Diante dessas tensões, o Brasil sabia que não podia se dar ao luxo de entrar em guerra aberta e total contra a Grã-Bretanha. Além disso, crescia o sentimento popular contra o tráfico de escravos no Brasil. Diante da situação, o governo imperial brasileiro decidiu então acabar com esse negócio. 

Um projeto de lei sobre o tema foi aprovado na Câmara de Deputados, no Rio de Janeiro, em 17 de julho de 1850. Foi aceito pelo Senado e Dom Pedro II assinou. Consta que o rei deu a canetada com grande satisfação e em 4 de setembro o projeto se tornou lei.[11] Doravante, os navios negreiros brasileiros estavam sujeitos a apreensão, a importação de escravos para o Brasil foi declarada pirataria, todas as embarcações capturadas deveriam ser vendidas, e os rendimentos deveriam ser divididos entre os captores e informantes. Pela primeira vez essa nova legislação levou a uma verdadeira transformação.

E é nesse ponto da história que provavelmente Paulo Africano veio parar no Brasil.

O Navio Negreiro das Crianças

Apesar do aperto contra os traficantes de carne humana, eles continuaram a operar clandestinamente pelos lucros envolvidos. Entretanto, ninguém ficaria indiferente à possibilidade de prisão e, mais importante, aos cerca de 40 canhões que naquela época normalmente equipavam uma fragata britânica.

Escravos conduzindo Carro de Boi em Sirinhaém. Pernambuco, pintura de Frans Post, 1638.

O negócio então era utilizar de mil e um artifícios para enganar a Royal Navy ao chegar ao Brasil, sobre onde a sua carga seria desembarcada, fazendo uso inclusive de pequenos barcos que poderiam levar os escravos e entregá-los ao longo da costa brasileira.

Não sei com detalhes quantos transportes negreiros conseguiram passar pelas naves de guerra da Royal Navy e nem quantos foram apreendidos. Mas sei quando aconteceu o último desembarque de africanos cativos no Brasil, onde um dos que estavam a bordo poderia ser Paulo Africano.

Na noite de 11 de outubro de 1855, um homem desconhecido apareceu no Engenho Trapiche, região de Sirinhaém. Ele se apresentou como Augusto Cezar de Mesquita, informou que era o capitão de um pequeno barco a vela do tipo Palhabote e que havia chegado no dia anterior de Angola. Sua nave estava ancorada na ilha de Santo Aleixo, defronte a barra do rio Sirinhaém, a cerca de seis quilômetros de distância do engenho. Mesquita explicou que trazia uma carga de africanos, cerca de 200 a 250 seres humanos, sendo umas 30 mulheres e o resto jovens e crianças…

O Engenho Trapiche pertencia ao Coronel Gaspar Menezes de Vasconcellos Drummond, rico proprietário, figura muito poderosa na política pernambucana da época e que depois afirmou que até estava doente no momento do encontro com o tal Mesquita.

Consta que Drummond recusou a carga de cativos, mas alegou que não tinha gente armada para prender a tripulação. Enquanto esperava ajuda, a tripulação fugiu e dezenas de africanos foram levados pelos contratantes do barco, o coronel João Manoel de Barros Wanderley Lins e José Francisco de Accioli Lins, conhecido por “Cazumba”, proprietário de um engenho na região. O Coronel Drummond apreendeu os 165 africanos que ainda estavam na praia, onde o barco estava fundeado. Logo as autoridades começaram a chegar.

O caso gerou problemas para o Brasil junto aos britânicos, foi debatido no parlamento brasileiro, gerou polêmicas em Pernambuco e foi parar na justiça. Inclusive o próprio Coronel Drummond escreveu um opúsculo sobre o caso, denominado “Breve exposição acerca dos factos occorridos antes e depois da apprehensão dos africanos, effectuadas na barra de Serinhãem em Outubro de 1855”.

Palhabote dos pilotos da Barra do Tejo com Farol do Bugio, pintura de V. Armand, 1908 – Fonte – https://pt.wikipedia.org/

Sabemos que alguns dos participantes dessa situação em Sirinhaém foram julgados e condenados, inclusive os de sobrenome nobre. Mas estes apelaram à justiça pernambucana da época e, tal como acontece agora, rapidamente todos foram absolvidos pela nobreza togada. A alegação foi falta de provas. Outro detalhe – O Dr. Manoel de Barros Wanderley Lins, Suplente de Juiz municipal dos termos de Sirinhaém e Rio Formoso, era irmão do coronel João Manoel de Barros Wanderley Lins.[12]

No final das contas a confusão toda só começou porque Mesquita foi mal orientado, aportou no lugar errado e foi atrás de quem não devia. Se o capitão tivesse sido bem orientado, acertado o local do desembarque e encontrado os destinatários corretamente, jamais saberíamos sobre esse desembarque.

Aparentemente o tal barco do tipo Palhabote que chegou à praia perto do Engenho Trapiche era algo tão medíocre, que nem sei se tinha um nome, pois nada ficou registrado. Sabemos que esse tipo de embarcação era um veleiro de dois, ou no máximo três mastros, tinham dimensões que iam de 30 a 80 metros de comprimento e uns 8 a 10 metros de largura. Eram normalmente estreitos na parte traseira (popa) e largos na frente (proa), sendo muito rápidos e associados a uma grande manobrabilidade. Eram conhecidos entre os britânicos como “Pilot boat” (barco do piloto) e eram utilizados principalmente na navegação de cabotagem.

Entretanto, não podemos deixar de perceber uma terrível particularidade em relação a esse caso, que me incomodou de verdade ao ler esses relatos – o tal Mesquita e seus asseclas verdadeiramente “socaram” entre 200 a 250 pessoas naquela pequena embarcação. Por essa razão não é de se estranhar que ele trouxe da África basicamente jovens e crianças, pois assim cabiam mais “peças” para serem vendidas em Pernambuco.

Mas enfim, Paulo Africano estava a bordo desse Palhabote de Sirinhaém?

Escravo africano no Brasil na década de 1890.

Sem maiores dados fica difícil corroborar essa questão. Mas se é verdadeira a informação que ele transmitiu aos seus contemporâneos em relação a sua chegada ao Brasil, que foi depois retransmitida a Câmara Cascudo, então na data do seu falecimento fazia quase 50 anos que havia acontecido o desembarque em Sirinhaém.

Vamos apenas imaginar que muitos daqueles jovens e crianças que desembarcaram do Palhabote tivessem uma média de oito a dezessete anos de idade, então é inteiramente plausível que Paulo Africano estivesse a bordo e, mesmo com todas as agruras da escravidão, tenha falecido em Natal 60 anos depois.

O problema sobre isso é que, conforme o leitor poderá ler mais adiante, ele não tinha a menor ideia da data do seu nascimento.

A vida de Paulo Africano, ou Paulo José de Oliveira, em Natal

Nada sabemos sobre o andamento de sua vida até o fim da escravidão. Tampouco temos dados de como e porque ele veio parar na capital potiguar. Mas uma coisa é certa – a sua passagem por aqui não ficou sem registros.

A informação mais antiga que encontrei sobre Paulo Africano também foi escrita por Luís da Câmara Cascudo. É um texto existente no extinto Diário de Natal, sobre a vida de um francês chamado Vitor Lafosse, que viveu na capital potiguar entre o final do século XIX e início do XX e morou na Rua Camboim, atual Rua Professor Fontes Galvão, a mesma que se inicia defronte ao portão principal do Colégio Marista, no bairro do Tirol.

Atual Rua Professor Fontes Galvão, antiga Rua Camboim – Fonte – Google Street View.

Foi através das informações de Francisco Artêmio Coelho, que Cascudo soube que o francês morava nessa rua em 1882 e que teria sido o primeiro habitante do logradouro. Mas o próprio Cascudo contesta a informação de Coelho e afirma que “Antes disso, porém, lá residia Paulo Africano”.[13] Cascudo não aponta a fonte dessa informação e nem uma data de quando Paulo passou a morar nesse setor de Natal.

Existem outras informações sobre Paulo Africano e elas são notícias relacionadas ao Coco de Zambê, a prática de rituais religiosos de matriz africana e a atenção que a polícia de Natal tinha com Paulo Africano e suas atividades.

Ele foi preso por um dos subdelegados da cidade em dezembro de 1897, por “ofensas à moral pública”. No mesmo dia foi posto em liberdade junto com um cidadão de nome Luiz Cândido de Mello, este detido por embriaguez. A notícia de sua prisão não explica o que foram essas ofensas, mas na foto abaixo é possível ler e compreender o que para a justiça potiguar daquela época significava essas “ofensas à moral pública”.[14]

Em abril de 1902 Paulo Africano volta a se encontrar com a polícia e a justiça. Ele foi preso pelo subdelegado da Cidade Alta por “embriaguez e distúrbios”, junto com outros sete homens. Tal como na prisão anterior, a nota do jornal nada explica sobre a detenção e todos foram soltos no dia seguinte à prisão.

No ano seguinte uma nova detenção, dessa vez com muito mais detalhes.

O jornal A República da época, órgão oficial do governo estadual, que neste período estava nas mãos de Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão, informou que na área da Praça Pedro Velho, então muito maior e mais aberta do que conhecemos atualmente, aconteceu um “samba”. Na edição de 8 de julho de 1903 deste jornal, uma quarta feira, sabemos que o evento ocorreu em um “casebre em ruínas”, que era “uma ameaça à segurança e higiene públicas” e que o evento ocorreu “sábado, até a manhã do dia 3 de julho”, quando uma “súcia de vadios”, promoveram um “samba” com “gritos infernais”. Afirma a nota que o problema não era novo e o local era utilizado para “Práticas imorais”.

Uma coisa é certa, o termo “Samba” utilizado pelo jornal, não tinha nenhuma relação direta com o ritmo musical que tanto sucesso faz no carnaval do Rio de Janeiro. Nessa época esse termo era muito comum nas páginas deste periódico. Era como normalmente a elite natalense designava um lugar onde pessoas pobres e negras se divertiam na provinciana Natal do início do século XX. O tal “Samba” seria um baile de gente simples, equivalente a uma função, um pagode, um arrasta-pé, ou um forrobodó.

A próxima notícia, infelizmente, foi a morte de Paulo Africano. Entretanto a nota do seu falecimento é o texto mais completa sobre a vida desse antigo escravo e conta interessantes detalhes. Trago a transcrição na íntegra, conforme foi noticiado no jornal A República, edição de 15 de abril de 1905, página dois.

PAULO AFRICANO – Todos os habitantes desta capital, mesmo os mais velhos, conhecem por lhes haver feito as delícias do tempo de infancia, em que a meninada costumava andar à solta, o célebre Zambê, ou Puita dos campos do Camboim, que, um pouco decadente mas sempre feroz, veiu atravessando as edades até a epoca actual, apezar das advertencias da policia e dos protestos da visinhança que não apreciava aquellas matraqueações.

Como quer que seja, o Zambê de Mestre Paulo era uma das notas curiosas desta capital, Não só pela gravidade com que rangia a puita e o ardor do sapateado, como pela figura interessante do Mestre Paulo, africano, cuja edade nem elle sabia. Tinha por profissão pescador, respeitado e cortez, porém valente como as próprias armas.

Mestre Paulo era um bom chefe de família e identificou-se tanto com seu Zambê, a ponto de fazer delle uma espécie de religião. Não compreendia a vida sem o Zambê. E de seu natural valente, nada subserviente, tinha posturas humilhantes, a sua voz subia toda sua gamma de supplica, quando o ameaçavam de impedir seu divertimento.

Ao tocar puita, e a sapatear no solo zambêou a vida – durante 60, 70, 80, 90 annos, um seculo quem sabe? – até que no dia 12 do corrente, sereno e calmo como um justo, passou desta à melhor vida, vencido e derrotado no seu unico e terrivel combate com a morte.

Escravos brasileiros tocando tambores.

É muito interessante ler no mesmo jornal oficialista, que várias vezes noticiou Paulo Africano como um “perturbador da ordem pública”, uma interessante coluna à guisa de seu necrológico. Isso em um tempo onde nesse jornal era muito raro se escrever algo mais substancioso sobre um homem pobre e negro, que “Não compreendia a vida sem o Zambê”.

Luís da Câmara Cascudo em seu livro “Meleagro – Pesquisa do Catimbó e notas da magia branca no Brasil” (2ª Edição, Editora Agir, Rio de Janeiro, 1978, pág. 91 e 92), complementou esse texto informando que as danças promovidas por Paulo Africano quase sempre ocorriam no sábado, onde o Mestre “roncava a puíta a noite inteira”. A puíta é um instrumento musical de origem africana, feito de um tronco ou cilindro oco, tapado por uma pele num dos lados.

Marcas de açoites em escravo.

Nessas mesmas páginas, Cascudo também registrou sobre as danças promovidas por Paulo Africano – “Mas dançava quem queria dançar, ricos e pobres, gente do comércio, estudantes, soldados, empregados públicos, brancos, pretos e cinzentos. Ninguém esqueceu, quarenta anos depois, o zambê de Mestre Paulo”.[15] 

Já no livro “O Ritual Umbandista”, de autoria de Renato Sérgio Santiago de Melo e publicado em 1973, encontramos uma interessante informação. Segundo o autor, através de informações conseguidas com a neta de Paulo Africano, Alzira de Oliveira, encontrada pelo pesquisador no início da década de 1970 e vivendo no Bairro de Lagoa Seca, seu avô tinha uma casa onde se dançava o mais puro Coco de Zambê. O seu nome cristão era Paulo José de Oliveira, sendo considerado “bem quisto” e “bom pai de família”. O livro afirma que Paulo Africano havia se identificado tanto com o Coco de Zambê, a ponto de fazer desta manifestação cultural “uma espécie de religião”.

Sérgio Santiago informa que seu próprio sogro, Lupicínio Ramos, morador do Bairro da Ribeira, fazia questão de ir com alguns amigos, sempre aos sábados, para assistir o Zambê que acontecia na casa de Mestre Paulo.

Apesar do Coco de Zambê apresentado na casa de Paulo Africano ser tido pela sociedade local como uma festa, para esse autor ele era na verdade uma manifestação do sincretismo afro-brasileiro, distorcida pela ação policial que existia. Para o autor de “O Ritual Umbandista”, o Coco de Zambê era uma dança africana de significação religiosa. Esta tese foi originalmente proposta pelo médico alagoano e antropólogo Arthur Ramos de Araújo Pereira.

NOTAS


[1] FREYRE, Gilberto Casa-Grande e Senzala. 48ª Edição, São Paulo: Global Editora, 2003. Pág. 55.

[2] FREYRE, Gilberto Casa-Grande e Senzala. 48ª Edição, São Paulo: Global Editora, 2003. Pág. 33.

[3] FREYRE, Gilberto Casa-Grande e Senzala. 48ª Edição, São Paulo: Global Editora, 2003. Pág. 315. 

[4] Depoimento de Joseph Cliffe. In CONRAD, Robert. Children of God’s Fire: A Documentary History of Black Slavery in Brazil. Princeton, Princeton University Press, 1983, p. 34.

[5] Como é de conhecimento geral, na Grã-Bretanha existe a Câmara dos Comuns, como eles chamam a câmara baixa do parlamento, que, se não me engano, equivale no Brasil a nossa Câmara dos Deputados. Essa instituição parlamentar possui um site muito interessante, onde estão digitalizadas e transcritas milhares de páginas da atuação dos seus membros, dos debates e ação das comissões ali criadas, entre os anos de 1803 até 2005 (https://api.parliament.uk/historic-hansard/index.html). Esse material mostra através dos muitos debates sobre a questão da escravidão, do tráfico de escravos e da atuação da Royal Navy na repressão ao comércio humano entre a África e o Brasil, detalhes interessantíssimos sobre esse tema.

[6] Um naufrágio encontrado no início de 2019 no Rio Mobile, Alabama, Estados Unidos, mostrou que era a escuna Clotilda, que afundou em 1860. Naquela época, 110 mulheres, homens e crianças foram trazidos ilegalmente para Mobile em um veleiro desde Benin, na África Ocidental. Para encobrir o crime, o navio foi incendiado e, assim, afundado. A descoberta prova que o comércio de escravos continuou nos Estados Unidos após a proibição e fez surgir um extenso mercado negro de escravos que durou anos. 

[7] FREYRE, Gilberto Casa-Grande e Senzala. 48ª Edição, São Paulo: Global Editora, 2003. Págs. 469 e 470. 

[8] Ver THOMAS, Hugh The Slave trade:the story of the Atlantic slave trade, 1440-1870, pág. 796, Simon & Schuster Paperbacks, New York, USA, 1997. Sobre os assentamentos dinamarqueses na Costa do Ouro ver https://da.wikipedia.org/wiki/Den_danske_Guldkyst

[9] Ver Ver THOMAS, Hugh The Slave trade:the story of the Atlantic slave trade, 1440-1870, pág. 790, Simon & Schuster Paperbacks, New York, USA, 1997.

[10] Sobre esse caso ver – https://tokdehistoria.com.br/2015/02/22/1850-o-combate-do-hms-cormorant-contra-o-forte-de-paranagua/

[11] Decreto nº 731, de 14 de Novembro de 1850, que regulou a execução da Lei N.º 581, que estabeleceu medidas para a repressão do tráfico de africanos no Império do Brasil. Ver em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-731-14-novembro-1850-560145-publicacaooriginal-82762-pe.html

[12] Sobre o desembarque de Sirinhaém ver CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel de; CADENA, Paulo Henrique Fontes. A política como “arte de matar a vergonha”: o desembarque de Sirinhaém em 1855 e os últimos anos do tráfico para o Brasil. Topoi. Rio de Janeiro, v. 20, n. 42, p. 651-677, set/dez. 2019 Disponível no site: http://www.scielo.br/pdf/topoi/v20n42/2237-101X-topoi-20-42-651.pdf.

[13] Ver Diário do Natal, ed. 25/06/1962, segunda-feira, pág. 3.

[14]  Ver Collecção de Leis Provinceais do Rio Grande do Norte – Anno de 1884, pág. 42.

[15] Câmara Cascudo comentou “quarenta anos depois”, porque a 1ª edição do livro Meleagro foi lançado em 1951. 

UM HERÓI POTIGUAR DA FEB – A HISTÓRIA DO SARGENTO RODOVAL CABRAL DA TRINDADE E O COMBATE DE SAN QUIRICO

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Agradecimento especial ao escritor e pesquisador Durval Lourenço Pereira pela ajuda com informações adicionais para esse texto.

Sabemos que seis potiguares morreram na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, integrando a Força Expedicionária Brasileira, a famosa FEB. Eles eram os soldados Belarmino Ferreira da Silva, José Varela, Manoel Lino de Paiva, Cosme Fontes Lira e os sargentos Wilson Viana Barbosa e Rodoval Cabral da Trindade.

Mas quando buscamos maiores informações sobre cada um desses participantes do conflito, os resultados são bem limitados, com lacunas bastante amplas para compreender suas histórias. Um exemplo é o caso do sargento Rodoval Cabral da Trindade.

Rodoval Cabral da Trindade.

Basicamente temos as informações que ele era um sargento do Exército Brasileiro, que havia nascido na cidade de Ceará-Mirim e que morreu de um acidente de jipe no dia 6 de junho de 1945, após o final da Guerra na Europa.

Mesmo com dificuldades, conseguimos mais detalhes sobre a vida desse homem e a sua participação nesse conflito. Elas mostram interessantes informações do envolvimento de um potiguar na Segunda Guerra e aprofunda o entendimento sobre aqueles que partiram para lutar na Europa.

Tiro de Guerra 18

Rodoval era filho do funcionário público João Cândido da Trindade, casado com Emília Cabral da Trindade. Tudo indica que o casal era natural da cidade de Ceará-Mirim, onde seu filho Rodoval nasceu em 1909. Ele era um dos nove filhos do casal, sendo seis homens e três mulheres. Não sabemos a data, mas, provavelmente, em algum ano da década de 1920 a família Cabral da Trindade se mudou de Ceará-Mirim para Natal, onde moravam na Rua Laranjeira, número 26, na Cidade Alta, perto da Igreja do Galo.[1]  

A antiga e simples residência da família Cabral da Trindade em Natal.

Tudo aponta que essa família era muito católica, pois todos os anos, sempre no mês de abril, Seu João Cândido participava da tradicional e secular Procissão do Encontro. Essa tendência foi seguida pelo seu filho Rodoval, que participou da Congregação Mariana de Moços, tradicional organização católica da cidade. E Seu João tinha de ter mesmo muita fé, pois para sustentar a esposa e nove filhos só possuía os minguados salários do cargo de porteiro do Serviço de Estatística do Estado do Rio Grande do Norte.[2]

Mesmo com as limitações, sabemos também que o jovem Rodoval foi membro do tradicional Centro Náutico e remava com seus amigos no tranquilo e, na época, limpo rio Potengi, certamente competindo com os adversários do Sport Club de Remo.

Outra atividade desse jovem em Natal, que certamente marcou sua vida, foi participar do Tiro de Guerra 18, ou T. G. 18.

Rodoval Cabral da Trindade – Foto gentilmente cedida pelo escritor e pesquisador Durval Lourenço Pereira.

Essa era uma pequena unidade do Exército Brasileiro mantida em parceria com o município de Natal e responsável pela formação de reservistas de segunda categoria do serviço militar. Fundado em 1908, tinha sede no bairro do Alecrim, sendo normalmente comandada por um sargento, ou um tenente, com turmas que variavam anualmente de 35 a 45 rapazes. Esse pessoal fazia muita ordem unida, longas marchas, treinos de tiro ao alvo e desfilava garbosamente na Avenida Deodoro durante as comemorações do 7 de setembro. Entre os participantes ilustres do Tiro de Guerra 18 consta o maestro Waldemar de Almeida [3], que lá esteve na segunda metade da década de 1920. Outro que recebeu a sua carteira de reservista de segunda categoria foi o advogado, professor e político mossoroense Otto de Brito Guerra. Esse último foi contemporâneo do jovem Rodoval Cabral da Trindade quando esteve nessa instituição em 1928. Consta que Otto Guerra participou da marcha de 24 quilômetros, com fuzil no ombro e tudo mais.  

O Tiro de Guerra 18 era um lugar onde o esporte era intensamente praticado e incentivado.[4] Um dos feitos esportivos mais marcantes foi ter participado e vencido a primeira competição pública de basquete realizada no Rio Grande do Norte.

Arquibancada coberta do “Stadium” Juvenal Lamartine, onde aconteceu a primeira disputa pública de basquete no Rio Grande do Norte em 1931 e o Tito de Guerra 18, onde Rodoval Cabral serviu ganhou a disputa com o 29º Batalhão de Caçadores.

O fato ocorreu em 1931, em pleno estádio de futebol Juvenal Lamartine, onde improvisaram uma quadra de basquete não sei de que jeito e o Tiro de Guerra 18 venceu a poderosa equipe do 29º Batalhão de Caçadores do Exército Brasileiro. Digo poderosa porque o pessoal do 29º treinava muito e tinha até mesmo à disposição uma quadra de basquete. Mesmo sendo de barro batido essa quadra possuía dimensões oficiais e ficava onde atualmente se encontra o SESC da Cidade Alta. A equipe do 18 era formada, entre titulares e reservas, por Humberto Nesi, Luiz Tavares de Souza, Alberto Gentile, Zacarias Cunha, José Maia Mousinho e Miguel Ferreira da Silva. Esse pessoal era treinado pelo tenente Francisco Antônio do Nascimento, o conhecido “Chicó”, por anos comandante do Tiro de Guerra, e pelo soldado Severino Estevam dos Santos, o “Jaú”. Todo esse pessoal foi contemporâneo de Rodoval.[5]

Caminho da Guerra

Após deixar o Tiro de Guerra 18 temos a informação que Rodoval Cabral da Trindade passou a ser aluno da Escola Técnica de Comércio do professor Ulisses de Góis, que na década de 1930 ficava na Rua João Pessoa, no Centro de Natal [6]. Rodoval se preparava para exercer a função de guarda-livros, ou seja, escriturar e manter em boa ordem os livros mercantis das empresas comerciais. O que hoje chamamos de contadores.

Bairro da Ribeira, na bucólica Natal das primeiras décadas do século XX. : Fonte – https://www.brechando.com/2017/09/esta-praca-parece-do-interior-do-estado-mas-fica-em-natal/

Naquela época esse era o típico trabalho desejado pelas famílias de classe média baixa de Natal. A maior parte delas formada por funcionários públicos de baixo escalão, que recebiam minguados rendimentos e que através de favores políticos entravam aos montes no serviço público estadual.

Certamente pelo tempo e pelas experiências vividas no Tiro de Guerra 18, o jovem Rodoval largou a Escola de Comércio no último ano e se alistou voluntariamente no Exército Brasileiro como soldado. Provavelmente essa sua deliberação não deve ter sido tomada sem rupturas na sua família, pois Rodoval acabava de tomar a decisão de descer voluntariamente os poucos degraus que a sua condição social lhe proporcionava naquela provinciana Natal de pouco menos de 40.000 habitantes e uma elite extremamente preconceituosa e abertamente racista.

Foto de um soldado da Forças Pública, nesse caso de Pernambuco. Nas décadas de 1920 e 1930 os uniformes militares dessas instituições militares estaduais pouco diferiam, sendo sempre na predominante cor cáqui. na imagem vemos o Soldado Heleno Tavares de Freitas – Fonte – Valdir José Nogueira de Moura.

Naqueles dias para ter prestígio como membro das Forças Armadas só sendo oficial, algo para poucos. Já ser um soldado no Exército Brasileiro não era uma situação considerada “desrespeitosa” pela sociedade, mas era o tipo de profissão que, no entendimento geral, só entrava quem não tinha maiores perspectivas, ou por pura vocação. Mas estava um patamar acima da pessoa que era soldado na Força Pública, atual Polícia Militar.

No caso de Rodoval eu acho que foi vocação mesmo, pois ser um guarda-livros em Natal, mesmo com perspectivas salariais baixas, poderia ser um caminho para conseguir através de apadrinhamento político uma sinecura em alguma repartição pública e ter a tão sonhada estabilidade.

1939 – 6º Regimento de Infantaria de Caçapava. Foto: Iris, Créditos: Nelson de Luccas – Fonte – Caçapava/SP História, Fotos e Caçapavenses

A próxima notícia que temos sobre esse potiguar é que ele foi servir bem longe do Rio Grande do Norte. Seguiu para São Paulo, onde esteve aquartelado em unidades militares existentes nas cidades de Jundiaí, Taubaté e Caçapava. Nessa parte do Brasil ele se casou com a jovem Araci Marques da Trindade, mas não tiveram filhos.[7]

Em 1941 encontramos Rodoval servindo no 6º Regimento de Infantaria de Caçapava, com a extinta patente de “primeiro cabo”, sendo promovido em 25 de julho daquele ano ao posto de terceiro sargento, conforme está descrito na notificação existente no Boletim Interno número 171 do Exército Brasileiro.[8]

Nesse meio tempo nuvens negras surgiram no horizonte do Brasil, com o intenso rufar dos tambores de guerra ecoando na Europa e na Ásia. Em 22 de agosto de 1942, após a declaração de guerra do Brasil à Alemanha Nazista e à Itália Fascista, o país entra em mobilização total.

Militares norte-americanos em Parnamirim Field – Fonte – Getty Images

Não sei se através de jornais, ou por contatos com a sua família, Rodoval soube que na cidade onde seus parentes viviam e onde passou grande parte de sua juventude, estava ocorrendo uma intensa mudança. Milhares de militares dos Estados Unidos e do sul do Brasil ocupavam a capital potiguar. Nos céus aeronaves de vários tipos partiam e chegavam diariamente, aproveitando a privilegiada posição estratégica do Rio Grande do Norte em relação ao Atlântico Sul e a costa ocidental africana.

Através de outras pesquisas realizadas pelo autor, descobri que não era raro a transferência para Natal de militares nascidos no Rio Grande do Norte e que se encontravam servindo em outras regiões do país. Isso certamente se destinava a facilitar o entrosamento dos muitos militares brasileiros que desembarcavam em Natal para reforçar as defesas na região. Mas essa situação não aconteceu com o sargento Rodoval.

No começo de 1943 ele recebeu ordens de se apresentar no Quartel General do Exército no Rio de Janeiro, para participar do C. R A. S, sigla do Curso Regional de Aperfeiçoamento de Sargentos.[9] Dois meses depois, Rodoval foi promovido a segundo sargento, junto com outros 21 colegas do 6º Regimento de Infantaria.[10] Em agosto ele concluiu o C. R. A. S. e aguardou novas ordens.[11]

Símbolo da FEB.

Certamente o sargento Rodoval e seus companheiros sentiam que se aproximava a hora de pegar em armas e partir para o front de combate, onde comandariam grupos de soldados destinados a matar o maior número de inimigos, pois era para nisso que treinavam arduamente. Logo o governo brasileiro publicou a Portaria Ministerial nº 4.744, que criava a Força Expedicionária Brasileira, que se tornaria a primeira e única força militar formada na América Latina a lutar na Europa. Rodoval recebeu o número 2-G-87320 para sua identidade militar.

No General Mann

Quase um ano depois, em uma quinta-feira, 29 de junho de 1944, o sargento Rodoval e centenas de companheiros partiram da Vila Militar, na zona oeste do Rio, em um trem da Estrada de Ferro Central do Brasil até o cais da Praça Mauá. Ali começou o embarque dos soldados da FEB no grande navio USS General William Abram Mann (AP-112), ou simplesmente General Mann, como ficou mais conhecido entre nossos soldados.

Força Expedicionária Brasileira embarcando no Rio de Janeiro. Destino – A frente italiana.

Aquela grande nave da Marinha dos Estados Unidos (US Navy) estava atracada no Píer 10 e era enorme. Pesava mais de 17.000 toneladas, tinha quase 200 metros de comprimento, navegava com a velocidade máxima de 19 nós (35 km/h) e podia transportar 5.000 homens destinados ao combate em qualquer parte do Globo. A grande nave era comandada pelo capitão Paul Sylvester Maguire.

Ao redor do porto havia muita segurança e isolamento. Gente de toda parte do país, com seus sotaques, cores, trejeitos e maneiras próprias entraram na grande nave carregando sacos de lona. O general Mascarenhas de Moraes, o comandante da FEB, embarcou para o exterior junto com 5.074 homens que formavam o 1º Escalão de combatentes.

Navio transporte de tropas USS General W. A. Mann. Em 1944 ele levou os primeiros combatentes da FEB para a Itália.

Mascarenhas de Morais listou as primeiras unidades da FEB transportadas no General Mann – Escalão Avançado do Quartel General da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (1ª DIE), Estado Maior da Infantaria Divisionária da 1ª DIE, 6º Regimento de Infantaria, 4ª Companhia e 1º Pelotão de Metralhadoras do 11º Regimento de Infantaria, II Grupo do 1º Regimento de Obuses Auto Rebocados, 1ª Companhia do 9º Batalhão de Engenharia, uma parte da Seção de Suprimento e Manutenção do 9º Batalhão de Engenharia, 1º Pelotão do Esquadrão de Reconhecimento, Seção de Exploração e elementos da Seção de Comando da 1ª Companhia de Transmissões, 1ª Companhia de Evacuação, o Pelotão de Tratamento e elementos da Seção de Comando, todos do 1º Batalhão de Saúde, Companhia de Manutenção, Pelotão de Polícia Militar, um pelotão de viaturas, uma Seção do Pelotão de Serviços e elementos da Seção de Comando da 1ª Companhia de Intendência, o Correio Regulador, o Depósito de Intendência, a Pagadoria Fixa, os jornalistas que iriam trabalhar como correspondentes de guerra, elementos do Hospital Primário, Serviço de Justiça e o pessoal do Banco do Brasil.[12]

Militar brasileiro de patente elevada passando em ordem a guarda de Fuzileiros navais (Marines) a bordo do General Mann. Eram estes fuzileiros que mantinha a ordem a bordo.

Não sabemos quantos, mas temos a certeza que o sargento Rodoval Cabral da Trindade não era o único potiguar a bordo do General Mann. Outro Norte-rio-grandense era o soldado João Alves Coelho, nascido em 1923 e que em 1940 havia seguido para o Rio de Janeiro com o intuito de aprender uma profissão para melhorar a sua vida e a de sua família. Ele estudou mecânica na então Capital Federal, quando foi convocado para a guerra como integrante da FEB. Foi incorporado na Companhia de Manutenção, onde praticou extensamente a profissão que aprendeu no Rio. Não sabemos se o sargento Rodoval e o soldado Coelho se conheceram.[13]

No domingo, 2 de julho, às cinco e quarenta e três da manhã, o General Mann desatracou e partiu. Nos próximos quatorze dias a nave seguiria pelo Oceano Atlântico e pelo Mar Mediterrâneo a velocidade média de 17 nós e sempre ziguezagueando para evitar ataques de submarinos. Inicialmente essa nave americana foi escoltada pelos destroieres brasileiros Marcílio Dias, Greenhalgh e Mariz e Barros.[14]

A chegada no Porto de Nápoles, sul da Itália, ocorreu no dia 16 de julho, às 12:20 horas, também num domingo. No cais havia um destacamento norte-americano de quarenta e cinco homens e uma banda para as honras militares.

A guerra para a FEB estava começando!

Um Líder Controverso

Desembarque da FEB em Nápoles em 1944.

Após o desembarque em Nápoles, a FEB ficou acampada no subúrbio da cidade, na região de Agnaro/Bagnoli, perto do mar. O interessante foi que eles acamparam dentro da cratera do extinto vulcão Astroni, cujas bordas possuem 70 metros de altura e atualmente é uma área de preservação. Nessa cratera a temperatura variou bastante, com picos de elevação durante o dia de 30 graus à sombra e a noite descendo para terríveis 10 graus. O contingente brasileiro logo se mudou desse local complicado e ficou aguardando receber seus equipamentos de combate e suas viaturas. 

Veículos da FEB prontos para serem entregues em 1944.

Um dia, em 19 de agosto, enquanto recebeiam seus apetrechos e mais de 220 veículos de todos os tipos, quem deu uma passadinha para dar um alô a brasileirada foi ninguém menos que Sir Winston Churchill, primeiro ministro do Reino Unido e um dos principais líderes Aliados. A ilustre figura estava inspecionando as tropas do 5º Exército dos Estados Unidos (US Army), sob o comando do tenente-general Mark Clark. O contingente da FEB fazia parte do 5º Exército e o general Mascarenhas de Morais respondia a Clark, um militar tido como controverso, planejador débil, líder fraco, além de ser considerado um “caçador de publicidade” e com extrema aversão aos seus aliados ingleses.

Mas o fato que pesou mais negativamente na biografia de Mark Clark durante a Segunda Guerra ocorreu em junho de 1944, durante a chamada Operação Diadem (Diadema).

O mais alto na foto é Mark Clark e o mais baixo Mascarenhas de Moraes.

Comandada pelo general inglês Sir Harold Alexander, líder do 8º Exército Britânico, essa operação consistia em um cerco aos alemães, com o objetivo de fazer com que as forças inimigas ficassem amarradas na Itália e não pudessem ser redistribuídas para a França. O problema foi que para muitos Clark não comandou corretamente o seu 5º Exército, o que permitiu que o 10º Exército Alemão escapasse do cerco. Para piorar a situação pesa sobre Mark Clark a acusação de que ele priorizou tomar Roma (o que realizou com relativa facilidade) em uma tentativa de ganhar a glória marcial imortal. Consta que ele desejava ser o primeiro general a “tomar Roma pelo sul em 1.500 anos”. Se assim foi, Clark recebeu apenas um dia de publicidade por dominar a “Cidade Eterna”, pois após a sua conquista ocorreu o grande desembarque Aliado na França, o famoso “Dia D”, e sua glória foi totalmente ofuscada.[15]

Para os soldados da FEB essas tricas e futricas de altos comandantes pouco importava. Importava mesmo era quando entrariam em combate e, principalmente, fazer tudo para voltarem vivos para o Brasil.

Encarando a Linha Gótica

Na noite de 15 para 16 de setembro o contingente do 6º Regimento de Infantaria, comandado pelo coronel João de Segadas Viana substituiu na frente de combate o 434th Antiaircraft Artillery Automatic Weapons Battalion (434th AAA-AW Bn), ou 434º Batalhão de Armas Automáticas de Artilharia Antiaérea, que foi convertido em batalhão de infantaria. Ficou sob a responsabilidade dos brasileiros uma frente de combate de uns 4.500 a 4.800 metros.

Símbolo da 232a Infantariedivision der Wehrmacht, ou 232º Divisão de Infantaria do exército nazista.

Os pessoal da FEB naquele setor eram inferiores a 900 homens e seus comandantes sabiam que a sua frente estavam elementos da 232a Infantariedivision der Wehrmacht, ou a 232º Divisão de Infantaria do exército nazista. Unidade comandada pelo generalleutnant (tenente-general) Eccard Freiherr von Gablenz, um veterano das campanhas da Polônia, França e da invasão da União Soviética, onde combateu nesta última área de 1941 a 43 e ele escapou por pouco do cerco realizado pelos soviéticos na Batalha de Stalingrado. Von Gablenz estava comandando a 232 na Itália desde o primeiro semestre de 1944 e junto a essa divisão estavam unidades militares formada por italianos favoráveis aos alemães.

O círculo negro mostra a área de atuação da FEB nos primeiros meses de combate na Itália.

A partir desse ponto o avanço brasileiro colidiu com um setor da chamada Linha Gótica, a última linha de defesa inimiga na Itália.[16]

Em agosto de 1944 as forças alemãs estavam há mais de dois anos travando uma guerra defensiva e se retirando para o norte da Itália. Foi quando decidiram criar a linha defensiva chamada Gótica, que atravessava o país de um lado ao outro, desde o mar da Ligúria até o mar Adriático, aproveitando o terreno montanhoso e assim deter seus inimigos. Os alemães esperavam que a defesa da cordilheira dos Apeninos negasse aos Aliados a vantagem tática que significaria a conquista do Vale do Pó, pois ali ficavam as cidades de Bolonha, Modena e Milão, além das ricas terras agrícolas que forneciam grande parte dos alimentos. Para reforçar a Linha Gótica os alemães construíram muitos baluartes de defesa.

Foto ilustrativa que mostra o terreno de luta da FEB, nesse caso na região de Montese.

Os brasileiros do 6º Regimento de Infantaria atuavam intensamente a linha de frente, onde seus homens foram gradativamente ganhando experiência. Sofriam e infligiam baixas, mas a FEB ganhava terreno. Em 16 de setembro os brasileiros conquistaram as localidades de Massarosa e no dia seguinte Camaiori.

No início de outubro, com o frio aumentando pela iminente chegada do inverno, o 6º de Infantaria foi deslocado para o vale do rio Serchio, ao norte da cidade de Lucca. Nessa área as operações começaram no dia 6 e aos soldados da FEB foi ordenado lutar e ocupar pequenas comunidades e elevações, que eram chamadas “Cotas” e recebiam um número. O 6º Regimento de Infantaria atacou um setor defendido pelos italianos da 4ª Divisione Alpina Monterosa, formada pelos batalhões Bergamo, Aosta e Bréscia e comandadas pelo general Mario Caloni, que seis meses depois se renderia aos brasileiros da FEB.[17]

Símbolo da Divisão Monterosa.

Os combatentes sul-americanos avançaram para o norte por treze quilômetros, onde atravessaram o riacho Lima em Bagni di Lucca, cerca de vinte quilômetros ao norte da cidade de Lucca. Já os italianos, mostrando pouca ânsia de se levantar e lutar, recuaram lentamente para a solidez das altas montanhas que conheciam tão bem. No dia 11 de outubro a FEB capturou as cidades de Barga e Gallicano.

Ao completar um mês da entrada do 6º Regimento na área de combate, a imprensa nacional divulgou que os soldados brasileiros haviam avançado 28 quilômetros para o norte, conquistando do inimigo uma área de 273 Km², onde viviam mais de 100.000 pessoas, em sete cidades e vinte e três vilas. Não sabemos o grau de envolvimento do sargento Rodoval nessa fase da luta, mas o seu regimento participou ativamente desses combates, como ponta de lança da FEB.[18]

A aldeia medieval de San Quirico, município de Pescia, província de Pistoia, região da Toscana. Itália.

Daí então, entre os dias 12 e 30 de outubro, os brasileiros conquistaram várias outras vilas e pequenas aglomerações urbanas italianas, entre elas um lugar chamado San Quirico, que caiu no dia 30 de outubro de 1944, no começo da tarde. O lugarejo era defendido pelos italianos do batalhão Aosta, da divisão Monterosa, mas não ofereceram muita resistência.[19]  

O Massacre na Aldeia Medieval

O sargento Rodoval Cabral da Trindade estava entre os brasileiros que ocuparam San Quirico. O correspondente de guerra Sílvio Fonseca, enviado da Agência Nacional junto a FEB, comentou que em 31 de outubro de 1944 os militares do 6º Regimento de Infantaria conquistaram “La Rochette, Lama di Soto e Pradoscello”, entre outras localidades que se localizavam nas proximidades do rio Serchio. Informou também que outros soldados “mais a oeste, apoderaram-se de San Quirico”. Era a tropa que o potiguar Rodoval fazia parte.[20]

Soldados brasileiros encarando o frio italiano com a ajuda de um aquecedor à lenha.

Ao chegar em San Quirico estava frio e chovia, com a temperatura caindo para uns 10 ou 12 graus com a chegada da noite. A tropa brasileira estava cansada após vários dias de lutas e avanços pelas elevações daquela região da Toscana. É provável que a antiga igreja e o fato da maioria das casas estarem queimadas, tenha chamado a atenção de Rodoval e seus colegas. Mas o que importava naquele momento era consolidar a conquista do lugar, comer algo, descansar e seguir adiante.

Acredito que eles então se dirigiram para uma das poucas casas que não estavam queimadas e se acomodaram. Também é provável que sobre aquela pequena comunidade e seu montanhoso entorno, o potiguar só soubesse informações militares. Enfim, a vila e a região eram muito parecidas com outras tantas vilas e montanhas que ele vinha combatendo e ocupando no último mês junto com seus companheiros. Mas talvez Rodoval se espantasse ao saber o quanto aquele lugarejo era antigo.

A igreja de San Quirico, com seus mais de 10 séculos de construida.

Quando a primeira notícia oficial e conhecida sobre San Quirico foi publicada, um pequeno texto sobre os bens da “Ecclesia S.Quirici de Arriano“, somente 520 anos depois o navegador luso Pedro Álvares Cabral colocaria seus pés nas belas praias de Porto Seguro.[21]

Atualmente San Quirico pertence ao município de Pescia, na província de Pistoia, região da Toscana. Está fincada no alto de um monte com quase 550 metros de altitude e foi um lugar que presenciou guerras, passagem de exércitos em luta, pestes, terremotos, secas, enchentes e muito mais. É um lugar conhecido por ali ter vivido famílias que se especializaram na fabricação de sinos, sendo respeitados em toda a península italiana. Sua arte remonta à Idade Média, onde em algumas casas do lugarejo ainda é possível ver lagartos esculpidos em pedra, símbolo desta arte na Itália. É um testemunho da presença de tais mestres, sendo os mais conhecidos pertencentes às famílias Angeli, Fontana e Magni.[22]

Rua em San Quirico.

Durante a Segunda Guerra Mundial, dois meses antes da FEB chegar a essa vila medieval e do potiguar Rodoval ter combatido nas suas ruas, San Quirico viveu uma tragédia, quando foi palco de um dos muitos massacres perpetrados pelos alemães contra os civis italianos.

A coisa toda começou assim – Na noite de 7 de agosto de 1944, dois oficiais alemães foram convidados para jantar em uma casa da aldeia e tudo parecia estar indo bem. Por volta das 11 da noite, quando retornavam ao seu acampamento, eles foram mortos. Para alguns foi obra de guerrilheiros italianos que lutavam contra a ocupação alemã, os chamados “Partigiani”, mas outras fontes apontam que os atiradores seriam seis soldados alemães desertores e um deles, chamado Franz, foi quem matou os oficiais. Independentemente disso, a resposta alemã não se fez esperar! 

Outra vista da vila.

Naquela época os nazistas deixaram claro que para cada alemão morto, dez italianos pagariam com a vida. Na manhã do dia 19, muitos soldados da 65º Divisão de Infantaria da Wehrmacht chegaram a San Quirico e cercaram a aldeia[23]. Aos gritos, empurrões e muita violência mandaram todos sair das casas somente com a roupa do corpo e começaram a saquear e queimar praticamente todo o pequeno burgo, deixando de incinerar umas poucas casas e a igreja milenar. Roubaram gado, objetos de valor, os melhores móveis, roupas de cama e provisões. As antigas casas da vila de ruas apertadas arderam fortemente. Às quatro da tarde os nazistas separaram da população detida um grupo de velhos, doentes e mulheres, que imaginaram o pior para eles, pois todos foram obrigados a abrir uma grande cova coletiva no cemitério local.

San Quirico e as montanhas do seu entorno.

Mas o comandante alemão informou ao pároco Dom Vicenzo del Chiaro que seriam fuzilados vinte homens detidos pela manhã, na estrada que ligava a localidade de Pietrabuona até a cidade de Pescia. Eram pessoas de várias vilas da Toscana que, depois de serem obrigadas a trabalhar para os alemães no reforço de fortificações da Linha Gótica, foram libertadas e voltavam para suas casas, quando foram novamente detidas. Esse grupo foi conduzido para perto do cemitério de San Quirico em um caminhão. No local da execução um dos presos tentou escapar, mas foi perseguido e morto. Os dezenove restantes foram divididos em três grupos e sumariamente fuzilados. Hoje um desses infelizes ainda repousa neste campo santo e, para se ter uma ideia do nível de destruição em San Quirico, provocado pelos nazistas naquele 19 de agosto de 1944, ainda na década de 1970 cerca de 50% das casas do lugar estavam destruídas e enegrecidas.[24]

Monumento existente em San Quirico para homenagear os vinte fuzilados de 19 de agosto de 1944.

Enquanto os cansados oficiais e praças brasileiros do 16º Regimento de Infantaria encontraram abrigo do frio da noite nas casas de San Quirico, na madrugada os alemães e italianos contra-atacaram os brasileiros sem dó e nem piedade!

O Duro Combate de San Quirico

Em 2012, quando se comemorou os 70 anos da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, o jornalista Marcelo Godoy participou de uma série de reportagens do jornal paulista Estadão sobre a participação brasileira nesse conflito. Ele escreveu um interessante material sobre o combate de San Quirico – “Os brasileiros dormiam, quando começaram a ouvir vozes na madrugada fria. Eram do inimigo. De repente, um tiro de carabina. A bala tombou um alemão que descia a colina em direção à ravina atrás da casa dos brasileiros. Atratino Côrtes Coutinho, comandante da 1.ª Companhia de Petrechos Pesados (CPPI), foi o autor do disparo que instalou o inferno na paisagem. A resposta veio das metralhadoras alemãs. Tiros encurralaram o capitão e sua tropa. Havia uma única saída: fugir pela janela dos fundos. Todos passaram. Chegou a vez do tenente José Maria Pinto Duarte. Ao pular, balas lhe alcançaram o corpo. Uma rajada apanhou o tenente no ar. Os tiros do inimigo não permitiram que o corpo do oficial fosse resgatado e enterrado. “O Atratino tentava arrastar, mas ele (Duarte) era muito alto, pesado, era difícil… Lembro quando (Duarte) falou: “Cuidem bem da minha filha’, como uma súplica”, diz João Gonzales, de 92 anos (em 2012), na época da guerra um terceiro sargento. Atratino não se conformava. Montou duas patrulhas para encontrar o corpo. Sem sucesso. Cansado, escreveu: “O moral da tropa foi abalado pelos insucessos causados pelo contra-ataque inimigo”. A ideia de que era preciso enterrar Duarte atormentaria o capitão até o fim da guerra”.[25]

Soldados da FEB em posição de combate.

Outro oficial da FEB presente ao confronto de San Quirico foi o então capitão Moziul Moreira Lima, que deixou o seguinte registro – “O Destacamento da FEB conquistou Barga e tentou conquistar as alturas dos Montes Quíricos (SIC) e infelizmente essa tentativa terminou em revés sério e serviu-nos como um grande ensinamento. Casualmente eu estava lá, junto do comandante do 1º Batalhão do 6º RI (Regimento de Infantaria), Major João Carlos Gross, meu grande amigo. A ordem fora conquistar aquelas alturas. Era uma conquista difícil, um terreno escarpado e o Comandante do Batalhão foi comigo ao Quartel-General pedir que ficasse à disposição da Unidade, uma Companhia de muares, porque ele achava difícil levar munição e alimento quando estivéssemos lá na crista do monte.

Poder de fogo de um militar da FEB com uma submetralahdora M3  “Grease Gun” e fitas de munição. Foi apontado para o autor desse texto que o militar da foto seria o sargento Rodoval Cabral da Trindade, mas sem confirmação.

Foi prometida essa Companhia de muares, mas a mesma não nos foi fornecida e com muito sacrifício o Batalhão conquistou aquela posição. Pela experiência que tínhamos das nossas guerras, quando escurecia as operações paravam e, conquistada a posição, o pessoal se preparava apenas para passar a noite. Pois nessa noite o alemão desencadeou um contra-ataque com uma Unidade de Choque, especializada em ataques noturnos. Essa Unidade veio em cima do flanco esquerdo do nosso dispositivo e fomos tomados de surpresa, inesperadamente e sem a munição necessária. Foi uma surpresa total, o Batalhão começou a recuar pelo flanco esquerdo e foi nessa ocasião que morreu o tenente Pinto Duarte. Dois oficiais se atiraram por uma janela para não caírem prisioneiros, ele e o capitão Atratino, que era o Comandante da Companhia. O tenente foi ferido numa perna e na barriga e não conseguia se locomover, o Atratino procurou carregá-lo, mas não conseguiu e o corpo teve que ficar insepulto naquele local. Com esse revés ficou evidente que deveríamos nos reajustar muito rapidamente ao modo de combater de elementos que já tinham no mínimo cinco anos de experiência de guerra, enquanto estávamos começando a adquirir a nossa naqueles combates” [26].

Tropa do 2º Pelotão, da 8º Companhia, do 6º Regimento de Infantaria da FEB. É provável que alguns dos fotografados estiveram no combate de San Quirico – Foto devidamente cedida pelo Museu da Imagem e do Som da Associação Nacional da FEB.

O então capitão Hélio Portocarrero de Castro foi outro oficial da FEB que lutou em San Quirico naquela madrugada e deixou o seguinte registro – “Cheguei no 2º Escalão e, logo em seguida, fui designado para assumir o Comando da 7ª Companhia, 3º Batalhão do referido 6º Regimento de Infantaria. Não tive nenhuma adaptação. Segui direto, assumi o comando num ataque ao Morro de San Quirico. Foi um batismo de fogo sui-generis. Ataquei e fui contra-atacado violentamente pelos alemães. Eles avançavam gritando Heil Hitler! Portavam suas “lurdinhas” (apelido), excelentes metralhadoras de mão, com uma violenta cadência de tiro. Suas rajadas se assemelhavam a uma gargalhada. Algum soldado brasileiro colocou esse apelido nessa arma e pegou. Toda a FEB a designava pelo nome de “lurdinha”. [27]

Soldados da FEB.

O soldado José Otaviano Soares, que morava na rua Dr. Betim, 315, Vila Marieta, em Campinas, São Paulo, tempos depois comentou ao correspondente de guerra americano Henry Bagley, da Associated Press, que naquela madrugada estava com outros dezesseis companheiros da 8º Companhia, do 16º Regimento de Infantaria, quando “capturaram uma casa na aldeia de San Quirico, ao norte de Barga, no vale do rio Serchio, mas os alemães contra-atacaram pela madrugada de 31 de outubro. O inimigo concentrou um fogo de morteiro e metralhadoras contra a casa, matando um e ferindo oito, inclusive José Soares, que foi ferido por estilhaço de morteiro desde o pé ao ombro esquerdo, bem como dois fragmentos maiores na perna direita”. José Soares foi capturado bastante ferido, mas se recuperou em um campo de prisioneiros na Itália, de onde foi libertado ao final do conflito. Ao retornar ao encontro da sua tropa, concedeu essa entrevista a Henry Bagley[28].

Foto ilustrativa de soldados da FEB em uma cidade italiana e sobre um veículo de combate.

O que sabemos da participação do sargento Rodoval são informações muito limitadas, mas é certo que durante o tiroteio o seu pelotão recuou de sua posição original, talvez a mesma casa onde estava o capitão Atratino, ou alguma outra que foi “requisitada” para descanso. É provável que Rodoval tenha continuado na casa para cobrir a retirada dos seus companheiros. A vivenda foi então cercada pelos alemães. Tudo indica que o potiguar, mesmo com sua munição escasseando, ficou na casa até o último disparo. Os registros existentes não explicam como, mas Rodoval manteve a calma e de alguma forma conseguiu romper o cerco para retornar as linhas brasileiras. Sabemos que na madrugada de 31 de outubro de 1944 predominava a lua cheia no norte da Itália, o que possibilitou aos participantes daquele combate vantagens e desvantagens. Talvez o sargento potiguar tenha utilizado o luar para sair vivo daquela complicada situação. Ao sobreviver a esse combate Rodoval foi agraciado com a medalha da Cruz de Combate de 2ª Classe, destinada a participantes de feitos excepcionais praticados em conjunto por vários militares.[29]

Para Sílvio Fonseca a localidade de San Quirico era “uma importante posição dominante que os alemães tentaram inutilmente conservar em seu poder”. Tanto era importante que os nazistas e fascistas executaram o contra-ataque. O jornalista informou que os brasileiros resistiram a três investidas dos inimigos, mas na quarta recuaram.[30]

O complicado terreno de luta da FEB na Itália.

Segundo a falecida historiadora paranaense Carmen Lúcia Rigoni, na página 122 de sua interessante tese de mestrado intitulada La forza di spedizione brasiliana” (FEB) – Memória e história: Marcos na monumentalistica italiana, defendida 2003 na Universidade Federal do Paraná, informou que no momento da ocupação de San Quirico pelos membros da FEB o ambiente entre eles era de “otimismo”. Contudo a autora aponta, através de relatos de participantes, que “ninguém no comando se apercebia de que os combatentes estavam no limite e o cansaço era extremo”. A autora também conseguiu a informação que o “otimismo exacerbado e a subestimação do inimigo” estavam na ordem do dia dos brasileiros. E continua Carmen Lúcia Rigoni – “Segundo as narrativas de diversos veteranos, a frente de combate era muito extensa e o terreno criava todo o tipo de dificuldades, em razão da topografia ser acidentada, e era de difícil acesso. O transporte de víveres e munição para a tropa, debaixo de chuva, comprometia as reservas, entre outras questões afeitas ao comando” (Pág. 122).

Soldados da FEB.

Em outra parte do seu trabalho Carmen Lúcia Rigoni comentou o final da luta – “Diante das intempéries climáticas daquela jornada e da falta de munição e mais a desorganização do comando, a FEB se retira, deixando sobre o terreno mortos, feridos e muitos prisioneiros. As brigadas italianas sofreram também pesadas baixas. Os mortos e prisioneiros do efetivo de 200 homens da Companhia Aosta somaram-se mais de 80 homens” (pág. 126).  

Como um jornal dos Estados Unidos comentou as vitórias da FEB em outubro de 1944.

A Morte em Voghera

A partir desse momento da história da FEB na Itália não consegui encontrar mais nenhuma referência sobre o sargento Rodoval Cabral da Trindade.

Soldados da FEB em uma aparente comemoração, com instrumentos musicais em um caminhão de transporte. Talvez algo alusivo ao final da guerra.

Finalmente a Guerra na Europa se encerra em 8 de maio de 1945 e a Força Expedicionária Brasileira se preparava para retornar ao Brasil. É quando o sargento Rodoval morre em um acidente de jeep em Voghera, uma cidade ao norte de Gênova, no dia 6 de junho de 1945. Das causas e razões do acidente automobilístico não consegui nenhuma informação. 

Apenas descobri que Rodoval não foi o primeiro membro da FEB a morrer nessa estrada. No dia 8 de maio de 1945, no Dia da Vitória, e praticamente um mês antes da morte de Rodoval, o segundo sargento Fábio Pavani, de Capivari, São Paulo, faleceu ao cair da viatura em que estava se deslocando na mesma estrada de Voghera. Segundo a listagem de mortos da FEB, encontrada no texto intitulado Lista detalhada e ilustrada dos mortos da Força Expedicionária Brasileira na Campanha da Itália, constam os nomes de 34 militares que morreram em acidentes de veículos [31].

Para o pesquisador Durval Lourenço Pereira, essa situação ocorreu por várias razões. Desde a imperícia pura e simples dos motoristas da FEB, a complicada situação das estradas italianas, nevoeiro, fadiga, lama, neve, stress por dirigir em zona de guerra e outras mais.

Notícia da morte do sargento Rodoval em jornal de Natal.

Em Natal a notícia foi divulgada com bom espaço nos três principais jornais da cidade – A República, A Ordem e O Diário.  A única rádio da cidade, a REN – Rádio Educadora de Natal, noticiou extensivamente o falecimento do sargento Rodoval. Vários membros da comunidade foram pessoalmente até a casa da família externar os pêsames pelo ocorrido. Já o tenente coronel Edgar Alves Maia e o Dr. Jacob Wolfson, oftalmologista de renome e um dos líderes da comunidade judaica natalense, foram até a casa da família Cabral da Trindade levar o apoio da Comissão de Homenagem, Assistência e Recepção à FEB.[32]

Cemitério de Pistoia e o enterro de um combatente da FEB.

O corpo do sargento Rodoval Cabral da Trindade foi primeiramente sepultado no Cemitério Militar Brasileiro de Pistoia, na quadra D, fileira nº 1, sepultura nº 5. Depois seus restos foram transladado para o Rio de Janeiro, onde repousam no Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Aterro do Flamengo. No Rio Grande do Norte ele é lembrado com seu nome em uma rua em Ceará-Mirim e outra em Natal. Na capital essa artéria fica na Cidade Alta, vizinho a Igreja do Galo e perto de onde ele viveu.

Pessoalmente a história do sargento Rodoval me traz maravilhosas lembranças do meu tio-avô Luís de França Moraes, o nosso poeta e um devotado funcionário dos Correios e Telégrafos. 

Ainda garoto, foi dele que ouvi pela primeira vez os fatos ligados ao sargento Rodoval, até porque tio Luís moravam na Rua Laranjeira, número 18, a poucos metros da casa de Seu João Cândido da Trindade. Ele conheceu Rodoval, foi um dos que foram à casa de seu pai dar os pêsames pelo seu falecimento na Itália, esteve no enterro de Seu João em 1957 e chegou a trabalhar nos Correios e Telégrafos com José Augusto, Clotilde e Margarida, todos irmãos de Rodoval. Eu era muito jovem quando ouvi seu relato, mas jamais esqueci quando ele me narrou do orgulho que ele e todo o pessoal da Rua Laranjeira ficou ao saber que Rodoval tinha ido para a Guerra e da enorme tristeza que se abateu com a notícia da sua morte.

NOTAS

——————————————————————————————————————–

[1] Ver O Poti, Natal-RN, ed. 06/07/1957, sábado, pág. 3.

[2] Ver A Ordem, Natal-RN, ed. 14/03/1940, quinta-feira, pág. 2. Não encontramos nenhuma outra indicação de fonte de renda desse funcionário público para sustentar sua família.

[3] Ver Galvão, Claudio. O nosso maestro: biografia de Waldemar de Almeida – Natal, EDUFRN, 2019, pág. 97.

[4] O antigo Tiro de Guerra 18 não existe mais, contudo esse tipo de organização é bastante presente em outros estados brasileiros e no Rio Grande do Norte ainda existe um em Mossoró, com mais de 120 anos de atuação.

[5] Ver O Poti, Natal-RN, ed. 09/08/1981, domingo, pág. 14.

[6] A Escola Técnica de Comércio foi fundada em 1919 pelo professor Ulysses de Góis. Em dezembro de 1950 essa escola se mudou da Rua João Pessoa para a Avenida Junqueira Aires, 390, na Ribeira e serviu de embrião para a criação da Faculdade de Ciências Contábeis e Atuariais de Natal em 1957.

[7] Ver A Ordem, Natal-RN, ed. 17/07/1945, quarta-feira, pág. 4.

[8] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 26/07/1941, sábado, pág. 10.

[9] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 17/01/1943, domingo, pág. 14. A ordem veio através do Boletim Interno nº 13, de 16/01/1943.

[10] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 16/03/1943, terça-feira, pág. 6. A ordem veio através do Boletim Interno nº 62, de 15/03/1943.

[11] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 14/08/1943, sábado, pág. 8.

[12] Enciclopédia da II Guerra Mundial, Editora Globo, Livro VI, páginas 285 e 286, 2ª edição, 1956.

[13] Informações transmitidas oralmente por José Renato Coelho ao autor. Renato é filho do soldado Coelho, já falecido.

[14] Diário de bordo do USS General A. W. Mann, 2 de julho de 1944, pág. 2.

[15] Sobre essa questão ver https://www.vqronline.org/essay/question-leadership-5th-army-italy (em inglês).

[16] Mais detalhes sobre a 232º Divisão, ver https://www.axishistory.com/

 [17] A divisão Monterosa nasceu em 1 de janeiro de 1944 em Pavia, mas foi mobilizada apenas em 15 de fevereiro do mesmo ano. Em 16 de julho Benito Mussolini entregou a bandeira aos regimentos em Münsingen, Alemanha, no final do período de treinamento realizado com padrões germânicos. Era composta por cerca de 20.000 homens, dos quais 20% provenientes do Exército Real Italiano, que se rendeu aos Aliados em 1943. Foi criado pelos líderes fascistas da chamada República Social para combater nas montanhas ao lado do exército alemão e suas armas vieram dos armazéns da Wehrmacht. A divisão voltou à Itália em julho de 1944 e ficou na área da Ligúria, para neutralizar um possível desembarque das forças aliadas. Posteriormente foi transferido para a Garfagnana entre o rio Serchio e os Alpes Apuanos, combatendo as unidades brasileiras da FEB e outras forças do 5º Exército.

[18] Ver A Noite, Rio de Janeiro, ed. 27/04/1946, sábado, pág. 8.

[19] Segundo o ótimo material produzido pelo escritor e pesquisador Durval Lourenço Pereira, que apresenta um interessante e didático roteiro do avanço da FEB, os locais e as datas das conquistas da foram as seguintes – 11/10/1944 – Ocupação de Barga e Gallicano; 24.10.1944 – Ocupação de Sommocolonia; 25.10.1944 – Ocupação de Trassilico e Verni; 28.10.1944 – Captura de Monte Facto; 29.10.1944 – Ocupação de Colomini; 30.10.1944 – Conquista de San Quirico, Lama di Sotto, Lama di Sopra, Pradoscello e Pian de Los Rios. Ver https://memorialdafeb.com/2012/05/15/roteiro-da-feb-na-italia-o-destacamento-feb2/

[20] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 02/11/1944, quinta-feira, pág. 1

[21] No entorno de San Quirico já foram encontrados marcos do Império Romano e até ferramentas do neolítico, que apontam uma antiguidade muito mais ampla.

[22] Sobre San Quirico e sua história ver https://digilander.libero.it/sanquiricovalleriana/lastoria.htm  https://www.ilturista.info/guide.php?cat1=4&cat2=8&cat3=5&cat4=142&lan=ita

[23] Na área de operações da 65ª Divisão foram identificados 26 atos separados de violência onde civis italianos foram sumariamente mortos. Em junho de 1944 aconteceram cinco massacres (18 vítimas), três em julho (22 vítimas), nove em agosto (42 vítimas, entre estas as de San Quirico), oito em setembro (125 vítimas, o pior mês) e um em outubro de 1944 (2 vítimas). Entre 28 e 30 de setembro, em Ronchidoso, na região da Emilia-Romagna, foram executados 66 civis pelos homens da 65º Divisão, que nesse caso atuaram juntos com membros da 42ª Divisão Jäger. Várias dessas execuções foram represálias precipitadas pela morte de soldados alemães por guerrilheiros do movimento de resistência italiano, que surgiu no norte da Itália para se opor ao estado fantoche fascista. Mas os revisores dessas histórias, muitos deles neonazistas disfarçados de pesquisadores, comentam que muitos dos relatórios carecem de evidências dos perpetradores específicos. Minimizam que esses relatórios apenas apontam que os assassinatos ocorreram na área de operações da 65ª Divisão. Pode até ser que esses argumentos sejam verdadeiros, mas fica difícil justificar que ao longo de cinco meses, na área de atuação dessa divisão, ocorreram 26 massacres de gente detida e desarmada, com um total de 205 vítimas. Ver – https://en.wikipedia.org/wiki/65th_Infantry_Division_(Wehrmacht)#Partisan_warfare_and_alleged_war_crimes

[24] A memória da tragédia continua presente naquela gente até hoje, onde todos os dias 19 de agosto existe uma comemoração em Pescia rememorando o que ocorreu em San Quirino e em outras comunidades da região. Ainda sobre o massacre de San Quirico ver o documento existe neste sítio da internet – http://www.straginazifasciste.it/wp-content/uploads/schede/SAN%20QUIRICO%20IN%20VALLERIANA%20PESCIA%2019.08.1944.pdf

[25] Ver https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,na-linha-de-frente-a-historia-da-primeira-tropa-a-lutar-na-italia,921569

[26] História oral do Exército na Segunda Guerra Mundial / Coordenação geral de Aricildes de Moraes Motta. – Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2001. T. 3. Págs. 56 e 57. O capitão Moziul Moreira Lima era gaúcho de Cruz Alta e alcançaria o posto de general de brigada do Exército Brasileiro.

[27] História oral do Exército na Segunda Guerra Mundial / Coordenação geral de Aricildes de Moraes Motta. – Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2001. T. 4. Págs. 70 e 71. O capitão Hélio Portocarrero de Castro era natural da cidade do Rio de Janeiro e alcançaria o posto de divisão do Exército Brasileiro.

[28] Ver O Jornal, Rio de Janeiro, ed. 30/05/1945, quarta-feira, pág. 8.

[29] Sobre a atribuição dessa medalha e sobre os 68 sargentos do Exército Brasileiro mortos na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, ver o interessante trabalho Os 68 sargentos mortos em operações de guerra, do coronel Cláudio Moreira Bento, em http://www.ahimtb.org.br

[30] Ver Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 02/11/1944, quinta-feira, pág. 1

[31] Ver https://xdocs.com.br/doc/lista-detalhada-e-ilustrada-dos-mortos-da-fora-expedicionaria-brasileira-na-campanha-da-italia-4ol2mkp55ynm Infelizmente não descobri o autor desse trabalho.

[32] Ver A Ordem, Natal-RN, ed. 04/08/1945, sábado, pág. 2.

PARTIU A RAINHA ELIZABETH II – THE QUEEN IS DEAD

Rostand Medeiros – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rostand_Medeiros

Tristes notícias chegaram até nós da Grã-Bretanha. Elizabeth II faleceu aos 96 anos. 

Essa mulher foi a monarca com o reinado mais longo da história da Grã-Bretanha, com incríveis 70 anos e 214 dias. Só não foi a monarca que mais tempo manteve a coroa na cabeça no mundo, porque o rei francês Luís XIV, que reinou no século XVIII, ficou no trono 72 anos e 110 dias.

A jovem princesa Elizabeth em 1927.

Elizabeth II, ou melhor, Elizabeth Aleksandra Mary Windsor, nasceu em 21 de abril de 1926 em Londres. Era filha de Albert, o Duque de York, e sua esposa Elizabeth Bowes-Lyon, mais tarde conhecida como a Rainha Mãe. 

A jovem Elizabeth era apenas a terceira na linha de sucessão ao trono britânico, depois de seu tio Edward e de seu pai George. Mas em 1936, após assumir o trono real como Edward VIII, ele abdicou em poucos meses para viver com uma americana chamada Wallis Simpson. O pai de Elizabeth assumiu então o trono sob o nome de George VI.

A princesa Elizabeth obteve sua educação inicial através do ensino familiar. Estudou depois história e direito constitucional e foi orientada por Henry Marten, vice-chanceler do Eton College. Ela também teve aulas de música e línguas estrangeiras.

As princesas Elizabeth e Margareth transmitindo na BBCD durante a Segunda Guerra.

Durante a Segunda Guerra Mundial a princesa Elizabeth e sua irmã mais nova, a princesa Margaret, passaram a maior parte do período do conflito no Castelo de Windsor. Com o apoio dos pais ela realizou ações para manter a moral do povo britânico elevada. Em 1940, aos 14 anos, ela apareceu no rádio pela primeira vez – no programa da BBC “Children’s Hour”. O discurso foi dirigido às crianças britânicas evacuadas de suas casas pelos bombardeios nazistas.

A adolescente princesa.

Depois de completar 18 anos, a princesa passou cinco meses no Serviço Territorial Auxiliar do Exército, onde aprendeu habilidades básicas na área de mecânica de automóveis e foi treinada como motorista.

A princesa Elizabeth fardada na época da Segunda Guerra.

Ainda em 1939, a princesa Elizabeth conheceu seu futuro marido, o príncipe Philip da Grécia e Dinamarca. Apesar do descontentamento da família real, o casal anunciou o noivado em junho de 1947 e o casamento aconteceu na Abadia de Westminster em 20 de novembro do mesmo ano. Por ocasião do casamento, o marido da futura rainha recebeu o título de Duque de Edimburgo. Elizabeth e Philip tiveram quatro filhos: o herdeiro do trono príncipe Charles (agora Charles III), a princesa Anne, o príncipe Andrew de York e o conde Edward de Wessex. Além dos filhos, o casal contemplou o nascimento de oito netos e doze bisnetos. O príncipe Philip morreu em 9 de abril de 2021 aos 99 anos e o casamento durou 74 anos.

A princesa Elizabeth e seu marido o Duque de Edimburgo.

A sua primeira viagem oficial ao exterior foi para a União da África do Sul e nos anos seguintes, devido à doença de seu pai, Elizabeth teve que assumir cada vez mais suas funções.

A princesa Elizabeth soube da morte do rei George VI enquanto viajava com seu marido pelo Quênia. Então, lutando com uma tragédia pessoal, ela recebeu os primeiros documentos do estado. 

Um sorridente rei George VI participa de um evento junto com a filha Elizabeth.

A jovem de 25 anos foi entronizada como Elizabeth II e assumiu o poder em 6 de fevereiro de 1952, numa época em que a Europa estava dividida pela Cortina de Ferro. Ela teve que se familiarizar com os problemas atuais da política interna e externa da Grã-Bretanha. Assim começou o reinado.

A cerimônia oficial de coroação ocorreu em 2 de junho de 1953. Atrasou um ano porque Elizabeth II estava de luto após a morte do pai, que morreu com menos de 60 anos.

Rainha Elizabeth II.

Sob todos os ângulos e aspectos de sua vida, ela foi uma mulher que se casou com a monarquia.

Durante seu reinado o Império Britânico desmoronou, mesmo assim a rainha Elizabeth II, de acordo com os princípios da Commonwealth of Nations (Comunidade das Nações), se manteve como chefe de estados anteriormente pertencentes ao Império Britânico e alguns de seus países vizinhos. Além da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, Elizabeth II governou mais quinze outros países, incluindo Austrália e Nova Zelândia.

Como governante do Reino Unido, ela serviu como chefe suprema da Igreja da Inglaterra e também da Igreja Presbiteriana Escocesa. A rainha não escondeu sua fé e frequentava regularmente a missa na capela de St. George, no Castelo de Windsor.

Elizabeth II testemunhou importantes mudanças, como as profundas reformas sociais da década de 1960. Ligada com as mudanças que aconteciam à sua volta, ela reformou muitos aspectos da monarquia. Como rainha, Elizabeth se envolveu bastante com o seu público, seus súditos. Ela participou ao longo do seu reinado de milhares de eventos, incluindo passeios reais, visitas ou concertos. 

Mesmo com todas as atividades protocolares e títulos, a rainha ou o rei sentado no trono britânico não governam o país há muitos séculos. As decisões políticas pertencem ao governo. Na verdade, ela desempenhou um papel simbólico e evitou expressar opiniões sobre questões políticas. Mas não podemos esquecer que nada menos que quinze primeiros-ministros britânicos fizeram reverências diante da rainha Elizabeth II. Desde o mítico Winston Churchill, nascido em 1874, até Liz Truss, nascida 101 anos depois e nomeada primeira-ministra pela rainha no início desta semana.

Durante sua visita ao Brasil em 1968, a rainha Elizabeth entregou um troféu ao jogador Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé.

A rainha Elizabeth II era conhecida por seu dever e dedicação ao serviço do seu país e do povo britânico. Ela não revelava seus pontos de vista políticos, mas como chefe da Comunidade das Nações, realizou conferências regulares com os primeiros-ministros dos estados membros.

Suas tarefas incluíam visitas oficiais a vários países e também recebeu representantes de outras nações. Ela viajou mais do que qualquer outro representante da monarquia britânica. Muitas de suas viagens foram de importância histórica. Durante seus 70 anos de governo, ela visitou mais de 100 países, entre eles o Brasil, cobrindo uma distância igual a orbitar a Terra 42 vezes.

A rainha Elizabeth II durante sua visita ao Brasil.

Em seu nome, milhares de prêmios e condecorações foram entregues a cidadãos ilustres. As atividades de caridade desempenharam um papel importante em seu serviço. Ela foi a patrona de mais de 600 organizações de caridade. Estima-se que £ 1,4 bilhão foram arrecadados para caridade durante seu reinado.

A política da monarquia, porém, nunca foi a maior fonte de interesse público. Já a vida da família real sempre suscitou muito mais atenção e controvérsia.

A rainha Elizabeth, a princesa Diana e o príncipe Charles.

Houve inúmeros altos e baixos durante seu longo reinado. Em 1992 um incêndio destruiu a maior parte do Castelo de Windsor – a residência privada da rainha. Houve três divórcios na família real. A morte de Diana, princesa de Gales, em um acidente de carro em Paris em 1997, teve ampla repercussão em todo o mundo. A rainha foi acusada de relutância em relação à ex-nora e de demora em expressar sua opinião sobre a tragédia. Durante o reinado de Elizabeth, houve também um debate público sobre o papel da monarquia na sociedade moderna. Os tabloides de fofoca britânicos fizeram a festa.

Ainda sobre o divórcio de Charles e Diana, que para muitos foi o primeiro evento significativo que indignou os súditos, suas consequências deixaram a rainha bastante ressentida com seu filho. Existe a suposição que por conta desse imbróglio, a rainha tenha desejado permanecer no trono por tanto tempo para que assim o seu neto, o príncipe William, recebesse a coroa diretamente dela, e não o príncipe Charles.

Apesar da monarquia ser um sistema tradicional e frequentemente criticada pelos britânicos, principalmente pelos enormes custos que gera a manutenção da corte, a rainha gozava de grande simpatia dos seus súditos.

Elizabeth II, com sua atitude fria e resoluta, conseguiu manter a dignidade do cargo por anos e o vínculo entre o povo e a monarquia. Até seus próprios filhos tinham que marcar um encontro oficial com a mãe. 

Desempenhar tal papel é difícil para a maioria das pessoas compreender, onde a capacidade de ser vista representando genuinamente certos valores deve ser preservada, principalmente nos aspectos ligados à autoridade real. Mas também ela deveria manter uma imagem clara e aberta aos meios de comunicação contemporâneos. Ela se tornou a primeira monarca da Grã-Bretanha a enviar um e-mail. Em 1997, por sua iniciativa, foi criado um site dedicado às atividades caritativas da família real. Em 2014 publicou seu primeiro Twitter e em março de 2019 ela postou pela primeira vez no Instagram.

Elizabeth II não gostava de glamour, valorizava a simplicidade na vida da corte. Ela adorava andar a cavalo. Ela possuía vários garanhões e uma fazenda de criação de cavalos de corrida. A rainha apareceu muitas vezes em corridas de cavalos. Também era conhecida por seu amor pelos cães, especialmente pela raça Welsh Corgi Pembroke.

Elizabeth II também era conhecida por suas habilidades nos negócios. Isso fez dela uma das mulheres mais ricas do mundo. O Sunday Times calculou que em 2021 a fortuna da rainha alcançou a soma de £ 365 milhões.

Em 2012, Elizabeth II celebrou um jubileu de diamante por ocasião do 60º aniversário de sua ascensão ao trono. No ano seguinte, o Parlamento britânico adotou uma emenda à Lei de Sucessão ao Trono. O princípio de que o trono deve ser ocupado primeiro por membros masculinos da monarquia foi abandonado. A rainha apoiou plenamente essas mudanças. 

Em 2016, após completar 90 anos, a monarca delegou algumas das funções públicas a outros membros da família. Houve rumores de abdicação na época, mas no final ela decidiu não dar esse passo.

A última vez que a rainha apareceu em público foi em 6 de setembro. Uma foto foi publicada do Castelo de Balmoral, onde ela é vista apertando a mão da recém-nomeada primeira-ministra Liz Truss. 

– The queen is dead – God save the king –

QUEM FOI CONFÚCIO? – AS VIRTUDES DA SABEDORIA

Fonte de inspiração – Canal Corvo Seco (Youtube) – https://www.youtube.com/watch?v=44o6MYyOfrc

“O caminho do Mestre consiste em dar o melhor de si e usar a si próprio como medida para julgar os outros. Isso é tudo”. 

– Zengzi (discípulo de Confúcio).

Pode-se explicar coisas grandes para quem quer ser grande, mas não para pessoas pequenas. 

Veja o rio: tudo flui sem cessar, dia e noite. 

Aos quinze anos, dediquei-me de coração a aprender; aos trinta, tomei uma posição; aos quarenta, livrei-me das dúvidas; aos cinquenta, entendi o Decreto do Céu; aos sessenta, meus ouvidos foram sintonizados; aos setenta, segui o meu coração, sem passar dos limites. 

Essas são as coisas que me causam preocupação: não consegui cultivar a virtude, não conseguir ir mais fundo naquilo que aprendi, incapacidade de, quando me é dito o que é certo, tomar uma atitude e incapacidade de me reformar quando apresenta defeitos. 

Aqueles que nascem com conhecimento são os mais elevados. A seguir vêm aqueles que atingiram conhecimento por meio do estudo. A seguir vem aqueles que se voltam para o estudo depois de terem passado por dificuldades. No nível mais baixo estão as pessoas comuns, por não fazerem esforço algum para estudar mesmo depois de terem passado por dificuldades. 

Não nasci com o conhecimento, mas por gostar do que antigo, apressei-me em buscá-lo. Eu transmito, mas não inovo; sou verdadeiro no que digo e devotado à antiguidade. 

Pode ser que existam pessoas que consigam algo sem saber nada, mas não sou uma delas. Ouvir muito, selecionar o melhor, testemunhar e registrar, esse ainda é o melhor meio de estudar sem nascer sabendo. 

Não sou sábio e nem perfeito; mas como eu deixaria de buscar isso.

Nunca me canso de ensinar essas coisas. Vou lhe contar o que há para saber.

As virtudes da sabedoria (Confúcio)

Ren, humanidade (altruísmo). Li, ou cortesia ritual. Zhi, ou conhecimento ou sabedoria moral. Xin, integridade. Zhing, fidelidade. Yi, justiça, retidão, honradez.

Vencer-se a si mesmo e restaurar as relações sociais, é o que se chama humanidade. Se dia-a-dia nos vencermos a nós mesmos e assegurarmos as relações sociais, o mundo todo se retornará ao humano.

Trazemos uma natureza ferida, para se alcançar a plenitude da condição humana, é nos imposto grandes exigências éticas. Ninguém as possuem, mas todas a podem, e devem alcançar.

Cenário do templo de Confúcio em Nanjing, China.

Aja antes de falar e, portanto, fale de acordo com seus atos. A sinceridade é o princípio e o fim de todas as coisas, sem sinceridade nada seria possível. Estabeleça como princípio norteador dar o melhor de si mesmo pelos outros e ser coerente com aquilo que diz, e vá onde a retidão, então você estará exaltando a virtude.

Quando cometer um erro não tenha medo de corrigi-lo. Não corrigir as próprias falhas é cometer a pior delas. 

Os homens de antigamente estudavam para aprimorar a si próprios. Os homens de hoje estudam para impressionar os outros.

A três métodos para ganhar sabedoria: primeiro, por reflexão, que é o mais nobre; segundo, por imitação, que é o mais fácil; terceiro, por experiência, que é o mais amargo. 

É preciso que o discípulo da sabedoria tenha o coração grande e corajoso. O fardo é pesado e a viagem é longa.

Não importa o quanto você vá devagar, desde que não pare. Transportai um punhado de terra todos os dias e fareis uma montanha.

Onde quer que você vá, siga com todo o coração. A maior Glória não é ficar de pé, mas levantar-se cada vez que se cai. Quem pretende ter felicidade e sabedoria ao mesmo tempo, deve se acostumar com as mudanças frequentes.

Você não pode mudar o vento, mas pode ajustar as velas do barco para chegar onde quer. A pedra preciosa não pode ser polida sem fricção e nenhum homem aperfeiçoado sem provação.

É durante as trevas que podemos enxergar se a nossa luz é verdadeira, nas adversidades é que nossa virtude é provada e conhecemos a verdade de quem nos tornamos. Lembre-se de como você agiu nos tempos difíceis, para descobrir em que grau sua raiz é virtuosa.

Uma estátua de Confúcio de 72 metros de altura fica no topo da Terra Sagrada de NiShan Foto: Shan Jie – Global Times.

O homem virtuoso não deixa de praticar o bem em nenhuma circunstância. Ele é virtuoso quando tudo o favorece e o é também quando tudo é obstáculo.

Há homens que perdem a saúde para juntar dinheiro e depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. Por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem o presente, de tal forma que acabam por nem viver no presente e nem no futuro. Vivem como se nunca fossem morrer e morrem como se nunca tivessem vivido. O homem pequeno pensa que pequenos atos de bondade não trazem nenhum benefício e não os pratica. Pensa também que as pequenas ações do mal não fazem mal e não se abstém delas. Consequentemente, sua maldade se torna tão grande, que não pode ser escondida, e sua culpa tão grande, que não pode ser perdoada.

A virtude da humanidade consiste em amar os homens; a prudência em conhecê-los. Veja os meios que um homem emprega, observe o caminho que ele toma e examine as circunstâncias em que ele se sente confortável. Como poderia o verdadeiro caráter de um homem esconder-se?

Quando conhecer alguém melhor do que você, dirija seus pensamentos para torna-se igual a essa pessoa. Quando conhecer alguém tão bom quanto você, olhe para dentro e examine a si próprio.

Estátua de Confúcio na Alemanha.

Dizer que você sabe quando você sabe, e dizer que não sabe quando não sabe: isso é conhecimento. Conhecimento real é saber a extensão da própria ignorância.

A humildade é a única base sólida de todas as virtudes. 

Não se preocupe por não ter um cargo oficial, preocupe-se com as suas qualificações. Não receie em ser desconhecido, receie ser incompetente. Não se preocupe porque ninguém aprecia suas qualidades, procure ser merecedor de apreço. Não se preocupe se os outros não o compreendem; preocupe-se com fato de você não compreender os outros. Não é quando os outros falham em apreciar as suas habilidades que você deveria ficar incomodado, mas, antes, quando você falha em apreciar as habilidades dos outros.

A melhor maneira de ser feliz e contribuir para a felicidade dos outros. Ame a todos, sem distinção.

Firmeza, devoção, simplicidade e silêncio – isso nos aproxima do humanismo.

Não imponha aos outros aquilo que você não deseja para si próprio. Exija muito de si e pouco dos outros, e isso lhe trará sossego. 

Estátua de Confúcio, o grande filósofo chinês, no templo de Confúcio, em Pequim, China.

Quando natureza de alguém prevalece sobre a educação recebida, o resultado será uma pessoa intratável. Quando a educação prevalece sobre a natureza, o resultado será uma pessoa pedante. Apenas uma mistura bem equilibrada das duas resultará em cavalheirismo. 

Nas suas relações com o mundo o cavaleiro não é rigidamente contra ou a favor de nada. Ele fica do lado daquilo que é justo. Enquanto o cavaleiro acalenta o bom governo, o homem vulgar acalenta sua terra natal. Enquanto o cavaleiro acalenta respeito pela lei, o homem vulgar acalenta um tratamento generoso.

O cavaleiro entende o que é moral e o vulgar entende o que é lucrativo. O cavaleiro tem a mente tranquila, enquanto o homem vulgar está sempre tomado de ansiedade. O cavaleiro ajuda os outros a perceberem o que é de bom neles; não os ajuda a perceber o que há de ruim. O homem vulgar faz o contrário.

O cavaleiro fica à vontade sem ser arrogante; o homem vulgar é arrogante sem ficar à vontade. O cavaleiro come sem exagero, mora em um lugar simples, dedica-se ao trabalho, fala com cuidado e busca boas companhias. Uma pessoa assim gosta mesmo de aprender. 

Um cavalheiro coloca todo seu coração no Caminho. Se ele se envergonha das roupas, ou da comida, ele não é sério. Um cavaleiro que é apegado ao conforto, não merece ser chamado de cavaleiro. O cavaleiro não fica triste nem assustado. Ele tem a consciência livre; por que deveria ter tristeza ou medo?

Seja fiel, leal, estudioso ande no Caminho. Não vá aonde há desordem; não more onde há tumulto. Apareça quando o Caminho vier para ficar; oculte-se quando o caminho for perdido.

O progresso do cavaleiro é para cima; o progresso do homem vulgar é para baixo. O cavaleiro vê o todo; o homem vulgar vê as partes. Aquilo que um cavaleiro procura, ele procura dentro de si próprio; aquilo que um homem vulgar procura, ele procura nos outros.

O cavaleiro teme três coisas. Teme o Decreto do Céu. Teme grandes homens. Teme as palavras dos sábios. O homem vulgar, sendo ignorante do Decreto do Céu, não teme. Trata grandes homens com insolência e as palavras dos sábios com ironia.

Há nove coisas as quais o cavaleiro deve dedicar o seu pensamento: enxergar claramente ao usar os olhos, escutar acuradamente ao usar os ouvidos, ter uma atitude cordial, ter um comportamento respeitoso, ser consciencioso ao falar, ser reverente ao cumprir seus deveres, buscar em conselho quando estiver em dúvida, prever as consequências ao ficar com raiva e à vista de uma vantagem a ser obtida, saber o que é correto. 

Não se pode senão concordar com palavras exemplares, mas o importante é retificar assim mesmo. Nada posso fazer com um homem que concorda com esses preceitos, mas que não retífica a si próprio, ou com o homem que fica lisonjeado, mas que não reforma si próprio. Não se pode senão ficar satisfeito com palavras elogiosos, mas o importante é reformar a si próprio.

Aprende a viver bem, e bem saberás morrer. Quem de manhã compreendeu bem os ensinamentos da sabedoria, à noite pode morrer contente.

O céu é o autor da virtude que há em mim. Se não se respeita o sagrado, não se tem nada em que fixar a conduta. 

Se eu pudesse em uma frase resumir todos os meus ensinamentos eu diria: Nunca deixe o mal dominar seus pensamentos. Quem se modera raramente se perde. 

O homem que é firme, paciente, simples, natural e tranquilo está perto da virtude.

Na Paz e tranquilidade do seu ser encontra as respostas para todas as suas dúvidas e inquietações. 

O silêncio é um amigo que nunca trai.

Uma outra estátua de Confúcio na Alemanha.

QUEM FOI CONFÚCIO?

Confúcio nasceu em 551 a.C. como membro de uma antiga família nobre no estado de Lu, na Península de Shandong, leste da China.  Seu local de nascimento é atualmente a cidade de Jining.
Muitas das informações biográficas de Confúcio são incertas. Afirma-se que ele perdeu o pai quando tinha apenas três anos, com sua educação exclusivamente nas mãos da sua mãe e ele cresceu em circunstâncias modestas. 

De 539 a 533 ele foi ensinado por seu avô. A partir dos 15 anos aprendeu as seis artes do arco e flecha, condução de carruagens, escrita, aritmética, dança e música. Aos 19 anos casou-se e um ano depois gerou seu filho Li, que significa carpa. 

O próprio nome Confúcio é latinizado e significa “mestre da família Kung”. No início, Confúcio trabalhou como supervisor de um celeiro público e em outros empregos para sustentar sua família. Em 530 a.C. fundou sua própria escola, onde ensinou poética, música e ritos tradicionais. Além disso, ele ensinou histórias antigas de reis do Livro de Documentos Shu-jing. Mais tarde, ele anexou a este trabalho suas próprias histórias intituladas “Primavera e Outono”.

O forte senso de tradição de Confúcio foi revelado já em seus primeiros trabalhos, o que também se reflete em seus próprios ensinamentos. Em 518 a.C. Confúcio viajou para o principado Chou, onde, entre outras coisas, aperfeiçoou seus estudos de música e costumes antigos. Durante este tempo ele conheceu Lao Tse, outro dos filósofos mais importantes da China antiga. 

Em 516 a.C. Confúcio foi exilado, mas continuou a estudar história e tradição. Em 509 a.C., após a morte do príncipe, ele teria retornado ao estado de Lu, onde tornou-se administrador. 

A partir do ano 501 a.C., ele inicialmente ocupou o cargo de governador em uma cidade chinesa e a partir do ano 498 a.C. exerceu um ofício ministerial. Suas atividades administrativas lhe deram a oportunidade de implementar politicamente suas ideias de tradição e ordem. Mas tendo sido desacreditado por intrigas, desistiu de todos os cargos e deixou o país. No período de 497 a 483 levou uma vida conturbada. Confúcio estava constantemente em movimento. Confúcio era cosmopolita e, no entanto, mantinha os valores tradicionais.

Depois disso ele voltou a China, mas a sua concepção da virtude do Estado e do comportamento moral era radical demais para os governantes, de modo que Confúcio não era mais empregado em nenhuma função pública. 

Confúcio então dedicou-se a escrever e editar velhas tradições até sua morte. Ele fez a ordem, que ele acreditava ser alcançável através do respeito por outras pessoas e culto aos ancestrais, o tema central de seus ensinamentos. O status social era irrelevante. O ideal “nobre” de Confúcio era um ser humano moralmente impecável e mais elevado. Ele difundiu a ideia que “o homem pode ser nobre quando está em harmonia com o mundo e como um todo. Encontrar o pivô que une nossa natureza moral, com a ordem abrangente, é a harmonia central”.

Seus ensinamentos foram transmitidos apenas por seus discípulos no “Livro das Conversações” (Lunyu). Ele mesmo publicou os cinco clássicos “Shu Jing”, “Shi Jing”, “Yi Jing”, “Li Jing” e a obra “Chunqui”, que contém a história do estado de Lu no período de 722 a 481 a.C. Em seus ensinamentos, Confúcio representava o princípio da medida e da média. Ele orientou-se para a prática e comportamento moral.

Confúcio morreu em 479 a.C. com a idade de setenta e nove anos.

O confucionismo mais tarde se desenvolveu a partir de seus ensinamentos, que, no entanto, só foi desenvolvido e sistematizado em um corpo de ensino no século II a.C. O confucionismo então tornou-se a doutrina estatal chinesa. 

O ensino contém valores religiosos, filosóficos e sócio-políticos, com ética social e política focada em normas comportamentais e um culto estrito dos ancestrais era praticado. O confucionismo também propagou os princípios da força masculina e feminina do yin e yang e em ação no universo. 

Somente com a Revolução Chinesa em 1912 o confucionismo foi superado como doutrina de Estado e desvalorizado durante a Revolução Cultural. Foi somente depois de 1976 que Confúcio foi reconhecido novamente como um espírito de preservação do Estado Chinês.

1876 – QUANDO UMA DESESPERADA MENSAGEM CHEGOU DENTRO DE UMA GARRAFA NA PRAIA DE MURIÚ

Rostand Medeiros – IHGRN.

Publicado originalmente no site tokdehistoria.com em 25/06/2016.

Em um tempo quando o mar não trazia tanto lixo para a terra e um vasilhame de vidro usado tinha certo valor comercial, à beira mar da bela praia potiguar de Muriú alguém encontrou uma garrafa que continha uma mensagem com um conteúdo diferente[1].

Típica garrafa inglesa do final do século XIX com uma mensagem.

É quase certo que quem a encontrou, em fins de novembro de 1876, não tinha a menor ideia do que ali estava escrito, já que nessa época grande parte dos norte-rio-grandenses era analfabeta.

É provável, como seria normal deduzir, que a pessoa que realizou este achado fosse um pescador, mas talvez não! Apesar da comunidade de Muriú já existir[2], a beira mar era uma ótima alternativa como via de circulação de pessoas montadas em alimárias, em carroças, ou até mesmo a pé[3].

Praia de Muriú na atualidade. Local aprazivel, ainda com uma comunidade de pescadores, visitado por milhares de turistas que circulam pelo local no passeio de buggys e ótima praia de veraneio – Fonte – http://www.praiasdenatal.com.br/praia-de-muriu/

Fosse uma pessoa livre, ou um escravo que sofria nos engenhos de cana de açúcar da região de Ceará Mirim, é provável que esta pessoa tenha levado aquela garrafa com sua mensagem para ser lida por alguém mais instruído. Naqueles tempos anteriores a criação de comunicação, a descoberta deste tipo de mensagem requeria atenção e normalmente era encaminhada a autoridades.

Sabemos que o objeto chegou lacrado no litoral, provavelmente com betume utilizado para calafetar embarcações[4], mas não sabemos se ela foi aberta antes de percorrer as cinco léguas de distância que separavam Muriú da pequena Natal, que neste tempo tinha superado pouco mais de 20.000 habitantes[5].

Letras Desesperadas

Acredito que na capital potiguar a mensagem e a garrafa foram encaminhadas às autoridades portuárias e alfandegárias, onde certamente haveria algum funcionário afeito ao idioma bretão, pois não era incomum a presença de barcos ingleses no porto da Cidade dos Reis.

Após aberto o recipiente surgiu uma mensagem que foi publicada na íntegra pelo pouco conhecido jornal natalense O Atalaia, na sua edição de 2 de dezembro de 1876, na página três, conforme reproduzimos na fotografia abaixo[6].

Em 29 de setembro daquele ano um tripulante, ou passageiro, escreveu que estava a bordo de um barco inglês, que os jornalistas potiguares designaram como “galera”, e que se chamava Collingrone. Este barco aparentemente se encontrava na costa sudoeste da África (ou “suéste”, como está descrito no texto original)[7].

Quem escreveu narrou que um “Máo tempo” tinha destruído a vela bujarrona e outras velas do barco. Mais grave ainda era a informação de que quatro pessoas a bordo já tinham perecido “pela febre”.

Em meio a este cenário um tanto caótico, em um texto onde a desesperança e o medo são claros, a mensagem encontrada em Muriú é bem direta ao apontar a objetiva finalidade do autor – Que alguém que porventura encontrasse a missiva, a destinasse para a mãe de quem escreveu. A destinatária seria a esposa de Mr. John Bryce, que vivia na Fountain House, na pequena cidade de Loanhead, próximo a Edimburgo, a capital da Escócia[9].

Dia festivo em Loanhead, Escócia, 1879 – Fonte – http://lothianlives.org.uk/category/photographs/

Pesquisando na internet descobri que Loanhead possui na sua área algumas localidades e casas históricas que utilizam a denominação “Fountain” (Fonte), mas não especificamente algum ponto conhecido como “Fountain House” (Casa da Fonte).

Ao pesquisar algo sobre um certo John Bryce, ou sua esposa, que viviam em Loanhead na metade da década de 1870, esbarrei em um verdadeiro paredão de nomes similares, que só me levavam a becos sem saída.

Como a edição do periódico “O Atalaia”, conforme podemos ver na foto aqui mostrada, nada mais trazia informações sobre o tema eu fui procurar em outros jornais da época. Infelizmente nada encontrei no material arquivado na hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, ou nos jornais potiguares digitalizados e disponíveis na Biblioteca Digital da Biblioteca Nacional.

A história toda era muito limitada e necessitava de novas pesquisas para responder a vários questionamentos. Tais como a natureza deste veleiro e quem escreveu a mensagem? Qual a nacionalidade do barco? Qual era sua rota marítima? O que aconteceu com esta nave e o autor da mensagem?

Mastros que poderiam chegar a alturas de um prédio de vinte andares

Pessoalmente eu tenho uma grande admiração pela Grã-Bretanha, principalmente pelo prazer que os súditos da Rainha Elizabeth II têm pela sua história e pelo intenso esforço que instituições britânicas fazem para democratizar preciosas informações históricas guardadas em seus arquivos através da internet. Assim, sem maiores contratempos, é possível acessar os arquivos do Lloyd Register, uma organização de classificação marítima que remonta a 1760[10].

O clipper Collingrove – Fonte – collections.slsa.sa.gov.au

Mas ao pesquisar neste arquivo altamente acurado não encontrei nenhuma referência sobre algum veleiro denominado Collingrone, registrado na Inglaterra e que navegava na década de 1870. Mas sempre esbarrava na referência de um grande clipper denominado Collingrove. E comecei a suspeitar que 140 anos atrás os membros da redação de O Atalaia haviam reproduzido equivocadamente o nome do barco.

O Collingrove era uma embarcação do tipo clipper, foi construído em 1869 pelo estaleiro de Sir James Laing & Sons Ltd., em Deptford Yard, na cidade de Sunderland, Nordeste da Inglaterra. Tinha 861 toneladas brutas, 181,4 metros de comprimento, 33,5 de largura e foi registrado em Londres no início dos anos 1870 para a empresa de navegação A. L. Elder & Co.

O barco estava envolvido no comércio de carga e transporte de imigrantes entre a Inglaterra e o sul da Austrália, se destinando principalmente para a cidade de Port Adelaide e retornando a Londres. Podia transportar 75 passageiros e carga geral.

Outra imagem do Collingrove – Fonte – collections.slsa.sa.gov.au

O Clipper Collingrove fazia parte de uma classe de barcos que marcou época, sendo os mais rápidos, elegantes e imponentes veleiros desenvolvidos no século XIX. Estas belas naves começaram a ser construídos a partir da década de 1830 e várias qualidades definiram a história deste tipo de veleiro. Um clipper era tecnicamente um navio com três mastros, que possuía uma grande extensão de velas quadradas, muito rentável em longas distâncias e que desenvolviam alta velocidade. Com mastros que poderiam chegar a ser tão altos quanto um prédio de vinte andares, linhas de casco longas, combinados ao enorme poder de condução das velas, fazia com que a maioria deles percorressem 250 milhas náuticas em um único dia. Os melhores atingiam velocidades que cobriam 400 milhas por dia.

Um típico clipper, mostrando toda sua imponência e elegância – Fonte – http://www.oilpaintingsframes.com

Já o Collingrove era considerado um barco muito regular e seguro. Relatos apontam que seu tempo mais rápido entre Londres e Port Adelaide foi de 65 dias e os mais lentos 85, com uma média de 74 dias por viagem. Era comum nestas grandes viagens que os clippers seguissem com um médico a bordo para atender os passageiros e não era incomum haver em alguns destes barcos uma vaca para fornecer leite fresco. Como o tempo de viagem era longo, sem escalas, era normal o incentivo para que os passageiros que tinham algum dom artístico, realizassem apresentações. 

Medo de Viajante

Descobri através dos arquivos do Collingrove que em 1876 o seu comandante, ou Mestre, como os ingleses designavam, era H. Angel, um veterano navegador, sem máculas em sua ficha e com extrema capacidade profissional.

Nota de jornal mostrando uma das partidas do Collingrove em 1876.

Aparentemente o que a carta na garrafa significou foi apenas o medo de uma pessoa pouco experiente com viagens marítimas, em meio a uma tempestade que danificou, mas não afundou o Collingrove. Certamente esta pessoa também estava extremamente estressada diante das mortes em decorrência de uma febre em um ambiente limitado, em um tempo onde as pessoas pouco compreendiam a possibilidade de contrair esse tipo de doença.

Infelizmente nada encontrei que apontasse que no final de 1876 este barco tenha se envolvido em uma tempestade que o deixou com danos de tal ordem que significasse um perigo real de afundamento e nada sobre mortes provocadas por um surto de febre.

O clipper Collingrove anhcorado na Austrália – Fonte – collections.slsa.sa.gov.au

Como notas finais desta história marítima posso comentar que o Collingrove continuou navegando por mais 24 anos sem maiores alterações, até ser vendido no ano de 1900 em Xangai.

Já o experiente comandante H. Angel, em outro barco da empresa A. L. Elder & Co., comandou o mais famoso dos tripulantes de barcos clippers. Este foi o imigrante polonês chamado Józef Teodor Konrad Korzeniowski, que na Inglaterra passou a ser conhecido como Joseph Conrad.

O escritor Joseph Conrad. Por conta de sua experiência de trabalho em clippers, muitas das suas obras centram-se em marinheiros e no mar.

Considerado um dos maiores romancistas a escrever no idioma inglês, foi um mestre da prosa que trouxe uma sensibilidade diferenciada para a literatura inglesa. Nas suas obras Conrad escreveu contos e romances, muito destes baseados na sua larga experiência náutica, enquanto explorava profundamente a psicologia humana, retratando através de ensaios um universo impassível, inescrutável.

Um visitante regular para Port Adelaide a partir do momento que ela foi construída até o final de 1890.

FONTES NA INTERNET 

https://en.wikipedia.org/wiki/Joseph_Conrad

http://collections.slsa.sa.gov.au/resource/PRG+1373/2/18

https://en.wikipedia.org/wiki/Torrens_(clipper_ship)

http://www.findboatpics.net/zpel.html

http://users.adam.com.au/easby/Chapter%205%20-%20The%20Clarkes,%20Grays%20and%20Adams.html

http://passengersinhistory.sa.gov.au/node/943903


NOTAS

[1] Enviar garrafas com mensagens pelo mar não é nada recente na história da humanidade. o primeiro registro de uma mensagem lançada ao mar foi realizado pelo filósofo grego Theophrastus que, por volta de 310 a.C. jogou garrafas ao Mar Mediterrâneo para tentar provar que as águas deste mar eram formadas por um fluxo que vinha do Mar Atlântico. Este pensador é considerado o sucessor imediato de Aristóteles, por quem foi nomeado como sucessor e guardião de toda a biblioteca de seu mentor! Sobre este tema ver – http://tcmuseum.org/collections/message-in-a-bottle/

[2] Nesta época Muriú já tinha um quadro populacional que necessitava de uma escola primária. Nas páginas 45 e 46 da Coleção de Leis Provinciais do Rio Grande do Norte para os anos de 1872 e 1873, encontramos a Lei nº 667, sancionada pelo então Presidente da Província João Bandeira de Mello Filho, em um exemplar existente na biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, se lê no seu Artigo 1º que “Ficam criadas cinco cadeiras de instrução primaria para o sexo masculino nossa lugares Muriú e Capela, do município de Ceara Mirim, Poço Limpo, do Natal, Laranjeiras, do de São José de Mipibu, e praia do Tibau, do de Goianinha”. Vale frisar que grande parte das comunidades de pescadores que conhecemos hoje entre a capital potiguar e a cidade litorânea de Touros também já existiam.

[3] Em 25 de maio de 2016, junto com o pesquisador argentino, radicado em Natal, German Zaunseder, ao realizar uma pesquisa sobre a chegada de um grupo de náufragos ingleses na cidade litorânea de Rio do Fogo em 1941, entrevistamos o Sr. Miguel Alves de Souza, nascido nesta comunidade em 18 de setembro de 1921. Sobre a carência de estradas e transportes para as comunidades do litoral potiguar, ele comentou que até sua juventude era normal as pessoas da localidade seguirem principalmente em barcos para Natal. Mas não era incomum que muitos realizassem este trajeto pela beira mar em lombo de animais e até mesmo a pé. 

[4] Popularmente conhecido como piche, é uma mistura líquida de alta viscosidade, cor escura e inflamável. É formada por compostos químicos (hidrocarbonetos), e que pode tanto ocorrer na natureza como ser obtido artificialmente, em processo de destilação do petróleo. Produto conhecido desde a Antiguidade é considerado uma das melhores opções para acabamento e calafetagem para impedir vazamentos de cascos de barcos de madeira. Ver – http://lojadoimper.blogspot.com.br/2014/11/primeira-referencia-sobre.html

[5] A população de Natal em 1876 se equivaleria atualmente ao do município de Monte Alegre. Ver – https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_municípios_do_Rio_Grande_do_Norte_por_população . Sobre números da população de Natal ao longo de sua história ver – http://www.webcitation.org/6OL6BlLnX

[6] O jornal O Atalaia era um jornal de apenas quatro páginas, publicado duas vezes por mês, sendo apresentado como “Literário, crítico, noticioso e dedicado aos interesses da liberdade, igualdade e do progresso”. Tinha a sua sede na Rua Correia Telles, número 29, Ribeira e era impresso na tipografia Independência, na Rua Santo Antônio. Só encontrei apenas um exemplar deste jornal, disponível nos jornais potiguares digitalizados e disponíveis na Biblioteca Digital da Biblioteca Nacional.

[7] É possível que este barco não estivesse tão próximo da costa africana. Pois a garrafa teria sido lançada ao mar em 29 de setembro de 1876 e chegou à praia de Muriú cerca de um mês após.

[9] Na atualidade Loanhead é uma pequena comuna onde habitam pouco menos de 7.000 escoceses e fica localizada a cerca de dez quilômetros ao sul da dinâmica cidade de Edimburgo. Ver https://en.wikipedia.org/wiki/Loanhead

[10] Para pesquisar sobre antigos barcos nos registros do Lloyds, acesse http://www.lrfoundation.org.uk/public_education/reference-library/register-of-ships-online/

UMA PEQUENA HISTÓRIA DOS RESTAURANTES DE NATAL E O “ACAPULCO” DE RÔMULO MAIORANA

Rostand Medeiros – Escritor e Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

Quando a Segunda Guerra terminou os comerciantes de Natal perceberam que logo os tempos de fartura proporcionado pela presença das tropas norte-americanas na cidade, com muitos dólares nos bolsos e nas mãos, chegaria ao fim. Fato que efetivamente aconteceu quando os últimos gringos partiram em 1947.

Oficiais militares brasileiros e possíveis técnicos americanos norte-americanos, no restaurante do Grande Hotel – Foto – Life Magazine

Mas muitos setores da cadeia produtiva da cidade aproveitaram a circulação dessa gente por aqui, principalmente o de bares e restaurantes. Que nutria expectativas positivas em relação ao futuro, pois nessa época Natal havia chegando aos 100.000 habitantes.

Apesar de todo esse movimento e otimismo, ao analisarmos os antigos jornais percebemos um elevado número de reclamações dos frequentadores dos restaurantes locais.

Lugares Para se Comer, dar Tiros e Brigar

No velho bairro da Ribeira existia um local que para alguns era apenas um café, para outros um restaurante, mas o certo é que no final da década de 1940 o “Cova da Onça” era um dos pontos mais tradicionais da cidade. Com bons quinze anos de funcionamento, ficava localizado na Avenida Tavares de Lira, bem próximo ao Rio Potengi, sendo um ambiente muito ligado às questões políticas da cidade. Basicamente era frequentado por homens, sendo também “um ponto de intercâmbio da grei intelectual da terra”, como certa vez comentou o escritor natalense Francisco Amorim.

Mas na década de 1930, como muita coisa que se relacionava com a política local era motivo para extremas violências, o “Cova da Onça” também teve seu momento de medo e tensão.

Na manhã do dia 29 de outubro de 1935 estava deixando Natal o bacharel em Direito Mário Leopoldo Pereira da Câmara, que desde 2 de agosto de 1933 exercia a interventoria federal no Poder Executivo do Rio Grande do Norte. Seu governo foi marcado por muitas obras, mas também por despotismo, radicalismo, extremismo e violência, até que a oposição local manobrou para lhe apear do poder e Getúlio Vargas o chamou de volta ao Rio de Janeiro.

Nesse dia Mário Câmara se dirigiu ao cais da Avenida Tavares de Lira para embarcar em um hidroavião da empresa aérea Sindicato Condor, sendo seu carro acompanhado por um grande número de membros da Guarda Civil, órgão de segurança pública criado por ele anos antes. Justamente ao passar em frente ao “Cova da Onça”, os adversários cobriram na vaia o ex-interventor e os membros dessa força policial. Diante da afronta esse pessoal armado não contou conversa e, em meio a tensão reinante, sacaram de suas armas e mandaram bala em direção ao restaurante. Na confusão teve até padre de Parabélum na mão, que abriu fogo contra outros cristãos. Por milagre, só quatro ficaram feridos.

Não está acreditando que na bela e tão decantada Natal do passado existiam esses arroubos de violência política? Então veja essa foto acima, de uma das páginas do processo aberto sobre os fatos ocorridos naquele dia, com o depoimento do comerciante José Mesquita.

Voltando aos restaurantes…

Nesse final da década de 1940, quando a Ribeira era muito frequentada e o transporte ferroviário tinha uma atuação muito intensa, com linhas de trens chegando ao distante interior potiguar, dentro da Estação Ferroviária da Central, na Praça Augusto Severo, existia o “Restaurante Café-Central”, com serviço de bar e restaurante, onde se destacava um farto almoço e um gostoso “Café Expresso” para o público que embarcava e desembarcava dos vagões.

Área do Grande Ponto, no centro de Natal, em 1941 – Foto – Life Magazine

Nesse período o principal restaurante da cidade ficava na esquina das ruas João Pessoa e Princesa Isabel, no centro da cidade e pertinho da área conhecida pelos natalenses como Grande Ponto. O local se dividia entre restaurante e sorveteria e se chamava “Cruzeiro”, pertencendo a Afonso China, tendo a parte operacional ficado a cargo de Francisco de Assis Bezerra. Essa casa abriu em fevereiro de 1945, onde ali aconteceram muitos eventos importantes do “Grand Monde” da cidade.

Pertinho dali existia o “Bar e Restaurante Grande Ponto”, do qual consegui poucas informações. As mais relevantes foram duas e que nada comentaram sobre questões gastronômicas. Em maio de 1947, provavelmente por razões ligadas à política, os bacharéis de Direito Romildo Fernandes Gurgel e João Medeiros Filho saíram no bofete dentro desse local. Um ano depois estavam respondendo ao competente processo, que seguia tendo à frente o promotor Aderson Dutra Lisboa. A bronca judicial, como era normal, não deu em nada, mas o restaurante palco do pugilato de tão nobres figuras foi logo posto à venda [1].

Tempos depois um articulista desconhecido reclamou que esse local deixou de ser um restaurante para se tornar um salão de bilhar e sinuca e que tal fato também tinha acontecido anteriormente com uma popular sorveteria chamada “Rio Branco”, na avenida homônima, que deixou de vender gelados para se tornar um salão de esporte de tacos e bolas [2].

Havia o “Restaurante Rinder Bar”, também conhecido como “Restaurante de Areia Preta”, localizado na praia do mesmo nome, que tinha boa comida, principalmente frutos do mar. Mas naquela época o lugar era considerado tão longe da cidade que em maio de 1946, quando ali foi organizado um jantar para homenagear o Sr. José Anselmo, novo diretor dos Correios e Telégrafos, foi necessário disponibilizarem um ônibus no Grande Ponto para levar os convidados [3].

Na Rua João Pessoa, número 118, funcionava o “Restaurante Dois Amigos”, vizinho ao “Taco de Ouro” (outro bilhar), creio que na área da atual Praça Kennedy, antiga Praça das Cocadas. Era pequeno, mas muito conceituado e tinha ótima comida, sendo muito bem frequentado.

Segundo me informou o amigo Vidalvo Silvino da Costa, o querido Dadá, empresário de sucesso, proprietário da renomada Cachaça Samanaú e grande referência da cidade seridoense de Caicó, seu irmão Ridalvo Costa, Desembargador Federal da 5ª Região, frequentou quando jovem o Restaurante Dois Amigos e lembrou algumas coisas interessantes sobre esse local.

Apesar do nome do estabelecimento, havia uma sociedade que envolvia três seridoenses. Dois deles eram os irmãos Neo e Eustáquio, donos da camisaria União e naturais da cidade de Parelhas, e Antônio Alves da Costa, cunhado dos dois irmãos e tio de Ridalvo e Dadá. Para Ridalvo o Restaurante Dois Amigos foi o primeiro que ele conheceu. Possuía mesas pequenas com toalhas brancas, serviam pães em rodelas, acompanhados de manteiga em pequenos recipientes de vidro. Ele comentou que nunca tinha visto manteiga de lata e nem camarão, mas viu e degustou essas novidades no Dois Amigos.

Foto – Coleção Eduardo Alexandre Garcia.

Na antiga Praça Pio X, onde hoje se ergue a Catedral de Natal, existia um restaurante, ou uma peixada, bem no meio da praça e que tinha uma arquitetura bem peculiar, sendo o prédio conhecido como “avião”. Era pequeno e aparentemente muito simples, mas existem inúmeras referências de encontros sociais e recepção de ilustres visitantes neste local. Como não tinha nada melhor pelo preço cobrado, levavam para esse mesmo. O lugar era conhecido nessa época como “Restaurante da Praça Pio X”, ou “Restaurante Noturno”, pois como a praça não tinha árvores e o calor era grande durante o dia, ele só abria a noite. Também encontrei referências que chamavam o local como “Peixada do Gabriel”. E como tudo nesse estabelecimento se ligava a Igreja, ele deixou a Pio X em 1955 e abriu suas portas na Praça Padre João Maria [4].

Muitas Reclamações

De maneira geral era isso que havia para degustar em Natal, com certo nível de qualidade. Mas quando lemos a quantidade de críticas sobre os restaurantes na urbe, percebemos que a situação era um tanto complicada nesse setor.

E críticas sobre essa questão vinham de todos os lados!

Começamos pelo Mestre Luís da Câmara Cascudo, que em uma “Acta Diurna” denominada “Natal precisa de cardápio…”, afirmava que Natal precisava “ter o direito de conquistar um cardápio brasileiro” e que era “preciso estabelecer dias certos para os pratos nacionais e divulgar na imprensa quais são esses dias”. O ilustre escritor, no alto dos seus conhecimentos sobre a alimentação no Brasil, afirmou que essa ideia não se tratava de “modificar o paladar, mas de ampliar os conhecimentos culinários e degustativos do cidadão natalense”.

Ele não reclamava de uma alguma possível invasão de comida yankee nos pratos natalenses, mas da “uniformização dos cardápios” existente nos restaurantes locais. Para ele isso era uma “catástrofe”. O interessante é que o exemplo que Cascudo apresenta para essa uniformização, ainda vemos a rodo nos “PFs” da vida. – “Fatalmente encontramos os mesmos pratos, com o mesmo arroz embolado e o mesmo falso churrasco com farinha amarela”.

Foto atual do restaurante “Farrta Brutus”, em Lisboa, comentado em 1948 por Câmara Cascudo como um exemplo de restaurante a ser seguido em Natal – Fonte – https://www.tripadvisor.com.br/Restaurant_Review-g189158-d983771-Reviews-Farta_Brutos-Lisbon_Lisbon_District_Central_Portugal.html.

Como referência do que poderia ser feito em Natal, Cascudo comentou que, através de informações que recebeu de oficiais norte-americanos servindo na capital potiguar, conheceu em Lisboa um restaurante maravilhoso. O lugar se chamava “Farta Brutus”, era muito bem recomendado por não abrir mão da tradicional culinária lusitana, com muita variedade e alta qualidade do que era oferecido [5].

O interessante é que o “Farta Brutus” ainda funciona no mesmo local desde 1904, mais precisamente no Bairro Alto, Travessa da Espera, número 20. Atende com a mesma proposta do passado, mantendo a mesma qualidade e atraindo uma clientela fiel. Entre estes o escritor português José Saramago, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1998 e falecido em 2010, que tinha até uma mesa preferida no salão principal da casa [6].

Uns dois meses antes de Cascudo publicar essa “Acta Diurna”, no mesmo texto que um autor desconhecido reclamou da transformação do restaurante “Grande Ponto” em salão de sinuca, ele realizou uma severa crítica sobre os restaurantes de Natal. E o cidadão “rasgou o verbo”.

Afirmou que apesar de existirem muitos bares e restaurantes na cidade, nenhum deles “estava à altura do nosso progresso”. Reclamou da apresentação de pratos e talheres nesses estabelecimentos, onde existiam “xícaras de beira tiradas” e lamentava o “descuido” com a conservação desses lugares. Já as cozinhas normalmente estavam abertas, mas não primavam pela limpeza. Com uma péssima impressão em relação ao asseio [7].

Um outro articulista, sem declinar o nome, não reclamou da questão do estilo dos pratos preparados, ou da conservação e limpeza dos restaurantes, mas chiou com os preços altos e o péssimo atendimento. Afirmou que comer fora em Natal no ano de 1948 era caro, talvez “a cidade no Brasil onde se paga muito pela alimentação e a que pior serve”.

Essa pessoa comentou essa questão no momento em que Natal perdia alguns voos internacionais que aqui realizavam suas paradas para reabastecimento, embarque e desembarque de passageiros. Como nessa época a questão da autonomia e velocidade dos aviões de transporte não contava com as vantagens tecnológicas dos dias atuais, muitas das aeronaves dessas empresas realizavam paradas de algumas horas em Parnamirim e seus passageiros pernoitavam em Natal. Pernoitavam mal e comiam pior! [8].

Uma charge publicada no Diário de Natal em 1949, sobre a situação dos restaurantes em Natal.

Em meio a essas situações, a cidade oferecia a possibilidade de sucesso para um empreendedor que tivesse a iniciativa de abrir um bom restaurante.

Uma Família de Italianos Que Aprendeu Que em Natal “Se Paga 20, Para não Ver o Outro Ganhar 10”

Provavelmente após o fim da Segunda Guerra, talvez em 1946, foi quando Francisco Maiorana veio junto com sua família para a capital potiguar, oriundos de Recife, Pernambuco. Na realidade seu nome era Francesco, mas aqui teve o nome abrasileirado para Francisco. Acredito que nasceu no final do Século XIX, ou nos primeiros anos do Século XX. Era oriundo do sul da Itália, da cidade de Totora, região da Calábria, província de Cosenza [9].

Em Recife ele era conhecido como “comerciante”, sendo casado com Angelina Chiappetta Miorana, que provavelmente também nasceu no sul da Itália. Eles tinham um filho de nome Rômulo Elégio Dario Severo Miorana Chiappetta, nascido em Recife no dia 20 de outubro de 1922. Sabemos que Rômulo tinha um irmão chamado Francisco (ou Francesco?), que se formou em economia, mas dele não obtive maiores informações.

Descobrimos também que esse casal de italianos morava na região da Várzea, zona oeste de Recife [10]. Inclusive para corroborar a localização onde vivia essa família, existe uma notícia de 1928 informando que Rômulo Maiorana, quando tinha apenas seis anos de idade, se destacou nos quesitos de “comportamento e aplicação”, no curso infantil do Colégio Oratório da Divina Providência, no bairro da Várzea, comandado na época pelas irmãs Magdalena e Veronica [11].

Os jornais não esclarecem qual era a atividade comercial que Francisco realizava, mas trazem bastante informações sobre a movimentada e respeitada “Escola de Corte e Alta Costura de Mademoiselle Angelina Maiorana”, que funcionava no primeiro andar do número 76, na Praça do Mercado São José, também conhecida como Praça Dom Vital, vizinho a Basílica da Penha [12]. E o negócio andava tão bem que encontrei a informação que Dona Angelina e o jovem Rômulo, então com 16 anos, partiram de Recife no transatlântico Oceania, em direção ao porto de Nápoles, Itália [13].

Provavelmente foi nesse momento que Rômulo ficou na Itália para estudar e foi envolvido pela participação desse país na Segunda Guerra. Ele foi incorporado ao exército de Mussolini, mas ficou na retaguarda, com a função de datilógrafo. Já sua família passou por dificuldades no Brasil.

Segundo uma notícia do jornal recifense Diário da Manhã, de 21 de agosto de 1942, Francisco Maiorana foi preso em Maceió, Alagoas, juntamente com outros oito homens, todos acusados de serem “Súditos do Eixo”, ou seja, simpatizantes do nazifascismo. Não sei se pesou nessa decisão o fato do seu filho se encontrar na Itália, envergando o uniforme do exército desse país.  

O certo é que em agosto de 1942 Francisco Maiorana esbarrou com o bacharel em Direito Ari Boto Pitombo, um dos mais severos e duros homens da lei em Alagoas durante o período da Ditadura Vargas.

Consta que após os afundamentos dos navios brasileiros nas costas dos estados de Sergipe e da Bahia, que levaram à morte de mais de 500 pessoas, o Dr. Pitombo mandou encarcerar mais de 30 “súditos dos países totalitários” e colocou esse pessoal todo para trabalhar de enxada na mão, abrindo valas nos bairros de Maceió para o “Serviço da Malária” e sob guarda fortemente armada [14].

Alemães e italianos presos e no trabalho forçado em Maceió.

Não sabemos a razão de Francisco Maiorana ficar preso na “Terra dos Marechais”, mas é importante ressaltar que em nossa pesquisa nos jornais disponíveis no Arquivo Nacional e na Biblioteca Nacional, não encontrei a menor referência que ele tenha atentado contra a integridade da nação brasileira em Estado de Guerra.

Tudo indica que para ele e sua família a situação foi muito pesada. Com o fim da Segunda Guerra e o retorno do seu filho Rômulo da Europa, eles decidiram se mudar para Natal.

Na capital potiguar Francisco Maiorana abriu as portas de um comércio na Rua Princesa Isabel e o batizou de “Casa Vesúvio”. O nome era em alusão ao Monte Vesúvio, um dos mais ativos e perigosos vulcões do mundo, que fascina os italianos do sul, fica a poucos quilômetros do centro da cidade de Nápoles e a cerca de 200 km ao norte de Totora.

Os Maiorana trabalhavam bastante no seu comércio, vendendo roupas, perfumarias, miudezas, bicicletas, plásticos, rádios valvulados, brinquedos e muito mais. Era uma típica loja daquelas “tem de tudo” e por preços em conta. Mas eu percebi que conforme os Maiorana cresciam, aqueles italianos começaram a incomodar.

Foto – Coleção Eduardo Alexandre Garcia.

Infelizmente Natal é uma cidade conhecida pela inveja e mau-caratismo para com os comerciantes que crescem trabalhando. Tanto que por aqui se criou uma expressão onde se diz que “fulano paga 20, para não ver o outro ganhar 10”. E logo os Maiorana aprenderam essa lição!

Uma pessoa que se identificou apenas como “Um leitor”, escreveu no jornal católico natalense A Ordem, que os proprietários da “Casa Vesúvio” não respeitavam do descanso dominical, trabalhando nesses dias e que durante a semana só fechavam o estabelecimento após as 19 horas e assim desrespeitavam a “legislação municipal” [15].

Eu não descobri se os Maiorana pagavam corretamente aos seus funcionários por horários extras, mas não encontrei reclamações desses trabalhadores junto ao Sindicato dos Comerciários, que era bem ativo e forte nesse período. E vale frisar que a reclamação desse dito “Um leitor”, em nenhum momento comentou qualquer preocupação com a situação dos trabalhadores de Francisco Maiorana.

Centro de NatalFoto – Coleção Eduardo Alexandre Garcia.

O certo é que um ano depois esse mesmo jornal divulgava, até com destaque, que a “Casa Vesúvio” havia ofertado “10 saquinhos de pipocas” para um sorteio do “Suplemento do Boletim Católico”, a página infantil publicada semanalmente pelo jornal. Não sei se os Maiorana continuaram abrindo nos horários e dias que geraram a reclamação, mas o certo é que não surgiram mais publicações negativas para a “Casa Vesúvio” nesse jornal [16].

É fácil perceber que a firma dos Maiorana teve um crescimento e ascensão muito rápido na capital potiguar no final da década de 1940. Daí, quem começa a surgir nas páginas dos jornais é Rômulo, que se aproximava dos 30 anos de idade.

Esquina das ruas João Pessoa e Princesa Isabel, no centro de Natal, onde funcionou o restaurante “Acapulco” – Foto – Google Street Wiel

Três situações parecem ficar patentes em relação a Rômulo e sua convivência com Natal e sua gente – A sua paixão pelo carnaval, pelo América Futebol Clube e por cultivar bons relacionamentos e amizades. Talvez por essas razões (e outras que desconheço) ele decidiu abrir nos primeiros meses de 1950 um tipo de negócio que estava bastante carente em Natal – Um restaurante com um elevado padrão de qualidade.

O “Acapulco”

Aproveitando que o restaurante “O Cruzeiro” havia fechado na esquina das ruas Princesa Isabel com João Pessoa, Rômulo Maiorana negociou o ponto. No dia 30 de março de 1950, uma quinta-feira, abriu um novo restaurante que ele denominou “Acapulco”.

Consta que ele se aliou com um húngaro chamado Zoltan Fried, que havia deixado a cidade de Kisvárda em 1946, certamente quando começou a perceber que o seu país caminhava para se transformar na República Popular da Hungria, fato que efetivamente aconteceu em 18 de agosto de 1949. Aparentemente ele procurou refúgio na Itália, pois morava na cidade de Florença, na Via Pandolfini, número 27. Em 21 de outubro de 1946 conseguiu o visto no Consulado do Brasil em Livorno e veio para o nosso país. Certamente esse húngaro chegou em Natal após ter tido algum nível de contato com Rômulo na Itália.

Em Natal já existiam locais que ofereciam um “chá das cinco”, até bombonieres e charutarias bem sortidas. O que aparentemente o “Acapulco” trouxe de diferente foi reunir tudo isso em um único local junto ao atendimento implementado pelo húngaro Zoltan.

Os dois sócios começaram a oferecer sistema de “delivery”, além de quase 50 pratos diferentes, com destaque para o “Filé Acapulco”, e mais de 30 tipos de sobremesas. Eles tinham uma adega bem sortida com vinhos portugueses, franceses, italianos, chilenos e nacionais. Logo a classe política se fez presente no restaurante “Acapulco”, conforme podemos ver na nota abaixo.

Além dos políticos, os jornalistas eram frequentadores habituais do local. Uma noite Aderbal de França, o conhecido cronista “Danilo”, chegou acompanhado de Veríssimo de Melo e Waldemar Araújo. Gostaram do que viram, do que comeram e “Danilo não economizou nos comentários positivos ao restaurante – “Convenhamos que numa cidade onde praticamente não existem hotéis e as casas de pasto primam sempre pelo péssimo serviço que oferecem e pela mais absoluta falta de higiene, um restaurante e quem se esforça por servir bem a clientela tem o direito de sobrevivência”.

“Danilo” também comentou que no “Acapulco” foram todos muito bem atendidos por Rômulo Maiorana, que colocou um garçom chamado Menezes, que os frequentes fregueses do meio político acharam de chamá-lo de “Senador” [17]. 

O “Acapulco” se tornou a nova coqueluche de Natal e começou a ser frequentado até pelos artistas de renome nacional e internacional que vinham se apresentar na cidade.

Um ano depois de inaugurado chegaram ao restaurante as cantoras paulistas Hebe Camargo e Lolita Rodrigues, acompanhadas do cantor italiano Ernesto Pietro Bonino. Esse trio realizou três noites de apresentações no palco da Rádio Poti de Natal, a ZYB-5, com grande sucesso de público [18]. Mas, segundo os jornais locais, foi a cantora Ademilde Fonseca, potiguar de São Gonçalo do Amarante e conhecida como “Rainha do Chorinho”, que verdadeiramente roubou a cena. Ademilde morava no Rio de Janeiro desde 1941, sendo a primeira cantora nordestina a encantar o país com esse gênero gracioso, brejeiro e bastante difícil de ser cantado.

Logo o “Acapulco” se tornou o ponto de referência dos artistas locais. Em 28 de janeiro 1952 o teatrólogo Inácio de Meira Pires lançou uma peça chamada “Alguém chorou a perdida“, escrita por Jaime dos G. Wanderley. Meira Pires se apresentou sozinho, interpretando os dramas do personagem “Evaldo”, que ele apontou como sendo “um homem só, com o seu desespero”. A apresentação foi um sucesso, sendo o cenário e o cartaz criações do pintor Newton Navarro.

Depois da apresentação Meira Pires, Wanderley, Navarro e Celso da Silveira, que contribuiu para a apresentação teatral, chegaram por volta das 23 horas no “Acapulco” para comemorar. O jantar contou com a participação de várias personalidades, como Aldo Cavet, Diretor do Serviço Nacional de Teatro, que veio do Rio de Janeiro para o lançamento. Além dele políticos da terra como Aluízio Alves e seu irmão Garibaldi estiveram presentes. Otoniel Menezes, apresentado pelos jornais como “príncipe da poesia potiguar”, declamou versos no “Acapulco” que foram apreciados por todos.

No Pará

Apesar do sucesso do empreendimento, ainda em 1952 Rômulo Maiorana deixou a sociedade desse restaurante e logo se mudou para o norte do país, para a cidade de Belém, no Pará. Não descobri a razão para isso!

Rômulo Maiorana

Lá ele esteve envolvido em vários negócios comerciais e se tornou dono de um jornal chamado “O Liberal” e anos depois criou o “Grupo Liberal”, que atualmente é o maior grupo de comunicação do estado do Pará e o 9.º maior grupo de comunicação do Brasil.

Nos jornais potiguares estão registradas várias visitas de Rômulo Maiorana a Natal e em várias ocasiões ele recebeu os muitos amigos natalenses que estiveram em Belém. Como foi o caso de Aderbal de França, que lá esteve em 1957 e lembrou essa visita anos depois [19]. 

Apesar de Rômulo Maiorana ser um homem de jornalismo muito respeitado no norte do país, ter muitos amigos em Natal e manter boas relações com os órgãos de imprensa do Rio Grande do Norte, quando ele faleceu aos 63 anos, no dia 22 de abril de 1986, me causou estranheza ter sido publicado praticamente nada sobre esse fato. 

Rômulo Maiorana conseguiu muito sucesso na área de comunicação no Pará.

Se não fosse seu amigo Mozart de Almeida Romano ter mandado rezar uma missa de sétimo dia pelo seu falecimento e o jornalista Vicente Serejo ter publicado uma nota sobre essa missa na sua coluna “Cena Urbana”, do jornal dominical O Poti (ed. 27/04/1986), muita gente em Natal desconheceria sobre o seu passamento. 

Atualmente uma rua no Conjunto Morada Nova, no bairro de Felipe Camarão, homenageia o jornalista Rômulo Maiorana.

NOTAS


[1] Ver Diário de Natal, edições de 14/03/1948, domingo, p. 12 e 11/04/1948, domingo, p. 7.

[2] Ver Diário de Natal, ed. 05/08/1948, sexta-feira, p. 3.

[3] Ver A Ordem, Natal-RN, ed. 01/03/1946, terça-feira, p. 4.

[4] Ver Diário de Natal, edição de 17/02/1950, sexta-feira, p. 6. e o jornal O Poti, 02/12/1955, sexta-feira, p. 3.

[5] Ver Diário de Natal, ed. 02/07/1948, sexta-feira, p. 2.

[6] Sobre o Restaurante “Farta Brutus” de Lisboa, ver – https://www.tripadvisor.com.br/Restaurant_Review-g189158-d983771-Reviews-Farta_Brutos-Lisbon_Lisbon_District_Central_Portugal.html

[7] Ver Diário de Natal, ed. 05/08/1948, sexta-feira, p. 3.

[8] Ver Diário de Natal, ed. 10/08/1948, terça-feira, p. 4. 

[9] Ver Diário de Natal, ed. 21/11/1972, terça-feira, p. 8. Existe uma outra informação, não confirmada, de que Francisco seria da cidade de Aieta, ao sul de Totora.

[10] Ver Diário de Pernambuco, ed. 31/12/1930, quarta-feira, p. 3.

[11] Ver Diário de Pernambuco, ed. 05/12/1928, quarta-feira, p. 4.

[12] Ver Diário da Manhã, Recife-PE, ed. 07/02/1937, domingo, p. 3.

[13] Ver Diário da Manhã, Recife-PE, ed. 09/01/1938, domingo, p. 4.

[14] Ver jornal Diretrizes, Rio de Janeiro, ed. 14/01/1943, quinta-feira, pág. 9 e https://www.historiadealagoas.com.br/ari-pitombo-getulista-e-lider-trabalhista.html

[15] Ver A Ordem, Natal-RN, ed. 21/03/1947, sexta-feira, p. 4.

[16] Ver A Ordem, Natal-RN, ed. 13/04/1948, terça-feira, p. 3.

[17] Ver Diário de Natal, ed. 23/15/1950, terça-feira, p. 5.

[18] Ver Diário de Natal, ed. 17/04/1951, terça-feira, p. 6.

[19] Ver Diário de Natal, ed. 13/09/1963, sexta-feira, p. 4.

NATAL NA REVISTA TIME E NO CAMINHO DA SEGUNDA GUERRA 

Rostand Medeiros 

Em 24 de novembro de 1941, poucos dias antes do ataque japonês à base de Pearl Harbor, no Havaí, razão da entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, a revista norte-americana Time publicou uma interessante matéria que apresentava os negócios da empresa de aviação Pan American Airways, conhecida como Pan Am, no Brasil. Nessa época a empresa construía doze bases aéreas em nosso país, sendo a principal Parnamirim Field. 

Mesmo com os Estados Unidos ainda não estando oficialmente em guerra contra os países do Eixo, nesse texto é possível perceber que para esses jornalistas a participação dos na Guerra já era o assunto do dia. Vemos também a visão dos americanos em relação às relações do Brasil com os Estados Unidos e detalhes ligados à construção da grande base de Parnamirim, inclusive os problemas. Narra também os acontecimentos em Parnamirim Field, inclusive pretensos casos de sabotagem, situação que também foi comentada pelo escritor potiguar Lenine Pinto em seu livro Natal, USA (1995). 

Revista Time, Estados Unidos, págs. 89 a 92, Segunda-feira, 24 de novembro de 1941, Volume XXXVIII, Número 21.

No final do texto fica evidente um recado transmitido pela revista Time para pressionar as autoridades brasileiras a realizarem a paralisação das atividades das empresas aéreas LATI (italiana) e Condor (brasileira, mas de controle alemão). 

Esse texto da revista Time é um retrato de um momento delicado em nossa história. Um momento que se situa poucos dias antes da entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra. E apenas quatro dias após o ataque japonês a Pearl Harbor, chegaram em Natal seis hidroaviões PBY-5 Catalina da Marinha dos Estados Unidos (US Navy), do esquadrão VP-52, mostrando o início do total engajamento dos militares norte-americanos em Natal. 

NEGÓCIO: PAN AM NO BRASIL 

Revista Time, Estados Unidos, págs. 89 a 92, Segunda-feira, 24 de novembro de 1941, Volume XXXVIII, Número 21.

A vulnerável ponta oriental do Brasil, que se destaca como um polegar dolorido em todos os mapas da grande estratégia dos Estados Unidos, é para uma corporação americana já uma frente de combate ativa. A corporação: Pan American Airways. 

Nessa região as linhas da Pan Am seguem paralelas às companhias aéreas do Eixo; e lá, por ordem do governo dos Estados Unidos, a Pan Am estava ocupada na semana passada melhorando ou construindo doze bases aéreas.

As dificuldades no caminho da Pan Am são tão reais quanto a guerra e não muito diferentes dela. Os homens da Pan Am confrontam agentes, espiões e empresários do Eixo todos os dias. Um relatório de progresso sobre a nova rede de aeroportos, que chegou a Manhattan na semana passada, foi lido como um comunicado de guerra.

Técnicos norte-americanos papeando com trabalhadores natalenses, fazendo cena para a câmera.

As doze bases estão no Amapá, Belém, São Luiz, Camocim (Ceará), Fortaleza, Natal, Recife, Maceió e na Bahia. Sete são aeroportos para aviões e cinco locais para serem utilizados por hidroaviões (A Pan Am ainda está negociando outro aeroporto na Bahia.) Em cada projeto trabalham de 500 a 800 homens.

Para um programa de construção deste porte, que requer 6.000.000 barris de emulsão asfáltica apenas para as pistas, a Pan Am (uma empresa de transporte) não estava inicialmente equipada. Formou uma subsidiária chamada Airport Development Program (ADP), contratou a Haller Engineering Associates como consultora em estabilização de solos e conseguiu que a Bitumuls of Brazil, Inc. construísse plantas para fazer e misturar o material de revestimento. 

Por deferência aos sentimentos brasileiros, não estão envolvidos engenheiros do Exército dos Estados Unidos, mas todo o projeto foi adiado no início por dúvidas brasileiras. Depois foi adiada pela própria inexperiência da Pan Am, pela chegada tardia das máquinas, pelo excesso de executivos (em Natal, por um tempo, eles superaram em número os homens de macacão). Nenhum campo ainda está completo. Mas de agora em diante mais atrasos serão causados ​​pelo Eixo – como alguns já foram.

Um Lockheed L-18 Lodestar da Royal Air Force (RAF). Fabricados nos Estados Unidos, aviões similares so da foto passaram por Natal a caminho da Inglaterra.

O ponto de partida para África, a Lisboa sul-americana, é Natal. Há Lodestars [1] para os britânicos, que decolam para Bathurst [2] a 1.850 milhas de distância (2.978 km). Lá, o Capetown Clipper da Pan Am [3] fez uma pausa na semana passada em um voo de teste de 18.290 milhas (29.434 km) de Manhattan a Leopoldville, no Congo Belga [4] – um voo que em breve levará a um serviço comercial quinzenal regular. Em Natal a Pan Am está construindo duas bases, uma para aviões (Parnamirim), outra para hidroaviões (Rampa) [5].

Normalmente Natal é uma tranquila cidade de 56.165 habitantes, que agora está lotada e em alta. Seu hospital [6] é um dormitório para os construtores de aeroportos; seu hotel transborda de engenheiros [7], pilotos que cruzam o Atlântico, motoristas de trator e espiões do Eixo. Dois operadores de escavadeiras dos Estados Unidos alugaram quartos em um bordel de alta classe, embora não gostem da comida. Eventualmente, a Pan Am espera construir um hotel perto de seu campo, a onze esburacadas milhas da cidade (17 km).

Avião italiano da LATI que utilizaram Natal e Recife como pontos de apoio no seu caminho para Roma.

Para a base de aviões de Natal a Pan Am está construindo duas pistas, cada uma com um quilômetro e meio de comprimento; uma estação de rádio; tanques de gás subterrâneos; um armazém, galpões de carga, etc. Junto a este campo, e provavelmente mais tarde incluído nele, está outro construído pela Air France para a sua linha aérea entre Paris e Buenos Aires. Nesse local aviões Savoia-Marchettis da linha italiana LATI ainda decolaram esta semana para Roma [8].

Um francês corpulento chamado Reynaud, responsável por este campo, gosta de lembrar como os grandes hidroaviões da Air France costumavam passar todos os dias com presentes para ele, legumes frescos da Argentina, vinho e frutas de Dakar [9]. Desde que a França caiu, ele nem recebeu seu salário. (O chefe da Pan Am em Natal ocasionalmente lhe dá um conto de réis ou dois). Mas ele ainda mantém uma lona bem espalhada sobre o único avião da França em Natal, um velho Fokker; ele corta a grama na pista; e todas as noites, pelo rádio, ele relata “condições climáticas” para Dakar.

Aeronave italiana da LATI aterrissando em Ibura (Recife), ou Parnamirim (Natal), enquanto trabalhadores brasileiros trabalham para uma empresa dos Estados Unidos.

A uma hora de Natal sobre o Atlântico, um piloto norte-americano do primeiro grupo que transportava aviões para os britânicos em Bathurst notou que um cilindro estava “ausente”. Ele conseguiu retornar a Natal e pousar, embora o farol e as luzes da pista estivessem apagados, o campo deserto. Os mecânicos descobriram uma vela de ignição muito solta, vários fios de ignição ondulados. Desde então, as luzes do aeroporto brilham a noite toda e os pilotos ficam duas horas vigiando seus aviões.

Uma noite, um estranho misterioso apareceu em um armazém que guardava gasolina da Pan Am. Enviando o vigia simplório para telefonar para o gerente, o estranho colocou perto de algumas latas de querosene uma bomba incendiária, do tipo caneta-tinteiro da Primeira Guerra Mundial, e depois desapareceu. O vigia descobriu o fogo, que gerou um pequeno dano. A gasolina era necessária para as Lodestars, que em breve partiriam para a África [10].

Avião Douglas DC-3 da Pan American Airways na pista do antigo Campo dos Franceses, que durante a Segunda Guerra ficaria conhecido como Parnamirim Field.

Em Recife, no extremo leste do Brasil, a ADP assumiu outro campo da Air France, ladeado por uma estação de rádio da LATI extremamente poderosa. Os aviões da LATI também usam este campo, quase roçando as cabeças dos trabalhadores da ADP quando decolam e aterrissam.

Para ampliar a pista de 800 para 1.550 metros, a ADP está movendo com mão-de-obra 120.000 metros cúbicos de solo, cortando e enchendo pontos muitas vezes seis metros acima do nível normal.

O superintendente Fred Wohn teve problemas para obter caminhões basculantes necessários, devido ao pequeno número existente. Um empreiteiro alemão tinha alguns; quando Wohn tentou alugá-los para o projeto ADP, ele recusou categoricamente. Wohn finalmente conseguiu seus caminhões enviando um intermediário para alugá-los para um projeto anônimo [11].

O engenheiro civil norte-americano Frederick Louis Wohn, que chegou ao Brasil no final de julho de 1941 para trabalhar em Natal.

O solo do Recife é quase areia pura, deve ser aguado para evitar que seja levado pelo vento. De uma pedreira próxima, a argila é transportada, espalhada sobre a base de areia em uma camada de seis polegadas. Sobre isso vão duas camadas de três polegadas de mistura de estabilização do solo. O resultado equivale a um bom cimento, mas é barato, rápido e resistente ao sol equatorial.

Recentemente quatro funcionários de primeira linha da Pan Am foram forçados a retornar em um voo de pesquisa desde o Caribe até Natal. Eles estavam pilotando um anfíbio Grumman que exigia permissões especiais, e o Ministério da Aeronáutica do Brasil, que é um órgão pesado e onde alguns funcionários são simpatizantes do nazismo, se recusou a conceder a licença de voo.

Apesar de tais obstáculos, o trabalho da Pan Am avança. Há dois anos a Pan Am operava 35% das companhias aéreas da América do Sul; agora opera 63%. A espionagem e a sabotagem do Eixo vão diminuir quando LATI e a Condor fizeram as malas e partirem, como outras linhas do Eixo na América do Sul já fizeram [12].

Esta semana a LATI. pelo menos, parecia estar em suas últimas pernas no Brasil. Quando a Pan Am iniciar o serviço South Atlantic Clipper, não haverá mais motivos para o Brasil tolerar o LATI.


NOTAS

[1] O Lockheed L-18 Lodestar foi um avião bimotor de transporte, desenvolvido e construído pela empresa Lockheed Corporation.

[2] Bathurst, atualmente chamada Banjul, é a principal área urbana da Gâmbia, uma antiga colônia britânica na África Ocidental. A Gâmbia se tornou independente em 1965 e Banjul é o centro econômico e administrativo desse país.

[3] O Capetown Clipper era a designação de um dos doze hidroaviões quadrimotores Boeing 314 Clipper operados pela Pan Am, que utilizavam Natal com frequência como ponto de parada e apoio. Eles desciam no Rio Potengi e utilizavam a base da Pan Am em nossa cidade, local que atualmente conhecemos como RAMPA.

[4] A cidade de Leopoldville é a atual Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, antigo Congo Belga.

[5] Segundo Lenine Pinto em seu livro Natal,USA, (págs. 58 e 59), o engenheiro Décio Brandão iniciou o levantamento topográfico na área de Parnamirim em março de 1941. Também neste livro, segundo relato do Sr. Rui Garcia Câmara, nesse mesmo mês também começou a ampliação do que hoje é a Rampa, às margens do Rio Potengi. Anteriormente no local havia uma pequena estação de passageiros da Pan Am.

[6] Atual Hospital Universitário Onofre Lopes, no bairro de Petrópolis.

[7] Nesse caso era o Grande Hotel, comandado por Teodorico Bezerra, no bairro da Ribeira.

[8] Os aviões Savoia-Marchetti utilizados pela empresa italiana LATI – Linea Aerea Transcontinentali Italiana eram trimotores S-79, que ligavam o Rio de Janeiro a Roma. Semanalmente em Natal esses aviões, suas tripulações e passageiros pernoitavam em um local de descanso próximo a pista de pouso de Parnamirim e realizavam a travessia do Atlântico Sul pela manhã cedo. A empresa italiana operou até o momento que o engajamento brasileiro foi se tornando mais forte com os americanos e teve sua licença cassada. 

[9] Dakar, ou Dacar, é a capital do Senegal e antiga capital da área colonial da África Ocidental Francesa, possui como Natal uma posição geográfica privilegiada e estratégica, sendo por muitos anos o principal ponto de contato das antigas aeronaves que partiam da capital potiguar em direção a África.

[10] Lenine Pinto em Natal,USA (pág. 155) ele comenta sobre esse caso, mas que ele teria ocorrido em agosto de 1941, no depósito da empresa Esso, próximo da Base Naval de Natal e esse autor tinha extremas restrições sobre as informações referentes a esse atentado.

[11] Segundo sua ficha de imigração, Fred Wohn era na verdade o engenheiro civil Frederick Louis Wohn, de 38 anos, que chegou ao Brasil no final de julho de 1941.

[12] A Condor era o Sindicato Condor, ou Syndicato Condor, uma subsidiária da empresa aérea alemã Lufthansa no Brasil. Foi uma das mais antigas companhias de aviação do mundo, criada em dezembro de 1927.

RACISMO À BRASILEIRA – SEMPRE CÍNICO E VENENOSO!

Rostand Medeiros

Acho sempre muito engraçado quando encontro pessoas que dizem, muitas vezes alterando o tom da voz e com ar de extrema sapiência, que “no Brasil não existe racismo”.

Quem dera fosse assim!

O racismo no Brasil existe e possui na sua gênese um cinismo miserável, que espalha um veneno terrível, além de ser algo muito antigo, conforme podemos ver na foto que abre esse texto.

É uma foto publicada em uma revista “Fon Fon” de 1908, um dos mais respeitáveis informativos brasileiros do início do século XX.

Nela vemos uma mulher muito bem trajada, com um vestido típico da alta sociedade da sua época, com o colarinho fechado, bordados, chapéu com ramos e flores, além de luvas. Ela traz uma sobrinha clara para lhe proteger do sol.

Pelos desenhos existentes na pedraria da calçada ela está em um boulevard muito bem organizado. Ao fundo vemos mesas e cadeiras, com uma cobertura para proteger do sol, apontando que no local existe um café, ou um restaurante, certamente um interessante ponto de encontro. Na rua estão estacionadas carruagens, talvez do tipo cabriolet, ou caleche. Em suma, era um local “chic”, onde provavelmente se reunia a alta sociedade do Rio de Janeiro.

A foto não é muito nítida, mas percebemos que essa mulher não parece ser tão nova em sua idade e ela tem a mão uma criança, um menino, que veste uma roupa do tipo “calça curta”, com uma pequena gravatinha contendo detalhes geométricos interessantes, que se repetem no colarinho. Nos pés o menino parece calçar botinas. Em tudo são roupas caras, típicas de uma criança da alta sociedade dessa época.

Mas a mulher olha diretamente para a câmera. Um olhar firme, sem sorriso no rosto, um olhar de quem não gosta do que está acontecendo.

Conforme podemos ver acima, a foto foi publicada com a seguinte frase: “Mme. Cecília Carvalho e seu interessante filhinho”. O “Mme.” é diminutivo de mademoiselle e essa mulher, conforme pude ver nos jornais da época, era uma pessoa cujo nome era constantemente repetido como participante de inúmeros eventos sociais. Indicando ser uma mulher da alta sociedade carioca, da elite.

A publicação foto em si não teria nada demais e certamente seria motivo para deixar Mademoiselle Cecília Carvalho feliz. Mas a criança que aparece no “instantâneo” é negra.

Diante da expressão do rosto de Mademoiselle Cecília, acredito que a frase que acompanha a foto na “Fon Fon” é uma ironia ridícula, que reserva uma espécie de reprimenda, certamente pelo fato dela estar acompanhada de uma criança negra nesse tipo de ambiente.  

Evidentemente que sem maiores dados fica difícil de compreender o que se esconde por trás da foto e da publicação da frase.

Não sei se essa criança era realmente filho de Mademoiselle Cecília. Acho que não. Talvez um filho de criação, ou de alguma empregada. Mas seja lá quem fosse a criança, aparentemente para aquela mulher não havia nenhum problema em sair na rua com ele. Não havia problema que ele fosse bem vestido, assim como ela. Mas parece que para o fotógrafo, e por extensão toda a sociedade da época, havia algo errado naquele conjunto. Tanto que valeu o click e a frase…

E assim vamos vivendo nesse país negro, repleto de ironias e hipocrisias em relação ao seu racismo antigo e ainda muito presente.

LIVRO – A GUERRA TOTAL DE CANUDOS SOB UM OLHAR PERNAMBUCANO

O BLOG TOK DE HISTÓRIA RESGATA PARA SEUS LEITORES UMA INTERESSANTE REPORTAGEM DE 1997, ONDE O ESCRITOR FREDERICO PERNAMBUCANO DE MELLO TROUXE MUITAS INFORMAÇÕES SOBRE A GUERRA DE CANUDOS, COM BASE EM EXTENSA UMA PESQUISA PARA UM LIVRO QUE FOI LANÇADO NAQUELE ANO.

Autor – Anco Márcio Tenório Vieira – Publicado orginalmente na Revista Suplemento Cultural, outubro/novembro de 1997, págs. 4 a 9.

Rostand Medeiros e Frederico Pernambucano de Mello.

Sendo reconhecidamente o maior especialista brasileiro em cangaço, com uma obra que se tornou leitura obrigatória para todos os que se dedicam ao tema, o historiador Frederico Pernambucano de Mello publica, aos 50 anos de idade, o seu sexto livro: Que foi a Guerra Total de Canudos (Editora Stahli). Se há surpresa para os que o tinham somente como um pesquisador do banditismo no Nordeste, maior ela será ao constatar que este livro de 317 páginas não é apenas mais um, entre centenas, a tratar de Canudos. Nele, vamos encontrar uma revisão crítica das muitas verdades difundidas e aceitas ainda hoje sobre o que foi a Guerra de Canudos, bem como dados até então inexplorados pelos especialistas da área. Um deles, a participação, em campo de batalha, dos soldados do Norte e do Nordeste, em particular, os de Pernambuco. 0 livro, que chegará às livrarias até meados de novembro, também reabilita alguns personagens e textos que estavam esquecidos pelos pesquisadores: a figura de Tereza Jardelina de Alencar (única mulher a compartilhar r do círculo íntimo do Conselheiro); o lado humano e romântico do general comandante da 4“ expedição, Artur Oscar; a obra do general e ex-governador de Pernambuco, Dantas Barreto; o livro de cabeceira do Conselheiro: A missão abreviada, do padre José Manuel Gonçalves Couto (obra muito aludida, mas até hoje pouco analisada); entre tantos outros detalhes esquecidos nas dezenas de relatos, documentos, atas e ofícios produzidos durante a Guerra. Apesar dos inúmeros convites que vem recebendo para participar de eventos alusivos ao centenário de Canudos, no Brasil e no exterior — artigos para jornais, palestras em universidades, conferências para os vários comandos militares do Exército, seminário em Colônia (Alemanha) — Frederico Pernambucano nos concedeu esta entrevista, realizada na sua sala de trabalho, no antigo sobrado que pertenceu a Delmiro Gouveia — localizado no tradicional bairro de Apipucos, no Recife — hoje, sede do Instituto de Documentação, da Fundação Joaquim Nabuco, onde exerce o cargo de Superintendente. Em sua sala, rodeado de retratos, quadros (entre eles, um Vicente do Rêgo Monteiro), peças e documentos que nos remetem ao ciclo do cangaço nordestino, ele discorreu sobre o que foi a Guerra Total de Canudos.

O livro Guerra Total de Canudos, de Frederico Pernambucano de Mello.

Suplemento Cultural — Poucos temas da nossa história republicana foram tão estudados como o da Guerra de Canudos. São centenas de ensaios, artigos e livros que tentam explicar o que de fato teria motivado a mais sangrenta guerra civil brasileira. Ante tudo o que já foi dito e publicado sobre o assunto, por que o senhor, que é um especialista em cangaço, decidiu escrever também sobre este tema?

Frederico Pernambucano de Mello — Em primeiro lugar, porque para ser, ou pretender ser, especialista em cangaço é preciso ter uma grande a finidade com o quadro geral da história regional do Nordeste. E aí entra, como ponto de prioridade, a história das vastidões rurais do Nordeste, sobretudo a história da região sertaneja. O conflito de Canudos, na minha visão, se coloca como o episódio máximo desse grande abismo gerador de exotismo em nossa história, que é o do desenvolvimento paralelo de culturas, de sociedades, e de homens litorâneo e sertanejo. A sociedade no litoral se desenvolvendo de maneira lenta (porém, constante), pelo aporte de inovações, de dados novos que chegavam pelos navios, vindas da Europa, e a partir de um determinado momento, pelos Estados Unidos, enquanto que o Sertão, desde a metade do século XVII, quando se inicia propriamente a sua colonização, com homens que estavam indo do litoral, mais propriamente do Recife, outros contingentes que vinham da Bahia, da Casa da Torre, muito rapidamente entraram em decadência. No caso do Recife, o exército de desempregados que resultou da vitória sobre os holandeses, em 1654. E como nós sabemos, esse exército de desempregados foi recompensado pela Coroa Portuguesa.

Tropas federais que participaram da Guerra de Canudos.

Não com dinheiro, que ela não tinha, mas com datações de sesmarias, no Agreste e no Sertão (na Mata os engenhos já tinham sua titulação de propriedade). Esses homens penetram o Sertão juntamente com baianos e com paulistas, da Vila de São Paulo (que era, na época, miserável, e não dava riqueza nenhuma, a não ser a preação de índios), e se fixam no Piauí e nas zonas mais a Oeste do Estado da Paraíba. Esses três contingentes, caracterizando uma forma de colonização dura, cruenta e que muito cedo, repito, entra em decadência, fazendo com que os valores sertanejos, que eram os valores do quinhentismo e do seiscentismo da cultura portuguesa, ficassem mumificados ali e jazessem intocáveis até eu diria, metade do século atual. Isso na língua, nos costumes, na moral — inclusive sexual — na condução patriarcal da família, na religiosidade, em todos os aspectos que caracterizam a cultura. Canudos é, portanto, o paroxismo dessas fricções que surgem entre duas culturas que não se encontravam, que não se reconheciam. O traço mais saliente disso nos é dado pelo tenente-coronel Dantas Barreto que, durante à noite, em Canudos, no meio da sua tropa, ele, na barraca, ficava ouvindo a conversa dos soldados — não por intuito negativo, mas para saber o que a sua tropa pensava — e ouvia estarrecido um soldado dizer para o outro: “quando eu voltar ao Brasil, vou fazer isso ou aquilo”.

Monumento de Antônio Conselheiro, no Parque Estadual de Canudos LUCIANO ANDRADE/

Tão estranhos eram a olhos litorâneos o homem do Sertão, com as suas barbas longas, sua roupa, hábitos e costumes originais, sua maneira de se conduzir. De passagem, lembro Kari Jaspers, no seu tratado de psiquiatria: “O estado de consciência do homem primitivo é alguma coisa inteiramente diversa da doença mental.” Nós não tínhamos, nos homens de Canudos, doença mental, mas um estado de consciência primitivo, mantido nas características primitivas da mumificação sertaneja. Fanatismo, banditismo, misticismo: todas essas peculiaridades do Nordeste que o fazem atraente para turistas, estudiosos, pesquisadores etc., e brotam dessa espécie de Fenda de Santo André, que é a dicotomia Litoral/Sertão.

Suplemento Cultural — Os Sertões, de Euclides da Cunha, tornou-se, ao longo dos últimos 95 anos, a obra de referência e a versão mais “balizada” sobre Canudos. A imagem que temos de Canudos é, de uma certa forma, a que foi fixada por Euclides da Cunha em sua obra. A nossa pergunta é: quais são, no seu entender, os principais equívocos cometidos por Euclides ao escrever sobre Canudos e que os seus contemporâneos (como Dantas Barreto, por exemplo) não cometeram, apesar de muitas dessas testemunhas oculares da Guerra terem tidos, nos últimos cem anos, suas obras relegadas?

Frederico Pernambucano de Mello — A impressão que eu sinto quando releio O5 Sertões (para minha felicidade eu tenho até uma primeira edição, de 1902, que Euclides não reconhecia muito como oficial, porque precisou corrigir lá uns advérbios, aperfeiçoamentos obsessivos de estilista que ele foi) é de quem, ao final, sai de uma peça de teatro, com muita grandeza, nobreza, profundidade, tragédia, que se assiste com a tentação de estar ajoelhado diante daquele drama.

Mas é evidente que as noções geográficas e físicas de Teodoro Sampaio, a ciência de Nina Rodrigues, os grandes inspiradores de Euclides no plano científico, especialmente os autores estrangeiros (que talvez ele não conhecesse tão bem para citá-los com a desenvoltura com que cita); toda essa ciência, realmente, está muito envelhecida. Ademais, Euclides ficou apenas cerca de dez dias no chamado teatro de operações. Ficou pouco tempo. Não se sentiu bem, não esteve à vontade, e a observação direta dele é pouca. Ele, então, teve que se valer de autores que já tinham produzido obra – especialmente Última expedição a Canudos, de Dantas Barreto – e comete erros, por conta disso, não só por não ter estado muito tempo no teatro de operações, mas por depender também de outros autores que estudaram o tema, e por ter fontes jornalísticas nem sempre confiáveis, vários deslizes ligados aos fatos da Guerra. Por conta dessas limitações na percepção — Afrânio Peixoto há muito já disse que Os Sertões não é o livro do que ficou nas vistas de Euclides, mas é o livro do impacto da Guerra na alma de Euclides, nas concepções que ele tinha — é um livro, de certo modo, personalíssimo, revelador do interior de Euclides. É o livro também da sua decepção com a República. Ele chega, no cenário dos combates, republicano, inflamado pela pregação jacobina, militarista, e sai de Canudos decepcionado com aquela perspectiva que se esboçava para uma nova ditadura militar no País. No entanto, o grande problema de Euclides foi a sua incapacidade de compreender a figura sertaneja do Conselheiro, de encadeá-lo num processo que vem desde quando começam as missões no Sertão, com capuchinhos, com oratorianos, com homens — no plano pessoal — de moral ilibada, que combatiam a igreja colonial brasileira (repleta de padres amancebados, funcionários públicos pagos pela Coroa, dentro da instituição do padroado real).

Antônio Conselheiro

E à margem dessa igreja colonial, que era o oficialismo do tempo, surgem vocações de missionários, como o capuchinho frei Vitale da Frecarolo, na passagem do século XVIII para o século XIX, que morre jovem, em 1820. O frei é uma figura mística que fascina o Sertão, pregando o maravilhoso, aquilo que fazia com que o sertanejo deixasse de ver tudo o que havia de limitado à sua volta — uma natureza maninha, uma dificuldade material imensa — para se empolgar com as realidades. as visões bíblicas, as passagens perenais que o misticismo podia proporcionar. Esse homem, como o quê, é seguido, a partir de 1853, por uma espécie de segundo segmento, representado pelo padre oratoriano José Antônio Pereira Ibiapina, que junta ao misticismo de frei Vitale o obreirismo. Porém, o obreirismo dele talvez fosse até maior. Há registros de repreensões dadas pelo padre Ibiapina aos seus beatos, porque eles estavam julgando que a sua missão estava feita apenas na oração. Ele dizia: “não”. Tem que ser na obra, na intervenção sobre a natureza, na caridade, na ajuda material ao próximo e nas obras pias, lembremo-nos que Antônio Conselheiro bebe dessas fontes. Não só o maravilhoso de frei Vitale como do obreirismo do padre Ibiapina, e junta a tudo isso um terceiro segmento estrangeiro – muito divulgado no Brasil, através de uma obra terrível, cheirando a enxofre, que era o livro Missão abreviada, do padre, também oratoriano de Goa, na índia, Manuel José Gonçalves Couto, que poderia ser resumida numa frase: “o mundo está podre, mas tão podre que já não há salvação”.

Ruínas em Canudos!

Euclides da Cunha não compreende Antônio Conselheiro; criado, moldado nesse ambiente secular, e parte para interpretá-lo de maneira fácil, a partir de questões psiquiátricas. De uma psiquiatria, ã época, muito presunçosa — lembremos que é desse período que data Lombroso, Erico Ferri e outros proponentes de esquemas simplórios, reducionistas de interpretação da conduta humana. E ele, então, com Riva, Maudsley pretende esclarecer tanto os casos individuais de patologia mental, quanto os casos coletivos. Nisso, de fato o seu livro hoje não tem mais o que nos dizer. Foi minha preocupação, nesse meu novo estudo, mostrar o Conselheiro, antes de tudo, como sertanejo e, como tal, um homem situado no seu chão, no seu tempo, e em volta dele, desse tempo, os homens que no plano místico, como frei Vitale, padre Ibiapina e Manuel Gonçalves Couto, lideram o misticismo maravilhoso, o ombreirismo impenitente e as escatologias de tragédias que são dadas pela Missão Abreviada.

Soldados do Exército Brasileiro ao final da Guerra.

Suplemento Cultural — Seguindo ainda essa trilha da religiosidade, gostaria que o senhor nos dissesse o que aqueles vinte e cinco m il sertanejos encontraram na figura do Conselheiro que os levaram a abandonar tudo e segui-lo, e também como se manifestava a autoridade religiosa do Conselheiro no dia-a-dia do Arraial?

Frederico Pernambucano de Mello — Antônio Conselheiro, cearense de Quixeramobim, pardo, bastardo, mas nascido numa família aguerrida, que era a família Maciel (em luta permanente contra a família Araújo), nasce com essas duas grandes desvantagens sociais. Ele é um homem que sai colecionando derrotas na sua vida, mas se recupera, para a produção de um conjunto de obras úteis para a sociedade em que vivia, através da pregação religiosa de frei Vitale, já morto, do testemunho vivo, ao seu tempo, do padre Ibiapina, parecendo até que o acesso a Missão abreviada só vem no momento seguinte — porque houve uma fase nele que era francamente de auxílio ao povo, à terra, sobretudo aos menos favorecidos. Curiosamente o Conselheiro nunca se disse um Deus. Pelo contrário, ele mandava que se levantasse da sua presença quem se ajoelhava e tentava beijar-lhe os pés ou as mãos, dizendo claramente: levante-se. Deus é outra pessoa. E quando perguntavam quem ele era, ele dizia: eu sou apenas um peregrino em busca dos mal-aventurados. Ele era um homem de definições absolutamente claras, ilibado nos seus costumes, pobre, que não amealhava valores, o que entrava por um bolso saía pelo outro para os pobres. Essa característica se choca, na visão do sertanejo, com o que era visto na igreja colonial brasileira: o padre com família constituída, às vezes morando na casa principal do vilarejo, apresentando publicamente a mulher, os filhos, entregues à simonia mais desenvolta, dominando o processo político (lembremos que, à época, as eleições eram feitas nas igrejas).

Canudos. Foto Flávio de Barros – http://www.passeiweb.com

Enfim, essa Igreja um tanto desmoralizada sofre um impacto com esses missionários que se apresentavam com a moral ilibada, desinteressados de valores e preocupados com o lado místico. É assim Conselheiro, e ninguém o incomoda enquanto assim foi; o peregrino que construía estradas — algumas das quais ainda existentes no Sertão -, capelas, igrejas, cemitérios, açudes, barreiros, inspirando a formação de ordens sacras. Só em 1892, quando ele se insurge, já no período republicano, contra a cobrança de impostos e, perseguido pela polícia e alvejado por alguns soldados da Bahia, foge com os seus seguidores para fundar o Arraial do Belo Monte de Canudos, que ficava arredado das zonas povoadas do Sertão, só então é que começa a se formar aceleradamente, alguém diria que até dentro de um processo de patologia social — não sei —, em quatro anos, o que viria a ser a segunda cidade da Bahia, a maior e a mais populosa depois de Salvador. Ela surge do nada, onde apenas existia um povoado de cinquenta choupanas em decadência, para a pujança de seis mil e quinhentos casebres, dos quais mil e seiscentas casas boas, com telhas e algumas até com piso de taco. Com uma economia pujante, feita à base de cultura de subsistência, onde estava presente o ofício da confecção do tecido, da rapadura, e da produção dos couros de bode e carneiro para exportação. Nesses quatro anos é que o Conselheiro se transforma num ímã social, porque ele cria um tipo de ajuntamento pio onde não era admitida a presença de delegado, promotor, juiz, prostitutas, bares abertos. alcoólatras.

Antônio Bruega, ex-combatente da Guerra de Canudos, clicado por Audálio Dantas em 1964.

Cria uma sociedade moralmente limpa, com um certo coletivismo dos meios de produção, afinado com o que ele tinha aprendido com a cultura indígena das tabas do Sertão. E mais: a capacidade que ele teve ao se tornar uma figura aguerrida em relação ao meio circundante, atraindo para si negros libertos de 1888, os decepcionados com a República, os caboclos do Sertão, os vários remanescentes de tribos indígenas – como os dos rodellas, kiriri, e várias outras que se associaram a ele no Arraial -, e ao manter o burgo de Canudos à margem da politicagem aldeã. Canudos é a soma desses fatores sociais e econômicos aos fatores físicos. Localizado num trecho do Vaza Barris, que era uma grande zona de drenagem das chuvas daquela zona sertaneja, com a possibilidade de se ter uma boa cultura de legumes, de cereais, Canudos era, como disseram várias testemunhas, uma vasta criação de boi, de bode, de cabra, etc. Todos esses fatores conspiraram para que o Conselheiro mostrasse o rumo de uma colonização diferente daquela que estava sendo levada a efeito pela Coroa, na fase Imperial, e pela República, nos anos mais recentes; um caminho novo de vida que, no entanto, paradoxalmente, era um caminho de passado, era um caminho de volta aos bons velhos tempos da vida arcaica, dos primórdios da colonização.

Canudos na década de 1940.

Suplemento Cultural — Há alguma relação entre a moral religiosa apregoada pelo Conselheiro, aceita sem nenhum questionamento pelos jagunços, e a forma como estes se comportavam frente ao inimigo? Lembro aqui, por exemplo, o fato (revelado em seu livro) dos jagunços só reagirem às investidas das tropas do Exército quando eram atacados.

Frederico Pernambucano de Mello — Canudos tem um período curto de vida. Evidente que nós estamos falando de um ajuntamento urbano que rapidamente cresce em complexidade. Muito cedo, uma liderança política baiana, sertaneja, como era o barão de Jeremoabo, começa a escrever artigos para a imprensa da Bahia, se queixar das lideranças políticas do Estado, de que não havia mais fazenda que pudesse ter a sua vida normal, uma vez que já não havia mais mão-de-obra, toda ela drenada pelo Conselheiro para o seu projeto de teocracia no Belo Monte. Era uma teocracia, efetivamente, o que havia no Belo Monte. Porém, nota-se claramente que o Conselheiro já não conseguia mais administrá-la. Primeiro, porque estava envelhecendo, achacado por doenças; segundo, porque já não era possível administrar sem delegar poderes, sem especializar tarefas e atribuí-las a pessoas de sua confiança. É quando se nota, que ele, fiel a uma velha tendência ainda dos tempos de peregrino (desde quando funda o Belo Monte que ele perde esse caráter de peregrino, ele fica sedentário, e ao optar por ser sedentário, assume uma postura de rei espanhol da antiguidade, aparecendo pouco ao seu povo, valorizando as suas aparições, que era sublinhada por foguetório imenso, emoções, desmaios, dobres de sinos etc.), se faz cercar das pessoas de sua confiança, os seus conterrâneos, os chamados cearenses.

Como se encontrava na década de 1940 o canhão inglês Withworth de 32 libras, a famosa “Matadeira”, utilizado pelo Exército em Canudos e destruído corajosamente pelos seguidores de Antônio Conselheiro.

Quando digo os chamados, é porque aí estavam os que nasceram no Ceará, como ele, mas também os tangidos, em geral, pela seca. Na época, para a imprensa do Centro-Sul, em particular a carioca, cearense era uma espécie de sinônimo de nordestino vítima da seca. Então ele cria, no seu projeto teocrático, uma estrutura de poder que repousava nos seus iguais, nos sofridos como ele, nos mal-aventurados como ele, e esses homens eram sempre os cearenses. Sempre ele tem um cearense como lugar-tenente. Cearense era a sua inspiração divina, o padre Ibiapina. Cearense foi a única mulher, Teresa Jardelina de Alencar, a mais bonita e a mais vaidosa do Arraial, conhecida como a “Pimpona” que – sustenta Dantas Barreto, tendo ouvido de jagunços lá em Canudos — privava não apenas do círculo íntimo do Conselheiro, mas também com quem o Conselheiro conversava, sofrendo dela alguma influência. E isso é estranho, principalmente quando sabemos que diante de qualquer mulher que aparecesse, a atitude do Conselheiro era sempre de permanecer de vistas baixas. Mas a autoridade do Conselheiro, em primeiro lugar, provinha da pureza da sua vida privada e da sua pregação, do desprendimento em face dos valores. Ele era um pregador insinuante, uma palavra persuasiva, um grande autor de catequese, um grande evangelizador, possuía todos os atributos que se espera de um místico para levar a sua pregação a um ponto de sucesso.

Oficiais do Exército Brasileiro e uma moradora de Canudos ferida em uma padiola.

A sua autoridade era uma autoridade indiscutível, teocrática, absoluta, lembrando a dos aiatolás mais recentes no Irã, cujas ordens ninguém discutia. E ele teve ocasião de manifestar essa sua autoridade de maneira drástica. Vou dar apenas aqui um registro. Quando ele chega a Canudos, encontra lá uma família grande de pequenos comerciantes: os Mota Coelho. Mas ele trazia consigo um cearense de sua confiança, uma grande vocação de comerciante, que era Antônio Vilanova. Por convite do Conselheiro, Vilanova começa a bancar o comércio no Arraial do Belo Monte. Muito cedo se choca com as pretensões mercantis dos Mota Coelho. Conselheiro, que sabia que o seu projeto de poder dependia da sua rede de cearenses, manda lentamente exterminar a família Mota Coelho. Só não morrem os que fogem, um dos quais assenta praça na polícia da Bahia, e dá entrevista para os jornais explicando toda essa tragédia que se abatera sobre sua família. Então, era uma autoridade incontrastável, que preenchia todos os vazios, mas era uma autoridade que começava a se esgotar diante do volume que o Arraial estava tomando. Então, grande parte do poder já tinha resvalado para o célebre João Abade, que era uma espécie de Ministro da Guerra; para o seu primeiro general, o pernambucano Pajeú, natural da Baixa Verde, que foi o seu grande cabo-de-guerra; e as funções de Casa da Moeda e Juiz de Paz atribuídas ao citado Antônio Vilanova.

Ruínas em Canudos.

Não obstante, o seu poder ainda era tão grande que, apesar de alguns dos seus guerreiros terem pretendido adotar uma estratégia ofensiva, quando viram que o Exército estava tropeçando nas próprias pernas, nada disso foi feito. Não porque faltasse ao sertanejo a intuição militar de fazê-lo. Pelo contrário. Essa intuição militar sobrava no sertanejo. O próprio exército admite isso. Acontece que o Conselheiro era radical na pregação de que o papel militar deles era de defender o Belo Monte. Não fazia parte da estratégia do Conselheiro derrotar o Exército. Fazia parte defender o mundo sertanejo que ele compreendia de uma concepção litorânea que lhe era completamente estranha. E em Canudos, o que há de mais dramático é que os litorâneos, em nenhum momento, compreenderam os sertanejos, e os sertanejos não tinham como compreender os litorâneos.

Foto de uma nota do jornal natalense A República de 1897, sobre o desenrolar da Guerra.

Suplemento Cultural — Como se dava a organização militar dos jagunços — suas táticas de guerra, seus armamentos etc. — para que eles pudessem enfrentar o Exército e saírem vitoriosos em três das batalhas? Ainda dentro da pergunta, quais foram as principais falhas táticas cometidas pelas expedições militares?

Frederico Pernambucano de Mello — O conhecimento militar dos jagunços claramente não eram alguma coisa que exultasse de uma verdade revelada. Quando acontece a 1ª Expedição Militar, do tenente Pires Ferreira, os jagunços, que se chocam com essa expedição no povoado baiano de Uauá, perdem uma quantidade enorme de adeptos. É verdade que conseguem colocar a tropa do Exército para correr, mas enquanto os militares perdem cerca de dez homens, os jagunços perdem cerca de cem ou mais. Eles ainda não conheciam bem o sistema de combate. A partir da 2ª Expedição, de Febrônio de Brito, eles começam a receber, de permeio com a população, cangaceiros famosos que vinham de Pernambuco, da Bahia, e começam também a aprender alguma coisa observando os próprios militares. O que é preciso lembrar, ao contrário do que dizia Euclides da Cunha, é que a 1ª Expedição Militar, a de 1896, já era equipada a fuzis Mannlicher, modelo 1888, e não a Comblain, que era um fuzil mais antiquado e não era uma arma de repetição. Os jagunços começam a aproveitar essas armas e aprendem a fazer uso delas maravilhosamente. É curioso assinalar que, apesar, de desde a 2ª Expedição, os jagunços disporem de fuzis do Exército, eles não abandonam os seus bacamartes.

Outro grupo de militares.

O bacamarte é uma arma que provocava um tiro fragmentário, com pregos, pelouros de chumbo, pequenas pedras de hematita, muito abundantes no local, enfim, que era usado muitas vezes para fazer uma varredura, ou manter uma posição. Os jagunços tinham uma consciência – que pode ser coisa arcaica, mas que na verdade é uma caraterística até de guerra moderna — de que o seu bacamarte tinha um uso militar. Eles combinam maravilhosamente o uso do bacamarte com o uso dos fuzis recolhidos do Exército. Atuavam numa ordem tática admirável. Com formação diluída, piquetes de 12 a 20 homens, manobrando em formação e desfazendo aquela formação rapidamente. Os que seriam comandantes de companhia, na linguagem militar, que eles chamavam de cabos de turma, usavam apitos para dar as vozes de comando. E nas distâncias maiores, em que o apito não era audível, eles usavam o bacamarte, com tiro de pólvora seca, para formar e desmanchar as linhas de atiradores, promover o ataque de flanco, promover a retaguarda, e fustigar, enfim, a tropa militar de todas as maneiras. Os remanescentes das 2ª e 3ª Expedições trouxeram para o litoral uma crônica sobre o modo de combater dos jagunços que era aterrorizadora, porque eles diziam o seguinte: nos comboios, os jagunços atiravam logo nos cavalos. Aí imobilizavam os comboios e, facilmente, não tinham mais pressa, a partir desse momento, de destruir os homens que seguiam juntos com aqueles comboios.

Jornal dos Estados Unidos comentando a vitória das forças legais em Canudos.

Chegavam ao requinte de retirar a farda dos soldados mortos, vestirem-se com essas fardas, penetrarem nas linhas do Exército, e disseminarem o pânico completo, atirando quase à queima roupa nos soldados que supunham estar sendo alvejados por seus próprios companheiros. Enfim, usavam de todas as velhacarias. Há um correspondente do Jornal do Brasil, na época, que diz: os jagunços se vestiam de folhas, traziam chocalhos ao pescoço, para mais insidiosamente penetrarem nas linhas dos soldados e poderem matá-los. E o que mais se vê da crônica militar é a consideração de que o jagunço era invisível. De fato, há aí um campo extraordinariamente rico. O jagunço, já em 1897 (sintonizado com uma virtude militar que só seria teorizada em termos finais, e colocada em prática, sistematicamente, em 1904, pelos japoneses, na Guerra Russo-Japonesa, mais especificamente na Campanha da Mandchuria), com a sua mescla azul desbotada e a sua túnica de algodãozinho, muitas vezes fiado nas rocas e nos fundos do próprio Arraial, ofereciam cores que, segundo os manuais militares, desaparecem da vista humana entre cento e cinquenta e duzentos e trinta metros. Enquanto isso, o nosso Exército, fazendo uso do azul ferrete, nas túnicas, e do vermelho escarlate, nas calças, se fazia visível ao jagunço em distâncias superiores aos setecentos e até compatíveis com os mil metros de afastamento do atirador.

Jornal “A Republica”, 10 de dezembro de 1897 – A tropa de potiguares do 34º Bataslhão que seguiu para Canudos retornou para Natal no vapor “Una”, o mesmo que os transportou oito meses antes. Às onze e meia da manhã, em torno de 4.000 pessoas aguardavam o desembarque, depois seguiram para a Matriz para uma missa, havendo uma quase interminável seção de discursos no quartel e finalmente os veteranos para as suas casas. Os jornais comentam, com uma sutileza típica da impressa na época, que muitos soldados voltaram “doentes e inutilizáveis”. No outro dia a tropa e a população da cidade inauguraram o monumento aos mortos da guerra no cemitério do Alecrim.

O Exército de homens do Norte e do Nordeste, e também de sulistas, era, basicamente, de litorâneos, salvo pelo Batalhão de Polícia da Bahia, composto por barranqueiros do São Francisco, homens que Euclides considerava ajagunçados. Esses eram diferentes, eram, inclusive, eficientes na guerra contra os homens de Conselheiro. Mas os litorâneos, ao chegarem ao Sertão, não viam como se apropriar das riquezas sertanejas, que não são à flor da pele. Quem chega na caatinga pensa que vai morrer de fome em pouco tempo, mas o catingueiro sabe que tem por si o mel de abelha, que lhe permite o suprimento calórico fabuloso, as várias formas alimentares, inclusive de fauna e de flora, que a olhos especializados se oferecem com facilidade. O Exército não enxergava nada disso, não conseguia tirar daquela terra as riquezas necessárias, e padece de fome grave. Houve um grande descuido, da parte dos comandantes militares, em todas as expedições, quanto ao aprovisionamento de munição, aquilo que hoje se chama de logística. No entanto, é imperdoável a ausência dessa logística, porque ela já era muito antiga, como imperativa a qualquer força expedicionária que vá combater território inóspito. Mas no Exército Brasileiro dessa época prevalecia a ideia de que toda força expedicionária teria que se valer dos recursos locais, e assim era, mesmo quando se tivesse a certeza de que esses recursos locais eram inexistentes.

Na edição de “A Republica” de 17 de julho, estão listados os nomes dos mortos, seus beneficiários e suas patentes. Ao ler a lista, salta aos olhos um fato interessante; dos 41 integrantes do 34º Batalhão de Infantaria listados pelo jornal como mortos no conflito, não há um único oficial. No total são 3 sargentos, 9 cabos, 3 anspeçadas (patente atualmente extinta), 3 músicos (corneteiros) e 23 soldados.

Outro problema do Exército era a excessiva liberdade que os chefes militares tinham de polemizar entre si. A Guerra de Canudos foi extremamente permeada por um número enorme de correspondentes de guerra dos jornais do Centro-Sul e da Bahia. Havia um deles, capitão honorário do Exército, José Benício, do Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, que era com uma pena numa mão e, com a outra, um mosquetão. Como historiador, eu só encontro a Guerra do Vietnã, recentemente, para comparar com o que foi a presença íntima da imprensa nas linhas de fogo, mandando informes de Canudos a cada instante. Havia linha telegráfica de Monte Santo transmitindo esses artigos para Queimadas, de Queimadas para Salvador, e de Salvador para o Rio de Janeiro, e os chefes militares ficavam, através dos seus artigos, polemizando pela imprensa. Um caso dramático foi o do chefe supremo da 4ª Expedição, o general Artur Oscar, que manda dizer à imprensa do Rio que o inimigo era, no mínimo, de quatro mil combatentes, e o coronel Carlos Teles, comandante da 4ª Brigada de Infantaria, que escreve para o mesmo jornal, em desmentido, e afirma que os jagunços não passavam de seiscentos homens. Isso causa um impacto enorme na imprensa. Eram dois chefes militares, um subordinado ao outro, mas que abrem polêmica pela imprensa no momento mesmo em que os combates se feriam. A outro caso, o do tenente Marcos Pradel de Azambuja que responde ao tenente-coronel José de Siqueira Menezes, desmentindo, até de maneira dura, um artigo que tinha sido mandado por este. Era o tempo do chamado bacharel soldado. A Escola Militar tinha um curriculum enciclopédico, onde se discutiam os temas da Revolução Francesa, e ninguém discutia a matéria técnica conexa à arte militar. Então, essa ausência de ensinamento de técnicas militares vem também dificultar a aplicação das ordens de comando no campo de batalha.

Foi em Canudos que o gênio de Euclides da Cunha criou a frase “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. E é mesmo!

Suplemento Cultural — Existe um episódio em Canudos, praticamente desconhecido, que é o da participação dos soldados pernambucanos na Guerra de Canudos. Ressalta-se muito a participação dos gaúchos na 4’ Expedição, organizada pelo general Artur Oscar, mas se tem esquecido dos soldados nortistas e nordestinos. O senhor, de maneira pioneira, estuda essas participações. Comente um pouco a presença desses soldados no campo de batalha.

Frederico Pernambucano de Mello — Em cem anos de bibliografia sobre Canudos, o que se passou para o público foi a ideia de que, além de um conflito entre litoral e Sertão, teria havido, também, em Canudos, um conflito entre Norte e Sul. O Norte, termo genérico que englobava na época o Nordeste, representado pelos jagunços, e o Sul, representado pelo Exército. Então, eu pude verificar – e é um dos pontos de pioneirismo do estudo que estou apresentando – que as tropas que intervieram na fase mais penosa da Guerra, que é a fase inicial, a partir de 25 de junho, com os primeiros combates a 27 e 28 também de junho, são tropas do Norte e do Nordeste. Do Recife — que foi uma cidade particularmente lançada em todos os episódios da Guerra — parte, escolhido pelo presidente da República, o comandante supremo, o general Artur Oscar, para o teatro de operações, à frente de uma força expedicionária portentosa, tão logo corre a notícia, mais ou menos a 7 de março, da morte do coronel Moreira César (ele morrera a 3 de março, mas a notícia só chega à imprensa em tomo do dia 7).

Vista do mirante de Canudos, a estátua de Antônio Conselheiro, no Parque Estadual de Canudos, na Bahia LUCIANO ANDRADE/AE

O general era um carioca, agauchado pelo longo período de permanência na fronteira Sul do Brasil, e um herói de verdes anos da Guerra do Paraguai. Mas esse homem morava no Recife com a sua esposa, dona Maria Helena, figura marcante em todos os passos da sua vida. Artur Oscar parte do Recife com o 14º Batalhão de Infantaria, que era de Pernambuco, e o 27º Batalhão de Infantaria, da Paraíba. Poucos dias depois, recebe o aporte do 34° Batalhão, do Rio Grande do Norte; do 35º, do Piauí; do 2º, do Ceará; do 5°, do Maranhão; e do 40°, do Pará. Em seguida, o 26°, de Sergipe, e o 33°, de Alagoas. Ao lado de três batalhões gaúchos, é essa tropa, inicialmente, quase que esmagadoramente predominante de nordestinos e nortistas, que intervém na Guerra. Por Recife passam quantidades imensas de tropas. A cidade se alegra, se engalana, se prepara para receber maravilhosamente, ao longo dos meses de março e abril, essas tropas que passavam, e se converte no que, um pouco naquela ideia que foi desenvolvida com a Segunda Guerra Mundial, em relação a Natal, no Rio Grande do Norte, em uma espécie de trampolim da vitória da Guerra. No dia 15 de março sai daqui o comandante supremo, no mesmo navio, com tropas do Norte e do Nordeste. O engano de se supor que o exército era, todo ele, de sulistas, é que, na fase final da Guerra, muitos meses depois de iniciada a ação, as tropas vão sendo substituídas pelas tropas frescas vindas do Sul, e acontece que, em um determinado momento, já a seis dias do final da Guerra, esses sulistas estavam em bom contingente. Alguns, até chegados recentemente. E ao chegarem, com eles segue o fotógrafo Flávio de Barros, contratado pelo ministro da guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt, para fazer a cobertura dos lances finais da Guerra. Assim, a iconografia da Guerra remete o historiador apressado à crença de que o Exército era todo aquele contingente de homens de bombachas, tomando chimarrão, com chinelas à beduíno, quando, na verdade, o grande suporte da Guerra é de nordestinos e de nortistas.

Suplemento Cultural — Estou lembrando que no livro No calor da hora; a Guerra de Canudos nos jornais, de Walnice Nogueira Galvão (1977), a pesquisa para nos jornais da Bahia. A autora deixa sem levantamento, assim, tudo o que também se publicara nos outros periódicos do Norte e Nordeste. Eu pergunto se há algo de exclusivo que os jornais pernambucanos registraram e que passou desapercebido pelos outros jornais da época.

Frederico Pernambucano de Mello – Há uma riqueza muito grande nos jornais pernambucanos por uma circunstância afortunada. É bem verdade que tanto os jornais do Sul quanto os de Pernambuco reproduzem bastante matérias transcritas dos jornais da* Bahia. Eram feridos que desciam para Salvador e eram ouvidos pelos repórteres, ou eram ouvidos em Queimadas, na ponta da linha do trem, ou até mesmo em Monte Santo. Mas no Recife aconteceu uma coisa curiosa. Dada a união romântica, muito bonita, do general Artur Oscar com a sua esposa, dona Maria Helena, ele se permitia mandar telegramas quase diários para ela, relatando cada passo dos combates. Consequentemente, muito cedo a imprensa de Pernambuco descobre que era na casa do general que estava uma das melhores fontes de notícias frescas sobre o teatro de operações. E aí há uma verdadeira orgia de informações patrocinadas pela esposa do general.

Ela recebia os telegramas, lia e passava para a imprensa, e essa imprensa muito frequentemente vinha a público agradecer a generosidade de dona Maria Helena, “sem cujo concurso a nossa redação estaria completamente à mingua de notícias”. Então, o diferencial positivo da imprensa do Recife é de natureza romântica e doméstica, porque passa pelo amor do general pela sua esposa, e pela generosidade dessa esposa em alimentar de informações a imprensa da cidade a que ela tanto amava. Eu tive o cuidado, no livro, de colocar uma grande quantidade desses telegramas, que começam sempre de maneira muito bonita: “Monte Santo, data tal, Maria Helena, saudades”, e aí segue seu relato. Essa fonte alternativa, romântica, muito simpática, e muito insuspeitada de informações, não há em nenhum outro ponto do Brasil, era privativa do Recife. Para esta cidade ele volta ao final da Guerra, desdenhando de ser recebido no Rio de Janeiro pelo presidente da República, o que causou um grande frisson. Ele vem de Salvador para o Recife, onde recebe as mais retumbantes homenagens que um chefe militar possa um dia sonhar em receber.

SC — Morre no Recife?

Frederico Pernambucano de Mello — Não, morre no Rio, mas já anos depois. Ele vai morrer em 1903, seis anos depois da Guerra, já reformado e morando no Rio de Janeiro.

SC — No apêndice do seu livro temos verbetes biográficos dos homens da Guerra. Traçando a trajetória de vida desses que foram os artífices da Guerra — militares e civis — o senhor encontrou algum dado revelador, até então desconhecido?

Ruínas da Guerra.

Frederico Pernambucano de Mello — O livro tem um apêndice com três contribuições que eu reputo de importância para a compreensão da Guerra. O primeiro é o memorial deixado pelo frei João Evangelista de Monte Marciano, um italiano chegado ao Brasil, em 1872, que esteve no Arraial, em 1895, tentando, através da pregação religiosa, dissolver o Arraial, que já era considerado pela Igreja Católica como uma força contrária ao ultramontanismo de Roma, porque se formava ali uma Igreja popular. Por exemplo, uma instituição de igreja popular era a “beija das imagens”. Isso vinha do padre Ibiapina. Terminada a solenidade, o Conselheiro ia beijando imagem por imagem. A Igreja Católica, na sua ortodoxia, não reconhecia esse ato como fazendo parte da liturgia. Também o papel da República se voltando contra aquele irredentismo de Canudos. Tudo isso está no relatório do frei Monte Marciano. Ao lado disso, eu tive o cuidado de, em mais de dois anos de investigação, purificar a informação sobre as armas empregadas na Guerra. Isso parece irrelevante, mas na verdade tem um grande papel, porque a bibliografia centenária da Guerra nos remete a uma grande confusão. Ainda recentemente, instituições sérias têm publicado verdadeiros disparates nesse campo, apontando armas que jamais foram utilizadas ali, ou enaltecendo o papel de canhões, como as baterias Canet, que morreram virgens, porque chegaram em Monte Santo e de Monte Santo não foram levadas para o teatro de operação, e, no entanto, são apontadas como sendo as grandes armas de importância em Canudos. Então houve essa preocupação de purificar a informação militar sobre os petrechos bélicos, e chegar a um grau de confiança que parece bastante aceitável. Por fim, uma biografia das figuras envolvidas na Guerra. E aí há revelações bem curiosas. Uma delas é a figura de Teresa Jardelina de Alencar de quem já falamos anteriormente. Foi possível também verificar, nesse cotejo das figuras da Guerra, que um nome avultava em meio a todos os demais: o do então tenente-coronel Dantas Barreto.

Antônio Conselheiro na Guerra de Canudos.

Pernambucano de Bom Conselho, herói da Guerra do Paraguai, para onde segue com 15 anos de idade, volta como alferes por bravura, e que na Guerra de Canudos, onde chega, a 25 de junho, comandando o 25° Batalhão de Infantaria, vindo do Rio Grande do Sul, em pouco tempo é elevado ao comando da 3° Brigada de Infantaria. É o idealizador do entrincheiramento mais importante, que teve o nome de Linha Negra, e fica por ser o expugnador da Igreja Nova, que era o baluarte máximo dos jagunços. Esse homem fica do primeiro ao último dia da Guerra, o que é uma raridade, em trincheiras insalubres, fétidas, atacadas pela varíola, infestadas de muquiranas e de piolhos, onde a desinteria grassava a cada instante e onde, muito frequentemente, os oficiais passavam apenas seis dias, porque caíam doentes. Dantas, por ser sertanejo e de origem humilde, fica do primeiro ao último dia da Guerra e pratica as façanhas mais importantes. No plano militar é, ao meu ver, o grande herói da Guerra. Também será esse homem que produzirá, entre os seus contemporâneos, a obra literária mais vasta sobre a Guerra de Canudos, embora inteiramente esquecida, apesar de a Última Expedição a Canudos, de 1898, ser o livro mais citado por Euclides da Cunha em Os Sertões. Mas o Dantas nos deixa também os livros Destruição de Canudos, de 1912, e Acidentes da Guerra, de 1914. Acidentes da Guerra é o primeiro romance histórico, escrito por militar, abordando aspectos da Guerra, inclusive o perfil mental do coronel Moreira César. É uma figura que compreendeu que o Conselheiro era um pregador persuasivo, era um homem, como ele dizia, de vistas superiores, um grande condutor da sua gente.

Imagem de Antônio Conselheiro em jornais da época – Fonte – http://culturapauferrense.blogspot.com.br

É a Dantas Barreto que nós devemos a convicção — e não a Euclides, jamais a Euclides — de que o Exército não se bateu em Canudos contra nenhum idiota, nem nenhum doente mental. Porque a ideia que se tem que Conselheiro seria um paranoico, um desequilibrado — como disse Euclides: um neurótico vulgar — é que o nosso Exército, que perde em Canudos cinco mil soldados, tinha tido um papel estranho de não conseguir vencer um homem com todas essas qualidades negativas. Na verdade, Dantas mostra claramente que o Conselheiro tinha virtudes de condottiere das massas.

SC — O seu livro também trata dos excessos da Guerra de Canudos. Quais foram esses excessos?

Frederico Pernambucano de Mello — Muito se fala sobre os excessos da Guerra de Canudos. De fato, é uma Guerra absolutamente sem quartel. Mas os excessos foram de parte a parte. Normalmente, nós vemos mais o excesso do Exército, ao não permitir prisioneiros masculinos, quase todos eles degolados ao final da Guerra; ao patrocinar uma diáspora de crianças, os chamados jaguncinhos, que eram doados pelo comandante supremo a quem os solicitasse. O próprio Euclides da Cunha levou um desses meninos, que viria a ser um professor primário em São Paulo. Outros deram a essas crianças destinos menos nobres. As mocinhas, às vezes de 12, 13 anos, eram estupradas impunemente pelos soldados. Formaram-se comitês de auxílio. Um deles, chefiado pelo jornalista Lelis Piedade, que encaminhou, em Salvador, algumas dessas crianças para um destino melhor, mas, no geral, órfãs, elas sofreram uma diáspora, foram espalhadas por todo o país.

Euclydes da Cunha – http://www.estadao.com.br

Os homens adultos, degolados, com as carótidas cortadas, ao estilo da fronteira, ao estilo uruguaio, da malagataria, e argentino, da província de Corriente, bebido no Rio Grande do Sul, desde o levante Federalista de 1893. Mas também do lado jagunço, o retalhamento a facão dos feridos da 1ª e 2ª Expedições, e da 3ª, do coronel Moreira César — o próprio Moreira César, juntamente com o capitão Salomão da Rocha e o coronel Tamarindo, foram retalhados a facão. Era uma guerra sem condescendência, de parte a parte. Com relação ao Exército, é interessante dizer, porque quase não há investigação nesse sentido, de que, já em 1900, o Exército assumia uma posição de censura aos excessos de conduta praticados por um de seus membros, o general Artur Oscar, na condução da Campanha de Canudos. Esse fato nos vem da seguinte revelação: nesse ano de 1900, o general Artur Oscar se dirige oficialmente ao Senado da República pedindo a instituição de uma comenda, com o que seriam galardoados os militares participantes da Campanha de Canudos. O Senado abre vistas do processo ao Exército, e o Exército envia o assunto ao Estado Maior. Presidia o Estado Maior o general João Tomás da Cantuária, considerado um militar brilhante na época. E o parecer do general é um primor de equilíbrio, ao dizer que o Exército Brasileiro, oficialmente declarado ao Senado da República, não era favorável a instituição de uma comenda, devido aos excessos praticados numa Guerra que, em final de contas, era um conflito de brasileiros contra brasileiros, realizado inteiramente no âmbito de um Estado da Federação.

Corpo de Antônio Conselheiro.

Então, o que se pode ver do episódio de Canudos é o Exército punindo e limitando o próprio Exército. E esse pequeno ponto de luz é sempre interessante que se tenha em vista, no momento em que, costumeiramente, o mais fácil, o mais sensacional, é apenas mostrar a sistematização da degola praticada pelos militares, em Canudos.

Suplemento Cultural – Euclides conclui Os Sertões dizendo que “ali estavam, no relevo de circunvoluções expressivas [do Conselheiro], as linhas essenciais do crime e da loucura…”. O senhor, de certa forma, conclui o seu livro discordando dessa assertiva, quando transcreve os resultados científicos que, em dezembro de 1897, o médico Nina Rodrigues revelou ao país. Para este, não havia “nenhum a anomalia que denunciasse traços de degenerescência” no Conselheiro. Porém, como fizera Euclides, antes, o senhor deixa o leitor mais uma vez curioso, pois fica sem saber qual foi a reação das autoridades e do povo brasileiros com o tão esperado laudo de Nina Rodrigues, depois de tudo, que se tinha dito e escrito na imprensa contra o Conselheiro.

Frederico Pernambucano de Mello — É verdade. Observe-se que Os Sertões é um livro que cria uma ideia de um Conselheiro monstruoso. E por conta talvez dessa crença que existia, e que Euclides captou e terminou por traduzir em seu livro, ao terminar a Guerra, no dia seguinte, 6 de outubro de 1897, foram feitas escavações numa área ao lado da Igreja Nova, e onde se sabia ter residido o Conselheiro até a sua morte. Rapidamente, foi encontrada uma área de areia fofa, onde se pôde exumar o cadáver de um homem de um metro e sessenta de altura, pardo, desprovido de dentes nas maxilas, vestido com uma batina de mescla azul, e envolto em lençóis brancos e esteiras de cera de carnaúba. Cabelos ainda fortemente escuros, negros, a barba apenas um pouco grisalha, o nariz já parcialmente comido pelos vermes, e que era Antônio Conselheiro.

Representação dos jornais brasileiros mostrando Antônio Conselheiro contra a República Brasileira.

Um médico da Expedição, chefe do corpo sanitário, que era lotado aqui, no Recife, e sai daqui junto com o general Artur Oscar, o major-médico José de Miranda Cúrio, que operava, fazia amputações, conversando o tempo todo com os amigos, contando piadas, e ali fazia 20, 30 amputações de pessoas que chegavam feridas ao Hospital de Sangue, entende de cortar a cabeça do Conselheiro. Remove a massa encefálica, coloca cal para conservação, encerra-a numa urna, e leva ele próprio para Salvador a cabeça do Conselheiro, para que ela fosse periciada pela grande sumidade da ciência nacional, Raimundo Nina Rodrigues. Este recebe o crânio e se permite trocar ideias com o maior psiquiatra brasileiro do seu tempo, Juliano Moreira. Eles analisam exaustivamente o crânio do Conselheiro do meado de outubro até o meado de novembro, quando, então, para surpresa geral, inicialmente deles próprios, depois da Nação, eles revelam que o crânio de Antônio Conselheiro não apresentava nenhuma anomalia que pudesse responder pela sua suposta criminalidade, pela sua violência, pela sua conduta irredenta. Ele tinha o crânio normal, tinha até traços superiores, porque era um dolicocéfalo, mesorrino. A partir dessa proclamação, que é feita com grande surpresa por Nina Rodrigues, inicia-se no país um grande complexo de culpa nacional, que só tem feito crescer, nesses cem anos passados, desde quando a Guerra terminou. Conselheiro não era um criminoso.

Cruzeiro de Canudos na década de 1940.

Conselheiro era apenas um homem diferente, o outro, uma concepção de vida sertaneja que estava inteiramente desconhecida e ignorada no litoral e que, graças a isso, a Guerra não teve por si nenhuma tentativa diplomática de acomodação, de diálogo, de entendimento, e foi até o fim, terminando apenas com o que Dantas Barreto chamou “superação absoluta de um contendor pelo outro”. Mas assim mesmo, o Exército que sai vitorioso da guerra, perde um 1/3 do seu efetivo no campo de batalha. O efetivo do Exército à época, nominal, por lei, era de vinte e dois mil homens, mas, na prática, esse efetivo nunca supera quinze mil. E mesmo esse contingente foi mesclado com forças policiais do Pará, do Amazonas, de São Paulo e da Bahia. Auxiliado também por tropas pernambucanas, que não combateram em Canudos, mas que receberam a missão de etiquetar toda margem esquerda do Rio São Francisco, para impedir um dos grandes perigos que o Exército considerava, que seria a adesão do outro grande arraial místico nordestino, que era Juazeiro do Norte, no Ceará, tendo à frente o padre Cícero, um homem tão poderoso que levantaria, estalando um dedo, oitocentos homens em armas, no momento em que desejasse. O Exército temia que esses jagunços do padre Cícero pudessem se deslocar para o Sul, atravessar o São Francisco e ganhar o Arraial do Belo Monte, se solidarizando com o Conselheiro. Coube ao Estado de Pernambuco criar, para isso, um corpo provisório de polícia, com cerca de trezentos homens, e tornar inviolável essa fronteira de Pernambuco para com a Bahia e Alagoas e impedir, portanto, a possibilidade de auxílio, em homens e em gêneros, para a luta que se feria no Belo Monte.

  • Anco Márcio Tenório Vieira é jornalista, em 1997 era doutorando em Literatura Brasileira na UFPB.

MARYSE BASTIÉ – A PIONEIRA DA AVIAÇÃO QUE PASSOU POR NATAL

MARYSE BASTIÉ – A PIONEIRA DA AVIAÇÃO QUE PASSOU POR NATAL Como uma Antiga Operária de uma Fábrica de Sapatos se Tornou a Mais Importante Aviadora da História da França – Voos Entre Glórias e Tristezas – Como Ela Conquistou o Atlântico Sul em Um Pequeno Avião – Quando Esteve em Natal? – Em Paris Junto ao Deputado Dioclécio Duarte e as Memórias de Natal – Nome de Rua na Capital Potiguar

Como uma Antiga Operária de uma Fábrica de Sapatos se Tornou a Mais Importante Aviadora da História da França – Voos Entre Glórias e Tristezas – Como Ela Conquistou o Atlântico Sul em Um Pequeno Avião – Quando Esteve em Natal? – Em Paris Junto ao Deputado Dioclécio Duarte e as Memórias de Natal – Nome de Rua na Capital Potiguar

Rostand Medeiros – Escritor e Pesquisador.

Na noite de segunda-feira, 23 de dezembro de 1935, rugiu sobre Natal e amerissou no Rio Potengi um grande hidroavião de desenho incomum. Tinha quatro motores colocados em uma asa que era sustentada por uma grossa estrutura onde ficava a cabine de comando, com três motores voltados para a dianteira da aeronave e um para a parte traseira. Aquele estranho pássaro metálico tinha sido construído pela empresa francesa Bleriot para transportar correio aéreo até a América do Sul e era batizado como Santos Dumont. A tripulação conseguiu atravessar o Atlântico Sul sem problemas, depois de partirem pela manhã da cidade de Dakar, a antiga capital da África Ocidental Francesa e hoje capital do Senegal.

A primeira vez que Maryse Bastié veio a Natal foi no Hidroavião Bleriot 5190 Santos Dumont.

Naquela semana de comemorações natalinas, a passagem dessas aeronaves já não era nenhuma novidade no Rio Grande do Norte, que desde 1927 recebia com crescente frequência variados tipos de aviões e hidroaviões. No começo a maioria delas se destinava a bater recordes, superar limites aéreos e transformar seus pilotos em figuras de destaque na mídia internacional, mas nos últimos anos Natal vinha assistindo um intenso tráfego de aeronaves que transportavam passageiros e, principalmente, o rentável transporte de cartas e encomendas. Na época esse era o principal negócio do avião comercial, pois vivia-se em um mundo que nem sequer imaginava algo como a internet e os e-mails.

Quem pilotava o Santos Dumont era o francês Jean Mermoz, um homem de 34 anos, alto, forte, com pinta de ator de cinema e que em 1935 era muito famoso pelos seus feitos no meio aéreo. Seguramente sua maior realização foi a primeira travessia comercial do Atlântico Sul, fato ocorrido entre os dias 12 e 13 de maio de 1930, quando Mermoz, acompanhado do copiloto Jean Dabry e do navegador Léopold Gimié, voaram os 3.200 km de distância entre Saint-Louis-du-Senegal e Natal, com 130 quilos de correspondência, em 21 horas e 30 minutos. Realizaram a proeza em um hidroavião monomotor Latécoère 28-3, pintado de vermelho, com a matrícula F-AJNQ.

Mesmo com todo esse movimento aéreo sobre os céus de Natal, que naquela época repercutia em todo o meio aeronáutico mundial, a verdade é que a chegada do hidroavião Santos Dumont, mesmo com seu piloto famoso, pouco chamou a atenção dos natalenses. A razão foi uma convulsão política que se iniciou na capital potiguar e mexeu com todo o Brasil.

Quartel da Força Policial, conhecido como “Quartel de Salgadeira”, em Natal, após ser metralhado durante a Intentona Comunista – Foto – toxina1.blogspot.com

Deflagrada exatamente um mês do Santos Dumont chegar a Natal, a chamada Intentona Comunista foi iniciada por militares do 21º Batalhão de Caçadores e deixou a comunidade local extremamente chocada com os saques, ataques, tiroteios e mortes. Depois de iniciada em Natal, os comunistas deflagraram outras ações no Recife e no Rio de Janeiro, mas todas foram controladas por forças federais legalistas em pouco tempo. Apesar da derrota dos comunistas, um mês depois as movimentações em decorrência dessa crise ainda ocorriam na cidade. No sábado e no domingo antes da chegada do hidroavião Santos Dumont, respectivamente deixaram Natal os militares do 20º Batalhão de Caçadores do Exército Brasileiro e os membros do Regimento Policial da Paraíba (A República, Natal, 22/12/1935).

Apesar de toda essa situação, uma das pessoas transportadas pelo Santos Dumont chamou atenção da imprensa natalense e nacional quando desembarcou. Era uma mulher de baixa estatura, com 37 anos de idade, esbelta, de olhos vívidos e claros, com um sorriso franco e aberto. Era a aviadora francesa Maryse Bastié, que tal como Mermoz já era famosa no final de 1935 pelos seus inúmeros feitos aeronáuticos.

Notícia da primeira chegada de Maryse Bastié a Natal.

Mas o que Mademoiselle Bastié veio ver na pequena Natal, então com cerca de 40.000 habitantes, viajando com um dos pilotos mais famosos do mundo, através de uma rota longa e perigosa?

E o mais importante, quem era Maryse Bastié?

Outra nota da primeira chegada de Maryse Bastié a Natal.

A Operária Que se Tornou Aviadora

Atualmente Maryse Bastié é seguramente a mulher mais importante e famosa na história aeronáutica francesa, sendo muito lembrada como uma das mulheres mais arrojadas e destemidas pioneiras na área da aviação. Mas o início de sua vida não foi nada fácil e sua chegada ao comando de um avião foi uma luta constante e dura, principalmente quando compreendemos a situação das mulheres nas primeiras décadas do século XX.

Nascida Marie-Louise Bombec, no dia 27 de fevereiro de 1898, na cidade de Limoges, no centro-oeste da França, a jovem era oriunda de uma família muito humilde, mas que conseguiam sobreviver com algum conforto, pois seu pai, Joseph Bombec, era um operário especializado com a função de ferreiro (outros apontam que ele seria um moleiro). Já sua mãe, Céline Filholaud, era uma mulher amorosa, dona de casa e mãe de oito filhos.

Limoges cidade natal de Maryse Bastié no início do Século XX.

Infelizmente Marie-Louise ficou órfã de seu pai em 1908, que faleceu de tuberculose, sendo sua família obrigada a deixar casa paterna para viver em um pequeno ambiente na periferia de Limoges. A menina deixou a escola e começou a trabalhar aos 13 anos como uma modesta costureira de couro, em uma fábrica de calçados.

Ela detestava o trabalho repetitivo e realizado em condições complicadas. Buscou então refúgio nos livros, lendo tudo que aparecia na sua frente, principalmente clássicos e romances. Existe a informação que em 1914 Marie-Louise passou a trabalhar como costureira em uma fábrica de roupas militares. Ainda durante a Primeira Guerra houve outra perda para a jovem operária – em 1916 seu irmão Pierre Bombec é morto nas trincheiras.

Operárias francesas no início do Século XX.

Talvez em meio a todos esses momentos extremos foi que Marie-Louise, com apenas 16 ou 17 anos, mesmo contra os conselhos de sua mãe, casou-se com o pintor de porcelanas Jean Baptiste Gourinchas, de 18 anos. Dessa união nasce um filho chamado Germain. Em meio a muitas crises, em pouco tempo ela pediu o divórcio de Gourinchas.

A partir de 1919 Marie-Louise Gourinchas trabalhou como datilografa na Companhia de Eletricidade de Limoges. É provável que nesse ponto de sua vida, aquela jovem mãe divorciada poderia ter continuado sua existência marcada unicamente pela dura luta pela sobrevivência, em meio a fortes preconceitos pela sua situação, em uma França que se recuperava dos flagelos da Primeira Guerra Mundial. Mas a mudança em sua vida ocorreu quando Marie-Louise se uniu ao ex-piloto militar Louis Bastié, um amigo que ela conseguiu através de troca de correspondências no final da Primeira Guerra Mundial.

Foi ao lado desse veterano que ela descobriu a paixão pela aviação. Mas antes de alçar voo, Marie-Louise administrou uma loja de sapatos na cidade de Cognac, certamente utilizando a experiência adquirida na fábrica de sapatos. Mais tarde, seu marido retornou ao exército francês na função de instrutor de voo em Bordeaux-Mérignac, um dos mais antigos aeroportos em atividade na França. A convivência com Louis e o meio aéreo proporcionaram à jovem Marie-Louise Bastié vários voos como passageira em pequenos biplanos de instrução.

O ambiente de hangar, com aeronaves, mecânicos e pilotos, se tornou normal para Maryse Bastié na década de 1920.

O movimento aéreo de Bordeaux-Mérignac encantou Marie-Louise e a área se torna o seu “playground”, onde passeia entre os hangares, aviões em manutenção e motores sendo consertados pelos mecânicos. Não demorou e aprendeu a voar com o instrutor Guy Bart, amigo do seu marido, obtendo sua licença de voo em 29 de setembro de 1925.

Apenas uma semana depois de conseguir esse documento, ela elabora um plano para realizar sua primeira proeza aérea e assim mostrar suas habilidades, atrair a atenção de um possível empregador nessa área e também da mídia. Nos comandos de um frágil biplano Caudron G3, Marie-Louise conseguiu passar com essa aeronave abaixo dos cabos que ligavam as duas enormes pilastras de ferro de uma ponte inacabada em Bordeaux e chamada Pont Transbordeur de Bordeaux. A jovem aviadora realizou esse voo diante de uma multidão de curiosos, sobre o Rio Garonne.

O frágil biplano Caudron G3, Marie-Louise abaixo dos cabos que ligavam as duas enormes pilastras de ferro sobre o Rio Garonne.

Bem, quem olhar a foto acima pode até pensar que esse voo não foi lá essas proezas todas em termos de dificuldades. Mas não podemos esquecer que no comando da pequena aeronave estava uma mulher, que então vivia na moderna e tão decantada França, um país onde em 1925 as mulheres nem sequer votavam e só podiam abrir um negócio com o consentimento do marido. Logo, no dia 13 de novembro, essa mesma mulher voou de Bordeaux a Paris em seis etapas. Essa foi sua primeira viagem aérea.

No ano seguinte uma nova e trágica reviravolta ocorre na vida de Marie-Louise, pois seu companheiro Louis morreu diante de seus olhos no dia 15 de outubro de 1926, durante um voo de teste.

Longe de desanimar e para ganhar dinheiro ela realizou vários voos de publicidade, participou de um rally aéreo e realizou ousadas acrobacias diante de multidões em variados eventos. É nessa época, talvez motivada por questões comerciais, que ela deixou de lado seu nome de batismo e passou a assinar Maryse Bastié.

Voos Entre Glórias e Tristezas

Com o dinheiro arrecadado em seus trabalhos aéreos, mesmo em meio a muitos sacrifícios, Maryse conseguiu adquirir em 1929, por empréstimo, um Caudron C.109 de dois lugares. Era um avião utilitário leve, com pequeno motor Salmson de 40 hp, que ela batizou de “Trotinette” (Patinete).

O Caudron C.109 que Maryse Basté batizou de “Trotinette” (Patinete).

Apesar desse avião não ser mais que um simples “teco-teco”, Maryse conseguiu realizar um recorde de voo de larga duração para mulheres em 27 de julho de 1929. Em parceria e com o apoio financeiro fornecido pelo piloto Maurice Drouhin, ela decolou de Paris e chegou até a cidade alemã de Treptow-sur-Rega, na região da Pomerânia Ocidental, cobrindo a distância de 1.058 km em 26 horas e 47 minutos. Por esta conquista, Maryse e Drouhin receberam um total de 25.000 francos. Drouhin e um mecânico morreram pouco depois, em agosto de 1928, durante um voo de teste com um avião Couzinet 27, em Paris-Le Bourget.

Ainda em 1929, Maryse Bastié realizou um voo onde circulou o Aeroporto Le Bourget de Paris por longas 26 horas e 48 minutos, quebrando o recorde de duração de voo solo para mulheres.

Pouco tempo depois Lena Bernstein, uma descendente de russos nascida em Leipzig, Alemanha, e morando na França, ficou mais tempo voando em circuito fechado que Maryse. Em 30 de setembro de 1930 a francesa deu o troco, quando voou o seu avião leve Klemm L 25, de fabricação alemã, por 37 horas e 55 minutos, estabelecendo um novo recorde de duração de voo solo feminino. Ela lutou contra o frio, a falta de sono, fumaça do escapamento do motor e quase caiu exausta. Consta que nesse voo, para ficar desperta após mais de 24 horas no ar, ela borrifou água de colônia nos olhos, que arderam enormemente, mas o sono passou na hora. Uma multidão de parisienses lhe acolheu após o pouso.

Logo Maryse retorna as primeiras páginas dos jornais em todo mundo com um voo sensacional de longa distância, estabelecendo um novo recorde internacional de voo em linha reta para aviões monopostos, pilotado de forma solitária e por uma mulher. Entre os dias 28 e 29 de junho de 1931 Maryse decolou de Paris e seguiu até o centro da antiga União Soviética, mais precisamente na localidade de Yurino, perto da cidade de Nizhny Novgorod, onde percorreu 2.976 km, em mais de 30 horas de voo, a uma velocidade média de 97 km/h.

Por esse feito Maryse Bastié recebeu do governo francês a Cruz de Cavaleiro da Legião de Honra, foi agraciada pela International League of Airmen com o International Harmon Trophy como “a melhor aviadora do mundo” (atribuído pela primeira vez a uma francesa) e foi condecorada pelo governo soviético com a Ordem da Estrela Vermelha. 

Nada mal para uma mulher nascida em um lar humilde, que foi uma operária em uma fábrica de calçados, com várias perdas pessoais ao longo de sua vida, sem títulos acadêmicos, mas com muita coragem e determinação para seguir adiante.

A partir de então, ela conseguiu viver da renda que ganhava pilotando seu próprio avião e da publicidade.

Em 1934, seu compromisso tomou um rumo mais político e militante: Maryse uniu forças com as aviadoras Hélène Boucher e Adrienne Bolland e apoiaram a associação “La femme nouvelle” (A nova mulher). Fundada em 1934 pela política, feminista, escritora e jornalista Louise Weiss, essa entidade visava o sufrágio feminino e o fortalecimento do papel da mulher na vida pública francesa. Vale lembrar que a França foi um dos primeiros países no mundo a instaurar o sufrágio universal masculino, mas um dos últimos da Europa onde as mulheres puderam escolher livremente seus representantes políticos, fato que só aconteceu em outubro de 1945, após o fim da ocupação alemã.

O ano de 1935 para Maryse Bastié se iniciou promissor e com muitos planos. Ela e o amigo piloto Guy Bart fundaram uma escola de voo na área do Aeroporto de Orly, ao sul de Paris. É quando um duro golpe do destino lhe atingiu novamente – Em 6 de junho de 1935 faleceu no hospital de Bizerte, Tunísia, seu filho Germain, que estava a serviço da marinha francesa. Tinha apenas 20 anos de idade e morreu de febre tifóide. 

Provavelmente devido a toda essa situação, o desenvolvimento da escola durou pouco. Mas foi nessa ocasião, talvez buscando dar uma nova guinada em sua vida e fugir das tristezas, que Maryse Bastié começou a planejar seu voo que a traria a Natal e ao Brasil, superando para isso o temido Atlântico Sul.

Atravessando o Vasto Oceano

Outra imagem do hidroavião Santos Dumont.

Com a ajuda do amigo Jean Mermoz, a aviadora conseguiu em 23 de dezembro de 1935 uma vaga a bordo do hidroavião Bleriot 5190 Santos Dumont, onde realizou o voo completo e aprendeu todos os detalhes existentes sobre a rota do Atlântico Sul. Mermoz já havia realizado dezenas de vezes esse mesmo trajeto e disse a Maryse que naquela viagem ela era “o terceiro piloto” da aeronave. A aviadora permaneceu em Natal até os primeiros dias de 1936 e retornou a Paris pela Air France.

O interessante sobre esse voo preliminar de Maryse Bastié a Natal é que entre os vários aviadores famosos que utilizaram a capital potiguar durante o período clássico da aviação mundial, homens e mulheres de quase duas dezenas de nações, Bastié é um dos poucos aviadores que realizou um voo preliminar atravessando o Atlântico Sul, para só então realizar seu trajeto com maior segurança.

Avião Caudron Simoun, nesse caso um modelo C630, preservado na França.

Durante o ano de 1936 Maryse Bastié vai preparando detalhadamente o seu voo que a traria novamente a Natal. O avião escolhido foi o Caudron Simoun C635, uma aeronave monomotor para quatro passageiros, trem de pouso fixo, sendo o primeiro avião de sua categoria a voar a mais de 300 km/h. Foi um sucesso instantâneo de vendas e só a Força Aérea Francesa encomendou 490 aeronaves.

Foi o Governo da França, através do Ministério do Ar, cujo titular era Pierre Cot, quem lhe cedeu a aeronave, em meio a muita papelada e burocracia. No entanto, o ministro Cot nem sempre apreciou os serviços de Maryse Bastié. Quando essa aviadora, no auge de sua fama, pediu um emprego na aviação civil, Cot lhe disse que era muito cedo para “ver em larga escala conquistas iguais na aviação para homens e mulheres!”.

O avião Caudron Simoun C635 tinha basicamente 8,70 metros de comprimento, 10,40 m. de envergadura e 2,25 m. de altura. Em termos de extensão, era mais ou menos do tamanho de um micro-ônibus comum. Possuía um motor Renault Bengali 6Q de seis cilindros em linha, refrigerado a ar, com cerca de 160 kW (220 hp) de potência contínua. Maryse ainda realizou alguns voos de testes e tudo funcionou normalmente.

A aeronave não recebeu maiores alterações para o voo sobre o Atlântico Sul. A mais significativa foi buscar internamente mais espaço para acomodar um tanque de gasolina de 890 litros e ampliar a autonomia de voo. Aí foram retirados dois assentos cobertos de couro vermelho, dos quatro normalmente existentes. 

Quando os preparativos para o seu voo estavam na reta final, Maryse Bastié e a França foram atingidos por uma nova tragédia – Jean Mermoz desapareceu no Atlântico Sul.

Hidroavião quadrimotor Latécoère 300 que desapareceu com Jean Mermoz e toda tripulação em dezembro de 1936.

Em 7 de dezembro de 1936 Mermoz partiu de Dakar para Natal com outros quatro tripulantes em um hidroavião quadrimotor Latécoère 300, que possuía o registro F-AKGF, era batizado como Croix-du-Sud (Cruzeiro do Sul) e realizava seu 25º voo cruzando o Atlântico. Sabe-se que menos de uma hora depois de sair de Dakar, a tripulação confirmou por rádio que estavam enfrentando um problema técnico com o motor traseiro direito e que retornavam, onde amerissaram sem alterações. Vários controles foram feitos nesse motor, sendo detectado um vazamento de óleo e se concluiu que aquela máquina deveria ser trocada. Como não havia um motor sobressalente disponível, a tripulação fez uma limpeza completa e decolou novamente de Dakar.

Outra imagem do Latécoère 300 que desapareceu com Jean Mermoz.

Quatro horas depois a estação de rádio recebeu uma mensagem curta em código Morse, onde foi informado que Mermoz teve de cortar a energia do motor traseiro esquerdo da aeronave. A mensagem foi interrompida abruptamente e nada mais foi recebido. Apesar das buscas realizadas, o hidroavião e os tripulantes desapareceram e nenhum vestígio foi encontrado!

O desaparecimento de Jean Mermoz é vivido na França como um desastre nacional. Certamente chocada com toda situação, Maryse decidiu batizar de Jean Mermoz seu pequeno Caudron Simoun, como uma homenagem ao seu amigo e grande aviador. Um jornal carioca informou que ela só batizou a aeronave após pedir permissão à mãe de Mermoz e a pintura com o nome do finado aviador teria ocorrido em Natal (Correio da Manhã, Rio, 13/01/1937, P. 3).

Pintura do nome de Jean Mermoz no avião de Maryse Bastié, que teria sido feito em Natal.

Apesar de toda expectativa, Maryse avança no seu intento. Em 19 de dezembro de 1936 ela chegou a Dakar e começou a preparar sua travessia.

Existe uma informação, proveniente de um documentário francês sobre Maryse Bastié, afirmando que quando estava tudo pronto para o voo, a aviadora ficou aguardando em Dakar a chegada de um hidroavião da Air France proveniente de Natal, cuja tripulação lhe transmitiu informações de última hora sobre as condições do tempo ao longo do grande trajeto. Qual foi esse hidroavião e quem eram seus tripulantes?

Bem, olhando os jornais da época, sabemos que naquela última semana de 1936 estiveram entre Natal e Dakar duas aeronaves. Uma foi o avião Farman F 2200, matrícula francesa F-AOXE, batizado como Ville de Montevideo e pilotado por Henri Guillaumet, sendo ele o único tripulante informado pelos jornais. Guillaumet foi um grande amigo de Jean Mermoz e com esse mesmo avião realizou várias buscas quando o famoso piloto sumiu no Atlântico Sul (Jornal Pequeno, Recife, 22/12/1936, P. 2). A segunda aeronave foi outro Farman F 2200, com a matrícula francesa F-AOXF, batizado como Ville de Mendoza, sendo pilotado por Fernand Rouchon, tendo como copiloto Henri Delaunay, navegador Léopold Gimié, radiotelegrafista Paul Comet e o mecânico Pichard (A Ordem, Natal, 23/12/1936, P. 3).

Não sabemos qual desses aviões chegou a Dakar, mas certamente os tripulantes transmitiram à aviadora francesa que o Atlântico Sul estava tranquilo, calmo e que ela iria ter uma travessia exitosa. Pois foi exatamente isso que aconteceu!

O Caudron Simoun C635, a simples e prática aeronave utilizada pela aviadora Maryse Bastié no seu trajeto entre Dakar a Natal.

Voo Tranquilo, Onde Comeu Alguns Damascos

Na manhã de 31 de dezembro de 1936 ela decolou o Caudron Simoun C635 prateado e com detalhes em vermelho. Afora a partida de Dakar, quando voou através de neblina e nuvens de tempestade, e na chegada ao Brasil, quando ventos fortes provocaram uma pequena alteração de rumo, o voo foi uma tranquilidade só.

Mesmo com esse desvio no final, Maryse completou o trajeto através do Atlântico Sul em doze horas e cinco minutos, tendo percorrido 3.173 quilômetros, a uma velocidade média de 264 quilômetros por hora. Para navegar no seu minúsculo avião Maryse Bastié contava apenas com uma bússola e ela foi uma hora mais rápida que o voo da bela aviadora Jean Batten, da Nova Zelândia, recordista anterior nessa travessia.

O avião original de Maryse Bastié.

Eram depois das quatro da tarde quando o Caudron Simoun C635 chegou em Natal, vindo do litoral norte e não da direção leste, do meio do Atlântico.

Ao sobrevoar a capital dos potiguares Maryse realizou algumas evoluções durante vários minutos (Correio da Manhã. Rio, 31/12/1936, P1). Mas ela não estava interessada em proporcionar aos natalenses um pequeno espetáculo das capacidades de sua aeronave. Provavelmente Maryse se apresentava para seus amigos da Air France, que tinham escritório no Bairro da Ribeira, na Avenida Tavares de Lira, número 32, mostrando que a travessia havia sido um sucesso.

Propaganda com o endereço da Air France em Natal.

Outra possibilidade para essas evoluções seria a busca visual da linha ferroviária da Great Western, que seguia em direção sul. Aquela referência era crucial para a localização do Campo dos Franceses, também conhecido como Campo de Parnamirim, e local do pouso. Vale lembrar que na primeira ocasião que Maryse veio a Natal ela desembarcou em um hidroavião no Rio Potengi e não em Parnamirim.

Situação similar já havia acontecido em 5 de julho de 1928, quando os italianos Arturo Ferrarin e Carlo Del Prete pretendiam realizar um voo direto de Roma até o Rio de Janeiro, mas só deu para chegar ao Rio Grande do Norte. Ao sobrevoarem Natal, os dois italianos viram as pessoas acenando nas ruas, mas devido ao tempo nublado eles não conseguiram localizar a linha do trem para o sul. Com o combustível acabando e o céu fechado, a dupla decidiu procurar um local para aterrissar seu belo avião Savoia-Marchetti S-64. Só encontraram um ponto adequado perto da então vila de pescadores de Touros, a 70 km ao norte de Natal, bem onde o litoral do Brasil faz uma curva de quase 90º.

Mas provavelmente para Maryse Bastié os círculos realizados com sua aeronave sobre Natal deram certo, pois ela viu o que precisava ver e desapareceu rumo ao sul.

Segundo um jornal recifense (Jornal Pequeno, 05/01/1937, P. 1), que tinha na pista do Campo de Parnamirim um correspondente chamado Dória Correia, a primeira coisa que Marysé Bastié fez após pousar foi perguntar se teria “batido o recorde de Jean Batten? “. Ao ser informada que sim, as pessoas presentes gritaram “vivas” a ela e a França. Ela estava eufórica e comentaram o extremo carinho que Maryse demonstrava pela sua aeronave. Pouco tempo depois, ainda no campo de pouso, foi aberta uma champagne para comemorar seu voo, o novo recorde e antecipar a festa de comemoração da passagem de ano. Lhe perguntaram se durante o grande trajeto ela se alimentou e a sua resposta foi “Seulement Quelques abricots” (Apenas alguns damascos).

Ao correspondente Dória ela afirmou que durante a finalização do voo, devido aos fortes ventos, ela desviou a rota entre 96 a 100 milhas para o norte, visualizando o primeiro ponto do litoral potiguar na altura do Cabo de São Roque, atualmente parte do município de Maxaranguape, 40 km ao norte de Natal. Essa situação causada pelo vento deve ter relação com as chuvas que caiam nos estados nordestinos naquele fim de 1936, pronunciando que o novo ano seria de boas chuvas. Por essa razão ela chegou à cidade vindo do litoral norte.

Maryse Bastié então passou onze dias na capital potiguar, aguardando novas ordens do Ministério do Ar da França e saber os desdobramentos sobre a sua viagem. Nessa espera, sabemos, mesmo sem maiores detalhes, que Maryse Bastié foi extremamente bem recebida e chegou a ir até as praias da cidade, onde se encantou com os coqueirais que existiam.  

Outra notícia que foi divulgada enquanto a aviadora se encontrava em terras potiguares foi que ela teria recebido ordens de “retornar a França” e que um “alto commerciante” de Natal compraria o avião.

Mas quem seria esse abonado natalense?

Bem, Manoel Machado e Fernando Pedroza (um grande amante da aviação), já tinham falecido anos antes e foram os homens daquele tempo que tinham muito dinheiro no Rio Grande do Norte. Não foi esclarecido pelos jornais quem poderia ser o nababo que pretensamente iria adquirir o Caudron Simoun C635. Pessoalmente acredito que no final das contas essa notícia era falsa. Nota especulativa para vender jornal. Um “fake”, como se diz hoje em dia.

Uma outra notícia, veiculada em um jornal carioca, mostra algo curioso e um tanto inusitado durante o período que Maryse Bastié ficou em Natal.

Quando alguns dias depois que ela desembarcou no Rio, os jornalistas notaram que seu capacete branco, no tradicional estilo colonial francês e muito utilizado naquela época pelos gauleses na África e na Ásia, se encontrava faltando um botão de metal grosso e estava cheio de buracos de balas de pequeno calibre, acompanhados de assinaturas e setas desenhadas marcando esses buracos. Evidentemente que essa situação chamou a atenção dos jornalistas cariocas, que lhe cobriram de perguntas. A resposta da aviadora foi que um dia os seus amigos da Air France em Natal resolveram utilizar seu capacete como alvo para “tiros de carabina”. Quem abria um buraco no chapéu fazia uma seta e assinava o nome, mostrando quem realizou o disparo. Como o chefe da Air France não acertou o alvo, arrancou o grosso botão que ficava no alto do capacete.

Apesar da ida às praias, da falsa notícia da venda do avião e do “tiro ao alvo no capacete”, olhando os jornais natalenses não encontramos maiores informações sobre a presença de Maryse Bastié na cidade. Isso pode caracterizar um extremo isolamento quando ela aqui esteve, talvez preocupada em se expor enquanto o governo de sua nação decidia o que fazer com ela e com o avião, em meio a um Brasil cheio de problemas políticos.

Não podemos esquecer que em 21 de março de 1936 o Presidente Getúlio Vargas havia assinado o Decreto nº 702, que colocou todo o país em “Estado de Guerra”, que conferia ao chefe de Estado poderes extraordinários, só concedidos em tempo de guerra, e que normalmente seriam prerrogativas do Legislativo. Inicialmente essa situação tinha vigência inicial de 90 dias, mas se estendeu até meados de junho de 1937.   

Autorização para o voo de Maryse Bastié, mas sem máquina fotográfica.

Certamente após acertos entre os diplomatas do seu país e o governo brasileiro, Maryse Bastié foi autorizada a seguir viagem. O governo tupiniquim liberou para que a aviadora francesa pudesse voar sobre nosso litoral, entre Natal e o Rio de Janeiro, realizando uma parada para reabastecimento e descanso em Caravelas, na Bahia, mas exigiu que ela não levasse nenhum “apparelho photographico”. E essa ordem veio diretamente do poderoso Ministério da Guerra, cujo ministro era o general Eurico Gaspar Dutra, futuro Presidente do Brasil.

Maryse Bastié no Rio.

Maryse Bastié deixou Natal em direção ao Rio no dia 11 de janeiro de 1937, decolando por volta das cinco e meia da manhã. As oito e quinze estava sobrevoando Recife e as onze e meia se encontrava sobre a cidade baiana de Caravelas, onde aterrissou e pernoitou. No dia 12, pelas seis da manhã ela decolou e seguiu direto para o Rio de Janeiro, pousando no mítico Campo dos Afonsos às nove e meia, onde foi festivamente recebida e passou vários dias na então Capital Federal.

O voo de Maryse Bastié no pequeno Caudron Simoun C635 foi um sucesso!

Maryse no Rio.

Memórias de Natal Junto Com o Deputado Dioclécio Duarte

Maryse Bastié retornou à França a bordo de uma aeronave da Air France, sendo triunfantemente recebida em casa. Ainda em 1937 ela recebeu do governo do seu país o grau de “Oficial da Legião de Honra”. Pelo governo brasileiro a aviadora recebeu a Ordem do Cruzeiro do Sul, a maior honraria concedida pelo nosso país. Maryse recebeu a medalha brasileira na antiga sede da Embaixada do Brasil na França, na Avenue Montaigne, 45, das mãos do embaixador Luiz Martins de Souza Dantas. O mesmo Souza Dantas que se notabilizaria tempos depois, durante a Segunda Guerra, por ter concedido centenas de vistos diplomáticos que salvaram a vida de inúmeros fugitivos dos nazistas, principalmente judeus, mesmo contrariando ordens do Governo Brasileiro.   

O colar que Maryse Bastie utiliza, com uma grande estrela, é a Ordem do Cruzeiro do Sul, que essa aviadora fazia questão de utilizar.

Mas voltando a Maryse Bastié, a simpática piloto não se acomodou no seu retorno à França. Logo conseguiu do governo do seu país o apoio para realizar, entre novembro de 1937 até março de 1938, uma turnê de palestras em vários países da América do Sul, utilizando um avião como meio de transporte.

Existe a informação que ela quis realizar esses voos com o mesmo avião com que conseguiu atravessar o Atlântico Sul, mas apuramos que esse valente aviãozinho deixou Natal em uma data indeterminada e seguiu provavelmente para o Rio de Janeiro, onde ficava a sede da Air France no Brasil e a Embaixada da França. De lá, por razões desconhecidas, seguiu para Montevidéu, capital do Uruguai. Consta que Maryse Bastié foi atrás da aeronave em um aeroporto uruguaio, mas o encontrou bastante deteriorado, sem condições de utilização e daí fez uso de outro avião. 

Após o seu retorno à França, as nuvens negras da Segunda Guerra Mundial surgiram no horizonte e em 1 de setembro de 1939 o conflito teve início.

Nazistas em Paris.

Maryse e outras três mulheres pilotos foram voluntárias da Força Aérea Francesa, realizando voos para levar aviões para a frente de combate, mas sem reconhecimento oficial. Somente oito meses depois, em 27 de maio de 1940, foi quando surgiu um decreto que autorizou a criação de um corpo feminino de pilotos auxiliares e Maryse recebeu a patente de segundo tenente. Mas a sua designação hierárquica na força aérea do seu país teve vida muito efêmera, pois menos de um mês depois, em 22 de junho, a França se rendeu oficialmente a Alemanha Nazista.

Na sequência Maryse ofereceu seus serviços à Cruz Vermelha, em particular aos prisioneiros franceses agrupados no Campo de Deportação de Drancy, um infame campo de concentração temporário a poucos quilômetros ao norte de Paris. Junto com suas atividades na Cruz Vermelha, ela coletava informações das atividades dos inimigos para a Resistência Francesa que lutava contra a ocupação nazista. Ainda em Drancy, em uma ocasião que um trem partiu para a Alemanha, ela é brutalmente empurrada por uma sentinela inimiga e fratura o cotovelo direito, que lhe deixou com uma deficiência permanente e Maryse não conseguiu mais pilotar.

Libertação de Paris pelas forças Aliadas.

Após a libertação de Paris em 1944, ela se juntou ao Corpo Auxiliar Feminino da Força Aérea e voltou a ocupar o posto de tenente. Em 1947 tornou-se a primeira mulher a receber o posto de Comandante da Legião de Honra e a partir de 1951, ela trabalhou para o departamento de relações públicas de um centro de voo de testes.

No sábado, 28 de junho de 1952, Maryse Bastié se reencontrou com o Brasil e, através da presença de um natalense ilustre, certamente com as memórias da sua visita a Natal e ao Rio Grande do Norte.

Nessa data, segundo uma reportagem publicada na revista O Cruzeiro (edição 09/08/1954, P. 61 a 63) ocorreram em Paris vários eventos que celebravam a figura do brasileiro Alberto Santos Dumont. Entre os eventos houve um jantar no restaurante La Coupole, no bairro de Montparnasse, um local fundado em 1927, muito popular na capital francesa e até hoje em funcionamento. O jantar foi organizado pelo governo francês e contou com a ilustre presença de Vicent Auriol, então Presidente da França, além de vários ministros, muitas autoridades e celebridades, entre elas a aviadora Maryse Bastié.

Da parte do Brasil muitas autoridades estavam presentes, entre eles o brigadeiro Nero Moura, então Ministro da Aeronáutica. Outro que estava lá era o deputado federal pelo Rio Grande do Norte Dioclécio Dantas Duarte, do Partido Social Democrático (PSD), que inclusive foi condecorado pelo Presidente Vicent Auriol com a Ordem Nacional da Legião de Honra da França.

Então, entre as fotos publicadas pela revista O Cruzeiro, vemos Maryse Bastié em um animado papo com o deputado Dioclécio Duarte, que era fluente em francês (além de inglês, alemão e italiano). A aviadora trazia ao pescoço a sua Medalha da Ordem do Cruzeiro do Sul.

Sobre o que falaram? Não sei! Mas provavelmente lembraram a passagem de Maryse por Natal entre o final de 1936 e o início de 1937, quando aqui ficou onze dias. Talvez o deputado tenha comentado como Natal havia mudado depois da presença das tropas americanas durante a Segunda Guerra, ou outros temas quaisquer. Talvez tenha sido uma noite com ótimos e interessantes momentos de memórias e recordações!

Apenas oito dias depois desse encontro, Maryse Bastié morreu carbonizada em um trágico acidente aéreo.

Ela que já havia voado milhares de quilômetros sem acidentes graves, perdeu a vida em 6 de julho de 1952, aos 54 anos, em voo no aeroporto de Lyon-Bron. Ela morreu após a queda de uma aeronave de transporte de dois motores Nord 2501 Noratlas, da Força Aérea Francesa. O avião caiu de uma altura de cerca de 200 metros e toda a tripulação de cinco pessoas também pereceu.

A famosa aviadora foi enterrada em Paris, no Cemitério de Montparnasse, onde seu túmulo permanece até hoje. Na França, muitas escolas – por exemplo, em sua cidade natal Limoges, levam o nome de Maryse Bastié. Em 1955 ela foi homenageada com seu retrato em um selo postal francês.

Natal não esqueceu de Maryse Bastié. Em janeiro de 1972 o engenheiro Ubiratan Pereira Galvão, então Prefeito de Natal, acatando um pedido do vereador Antônio Félix, que na época era o Presidente da Câmara de Vereadores de Natal, solicitou que uma rua ainda pouco habitada do bairro de Lagoa Nova se chamasse Maryse Bastié. E assim foi feito. Atualmente essa é uma das principais artérias desse bairro, um dos mais valorizados da capital potiguar.

TEMPOS MARCANTES – O ESPERADO LIVRO DE MANOEL DE BRITTO VAI SER LANÇADO

Tempos Marcantes

Após uma longa espera dos amigos que insistiram com a elaboração do livro, finalmente será lançada a primeira obra do norte-rio-grandense Manoel de Medeiros Britto.

Com o título TEMPOS MARCANTES, Manoel relata os mais de 60 anos de atividade pública e privada, sob a perspectiva histórica de um seridoense pobre de Jardim do Seridó, que, após muito trabalho, foi deputado estadual, auxiliar e secretário de Estado em vários governos, Ministro do Tribunal de Contas do Estado (hoje o cargo é de Conselheiro), bem assim atua na presidência de duas renomadas instituições na Capital do Estado: a Liga de Ensino do RN (mantenedora do Complexo Noilde Ramalho – ED / HC e do Centro Universitário do RN – UNIRN) e o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio Grande do Norte – IPAI (mantenedor do Hospital Varela Santiago).

Prefaciada pelo imortal Cassiano Arruda Câmara, o exemplar é permeado de minuciosas descrições dos inúmeros eventos da política estadual e nacional dos últimos anos. Sem dúvidas servirá de documento histórico às novas gerações, eis que foi preparado por quem viveu os episódios ou testemunhou os acontecimentos, sempre com discrição e eficiência no trato com a coisa pública.

O Livro foi impresso pela Gráfica Diplomata (Denise Lins Convites), e será lançado no dia 2 de agosto de 2022, às 18h, no Complexo Noilde Ramalho – Unidade Escola Doméstica.

CLAUS VON STAUFFENBERG – O HOMEM QUE TENTOU MATAR HITLER

Enfurecido com o atentado contra sua vida, Hitler insistiu que o próprio nome ‘Stauffenberg’ fosse apagado da história.

Autor – Nigel Jones – https://www.historynet.com/claus-von-stauffenberg-the-man-who-tried-to-kill-hitler/

Em 20 de julho de 1944, a família Stauffenberg estava reunida, como havia feito tantos verões antes, em sua casa de campo, conhecido como Schloss Stauffenberg (Castelo Stauffenberg), na aldeia de Lautlingen, nos ondulantes Alpes Suábios do sul da Alemanha, a nordeste da cidade de Bamberg. 

Com a Segunda Guerra Mundial em seu quinto ano e tomando um rumo cada vez mais ameaçador para a Alemanha Nazista, a maioria dos membros adultos do sexo masculino do clã católico aristocrático dos Stauffenbergs — os gêmeos Alexander e Berthold, e seu brilhante irmão mais novo Claus — estavam ausentes. 

Presidindo a casa de seis crianças turbulentas estavam a esposa de Claus, Nina; a avó das crianças, Caroline, e sua tia-avó Alexandrine; e seu tio-avô Nikolaus Üxküll, conhecido por todos como “Tio Nux”. Só ele sabia que suas vidas estavam prestes a ser destruídas.

“A essa altura, a guerra estava se aproximando desconfortavelmente”, lembrou o filho mais velho de Claus, Berthold, em uma entrevista recente – o que tornou a fuga de sua casa, a cerca de 130 milhas (210 quilômetros) de Bamberg, especialmente bem-vinda. 

“Mesmo naquele remanso provincial havia constantes ataques aéreos e alarmes de ataque, e eu tive que fazer meus exames escolares em um abrigo subterrâneo. Os contínuos serviços memoriais para aqueles que haviam caído no front – no qual muitas vezes servi como coroinha católico – foram outra lembrança sombria da guerra. No entanto, o controle nazista ainda era absoluto. Fomos alimentados com uma dieta constante de propaganda prometendo-nos Endsieg, ou ‘vitória final’, na imprensa e rádio controladas pelo Estado, que eu naturalmente acreditei.”

Trompetistas da fanfarra da Deutsches Jungvolk em um comício nazista na cidade de Worms em 1933 – Fonte – https://en.wikipedia.org/wiki/Deutsches_Jungvolk#/media/File:Bundesarchiv_Bild_133-151,_Worms,_Fanfarenkorps_des_Jungvolkes.jpg.

Nessa época Berthold era um entusiasmado jovem nazista de 10 anos de idade, que ficou amargamente desapontado por ser apenas três dias mais jovem para se juntar naquele ano aos Deutsches Jungvolk, o ramo júnior da patética Juventude Hitlerista, ou Hitlerjugend. “Meu maior desejo era marchar por Bamberg carregando uma bandeira nazista à frente de um desfile de jovens”, disse. “Felizmente, minha mãe, que, sem que eu soubesse, compartilhava as opiniões antinazistas de meu pai, impediu isso.”

O pai de Berthold, Claus Philipp Maria Schenk Graf von Stauffenberg, Conde von Stauffenberg — um homem religioso com inclinação filosófica, um cavaleiro talentoso e um amante da poesia — estava prestes a se tornar mundialmente famoso por essas visões antinazistas. 

Foto do Coronel Claus von Stauffenberg, conspirador do atentado a Hitler, em 20 julho 1944 – Fonte – https://www.defesanet.com.br/ghbr/noticia/26076/EDITORIAL—Sindrome-von-Stauffenberg/

Mais ou menos ao mesmo tempo em que sua família estava sentada para almoçar em Lautlingen naquele sufocante dia de julho, Stauffenberg estava colocando uma bomba, escondida dentro de sua maleta, sob uma mesa de conferência em Wolfschanze (“Covil do Lobo”), o quartel-general de Hitler na Prússia Oriental, em uma tentativa de assassinar o Führer (líder) e derrubar seu regime. 

Stauffenberg estava a um passo de atingir seu objetivo quando a bomba explodiu aproximadamente às 12h40, demolindo a sala e matando três oficiais e um secretário. Mas Hitler foi apenas ferido – e foi a família Stauffenberg que foi dilacerada após a tentativa de golpe.

CRIANÇA DO NAZISMO

Foto de von Stauffenberg antes dos seus ferimentos – Fonte – dw.com

O jovem Berthold não via muito seu pai desde o início da guerra. O coronel von Stauffenberg, de 36 anos, era um soldado de carreira popular e capaz, escolhido por seus superiores para um futuro brilhante. Ele havia servido como oficial de estado-maior na conquista da Polônia em 1939, na invasão da França em 1940 e na campanha contra a Rússia em 1941.

Inicialmente Stauffenberg deu ao regime de Hitler do pré-guerra o benefício da dúvida. Mas de 1942 em diante, isso mudou drasticamente. Enjoado pelo assassinato em massa de judeus e o tratamento de populações civis na frente oriental, e pelo apetite insaciável de Hitler pela guerra e sua incompetência militar imprudente, Stauffenberg juntou-se a outros oficiais na conspiração ativa contra o domínio nazista.

No início de 1943, Stauffenberg foi enviado para a Tunísia como oficial sênior da 10ª Divisão Panzer para os últimos dias da campanha norte-africana. O outrora alardeado Afrika Korps do general Erwin Rommel estava agora encurralado contra o mar pelos americanos e britânicos. 

A luta foi intensa e em abril Stauffenberg foi gravemente ferido quando um avião americano metralhou seu carro-chefe do tipo Horch 108. Um oficial no banco de trás foi morto e Stauffenberg, cujo corpo foi atingido por estilhaços, perdeu o olho esquerdo, a mão direita e dois dedos da mão esquerda. 

Evacuado para Munique, surpreendeu os médicos com a rapidez de sua recuperação. Em semanas ele aprendeu a se vestir usando os dentes e os três dedos restantes.

No verão de 1943, Stauffenberg se juntou à família em Lautlingen para uma convalescença prolongada. Assim que ele voltou às suas funções naquele outono, a conspiração ganhou impulso quando seus colegas de complô o colocaram em um cargo de estado-maior no Ersatzheer, ou Exército de Substituição, com sede em Berlim. Lá, ele dirigiu revisões às ordens de mobilização do Exército de Substituição, codinome “Valquíria”, como cobertura para um golpe militar que usaria suas tropas para derrubar o regime na confusão após o assassinato bem-sucedido de Hitler.

DECIDI MATAR HITLER

A decisão de derrubar Hitler pesou muito sobre Stauffenberg. Ele comentou a um parente em meados de 1943 se “era certo sacrificar a salvação da própria alma se assim pudesse salvar milhares de vidas?”

Hitler no juramento da SS no Congresso do Partido do Reich – Fonte – http://www.jornalciencia.com/fascinio-e-terror-colorem-fotos-raras-da-alemanha-nazista/

Ele concluiu que não era apenas certo, mas imperativo. Na mesma época, ele disse a várias pessoas, incluindo Margarethe von Oven, uma secretária do Exército de Substituição que digitou as ordens que redigiu, que estava conscientemente “cometendo alta traição”. Ele acrescentou que, diante de um regime tão perverso, ele teve que escolher entre ação e inação, e como um cristão ativo só poderia haver uma decisão.

Em junho de 1944, Stauffenberg foi nomeado chefe do Estado-Maior do Exército de Substituição. Este era um posto-chave, dando-lhe acesso regular a Hitler nas conferências militares. 

Um exemplo da derrota dos alemães na Segunda Guerra – Militar alemão detido por brasileiros da FEB na Itália – Fonte Arquivo Nacional.

À medida que a situação militar da Alemanha piorava constantemente, Stauffenberg trabalhou para aperfeiçoar a trama e derrubar o regime a tempo de impedir uma invasão soviética da Alemanha. Capaz, enérgico e carismático, ele se tornou a cabeça, o coração e a mão orientadora da conspiração.

Berthold viu seu pai apenas três vezes depois que ele se juntou ao Exército de Substituição: por dois dias no Natal de 1943; em janeiro, no funeral do avô materno de Berthold; e por uma semana de licença em junho de 1944, que coincidiu com a invasão aliada da Normandia.

Apesar da posição cada vez mais precária da Alemanha, Berthold manteve sua crença infantil na vitória final – depositando sua fé nas bombas voadoras V-1 e nos foguetes V-2 projetados por Wernher von Braun e chovendo sobre a Grã-Bretanha mesmo quando os exércitos aliados se aproximavam da Alemanha.

Nina e Claus, a Condessa e o Conde von Stauffenberg – Fonte – https://www3.livrariacultura.com.br/claus-und-nina-von-stauffenberg-2012374110/p

“Naturalmente”, Berthold lembrou recentemente, “eu não tinha a menor ideia do que meu pai estava planejando e preparando, nem sabia o quanto minha mãe sabia de seus pontos de vista”. Por razões de segurança, nem ela nem ninguém da família, exceto o tio Nux e um irmão de Stauffenberg que participava da trama — estavam cientes dos planos precisos de Stauffenberg para matar Hitler. 

Mas a Condessa Nina von Stauffenberg sabia e compartilhava o desgosto de seu marido com o regime nazista cada vez mais criminoso, e teve que esconder cuidadosamente suas opiniões. “Os jornais estavam cheios do terrível destino daqueles que ouviam estações de rádio estrangeiras, negociavam no mercado negro ou espalhavam rumores derrotistas”, disse Berthold. “Esses casos geralmente terminavam em sentença de morte.”

LOTE DE BOMBA

Em meados de 1944, a situação parecia cada vez mais sombria e, em meados de julho, Stauffenberg estava a caminho de Wolfschanze. Em sua maleta ele carregava uma bomba composta de alto explosivo de plástico, que ele havia decidido – apesar de seus ferimentos incapacitantes – preparar e detonar na primeira oportunidade. 

Stauffenberg (à esquerda) em Rastenburg em 15 de julho de 1944. No centro Adolf Hitler. Stauffenberg já levava as bombas consigo. Mas decidiu não detoná-las naquele momento. Fonte – https://pt.wikipedia.org/wiki/Claus_Schenk_Graf_von_Stauffenberg#/media/Ficheiro:Bundesarchiv_Bild_146-1984-079-02,_F%C3%BChrerhauptquartier,_Stauffenberg,_Hitler,_Keitel.jpg.

Apenas seus confederados mais próximos na conspiração sabiam disso. Ele havia pedido a Nina que atrasasse sua partida para Lautlingen para que ele pudesse falar com ela primeiro, provavelmente pela última vez. Mas ele não pôde revelar o motivo, e ela já havia providenciado a viagem, então, em 18 de julho, ela e as crianças partiram de Bamberg para Lautlingen.

Houve uma grande reunião naquele verão na antiga sede da família, onde Claus e seus irmãos passaram férias idílicas na infância antes da Primeira Guerra Mundial. Em 1944 foi a vez dos quatro filhos de Claus — Berthold e seus três irmãos mais novos: os irmãos Heimaren e Franz-Ludwig, de oito e seis anos, e a irmã Valerie, de três anos — aproveitavam o espaço do Schloss Stauffenberg, junto com seus primos e tios.

O filho mais velho de Claus recordou, com clareza precisa, como soube do evento que destruiu a vida de sua família. “Em 21 de julho, ouvi uma reportagem de rádio sobre um ataque criminoso ao Führer”, disse Berthold. “Mas minhas perguntas sobre isso foram evitadas, e os adultos tentaram manter eu e meu próximo irmão mais novo, Heimaren, longe do rádio.

“Em vez disso, nós, crianças, fomos levados para uma longa caminhada pelo campo por nosso tio-avô Nux – um ex-oficial do Estado-Maior do Exército Imperial Austríaco – que nos manteve entretidos com histórias de suas aventuras juvenis como caçador de grandes animais na África”, disse Berthold. 

“Naturalmente, nenhum de nós sabia que ele também era membro da conspiração contra Hitler. Hoje, ainda me pergunto quais pensamentos passaram pela cabeça dele durante aquela caminhada”. Tio Nux seria julgado e enforcado algumas semanas depois por sua participação na trama.

Local do atentado contra Hitler em 20 de julho de 1944, onde estiveram no local Martin Bormann e Hermann Göring, grandes líderes nazistas – Fonte – Bundesarchiv Bild

No dia seguinte Nina chamou seus dois filhos mais velhos de lado e gentilmente disse a eles que era o pai deles que havia tentado assassinar Hitler. Ela também revelou que Claus havia sido executado por um pelotão de fuzilamento no final do mesmo dia, após o fracasso de suas tentativas desesperadas de lançar o golpe Valkyrie na sequência do atentado. 

Por fim, como se tudo isso não bastasse, ela disse aos meninos que estava esperando seu quinto filho.

“Nosso mundo se separou de uma vez”, disse Berthold. “Quando perguntei perplexo por que meu pai queria matar o Führer, minha mãe respondeu que ele acreditava que tinha que fazer isso pelo bem da Alemanha.

“A notícia do ataque a bomba veio como um raio. Não apenas amávamos nosso pai sempre alegre acima de todas as coisas; ele também era a autoridade absoluta sobre nossas vidas — mesmo que muitas vezes estivesse ausente como soldado. O choque foi tão profundo que acredito ter sido incapaz de pensar com clareza em qualquer coisa desde aquele momento até o fim da guerra. Na verdade, não havia tempo para pensar, porque a partir de então os golpes começaram a cair sobre nós com força e rapidez.”

PUNINDO A FAMÍLIA STAUFFENBERG

Naquela noite a Gestapo, abreviatura de Geheime Staatspolizei (Polícia Secreta do Estado), prendeu Nina e tio Nux e os levou para Berlim. Na noite seguinte, a mãe idosa de Claus e a tia Alexandrine, uma funcionária da Cruz Vermelha Alemã, foram presas. 

Os nazistas estavam executando o brutal decreto Sippenhaft (“detenção de parentes”), segundo o qual não apenas os conspiradores, mas toda a sua família, crianças e idosos incluídos, deveriam ser presos e punidos. No momento, as crianças, confusas e com medo, permaneceram em Lautlingen sob os cuidados de uma babá e da governanta de sua avó – e sob o olhar atento de dois funcionários da Gestapo alojados na casa.

Outra visão do local do atentado – Fonte – https://www.dw.com/en/remembering-the-german-resistance/a-49630374

“Isolados como estávamos – até mesmo de nossos companheiros na aldeia – nos sentíamos como párias da sociedade”, lembrou Berthold. “Nunca vou esquecer esse sentimento. A única pessoa que pudemos ver foi o padre da aldeia, que nos deu sua bênção e nos avisou que tempos difíceis poderiam vir para nós. No entanto, ele nos disse acima de tudo para nunca esquecermos a razão da morte do nosso pai. Só hoje percebo como foi corajoso da parte dele dizer isso.”

Em 17 de agosto de 1944, os quatro filhos de Claus von Stauffenberg e dois sobrinhos foram retirados de sua casa e colocados em um trem. O destino deles era Bad Sachsa, um orfanato nazista perto de Nordhausen, situado entre as montanhas Harz, na parte central da Alemanha. Aqui eles foram separados de acordo com sua idade e sexo e alojados em chalés. Nas semanas seguintes, os filhos de outros conspiradores se juntaram a eles. 

Uma das casas do orfanato de Bad Sachsa na época da Segunda Guerra – Fonte – https://de.wikipedia.org/wiki/Kinderheim_im_Borntal#/media/Datei:Kinderheim_Borntal_Bad_Sachsa-1003047_cropped.jpg

Berthold foi mantido em um chalé com cerca de nove outros meninos mais ou menos de sua idade. Seu confinamento não foi rigoroso. Apesar da diretora da casa, Fraulein Kohler, fosse uma nazista rígida e autoritária que ostentava orgulhosamente seu distintivo do partido, sua vice, Fraulein Verch, e os outros funcionários tratavam os filhos dos “traidores” com gentileza. Ao contrário de muitos outros alemães nos dias finais da guerra, eles foram bem alimentados, embora esparsamente,

“Nossa maior privação foi não ter notícias do mundo exterior”, disse Berthold. “Não havia rádio nem jornais e até o Natal de 1944 não tínhamos ideia se nossa mãe estava viva ou morta”. Durante o Natal, no entanto, um presente surpresa surgiu de forma inesperada e que eles não ousaram esperar: uma visita inesperada de sua tia Melitta, a esposa do irmão de Claus, Alexandre, que – em parte porque ele foi enviado para a Grécia ocupada e em parte por causa de sua natureza sonhadora e não mundana — não tinha sido informado da trama por seus dois irmãos.

QUEBRANDO AS REGRAS

Melitta Schenk Gräfin von Stauffenberg forjou uma carreira de sucesso como projetista de aeronaves e piloto de testes na Luftwaffe, alcançando o posto de Flugkapitän (capitão de voo) e recebendo a Cruz de Ferro. Seus talentos eram tão extraordinários – ela se especializou em bombardeiros de mergulho e fez mais de 2.000 voos de teste – que os nazistas ignoraram voluntariamente tanto seu gênero quanto sua herança judaica. 

Embora tivesse sido presa junto com Alexander sob o decreto de Sippenhaft, Melitta, com incrível ousadia, não apenas persuadiu os nazistas a libertá-la, mas também insistiu, como o preço de seu trabalho contínuo como piloto de testes, que ela fosse autorizada a visitar o marido, a cunhada Nina e os filhos. Surpreendentemente, os nazistas concordam com esses termos.

Melitta von Stauffenberg na cabine de um bombardeio de mergulho Junkers Ju 87 Stuka – Fonte – https://www.passionmilitaria.com/t40416-melitta-comptesse-von-stauffenberg-arien-d-honneur-et-ekii

Como resultado, ela chegou em Bad Sachsa no Natal com muitos presentes e a notícia de que Nina, embora detida, ainda estava viva. “Esse foi o melhor presente de Natal que poderíamos ter desejado”, lembrou Berthold. 

Um mês depois, a simpática Fräulein Verch disse às crianças que sua mãe havia dado à luz uma filha. Ela nasceu no mesmo dia, 27 de janeiro de 1945, em que o Exército Vermelho ocupou tanto Auschwitz quanto o quartel-general de Hitler em Wolfschanze — a cena do bombardeio abortado de Stauffenberg.

VINDO PARA BUCHENWALD

Mesmo quando a guerra se aproximava do fim, no entanto, as perspectivas para as crianças eram sombrias. 

Enfurecido com o atentado contra sua vida, Hitler insistiu que o próprio nome “Stauffenberg” fosse apagado da história. A decisão foi tomada para renomear as crianças “Meister” e adotá-las por uma família nazista leal – possivelmente até mesmo pertencentes as temidas SS – abreviatura de Schutzstaffel (tropas de assalto) – para serem criadas de acordo com o regime nazista. 

O primeiro passo foi removê-los de seus alojamentos relativamente confortáveis ​​em Bad Sachsa e enviá-los para o notório campo de concentração de Buchenwald, no leste da Alemanha. Apenas uma reviravolta milagrosa do destino impediu isso.

As crianças Stauffenberg partiram para Buchenwald na Páscoa de 1945, viajando em um caminhão do exército para a estação ferroviária da cidade de Nordhausen para embarcar em um trem para o campo. Eles estavam nos subúrbios da cidade quando um ataque aéreo aliado atingiu a cidade. “Destruiu todo o bairro ao redor da estação, incluindo a própria estação”, lembrou Berthold. “Os nazistas não tiveram outra opção a não ser nos levar de volta a Bad Sachsa, para nosso alívio.”

Poucos dias depois, em 11 de abril, a 104ª Divisão de Infantaria americana, conhecida como “Divisão Timberwolf”, chegou a Nordhausen. Mas a resistência alemã nas colinas e bosques ao redor da cidade era teimosa, e o Exército dos Estados Unidos teve que ameaçar destruir as partes da cidade que ainda estavam de pé antes que seus moradores se rendessem. “Tínhamos uma visão de arquibancada dos combates, com aviões P-51 Mustangs e P-38 Lightnings dos americanos rugindo no céu”, lembrou Berthold. 

Um tanque americano M-4 Sherman passa ao lado de um Panzer  tanque Tiger I na cidade alemã de Nordhausen em 1945 – Fonte – https://warfarehistorynetwork.com/article/the-liberation-of-nordhausen-concentration-camp/

“A vez que a guerra chegou perto demais para o nosso conforto foi quando o canteiro de morangos do jardim do chalé foi atingido por balas”. Soldados americanos revistaram o chalé e depois o prefeito de Nordhausen chegou para dizer a seus ocupantes que eles estavam livres. Embora duas enfermeiras tenham ficado para trás para cuidar das crianças, elas foram deixadas em grande parte sozinhas, por conta própria, e passaram o tempo vagando pela floresta local em busca de munição gasta e outros despojos de guerra.

REUNIDOS

Então, como num passe de mágica, outra tia veio em socorro dos pequenos Stauffenbergs. 

Em 11 de junho, a tia-avó das crianças, Alexandrine, chegou em um ônibus da Cruz Vermelha. Ela tinha vindo para levá-los para casa em Lautlingen, onde seu mundo havia desmoronado quase um ano antes. 

De volta a Lautlingen, Berthold e seus irmãos lamentaram a morte de seu pai, seu tio Berthold e seu tio-avô Nux – todos executados pelos nazistas – e de sua avó materna, que sucumbiu ao tifo em um campo de prisioneiros da SS. 

Avião Bücker Bü 181 Bestmann – Fonte – https://es.wikipedia.org/

Sua corajosa tia Melitta também havia morrido. Nos últimos dias da guerra, quando pilotava um avião Bücker Bü 181 Bestmann, uma aeronave de treinamento desarmada, foi metralhado por um caça americano. Embora ela tenha conseguido pousar, sua perna foi cortada e ela sangrou até a morte. Pior ainda para as crianças, sua mãe estava desaparecida.

Dentro de alguns dias, no entanto, a Condessa Nina também chegou milagrosamente a Lautlingen – embalando sua nova filha Konstanze. Ela preencheu a história dos meses perdidos: após sua prisão, ela foi levada para a sede da Gestapo em Berlim e intensamente interrogada sobre seu marido. De lá, ela foi transferida para o campo de concentração feminino em Ravensbrück e, mais tarde, para uma maternidade para dar à luz; então mãe e bebê foram evacuados às pressas de trem à frente do avanço do Exército Vermelho. Eles pegaram uma infecção no trem superlotado e foram tratados em um hospital em Potsdam antes de serem confiados a um único policial. “Ele deveria levá-los para Schonberg, onde outros prisioneiros de Sippenhaft foram mantidos, mas a guerra estava quase acabando e seu único desejo era voltar para casa”, disse Berthold. “Antes de abandoná-los ao seu destino, ele pediu para minha mãe escrever um certificado dizendo que ele havia cumprido seu dever na medida do possível – tão alemão!” 

Deixados perto da cidade de Hof, Nina e o bebê Konstanze se tornaram os primeiros prisioneiros de Sippenhaft a serem libertados pelo Exército dos Estados Unidos.

Nina Schenk, Condessa von Staufenberg e seus filhos – Fonte – http://prosimetron.blogspot.com/2008/08/nina-schenk-condessa-de-stauffenberg.html

“Não que alguém se sentisse muito livre no estado devastado que era a Alemanha”, disse Berthold. A casa em Lautlingen tornou-se um santuário para os aldeões assustados depois que as tropas marroquinas francesas que ocupavam a aldeia enlouqueceram, saquearam e estupraram. Os refugiados na casa também incluíam brevemente as famílias dos funcionários da Gestapo que haviam sido alojados lá. 

Na estação ferroviária, Berthold assistiu aos infelizes remanescentes do Exército Vlasov – uma força de renegados russos que havia lutado ao lado dos alemães contra seus compatriotas comunistas e que, ironicamente, seu pai havia ajudado a criar e equipar – sendo arrebanhados em trens para repatriação forçada “às ternas misericórdias de Stalin”.

JUNTANDO AS PEÇAS

Finalmente, porém, os Stauffenbergs sobreviventes começaram a juntar os cacos de suas vidas. 

O processo de recuperação foi longo. Sua casa em Bamberg, por exemplo – que havia sido usada pelo Corpo de Inteligência dos Estados Unidos e estava muito danificada – não foi devolvida a eles até 1953, e eles tiveram que travar uma longa batalha legal para recuperar grande parte da propriedade da família.

Cerimônia em memória ao coronel Claus von Stauffenberg no local do seu fuzilamento em Berlin em 2019, com a presença da então chanceler alemã Angela Merkel. Stauffenberg é o único militar alemão que atuou na Segunda Guerra a receber homenagens oficiais do governo da República Federal da Alemanha – Fonte – https://www.dw.com/en/germany-merkel-commemorates-hitler-assassination-plot-75-years-after-operation-valkyrie/a-49660510

Berthold eventualmente escolheu seguir os passos de seu pai, tornando-se um soldado na Bundeswehr, o novo exército da Alemanha Ocidental. Mas as circunstâncias ditaram uma carreira militar muito diferente da de seu pai. O major-general Berthold Schenk, atual Conde von Stauffenberg, agora com 74 anos, passou a maior parte de seus anos de serviço na Guerra Fria, preparando-se para outra guerra contra a União Soviética que nunca aconteceu, e nunca ouviu um tiro disparado de raiva. Berthold foi para a reserva em 1994.

Inevitavelmente, porém, ele viveu sua vida sob a longa sombra de seu pai. “Nos meus primeiros dias no exército, quando havia muitos oficiais superiores que conheciam meu pai, sempre me perguntavam: “Você é filho do Conde von Stauffenberg?”

“O que, afinal, se pode responder a essa pergunta? Estou orgulhoso dele, é claro, pois o que ele fez foi um dever moral. Gosto de pensar que eu, e toda a minha família também, teríamos feito o mesmo”.

CASO RAMPA – MP COMPROVA DIRECIONAMENTO E QUER SUSPENSÃO IMEDIATA DE CONTRATO MILIONÁRIO DO GOVERNO POTIGUAR COM A CASA DA RIBEIRA

O buraco está cada vez mais fundo no poço de irregularidades que parecem ter marcado o processo que levou o Governo do RN, por meio da Secretaria Estadual de Turismo, a contratar por R$ 6 milhões a Casa da Ribeira para manter o Complexo Cultural da Rampa. E quem aponta isso é o Ministério Público do RN, que esta quarta-feira (8) expediu uma recomendação para o Governo suspender imediatamente a execução do Plano de Trabalho do Acordo de Cooperação celebrado entre as duas partes.

O motivo dessa recomendação foi que, com menos de dois meses de investigação (o inquérito foi aberto no dia 1º de abril) já foram encontradas e comprovadas uma série de irregularidades ou suspeitas que tornaram o processo ainda mais grave.

Embarque e desembarque na área da Rampa, provavelmente em 1941, em um hidroavião Boeing 314 Clipper da empresa aérea Pan American Airways. A Rampa é um dos principais marcos históricos existentes do período da aviação mundial e se encontra em Natal mas a maioria da sua população não sabe disso.

Dentre elas, olhe só: “a eventual falsificação do memorando que inaugura o processo de contratação – a ser investigada em sede de inquérito policial – e define a CASA DA RIBEIRA como entidade dotada de notoriedade para o objeto da contratação, com aposição de assinatura digital da Coordenadora de Articulação e Ordenamento da Secretaria de Turismo, servidora que alega que não praticou o ato, não conhece a CASA DA RIBEIRA, desconhece a sua notoriedade para o que se propunha, e não tem conhecimento sequer deste processo de contratação específico“.

Isso porque, de acordo com o processo de contratação da Casa da Ribeira, ela foi escolhida pelo Governo do RN, supostamente, por ter “notorio saber” na manutenção de museus e espaços como aquele. E mais: o promotor Afonso de Ligório, responsável pelo caso, apontou também que foi possível perceber em depoimentos e e-mails institucionais que já relatavam e orientavam a contratação da Casa da Ribeira antes mesmo da deflagração do processo de contratação. “Conforme testemunho colhido nos autos, houve ordens diretas da Chefia da Secretaria Estadual de Turismo para a inserção dos documentos da CASA DA RIBEIRA nos autos do processo de contratação“, acrescentou o promotor. 

Um hidro Martin PBM-3 Mariner sendo colocado no Rio Potengi através da Rampa.

Um dos e-mails colhidos pelo MP na investigação, inclusive, dizia o seguinte:

Pessoal, esse é o novo TDR que Day construiu para a contratação do Projeto Museológico que provavelmente será com a Casa da Ribeira, dei uma lida agora, mas Aninha (secretaria de turismo) pediu para que @Solange desse uma revisada também por sua experiência na construção desses documentos, então, Sol, se vc puder dar uma lida para que Day tramite o processo, agradecemos. Só para todos ficarem cientes, a parte jurídica será resolvida no próximo dia 27 (inicialmente estava marcada para hoje, mas a Procuradora do Estado, Dra. Ana Gabriela Brito, que foi designada, pediu que remarcássemos pro dia 27 por indisponibilidade de agenda). A parte financeira, remanejamos uma Emenda estadual da EMPROTUR para a SETUR (já foi devidamente autorizada pelo secretário da SEPLAN e está pendente de publicação no Diário Oficial – Proc 00210006.003466/2019-78 e já combinei com Priscila UIFPSETUR sobre o Empenho após a publicação), além de que Aninha solicitou tramitação prioritária ao Dep. Mineiro. Então, após Solange dar o OK no TDR, Day instrui o processo e ficamos aguardando o retorno da reunião do jurídico.

Desembarque do pessoal da US Navy na Rampa. Esse local foi intensamente utilizado por esquadrilhas de hidroaviões americanos que caçavam e destruiam submarinos alemães no Atlântico Sul.

COMPROVAÇÃO 

Por tudo isso, antes de pedir a suspensão, o MP aponta que “se encontra comprovado nos autos o direcionamento prévio da contratação direta, por inexigibilidade de licitação, da entidade ESPAÇO CULTURAL CASA DA RIBEIRA pela Secretaria Estadual de Turismo, como empresa especializada, para elaboração do Plano Museológico e Expográfico do Complexo Cultural Rampa, bem como para elaborar o desenho e respectivo enquadramento em Leis de Incentivo à Cultura, nas esferas federal e estadual para o Centro Cultural Rampa, mediante as seguintes provas, entre outras, amealhadas nos autos do inquérito civil“.

Um hidro Martin PBM-3 Mariner, visto pelos arcos da Rampa, no Rio Potengi.

SUSPENSÃO

Diante das irregularidades praticadas pelo Governo do RN e pela casa da Ribeira, o MP recomendou o seguinte:

a) para evitar maior dano ao patrimônio Público, suspendam imediatamente a execução do Plano de Trabalho do Acordo de Cooperação celebrado com a entidade ESPAÇO CULTURAL CASA DA RIBEIRA para implantação do Museu da Rampa e complexo cultural correlato, antes que se implementem os efeitos financeiros dos editais em curso e se realizem novas despesas à custa do acordo, interrompendo ainda qualquer pagamento à entidade contratada no prazo de 48 (quarenta e oito) horas;

b) promovam a rescisão do acordo de cooperação e assumam o objeto pactuado em relação às parcelas adimplidas e já pagas pelo Poder Público, inclusive zelando pela manutenção dos bens eventualmente entregues à custa dos recursos públicos oriundos de incentivos fiscais,;

Pátio da Rampa e seus hidroaviões

c) a deflagração de um certame público e impessoal para a formulação de um Plano Museológico respeitante da legislação e sua implementação, para o Museu da Rampa, com ampla possibilidade de participação de todo e qualquer interessado do setor cultural do Estado e do país, em respeito ao princípio da impessoalidade;.

d) a assunção pelo Estado da administração do equipamento público designado Complexo Cultural da Rampa, sito na na Rua Cel. Flamínio, 1 – Santos Reis, Natal/RN, 59037-155, inclusive para fins de manutenção, até que seja definida, por meio de certame público cabível, a pessoa jurídica responsável pela administração do espaço.

Natal em uma das principais rotas aéreas durante a Segunda Guerra Mundial e a Rampa era um dos principais locais no esforço de guerra na capital potiguar.

E mais: o promotor Afonso de Ligório ainda determinou que “a presente recomendação seja entregue em mãos das autoridades recomendadas” e que seja enviada essa recomendação para o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte, com cópia integral dos autos, para que esta Egrégia Corte de Contas tome conhecimento das irregularidades já detectadas pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte e adote as providências que entender cabíveis à espécie, inclusive decidir sobre auditoria dos valores contemplados no plano de trabalho.

NÃO FALTOU AVISO

Não é de hoje que o Blog do Gustavo Negreirose a Rádio 96 fm acompanham o caso. O assunto, inclusive, começou aqui, em julho do ano passado, com esta matéria: 

Governo do RN dispensa Fundação Rampa e agora pagará R$ 6 milhões para reunir acervo para museu

Quase um ano depois, outra bomba: MP aponta contradições e vai investigar contratação da Casa da Ribeira para gerir Complexo da Rampa

E, ontem, o negócio apertou ainda mais, quando o MP divulgou uma audiência pública para discutir a manutenção do Complexo Cultural da Rampa. Agora, com a publicação dessa recomendação, ficou claro que a audiência já deve discutir como o espaço será mantido sem a Casa da Ribeira. 

Fonte: Blog do Gustavo Negreiros


ANTIGAS PUBLICAÇÕES DO BLOG TOK DE HISTÓRIA SOBRE O COMPLEXO DA RAMPA

A RAMPA E O RIO POTENGI EM FOTOS DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

RAMPA – A ANTIGA BASE DE HIDROAVIÕES DE NATAL

NO PRÉDIO HISTÓRICO DA RAMPA COM O SR. WILLIAM POPP, EMBAIXADOR INTERINO DOS ESTADOS UNIDOS NO BRASIL

VISITA DO HISTORIADOR FRANK D. McCANN A NATAL

A IMPORTÂNCIA DO SÍTIO HISTÓRICO DA RAMPA PARA A AVIAÇÃO BRASILEIRA E SUA SITUAÇÃO ATUAL